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Concepção de ser humano,
educação e desenvolvimento
A pedagogia histórico-crítica e a
psicologia histórico-cultural cons-
tituem expressões, no campo da edu-
mulações da pedagogia histórico-crítica
datam de 1979, num esforço que envol-
veu inicialmente alguns participantes
cação e da psicologia, do materialismo do grupo da Pós-Graduação em Educa-
histórico-dialético, matriz de pensa- ção da Pontifícia Universidade Católica
mento que tem em Karl Marx e Friedri- de São Paulo (PUC/SP), coordenado pelo
ch Engels seus fundadores. professor Dermeval Saviani (DELLA FON-
A pedagogia histórico-crítica tem TE, 2011). Desde então, ao longo de três
origem no cenário cultural, político e décadas, a construção dessa pedagogia
pedagógico de fins da década de 1970 vem contando com a colaboração de di-
no Brasil. Dermeval Saviani, professor versos pesquisadores, com destaque aos
emérito da Unicamp, é o grande fun- professores Newton Duarte e Lígia Már-
dador e principal representante dessa cia Martins, ambos docentes da Unesp
Escola, que já alcança mais de 30 anos lotados respectivamente nos campus de
de existência. Havia naquele momento Araraquara e Bauru.
histórico, conforme Saviani (2011), um Marca essa corrente pedagógica a
movimento de crítica à política educa- defesa da socialização, pela escola, do
cional e à pedagogia oficial do regime patrimônio cultural do gênero huma-
militar, que culminou na busca por al- no, isto é, da transmissão de conheci-
ternativas que permitissem compre- mentos científicos, artísticos e filosófi-
ender de forma crítica os problemas cos por meio de uma prática orientada
da educação brasileira e a natureza da por fins determinados de forma inten-
prática pedagógica. As primeiras for- cional e consciente. Seus postulados
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sustentam uma educação escolar que -la como produto das lutas travadas na
tem como perspectiva o pleno desen- União Soviética (URSS) desde a Revolu-
volvimento humano, promovendo a ção Socialista de 1917 até a década de
formação omnilateral dos indivíduos, 1930, ou seja, como um projeto coleti-
de modo que estes possam se tornar co- vo pós-revolucionário. A psicologia vi-
nhecedores da realidade concreta que gotskiana constitui um esforço de cons-
determina sua existência na sociedade trução de uma “nova psicologia”, num
de classes, bem como das possibilidades contexto em que todas as esferas da
de transformação consciente dessa re- vida social (economia, política, litera-
alidade (PASQUALINI; MAZZEU, 2008). tura, poesia, teatro) experimentavam
O nascimento da psicologia histó- grande efervescência e a ciência era
rico-cultural, por sua vez, remete ao chamada a contribuir para o enfrenta-
contexto da Rússia pós-revolucionária. mento dos grandes desafios de uma so-
Trata-se de uma vertente da ciência psi- ciedade em transformação.
cológica que nasceu no início do sécu- As bases filosóficas dessa nova psi-
lo XX na então União Soviética (URSS), cologia foram buscadas no método ma-
tendo como principais representantes terialista histórico-dialético. Vigotski
L. S. Vigotski, A. N. Leontiev e A. R. Lu- desejava apreender o método de Marx
ria. Compõem ainda esse grupo de pes- e, a partir dele, identificou os marcos
quisadores soviéticos, conhecido como metodológicos para a investigação
a Escola de Vigotski, autores como D. B. científica do psiquismo humano.
Elkonin, V. Davidov, entre outros. Nesse capítulo, serão apresenta-
dos os fundamentos teórico-filosófi-
cos da pedagogia histórico-crítica e da
O livro “Vygotski: a construção
psicologia histórico-cultural. Antes de
de uma psicologia marxista” de
adentrarmos ao estudo desses funda-
Silvana Calvo Tuleski, analisa o mentos, contudo, é importante refletir,
cenário social, cultural e político ainda que brevemente, a respeito da
em que se constituiu a Escola de articulação entre psicologia e pedago-
Vigotski e suas relações com o gia. Como afirmamos de partida, psi-
projeto coletivo de construção de cologia histórico-cultural e pedagogia
histórico-crítica compartilham as mes-
uma nova sociedade.
mas bases filosóficas e comungam um
mesmo posicionamento ético-político.
Como alerta Tuleski (2002), para Mas como psicologia e pedagogia se re-
compreender a obra de Vigotski e seus lacionam quando se trata de orientar a
colaboradores, é preciso contextualizá- prática pedagógica?
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Fundamentos Teóricos
VOCÊ SABIA?
Vigotski morreu precocemente em 1934, aos 38 anos, vítima de tuberculose. Com
a ascensão e consolidação do regime stalinista, a Escola de Vigotski se tornou alvo
de censura ideológica e retaliações, que culminaram com a proibição das obras de
Vigotski a partir de 1936, dois anos após sua morte. Algumas das obras de Vigotski
só voltariam a ser publicadas na Rússia mais de vinte anos depois.
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do as bases da teoria do desenvolvimen- determinados pela herança genética
to infantil da Escola de Vigotski que será da espécie, nós, humanos, nos consti-
apresentada nos capítulos seguintes, tuímos fundamentalmente a partir da
bem como da matriz curricular e das di- herança social, cultural.
retrizes para a organização do trabalho O homem é um ser que transforma
pedagógico que compõem essa propos- a natureza e produz os meios para sa-
ta pedagógica. tisfazer suas necessidades. É certo que
as diversas espécies animais modificam
1.1 Concepção de ser humano e o ambiente em que vivem: transportam
desenvolvimento galhos e folhas, cavam buracos, trans-
portam sementes etc. Primatas supe-
O materialismo histórico-dialético
riores como os chimpanzés até mesmo
nos ensina a compreender o homem
usam gravetos para capturar formigas
como um ser histórico e social, ao mes-
e cupins. Os animais utilizam aquilo
mo tempo “produto” e “produtor”
que a natureza oferece. Mas o homem,
da sociedade. Um pressuposto funda-
diferentemente, a transforma com in-
mental do pensamento marxista é a
tencionalidade. É bastante conhecido o
ideia do salto ontológico representa-
trecho em que Marx aponta a diferença
do pelo surgimento da espécie huma-
entre a abelha e o arquiteto:
na. Isso significa que o homem, sem
deixar de ser animal, diferencia-se dos Uma aranha executa operações seme-
animais de modo radical, por tratar-se, lhantes às do tecelão, e a abelha supe-
essencialmente, de um ser social. Te- ra mais de um arquiteto ao construir
mos muitos exemplos de animais gre- sua colmeia. Mas o que distingue o
gários, que vivem em bandos, como os pior arquiteto da melhor abelha é que
elefantes ou macacos. Mas o ser huma- ele fixará na mente sua construção an-
no não é apenas um animal gregário, tes de transformá-la em realidade. No
que vive junto com seus pares. Não se final do processo do trabalho, aparece
trata simplesmente de viver com ou- um resultado que já existia antes ideal-
tros humanos, como lobos vivem jun- mente na imaginação do trabalhador.
to de outros lobos: as relações com Ele não transforma apenas o material
outros homens nos constituem, são sobre o qual opera: ele imprime ao
formadoras do nosso ser, constroem material o projeto que tinha conscien-
nossa humanidade, nosso psiquismo temente em mira, o qual constitui a lei
e nossa personalidade. Isso porque, determinante do seu modo de operar
diferentemente dos animais que têm e ao qual tem de subordinar sua vonta-
seus comportamentos grandemente de. (MARX, 1985, p.149-150)
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as faculdades humanas foram sendo depositadas ou cristalizadas nos
objetos produzidos pelos homens. Esse processo é bastante nítido
quando analisamos os instrumentos produzidos pelo homem, desde
a machadinha até o computador:
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que essa seleção, a partir de determinado ponto, foi influenciada e condicionada
pelo próprio processo de trabalho e pelas formas primitivas de cultura de nossas
espécies ancestrais). Segundo Valeria Mukhina (1996), “a extraordinária plastici-
dade, a capacidade de aprender, é uma das qualidades mais importantes do cére-
bro humano e que o diferencia do cérebro animal” (p.39). A autora explica que
o cérebro animal já tem, no momento do nascimento, grande parte de sua subs-
tância cerebral “ocupada”, pois nela já estão inscritos os mecanismos inatos de
comportamento, ou seja, as formas de comportamento transmitidas por herança
genética. Por essa razão, mesmo que um determinado animal, como um gato,
por exemplo, seja criado longe de outros de sua espécie, ele manifestará os com-
portamentos tipicamente felinos. O mesmo vale para cachorros e outros animais
domésticos criados em ambiente humano.
Já na espécie humana, ocorre um processo muito diferente. Existem na lite-
ratura diversos relatos das chamadas “crianças selvagens”. Victor de Aveyron é
talvez um dos mais famosos e bem documentados: ele foi encontrado em janeiro
de 1799, com aproximadamente 11 anos de idade, nos bosques de um povoado
na França. O comportamento de Victor assemelhava-se mais ao de um animal do
que propriamente ao de um ser humano, exibindo agressividade e até mesmo
emitindo grunhidos estridentes e incompreensíveis. Submetido a um minucioso
exame médico, não foram encontradas anormalidades no garoto. Isso sugere que
sua conduta se explica essencialmente pelo isolamento social. A ausência de con-
vívio com outros humanos impediu que Victor desenvolvesse qualidades psíquicas
marcadamente humanas.
Podemos perceber, assim, que aquilo que nos constitui como humanos não se
transmite geneticamente, mas socialmente. Nesse sentido, o pensamento marxis-
ta assume como pressuposto a ideia de que homem não é naturalmente humano,
ou seja, o aparato biológico da espécie não é suficiente para garantir nossa hu-
manidade. Quando nascemos, somos “candidatos” à humanidade. Por essa razão,
toda criança precisa passar pelo processo de humanização.
LEITE, Luci B.; GALVÃO, Izabel (Orgs.). A Educação de um Selvagem. São Pau-
lo: Editora Cortez, 2000.
O garoto selvagem. Direção: François Truffaut. França, 1970.
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Crianças selvagens
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processos educativos e sociais. Isso signi- de sua “ativação” a partir de informa-
fica que o pensamento abstrato, assim ções recebidas do ambiente. Mukhina
como as demais funções superiores, não (1996, p. 42) nos lembra que “a ciên-
se desenvolve plenamente se não forem cia já demonstrou que os setores do
garantidas as condições sociais e educa- cérebro que não são exercitados in-
cionais adequadas. terrompem seu desenvolvimento nor-
O aparato biológico de nossa espé- mal e chegam a se atrofiar. Isso ocorre
cie possibilita um desenvolvimento psí- sobretudo nas etapas precoces do de-
quico altamente complexo, mas tal fun- senvolvimento”. Por essa razão, não é
cionamento não está garantido ou for- possível pensarmos em um desenvol-
mado a priori. Como explica Mukhina vimento biológico que percorre seu
(1996, p. 41), as propriedades naturais próprio caminho, paralelamente ao
do organismo criança não criam capa- desenvolvimento social e cultural.
cidades psíquicas, embora constituam Como explica Martins (2013), Vigot-
condições necessárias para sua forma- ski postulou a existência de duas linhas
ção. A autora ilustra essa tese com o de desenvolvimento: o desenvolvi-
exemplo da audição fonemática (capa- mento biológico e o desenvolvimento
cidade de diferenciar e reconhecer os cultural. O autor explica que os planos
sons da linguagem falada): biológico e social não são independen-
tes nem são substituídos um pelo ou-
A criança recebe da natureza o apa-
tro, mas se desenvolvem simultânea e
relho auditivo e os correspondentes
conjuntamente, estabelecendo entre si
setores do sistema nervoso prepara-
intercorrelações e intercomunicações.
dos para diferenciar os sons da lingua-
O que existe, portanto, é uma unida-
gem. Mas o próprio ouvido linguístico
de, em que o desenvolvimento cultural
só se desenvolve no processo de assi-
subordina e condiciona os processos or-
milação de uma determinada língua,
gânicos, dando-lhes direção. Vale notar
sob a orientação do adulto, com a
que não há harmonia entre natureza e
particularidade de que o ouvido lin-
cultura, mas transformação e modifica-
guístico acaba adaptado às particula-
ção das inclinações naturais mediante
ridades da língua materna.
o processo de apropriação da cultura:
Assim, é mediante o processo de “o desenvolvimento infantil radica no
assimilação da experiência social que entrelaçamento dos processos naturais
vão se constituindo sistemas funcio- e culturais, mais precisamente, nas con-
nais no cérebro da criança. O próprio tradições que são geradas entre eles”
desenvolvimento do cérebro depende (MARTINS, 2013, p. 79).
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O brasiliense Hendrew Gomes, hoje com 17 anos, nasceu com metade da massa encefálica
normal. As maiores lacunas estão nos lobos frontal, temporal e parietal, nas áreas responsáveis
pela fala, pela leitura, pelo cálculo e pelos movimentos do lado direito do corpo. Aos 3 meses,
os médicos o consideraram um caso perdido. O prognóstico era apressado. Hendrew leva uma
vida normal de adolescente. Está um pouco atrasado nos estudos — cursa a 7ª série do ensino
fundamental enquanto os jovens de sua idade normalmente estão terminando o ensino
médio. Aluno esforçado, tira boas notas em matemática, disciplina na qual supostamente
ele não teria condições biológicas de aprendizado. Também é um músico exímio. Compõe
canções, toca bateria e cavaquinho. Sua evolução não é um milagre, mas o resultado do
tratamento neurológico iniciado quando ele linha 8 anos.
O que os profissionais chefiados pela neurocientista Lúcia Braga, da Rede Sarah de Hospitais
de Reabilitação, em Brasília, fizeram foi estimular os neurónios vizinhos às lacunas para
que passassem a exercer as funções relacionadas às áreas ausentes. As técnicas utilizadas
para despertar outras regiões do cérebro incluíram fisioterapia, aprendizado com o uso do
computador, aulas de cálculo e música. Os primeiros resultados positivos puderam ser percebidos
em seis meses. Apesar de a massa encefálica de Hendrew não ter aumentado de volume, a
substituição de função permitiu a ele uma vida normal. As terapias neurológicas capazes de
promover melhoras tão espetaculares são produto de um avanço recente na compreensão do
cérebro. O que se comprovou foi a plasticidade cerebral, nome dado à capacidade desse órgão de
adaptar sua estrutura e sua fisiologia durante toda a vida. “O cérebro não deve ser comparado a
uma máquina, como se fez no passado. A melhor analogia é com cimento molhado, uma massa
plástica com a capacidade de se rearranjar em casos de lesão ou trauma, ou em resposta ao
pensamento, às experiências e à influência do ambiente”, disse a VEJA o psiquiatra canadense
Norman Doidge, da Universidade Columbia e autor do livro O Cérebro que Se Transforma, que
será lançado no mês que vem no Brasil. (...)
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1.2 O processo de apropriação da cul- dade de pintura, conquistando a neces-
tura e o desenvolvimento humano sária coordenação de movimentos e a
capacidade de uso intencional do ins-
A fonte do desenvolvimento psí- trumento visando à aplicação de tinta
quico humano é a experiência social, em um determinado suporte.
a partir da qual os indivíduos se apro-
priam do patrimônio cultural humano.
O psicólogo Alexis Leontiev analisa o O termo atividade representa aqui
processo de apropriação da cultura des- uma categoria teórica, que será
tacando três características: seu caráter mais abordada no próximo capítulo.
ativo, sua natureza mediada e sua pro-
Como conceito científico, seu
priedade de formar no homem novas
significado difere de sua acepção no
funções psíquicas (não-naturais).
O processo de apropriação é “re-
senso comum e em outras teorias.
sultado de uma atividade efetiva do Atividade é um processo que se
indivíduo em relação aos objetos e fe- constitui de uma cadeia de ações,
nômenos do mundo circundante criado voltadas a determinados fins, os
pelo desenvolvimento da cultura hu- quais, encadeados, atendem ao
mana.” (LEONTIEV, 1978, p.271). Isso
motivo que impulsiona a atividade
significa que a apropriação das objeti-
(sendo que o motivo reflete uma
vações da cultura se realiza mediante
a atividade da criança: na atividade e
necessidade humana e identifica o
pela atividade. Mas para isso não ser- objeto que a satisfaz). Atividade não
ve qualquer atividade. Não basta que a é, portanto, sinônimo de ação ou de
criança interaja com o objeto. É preciso simplesmente “fazer alguma coisa”.
que ela realize o que Leontiev chamou
de atividade adequada, ou seja, aquela
que contém os traços essenciais da ati- Num primeiro momento, o conta-
vidade encarnada no objeto. Em outras to com os objetos é exploratório e o
palavras, o indivíduo deve reproduzir uso que a criança deles faz é indiscri-
em sua atividade as operações motoras minado, ou seja, realiza movimentos
(e/ou cognitivas) incorporadas no obje- próprios à utilização de outros objetos
to. Para que a criança domine o uso de com os quais ela já tem familiaridade.
um instrumento da cultura como, por Esse contato exploratório é, sem dúvi-
exemplo, um pincel, é preciso que ela da, necessário e importante, mas não
utilize esse objeto como parte da ativi- suficiente. Num segundo momento, a
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sua função, este processo é, portanto, operações motoras. No caso
um processo de educação” (p.272, do homem, a relação é inversa:
grifos nossos)
é a mão que se subordina ao
A apropriação da cultura é, por- instrumento, mediante um processo
tanto, um processo ativo por parte do de reorganização dos movimentos
sujeito e que demanda a mediação do naturais (LEONTIEV, 1978)
outro: a atividade adequada forma-se
na criança mediante a imitação do mo-
delo ou atendimento das instruções Pensemos no processo de apropria-
do professor. O terceiro traço essencial ção de um instrumento da cultura rela-
desse processo é que ele tem como ca- tivamente simples: uma escova de ca-
racterística fundamental a formação belo. Os primeiros contatos da criança
de novas funções psíquicas e capaci- com esse objeto serão, como vimos, ex-
dades no indivíduo: “a apropriação de ploratórios: ela vai examinar a escova,
um objeto gera na atividade e na cons- balançar, bater, dependendo da idade
ciência do homem novas necessidades poderá mordê-la. Trata-se de um uso
e novas forças, faculdades e capacida- indiscriminado dos objetos, momento
des” (LEONTIEV, 1978). À medida que em que a criança utiliza as operações
nos apropriamos das objetivações da e ações que já domina para manusear
cultura, as faculdades e capacidades o novo objeto, independentemente de
nelas incorporadas tornam-se, utili- seu conteúdo social. Começamos então
zando uma expressão de Marx, órgãos a ensiná-la a utilizar esse instrumento,
da nossa individualidade. apresentando modelos e instruções,
convidando-a a aprender. Para domi-
nar o uso desse objeto, a criança precisa
Outra característica que distingue ser capaz de agarrá-lo com a mão com
os instrumentos humanos dos força suficiente e realizar movimentos
proto instrumentos utilizados coordenados com o braço, sendo capaz
por determinadas espécies é que de executar, avaliar e replanejar seus
movimentos. Isso pode nos parecer tri-
os objetos naturais empregados
vial, mas trata-se de um aprendizado
pelos animais estão subordinados
complexo! Nesse processo, a criança
aos movimentos naturais pré- reorganiza seus movimentos, subor-
programados da espécie. Por dinando-os às exigências de utilização
essa razão, os “instrumentos” do instrumento. Formam-se na criança
não formam nos animais novas novas operações motoras e cognitivas.
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Saviani (2005) nos revela que esse centração da atenção exigida para re-
processo tem relação com o problema alizar a sincronia desses movimentos
da liberdade. Quando a criança alcança absorve todas as energias. Por isso o
o domínio do uso do objeto, forma-se aprendiz não é livre ao dirigir. No limi-
nela uma disposição permanente para te, eu diria mesmo que ele é escravo
essa ação, que passa a fazer parte de dos atos que tem que praticar. Ele não
seu repertório, compondo sua segunda os domina, mas, ao contrário, é do-
natureza, tornando-a, portanto, capaz minado por eles. A liberdade só será
de exercer livremente determinada ati- atingida quando os atos forem domi-
vidade. O fundador da pedagogia his- nados. E isto ocorre no momento em
tórico-crítica enfatiza a importância da que os mecanismos forem fixados.
repetição e da automatização para que Portanto, por paradoxal que pareça, é
isso seja alcançado, e assim ilustra e ex- exatamente quando se atinge o nível
plica esse processo: em que os atos são praticados auto-
maticamente que se ganha condições
Assim, por exemplo, para se aprender
de exercer, com liberdade, a atividade
a dirigir um automóvel é preciso repe-
que compreende os referidos atos.
tir constantemente os mesmos atos
Então, a atenção liberta-se, não sendo
até se familiarizar com eles. Depois já
mais necessário tematizar cada ato.
não será necessário a repetição cons-
Nesse momento, é possível não ape-
tante. Mesmo se esporadicamente,
nas dirigir livremente, mas também
praticam-se esses atos com desenvol-
ser criativo no exercício dessa ativida-
tura, com facilidade. Entretanto, no
de. (SAVIANI, 2005, p.19).
processo de aprendizagem, tais atos,
aparentemente simples, exigiam ra- Vemos, assim, que a aprendizagem
zoável concentração e esforço até forma novas capacidades e habilidades
que fossem fixados e passassem a ser nos indivíduos mediante a apropriação
exercidos, por assim dizer, automati- da atividade humana fixada nos obje-
camente. Por exemplo, para se mudar tos e instrumentos da cultura e nos mo-
a marcha com o carro em movimento, dos sociais de sua utilização. O mesmo
é necessário acionar a alavanca com movimento ilustrado pela análise da
a mão direita sem se descuidar do vo- aprendizagem do uso da escova de ca-
lante, que será controlado com a mão belo e do processo de aprender a dirigir
esquerda, ao mesmo tempo que se se dá com relação às demais objetiva-
pressiona a embreagem com o pé es- ções da cultura humana.
querdo e, concomitantemente, retira- Pensemos, por exemplo, em um
se o pé direito do acelerador. A con- instrumento musical. Quantas novas
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capacidades (não naturais) precisamos produto da história humana; assim sen-
desenvolver para dominar um instru- do, o desenvolvimento subjetivo dessas
mento! Mas sem dúvida mais desafia- capacidades, em cada indivíduo singu-
dor é perceber que o mesmo processo lar, depende da riqueza de seu mundo
se dá em relação às objetivações ideais objetivo, isto é, das oportunidades de
(não-materiais) da cultura. apropriação das objetivações humanas
Podemos estabelecer um paralelo que materializam essa sensibilidade
entre a transformação em nossos atos historicamente conquistada pelo ho-
motores (e psíquicos) que ocorre quan- mem, que não nos é dada pela nature-
do aprendemos a tocar um instrumen- za biológica.
to musical e a transformação que ocor- Essas capacidades de que falamos
re em nosso pensamento quando nos não existem a priori dentro de nós, mas
apropriamos do conhecimento cientí- são formadas como resultado do esfor-
fico. O conhecimento provoca revolu- ço de apropriação da atividade huma-
ções em nosso pensamento, formando na incorporada nas objetivações da cul-
novas operações mentais, novas capa- tura. Quando passamos a dominá-las,
cidades psíquicas, a medida em que os elas passam a ser constitutivas do nosso
conceitos exigem novos movimentos ser, convertem-se, como vimos, em ór-
de nosso pensamento. Assim como os gãos da nossa individualidade.
movimentos de nossa mão se reorgani-
A principal característica do processo
zam para sermos capazes de tocar um
de apropriação ou de ‘aquisição’ que
instrumento, os movimentos de nosso
descrevemos é, portanto, criar no
pensamento se reorganizam e se com-
homem aptidões novas, funções
plexificam na medida em que apren-
novas. É nisso que se diferencia do
demos novos conceitos e relações. O
processo de aprendizagem dos ani-
mesmo vale para a arte literária: as
mais. Enquanto este último é resulta-
imagens criadas pela literatura provo-
do de uma adaptação individual do
cam novos movimentos e operações
comportamento genérico a condições
afetivo-cognitivas em nosso psiquismo.
de existência complexas e mutantes, a
As obras de arte em geral desenvolvem
assimilação no homem é um processo
nossa sensibilidade, refinam nossa per-
de reprodução, nas propriedades do
cepção, aguçam nosso senso estético. E
indivíduo, das propriedades e aptidões
assim por diante. Marx já nos dizia que
historicamente formadas da espécie
a humanização dos sentidos – a sensibi-
humana. (LEONTIEV, 1978, p.270)
lidade do ouvido musical, o olhar que
reconhece a beleza das formas – é um
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Fundamentos Teóricos
Podemos compreender, assim, que que nos faz humanos não se transmite
a fonte de desenvolvimento das capa- biologicamente mas socialmente, nossa
cidades humanas são as objetivações própria humanidade precisa ser produ-
da cultura e as práticas culturais histo- zida, construída. É justamente essa a ta-
ricamente produzidos pelos homens. refa da educação.
A apropriação da cultura se confunde Assim sendo, o trabalho educativo
com o próprio processo de humaniza- deve ter como horizonte a universaliza-
ção dos indivíduos, que é realizado pe- ção das máximas possibilidades geradas
los processos educativos. pelo processo histórico de desenvolvi-
Cabe notar, à luz dessa teoria, que mento do gênero humano a todos os in-
as possibilidades de desenvolvimento divíduos (PASQUALINI; MAZZEU, 2008).
e a qualidade das mediações propor- A função social da escola deve ser, nes-
cionadas aos indivíduos dependem das se sentido, a socialização do patrimônio
condições sociais de vida e educação a cultural humano-genérico, ou ainda, a
que estão submetidos, as quais, em nos- transmissão do saber historicamente sis-
sa sociedade, organizam-se de forma tematizado pelo conjunto dos homens.
radicalmente desigual e injusta. Essa A escola cumpre sua função quando
constatação coloca em tela a importân- garante que a riqueza do patrimônio
cia dos processos educativos e a função cultural da humanidade se converta em
social da escola em nossa sociedade. patrimônio de cada criança, ampliando
suas possibilidades de inserção e objeti-
1.3 Concepção de educação vação na realidade social.
Ao mesmo tempo que advogamos
Fundamentada na concepção de que a função social da escola é a trans-
homem como ser histórico-cultural, a missão do saber sistematizado, é preciso
pedagogia histórico-crítica define o que tenhamos clareza que na sociedade
trabalho educativo como: capitalista a escola é permeada por con-
tradições. Vivemos em uma sociedade
“o ato de produzir, direta e intencio-
marcada pela desigualdade estrutural
nalmente, em cada indivíduo singular,
(e não acidental) entre os homens e é
a humanidade que é produzida his-
nessa sociedade que está situada a esco-
tórica e coletivamente pelo conjunto
la. Falamos, portanto, de uma institui-
dos homens” (SAVIANI, 2005, p.13).
ção inserida na complexa trama social
Como nos lembra Saviani (2005), fundada na exploração e na dominação
o que não é garantido pela natureza que caracterizam o capitalismo e que
tem que ser produzido historicamente colabora de forma decisiva para a repro-
pelos homens. Se, como vimos, aquilo dução desse sistema social: “a escola é
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determinada socialmente; a sociedade ciada da força de trabalho, tendo
em que vivemos, fundada no modo de como objetivos a instrução técnica
produção capitalista, é dividida em clas- para os interesses da produção e o
ses com interesses opostos; portanto, a desenvolvimento do “assujeitamen-
escola sofre a determinação do conflito to” dos indivíduos às relações de ex-
de interesses que caracteriza a socieda- ploração. Para a classe trabalhadora, a
de” (SAVIANI, 1987, p.35). Logo, faz-se escola cumpre a função da formação
necessário desvelar a função de repro- igualitária das forças produtivas, lu-
dução da ideologia e transmissão de va- tando pela educação técnica e cien-
lores que concorrem para a manutenção tífica, aliada à produção da rebeldia
da ordem social injusta e excludente em frente às injustiças. Essas duas posi-
que vivemos desempenhada pela esco- ções antagônicas, em nossa interpre-
la, bem como seu papel de conformação tação, sintetizam a luta de classes que
da mão-de-obra (PASQUALINI; MAZ- se expressa no campo da educação
ZEU, 2008). Autores conhecidos como escolar. (grifos nossos).
crítico-reprodutivistas têm feito essa de-
Reconhecendo a determinação so-
núncia de modo bastante contundente.
cial da escola, a pedagogia histórico-
Dermeval Saviani (1987) reafirma a
crítica busca afirmar uma concepção
importante contribuição do crítico-re-
pedagógica que se posicione em favor
produtivismo ao desmascarar os deter-
dos interesses da classe trabalhadora,
minantes materiais que condicionam a
tendo como horizonte a superação das
instituição escolar e desconstruir o po-
relações de exploração e dominação
der ilusório de harmonização social atri-
entre os homens.
buído à escola por teorias não críticas
Ao pensar a escola a serviço da
no campo da educação. Por outro lado,
transformação social, a pedagogia
considerando o caráter contraditório
histórico-crítica empenha-se na defe-
da realidade, afirma a possibilidade de
sa da especificidade dessa instituição,
uma teoria pedagógica que capte criti-
isto é, de sua função especificamen-
camente a escola como um instrumento
te educativa, ligada à transmissão do
capaz de contribuir para a transforma-
saber sistematizado historicamente
ção da sociedade. Abrantes (2011, p.
acumulado. Na sociedade capitalista,
27-28) assim sintetiza a contradição ine-
o acesso ao conhecimento não é ga-
rente à escola na sociedade capitalista,
rantido a todas as pessoas, ao contrá-
colocando-a como espaço de disputa:
rio, é objeto de apropriação privada,
Para a classe do capital, a escola cum- privilégio de minorias. Quem atua nas
pre a função da formação diferen- redes públicas de ensino de nosso país
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devam fazer parte dos currículos escolares está entre as principais ta-
refas dos educadores e pesquisadores que trabalham na perspectiva
histórico-crítica, uma vez que se compreende a apropriação ativa do
conhecimento como fonte do desenvolvimento do pensamento e das
demais funções psíquicas humanas: “(...) há que se identificar quais
conhecimentos podem produzir, nos vários momentos do desenvol-
vimento pessoal, a humanização do indivíduo (...)” (p.3957). Com re-
lação a esse aspecto, Saviani (2003) alerta para a necessidade de se
distinguir entre o essencial e o acessório na escola, evitando o risco
de apagamento da fronteira entre o que é nuclear e o que é secundá-
rio, entre as atividades necessárias que concretizam a razão de ser da
escola e aquilo que é complementar.3
Tendo em vista essas considerações, a pedagogia histórico-crítica
indica dois princípios para orientar a tarefa de seleção de conteúdos
de ensino. O primeiro é o critério do clássico (SAVIANI, 2005). O se-
gundo são as esferas não cotidianas de objetivação do gênero huma-
no (DUARTE, 1996).
A noção de “clássico” é reivindicada por Saviani (2005) como de
grande importância para a pedagogia. Segundo o autor, “o clássico
não se confunde com o tradicional e também não se opõe, neces-
sariamente, ao moderno e muito menos ao atual. O clássico é aqui-
lo que se firmou como fundamental, como essencial.” (p.13). Ainda
segundo o autor, “clássico, em verdade, é o que resistiu ao tempo”
(p.18), ou seja, é o conhecimento que se mostrou, historicamente, re-
levante para a elucidação e o enfrentamento dos problemas, dramas
e dilemas da existência humana e, portanto, relevante para o desen-
volvimento humano dos indivíduos das novas gerações.
3
A elaboração da matriz curri-
cular que compõe a segunda
parte desse documento cor-
responde, justamente, a um “Do ponto de vista prático, trata-se de retomar vigorosamente
esforço de identificação dos a luta contra a seletividade, a discriminação e o rebaixamento
conhecimentos e habilidades
do ensino das camadas populares. Lutar contra a marginalidade
centrais ou nucleares que de-
vem ser transmitidos à criança através da escola significa engajar-se no esforço para garantir
na educação infantil tendo em
aos trabalhadores um ensino da melhor qualidade possível nas
vista a promoção do desenvol-
vimento infantil em suas máxi- condições históricas atuais. (SAVIANI, 1987, p. 36).
mas possibilidades.
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planejamento do ensino. De acordo marcada por um funcionamento
com a autora, “nenhum desses ele- predominantemente espontâneo,
mentos, esvaziados das conexões que
pragmático e irrefletido, as esferas
os vinculam, pode, de fato, orientar o
não cotidianas de objetivação
trabalho pedagógico”.
humana exigem do homem uma
relação consciente e refletida com
O conceito de esferas não sua própria atividade.
cotidianas de objetivação foi
proposto pela filósofa Agnes
Heller. Em sua análise, no Exploremos um pouco as relações
curso do processo histórico de entre esses elementos. O conteúdo que
desenvolvimento do gênero se pretende transmitir deverá ser assi-
milado por um sujeito determinado,
humano, foi possível o surgimento
a criança. Assim sendo, não é possível
da diferenciação entre a esfera
selecionar conteúdos de ensino des-
das objetivações genéricas para considerando quem é a criança a quem
si e a esfera das objetivações estamos ensinando, ou seja, sem com-
genéricas para si. Como explica preender as possibilidades de assimila-
Duarte (1996, p.32-3), “as ção do conteúdo pela criança em dado
objetivações genéricas em- momento de seu desenvolvimento. É
preciso conhecer a criança!
si formam a base da vida
Mas o que significa conhecer a
cotidiana e são constituídas
criança? Quais aspectos se mostram re-
pelos objetos, pela linguagem levantes para que criança e conteúdo
e pelos usos e costumes. As possam entrar em relação? Trata-se de
objetivações genéricas para si uma tarefa altamente complexa e de-
formam a base dos âmbitos safiadora. Em primeiro lugar, é preciso
não cotidianos da atividade diagnosticar o “estado atual” de de-
senvolvimento de nossas crianças. Para
social e são constituídas pela
tanto, é necessário conhecer o funcio-
ciência, pela arte, pela filosofia,
namento psíquico e comportamental
pela moral e pela política.” próprio de seu período atual do desen-
Em linhas gerais, podemos volvimento: quais são as características
afirmar que, diferentemente da esperadas? quais as qualidades do psi-
esfera da vida cotidiana, que é quismo infantil e como a criança se re-
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ciada (PASQUALINI, 2010), de modo pela clareza dos elementos da cultura
que cada ação dominada pela criança que se pretende transmitir (conteúdo)
constitua um pré-requisito lógico para e pelo conhecimento científico sobre
a conquista posterior. quem é a criança.
Defendemos aqui a necessidade de
um exercício de análise do conteúdo a
ser ensinado como subsídio (ou condi- Quais são os pré-requisitos para a
ção) para o planejamento. É esse traba- apropriação do conteúdo? Quais
lho que permitirá ao professor definir as habilidades e conhecimentos
adequadamente as estratégias ou pro- envolvidos? O que é essencial e
cedimentos de ensino, selecionar os o que é secundário? Por onde
recursos necessários para que a apren-
começar? Qual o próximo passo?
dizagem se concretize e organizar a ati-
O que vem em seguida? Ao final
vidade da criança.
Caminhando para a finalização des- do trabalho, o que exatamente
sa reflexão sobre o trabalho educativo, se espera que a criança tenha
é importante lembrar que a tríade for- compreendido e que habilidades se
ma-conteúdo-destinatário se realiza espera que tenha dominado?
sob condições concretas determinadas.
As condições no interior das quais se
processa o trabalho educativo se refe- Apoiados em Saviani (2011), pode-
rem tanto a aspectos que podem ser mos concluir que é tarefa do profes-
alterados ou manejados pelo professor sor, como profissional da educação,
(como a disposição do mobiliário den- organizar sistematicamente o proces-
tro da sala de aula) quanto aspectos so ensino-aprendizagem das crianças
postos com os quais ele tem que lidar contemplando de forma intencional e
(como o horário de funcionamento da cientificamente fundamentada aquilo
escola, o número de crianças matricu- que é ensinado (conteúdo), a pessoa a
ladas na turma ou a disponibilidade de quem se ensina (destinatário), o modo
matérias pedagógicos e brinquedos). como se ensina (forma) e as condições
(PASQUALINI, 2010). Especialmente na (espaço-temporais, físicas e sociais) sob
educação infantil, as condições têm as quais se ensina.
impacto sobre o comportamento das Diante do exposto, fica claro que a
crianças e suas possibilidades de apren- pedagogia histórico-crítica compreen-
dizagem, de modo que o manejo (pos- de o professor como aquele que dirige
sível) das condições deve ser orientado o processo de ensino-aprendizagem
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objetivamente, a necessidades de no- da criança pela tarefa, oferecendo mo-
vas ações (SFORNI, 2004), ou seja, na delos, fazendo perguntas orientadoras,
dependência de como nós, adultos, or- convidando a criança a fazer compara-
ganizamos a atividade da criança. ções, introduzindo novas ferramentas
Na concepção histórico-crítica e his- (materiais e psíquicas), demandando
tórico-cultural, não é possível se pensar ações cada vez mais complexas, plane-
o papel do educador como alguém que jando conjuntamente as ações, e assim
apenas estimula e acompanha a crian- por diante. Na medida em que a criança
ça em seu desenvolvimento, mas sim avança no desenvolvimento de suas fun-
como aquele que ensina, entendendo ções psíquicas e do controle voluntário
o ato de ensinar como “a intervenção da conduta, novas possibilidades vão se
intencional e consciente do educador abrindo, incluindo preleções breves so-
que visa garantir a apropriação do pa- bre determinados temas.
trimônio humano-genérico pela crian- Vemos, assim, que a pedagogia his-
ça, promovendo, assim, seu desenvol- tórico-crítica volta-se para a formação
vimento psíquico.” (PASQUALINI, 2006, humana em sua totalidade. A apropria-
p. 193-4). Nesse sentido, “o professor ção do saber escolar não é algo restrito
[de educação infantil] é compreendido ao âmbito cognitivo, mas meio de de-
como alguém que transmite à criança senvolvimento da consciência crítica e
os resultados do desenvolvimento his- da personalidade dos indivíduos. Visan-
tórico, explicita os traços da atividade do oferecer subsídios para o trabalho
humana objetivada e cristalizada nos educativo orientado a esse horizonte,
objetos da cultura e organiza a ativida- abordaremos nos próximos capítulos
de da criança.” (p. 192). o desenvolvimento do psiquismo hu-
Nos diferentes segmentos educacio- mano na relação com o ensino escolar
nais, o ato de ensinar deverá ser condu- e uma análise histórico-cultural do pro-
zido considerando-se as especificidades blema dos períodos ou fases do desen-
do desenvolvimento infantil (quem é a volvimento infantil.
criança). Na educação infantil, o profes-
sor deve planejar e propor atividades e
orientar as ações das crianças durante
sua realização, orientando o olhar da
criança, chamando sua atenção para de-
terminados aspectos da realidade que
ela ainda não percebe por si mesma,
dando instruções, instigando o interesse
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Referências
MARX, K. O capital: crítica da economia política, Livro I, Tomo I. São Paulo: Nova Cul-
tural, 1985.
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perspectiva Histórico-Cultural: um estudo a partir da análise da prática do professor
de educação infantil. 2010. Tese (Doutorado em Educação Escolar) – Faculdade de Ci-
ências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara.
SAVIANI, D. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses so-
bre educação e política. 17. ed. São Paulo: Cortez; Campinas: Autores Associados, 1987.
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