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LIÇÃO 3 - CINCO EXPOSIÇÕES QUE ENTRARAM PARA A HISTÓRIA

(E UMA QUE NÃO DEVERIA TER ACONTECIDO)


1. O Salão dos Recusados

Exposições não são eventos isolados e devem ser compreendidos


como acontecimentos dentro da história da arte. Na verdade, produzir
uma exposição é, em certa medida, produzir essa história. Algumas
dessas exposições entretanto, marcaram sua época e ainda hoje são
um referencial. Muitas vezes foi a partir de uma exposição que um
movimento artístico foi mais amplamente divulgado ou que um artista
ficou mais conhecido. A seguir uma pequena lista com cinco
exposições que entraram para a história – e uma que poderia não ter
acontecido.
O Salão dos Recusados

Em 1863, o Salão da Academia de Belas Artes parisiense recusou um


enorme número de trabalhos. Acontece que um grupo de artistas
começara a pintar de um modo que não era o “correto” segundo a
instituição. Isso gerou enorme desconforto e insatisfação por parte de
muitos artistas e levou o imperador Napoleão III a realizar uma
exposição paralela, no mesmo ano, chamada Salon des Refusés.

A exposição causou alvoroço. Uma das obras que o público viu lá foi
essa tela de Edouard Manet, chamada Almoço na Relva.

Edouard Manet, O Almoço na Relva, 1863, Museu d'Orsay, Paris.


A pintura, que para nós não causa nenhum desconforto, foi recebida
com escárnio e indignação. A Academia possuía regras específicas que
não foram adotadas nessa obra.

Apesar da rejeição, essa exposição foi fundamental para que tivesse


início o primeiro grande movimento da arte moderna, o
impressionismo. Embora ela se localize na exposição que falaremos
adiante, é no Salão dos Recusados, especialmente com a obra de
Manet, que o movimento tem suas raízes.

2. A Exposição dos Impressionistas

Os artistas recusados no Salão Oficial, entre os quais estavam Monet e


Renoir, organizaram sua própria exposição.

Frederic Bazille, um dos artistas do grupo, explica o plano:

E assim fizeram. No dia 15 de abril de 1874, eles abriram as portas do


segundo andar de um edifício no Boulevard des Capucines, que
pertencia ao fotógrafo Rafael Nadar. Ele ia se mudar em breve, então
cedeu o estúdio aos amigos sem nenhum encargo, e eles
estabeleceram que cada artista contribuiria com as despesas e que
10% do resultado de qualquer venda iria para um fundo comum. Até a
disposição dos quadros foi feita por acordo: eles seriam sorteados,
para evitar qualquer tipo de desentendimento.

Foi a partir dessa exposição que o grupo conhecido como os


impressionistas (por causa do quadro Impressão,  de Claude Monet)
começou a ser conhecido e reconhecido, na França e fora dela.
Claude Monet, Impressão - Nascer do Sol, 1872, Museu Marmottan

3. Exposição Individual de Modigliani

Em 1917, sob o patrocínio do negociante de arte polonês Léopold


Zborowski, o pintor italiano Amadeo Modigliani produziu uma série de
nus artísticos.

Esses trabalhos se firmariam como alguns dos mais importantes para a


arte moderna, entretanto, quando foram expostos, causaram furor.

A exposição (única que o artista participou) aconteceu na Galeria


Berthe Weill, e foi encerrada pela polícia, em função do escândalo que
causaram as moças nuas de Modigliani.

Nu Couche,  uma das pinturas que fazia parte da exposição, foi leiloada
em 2017 por mais de 170 milhões de dólares, ficando entre as dez
obras mais caras do mundo.
4. Semana de Arte Moderna de 1922

Brasil, década de 20.

Um grupo de artistas insatisfeitos com os rumos da arte brasileira e


ansioso por colocar o país em pé de igualdade no quesito arte
moderna organiza uma semana de atividades artísticas e culturais no
Teatro Municipal de São Paulo. Entre eles, estavam Tarsila do Amaral e
Anita Malfatti, duas das maiores representantes do modernismo
brasileiro.
Anita Malfatti, A Estudante Russa, 1915

A semana reuniu, além da exposição de pinturas, recitais de poesias,


música e conferências sobre arte. Mas de fato, foram os trabalhos de
pintura que conferiram ao evento um caráter tão marcante, pois
influenciaram a produção artística brasileira posteriormente. A ideia
era afastar essa produção das regras acadêmicas, como era também o
plano das vanguardas europeias.

A exposição (como toda a Semana de 22, na verdade) não foi tão


calorosamente aceita e muitos trabalhos foram vaiados. Entretanto, ela
foi fundamental para a construção de uma discussão sobre uma arte
genuinamente brasileira.

5. Queer Museu
Em agosto de 2017, o banco Santander realizou a
exposição QueerMuseu: Cartografias da Diferença,  com curadoria de
Gaudêncio Fidélis.

A exposição reunia mais de 250 obras de grandes nomes da pintura


brasileira, como Lygia Clark, Cândido Portinari e artistas
contemporâneos como Adriana Varejão e Fernando Baril.

Fernando Baril, Cruzando Jesus Cristo com o Deus Shiva.

A exposição que estava prevista para durar mais de um mês teve seu
final antecipado. O motivo: uma dezena de obras faria apologia à
“desvios sexuais”, segundo os enormes textos publicados no Facebook
exigindo o fim da exposição.

Aliás, as redes sociais se mostraram uma faca de dois gumes nesse


processo. De um lado, defensores da exposição mostraram-se
preocupados com a censura que o fim brusco do Queer Museu  poderia
gerar; de outro, uma corrente de pessoas pedia que a exposição fosse
fechada imediatamente. As opiniões ficaram divididas, mas é curioso
notar que muitos dos dois grupos de pessoas sequer estiveram na
exposição.

É importante analisar o viés político disso. Que referências foram


usadas para ser dessa ou daquela opinião? De que forma as obras
foram interpretadas? Como a mediação cultural agiu nesse processo? É
necessário nos perguntarmos isso, se considerarmos que uma
exposição foi praticamente fechada por não ser considerada
“adequada” por figuras políticas, como o prefeito de Porto Alegre,
capital onde ocorreu a exposição.

Ainda é cedo para avaliarmos os impactos disso na produção brasileira.


Mas eles certamente acontecerão.

6. A Exposição dos Nazistas

O Caso QueerMuseu  foi associado a um outro acontecimento histórico,


na época do seu fechamento. Algumas pessoas, sobretudo em sites de
jornalismo, lembraram de uma exposição realizada na década de 1930.

Estamos falando da exposição idealizada pelos nazistas, em que Hitler,


num ataque claro à arte moderna, chamou de “obras de arte
degeneradas” as pinturas de artistas como Wassily Kandinsky, Paul
Klee, Marc Chagal, entre outros.

Ele pretendia propor uma “arte ariana” que fizesse contraponto à arte
que denominou como “judaico-bolchevique”. As obras desses artistas,
que são admirados ao redor do mundo e que na época já tinham o
reconhecimento público (muitos eram professores, inclusive), foram
expostas de uma maneira caótica. A ideia era inflamar a opinião
pública não apenas sobre aquela arte mas sobre as pessoas daqueles
artistas.
Hermann Goering e Adolf Hitler na exposição de Arte Degenerada (Foto: Reprodução/ The
Degenerate Art Exhibition – when Hitler Declared War on Modern Art)

A análise dessas exposições pode nos tornar mais conscientes do papel


de uma exposição como evento na história da arte e que se alinha aos
momentos atravessados pelos seus criadores.

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