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explimidas de diversas formas, apontavam sempre para o mesmo problemas: afinal, o que é ser
humano? O que significam as diferenças entre o que nós entendemos e o que os outros entendem que
é propriamente humano? Foi nesse contexto que, amiúde, lançou-se mão de oposições como
humano-não humano (ou desumano, ou monstruoso), civilizado-selvagem (ou primitivo, ou inculto,
ou atrasado), racional-irracional (ou desarrazoado), natural-desnaturado, normal-anormal (ou
patológico, ou desviado, ou bizarro). Retomando a ideia inicial de Tim Ingold (1995) acerca da
humanidade como tema peculiar da antropologia, como entender a antropologia como uma ciência da
humanidade?
A Antropologia é a "ciência que estuda o homem", literalmente. Tendo essa ideia como base,
parece simples definir ambos conceitos: o de Antropologia e o de Homem. Porém, tais definições não
são tão simples, principalmente a de "Homem", pois carregam consigo diversas minúncias na qual vários
outros temas devem ser previamente conjecturados de forma a se entender tal complexidade. Entender
o que é ser humano vai muito além de uma definição meramente descritiva, categorica, do ser em si.
Temos que considerar diversas outras indagações para se chegar a uma tese acerca da questão proposta.
Entender o que é a Humanidade, ou chegar-se a uma definição do que viria a ser o estado de ser do
homem, é essencial nessa discussão.
Tim Ingold, em seu artigo "Humanidade e Animalidade" busca tratar justamente desses
conceitos na qual buscamos uma resposta para o que seria a humanidade. A partir da experiência do
navio mercante holandês nas proximidades da baía de Bengala, na qual foi-se avistado seres com cauda,
o autor comenta sobre uma das questões fundamentais para se entender o homem: a alteridade. Ao ver
os seres apelidados de "lúcifer", o debate "humano x não humano" veio a tona, pois não se tinha noção
do ser humano em sua totalidade de diversificações na época. Ao levar em consideração que a espécia
humana não deve ser definida de forma radical, isto é, partindo de um padrão fixo de uma imagem do
que seria o homem, Ingold afirma: "Não devemos nos deixar levar pelas concepções estreitas e
eurocêntricas do tipo de coisa que é um ser humano" sustentando essa ideia pelo que Lord Monboddo
disse: "O gênero humano não é fixo e imutável; ao contrário, ele é variável tanto em termos históricos
quanto geográficos. Essa variabilidade é o traço distintivo da espécie animal[...]." Considerando, então, o
ser humano e suas diversidades, a questão torna-se, contudo, mais complexa, pois o que interessa agora
é entender o que é o homem e em que ele se difere das outras espécies. Dentro dessa ideia, surgem
diversas dicotomias, sendo uma delas, a mais importante e que engloba tantas outras dualidades, a
oposição Humanidade x Animalidade.
Diferir o que é humano e o que é animal não é uma tarefa tão simples quanto parece,
justamente porque "as espécies biológicas não são tipos naturais" como dito por Clark no artigo do
Ingold. Sendo assim, não basta meramente descrever por exemplos visuais, genéticos ou físicos a
diferença entre os seres. o ser humano, assim como os outros animais tem grande variabilidade dentro
da própria espécie. "A palavra Humanidade, [...], torna-se o estado ou a condição humana do ser
radicalmente oposta à condição da animalidade" afirma Ingold propondo uma possível definição dos
conceitos. Tal proposição do Ingold dialoga diretamente com as ideias de Lévi-Strauss no que diz respeito
à diferenciação entre "estado de natureza" e "estado de sociedade (ou de cultura)". Em seu texto
"Natureza e Cultura", o autor explica a ainda insolúvel noção do que é natureza e o que é cultura,
afirmando que não existe um limiar que marca a mudança do homem como "ser natural" para "ser
cultural", justamente pelo fato de não se saber um certo "comportamento natural" (Lévi-Strauss) da qual
a espécia humana se desenvolveu. Se encaixa aqui, mais uma das dualidades da antropologia: civilizado
x selvagem. Ainda seguindo a ideia do autor, não se pode dizer que um estado do ser humano sobrepõe
o outro, mas sim que eles estão interligados e influênciaram diretamente um no outro, segundo Geertz
ao afirmar: " Não existe natureza humana independente da cultura". Relaciona-se essa ideia com as
propostas de DaMatta em "Relativizando" quando ele propõe a tese de que a singularidade humana
estaria exatamente na variabilidade cultural da espécie nas sociedades humanas. Seria na ausência da
noção de regras que se diferenciaria cultura de natureza. A construção da ideia de humanidade deve ser
pensada não somente no homem em sua espécie, mas sim, diferenciando-o daquilo que é considerado
como uma animalidade.
A animalidade entra em evidência ao se ter em conflitos sociais, em que preconceitos advindos
de visões etnocentristas e preconceituosas, o questionamento da noção de humanidade e o que pode, e
deve, ser considerado como humano. Como abordado por Steil em seu capítulo "Os Demônios
Geracionais. A herança dos antepassados na determinação das escolhas e das trajetórias pessoais" no
livro "Família e Religião", temos uma ideia do que seria a dicotomia civilizado (moderno) x selvagem
(atrasado) quando se tem uma associação da religiosidade (que seria o atrasado) com a medicina (dita
como moderna) quanto à questão da cura/libertação na passagem: "[...] o ritual religioso se agrega ao
tratamento clínico não só como uma etapa no processo de cura [...]". Outro exemplo de dualidade, nesse
caso entre normal x anormal, é tratado por Diaz Benitez em "Nas redes do sexo. Os bastidores do pornô
brasileiro", ao tratar algumas das variedades do sexo como bizarras, considerando os praticantes como
"pessoas desviadas" (DIAZ BENITEZ) como demonstra a passagem: "São universos comumente
associados a pessoas desviantes, corruptas e perversas que penetram em outras redes ligadas ao
mercado do sexo - por exemplo, a da prostituição - vistas também como "poluídas".
No que diz respeito aos conflitos e movimentos sociais, temos em "Falta alguém na minha casa:
Desaparecimento, luto, maternidade e política", do autor Araújo, a questão da etnia, condições
financeiras, favela e direitos humanos como contradições na construção da identidade social e do ideal
de humanidade das "mães de acari" como visto no trecho: "[...] houve tentativas, sobretudo de setores
da polícia de rotulá-las como "mães de bandido", com o objetivo de as deslegitimar diante da "opinião
pública", tratando o status de "bandido" como desumano, não civilizado. Também vemos essa distinção
em "Os Quilombos e as Novas Etnias" de Almeida quando, ao se tratar das "roças", o discurso jurídico
trate os quilombos como "[...] agrupamento de vadios que negam o trabalho.".
Quanto à questão da hierarquização social, temos o caso do "Sabe com que está falando? Um
ensaio sobre a distinção entre indivíduo e pessoa no Brasil" de DaMatta, em que se estuda a aplicação
da frase que dá nome ao texto mediante às diferenças sociais qua acabam por originar uma
diferenciação, em "superior" e "inferior", na sociedade brasileira, como percebe-se na passagem: "[...] os
casos de aplicação do "sabe com quem está falando?" revelam uma estrutura social em que classes
sociais também se comunicam por meio de um sistema de relações entrecortadas [...]" demonstrando
assim uma estratificação das classes sociais puramente pela dimensão financeira em que as classes se
inserem no sistema econômico.
Sendo assim, considerando todos esses fatores e essas dualidade que permeiam as discussões
da Antropologia, e principalmente da Etnografia, estudando o ser humano e buscando uma definição do
conceito de humanidade, podemos, por fim, buscar entender Antropologia como ciência da
humanidade. Relacionando as teorias de Ingold, Geert e Lévi-Strauss, na busca por uma concreta
conceituação do que seria a humanidade, e entendendo como se dão as dualidades ditas previamente,
podemos construir uma melhor noção daquilo que seria, de forma, no mínimo, mais justa e abrangente,
o ser humano, em sua pluralidade de tipos e diversidades. A alteridade, a identidade e a cultura (como
característica do homem) são, pois, essencias nesse estudo, propiciando assim, uma determinação
menos etnocentrista, preconceituosa e racista do que é considerado ser humano, não apenas como
espécie biológica, mas como ser cultural ou social.
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03) Os processos de construção da identidade foram, de fato, um tema central na segunda parte da
disciplina. Tais processos foram abordados através de categorias como raça, etnicidade, gênero,
sexualidade, classe social e pertencimento religioso e político, por exemplo. Nesse sentido, os textos
propostos, cada um de modo específico, enfatizavam o caráter dinâmico, contextual e relativo das
identidades. Isto contrasta claramente com a rigidez de determinismos e estereótipos que estão na
base dos preconceitos, da discriminação e outras formas de violência (racismo, machismo, homofobia,
classismo, etc). Como esta maneira de compreender a identidade se relaciona com a reflexão proposta
na disciplina sobre “humanidade”, “etnocentrismo” e “alteridade”, por exemplo?
04) Uma característica comum aos textos estudados na disciplina é que eles revelam uma pluralidade
de posições em disputa e de formas de ação social e engajamento político. Eles também chamam a
atenção para problemas, casos e situações onde, no decorrer de conflitos e tensões sociais, são
acionados argumentos, justificativas e noções de senso comum, jurídicas, religiosas, científicas
(especialmente das ciências naturais e da biomedicina), etc. Qual seria a especificidade da
contribuição das ciências sociais, em geral, e da antropologia, em particular, nesse contexto? Cite um
exemplo ou situação concreta, dentre as estudadas na disciplina, que permita mostrar como estas
diferentes abordagens se diferenciam, se opõem ou se complementam entre si.