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WEB-AULA 1

Afinal, o que é o português do Brasil?

Iniciando a conversa

Tão bela, tão rica, tão instigante... assim é nossa língua, nosso patrimônio.

Antes de iniciarmos nossa aula, gostaria que você visse esta bela interpretação de Caetano Veloso.

“Caetano Veloso - Língua”

Na música, Caetano se refere a Camões, importante poeta português, de quem você já deve ter ouvido falar ou lido
algum soneto. É interessante também a referência à TV Globo. Há quem defenda que existe um “padrão Globo” de
língua portuguesa, que não permite que seus apresentadores utilizem suas variantes regionais orais. Seja isso fato ou
mito, o que nos interessa mesmo é conhecer um pouco mais a constituição histórica da nossa língua e, nesta aula,
procuraremos responder: existe um português do Brasil? Por que e como ele se diferenciou do português de Portugal?

Vamos às explicações!

Afinal, o que é o português do Brasil?

Será que nossa língua é diferente da de Portugal? Existe uma língua brasileira?

São muitas as questões referentes a esse tema que podem surgir para você, estudante de Letras. Portanto,
inicialmente, acredito ser importante colocar “os pingos nos is” como diz a expressão popular. Há quem defenda que
temos nossa língua brasileira, pautando-se naquilo que é diferente entre Brasil e Portugal.

Mas, de acordo com Houaiss (1992): nossa língua é a portuguesa! O adjetivo “brasileiro” que uso quando falo do nosso
português, serve para demarcar que nosso estudo leva em conta aquilo que é daqui, da nossa fala. Em Portugal, fala-
se também português, o qual leva o adjetivo “europeu”, justamente para marcar suas características próprias que o
individualizam em relação ao nosso. Portanto, para nós, convém estudar o português daqui, o português brasileiro e
suas características. Inclusive, uma boa dica para quem pretende fazer uma pós-graduação é o estudo comparativo
entre características do português brasileiro e do europeu ou mesmo do africano.

Por outro lado, como observa Houaiss (1992, p.33 – grifos do autor; negrito nosso):

Se, porém, se buscam diversificações entre si equilibradas como cristalizações do falar comuns a um grupo mais ou
menos grande de pessoas (na horizontalidade ou na verticalidade), entra-se no reino da dialetologia, que tanto se
esmiúça em subdialetos, como se generaliza em grandes dialetos, estes, nas línguas de cultura, são visceralmente
vinculados com o grau de literatação com culturalização que suas populações se transmitem, por gerações
escolarizadas. Nesse nível de comparação, é ponto pacífico, para todos, que é possível reconhecer uma variedade
de lusofonia que poderia ser chamado lusitano, em face de outra que poderia ser chamada brasileiro e –
tendencialmente – angolano, moçambicano, caboverdiano, guineense e são-tomé-e-principense.

Dito isso, nesta aula e nesta disciplina, norteamo-nos pela convicção de que temos uma única língua que apresenta
características diferentes em cada território. Essas diferenças, certamente se notam em alguns momentos na
morfossintaxe; por exemplo, nós brasileiros estamos torcendo para o fim da crise, enquanto os portugueses estão a
torcer pelo fim da crise. Observe-se que essa diferença não impede o entendimento entre lusófonos americanos e
europeus, pois estamos diante de duas formas possíveis na mesma língua; isso não justifica a existência de duas
línguas, da mesma forma como salienta Houaiss (1992, p.13-14):

[...] por ser de cultura, e de cultura gráfica, isto é, escrita, é possível escrever dezenas, centenas, milhares, milhões de
frases em português que não têm geografia, isto é, que servem para todos os que sabem ler o português, como se
fossem eles mesmos os seus escreventes[...]. Entretanto, do ponto de vista oral, a geografia efetivamente sempre
existe. Pensemos essa geografia como uma extensão horizontal ou continuum terrestre em que, num pólo qualquer, se
coloca o conceito de unidade e, noutro pólo qualquer, o da diversidade.

Veja que nessa citação, Houaiss entra na questão da variação linguística, assunto que já foi estudado por você em
outras disciplinas do curso de Letras e que será retomado na nossa web-aula 2 desta Unidade.

Em relação à unidade e à diversidade de que falam Houaiss, percebemos que nosso território apresenta em sua
extensão algo que pode ser chamado de “língua comum”, a qual subsiste como tal para a imensa maioria da
população, promovendo certa unidade linguística; entretanto não devemos esquecer de que existem também muitas
minorias lingüísticas (variantes diversas faladas por grupos menos numerosos em comparação aos falantes da “língua
comum”, como o falar gaúcho, o falar nordestino, o falar do norte-paranaense etc.) que convivem aqui. Em
contrapartida, a título de exemplo, nos países lusófonos africanos, a diversidade linguística é mais evidente e mais
abrangente.

Retomando a história
Após a descoberta em 1500, iniciou-se a colonização portuguesa no Brasil. Para facilitar, o tupi foi usado como a
língua geral da colônia. Essa língua foi estudada e difundida pelos jesuítas, responsáveis também pela catequização
dos índios, pois eles perceberam que não seria possível catequizar os gentios utilizando o espanhol, o português ou o
latim. No entanto, em 1757, uma Provisão Real proibiu o uso da língua tupi, se bem que com o grande número de
portugueses na colônia esta língua já estava sendo suplantada pelo português. Além de elementos indígenas, o
português aqui falado recebeu forte influência das línguas africanas faladas pelos escravos 1.

Além dos estrangeirismos, outros fatores influenciaram na formação do português do Brasil, a ponto de diferenciá-lo do
português de Portugal. Vamos estudar essas diferenças? Então, me acompanhe!

Uma língua, dois falares

A “disputa” entre portugueses e brasileiros pela posse da língua vem de longa data. Apresenta Houaiss (1992, p.30 –
grifos do autor):

Há portugueses que, proprietários da “sua” língua, não só execram seus compatrícios dialetais (oralmente e por
escrito), mas excomungam e, se possível, expeliriam os que a degradam [...]. Há brasileiros que, por reconhecerem
que a língua é “deles”, querem uma “nossa”, preconizando um divórcio da política linguística fortemente
antilusitanizante; e os há que, “reconhecendo” que a língua é “deles”, se esforçam por restaurar-lhe entre nós a
pureza...

Veio para cá grande número de portugueses, os quais trouxeram em seu falar características linguageiras dos
diferentes lugares e meios de onde provinham, portanto aqui se falava um português que não se realizava em Portugal.

O português brasileiro2 começou a se delinear quando não acompanhou as mudanças no falar do português europeu,
especialmente no século XVIII por influência do francês. Aqui, na colônia, falava-se ainda como na época da
descoberta. Houve uma reaproximação desses falares quando a família real transferiu-se para cá, fugindo da invasão
das tropas de Napoleão, entre os anos 1808 e 1821.

Com a independência, vieram para cá muitos imigrantes europeus, principalmente no sul e centro do país, os quais
trouxeram sua língua materna.

Conforme Medeiros (2007):

No século XX, a distância entre as variantes portuguesa e brasileira do português aumentou em razão dos avanços
tecnológicos do período: não existindo um procedimento unificado para a incorporação de novos termos à língua,
certas palavras passaram a ter formas diferentes nos dois países (comboio e trem, autocarro e ônibus, pedágio e
portagem). Além disso, o individualismo e nacionalismo que caracterizam o movimento romântico do início do século
intensificaram a literatura nacional expressa na variedade brasileira da língua portuguesa, argumento retomado pelos
modernistas que defendiam, em 1922, a necessidade de romper com os modelos tradicionais portugueses e privilegiar
as peculiaridades do falar brasileiro. A abertura conquistada pelos modernistas consagrou literariamente a norma
brasileira.

Você já deve ter ouvido um português falar: como ele fala rápido, não é? Se não ouviu ou mesmo para ilustrar, vá ao
site WWW.youtube.com e procure por “Amália Rodrigues”. Assim, além de um exemplo de português europeu, você
ouvirá uma das melhores cantoras de Portugal!

Teyssier (2001) aponta que, em sua evolução, o português do Brasil manteve semelhanças com o europeu,
generalizando a norma portuguesa do centro-sul e eliminando as particularidades marcadas do norte. No Brasil
colônia, o português:

[...] continuou a evoluir segundo a deriva do português europeu: monotongou ou em [¿] e simplificou [t¿] em [¿] em
palavras do tipo chamar, seguindo nisso o uso do centro-sul de Portugal. As semelhanças, porém, cessam aí. [...] o
português do Brasil não mais seguiu, ou seguiu apenas parcialmente, as inovações européias. Parecerá, assim,
conservador. Mas, ao mesmo tempo, irá realizar transformações fonéticas desconhecidas do português europeu, e
nisso será inovador. (TEYSSIER, 2001, p. 99-100)Alguns exemplos dados pelo autor citado das inovações do
português brasileiro em relação ao europeu são:

a) No português europeu, realiza-se a pronúncia do /l/ final; já no Português brasileiro, o /l/ vocaliza-se em /w/ -
[animaw] – ou desaparece, como em generá (general); papé (papel).

b) Em nosso português os grupos consonantais são eliminados pelo aparecimento do i, como
em adimirar (admirar); adivogado(advogado, também pronunciado adevogado).

c) Costumamos suprimir o r final, como em pegá (pegar), fazê (fazer).

d) Os portugueses dizem e escrevem estou a fazer, enquanto nós, estou fazendo.

Há, ainda, muitas outras diferenças na colocação pronominal, nas formas de tratamento, no vocabulário. E, se
focalizarmos a questão das variantes linguísticas, teremos outras diferenças.

No Brasil, as variedades, além dos registros culto e popular, atingem o nível geográfico. Os pesquisadores, conforme
atesta Teyssier (2001), distinguem um norte e um sul, divididos por uma linha que iria da foz do rio Mucuri, no extremo
sul da Bahia, até a cidade de Mato Grosso (em MT). Mas mesmo dentro de cada região e de cada estado, temos
variantes que marcam seus falantes. Aqui mesmo no Paraná, eu, que moro no norte do estado, falo muito diferente das
pessoas que moram no sul. Você também deve ter conhecimento dessas diferenças aí em seu estado. Já em Portugal,
tem-se uma divisão dialetal mais acentuada, conforme você pode ler no livro da nossa disciplina (na Unidade 2 –
História da língua portuguesa, no item 2.3 – Domínio da língua portuguesa).


Esse assunto será retomado em nossa web-aula 2 desta Unidade, quando falaremos dos estrangeirismo.

2
 Alguns autores utilizam a expressão português americano, para diferenciar o falado na América do falado na Europa,
denominado português europeu. Eu, particularmente, prefiro utilizar português brasileiro, pois se levarmos em
consideração o número de brasileiros que mora nos Estados Unidos da América, a expressão português americano
não pode se restringir ao português falado no Brasil. Além disso, o português falado nos Estados Unidos, certamente,
sofre outras influências que nós do Brasil não temos. É o interessante e abrangente fenômeno da variação linguística!
E ainda tem gente que acha “chato” estudar nossa língua... mal sabem eles a riqueza e diversidade  que estão
perdendo, não é mesmo?

A questão da língua no Brasil

Aqui, a língua vai além de tema de discussão entre gramáticos; ela é um problema nacional. Houve movimentos, a
partir da Independência, de brasileiros que “[...] pensavam ser impossível haver uma nação original, com sua cultura e
com literatura própria, sem língua original.” (TEYSSIER, 2001, p.111)

Na literatura, por exemplo, tivemos o Romantismo, movimento em que a questão da língua foi colocada para os
escritores. Depois, no Modernismo, houve o esforço para tentar definir uma originalidade propriamente brasileira.

Entre filólogos e linguistas, o debate foi mais tardio que entre os escritores, visto que foi tardio o aparecimento de
estudos filológicos e lingüísticos centrados na língua portuguesa e desenvolvidos aqui no Brasil. Quanto a isso,
convém ressaltar as informações encontradas em Teyssier (2001, p.114-116 – grifos do autor):

[...] Entre os precursores, deve reter-se o nome de Júlio Ribeiro (1845-1890). Vem, a seguir, a geração dos pioneiros
com José Ribeiro (1860-1934), Manuel Said Ali (1861-1953), Mário Barreto (1871-1931), Sousa da Silveira (1883-
1967), Antenor Nascentes (1886-1972), Augusto Magne (1887-1966). Finalmente, com o desenvolvimento do ensino
universitário, as condições tornaram-se mais favoráveis e aparecem mestres como Joaquim Mattoso Câmara Júnior
(1904-1970), Theodoro Henrique Maurer Júnior, Serafim da Silva Neto (1917-1960), Sílvio Elia, Gladstone Chaves de
Melo, Celso Cunha, Wilton Cardoso, Nelson Rossi e muitos outros. A adoção dos métodos científicos levou alguns
filólogos a procederem a uma revisão crítica de certos juízos prematuros emitidos sobre a história do português do
Brasil, revisão que não podia deixar de ter consequências na “questão da língua.”

Durante largo tempo muitas das particularidades do português do Brasil foram explicadas como o resultado de
influências ameríndias ou africanas. Do lado ameríndio, a fonte era essencialmente o tupi. [...] Espécie de resíduo
filológico do indianismo romântico, a mania do tupi levou a exageros evidentes, a erros, a generalizações apressadas.
Depois do tupi, foi a vez das línguas africanas. [...] Os filólogos brasileiros aplicaram-se em reagir contra esses
exageros. Sem negar a influência do tupi e das línguas africanas, mostram que muitos exemplos alegados são
inconsistentes. Clóvis Monteiro, por exemplo, não encontra muita dificuldade para provar que tem por há, ou eu vi
ele por eu vi-o nada têm a ver com o tupi. Mas foi principalmente Serafim da Silva Neto quem procedeu a uma
desmistificação “em regra” das “fontes” ameríndias e africanas do português do Brasil. Um exemplo particularmente
curioso é o de minhoca, que já se pretendeu provar ser de origem quimbundo, quando a palavra vem atestada em
português em época demasiadamente recuada para que possa ter vindo da África.

Como você pode observar, a língua portuguesa sobreviveu à descolonização no Brasil, fato que não se observa na
Ásia. No início do século XX, Portugal estava presente politicamente nos territórios de Goa, Diu e Damão (Índia), numa
parte da ilha de Timor (Indonésia) e numa pequena zona de Macau (China). Hoje, a soberania portuguesa
desapareceu no Oriente. A língua manteve-se em crioulos falados em Goa, Damão e Diu.

Mesmo na África, nos países lusófonos, a situação do português é muito diferente da do Brasil. Apesar de língua oficial
em  cinco países (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe), o português coexiste com
diversos dialetos africanos.

Aprofundando o conhecimento

Mesmo com essas diferenças tão nítidas, passamos por mais uma tentativa de unificar a ortografia de nossa língua,
sob a alegação de que isso trará benefícios políticos, econômicos e culturais. Para inteirar-se mais do assunto,  Clique
aqui e leia uma breve história da ortografia da língua portuguesa.

Referências

MEDEIROS, Adelardo Adelino Dantas de. A língua portuguesa. Disponível em:


http://www.linguaportuguesa.ufrn.br/pt_3.3.a.php. Acesso em 11 fev. 2009.

TEYSSIER, Paul.História da língua portuguesa. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

WEB-AULA 2
Mudança, evolução e variação: o papel dos empréstimos e dos neologismos

Iniciando a conversa

Como você já deve saber, toda e qualquer língua do mundo apresenta variações. Portanto, podemos dizer que uma
das principais características do português do Brasil é sua diversidade geográfica e diversidade cultural. Muitos
pesquisadores estão tentando traçar o mapa dos dialetos brasileiros, em especial os que estão ligados ao projeto
NURC1.

Além da região, as diferenças são motivadas por razões socioculturais. Como observa Teyssier (2004, p.98): “As
diferenças na maneira de falar são maiores, num determinado lugar, entre um homem culto e o vizinho analfabeto que
entre dois brasileiros do mesmo nível cultural originários de duas regiões distantes uma da outra.” Assim, no português
brasileiro, há diferentes níveis ou registros, indo desde a língua culta, passando pela língua vulgar das camadas
urbanas gradativamente menos instruídas, até os falares regionais2 e rurais.

Vale lembrar que não se trata de uma gradação do melhor ao pior, mas somente um continuum que estabelece a
evolução do popular ao padrão, sem escala de valores. Apesar disso, sabemos que existe o chamado “preconceito
lingüístico”, discutido especialmente pelo pesquisador Marcos Bagno. Quem não conhece as ideias do autor ou quem
quer aprofundar seus conhecimentos, pode começar pela leitura do livro Preconceito lingüístico: o que é, como se
faz.

Nesse ponto, é interessante citar também Houaiss (1992, p.29 – grifos do autor):

Um traço equívoco da política linguística adotada no Brasil e em Portugal durante um lapso de tempo (de 1820
[digamos] a 1920 [digamos]) foi um ensino da língua que postulava uma modalidade única do português – com uma
gramática única e uma “luta” acirrada contra as variações até de pronúncia. Supor que uma língua de cultura possa ser
uniformemente usada na expressão dos seus pólos linguageiros (o infantil, o juvenil, os etários; os locais, os regionais;
os profissionais, os culturais, e, “dentro” de cada usuário, os estados emotivos, afetivos, racionais vários) é supor algo
que, a ter existido, só teria ocorrido em línguas naturais de número ínfimo de usuários localizados num espaço também
restrito. Do extremo diferencial individual, num pólo, ao extremo universal colegiado [...], noutro pólo, há uma gama
riquíssima de massas intermediárias, dialetais e nacionais, tanto mais rica quanto não é apenas a matização horizontal
(de lugar para lugar, de cidade para cidade, de região para região, de país para país), mas também vertical (os usos de
cidade, os usos de classe, os usos de profissões, os usos de poder, os usos de crenças, os usos de ideologias etc.).

A mudança e as diferenças fazem parte da evolução de qualquer língua. O acervo lexical de todas as línguas se
renova; algumas palavras deixam de ser utilizadas e outras tantas são criadas pelos falantes.  Remontando à formação
do português, vemos que o léxico português é basicamente de origem latina. Palavras evoluíram por meio dos
mecanismos estudados em nossas teleaulas, enquanto outras foram criadas pelos processos de composição e
derivação.

Além desses recursos, cuja característica central é utilizar elementos da própria língua, o português herdou termos de
outras línguas desde o início de sua formação. O empréstimo lingüístico provém do contato entre falantes do português
e outros povos, como os celtas, fenícios, bascos, bárbaros, africanos, indígenas. Temos também empréstimos que
denotam troca sócio-cultural com outras sociedades, como a francesa, a espanhola, a italiana.

A língua não evolui em linha reta: muitas são as direções que podem ser seguidas. Termos podem ser criados dentro
do próprio vernáculo; palavras podem ter seu significado ampliado ou restringido, adquirindo valoração pejorativa ou
meliorativa; palavras podem migrar de outras línguas, formando ou não derivações e/ ou composições, mantendo ou
não sua grafia original, figurando ou não os dicionários.

Conforme exemplificam Oliveira et al (2009), o filólogo Evanildo Behara afirmou, em 2005, que o termo mensalão
poderia figurar nos dicionários de língua portuguesa, mas, infelizmente, carregando a visão depreciativa que ganhou na
política. Segundo o filólogo, esse termo já existia no português dos anos 1980, contudo se referia à diferença paga
mensalmente à Receita Federal pelos contribuintes com mais de uma fonte de renda; portanto, pagar mensalão, nos
anos 1980, era cumprir o dever de cidadão.

1
 Site do projeto NURC. www.fflch.usp.br/dlcv/nurc/historico.htm

2
 http://www2.unopar.br/sites/cantodasletras/lingua_viva.html

Os neologismos

É atribuída ao espírito humano uma ânsia incontrolável por novidade: mesmo quando se alcança algum sucesso, o
indivíduo pode lançar-se a novas pesquisas para satisfazer sua vontade de adquirir novos conhecimentos. Na
linguagem, isso se evidencia pelo número de termos que vão surgindo com o passar do tempo.

A criação de uma nova palavra, contudo, não surge somente para o enriquecimento da língua, mas para suprir uma
necessidade, como a designação de nomes que não têm um vocábulo específico.

É interessante observar que as criações sempre obedecem a regras morfossintáticas da língua, tanto que a partir do
vocábulo novo podem ser criadas novas palavras conforme os processos característicos de formação de palavras na
língua.
Não basta que seja criado um neologismo para garantir seu sucesso, ou seja, sua incorporação ao léxico da língua.
Cabe à comunidade linguística escolher se usa ou não aquele novo elemento, integrando-o ao idioma.

Alves (1990) destaca que os neologismos podem ser divididos em tipos diversos (formados por aspectos fonológicos,
sintáticos, derivação prefixal, derivação sufixal, composição, derivados de siglas, semânticos etc.). As formas mais
comuns de produção de neologismos atualmente em nossa língua são:

 Nomenclatura técnica: normalmente, é constituída de palavras formadas por elementos gregos.


 Gíria: trata-se de uma linguagem especial, utilizada por sujeitos de um mesmo grupo. Dessa forma, a gíria
caracteriza e identifica o grupo social a que pertence o falante que a utiliza.
 Estrangeirismo: por ser uma forma muito discutida e polemizada, vamos abordar os estrangeirismo
separadamente, ainda nesta aula. Continuando a leitura, você irá encontrar informações sobre eles.

Os empréstimos

 Conforme foi dito acima, o léxico de nossa língua não se amplia unicamente por criações que se utilizam de
bases da língua portuguesa, ou seja, partem do acervo já existente. Temos também os empréstimos
lingüísticos, ou seja, a partir do contato entre comunidades o léxico também é ampliado por meio das
palavras “estrangeiras” que se incorporam ao nosso idioma.
 Quando começa a ser utilizado, o termo estrangeiro causa estranhamento entre os falantes que o identificam
como externo à sua língua, por isso é comum denominá-lo como “estrangeirismo”.
 Interessante que, mesmo remetendo a uma “cultura alienígena”, o estrangeirismo é bem aceito em nossa
cultura, desde os tempos da formação e durante a evolução de nossa língua, especialmente no século XVI.
A começar dos empréstimos do tupi: “[...] na língua viva do país, na expressão diária de todos nós, são
muitos os empréstimos indígenas sem mencionarmos os nomes de lugares, da fauna, da flora, dos produtos
caseiros, dos utensílios familiares.” (BUENO, 1959, p.256)
 Além dos indianismos, temos os estrangeirismos oriundos das línguas africanas. Foram trazidos para o Brasil
colônia entre 2,5 e 3 milhões de negros para exercer trabalho escravo entre os séculos XVI e XIX. A
influência africana em nosso português é observada no vocabulário ligado à religião e à cozinha (candomblé,
vatapá) e veio especialmente do ioruba (Nigéria) e do quimbundo angolano (caçula, moleque, samba).
 Mais tarde, no século XVIII, houve a influência francesa, mais sentida em Portugal, mas que também atingiu
o português brasileiro. Nos séculos XIX e XX vieram contribuições de origem greco-latina para nominar os
avanços tecnológicos da época (automóvel, televisão) e de origem inglesa tivemos termos para designar
ramos da medicina (check up) e da informática (software, mouse, notebook).
 Alguns desses termos, inicialmente estrangeiros, foram aportuguesados, sendo que hoje temos lanche
(lunch – inglês), futebol (football  - inglês), abajur (abat-jur – francês) entre outros.
 Sobre esse assunto, clique aqui e ouça o texto de Thaís Nicoleti, produzido para a Folha Online – opa! um
estangeirismo...
 Como você já deve ter observado, apesar da escrita e da pronúncia originais (se bem que a pronúncia
muitas vezes pode ser aportuguesada), não causam tanto estranhamento, como é o caso de outdoor, status,
fast food, overbook, sushi, pizza. Alguns até poderiam ser substituídos por um termo vernáculo
correspondente, mas, com o tempo, pode ser que sejam aportuguesados ou incorporados à nossa língua.
 O termo estrangeiro, normalmente, vem suprir a falta de um termo vernáculo adequado àquele contexto. No
entanto o estrangeirismo pode ser utilizado por razões estilísticas.  Segundo Alves (1990, p.72-73), “o
estrangeirismo costuma ser empregado em contextos relativos a uma cultura alienígena, externa à da língua
enfocada. Nesses casos, imprime à mensagem ‘cor local’ do país ou da região estrangeira a que ele faz
referência.”
 Questões socioculturais podem também influenciar seu uso. Nesse caso, entra em jogo a valoração que se
dá ao que é estrangeiro em relação ao que é nacional: muitos acham “mais bonito” o termo vindo de outra
língua que não sua língua materna. Na verdade, é uma questão de status: para algumas pessoas, é mais
“chique”, ou melhor, é mais “hype” ou “up” ou “in”, ir a uma “sale” que ir a uma liquidação; curtir o “week-end”
que o fim de semana...
 Como você pode perceber, questões da língua, volta e meia, emaranham-se com questões político-
econômicas e socioculturais, tanto que muito se discutiu sobre o papel dos empréstimos em nossa língua.
Especialmente após 1999, quando o deputado Aldo Rebelo propôs o projeto de lei 1676, por meio do qual se
propõe um corte aos abusos no uso de termos estrangeiros, como forma de proteger e valorizar nossa língua
materna.
 Quer ler o projeto de lei do deputado Aldo Rebelo? Então clique aqui.
 Como em qualquer debate, alguns veem o emprego dos estrangeirismos como algo nocivo à nossa língua,
enquanto outros acham absolutamente normal essa prática.
 E você, já tem opinião formada sobre isso? Caso ainda não tenha ou mesmo para maiores informações,
sugiro que você leia também o artigo “Empréstimos e neologismos: uma breve visita histórica 1”, do
pesquisador Carlos Alberto Faraco. Nele, o autor faz uma abordagem histórica – foco central da nossa
disciplina – dos empréstimos lexicais.

Curiosidade

 Voce já ouvir falar de lexicologia?

exicologia é uma disciplina do ramo da linguística. Seu objetivo é estudar cientificamente os diferentes aspectos do léxico de uma língua, procurando determinar, en
ras coisas, a origem, a forma e o significado faz palavras que formam o léxico.

 Como você pôde observar, são muitas as possibilidades de se estudar a língua portuguesa e, mesmo que os
campos sejam diferenciados, a língua pode – e deve – ser estudada buscando-se ampliar a visão das partes,
rumo ao todo. Assim, por exemplo, se você gostou da gramática histórica, pode pesquisar algum fato da
língua, buscando aliar essa visão histórica ao estudo da lexicologia.
Finalizando

 Agora que encerramos mais uma unidade, não se esqueça de fazer a atividade referente à Unidade 2,
disponível no seu portfólio.

Referências

 ALVES, Ieda Maria. Neologismo: criação lexical. São Paulo: Ática, 1990.


 BUENO, Silveira. Estudos de filologia portuguesa. 3.ed. São Paulo: saraiva, 1959.
 OLIVEIRA, Lilian Manes de et al. Empréstimo lingüístico: uma atualização lexicográfica. Disponível
em: http://www.filologia.org.br/ixcnlf/16/07.htm. Acesso em 06 fev. 2009.
 TEYSSIER, Paul. História da língua portuguesa. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

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