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01) Ao longo da disciplina, todas as reflexões estiveram perpassadas por perguntas que, embora

explimidas de diversas formas, apontavam sempre para o mesmo problemas: afinal, o que é ser
humano? O que significam as diferenças entre o que nós entendemos e o que os outros entendem que
é propriamente humano? Foi nesse contexto que, amiúde, lançou-se mão de oposições como
humano-não humano (ou desumano, ou monstruoso), civilizado-selvagem (ou primitivo, ou inculto,
ou atrasado), racional-irracional (ou desarrazoado), natural-desnaturado, normal-anormal (ou
patológico, ou desviado, ou bizarro). Retomando a ideia inicial de Tim Ingold (1995) acerca da
humanidade como tema peculiar da antropologia, como entender a antropologia como uma ciência da
humanidade?

A Antropologia é a "ciência que estuda o homem", literalmente. Tendo essa ideia como base,
parece simples definir ambos conceitos: o de Antropologia e o de Homem. Porém, tais definições não
são tão simples, principalmente a de "Homem", pois carregam consigo diversas minúncias na qual vários
outros temas devem ser previamente conjecturados de forma a se entender tal complexidade. Entender
o que é ser humano vai muito além de uma definição meramente descritiva, categorica, do ser em si.
Temos que considerar diversas outras indagações para se chegar a uma tese acerca da questão proposta.
Entender o que é a Humanidade, ou chegar-se a uma definição do que viria a ser o estado de ser do
homem, é essencial nessa discussão.
Tim Ingold, em seu artigo "Humanidade e Animalidade" busca tratar justamente desses
conceitos na qual buscamos uma resposta para o que seria a humanidade. A partir da experiência do
navio mercante holandês nas proximidades da baía de Bengala, na qual foi-se avistado seres com cauda,
o autor comenta sobre uma das questões fundamentais para se entender o homem: a alteridade. Ao ver
os seres apelidados de "lúcifer", o debate "humano x não humano" veio a tona, pois não se tinha noção
do ser humano em sua totalidade de diversificações na época. Ao levar em consideração que a espécia
humana não deve ser definida de forma radical, isto é, partindo de um padrão fixo de uma imagem do
que seria o homem, Ingold afirma: "Não devemos nos deixar levar pelas concepções estreitas e
eurocêntricas do tipo de coisa que é um ser humano" sustentando essa ideia pelo que Lord Monboddo
disse: "O gênero humano não é fixo e imutável; ao contrário, ele é variável tanto em termos históricos
quanto geográficos. Essa variabilidade é o traço distintivo da espécie animal[...]." Considerando, então, o
ser humano e suas diversidades, a questão torna-se, contudo, mais complexa, pois o que interessa agora
é entender o que é o homem e em que ele se difere das outras espécies. Dentro dessa ideia, surgem
diversas dicotomias, sendo uma delas, a mais importante e que engloba tantas outras dualidades, a
oposição Humanidade x Animalidade.
Diferir o que é humano e o que é animal não é uma tarefa tão simples quanto parece,
justamente porque "as espécies biológicas não são tipos naturais" como dito por Clark no artigo do
Ingold. Sendo assim, não basta meramente descrever por exemplos visuais, genéticos ou físicos a
diferença entre os seres. o ser humano, assim como os outros animais tem grande variabilidade dentro
da própria espécie. "A palavra Humanidade, [...], torna-se o estado ou a condição humana do ser
radicalmente oposta à condição da animalidade" afirma Ingold propondo uma possível definição dos
conceitos. Tal proposição do Ingold dialoga diretamente com as ideias de Lévi-Strauss no que diz respeito
à diferenciação entre "estado de natureza" e "estado de sociedade (ou de cultura)". Em seu texto
"Natureza e Cultura", o autor explica a ainda insolúvel noção do que é natureza e o que é cultura,
afirmando que não existe um limiar que marca a mudança do homem como "ser natural" para "ser
cultural", justamente pelo fato de não se saber um certo "comportamento natural" (Lévi-Strauss) da qual
a espécia humana se desenvolveu. Se encaixa aqui, mais uma das dualidades da antropologia: civilizado
x selvagem. Ainda seguindo a ideia do autor, não se pode dizer que um estado do ser humano sobrepõe
o outro, mas sim que eles estão interligados e influênciaram diretamente um no outro, segundo Geertz
ao afirmar: " Não existe natureza humana independente da cultura". Relaciona-se essa ideia com as
propostas de DaMatta em "Relativizando" quando ele propõe a tese de que a singularidade humana
estaria exatamente na variabilidade cultural da espécie nas sociedades humanas. Seria na ausência da
noção de regras que se diferenciaria cultura de natureza. A construção da ideia de humanidade deve ser
pensada não somente no homem em sua espécie, mas sim, diferenciando-o daquilo que é considerado
como uma animalidade.
A animalidade entra em evidência ao se ter em conflitos sociais, em que preconceitos advindos
de visões etnocentristas e preconceituosas, o questionamento da noção de humanidade e o que pode, e
deve, ser considerado como humano. Como abordado por Steil em seu capítulo "Os Demônios
Geracionais. A herança dos antepassados na determinação das escolhas e das trajetórias pessoais" no
livro "Família e Religião", temos uma ideia do que seria a dicotomia civilizado (moderno) x selvagem
(atrasado) quando se tem uma associação da religiosidade (que seria o atrasado) com a medicina (dita
como moderna) quanto à questão da cura/libertação na passagem: "[...] o ritual religioso se agrega ao
tratamento clínico não só como uma etapa no processo de cura [...]". Outro exemplo de dualidade, nesse
caso entre normal x anormal, é tratado por Diaz Benitez em "Nas redes do sexo. Os bastidores do pornô
brasileiro", ao tratar algumas das variedades do sexo como bizarras, considerando os praticantes como
"pessoas desviadas" (DIAZ BENITEZ) como demonstra a passagem: "São universos comumente
associados a pessoas desviantes, corruptas e perversas que penetram em outras redes ligadas ao
mercado do sexo - por exemplo, a da prostituição - vistas também como "poluídas".
No que diz respeito aos conflitos e movimentos sociais, temos em "Falta alguém na minha casa:
Desaparecimento, luto, maternidade e política", do autor Araújo, a questão da etnia, condições
financeiras, favela e direitos humanos como contradições na construção da identidade social e do ideal
de humanidade das "mães de acari" como visto no trecho: "[...] houve tentativas, sobretudo de setores
da polícia de rotulá-las como "mães de bandido", com o objetivo de as deslegitimar diante da "opinião
pública", tratando o status de "bandido" como desumano, não civilizado. Também vemos essa distinção
em "Os Quilombos e as Novas Etnias" de Almeida quando, ao se tratar das "roças", o discurso jurídico
trate os quilombos como "[...] agrupamento de vadios que negam o trabalho.".
Quanto à questão da hierarquização social, temos o caso do "Sabe com que está falando? Um
ensaio sobre a distinção entre indivíduo e pessoa no Brasil" de DaMatta, em que se estuda a aplicação
da frase que dá nome ao texto mediante às diferenças sociais qua acabam por originar uma
diferenciação, em "superior" e "inferior", na sociedade brasileira, como percebe-se na passagem: "[...] os
casos de aplicação do "sabe com quem está falando?" revelam uma estrutura social em que classes
sociais também se comunicam por meio de um sistema de relações entrecortadas [...]" demonstrando
assim uma estratificação das classes sociais puramente pela dimensão financeira em que as classes se
inserem no sistema econômico.
Sendo assim, considerando todos esses fatores e essas dualidade que permeiam as discussões
da Antropologia, e principalmente da Etnografia, estudando o ser humano e buscando uma definição do
conceito de humanidade, podemos, por fim, buscar entender Antropologia como ciência da
humanidade. Relacionando as teorias de Ingold, Geert e Lévi-Strauss, na busca por uma concreta
conceituação do que seria a humanidade, e entendendo como se dão as dualidades ditas previamente,
podemos construir uma melhor noção daquilo que seria, de forma, no mínimo, mais justa e abrangente,
o ser humano, em sua pluralidade de tipos e diversidades. A alteridade, a identidade e a cultura (como
característica do homem) são, pois, essencias nesse estudo, propiciando assim, uma determinação
menos etnocentrista, preconceituosa e racista do que é considerado ser humano, não apenas como
espécie biológica, mas como ser cultural ou social.
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02) 2) Inspirados no trabalho pioneiro de Malinowski e outros antropólogos clássicos, os antropólogos


no Brasil e alhures continuam a se utilizar do “método etnográfico” para compreender a vida como é
vivida pelos Outros que eles estudam. Como as pesquisas apresentadas ao longo da disciplina
exprimem o ponto de vista dos grupos estudados, isto é, o “ponto de vista nativo”? Que efeitos têm
tais pesquisas, por exemplo, em termos da construção de identidades ou da ação política desses
coletivos? Cite um exemplo ou situação concreta, dentre as estudadas na disciplina, para elaborar sua
resposta.

Malinowski, em sua obra "Os Argonautas do Pacífico Ocidental", marcou a história da


antropologia moderna devido ao fato de revolucionar o método etnográfico, adotando em sua pesquisa
a participação, observação e detalhamento minuncioso dos grupos a serem estudados. Pela etnografia,
pode-se tentar-se obter uma melhor noção do outro, daquele que se estuda. Devido a justamente esse
fato que o seu método de trabalho obteve sucesso e manteve-se como fundamental para o estudo
antropológico moderno.
Além do contato direto com o seu objeto de estudo, Malinoski, em seu método, propunha
também, uma coleta de dados bem detalhada, seguida da análise desses dados e por fim a formulação
da sua tese do seu estudo. Apesar de, na prática, ser um estudo desgastante de se construir, não se pode
negar a necessidade do mesmo, já que a Antropologia busca se compreender a Humanidade, e pra isso,
deve-se conhecer a espécie humana em oposição com o considerado animal, como afirma Ingold: "A
palavra Humanidade, [...], torna-se o estado ou a condição humana do ser radicalmente oposta à
condição da animalidade".
Tendo como base o modelo da etnografia moderna, podemos perceber como isso foi importante
e serviu como método em diversas pesquisas realizadas com grupos e etnias que podem ser
consideradas como "nativos". Apesar de tal metodologia ter sido aplicada de diferentes formas nos
estudos dos textos estudados na disciplina, notamos uma semelhança bem marcante neles. No estudo
feito por Díaz Benitez em "Nas redes do sexo. Os bastidores do pornô brasileiro" a adoção da
metodologia mencionada pode ser exemplificado quando ela se vale de entrevistas direcionadas aos
"nativos", que seriam o atores pornôs dos filmes, assim como quando demonstra sua utilização, como na
passagem: "Preliminares, transe e consumação são as etapas básicas de uma cena pornô e, certamente,
correspondem à sequência de grande parte dos encontros sexuais interpessoais. Neste livro, essa
equação será utilizada como modelo para descrever e analisar o processo de produção de filmes
pornô.". Ainda sobre a forma de pesquisa apresentada, notamos em "Matar e morrer no feminino e no
masculino" da autora Lia Zanotta Machado, um caráter etnográfico semelhante ao de Malinoski no
trecho: "Pelo menos, será com estas categorias que agruparei e analisarei alguns dos dados que este
levantamento sobre homicídios abre para o conhecimento e a reflexão da violência na sociedade
brasileira". Percebemos assim, a grande influência de Malinoski da antropologia e na etnografia
moderna.
Considerando esses fatos, podemos notar, como esse método se mostra importante tanto na
pesquisa quanto para os grupos sociais, ou "nativos". A partir do momento em que se lança mão da
pesquisa etnográfica num objeto de estudo, tem-se uma enorme valorização, caso a pesquisa seja feita
de modo correto, da imagem desses grupos, e isso se deve ao fato de a pesquisa ser, preferencialmente,
o mais imparcial possível, buscando na própria fonte, no caso, no "nativo, os levantamentos e os dados
iniciais de coleta para se engendrar as hipóteses e teses do estudo. Além disso, com a pesquisa sendo
feita e logo após sua conclusão, tem-se uma incessante mobilização e crescente divulgação do assunto
tratado, dando assim, mais voz e até mesmo mais intensidade da busca de identidade coletiva e social
mais aceita numa sociedade tão segregante.
No estudo feito por Araújo em "Falta alguém na minha casa: Desaparecimento, luto,
maternidade e política" conseguimos compreender o grande valor que tais pesquisas promovem na
busca do ideal de identidade e coletividade e no que diz respeito a participação e inserção como sujeitos
políticos tais grupos "nativos". No caso das "mães de acari", é facilmente perceptível como um grupo de
onze mães foram adquirindo mais identidade e participação política devido ao drama vivido mediante a
tragédia que enfrentaram ao terem seus filhos desaparecidos. Essas mães, se organizaram e buscaram se
estabelecer como força política, questionando o Estado e as instituições relacionadas no caso do
desaparecimento, principalmente a Polícia Militar, como lê-se na passagem: "A partir da vivência de um
acontecimento trágico - o desaparecimento dos filhos - essas mães transitaram de um tempo do choque
para um tempo da política, na medida em que, a partir do choque, elas se constituiram enquanto sujeito
político e começaram a aparecer na esfera pública para pressionar o Estado e reivindicar justiça e
reparação".
Em casos como no estudo de Almeida em "Os Quilombos e as Novas Etnias", em que se trata da
distorção da imagem do grupo "nativo", os quilombolas, e dos próprios quilombos, acabam pos segregar
demais grupos à margem da sociedade, mas que se inserem e se consideram como quilombolas, o que
acaba por enfraquecer o ideal de coletividade desses grupos. Ainda dentro dessa ideia, temos o caso em
"Os demônios geracionais. A herança dos antepassados na determinação das escolhas e das trajetórias
pessoais" em que o autor, Steil, ao pesquisar formas alternativas de religião, busca abranger e, mesmo
que de forma indireta, divulgar tal grupo e tal ideologia proposta em sua integridade.
Em outro exemplo, temos como a identidade coletiva de um determinado grupo acaba por se
estabelecer mediante critérios previamente estabelecidos, o que acaba por contribuir para a contrução
de um preconceito que gira em torno desse grupo. Proposto por Souza em "A nação em chuteiras: raça e
masculinidade no futebol brasileiro" temos um estudo feito sobre como o futebol acaba por criar uma
representação da nação, como pecebemos no trecho: "A identificação nacional, e a própria definição de
nacionalidade no Brasil, inclui, conforme vimas até aqui, o futebol. [...] As representações populares do
"futebol-arte" associam-no diretamente ao negro. Este seria, para o senso comum, quem possuiria o
tipo-físico ideal para a prática "maliciosa" da bola, características essenciais do "futebol-arte". Tal ideia
nos mostra como esse ideal de "futebol-arte" e seu grupo nativo biotipado, os negros, acabou sendo
adotado pela nação apreciadora do futebol como o "tipo ideal inserido numa visão de mundo
paradigmática" (SOUZA).
Por fim, percebemos então como tais pesquisas e como o desenvolvimento do método
etnográfico e da antropologia servem como importantes ferramentas que apoiam e, mesmo que
indiretamente, incentivam os grupos "nativos" a atuarem e se constituirem como uma força política
ativa, a partir da construção de um ideal de coletividade. Mesmo que tratando de casos como o futebol,
ou a religiosidade em associação com a medicina moderna, como citados nos exemplos tratados nos
paragrafos anteriores, cria-se uma coletividade, seja como forma de torcidas organizadas, ou
religiosidades alternativas, respectivamente. Tais grupos, se inserem num contexto de afirmação e
construção de imagem, seja ela esterotipada ou não, o que por fim, acaba por, de uma forma geral, dar
maior visibilidade e voz para tais grupos. Esse ideal de coletividade dialoga diretamente com os debates
dicotomicos da antropologia, como o conflito humanidade x animalidade, pois tratam de casos
polêmicos em que tais grupos nativos foram caracterizados de forma "inferiorizada", desumana, bizarrra,
monstruosa, dentre outros sinônimo. Além disso, podemos correlacionar essa dualidade com o que é
proposto por Lévi-Strauss no que diz respeito a diferenciação do que seria a espécie humana no "estado
de natureza" ou no "estado de sociedade/cultura", isto é, a diferenciação do ser civilizado para o não
civilizado. É com isso que devemos, pois, valorizar o estudo antropologico-etnográfico, que de forma
alguma são estudos aleatórios sem sentido e sem objetivo, mas sim, estudos que contribuem para, como
afirma Ingold, uma contrução do conceito de humanidade como tema central da Antropologia.
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03) Os processos de construção da identidade foram, de fato, um tema central na segunda parte da
disciplina. Tais processos foram abordados através de categorias como raça, etnicidade, gênero,
sexualidade, classe social e pertencimento religioso e político, por exemplo. Nesse sentido, os textos
propostos, cada um de modo específico, enfatizavam o caráter dinâmico, contextual e relativo das
identidades. Isto contrasta claramente com a rigidez de determinismos e estereótipos que estão na
base dos preconceitos, da discriminação e outras formas de violência (racismo, machismo, homofobia,
classismo, etc). Como esta maneira de compreender a identidade se relaciona com a reflexão proposta
na disciplina sobre “humanidade”, “etnocentrismo” e “alteridade”, por exemplo?

Construção da humanidade/ etnocentrismo - Ingold. > Identidade coletiva complexa x determinismo


(mães de acari, quilombolas (negros que se negam ao trabalho, Porno).
Alteridade >

A construção da identidade e da coletividade tem como base, ou principal questionamento que


se é feito, mesmo que implicitamente, a questão do que é a humanidade. Isso se deve ao fato de que,
antes de se ser considerado como uma identidade coletiva, antes de se tornarem sujeitos políticos, as
categorias e os grupos marginalizados, por exemplos os quilombolas, os atores pornôs e as "mães de
acari", tem sua própria existência e condição do estado de ser, em outras palavras, sua caracterização
como seres humanos, questionadas. Adjetivos como desumano, não civilizado, bizarro, monstruosos,
anormais, irracionais são alguns exemplos de como esse pertencimento à espécie homo sapiens é posto
em cheque, portanto, a condição de humanidade desses grupos é duvidada. Essa forma de tratamento
diante da diversidade cultural, física e mesmo genética dos seres humanos, tem indicativos muito claros
de que essa visão um tanto preconceituosa acerca desses atores sociais se deve muito ao fato daquilo
que chamamos etnocentrismo. Assim como mencionado em Ingold, "Essa concepção da vida animal e da
"animalidade humana" está extraordinariamente difundida no pensamento ocidental e ainda hoje dá o
tom de boa parte do debate científico nos estudos sobre o mundo animal e o comportamento humano".
Em outras palavras, há, indiretamente ou não, uma visão ocidental, etnocêntrica, acerca do que se
considera humano, do que se considera animal, e é justamente essa padronização, essa visão de molde,
de modelo, que acaba por trazer à sociedade preconceitos e discriminações diante de certos grupos
sociais. Essa construção ocidental de esterótipos e de um determinismo no que seria a humanidade é
justamente o ponto marcante que caracteriza a construção do conceito de humanidade no mundo
ocidentalizado etnocentrista, é portanto, a raiz de todo conflito que envolve a questão da alteridade no
contexto da antropologia.
Outro ponto importante nesse debate é o que vemos ainda em Ingold, no trecho : "Um traço
marcante da tradição ocidental é a tendência a pensar em dicotomias paralelas, de modo que a oposção
entre animalidade e humanidade é posta ao lado das que se estabelecem entra natureza e cultura, corpo
e espírito, emoção e razão [...]". Esse pensamento direcionado por essas dicotomias seria uma forma de
se pensar um possível definição do que seria a humanidade. Lévi-Strauss trata uma dessa dicotomias, a
relação natureza x cultura, porém, afirmando que essa distinção de estados do ser humano não pode ser
tratada na forma bruta, isto é, "o homem é um ser biológico ao mesmo tempo que é um indivíduo
social" (LÉVI-STRAUSS), demonstrando assim a interdependência entre os dois termos dicotomicos.
Tendo como base os estudos tratados nos textos sobre alguns desdobramentos tematicos da
antropologia ao longo da disciplina, temos uma noção melhor de como essa construção da identidade
vai se estabelecendo a medida que grupos sociais vão sendo marginalizados. No caso tratado por Díaz
Benitez em "Nas redes do sexo. Os bastidores do pornô brasileiro", percebemos claramente por meio de
expressões como "bizarro" e como dito na passagem: " [...] o material pornográfico é transgressor por
encarnar a produção excluída dos padrões culturalmente aceitos pelo "gosto legítimo", notamos como a
identidade dos atores pornos vai sendo estereotipada mediante uma visão preconceituosa. Outro
exemplo claro desse mesmo tratamento diante de grupos sociais, está em "Os Quilombos e as Novas
Etnias" quando Almeida cita que o discurso jurídico trate os quilombos como "[...] agrupamento de
vadios que negam o trabalho", visão essa que é bem atrasada, já que a definição de quilombo e
quilombolas está, hoje, muito além de como era visto no período da escravidão. Em Steil, no texto
"Família e Religião" tratando em específico os "demônios geracionais" podemos agregar uma visão mais
ampla da religiosidade, quando o autor trata da associação que está vem estabelecendo com a medicina
moderna, fator esse que foge ao padrão que se tem, no senso comum, da religiosidade vigente, isso é
notado na passagem: "[...] o ritual religioso se agrega ao tratamento clínico não só como uma etapa no
processo de cura [...]". Também temos em Araújo no seu estudo "Falta alguem na minha casa:
desaparecimento, luto, maternidade e política" a questão da estigmatização do grupo social, no caso as
"mães de acari", por meio do estereótipo e do determinismo da identidade delas como faveladas, mães
de bandido, de criminosos. Essa visão é mais adotada principalmente pelos policiais acusados de
estarem envolvidos no crime, como percebemos na citação "[...] a principal crítica contra as mães de
acari era a associação delas com o tráfico de drogas e sua representação como "mães de bandidos". Por
fim, podemos perceber em "A Nação em chuteiras: raça e masculinidade no futebol brasileiro", por
Souza, como uma estereotipagem por meio de um esporte acaba influenciando na própria identidade
nacional do Brasil como "país do futebol", tratado no trecho: "A cosntrução da imagem da nação
brasileira e vitorioso, através do futebol, tem como código demarcador de pertencimento a este coletivo
o "futebol-arte". Nesse ponto, tem-se a marginalização de todos aqueles que não se envolvem, praticam,
assistem ou acompanham o futebol. A mulher, principalmente, e todos aqueles sem interesse ou
habilidades no esporte, acabam por serem tidos como grupos a parte, justamente pelo determinismo
imposto pelo futebol no Brasil.
Sendo assim, podemos concluir então, como o etnocentrismo, e suas formas de determinismo e
estereotipagem acabam sobreponde a questão da alteridade. O homem, como ser cultural e social,
como tratado por Lévi-Strauss, se sobressai, mediante alguns padrões pre-estabelecidos por um grupo
social majoritário, e acaba por impor uma marginalização a todos os demais que não se encaixam nesse
padrão. Nesse ponto, inicia-se uma divergência no que diz respeito a noção de humanidade e
animalidade desses grupos. Como mencionado por Ingold: "não há apenas uma maneira humana de ser.
A "aptidão para a cultura, [...], é uma capacidade de gerar diferença. [...] Nesse processo criativo, que se
realiza no curso ordinário da vida social, e através dele, é que a essência da condição de humanidade se
revela como diversidade cultural". Ou seja, o conceito de humanidade é flexível, justamente pela
caracterista flexível das culturas que caracaterizam a grande amálgma que é a espécia humana. Por esse
motivo, notamos a importância que a antropologia tem numa construção mais justa do que seria o ser
humano e todas suas variações e das identidades coletivas fugindo, pois, da discriminação e do
determinismo proposto pela visão preconceituosa que hoje, infelizmente, ainda tem-se da humanidade.
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04) Uma característica comum aos textos estudados na disciplina é que eles revelam uma pluralidade
de posições em disputa e de formas de ação social e engajamento político. Eles também chamam a
atenção para problemas, casos e situações onde, no decorrer de conflitos e tensões sociais, são
acionados argumentos, justificativas e noções de senso comum, jurídicas, religiosas, científicas
(especialmente das ciências naturais e da biomedicina), etc. Qual seria a especificidade da
contribuição das ciências sociais, em geral, e da antropologia, em particular, nesse contexto? Cite um
exemplo ou situação concreta, dentre as estudadas na disciplina, que permita mostrar como estas
diferentes abordagens se diferenciam, se opõem ou se complementam entre si.

A antropologia e as ciências sociais, em geral, são determinantes no contexto dos conflitos


oriundos da pluralidade dos conflitos e ações sociais que estudamos ao longo dos textos. O estudo das
"humanidades" que segundo Ingold "incluem o estudo da linguagem, da História e da civilização" se
mostra como importante ferramenta pois estudam a alteridade e como as diferenças culturais, que
caracterizam o homem, se inserem no contexto de disputas e engajamento político.
Conforme apresentado por Malinoski em seu estudo nas ilhas Trobiand, temos o Método
Etnográfico como base para se compreender de forma mais clara a visão que tem o grupo "nativo"
estudado. A importância dessa visão, se deve justamente a fuga da ideia etnocentrica e determinista
imposta pelo preconceitos que se formaram ao longo dos anos em que grupos sociais marginalizados
foram se estabelecendo como entidades e sujeitos políticos. Em outras palavras, a antropologia, em
especial a etnografia, amplia os horizontes da contemplação do que é humanidade, do que é ser
humano, trazendo como base as problematizações que envolvem esses estudos diantes dos
questionamentos em diversas áreas como na religião, na ciência, na questão da raça e do gênero, nos
conflitos sociais e no ideal da construção da nação. Assim, como afirma Lévi-Strauss: "O ser humano é
um ser biológico, ao mesmo tempo que um indivíduo social", podemos entender a questão da
importância da antropologia na cosntrução mais justa da humanidade, já que esse estudos acabam por
compreender melhor a natureza humana em contrapartida com o que seria considerado animalidade ou
desumano, como Ingold afirma: "A palavra Humanidade, [...], torna-se o estado ou a condição humana
do ser radicalmente oposta à condição da animalidade". É estudando a alteridade e os diversos casos de
marginalização de grupos sociais que se contrói então um ideal sobre o que vem a ser a espécie humana
em toda sua pluralidade de culturas.
Nesse contexto, notamos ao longo do estudo dos textos propostos na disciplina, diversas forma
de como esses grupos sociais se inserem na esfera política. Um desses exemplos está em Araújo em seu
texto "Falta alguém na minha casa: desaparecimento, luto, maternidade e política" quando o autor
demonstra a crescente formação da identidade coletiva das "mães de acari" e a inserção das mesmas no
âmbito político, conforme expresso no trecho: "A partir da vivência de um acontecimento trágico - o
desaparecimento dos filhos - essas mães transitaram de um tempo do choque para um tempo da
política, na medida em que, a partir do choque, elas se constituiram enquanto sujeito político e
começaram a aparecer na esfera pública para pressionar o Estado e reivindicar justiça e reparação".
Notamos também em "Raça e identidade: entre o espelho, a invenção e a ideologia", da autora Maria
Lúcia Montes, a questão do engajamento político na passagem: "[...] movimentos de grupos étnicos qu
têm se organizado de uma maneira absolutamente clara, visível e assertiva - sejam eles os vários
movimentos negros, sejam movimentos de grupos indígenas, como a União das Nações Indígenas - para
afirmar, diante da sociedade nacional, sua identidade étnica e reivindicar, a partir daí, o reconhecimento
de seus direitos enquanto cidadãos deste país".
No que diz respeito a construção da identidade como contribuição da antropologia, podemos
perceber no texto "Nas redes do sexo: os bastidores do pornô brasileiro", da autora Díaz-Benítez, o
trecho que trata justamente dessa questão: "A rede social que protagoniza esta pesquisa impede
pensarmos a constiruição de identidades coletivas a partir do exercício de práticas sexuais. Esse circuito
não conforma minorias, engolbando uma enorme diversidade de personagens quanto a idade, raça,
classe social, orientação sexual e de gênerom gostos sexuais, motivos e intenções de escolha". Também
estuda-se essa questão no texto "A nação em chuteiras: raça e masculinidade no futebol brasileiro", de
Marcos Alves de Souza, quando ele diz: "a naçao é também um projeto coletivo, onde direitos e deveres
são cruciais. Ou seja, a nação é (re)construída e atualizada continuamente, a partir de seus critérios de
pertencimento coletivo, e de acordo com "posições" desejadas para os sujeitos sociais ocuparem, na
coerência dessa coletividade." No caso da religião, temos no texto "Família e Religião", de Carlos Alberto
Steil, a relação de parentesco e historicidade das doenças, ou "demônios geracionais", que é tratada ao
longo de sua pesquisa no Grupo São José. Todas essas ideias, se complementam no que diz respeito a
afirmação da identidade, seja ela sobre religião, discussão de gênero e sexualidade ou mesmo na
construção do ideal da nação.
Por fim, considerando Ingold "Não devemos nos deixar levar pelas concepções estreitas e
eurocêntricas do tipo de coisa que é um ser humano", ou seja, a ideia é fugir do etnocentrismo ocidental
para se poder conceituar de forma mais clara a grande dicotomia que envolve debates como
Humanidade x Animalidade e nesse sentido, temos como grande importância os estudos das Ciências
Sociais, num carater mais geral, e da Antopologia, de forma mais específica, principalmente com a
etnografia, para contribuir de forma mais justa qusestões que abordam a humanidade, fugindo de
determinismos, estereotipo, preconceitos e discriminações que envolvem, conforme afirma Lévi-Strauss,
a pluralidade de culturas que envolve o ser humano tanto como ser cultural quanto social. Portanto,
notamos que, mesmo que feito por diferentes formas de abordagens, diferentes intensidades de
aplicação do método etnográfico malinoswkiano nas pesquisas, os estudos acabam por serem
complemetares justamente no quis dis respeito à (re)afirmação e (re)construção do ideal da identidade
coletiva. Ainda em Geertz, notamos então, a grande importância desses estudos sociais, ao comentar
sobre o valor que a antropologia nos proporciona, quando justifica: "São nas particularidades culturais
dos povos, que são encontradas algumas das revelações mais instrutivas sobre o que é ser
genericamente humano. Neste sentido, a antropologia como ciência pode contribuir para o conceito de
ser humano, mostrando como refletir ou como procurar pistas significativas sobre esse ser".

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