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política dos sujeitos pertencentes aos coletivos estudados. Procuramos para isso
finalmente, qual a percepção desse processo por parte dos participantes das bases
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (Regional Grande São Paulo) e da
União dos Movimentos de Moradia de São Paulo (Movimento Leste 1). Para a
Solidária.
Palavras-chave: educação popular, movimentos populares, autogestão,
emancipação, participação política, cultura política.
1.1 Apresentação do Primeiro caso: O Assentamento Comuna da Terra Dom Tomás
Balduíno
com as escolas para construir uma proposta pedagógica que desse conta das
A Regional Grande São Paulo é formada hoje por cinco espaços: dois
intitulado pelos órgãos públicos como Fazenda São Roque, está localizado no
município de Franco da Rocha, no bairro Serra dos Cristais. A Fazenda tem como
A área é acessada pela Rodovia Anhanguera, para quem vem de São Paulo,
processo de discussão levou à divisão dos lotes por consenso, sem sorteios ou
votações, seguido de nova luta para garantir condições para que as famílias
meninas e 56 meninos.
com o trabalho mutirante para construção das casas em seu núcleo e cuida da
da luta, combinando a luta pela terra e pela reforma agrária, à luta pela
desenvolvidos intencionalmente.
coordenadores de núcleo:
participantes,
rumo ao debate,
- lembrar que o coordenador/a tem o papel de animar o debate, mas não
valorização de cada participante como indivíduo, com seu nome e sua história,
com dois integrantes do Setor de Formação da Regional Grande São Paulo, que à
presente, seja nas atividades de cada setor, seja nas reuniões, nas
(...) Não se deve chamar as famílias para lutar por um pedaço de terra.
simbólica do que é o MST, quais são suas lutas... (...) Depois, tem
momentos de reunir todo mundo e convidar uma pessoa para falar sobre
diferentes espaços. Isso se junta pela prática, além do estudo; para pensar
relaciona o processo que se está vivendo com as lutas mais amplas, tem
que fazer essa ponte o tempo todo. [O formador] precisa perceber o que
Pedro Soares
com o qual se relaciona, sinal da disposição para uma postura dialógica para com
aqueles que estão nas bases do movimento.
2.1.3 As instâncias educativas do MST na Regional Grande São Paulo
O Encontro Estadual
mesma estrutura: mesa com falas das lideranças pela manhã, grupos de
altos brados: “Como vocês acham que nossos pais conseguiram ser
assentados? Entrando cada um na hora que queria? Claro que não, eles
cultural.
comunitária.”
(diário de campo de 2007)
A Ocupação
para alguns; para outros, a decisão parece ter sido tomada há apenas
trem com meu companheiro e minha filha, fui apresentada a uma das
de cada setor para começar os trabalhos, há muito por fazer. Uma equipe
nos ônibus morro acima. Outra parte deles vai preparar o terreno para o
precisam estar firmes, pois não sabemos por quanto tempo abrigarão as
pequena, sou escalada para a equipe que vai cuidar dos bebês de até dois
anos. Esticamos lençóis e cobertores no chão para que possam se
polvilho, água, leite. As crianças de dois a sete fazem atividades com outra
vezes, cantando.
mandioca, arroz e peixe em grandes panelões, aos quais nos dirigimos com
O Acampamento
reuniões ora trazendo questões dos núcleos para serem discutidas, ora
responsável pela educação, outra pela cultura, outra pela saúde, e assim
por diante. Todos os dias, há reunião de algum dos setores, e quase todos
que lhes é explicado sobre a luta dos pais; investe-se na criação de sua
O Assentamento
“Tão perto, e tão longe! Apesar de ter vindo de trem para o Município de
devo cobrir de uma casa à outra me faz lembrar da força que essa gente
tem (seu Euclides tinha razão). Núcleo Vermelho, depois o Roxo, mais à
frente o Verde... ”
família deverá trabalhar pelo menos 2 dias em seu núcleo; haverá uma
às questões:
assembléia.
famílias.”
parede formando um painel que fará as vezes de lousa. Propõe que façam
Silêncio. Outra pessoa propõe que se reveja a pauta. Aos poucos, vão
Por fim, Jorge toma a iniciativa de ler a pauta montada a partir desta
núcleo.
Jorge: então, todo mundo vai falar, dar sua opinião, pra tentarmos resolver
os problemas.
Mirela: o núcleo está sem coordenador, isso dificulta muitas coisas. Como
coordenador.
Ernando: (agitado) não fui eu que decidi começar nem largar sua casa.
Paulo: não adianta ter um bom coordenador se as pessoas não fazem seu
trabalho.
Jacira: eu não estou na obra não é porque não quero, mas devido ao
problema do meu filho, William. Não quero que ninguém tenha pena de
mim. A luta para conseguir as casas foi de todo mundo.
Piná: eu posso até participar, não tenho problema com isso; eu posso fazer
almoço pras pessoas solteiras, dobrar ferro, o que eu puder fazer em casa
Mas não fui eu quem pediu pros meninos terminarem a minha casa, foram
Mirela: Piná fez bem, as coisas têm que ser resolvidas entre nós.
construídas.
as pessoas que não estão aqui? A comunidade não acaba na casa, ela é
pro resto da vida! O Josué, como coordenador, não consegue agir sozinho.
Divaldo: a maior parte das pessoas que está faltando não está aqui hoje.
tomamos café com o mestre de obras que fez um relato sobre o que
tinha içado as partes da forma para cima da laje da casa do Divaldo. Subi
que foram sendo preenchidos com massa por uma equipe. A cada três
fiadas, um dia para curar e arrastar a forma. Foram 15 dias para cobrir a
todas as casas...”
Balduíno
muitas vitórias.
Meu nome é Carlos Pires, a idade 39 anos. Hoje agricultor. Antes, não.
Meu nome é Mauro Evangelista, tenho 47 anos. Acredito que comecei a viver de novo há
cinco anos, vai fazer seis. Justamente quando eu conheci o MST.
Meu nome é Piná, tenho 41 anos. Vivo hoje pelo MST, por uma questão de sobrevivência.
A primeira questão colocada foi sobre a decisão de ingresso no
movimento.
Peço para cada um que se lembre de como estava sua vida naquele
relação ao movimento.
Então a gente fazia uma reunião a cada quinze dias ou uma vez por mês,
metrô. Aí foi que nós decidimos fazer a ocupação.(...) a gente ainda tinha
trabalhando com assentamento rururbano. Ali era muito mais para urbano
opção pelo MST mesmo. Com os discursos feitos pelo Delweck [Mateus],
e o Dom Pedro. Então, a gente sentou com toda a direção regional daquela
Dom Tomás. Quando eu entrei para o movimento não estava nos meus
planos ser assentada. A minha intenção era militar mesmo, pelo projeto de
educação... Podia até vir a ser assentada, porque minha mãe e meu irmão,
quase trinta anos, eu tinha que ter meu espaço, mas não tinha urgência. Aí
a partir do Gabriel [filho], a gente fez a opção por ser assentado aqui. A
militância... Mas a gente quer que ele seja criado nesse espaço, com
(...)É claro que o meu processo, vindo solteira, da casa da mãe, é diferente
do processo de uma pessoa que veio com sua família, que está dando uma
movimento, ela também faz uma opção pelo movimento. Mas num
tem duas especificidades que merecem atenção: o fato de sua opção pessoal de
entrar para o movimento ter como motivação a militância, que ela mesma
sentido desta mesma militância, através do exemplo de seus familiares. Por fim,
aos 26 anos, com duas crianças. Morava em Jandira com meus parentes,
porque tinha separado do meu marido, e tal. Mas aí não deu mais certo
com meus irmãos, e um dia, não me lembro a data, eram quatro horas da
Mais nada. Passei uma semana na rua. Parecia que eu tinha perdido um
parafuso, não sei bem o que eu estava procurando. Eu fui parar até no
me disse que para eu não passar a noite com as crianças na rua, tinha um
lugar que se chamava albergue. Até então eu nem sabia que isso existia,
porque nunca tinha precisado. Então ela nos levou lá, estava cheio, mas o
pessoal nos encaminhou pra outro. Fiquei lá uma semana. Já não
agüentava aquela situação, sair as cinco da manhã pra rua com as crianças
sem saber mesmo pra onde ia. Encontrei minha amiga por acaso, ela disse
que conhecia um lugar que levava as pessoas que estavam na rua pra
morar não sei onde, ela estava bem desinformada. Quando ela falou que
era o Sem Terra eu disse que não ia, porque eu tinha visto pela televisão
que esses Sem Terra roubavam a terra dos outros e começava a guerra
dos fazendeiros com eles. Eu pensei “morre muita gente, ainda mais com
duas crianças, eu não vou.” Mas depois que ela saiu eu fiquei pensando. O
que eu ia fazer da vida, com as crianças, se eu não podia voltar pra casa
dos meus parentes, nem queria voltar com meu marido... Aí ela tinha me
dado o endereço, era no Brás a secretaria. Eu fui lá, fiz a ficha. Logo que
eu fiz a ficha eles não me deixaram sair mais com as crianças. Tinha
atividade com ela, e Deus é tão bom que no dia seguinte já era a
ocupação.” Jacira
entrar por necessidade. Não apenas Jacira se encontrava numa situação de não ter
para onde ir e não saber o que buscava; tinha uma imagem sobre o movimento
que a fazia não querer ingressar. A falta de opção fez com que, entre voltar para a
alternativa.
da idade. Casado havia pouco tempo tinha perdido a esposa, porque além
tinha perdido minha dignidade, eu achava que já não era mais ninguém.
vender mais pra mim porque eu não tinha como pagar. Eu concordava com
eles, claro, então ficava por ali pra fazer um bico, uma limpeza pra poder
beber, que o vício já tinha tomado conta. Era difícil ver minha filha, porque
cada vez que resolvia ir, era através da bebida. Concordo com a mãe dela,
eu tinha que ir sóbrio, não bêbado. Hoje eu entendo isso, mas na época
não era capaz. Quis brigar com ela, com meu sogro... Minha vida estava
passaram numa Brasília amarela com autofalante. Meu irmão pegou uns
panfletos e me chamou pra ir junto. Era no dia seguinte, ele foi e eu não,
voltei pro bar. Era uma vida de mendigo, sem perspectiva nenhuma.
Jaraguá porque não dava mais pra pagar o aluguel. E o que eu conhecia
do MST era o que muita gente conhece hoje, que a mídia passa, só
“Cada vez mais eu tenho a certeza de que o MST é o lugar onde a pessoa
pra assembléia, eu nem sabia o que era uma assembléia, mas resolvi ir só
pra ele parar de me encher. Aí, cada vez que eles falavam, dava mais
minha dignidade. Fiz meu cadastro ali na hora, e quinze dias depois estava
qualquer lugar estaria bom. Eu só queria ter uma terra, poder trabalhar e
não ter patrão, dignidade para minha família.” Mauro
trabalhadores, foi dispensado sem ter assegurados seus direitos trabalhistas, e não
através do uso abusivo do álcool e de outras substâncias, como ele nos relata. A
alternativa colocada pelo movimento teve para ele um papel educativo desde o
sua escolha se deu com base na percepção de que poderia reconstruir sua vida, de
“O que me trouxe até a terra foi o amor por animais. A gente morava na
um pouco da luta.
(...) definitivamente, [entrei para o movimento] sim; foi aqui. Eu tive
ficar na ocupação. Meu sonho não era ficar lá, eu queria ver se a família
que eu construí lá ia dar certo mesmo, aqueles quatro anos junto, daí vim
embora pra São Paulo. Eu tinha [uma boa noção do que era a luta],
meu sogro e minha sogra são assentados também. Mas participar da luta
mesmo eu nunca tinha participado. Eu só vim quando soube que era aqui
São Paulo e fiz o cadastro. Mas primeiro eu soube que iria para Polvilho,
pela terra, um sonho que ela tinha de quando ficasse mais velha comprar
porque a terra que eu conseguiria não daria pra levar adiante esse sonho.
E aqui, o que a gente conseguiu é mais até do que eu dou conta. Vou ter
que lidar com pequenos animais pra poder não estar carpindo, que o
animal faz sua parte também na produção. Eu acho que se a questão fosse
terra, da qual sua família, como tantas outras que vieram para a periferia das
vírus HIV, que naquela época era chamado de peste gay. As pessoas eram
jogadas na rua porque a família não queria. Então foi desenvolvida pela
irmã Maria e pelo Padre Julio Lancelotti e outras pessoas da igreja, para
conseguir minha casa e aí ia ter patrão, ia ter que bater ponto, levantar de
ninguém dava chance para quem tinha AIDS. (...) Menina, [a decisão de
minha mente: “chegou a sua hora”, e eu fui, pra realidade da vida.” Piná
Embora sua decisão de entrar para o movimento não tenha sido planejada,
que já havia por parte dela uma predisposição para a atuação coletiva. A
apresentada pelo movimento de se sustentar a partir de sua terra parece ter sido o
gente fazia duas horas de formação quase todos os dias, e daí ia fazer o
eu nunca vou esquecer, eu nunca tinha visto tanta gente junta num
mesmo espaço.
que era. Eu falei para minha mãe que ia acampar, mas não disse que era
pra perto de uma cachoeira, eu fazia isso antes com o grupo da juventude.
Aí depois que eu contei que era. Até então a gente estudava, militava e tal,
mas todo dia eu voltava pra casa da minha mãe. A partir do momento da
Porque se você não está acampado você não tem noção do que é a
mesmo, passa por todo o processo junto com todas as famílias que estão
ali.
(...) Assim que a gente ocupou a terra, a gente fazia formação nos
núcleos. Então cada núcleo tinha o seu dia de estudo. Cada núcleo tirava
manhã, antes de tomar café. Fazia o estudo, depois ia tomar café, depois
(...) Hoje tem várias pessoas que vieram da base, desta situação de
pelo movimento. E tem pessoas que estão trabalhando apenas nos seus
lotes, que era esse o significado e a busca da sua vida. Outras pessoas vão
mesmas condições que elas conseguiram. (...)O movimento fez sua parte,
Maria
Maria nos conta da riqueza e da diferença de aprender o que significa o
das famílias, até chegar ela mesmo a ser assentada. Do ponto de vista da
assentamento.
“Não deu tempo [de me inteirar do que aquilo significava]. Eu sofri muito.
de doação, como para algumas coisas ainda hoje é assim, a criança pedia
(...)A partir daquele momento eu disse “o que eu puder fazer pelos meus
filhos e pelos filhos dos demais, eu vou fazer”. Daí eu comecei a trabalhar
as crianças, dividia certinho com todo mundo. Eu tive medo na hora, e até
me arrependi de ter ido, mas hoje eu falo pras pessoas: “Quem quiser ir,
vá”. É muito difícil; não vou enganar ninguém. Por causa dos hábitos, dos
aquilo que passei, hoje em dia eu estou aqui com a minha vitória. (...) Foi
tudo aqui. Eu nunca tinha participado de nada coletivo, tudo era individual.
A gente foi criada assim, nesse costume. Eu fui criada não pelos meus
pais, mas pelos meus padrinhos, e era assim cada um por si e Deus por
todos. Nunca tinha esse negócio, se comprasse uma coisa para si era só
seu, não tinha que dividir com ninguém. Agora meus filhos eu crio de
forma diferente. Tudo o que tiver, é pra dividir entre eles e com os outros
você está na sua casa e eu na minha tanto faz, né. Então tinha esse
Rosely, eles se dividiam pra ensinar e conversar com a gente sobre viver
em grupo...
ganhei o William a minha irmã ficou um tempo comigo. Só que ela não
agüentou aquela vida. Ela dizia que era tudo migalha, que era muito
sacrificado, e ela foi embora. Mas eles [a família] não gostam, dizem que
eu não tenho necessidade nem precisão de estar aqui. Eles não entendem
o que eu estou fazendo aqui... mas eu sei o que eu estou fazendo aqui.
Todo mundo tem o direito de lutar por aquilo que quer. Se tiver um
objetivo, que almeja, Deus dá oportunidade a todos por que a gente vai
jogar fora? Graças a Deus eu tenho lutado e tenho conseguido tudo o que
eu quero.
Meus filhos são seis: Isaac Pablo, mora na Bahia, estava com minha mãe
desde que eu vim para São Paulo, agora está com a outra avó, (...) a
Isabela, que tem dez anos, o Patrick com sete, o William com cinco, o
Mateus com três e a Ana Clara com um ano e meio. O William teve aquele
que correr muito com ele, médico, hospital, o Mateus acabou ficando com
eu não estava dando conta de cuidar dele direito... Mas sabe Deus, né. O
William melhorou bastante desde que começou a ter contato com a bebê.
(...). Ele tem saúde; tem esses aparelhos, mas na hora certa também vai
poder tirar. (mostrando) Por aqui ele respira, esse fio é uma guia que
pessoas me ajudam. Ele monta nas cabras, faz arte com os cachorros,
sobe nas árvores, dá cada susto na gente... Eu achava que ele não ia
desde então, tem pouco mais de dois anos que a gente está junto, ele é
pai da Ana. Hoje em dia eu faço o máximo para criar meus filhos da
melhor maneira possível. Eu mudei muito depois que eu vim pro
movimento. E eu mudei pra melhor, não foi pra pior, graças a Deus.”Jacira
pelas quais passou nos revela aspectos que em geral não são levados em conta na
atribui ao movimento seu aprendizado do modo de vida coletivo, pois foi criada na
cidade e com outros valores, e a consciência de que todas as pessoas têm direito a
lutar por aquilo que desejam. E a Deus a sua persistência e a força para cuidar de
palavras e olhe lá. Hoje em dia, eu dialogo com qualquer pessoa, sem
escolhia as palavras pra dizer: sim senhor, não senhor. Eu nunca vou te
chamar de senhora, você é companheira! Porque quem muda esse mundo
nas obras e nas fábricas por aí. Se alguém falasse de política ou religião
pra mim, estava chamando pra briga. Hoje eu sei que é super importante a
pras pessoas. Acho que as pessoas depois que se formam, talvez depois de
uns dez ou quinze anos é que vão saber o que é viver. Aprendi a respeitar
né, que cor de roupa que vai vestir a gente escolhe, mas a cor da pele
não! Por isso que hoje eu posso dizer que sou um homem, não abaixo a
colherzinha, era isso o que eu conhecia. Hoje eu digo: vamos dividir meio a
meio, vamos dar mais pra quem precisa de mais. Aprendi que a dor de
cabeça do companheiro é a mesma que a minha. Porque lá fora, o que o
brigaria muito.
(...) Também fiz alguns cursos, passei seis meses na Escola Nacional
(...)Eu penso que todo mundo aprendeu, mas tem aqueles que não usam o
mas depois dos lotes demarcados e agora, depois da construção das casas,
ganância pra lutar contra, não é fácil. Eu mesmo em certas horas paro e
penso que posso estar sendo egoísta. Tem horas que a gente esquece,
mas aos poucos muda... Eu acredito que mudei 99 por cento. Antes, era
primeiro eu, e dou pra você se sobrar. Hoje, nem primeiro eu nem primeiro
mim mesmo pra poder cobrar dos outros. Se alguém perguntava para que
estudar, eu dizia: “você sabe como o Lula é presidente hoje? Quando ele
veio para São Paulo, voltou a estudar.” Eu falava brincando, mas depois de
uma certa idade, se a gente deixa livre demais a pessoa nunca que pega
num livro, porque já perdeu o hábito. Então eu acho que quem está
está forçando é porque um pai só força seu filho a comer porque quer que
ditado burro. Não é pra dar o outro lado pra bater, é só não devolver.
que um tapa. Mesmo que a pessoa seja ignorante, e na hora não entenda
mal com ela. É o que eu digo, o MST só não mudou a minha cor e o meu
tamanho.
eu estava na pior, era de que a culpa era dos governantes, que não davam
favor. Porque a burguesia faz isso, sustenta por exemplo uma entidade
que o candidato que ele apóia é fulano de tal. Fora que você tem serventia
dos dezoito aos trinta anos, se você não tem um curso superior, porque o
anos atrás, se alguém falasse mal do meu patrão? Eu defendia com unhas
“Na época eu tinha ido sozinho pra luta, fiquei na educação, no respeito.
Porque não consegue a terra também você com cachaça, ou você porque é
solteiro querer atrapalhar a família dos outros... Porque todo mundo nota.
Não precisa dar porrada para atrapalhar; de você falar, de você olhar,
estragam a vida e a família dos outros, a gente tem que seguir aquele
lascando, sem ninguém te pedir você vai lá e ajuda. Porque tem trinta
olhando ele se ferrar sozinho, mas vão ter trinta pra olhar você ajudando
ele também. Não liga para o que os outros vão falar, se você está a fim de
chegar lá; cuide da sua vida que não tem coisa melhor.
Quem tem problema com álcool, esses negócios, tem tudo o que precisa
boteco e dos amigos que puxam pra bebida... É a hora de falar não. Não
adianta eu ou você falar pra ele, se ele não disser “eu não quero”.
as pessoas falam... Aqui se apaga o passado. O que você era lá fora já foi,
aqui dentro tem respeito e você vai ser respeitado. Isso é um lado ótimo,
mundo confia em você, porque você também é dono de tudo porque tudo
é coletivo. Eu posso tomar uma atitude aqui pra consertar o salão, pegar
mais dois ou três e subir lá, duvido quem vai me pedir pra descer. No
Precisa ver: eu não sou engenheiro nem sou arquiteto, não sou nada, sou
que lindo. Eu sou da opinião de que a arquibancada tinha que ficar virada
para cá. Ah, mas aí o palco ia ficar embaixo. No capitalismo o palco tem
que ser alto, mas aqui ninguém é melhor do que ninguém! E deu certo.
Você pode procurar por aí, quase não tem palco mais baixo do que a
platéia, a não ser em cinema. E aí já está o respeito, né. Mas nem todo
se forma um coletivo de estudo, todo mundo que quiser pode fazer parte.
Não vão só os mais bonitinhos, não; vai tanto o mais estudado como o
analfabeto. Faz um pacote só, que ele aprende! Porque não é um diploma
que vai dizer que você sabe mais, vai ser o seu aprendizado. Se você for
um aluno dez, dez pra você. Mas se você foi um aluno nove, dez também,
(...) Quando a gente entra no movimento, tem que entender que o que
você sabe, o que aprende, é pra todos. Eu acho que uma coisa que eu
você não é saber. Esse saber é de todos! As abelhas mesmo, a gente era
estava lá parado, pra baixo, eu falei ‘pega duas caixas vazias que eu vou
levar uns enxames pra você.’ E deu certo, porque anima mesmo. E quem
Carlinhos
“Só conhecia o movimento pela televisão, que dizia que o MST era ladrão
terra, Deus deixou para todos! Não para apenas cinco ou seis pessoas. Eles
uma vida digna. Tenho minha casa sendo construída, com cinco mil reais
providenciada pelo presidente Lula, que ficou oito anos engavetada pelo
presidente Fernando Henrique, que dizia que ficava caro levar a luz para
todos, e hoje qualquer pobre pode ter. Isso é dignidade. Mas precisa
ainda ter muita gente que tenha coragem, sabe, feito na França, de
empregos. Não! Vamos paralisar mesmo! Quem sofre não é você, quem
sofre é o país. Aí eles vão ver que o pessoal está acordado. Hoje nós não
temos uma saúde pública boa, nós vivemos à mercê... pra ter uma saúde
panelas, dividir o teto, as roupas. Saber que o que tem pode ser
nada, e depois jogar fora. Saber conversar igualmente com todos aqueles
que têm. Eu mesma, sempre tratei as pessoas sem fazer diferença, sempre
discriminada por ser homossexual, por ser travesti, mas eu aprendi a viver
que hoje vem à minha casa se aconselhar comigo, pela experiência de vida
que eu tenho.
Piná passou a identificar a sua luta pessoal com a história dos lutadores e
lutadores do povo. A canalizar sua indignação, politicamente. Percebemos que,
pessoal diz que nosso lote está abandonado. A gente já plantou bastante
sabia algumas coisas, os avós dele lidavam com uva, faziam vinho... Mas
eu mesma não tinha nenhuma ligação com o plantio, apesar de o meu pai
ser agricultor. Em todos os lugares que a gente morou sempre teve uma
horta, um milho, mas eu mesma não tinha uma ligação com a agricultura.
ele fez o curso. As famílias no geral tiveram acesso a alguns cursos, logo
de início tiveram alguns projetos e alguns não deram certo. A gente já
discutiu isso com as famílias. Hoje a gente está cobrando isso, porque as
famílias precisam produzir, e elas precisam saber o que este solo produz
melhor. Várias famílias estão produzindo hoje, muito mais por um esforço
Pelé, e antes dele houve outros, que foram orientando as famílias. Teve o
parecia mais desencorajar, dizer que seria impossível trabalhar com certos
tipos de cultura. Eles exigiam muita coisa que as famílias não tinham
família criava cabra, eu sempre tive porcos, nunca teve essas frescuras... E
sabedoria popular tem que estar ligada com as questões técnicas. Muita
coisa pode ser detectada e trabalhada a partir do momento que você toma
determinados cuidados. Tem que respeitar a sabedoria popular sem abrir
galinha e ter dificuldades. Não plantou milho aí teve que comprar ração. Aí
criação das cabras. Teve uma pessoa que bancou as primeiras cabras para
Ainda tem famílias com cabras, mas têm dificuldades. Faltam condições
certa. Às vezes a família faz o projeto, investe, planta, e aquilo não dá,
porque o solo não condiz... aí, tenta de novo, ou desiste daquele projeto e
(...)no núcleo verde, tem uma terra judiada pelo eucalipto mas ao mesmo
tempo uma terra boa. Eles plantam milho, plantam mandioca, feijão, e dá
anos para se corrigir a acidez do solo, né. Muita gente não mexeu no
A região é muito boa pra isso, né. Limeira, Jarinu, tem as uvas e os
morangos...agora tem também a rubimel, que é ameixa com figo. Por ser
uma região montanhosa, é uma boa opção. Tem também aqueles que
estão com pequenos animais, e alguns com animais de grande porte, que
propriedade com que trata os assuntos, estudados e vividos nos últimos anos. Nos
“[a parte do plantar] foi novo, mas não foi. Sabe que eu até os seis anos
morava na roça com meus pais, só que fui viver na cidade porque não
tinha escola pra estudar. Quando minha madrinha me falava que eu tinha
que me formar professora pra voltar no lugar onde meus pais moravam,
meio do mato, pra chegar na cidade era muito pior do que aqui o acesso.
Eu sempre disse que nunca iria pro mato, e nunca eu aprendi a plantar.
Quando minha mãe levava meus irmãos buscar lenha, que ia ensinar a
legumes, abóbora, feijão, milho. Eu nunca tinha pego numa enxada. Quem
homens que tem por aí. Não tenho nenhuma dificuldade, não. Quando eu
tiro pra fazer essas coisas, eu não quero nem sair de lá. Quero ficar
não tenho mais mãe, mas se ela ainda estivesse viva, ela não ia acreditar.
Meu pai mesmo não acredita que eu estou no meio do mato. 'Do jeito que
“As pessoas que chegam a ser assentadas e vão pra frente é porque têm
amor à natureza. Ela tem que ter um pouco de amor já, senão ela não
agüenta, ela não consegue. Se ela não pegar amor pela terra, se não
estudar uma planta, se ela não for pra esse lado, ela não
árduo, é duro, mas o amor compensa. Você planta uma árvore hoje, dali a
pouco você vê uma florzinha. Mais um pouco, uma goiabinha. Minha
primeira goiabeira deu duas goiabas só, mas para quem esperou ela
Porque o que o movimento tem de muito lindo é que antes você até sabe
planta para outra pra não atingir, qual casa com qual... O processo do
Mas a parte boa, depois de conseguir a terra, é tudo que vem junto. A
toda semente do mundo cai na mão do Bush, já viu! Ele faz guerra por
água, por petróleo... Então ele faz guerra de fome no país que está
pescar. Aqui, você vê, Deus me livre sair com o facão pra abrir o caminho
desvia e faz um caminho maior pra não degradar. Isso aí eu tomei muita
A questão da abelha. Hoje eu pego uma caixa de abelha e levo pra São
Paulo, pra tudo que é lugar. Mas eu queimava um pneu, que é super
que o movimento faz, seria ótimo para o nosso país, para todos os países,
pra humanidade. Teve muita gente que quando chegou aqui reclamava “ai,
quanto bicho”, se for pegar hoje, alguém souber que outro matou um
Bom, e existem dificuldades na cidade que aqui você não passa. Não
adianta comparar, você leva uma vida de ouro no sítio. É muito gostoso,
sem agrotóxico, orgânico mesmo, nem se fala. Saber que você nunca pôs
veneno nas coisas que come. Porque [na cidade] todo mundo é ignorante
do que come.
vela. Eu não sei se é lubrificante, das máquinas, eu sei é que foi uma das
coisas no alimento que eu achei e me gravou até hoje. Fora as coisas que
a gente sabe que tem, mas não vê. Mas cem por cento agrotóxico, como
mas o resto é carbureto puro! Eles fecham as bananas num quarto, acende
deveria ter uma punição. Mas não tem! Quem faz isso são os grandes
(...)um aprende com o outro. Aqui não tem inveja, tem a gente querer
tocar o barco fazendo aquilo que deu certo. Tá vendo que o Carlinhos fez
uma coisa que deu certo, vamos lá ver como ele fez, e aplicar no outro lote
que vai dar certo também. Esse é o meu pensamento. Se deu certo pra
mim, pode dar certo pro outro, que a terra é a mesma; amanhã vai estar
com mais um pé de fruta que ele plantou. Mas às vezes tem gente que
bandeira, e depois voltou a ser o que era. Só não teve mudança o sujeito
que deu uma de onça morta pra chegar mais próximo do bicho! Pra mim
eu na minha casa não tinha jeito de eu comer puro, não. Agora na luta,
devido às dificuldades de fazer um arroz, às vezes de trazer uma panela,
às vezes de achar uma lenha seca... hoje em dia, minha amiga, eu como
pão e pedra. Duas folhinhas, uma cenoura, pra mim é alimento. Se tem
arroz e feijão e está quente, desce. O capitalismo não permite isso pra
Carlinhos já tinha o amor pela terra que julga ser necessário a todos que
modo de vida alicerçado nos valores apresentados por eles mesmos como
comprar pão. Quem tem horta não precisa ir lá fora pra comprar verduras
delas também. Mas essas coisas vão se dando aos poucos, porque falta
mesmo ser coletivo, mas na produção nem tudo dá pra se fazer junto. Dois
terra, mas isso não quer dizer que vai se definir por uma única produção e
que todo mundo vai trabalhar lá junto. O processo da construção das casas
famílias começaram a se conversar mais, saber dos sonhos uns dos outros,
e muitos que estavam só no seu lote individual passaram a trabalhar no
núcleo, discutir junto o que nós íamos fazer. Claro que tem problemas, às
com fulano num dia, mas precisa dele para construir junto no outro... aí
início das discussões sobre as casas, a gente teve cem por cento de
participação. Mas nós temos duas famílias que não entenderam, que não
tem aquelas que não se desligam porque entendem que só vão conseguir
luta lá fora, participam das lutas pelo seu assentamento. Tem umas que
nem pelo assentamento, só pelo seu núcleo. Como em qualquer segmento
da sociedade, né, tem os que fazem a luta e os que, apoiando e não indo,
(...) é isso, você tem diferentes tipos de envolvimento. Tem aqueles que
pessoas foram criadas numa sociedade. Não é em dois ou três anos que a
gente vai mudar isso. Mesmo trabalhando no coletivo, nós fomos criados
entender que nós temos uma cultura que é formada na sociedade como
um todo, que aqui nós não somos uma ilha, aqui tem televisão... Aqui não
dizer que a militância vai dar conta de pessoas que vivem num país
fazendo a minha parte, estou dando mais opções para ele [filho], mas a
escolha é dele. Eu acho que essa formação pesa, mas as famílias têm o
coisa com todo mundo junto. Vamos ver, vamos tentar, eu gosto muito de
pimentões estavam lindos! Foi muito bom. Acabou, mas não há de ser o
“Eu formei um pomar ecológico, com vinte espécies de frutas, cem por
correndo, porque quero aprender a lidar com a uva. Então a coisa é assim,
e é assim que tem que ser. Agora conscientização cem por cento é
impossível. É até bom você analisar, porque a gente vive na riqueza hoje e
a pessoa ou não dá valor, ou não se tocou ainda. Que nem aquela pessoa
que não parava de reclamar, dizia que aqui não dava nada. Plantava o
chuchu e o chuchu nada... Aí foi no vizinho, ele falou que estava comendo
chuchu faz tempo! Veja a falta de comunicação. Foi ver, ele tinha plantado
Olha, eu te digo que nessa época de chuva, se você for fazer uma coleta
galo pra botar, são cinco ovos por dia. Vai, uma falha, são quatro ovos por
dia. Numa família com quatro pessoas, um dia come uma omelete; no
produzir nos lotes. Fora outras coisas... A cana... pelo nível de idade aqui
gente não dá conta de comer o que dá num pé, imagine plantar cem pés
de pimenta. Então, já tem bastante coisa, mas a gente não tem tempo de
fazer a “arca de noé”, porque senão não faz uma coisa nem outra. Eu acho
que a gente tem que escolher três coisas pra trabalhar a terra, pra chegar
no mercado.
A disposição de fazer essa venda junto, ela existe e vai ser feita. Está em
fazer tipo uma boca de urna, em vez de buscar o voto a gente vai vender,
querem mais é abafar, se for pra sair nos jornais da região é capaz de não
sair nem da gráfica. Pra gente fazer a coisa vai precisar muita divulgação e
organização interna.
(...)A gente está caminhando, tentando achar o caminho, vendo com o que
dele no mercado a um real, o comprador pede mais que a sua não deu. É
no fim de ano, tinha três porquinhos. Aí tira um para a família, dois para
vender. Vendi os dois. Pensa que não apareceram mais dois caras pra
(...) Nós que estamos puxando abelha, eu, Marcelinho, Minduim, nosso
acontecer. Tem que haver essa união. Se você for parar pra pensar ela é
todas as terras e desse pros cabras...eu acho que não é assim não. Ara
uma fita, aprende a plantar nessa fita, daí ara uma outra... degrau por
degrau.” Carlinhos
assentamento de forma coletiva, a parte final das entrevistas nos leva a crer que a
terra foi preparada, e a semente, plantada. Talvez, seja questão de ter mão boa e
saber cuidar.