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cadernos de teatro
ALBERT CAMUS
Regras de direcão
-"
I
NECESSIDADE DAS LEITURAS DE l\1ESA
VI
IV
o talento do ator - e do realizador - não está
obrigatàriamente no domínio de seus meios, na sua mul-
o ator busca em
si e em, volta de si.
tiplicidade (trata-se de um dom bem desprezível),
A' sua volta, porque
a natureza que tem sob seus
olhos transmite à sua atenção, digamos mesmo à sua .mas sobretudo na renúncia de seu domínio, no rigo-
contemplação, os tipos mais diversos, mais marcados. rismo da escolha, no empobrecimento voluntário.
Em si, porque se por um lado o ator nunca ob-
serva bastante a vida que fervilha em sua volta, por
outro lado, não abandona com freqüência sua sensibi-
lidade ao contato desta vida.
Resumindo, um ator deve poder conservar em sua VIII
memória visual um tipo de homem que chamou sua aten-
ção, como deve saber conservar em sua memória sen- Um ator digno do nome não se impõe ao texto,
sível, os ferimentos recebidos, os sofrimentos morais. mas o serve, humildemente. Que o eletricista, o músico
Deve saber fazer uso dessa memória, ou melhor, con- e o cenógrafo sejam mais humildes ainda que °
intér-
servá-Ia. prete.
IX XIII
o PERSONAGEM E O ATOR A questão é esta: pode-se traduzir o que não se
compreende?
o texto, sàbiamente trabalhado, e os personagens
sondados até seus mais distantes prolongamentos, de- XIV
pois de quinze ou vinte leituras de mesa, o realizador
se entrega ao jôgo da marcação, dirige-se e se encon- E enfim, quantos autores são incapazes de fazer
tra logo às voltas com êsses monstros que são os per- uma análise exata de suas peças, da intriga!
sonagens. Isto, todos os intérpretes sabem. O perso-
nagem e o ator são duas coisas distintas. Durante XV
dias o primeiro foge do segundo com um desembara-
ço demoníaco. O pior é querer lutar contra êsse Ian- O realizador será um artesão medíocre se não con-
tasma, Forçá-lo a usar você. Se quiser que venha dó- seguir se desprender de seu trabalho nos últimos en-
cilmente integrar-lhe o corpo e a alma, esqueça-o. Nessa saios, mesmo quando êsse trabalho der a impressão de
perseguição por osmose, na qual o personagem é a exigir dêle o maior esfôrço. Torna-se cego, cometen-
testemunha prevenida, o diretor deve ter confiança no do a pior das faltas. Esquece, êsse tolo, que o teatro
intérprete, fazê-lo crer que reencontrou êsse persona- é um jôgo, onde a inspiração e o entusiasmo infantil
gem. Não é ingênuo afirmar que, a um dado momento têm maior razão de ser do que o suor e os acessos de
da interpretação, tudo não passa de uma questão de cólera. -
crença. Ê pelo não-combate, pela certeza da vitória
Entretanto é tão difícil saber se desprender, que
dêsse monstro fugidio que o ator finalmente vence.
não se espanta que tão poucos diretores sejam bem su-
cedidos.
x
o produtor deve realizar o plano do cenógrafo. Ou, XVI
então, seria necessário um produtor-cenógrafo, braço
direito do diretor e 'que tenha todo direito sôbre a Assim como a sensibilidade e o instinto, a perspicá-
cena. Homem de gôsto, devotado à sua função, culto. cia (esprit de finesse) é necessária ao ator na práti-
Trabalho duro. ca justa de sua arte. (Definição: ver Pascal, quando
êle opõe o esprit de finesse ao espírito de geometria).
XI Sem êle, a obra de arte não passa de uma orgia anár-
quica de expressões.
A ROUPA
XVII
No teatro, o hábito às vêzes faz o monge.
O ator não é uma máquina. Não é uma peça de
XII xadrez, um robot. O diretor deve conceder-lhe a priori
todo talento que deve possuir.
DE QUE SE TRATA?
XVIII
O programa exige uma análise da peça represen-
tada. O realizador da obra deve redigí-Ia e não des- lt'lTERVALO
prezar êsse trabalho ingrato. A redação dessa aná-
lise impõe-lhe um conhecimento claro e rigoroso da A ociosidade no artista é um trabalho e seu traba-
obra em que êle trabalha. lho, um repouso". (Balzac)
·} XIX 2.° - Moliere: O Improviso de Versailles.
3.° - Talma Lekain: "Lekain Sf:, preservava dêste
o diretor às vêzes se engana, quando esquece que amor dos aplausos que atormenta a maioria dos atôres
11m personagem muitas vêzes só é encontrado pelo e que muitas vêzes os perdem. Éle só desejava agra-
intérprete na véspera da representação. dar ao público saudável. Rejeitava todo charlatanismo
do ofício e para produzir um efeito verdadeiro, não
visava de maneira alguma os efeitos. Soube usar eco-
xx nomia justa em seus movimentos e gestos: sentia os
gestos e movimentos como coisa essencial na arte do
Não há uma técnica de representação, mas práti- ator, pois seu excesso suprime a nobreza da atitude."
cas, técnicas. Tudo é experiência pessoal. Tudo é
cmpirismo pessoal. XXIV
Três referências:
1.0 - Shakespeare - Hamlet: "Repitam êsse dis-
curso como eu pronunciei diante de vocês, num tom
fácil e natural, mas se engrossarem a voz e vocifera-
rem, preferiria ver meus versos na bôca de um pre-
goeiro de rua. .. Não sejam muito frios, mas que sua
itllcligência lhes sirva de guia ... etc .... " e tôda a con-
lillllução dessa célebre passagem. V. Dos Jornais.
JôGO DRAMÁTICO A Pêndula
GROTOWSKI
Corpo e voz
VIRGINIA- Não estou na sombra. (Sai Paulo diz: um benefício nunca se perde.
com o pato). Está bem assim,
VmGINIA, ao monge - É preciso cha- VIRGINIA- Está perfeito, pai.
mar o oculista. O pai não conseguiu en- GALILEU- Você não acha que se po-
1633-1642. GALILEU GALILEI vi- xergar o pato da mesa onde estava. deria vislumbrar aí uma ponta de ironia?
vo numa casa de campo nos arredores de O MONGE- Antes é preciso autorização VmGINIA - Não, o arcebispo ficará Fe-
Florença, prisioneiro da Inquísição até a de Monsenhor Carpula. f:le continua es- licissimo. Êle é tão prático.
morte. crevendo com sua própria mão? GALILEU - Confio no seu julgamento,
VIRGINIA- Não. me me ditou o livro, filha. Que vem em seguida?
Uma grande sala, com mesa, cadeira VIRGINIA - Uma admirável parábola:
como o senhor sab·e. O senhor tem as pá-
de como e globo terrestre. Calileu, "Quando estou fraco, aí, então, é que es-
ginas 131 e 132. São as últimas.
agora velho e quase cego, experimen- tou forte."
ta cuidadosamente um trabalho. Na O MONGE- É uma velha raposa.
GALILEU- Sem comentário.
antecâmara, há um monge de guaT- VIRGINIA- me não faz nada que não
VIRGINIA Por que não?
da. Batem à porta. O' monge abre, seja permitido. Está de fato arrependido.
GALILEU- A continuação.
entra um campônio, trazendo wn pato Eu o vigio. (Dá-lhe o pato) Diga na co-
VIRGINIA- "Sôbre o que se deve com-
depenado. Virginia sai da cozinha. zinha para assar o fígado com uma batata
preender de que a adoração do Cristo é
Ela está, agora, com quarenta anos. e cebola. (Volta à sala gmnde) E agora,
infinitamente preferível ao conhecimento",
pensemos em nossos olhos. Deixemos isso
Paulo aos Efesianos, III!1/19.
o CAMPômo - Tenho ordem de en- depressa e ditemos mais um pouco de
GALILEU - Agradeço particularmente
tregar-lhe isso. nossa carta semanal para o arcebispo.
a Vossa Eminência a magnífica citação
VIRGINIA- Da parte de quem? Não GALILEU - Não me sinto muito bem.
da Carta aos Efesianos. Sob o efeito dês-
encomendei nenhum pato. Leia-me um pouco de Horácio.
se impulso, achei ainda o que se segue
O CAMPÔNIO- Tenho ordem de dizer: VIRGINIA- Na semana passada, Mon-
na nossa inimitáv.el Imitação. (Cita de
de alguém que está de passagem. senhor Carpula, a quem devemos tanto,
co·,.) "Aquêle que escuta a palavra eterna,
me disse que o arcebispo sempre lhe in-
Ele sai. Virginia olha a ave com es- livra-se de muitos problemas." Se posso
dagava o que você pensa do questionário
panto. O monge toma-lhe das mãos me permitir aproveitar esta ocasião para
e das citações que êle lhe envia.
e examina-a com desconfiança. Tmn- falar de questões pessoais, lembrarei que
quilizado, êle a devolve e ela a leva, Ela prepara-se para escrever sob persistem em me censurar ter eu outro-
pelo pescoço, até G'alileu, na sala ditado. ra composto um livro sôbre os corpos ce-
gmnde. lestes na língua fIamenga. Minha inten-
GALILEU- Onde fiquei? ção não era propor ou aprovar que se
VIRGINIA- Alguém de passagem man- VIRGIJ\TIA- Parágrafo quatro: No que escrevam livros sôbre assuntos bem mais
dou-lhe um presente. concerne à tomada de posição da Santa importantes, como, por exemplo, a teolo-
GALILEU- Que é? Igreja quando, aos tumultos no arsenal gia, no jargão dos vendedores de macar-
VmGINIA - Não está vendo? de Gênova, manifesto meu inteiro acôrdo rão. O argumento para o serviço divino
GALILEU- Não. (Vai até ela) Um pato. com as disposições tomadas pelo cardial em latim, a saber que graças à universa-
Tem algum nome? Spoletto contra os cordoeiros venezianos lidade dessa língua, todos os povos com-
VmGINIA - Não. amotinados ... preendem a Santa Missa da mesma ma-
GALILEU,tirando-lhe a ave das mãos GALILEU - Sim. (Ditando) ... expresso neira, não me parece muito feliz, porque
Está pesado. Acho que posso comer um meu inteiro acôrdo com o cardeal Spoletto poderia ser objetado pelos' pândegos nun-
pedaço. Prepare-o com timo e batatas. contra os cordoeiros amotinados, visto ca faltos de argumentos, que, assim, ne-
VmGINIA - Você não deve estar com oorno é preferível distribuir uma boa nhum povo compreende o texto - mas
fome; acaba de sair da mesa. E que que sopa fortificante em nome da caridade renuncio de boa vontade à integibilidade
há com seus olhos? Você podia vê-lo de cristã do que aumentar o salário pam as para o comum das coisas sagradas. O
lá da mesa. cordas de sinos. Por que é preferível for- latim de igreja, que defende a verdade
GALILEUU- Você está na sombra. tificar a sua fé do que a sua cupídez, São eterna da Igreja contra a curiosidade dos
ignorantes, suscita muita confiança quan- -riarn com prazer que, ria Itália, nenhuma GALILÉU.- Não sei por que veio, Sar-
do é pronunciado pelos padres saídos das obra contendo idéias novas não foí mais ti. Para me perturbar? Vivo com prudên-
'classes inferiores com o sotaque do dialeto publícada depois da sua submissão. cia e penso prudentemente, depois que
local. Não, risque. GALILEU, com esiôrço - Infelizmente, estou aqui. De resto, tenho minhas ·re-
VmGINIA _. Tudo? .há países que se furtam à tutela da Igre- cai das .
GALILEU - Tudo que se segue aos ven- ja. Temo que essas teorias condenadas não ANDRE!I--=- Prefiro não perturbá-Io, Ga-
dedores de macarrão: continuem, lá fora, pelo menos, a se de- lileu.
senvolverem. GALILEU - Barberini chamava isso de
Batem à porta. Vi'rginia vai à ante-
ANDREA - Lá fora, a sua retratação sarna. E êle próprio não estava livie dela.
câmara. O monge abre a Andréa
causou um feliz contragolpe para a igreja. Tenho escrito sempre.
Sarti. Este é, agom, wn homem em
GALILEU - É? (Silêncio) Nenhuma no- ANDHEA- O quê?
plena maturidade.
tícia de Descartes em Paris? GALlLEU - Terminei os "Discorsí".
ANDREA - Boa noite. Estou saindo da ANDHEA- Sim. Ao saber de sua retra- ANDHEA- Os "Colóquios" relativos às
Itália para ir trabalhar em ciências na tação, êle meteu na gaveta o seu "Tratado duas ciências? Aqui? ,
Holanda. E pediram-me que o visitasse de da Natureza da Luz". GALILEU - Oh, dão-me tinta e papel.
passagem para poder levar notícias dêle ... Longa pausa. Meus superiores não são imbecis, Êles
VIHGINIA - Não sei se consentirá em sabem que um vício arraigado não pode
recebê-lo. Você nunca veio aqui. GALILEU - Preocupo-me com alguns ser extirpado da noite para o dia. Eles
ANDREA - Pergunte-lhe. amigos cientistas aos quais conduzi para o apenas me protegem das conseqüências
caminho do êrro. Souberam da minha funestas tomando-me o que escrevo e co-
Galileu reconheceu a voz. Não se retratação? locando sob chave página por página.
mexe da cadeira. Vi1'ginia entra.
ANDREA- Para poder trabalhar as ciên- ANDREA- Oh, Deus!
GALILEU - É Andrea? cias, projeto ir para a Holanda. Não se GALILEU - Que é que disse?
VmGINIA - Sim. permite ao boi o que Zeus não se permite. ANDREA - Deixam que labore o mar.
GALILEU, após uma pausa - Manda GALILEU - Compreendo. Dão-lhe tinta e papel a fim de acalmá-Iol
entrar. ANDREA - Federzoni trabalha de nôvo Como pode escrever, então, com êste pen-
com lentes, não sei em que loja de Milão. samento diante dos olhos?
Virginia inirodssz Andrea
GALtLEU, friamente - ítle não conhece GALILEU - Oh, sou escravo de meus
GALILEU - Deixe-me só com êle, Vir- o latim. hábitos .
ginia. Silêncio. ANDREA - Os "Discorsi" em sua mãos!
VmGINIA - Quero ouvir o que êle E Amsterdão, Londres e Paris loucos por
conta. Al\'DREA - Fulgêncio, nosso freizinho, êles! '
renunciu à pesquisa. Êle voltou ao seio GALILEU - Daqui, posso ouvir Fabrí-
Ela se senta. da Igreja. cius gemer e penitenciar-se por sua libra
ANDREA- Como vai? GALILEU - Sim. de carne, êle que vive em segurança,
GALILEU - Sente-se. Que está fazendo? Silêncio. ANDREA- Duas ciências novas que são
Fale-me de seu trabalho. Ouvi dizer que GALILEU - Meus superiores esperam que como perdidas.
se trata de hidráulica. eu recupere novamente a saúde da alma. GALILEU - Êle e alguns outros ficarão
ANDREA - Fabricius de Amsterdão in- Faço maiores progressos do que se podia sem dúvida muito abalados ao, saberem
cumbiu-me de indagar de sua saúde. esperar. que coloquei em jôgo os últimos mise-
Um silêncio. Al\'DREA- Oh! ráveis restos de minha tranquilidade para
VmGINIA - Deus seja louvado! fazer uma cópia, às minhas costas, se digo
GALILEU - Estou passando bem. assim, utilizando a mais minúscula onça
ANDREA - Estou feliz de poder infor- GALILEU, bruscamente - Vá ver o pato.
Vírginia. de luz das noites claras durante seis meses.
mar que você está bem. Minha vaidade me impediu até agora de
GALILEU - Fabricius gostará de saber Virginia sai com raiva. Ao passar, destruí-Ia. "Se teu ôlho escandaliza, arran-
disso. E pode informar-lhe que vivo num diz uma palavra ao monge. ca-o", disse alguém que conhecia mais
agradável confôrto. Graças à sinceridade O MONGE Êsse homem não me do que eu o confôrto. Concordo que seria
de meu arrependimento, consegui obter a agrada. o cúmulo da loucura deixá-Ia sair de mi-
simpatia de meus superiores a ponto de VrnGINIA - É inofensivo. Foi seu alu- nhas mãos, Mas corno não consegui me
estar autorizado a prosseguir com minhas no e, por conseguinte, agora é seu inimi- manter completamente afastado do tra-
pesquisas científicas, num perímetro re- go. (Saindo) Recebemos queijo. balho científico, você também' pode tê-Ia.
duzido, sob o contrôle eclesiástico. Está no mapa-mundi. Caso pense em le-
O monge acompanha-a.
ANDREA- De fato, temos ouvido dizer vá-Ia para a Holanda, você assumirá a
que a Igreja estava satisfeita com o se- ANDREA - Viajarei tôda a noite para inteira responsabilidade. Você a teria
nhor. Sua completa submissão surtiu efei- poder passar a fronteira amanhã de ma- comprado de alguém que teria tido. acesso c ,
to. É certo, e seus superiores constata- nhã. Posso retirar-me? ao. original no Santo Ofício.
Andrea se aproxima do. globo terres- A.."DREA- Você ganhou o tempo neces- ber sobretudo para todo.s, ela tende a fa-
· )
tre e retira a cópia. sário à criação de uma obra científica, zer de todos, céticos. Oral a maioria da
que só você poderia escrever. Tivesse vo- população é mantída pelos príncipes, por
ANDREA- Os "Díscorsi!"
cê, por uma gloriola, terminado a vida seus proprietários imobiliários, seu clero,
GALILEU- Tinha que usar o meu tem- numa névoa nacarada de superstições e
po de alguma maneira. numa Fogueíra, seriam os outros os ven-
cedores. de tradições escritas, que oculta as ma-
ANDREA- Eis o que vai fundar a nova quinações dessa gente. A miséria das mas-
GALILEU - Êles são os vencedores.
física .. sas é velha como a montanha: do alto das
Não existe nenhuma obra científica que
GALILEU- Esconde-a sob a roupa. cátedras, proclamam-na indestrutív.el, co-
um único homem possa escrever.
ANDREA- E nós que pensávamos que mo a montanha. Nossa nova arte da dú-
A fiREA - Por que então se retratou?
você havia desertado! Eu era o mais en- vida encantava o grande público. Êle nos
GALILEU- Eu me retratei porque temia
furecido contra você. o sofrimento físico. arrancou o telescópio das mãos para dirí-
GALfLEU- Evidente. Eu ensinei-lhe a ANDREA- Não! zí-lo sôbre aquêles que o martirizam.
ciência, e neguei a verdade. GALILEU- Êles me mostraram os íns.. Êsses homens egoístas e violentos, que
ANDREA- Isso muda tudo. trumentos. aproveitaram àvidamente dos frutos da
GALILEU- Sim? • A..'<DREA - Então não foi plano? ciência, sentiam também o frio olhar da
ANDREA - Você ocultava a verdade GALILEU- Não houve plano . ciência pôsto sôbre uma miséria velha' de
.diante do inimigo. Mas, no plano da éti- Silêncio. milhares de anos, se bem que artificial,
ca, estava .séculos à nossa frente. e que poderia, visivelmente, ser suprimi-
GALILEU - Explique-me isso, Andrea. ANDREA,alto - A ciência só conhece da, desde que se os suprimam também.
ANDREA- Com o homem da rua, nós um mandamento: a contribuição cientí- Êles nos atavacam com suas ameaças e
dizíamos: êle morrerá mas não se retra- fica. sua corrupção, de modo irresistível para
tará nunca. Você disse: Eu me retratei, GALILEU- E foi ela que eu entreguei. as almas fracas. Mas poderemos nos re-
mas viverei. Suas mãos estão sujas, di- Gosta de peixe? Temos peixe. O que fede cusar às massas e continuarmos homens
ziamos. Você disse: Antes ter as mãos su- não é meu peixe, sou eu. Estou liquidado: de ciência? Os movimentos dos astros
jas do que vazias. você é o comprador. Ó o irresistivel as- tornaram-se mais claros: os movimentos
GALILEU- Antes sujas do que vazias. pecto do livro,' da mercadoria santificada! dos senhores permanecem ainda impres-
Isso é realista. Isso soa como eu. Ciência A gente fica com água na bôca e, de re- crutáveis para. a massa de seus súditos.
nova, ética nova. pente, vêm as pragas. A grande Babilo- A batalha por uma mensuração do céu foi
, ANDREA- E eu devia sabê-lo antes dos niana, essa fera assassina, rubra, abre as ganha pela dúvida. A batalha pelo pão
outros. Eu tinha doze anos quando o. vi pernas e tudo se transforma. Santificada da mãe de famlia romana deve ser sam-
vender, no Senado de Veneza, a luneta seja nossa sociedade de mercadores, de pre perdida pela fé? A ciência deve
inventada por outro. E vi você tirar dêsse Pôncio Pilatos e dos apavorados diante da ocupar-se das duas batalhas. Uma huma-
instrumento um proveito imortal. Seus morte! nidade perdida no nevoeiro nacarado há
amigos duvídavem quando você se incli- ANDREA- O mêdo da morte é humano. milhares de anos, sem saber desenvolver
nava diante dessa criança em Florença, a As fraquezas humanas nada têm a ver plenamente suas próprias fôrças não será
ciência conquistou o público. Você sem- com a ciência. capaz de desenvolver as fôrças da natu-
pre zombava dos heróis. "As pessoas que GALILEU - Não? Mesmo na minha reza que você descobre. Por quem você
sofrem me aborrecem", você dizia. "A atual posição, caro Sarti, sinto-me capaz trabalha? Acho que a única finalidade da
infelicidade provém de cálculos mal fei- de dar-lhe algumas indicações sôbre o que ciência consiste nisso : aliviar a fadiga da
tos". E, "tendo em vista os obstáculos, tem relação com a ciência, à qual você existência humana. Se homens de ciência
pode ser que a distância mais curta entre se dedicou. íntímídados por egoístas detentores do po-
dois pontos seja curva." Vi1'ginia entra com um prato. der, contentam-se em acumular urna
GALILEU- Eu me lembro. GALILEU- Nas minhas horas livres, e quantidade de saber pelo prazer do sa-
M'DREA - Assim, quando eu o vi em 33 eu tenho muitas, examinei meu caso sob ber, a ciência não será mais que uma
se retratar e renegar uma tese popular todos os aspectos e refleti sôbre a ma- pobre coisa enferma. Suas novas máquinas
do seu sistema, deveria saber que você neira pela qual o mundo dos sábios, en- não servirão a não ser para novas tortu-
recuava únicamente diante de celeuma po- tre os quais eu me conto, o julgaria. Um ras. Com o tempo, você poderá descobrir
lítica sem esperança, para assegurar a vendedor de panos, êle próprio, mesmo tudo que há a descobrir e, contudo, seu
continuacão da verdadeira finalidade da convicto de estar comprando barato e progresso o afastará cada vez mais da hu-
Ciência .' revendendo caro, deve ainda poder lutar manidade. O abismo entre ela e você pode
GALILEU- Que é? para que o mercado de tecidos possa con- se tornar tal um dia que ao seu grito de
AI\'DREA- O estudo das propriedades tinuar sem embaraços. A continuação da alegria diante de uma nova descoberta
do movimento, pai das máquinas que, sà- pesquisa científica, parece-rnhe, sob êste responderia um gríto de horror universal.
zinhas, tornarão a terra tão habitável que ponto de vista, que exige uma coragem O homem de ciência que eu era tinha
se poderá descartar do céu. excepcional. Ela comercia com o saber uma espiritualidade única. Em meu tem-
GALILEU- Aha. adquirido graças à 'dúvida. Criando o sa- po, a astronomia alcançava um lugar no
mercado. Nessas circunstâncias particula-
res, a resistência de um homem teria pro-
vocado profundos transtornos. Tivesse eu
resistido, os naturalistas teriam podido
desenvolver algo como o juramento hípo-
crático dos médicos, o voto de consagrar
sua ciência exclusivamente ao bem da
humanidade. No estado atual das coisas,
o melhor que se pode desejar é uma raça
de anões inventivos que se alugam para
qualquer trabalho. E ainda por cima, ad-
quiri a certeza, Sarti, de que, em momento
algum, nenhum perigo verdadeiro me
ameaçava. Durante alguns anos fui tão
forte quanto as autoridades. E entreguei
meu saber aos poderosos .para que dêle
se servissem, ou não se servissem, para
que se servissem mal, unicamente de acôr-
do com o que servia a seus fins. Eu trai
minha profissão. Um homem que faz o
que fiz não pode mais ser tolerado no
seio dos homens de ciência.
Virginía, que estêve ele pé uni mo-
mento coloca o prato sôbre a mesa.
VIRGINIA - Mas você foi admitido nas
fileiras dos crentes.
GALILEU - Justo e verdadeiro. É hora
de jantar.
ANnREA estende-lhe a mão. Galileu
a olha sem tomá-Ia.
GALILEU - Agora, você também é pro-
fessor. Você pode permitir-se apertar uma
mão como a minha? (Vai até a mesa) Al-
guém de passagem enviou-me um pato.
A comida é meu prazer.
ANnREA - Você não acredita mais que
uma nova era se anuncia?
CALILEU - Sim. Cuidado consigo.
ANDREA,sem coragem de partir - Com
relação ao julgamento feito sôbre o autor
de que falamos, não sei que responder.
Não posso crer que sua análise cruel seja
a última palavra.
GALILEU - Graças.
Começa a comer.
VIRGINIA,acompanhando Andrea - Não
gostamos mais dêsses visitantes do passa-
do. Êles o enervam muito.
Andrea cai-se. Virginia volta.
CALILEU - Você tem. idéia de quem
mandou?
VIRGINIA- Não Andrea.
GALILEU - Talvez. Como está a noite?
VIRGINIA, à [anela - Clara. (Extr. de Théãtre Complet, III voI. Bertolt Brecht - Ed. L'Arche/París ) t •
o. , QUE VAMOS REPRESENTAR: 1H destaca-se do grupo, dá um passO' para o centro
e volta-se para os outros três, semp'te imáoeis: é
Pilatos.
A Via Sacra 1H - Não é bastante? pergunta Pilatos antes de /'
lavar as mãos. Que quereis mais ainda?
1M, 2M, 2H, sempre imóveis - Que êle mona!
HENRI GHÉO
IR - Mas que fêz êle? Por que?
1M - Curou o cego de nascença.
Tradução de D. Msnoos BARBOSA 2M - Perdoou Madalena.
2JI - Ressuscitou a Lázaro.
Personagens: IR - E é um crime vencer a morte.
O CRONISTA - C 1M, 2M, 2R, senúpre imóveis, frente para O'público
2 RoME..,.s - IR e 2R Seja crucificado.
2 MULHERES - 2R e 1M Pausa.
Dadas os sinais, a CRONISTA entra pelo meio da IR, dirigindo-se ao público - Não há ninguém qde
cortina e vai colocar-se lentamente na 'primeiro pla- o defenda? Seus discípulos? Seus amigos?
no esquerdo do procênio, em A; abre-se a cortina. Hvf, 2M, 2H, como acima, em voz mais surda
I
Os quatro peregrinos, de face para a público, estão Nenhum.
imáoeis no primeiro plano esquerdo da cena: 1H, 1M - Nem Tiago.
1M, 2M, 2H. Um instante de silêncio. Canto, nos 2M - Nem Filipe.
bastidores, do Gradual da Quinta-feira Santa "Chris- 2R - Nem Pedra.
tus [actus est", durante o qual os peregrinos descem
ao procênio, processionalmente. 1H se acha então
IR, baixando a cabeça,
mesmo Pedra.
O cristão medita
Êle o negou três vêzes.
Nem ~!
mais à direita e, da esquerda para a direita, 1M, Pausa. I
2M e 2H. Termina, o canto. A ação principia,
1M - Ontem, dava-lhe a carne corno comi~a.
PRIMEIRA ESTAÇÃO 2M - Ontem, dava-lhe o sangue como bebida.
IR - Os mais ardorosos, os mais fiéis dormiram
C, imóvel em A, onde permanece durante tôda a no Jardim das Oliveiras. Tinham já esquecido(
ação - Silêncio I
Deus é levado a juizo;
Justo, pagará por mim. 2R, um passo à frente, voltando-se para 1H - E
Morte de cruz! É preciso
Que na cruz ache O' seu fim.
JoãO'?
2M, ooltada para 1H ~ João?
I
(
1M, voltada para 1H - João? !
(Pausa) IR, num gesto doloroso, voltando para o fundo e
IR - face para o público, compassadamente - De estendendo as braços nessa direção - Vejo-o, pobre coi-
Anás a Caifás. tado, seguindo a grande custo o amado mJstre, até
1M - De Caifás a Pilatos, Anás, .até Caifás, até Pila tos, até Herodes . .. Mas não
2M - De Pílatos a Herodes. pensa em dizer: Que me preguem na cruz com o meu
2R - E de Herodes de nôvo a Pilatos. Senhor! (Longa pausa; bruscamente, aos outros) Por-
IR - Arrastado. que deve o justo morrer? [ustamenie porque é [usto,
1M - Insultado. E nós, nós não o somos.
2M - Manchado. 1M, 2M, 2H, baixando a cabeça e. repetindo dolo-
2H - Batido, rosamente - Nós não o somos.
IR, dando um pesada e bem marcado passo com a lH, dolorosamente curvado sôbre si m,esmo, cama
pé direita, para a direita, permanecendo de pel'fil - quem torna impulso durante estas réplicas para
Deus é levado a juizo. lançar as duas últimas [rases, dando um passo de-
1M, cama lH atrás dêle - Justo, pagará po~' mim. cidido paTa a direita.
2M, ídem - Morte de cruz, é preciso! IR - Pesamos sôbre -êle com tôda nossa fôrça, e
2R, idem - Que na cruz ache o seu fim. lhe gritamos: Para diante!
As duas mulheres recuam paTa a funda, num passa
SEGUNDA ESTAÇÃO medrosa. 2H, passando diante delas, num passa de-
cidida, em direção a lH - Para diante!
C - Nossos pecados, escombros!
Não vêdes que vai tombar? IR, nôoo passa para a direita - Para diante!
Tomou todos sôbre os ombros. 2R, nôva passa - Para diante!
Vão-lhe todos arrancar. 1M, 2M, em seu lugar, ao centro - Parail Por pie-
dade, parai!
Pausa. Recitada a quadra, as quatro peregrinas IR, ooltando-se paTa as duas mulheres, num tom
dão juntos um passa lento cam a pé esquerda, de- quase brutal - Não! É preciso que êle nos leve até o
pais um outro com a pé direita e, de repente, cama fim. O amor o quer.
que curvados sob um pêso imensa, falam, imóveis, Silêncio prolongado.
com. dura intensidade.
1M, no mesma lugar, cama as outros peregruios,
IR - A carga o tornou imóvel. durante as réplicas seguintes, que cão dolorosamen-
2R - A cruz lhe mordeu o ombro. te decrescendo até "Pobre humanidade!"
1M - Escolheram a madeira mais pesada. 1M Como o boi sob o aguilhão.
2M - Escolheram a madeira mais pesada. 2M Sob o chicote, como o escravo.
2R - E êle ainda pôs em cima o perjúrio de Adão. 1M Suando.
1M - O fratricídio de Caim. 2M Ofegando.
2M - O adultério do Rei-profeta. 1M - Penando.
IR, sempre imóvel e curvada - Pôs em cima to- 2M - Silencioso.
dos os perjúrios, todos os assassínios, todos os adulté- 1M - Até cair.
rios dos homens, cuja vaga sobe desde a origem do 2M - Até cair.
mundo e irá quebrar-se um dia na montanha do Jul- 1M - Pobre cordeiro.
gamento. 2M - Pobre humanidade.
IR, na mesma lugar, em vaz baixa, cama as outros
Grande pausa - Nossos pecados, escombros!
1M, 2M, 2H, - erguendo-se lentamente - Os nos- 2R - Não vêdes que vai tombar?
sos também? 1M - Tomou todos sôbre os ombros.
IR, ooltando-se devagar para as três - Todos os 2M - Vão-lhe todos arrancar!
nossos. Ainda que tivéssemos batido uma só vez. TERCEIRA ESTAÇÃO
2R - Sôbre êle está a nossa violência.
IR, pausadamente - Ainda que tivéssemos enga- C - Cai. Meu orgulho lhe corte
nado uma só vez. Dos joelhos o 'vigor.
1M -- Sôbre êle está a nossa traição. Que os meus se gastem à porta,
À porta do seu amor.
IR - Ainda que tivéssemos odiado uma só vez.
2M - Carrega sôbre si o nosso ódio. Da procênio, lH sabe para a direita, na cena. Pa-
IR - Somos nós que lhe p.esamos na cruz. rece puxa1' p01' uma corda a Cristo, que a segue,
1M, 2M, 2R - Somos nós. e para a qual está ooltado, subindo de castas. 2H
• J faz o mesmo, acompanhando-o na ascenção. As 1H - Mascando a terra de onde saimos. (Pausa.
duas mulheres, imóveis e aflitas, seguem com os Baixo, sem mover-se) Êle cail
olhares êsse jôgo mudo: o Cristo invisível entre os 1i\f - Meu orgulho lhe corta, dos joelhos o vigor.
dois homens e as duas mulheres, deve ser assim 2H - Os meus se gastarão à porta.
sugerido aos espectadores. Depois de um curto 2M - À porta do meu amor.
tempo, num gesto brusco, os dois homens p<LreCel1t Levantam-se lentamente, Lenta, p1'ossegue a
soltar a corda; o Cristo cai. As duas mulheres, em caminhada. lH dá três passos para a esquerda. 2H,
seu lugar, também de joelhos, voltadas para o pon- afastando-se, deixa passar as duas mulheres. Fica
to da queda. lH ao centro da cena e, 'Um pouco mais à direita,
1M Senhor! 1M, 2M e 2H.
2M - Senhor!
QUARTA ESTAÇÃO
1M - Os dois joelhos!
2M - A mão! C - Outra dor à dor se junta,
LVI - Quem o empurrou? . E à Mãe e ao filho devoram.
2H - Tropeçou numa pedra. Dá-lhe teu pranto, defunta,
2M - Não a podiam afastar do seu caminho? Que os nossos olhos não choram!
lH - Alguém a pôs. Pausa. lH dá 'um passo para a esquerda e péra. na
1M, 2M, 2H - Quem a. pôs? direção do bastidor esquerdo. Êle viu a Vi1'gem
Aqui, uma longa, muito longa pausa. Carrascos Maria. Ele a indica aos outros, que lhe respondem
e mulheres dão lugar a quatro cristãos comovidos. em voz medrosa e aflita.
Muito lentamente, lH dá um passo paTa a esquerda lH - Ela está aqui!
e, de frente para o público, como se estivesse aci- 1M, 2M, 2H - Ela!
ma do lugar em que Cristo caiu, C011Wse se incli- lH - É ela que avança, sustentada pelas santas
nasse sôbre o mesmo, dobra os joelhos, batendo o mulheres e perdendo a vida a cada passo.
peito, a voz molhada de lágrimas. 1M - Como está pálida!
I H - Perdoaí-rne, Senhor. (Ajoelha-se) Se eu não 2M - Seus olhos são devorados pelas lágrimas.
tivesse caminhado de cabeça erguida, repleto da minha 1M - Treme-lhe a bôca.
ciência e suficiência, da minha satisfação e da minha 2M - Pende-lhe a cabeça.
vaidade, de olhos postos em mim, criatura admirável, 1M - Não tem fôrça sequer para estender os bra-
igual ao seu criador, desgostoso da minha condição, ciu- ços!
mento da dos outros, eu teria visto esta pedra, teria 2H,faz um movim.ento para a direita: um gesto
aprendido a conhecer e a experimentar que eu não sou das mulheres o detem - Afastai-vos, carrascos! Que
mais que ela! Um bocado de vossa terra, tirado por ela o veja!
vós de- sua inerte obscuridade, e que voltará um dia ao 1M - Não, escondei-o! Seu coração não resiste.
pó que foi. Perdoaí-me, Senbor. 2M - Escondei-o,
1M, 2M, 2H - Perdoai-nos. (Ajoelham-se também). 1M - Escondeí-o.
lH - Quando vier o tempo de vossas núpcias, esta- 2M - Ao menos diante dela, poupaí-o.
remos às portas como os maus servidores. . lH, gravemente, autoritário - Mulheres, deixai-a
1M - E como as virgens loucas, que por causa de cumprir, custe-lhe embora a morte, a vontade de Deus
seus encantos julgaram indigno delas preparar as luzes e de seu Filho.
da festa. 1M e 2M - É preciso que ela o veja?
As últimas réplicas vâo decrescendo. O cristão (lH) fala, comovido, lembrando-se e
2H - Sôbre Ü'S joelhos, assim. lembrando aos irmãos o mistério a que assiste, im-
2M Reduzido altura das feras.
à potente; acha-se no centro, face para o público, sem
1M - Acorrentado à nossa miséria: declamar, sem levantar o tom.
1H - É preciso que ela o veja. Ela veio para vê-lo 1M - Como um, raio de amor esticado entre o
sofrer. Há mais de trinta anos que ela espera esta céu e a terra.
hora; desde aquêle dia, no templo, em que o velho Si- 2M - A corda única de uma cÍtara. . í, ' i
meão tomou nos braços o menino, risonho e luminoso, e 2H - Que não mais deixará de .cantar sob o Çledo
profetizou para êle e para ela: "E quanto a vós, Maria, dos anjos.
disse êle ... lH, em réplica lenta, grave e doiorosa - Mãe, em
1M, 2M, 2H - "Um gládio transpasará o vosso co- que estado!
ração". 1M, idem. - Em que estado, meu filho!
1H - Há mais de trinta anos que ela espera o glá- C01TLum longo gesto de mão após uma longa pausa,
dio. Há mais de trinta anos que ela se pTepara, e aspi- êle apaga, como que a própria 'lembrança do encon-
ra sofrer tanto ou mais que seu filho. Sofrerá menos. tTO e retoma o caminho da esquerda, o dorso cur-
1M - Não sabeis o que é mãe. vado. 1H recua e se junta de nôvo aos outros dois
peregrinos.
lH - Mas sei o que é um Deus tornando sôbre si
° sofrimento todo e de todos os filhos e de tôdas as 1H - É tudo. Êle continua o caminho. E sua cruz
mães. Ela sofrerá menos. E seu pior sofrimento é, é mais pesada. Êle se curva. Mas uma fonte brotou, de
justamente, não poder, na dor, descer tanto quanto Êle. lágrimas, dos olhos maternais; 'ÜS olhos, o coração, a
Mas, tanto quanto p'Üssa, ela quer descer. Ela exige que alma lhe transbordam. Ela cai.
Deus lhe dê a medida cheia, a cheia medida humana; 1M, 2M, 2R - Ela cai.
e Deus não falhará. 1M, num ímpeto, após uma pat~ca - Carrascos, não
tendes coração?
Pausa. 2M - Carrascos, não tendes mãe?
1M .....•Não viste nunca vossa mãe chorar?
1M, 2M, 2H - Eis a hora do gládio.
Pausa.
lH - Eis a hora do gládio. Maria, o viu brilhar
entre os ramos no dia do triunfo, sôbre o jumento. Viu lH, voltado para os outros, gravemente, OO1nocris-
que êle apontava debaixo do manto de Judas aquela tão falando a outros - Se o chôro da mãe os tivesse
noite. E, enquanto Jesus suava de angústia e de aban- enternecido, ela teria escondido o seu chôro. Pois a
dono, êle se plantou, de súbito nela. Ela esta só. O mãe não veio para salvar seu filho, mas para dá-lo.
dia se levanta. Ruído de armas. Gritos. A notícia se Pronto. Que êle vá sozinho até o fim.
espalha. Seu filho está prêso. Seu filho é flagelado. Seu Pausa.
filho é condenado. A cada golpe, '0 gládio que se enter- 2M - Vamos deixá-Ia então?
ra. É ela que o enterra, tendo nas mãos o cabo, o 2H, com, um tom, de dura certeza - É preciso se-
cabo em forma de cruz. Com a mão no cabo, ela se
guí-lo.
ergue. É preciso que ela o veja sofrer, o veja morrer.
1M - Ah, como estão secos os nossos olhos!
IR - Seu lugar está marcado no Calvário, caminha lH, gravemente - Aprendamos, pois, a compade-
ao encontro do Filho. (Pausa. À testemunha, ao cris- cer. Outra dor à dor se junta.
tão, o próprio Cristo, vai suceder em gesto à palavra) 1M E à Mãe e ao Filho devoram.
- Êle a sentiu chegar. Êle pára, 2M Dá-nos teu pranto, defunta.
1M, dando um passo em, direção a 1H - Ela o vê. 2H Que os nossos olhos não choram.
lH - E êle a vê.
QUINTA ESTAÇÃO
2M - Ela se cala.
2H - Êle se cala. C - Oh! Um amigo lhe resta!
lH, face a face com 1M, 'no centro da cena, a dois Mas não sou eu, é Simão,
passos um do outro - Um só olhar trocado, que atraves- Nenhuma ajuda lhe presta ,.
sa o mundo. Minha fé, menor que um grão ...
·, Pausa. 1M, 2M - Êle representa todos os homens.
lH, apontando claramente Simão - E o Salvador
lH, ntnn passo pesado, avança para a esquerda -
o salvará.
Um passo.
1M, 2M - E o Salvador nos salvará.
2H, avançando para 1H - Um passo.
lH, ulem - Apesar da sua má vontade.
lH- Um passo.
Lvl, 2M, todo êsse diálogo com intensidade cres-
2H - Um passo.
cente - Apesar da nossa má vontade.
1M, imóvel - Êle não pode mais.
2M - Ninguém para ajudá-Ia? Um tempo bem considerável para mudança de tom.
lH, um pé sôbre E, volta-se para os outros - Nin- 2H, retomando o tom do início da estação, - Va-
guém. O mundo não mudou. Muitos homens pensam mos, mais depressa!
consigo mesmo: "Pobre homem. Como é desgraça- lH, no mesmo lugar, em E - Um passo.
do. Dá pena!" Mas nenhum lhe estende a mão. 2H - Um passo. '
Ninguém ousa. IR - 011! Um amigo lhe resta.
2H, num passo decidido, para 1H - Homens sem 2H - Mas não sou eu, é Simão.
coração. 1M Nenhuma ajuda lhe presta minha fé ...
lH, fazendo-o estacar, olha nos olhos, dedo em, 2M - Menor que um grão.
riste - Homens sem fé, como nós.
1M, 2M, 2H, baixando a cabeça, humildemente - SEXTA ESTAÇÃO
Como nós! C - No lenço da minha afronta,
lH, sôbre E - Um passo. Se eu a fronte lhe enxugasse,
2H, no centro da cena - Um passo. Nêle veria imprimir-se,
Pausa. Verônica, a sua face.
lH, em E, voltando-se para 2H - 01 a, os carras- 1M, enquanto fala, avança para o centro, em di-
cos se cansam. Não chegaremos ao fim. "o homem!" reção ao público; põe o joelho esquerdo em terra e
2H, em tom bem vulgar - Que é? faz o gesto de estender para o Cristo, com os dois
lH, conduzindo O diálogo no mesmo tom - "Como braços, o véu que fingiu tirar da cabeça. .
te chamas?" 1M - Certa mulher, Verônica, vendo-lhe as pálpe-
2H - "Simão". bras coladas de sangue e pó, roído o rosto por uma
lH - "E de onde és?" rude máscara de espuma e de suor, tirou o mais bran-
2H -< "De Cirene". co de seus véus, correu ao encontro dêle e, de joelhos
IH - "Pois bem, Simão, vem ajudar um pouco". em terra, colocou o pano sôbre a face divina.
2H - "Eu?" 2M, do seu lugar - O pano, por um momento, re-
lH - "E já!" frescou a face ardente e aflita.
2H, a contra-gôsto, imobilizando-se ao centro, como
Os dois homens, do lugar onde estão fazendo o
curoado sob a carga - "E esta!"
gesto de bater-lhe: Êle se levanta rõpidamente, e
lH, ao público e às duas mulheres ao mesmo tempo
volta para 2M.
.: Êle obedece, mas reclama. Não se teria oferecido.
Não sabe a honra que lhe cabe. Estava ali, teve essa 1M - Mais já os carrascos repeliam a mulher. o
sorte. Levará a cruz resmungando, de má vontade, mas a pano ainda entre as mãos, desdobrado.
cruz lhe vai pagar o que agora lhe dá. Êle se torna 2M, cqm uma 'espécie de surprêsa, comovida e
o amigo do Salvador. alegre - Minha irmã!
1M, 2M, em comovido eco - Êle se torna o Amigo 1M, estendendo para 2M os braços, que sustentam,
do Salvador. respeitosamente, o véu - Minha irmã!
lH, em tom mais amplo - Ele representa t000S os 2M - Vêde.
homens. 1M - Êle deixou no pano a sua imagem.
2M - A imagem do seu sofrimento. outra, de ombros curvados, à esquerda, 2M estará
1M - A imagem da sua doçura. mais no primeiro plano.
2M - Nenhum traço, marcado pelo sangue, que 1M - Como sofre.
não diga: "Eu sou manso." 2M - A subida é íngreme.
1M - Nenhum que não nos diga: "Eu sofro por IR, de costas, dirigindo-se ao Cristo, que está no
ti, Verônica."
m.ei~ qêles, no ,~azio que deixam. n~ parte anterior do
2M, 1M - Nenhum que não nos diga: "Eu sofro praticáoel E - Forcemos o homem ; os carrascos pra-
por vós e para vós". guejam, batem, empurram. O homem caiu. (Estas
Tudo isso nos lugares, as duas mulheres face a últimas polaoras, rápidas, sêcas).
face. 1M, caindo de joelhos - Os joelhos!
1M - Os olhos choram. 2M, idem - As mãos!
21\1 - Os lábios sallgram. 2R - A cabeça bateu!
IR, do seu lugar de nôoo o cristão que se associa IR, essas quatro réplicas apressadas, bruscas - A
à meditação dolorosa - Nada, nada esqueceu de seu coroa de espinhos caiu ...
doloroso esplendor. Pausa.
1M - Da sua terna censura.
1M, mais gravmnente - Um longo soluço no peito.
2R - De sua eterna agonia. 2R, juntando o gesto, a chicotada, a palavra cruel -
2M - Da sua lição. Levantam-no a chicotadas. .
IR - Dó seu perdão.
1M, movendo os braços sôbre o peito, 00171.0se vol- Pausa.
tasse o pano para si - E Verôníca pôde beijar os seus IR, lentamente, inclinando para o Cristo, ao mesmo
traços, sem apagar-lhe a memória, tempo doloroso e tristemente 'Írônico- Ah, vós sentis-
IR, grave e comovido - Possa o rosto de sua Pai- tes a dureza dêste mundo. Senhor, em vossos joelhos,
xão imprimir-se em nós como num pano! vossas mãos, vossa fronte.
1M - Indelével. 2R, com eco - Mesmo aquêle que se julga bom,
2M - Essencial. falta vinte vêzes por dia à caridade fraterna.
1M, 2M, juntas, muito baixo - 1M, com certo descuido na música ela recitação e
No lenço da minha afronta, um. certo amargo1' irônico, levantando-se - Tanto pobre!
Se eu a fronte lhe enxugasse, 2M, idem - Tanto doente!
Nêle veria imprimir-se, 1M - Tantos fracos!
Verônica, a sua Face. 2M - Tantos aflitos!
IR - Que será dos felizes, dos fortes, dos ricos,
SÉTIMA ESTAÇÃO
dos que têm saúde, se forem se ocupar da miséria dos
C - Segunda queda. É a dureza outros?
Do Meu coração, Senhor. 2H - Onde colocarão sua fortuna, sua alegria, sua
Das pedras vencem a aspereza, fôrça, sua saúde?
As gotas do teu suor. 1M T~mtb pobre!
2M Tanto doente!
Pausa.
1M Tantos fracos!
IR, num passo pesado e lento, dirige-se para a 2M Tantos aflitos!
direita do praticáoel E, através dos degraus F - Mais IR, brutal, sêco - Éles se queixam demais!
devagar! 2R - Êles pedem demais!
2R sobe à esquerda de F - Devagar demais! IR, como antes - Basta! Basta! Fazei-os calar!
1M, após longa pausa, C01n gmnde emoção interior,
( .
Durante o l11.Ovimento dos homens, as mulheres
atravessam a cena pam a esquerda, Ul1W atrás da 81n voz firme e segura - Mas a miséria do mundo não
.' ~ se calará, porque gritastes, Senhor, experimentando-a, sôbre nossas alegrias, nossos bens, nossos lares, nossos
esposando-a de queda em queda, o vosso grito não pode filhos, nada estará perdido, Senhor, se arrancardes de
se extinguir. nossos corações e de nossos olhos uma só lágrima, uma
A precedente réplica terá elevado a emoção: lH, lágrima digna de correr nas vossas mãos!
Os punhos erguidos, sobe sôbre o praticável G, pam Pausa.
a frente, clamando. , IH, em voz baixa - "Choraí sôbre vós", diz êle.
IH - Gritai, Senhor! Nós somos de pedra. (Depois, 1M, idem. - Ah, Senhor, quantos gemidos!
mais baixo) Segunda queda. 2H, idem. - Não brotam, porém, das culpas.
1M - É a dureza do meu coração, Senhor] 2M, idem. - Mas dos desejos traídos!
2H - Das pedras vence a aspereza.
2M - As gotas do teu suor ... NONA ESTAÇÃO
C - Nossas faltas recobrando,
OITAVA ESTAÇÃO Entre o madeiro e o chão nu,
C - "Choraí sôbre vós", diz êle. Vão o Cordeiro esmagando ..
Ah, Senhor, quantos gemidos! - Ó concupiscência, és tu?
Não brotam, porém, das culpas, Os quatro peregrinos continuam sua subida dolo-
Mas dos desejos traidos ... rosa: lH volta-se para o fundo, e. também. os três
lH está sôbre G. Volta-se para os três outros que, outros, como se o Cristo se achasse entre êles, sô-
à esquerda, fizeram um ligeiro movimento para o bre a direita de E, atrás de praticável F.
1M, 2M, de repente - Senhor!
fundo, e estão agora em face dêle.
1M - À certa altura, as mulheres de Israel, que IH, sob seus olhos, a terceira queda, de um só gol-
haviam seguido o cortêjo, batiam tanto no peito e tanto pe, ao pé dos degraus - Caiu de cheio sôbre o rosto.
se lamentavam, que o Senhor as ouviu, e suspirou: As réplicas seguintes são na direção do Cristo caído;
IH, o próprio Cristo, que fala, cordial, afetuoso - são apressadas, ofegantes.
"ó filhas de Jerusalém, não choreis sôbre mim", diz êle, IH - Sob a árvore, e como uma árvore que se
"mas sôhre vós e vossos filhos. Pois eis que virão dias
abate.
em que as estéreis serão chamadas felizes. Felizes as IH - Sôbre a terra de nossos pecados.
entranhas que não deram à luz, os seios que não deram 2H - Sôbre a terra de nossas delícias.
leite. Então, os homens começarão a dizer às monta- IH - Comprimido de encontro a ela por essa árvo-
nhas: "Caí sôbre nós!" e às colinas: "Cobri-nos!" Pois re, cujos frutos saboreamos todos ...
se o lenho verde é tratado assim, que se fará do sêco? 2H - De todos abusamos.
2M - Será pôsto em feixes. IH - De todos usamos mal.
2H - Lançado ao fogo. 2H - Dos maus e dos bons, contanto que fôssem
2M - Quebrai-o, queima i-o, Senhor! deleitosos.
2H - É o que êle merece. IH - Até do mel e do maná tiramos veneno.
1M, suspensa, na ansiedade da pergunta - Mas não 2H - Do mel das núpcias, do maná do repouso.
é para que o lenho sêco reverdeça, que o verde aceita
ser tratado assim?
Pausa.
2M - Um pouco do vosso sangue. 1M, com maior compaixão ainda - Cordeiro de
2H - Um pouco da vossa seiva. Deus, Cordeiro sem mancha! Quem vos pôs tão baixo?
2M - E tôda a floresta das almas não irá rever- 2M - Não vos seria possível reerguer-vos?
decer? IH, retomando o tom das réplicas iniciais - Não
1M, com grande e crescente intensidade - Ainda temos olhos senão para o que agrada aos olhos.
que tombem Jerusalém e tôdas as cidades do mundo 2H - Bôca senão para o que agrada à bôca.
IH - Mãos apenas para agarrar os bens do mundo. IH, numa vista de olhos, circular, para o público,
2H - Pés, somente para voar ao encontro do de direita para a esquerda - Vê diante de si soldados,
prazer. sacerdotes, basbaques, prostitutas, moleques, a escória
IH - Se não possuímos tudo, tudo cobiçamos na do povo, e, mais longe, algumas mulheres. Sua mãe
.carne da nossa alma. está entre elas. (Seu olhar demora um p,ouco nos
2H - Sem escrúpulo. outros três) Agarram-no e o põem nu diante de todos.
IH - Sem vergonha. (Isto, brutalmente, ele súbito, diante do público). É o
2H, duramente - Os bens de nossos pais. Cristo exposto à multidão. (Os outros, com o braço es-
IH - A mulher de nossos amigos. querdo colocado à altura elos olhos, desviando-se ime-
2H, duramente - Nós teríamos roubado. diatamente, voltando o rosto para a esquerda, do terrí-
2H - Matado. vel espetáculo do desnudameruo do Cristo). Nu (êle
2H - Para saciar nossa fome e nossa inveja. insiste, violento, junto ao público) como se criou e nos
IH, mais doloroso - E eis o Cordeiro sem manoha criou. Nu, como Adão após o pecado, quando vê no
prostrado, caído sob os nossos desejos impuros. seu corpo a vergonha e procura Iôlhas para escondê-Ia.
1M - Ter-se-á feito da árvore do prazer uma ár- Nu, como Abel assassinado. Nu, como Noé na embria-
vore do sofrimento? guez. Mas ninguém para o cobrir.
2M - Que poderemos colhêr dela, agora? 2H, 1M, 2M - Mas ninguém para o cobrir.
IH, 2H - A dor. IH, prosseguindo, no mesmo lugar, face ao públi-
Pausa. co - A falta sem o prazer. A vergonha sem a falta.
III - Nossas faltas redobrando, Nossa vergonha, nossas faltas sôbre um corpo sem falta
1M - Entre o madeiro e o chão nu, e vergonha. Sôbre o homem sem pecado, tôdas as
2M - Vão o cordeiro esmagando. taras do pecado.
2H - Ó concupiscência! 1M - Pintadas com seu sangue.
Todos - És tu! 2H - Buriladas nas sua pele.
2I-I - Incrustradas na sua carne.
DÉCIMA ESTAÇÃO IH, oferecendo-se aos nossos olhares, àsperamente
C - Ao ultrage dos olhares Eis o Homem; obra-prima dos homens. Porque to-
Será exposto. Como um raio dos os homens se puseram juntos, cada um juntando
Sua nudez nos fulmina. um traço de horror, a fim de compor essa máscara der-
Eis o homem! . Contemplai-o. risória. Para a obra-prima da criação de Deus.
( .
Sôbre os Inales que o fumo produz
! ;
Teatro na Venezuela
Miguel Torrence
Jan Michalski
(
MOVIMENTO TEATRAL (abril a junho/7I)
TEATRO DE ARENA TEATRO DULCINA
(Lg. Carioca)
Costinha, o Donzelo, em Tôda
A Via Sacra, de Ghéon. dir. Luís Fera tem um Pai. "O público exi-
Mendonça e Música de José Amé- ge e Costinha continua na maior
rica. Atoines, com entrada franca. comédia do ano!". 11.° mês de car-
reíra.
t i
Livros à venda na secretaria d'O TABLADO
• J