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Apontamento 1:

A rede conceptual da ação humana


Disciplina: Filosofia

Conteúdos de 10.º

Acontecimentos e Ações

O universo encontra-se constantemente em movimento. Mesmo quando


dizemos que um corpo (pedaço de matéria) está em repouso, ou imóvel, a verdade é
que esse estado de repouso representa a unidade mínima de movimento, donde se
concluiu, portanto, que não existe um repouso ou imobilidade absoluta.

Por sua vez, este movimento a que toda a matéria do universo está submetida
ocorre através de um conjunto de forças. É a presença destas forças (leis), na natureza,
que faz com que toda a matéria se encontre em movimento, fazendo ao mesmo
tempo com que este movimento seja da ordem do necessário, estabelecendo assim
um sistema determinista.

O determinismo designa o princípio segundo o qual qualquer fenómeno é


rigorosamente determinado (numa sequência causa-efeito) por aqueles que o
precederam ou acompanham, sendo a sua ocorrência necessária e não aleatória.

Posto isto, todos os eventos do universo cuja ocorrência deriva destas leis
inexoráveis da natureza dizem-se acontecimentos. Os acontecimentos são, portanto,
eventos naturais submetidos à necessidade, uma vez que dadas determinadas causas
seria (pelo menos aparentemente) impossível eles não ocorrerem. São, neste
contexto, acontecimentos todos os fenómenos naturais como chover, o vento, a
erupção de um vulcão, a rotação do planeta terra, ou mesmo coisas como “apanhar”
uma gripe, uma vez que isso é o tipo de evento que nos acontece mesmo não sendo
essa a nossa vontade.

Acontece, porém, que no universo existe um elemento que, pelo menos em


parte, parece escapar a estas leis da necessidade. Esse elemento é o ser humano.
Enquanto ser racional e inteligente que é, o ser humano parece ser capaz de
interromper este curso natural dos acontecimentos. Recorrendo ao exercício da

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vontade, o ser humano parece ser capaz de intervir consciente e voluntariamente no
normal decurso dos acontecimentos, que seguiriam um caminho distinto sem a sua
interferência.

A esta interferência consciente e voluntária damos o nome de ação. Ao


contrário dos acontecimentos, os quais decorrem de leis inexoráveis da natureza, as
ações resultam de uma atividade intencional e voluntária de um ser humano. O campo
da ação é o campo da liberdade humana. Mas para que possamos dizer se um
determinado comportamento é, ou não é, uma ação, devemos verificar se estão
presentes todos os elementos que a compõem.

Assim, uma ação exige:

- Agente: aquele que realiza a ação;

- Consciência: a autoperceção do agente enquanto autor da ação;

- Intenção: o propósito ou finalidade para a ação;

- Motivo: a causa da ação;

- Deliberação: reflexão ponderada que visa julgar qual a melhor forma de agir;

- Decisão: capacidade de fazer a opção, manifestando a vontade do agente.

Tendo em conta os elementos anteriores, é fácil compreender que do campo


da ação se excluem:

- a atividade metabólica do organismo;

- o comportamento instintivo;

- os movimentos involuntários que fazemos;

- as reações automáticas de resposta a um estímulo.

A partir do momento em que qualquer ação exige uma ponderação consciente


e uma tomada de decisão, isso implica que o agente tem de possuir uma vontade livre.
A vontade é a capacidade de optar entre diferentes possibilidades de intervir no
decurso dos acontecimentos, determinando algo novo. Note-se que possuir uma
vontade livre, consciente e voluntária, implica excluir todas as patologias que afetem a
atividade mental dos agentes, bem como os estados alterados de consciência.

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OUTRA VISÃO

• Quase todas as questões de que a Filosofia se ocupa têm a ver com o ser humano e
com a forma como ele atribui sentido à vida e a tudo o que o rodeia.

Animal racional - ser dotado de inteligência


específica que lhe permite ultrapassar algumas
barreiras que a natureza lhe impõe. O ser
humano é um ser dotado de complexidade.

É a sua racionalidade que o distingue dos


outros animais – permite adaptar-se à
realidade, produzindo cultura, organizando-se
em sociedade e reconhecendo e atribuindo
valor às coisas e às experiências de vida.

Mas esta racionalidade é indissociável da sua


natureza animal – não é apenas racional – é
também um ser de impulsos, paixões, desejos,
sentimento, afetos – dotado de uma vontade
livre; inacabado; aberto (a um futuro e a um
mundo de possibilidades de agir)

À filosofia interessa aprofundar o


conhecimento do ser humano através dos seus
comportamentos, das suas experiências, das
suas ações.

• Podemos então definir ações humanas a partir das suas principais características:
- são ações conscientes e voluntárias, isto é, realizadas com conhecimento de
causa;
- são livres, porque escolhemos realizá-las desta forma, conscientes de que
poderíamos ter escolhido outras ou mesmo até não as realizar;
- são racionais, porque dependem da capacidade de ponderação e avaliaçção
do agente por forma a poder escolher realizá-las;
- são intencionais, porque têm um propósito ou intenção, orientando-se para
determinado fim;
- são responsáveis, porque o agente se reconhece como seu autor.

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• A estrutura da ação, a forma como se desenrola e o significado que lhe atribuímos:

AGENTE

Sujeito da ação

MOTIVO INTENÇÃO
FINALIDADE

Porquê? Que quer?


Para quê?

Ação

• O conceito de Ação
- actividade humana consciente, livre, racional, intencional, voluntária e responsável

• O conceito de Agente
- É aquele que concretiza ou põe em prática a ação/autor e sujeito da ação.
- O sujeito real ao agir mostra-se como autor daquilo que faz –poder do agente--que
decidiu fazer aquilo, mas podia ter feito outra coisa, ou até nada fazer.
- Toda e qualquer ação depende de um agente causalidade do agente ( sem ele a
ação não existiria)
- Esta relação agente-ação não é assim tão simples, nem pode ser reduzida a uma
leitura do tipo causa-efeito. Temos de ter em conta outros conceitos como o de
motivo e intenção.
- Devemos ter em conta o agente como sujeito da ação, dotado de vontade,
racionalidade, motivações, projetos e intenções.

• O conceito de Motivo
- O que nos leva a realizar a ação.
- Responde à questão: Porque fiz/fizeste isto?
- Muitas vezes o motivo identifica-se com a razão (explica a ação e legitima-a); outras
vezes toma o sentido de causada ação( surge como elemento justificativo, não de
ordem racional, mas emocional ou psicológica, por ex: o medo, o desejo,etc)
- Quando temos de decidir ir por este ou por aquele caminho, pesam não só os
elementos racionais, mas também os emocionais, psicológicos e os inconscientes, pelo
que, a ação humana, é reflexo desta mesma complexidade, e, por isso, é difícil
definirmos o que é o motivo.

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• O conceito de Intenção.
- Este conceito está intimamente ligado ao de motivo, uma vez que uma ação só é
realizada intencionalmente quando é realizada por algum motivo.

Intenção- responde à questão: Motivo- responde à questão:


“Que quer fazer aquele que age?” “Por que é que o fazes?”

- Por ex: se decido doar dinheiro a uma instituição de caridade, a minha intenção será
a de ajudar aqueles que precisam, mas o motivo pode ser o dever de ajudar o próximo
ou a pena que sinto pelos mais necessitados

• O conceito de Finalidade
- Fim ou meta para o qual se orienta a ação; é o para quê da ação.
- Muitas vezes o motivo funde-se com a finalidade, como se antecipasse já o objetivo
da ação.
- Porque é meu dever ajudar o próximo (motivo), quero ajudar doando alguns bens
(intenção), para que me sinta bem comigo mesmo (finalidade).

• O conceito de Deliberação
- Ponderação e reflexão no sentido da decisão.
- Antes de decidirmos fazer isto ou aquilo, seguir este ou auele caminho, pensamos,
refletimos, ponderamos, pesamos os prós e os contras, as vantagens e as
desvantagens das nossas escolhas. A este momento de reflexão denominamos de
deliberação que só é possível porque o ser humano é capaz de refletir acerca de
diferentes possibilidades do seu agir.

• O conceito de Decisão
- Reconhecimento e afirmação da escolha que permite a execução da ação.
- O momento da decisão é o momento da escolha, da eleição de uma entre várias
possibilidades, do reconhecimento do caminho que se vai seguir.
- Na maioria da vezes considera-se a decisão como o culminar da ação, mas será que
refletimos/deliberamos sempre antes de agir?

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Ações Voluntárias e Ações Involuntárias

Daquilo que vimos até ao momento, poderíamos afirmar que as ações pressupõem
sempre um exercício de liberdade. Neste sentido, só age verdadeiramente aquele que pode
escolher de acordo com a sua vontade, aquele que pondera e decide segundo a sua vontade (a
vontade é um processo racional e consciente; não confundir a vontade com o desejo).

No entanto, eis a questão: dado que as ações são o resultado de um exercício de


liberdade consciente, será que podemos dizer que todas as ações são voluntárias? A resposta a
esta questão não é fácil. Repare-se: será que aquele que rouba de livre e espontânea vontade
se encontra ao mesmo nível daquele que o faz por estar a ser coagido, ou sob ameaça?

Segundo Aristóteles, apesar de as ações serem exercícios de liberdade, não podemos


confundir as ações voluntárias das involuntárias. Assim, segundo a sua opinião, uma ação é
voluntária quando o princípio motor reside no agente, que sabe das circunstâncias concretas e
particulares nas quais se processa a ação. Por sua vez, as ações involuntárias são aquelas cujo
princípio é exterior ao agente, quer este se gere por coação ou por ignorância.

Distinguir a voluntariedade das nossas ações não é uma questão de somenos. Note-se
que enquanto agimos livremente, enquanto atores conscientes que somos das nossas
decisões, essas ações desencadeiam consequências pelas quais somos nós os únicos
responsáveis. Assim, o exercício da liberdade é também um exercício de responsabilidade. Daí
que apurar a voluntariedade com que um agente praticou uma determinada ação é, ao mesmo
tempo, apurar a responsabilidade que lhe pode ser atribuída.

Assim, a responsabilidade que é atribuída a um agente que praticou uma dada ação de
livre e espontânea vontade não pode ser a mesma que atribuímos a um outro agente que o fez
sob coação ou ignorância. Porém, uma coisa parece certa: em qualquer caso o agente é
sempre o responsável pelas suas escolhas (como diria Sartre, o ser humano está condenado a
ser livre), uma vez que ninguém pode escolher por ele. Contudo, nem sempre as suas escolhas
são realmente voluntárias, ou livres: quando somos obrigados a escolher entre duas coisas
que, de acordo com o decurso normal da vida, não seria suposto, então essa escolha não se
pode dizer inteiramente voluntária. Por exemplo, não é suposto ter de escolher matar uma
pessoa para salvar a vida de outra.

• O conceito de Responsabilidade
- Imputabilidade das ações ao seu autor.
- É necessária a análise de dois elementos da rede conceptual de ação: o sujeito
responsável – o autor da ação; eo objeto de responsabilidade – os atos pelos quais
alguém é responsável, e pelos quais poderá ter de responder.
- Se este tipo de ações produz efeitos sobre alguma coisa ou alguém, significa que
delas advêm consequências.O objeto ou matéria de responsabilidade não se fica pela
ação em si mesma, estende-se às suas possíveis consequências.

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Exercícios:

1. Indique se as seguintes afirmações são verdadeiras ou falsas. Corrija as falsas.

- A decisão é sobre os meios adequados à ação.

- A decisão é um ato voluntário que não se confunde com o desejo, anseio ou ira.

- Ponderar se devo levantar-me cedo para estudar é uma decisão.

- “Vou comer um doce porque me apetece” resulta de uma decisão.

2. Podem ser classificadas como ações atividades como: o que os animais fazem; os
movimentos que fazemos enquanto dormimos; as reações automáticas que temos? Porquê?

3. “Em último caso, o ser humano é o único responsável pelas ações que desenvolve. Se a ação
é um exercício de liberdade, então aquele que age fá-lo sempre de forma voluntária”.

- Comente a afirmação anterior tendo em conta as noções de ação, liberdade, ação


voluntária e involuntária e responsabilidade.

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