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www.serradopilar.com | 3 Tempo Comum, 23.01.

2022 | ano 47º | nº 2250

Por causa da pandemia e das suas consequências, muita e até muitíssima


gente se sente incomodada e indignada, pela simples razão do Natal ter
ido pela água abaixo e não se poder celebrar… Por não poder
divertir-se.

A religião
vai-se extinguindo? 1
um facto que, por causa da osos, é saber que mal e escândalo

É pandemia e das suas conse-


quências, muita e até muitís-
sima gente se sente incomodada e
causam determinados comporta-
mentos de bispos, sacerdotes, clé-
rigos e mesmo freiras que, nos
indignada, pela simples razão do conventos, abusam de pessoas
Natal ter ido pela água abaixo inocentes.
e não se poder celebrar… Por É claro que nos apercebemos de
não poder divertir-se. O mesmo condutas exemplares, em casos
acontece na Semana Santa, nas concretos. Porém, o que impre-
festas dos padroeiros, etc., etc. gna o tecido social não é a
exemplaridade do ‘religioso’.
Interessa a economia, a política, a
estética, o desporto, determinados
setores da cultura, etc. Neste mo-
mento, um homem exemplar – e
de que se fala – é o papa Francisco,
pela sua humanidade, a sua proxi-
midade com as pessoas… Mas
Outro facto a ter em conta é o também é verdade que não faltam
das festas mencionadas serem fes- os que desejam que o papa Fran-
tas religiosas. Mas será que as pes- cisco se aposente ou morra. Insisto,
soas se indignam assim tanto, por a religião enquanto tal interessa
não poderem celebrar o nascimen- cada vez menos, à medida que o
to de Jesus (no Natal), ou a paixão tempo passa.
e morte de Jesus Cristo (na Sema- Que se passa em termos de
na Santa), etc.? Longe disso. A Religião? Há um facto que me
maioria das pessoas sente-se parece indiscutível: a Religião dei-
incomodada por não poder xou-se ficar para trás, e já não
divertir-se (viagens, celebrações, constitui resposta para os proble-
férias…). mas fundamentais da sociedade e
E assim, a primeira coisa que das pessoas que buscam, mas não
me ocorre é pensar que a Religião encontram as soluções de que ne-
se está a extinguir. Pouco a pou- cessitam.
co – e sem que nos demos conta Explico-me melhor. Tenho a
disso – o ‘facto religioso’ vai-se impressão de que – e tenho pensa-
transformando em algo deslocado. do bastante nisto – a Teologia e a
De modo que (sobretudo nos paí- Liturgia da nossa Religião, em
ses mais industrializados), o que muitas das suas ideias, na sua lin-
interessa a grande parte da popula- guagem e nos seus rituais, continu-
ção, quando se fala de temas religi- am a ser coisas, basicamente, pró-
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prias da Idade Média. O que impli- pandemia que estamos a suportar
ca que, com este pensamento e nos possa abrir os olhos para a
estas celebrações litúrgicas, a Re- realidade. E a pura realidade é
ligião não possa responder às esta: “a experiência religiosa
perguntas mais fundamentais de todos nós já não é de fiar”
que nós, cidadãos do século (Thomas Ruster). A ciência e a
XXI nos colocamos. Concreti- tecnologia só por si estão-nos ar-
zando: rastando para a confusão e a inse-
1) A Cristologia foi elaborada gurança da “mudança climática”
no primeiro milénio, não a partir que pode destruir o planeta em que
do Evangelho, mas sim dos concei- vivemos.
tos básicos da filosofia helenista
(ousía =essência), hipóstasis
=substância), (prósopon = pessoa).
2) Pensou-se que o tema de
Deus ficara resolvido com as “cin-
co vias” de São Tomás, mas hoje
isso não resolve o problema (J. A.
Estrada).
3) Quanto à Liturgia, o ritual
Resta-nos a esperança que
da missa (excetuando alguns cos-
nos oferece o Evangelho, que
tumes particulares e monásticos),
não é uma compilação de milagres
pode dizer-se que, apenas, se alte-
incríveis, nem se ensina com cate-
rou a partir do século XI (J. A.
cismos e atos piedosos. O Evange-
Jungmann). A Eclesiologia, no
lho é vida, que só se pode comuni-
papado de Bonifácio VIII, e duran-
car através de relatos em que o
te o período de Avinhão, a Teologia
fundamental não é a “historicida-
limitou-se a discutir os poderes do
de” do relato, mas a “significativi-
papa. Há que esperar até ao século
dade” dos acontecimentos que
XIX, quando a escola de Tubinga,
superam e vencem o sofrimento, a
especialmente J. Möhler começou
injustiça e a desigualdade. Se o
a elaborar um tratado sobre a Igre-
centro da vida da Igreja for ocupa-
ja. No século XX, o Vaticano II não
do não pela Religião, mas sim pelo
foi um concílio dogmático, mas
Evangelho o nosso horizonte de
pastoral, como explicou João XXIII
futuro será uma fonte de luz e es-
no discurso de abertura. Resta-nos
perança.
a esperança de o papado de Fran-
cisco vir a ter sucessores que pros- JOS É MA R ÍA CAS T I LL O
sigam o caminho por ele iniciado. https://www.religiondigital.org/teologia_sin_censura/e
Talvez o sofrimento indizível da xtinguiendo-religion_7_2410028976.html
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“O cristianismo como padrão, acabou”:
a ascensão duma Europa não cristã.
Há números que mostram que uma
maioria de jovens adultos em doze
países não tem religião, com os checos
a revelarem-se os menos religiosos.

A reportagem é de HARRIET SHERWOOD, publicada por The Guardian, 21-03-2018.

A
marcha da Europa rumo a anglicanos, número abaixo dos
uma sociedade pós-cristã 10% que se apresentam como cató-
está, nitidamente, ilustrada licos. Os jovens muçulmanos, 6%,
numa pesquisa que mostrou que estão perto de ultrapassar os que se
uma maioria de jovens, numa de- consideram como fazendo parte da
zena de países, não professa religi- Igreja oficial do país.
ão alguma. Estes números vêm publicados
Um estudo com jovens de de- no relatório intitulado “Europe’s
zasseis a vinte e nove anos desco- Young Adults and Religion” [Os
briu que a República Checa é o país jovens adultos da Europa e a religi-
menos religioso na Europa, com ão], de Stephen Bullivant, profes-
91% deste grupo etário a responder sor de teologia e sociologia da reli-
que não têm nenhuma filiação gião na St Mary’s University, em
religiosa. Entre 70 a 80% dos jo- Londres. Os números baseiam-se
vens adultos na Estónia, Suécia e em dados retirados da Pesquisa
nos Países Baixos, também se iden- Social Europeia 2014-2016.
tificam como não religiosos. O país Segundo se lê no texto do rela-
mais religioso é a Polónia, onde tório, a religião está “moribunda”.
17% dos jovens adultos se definem Com algumas “notáveis exceções,
como não religiosos, seguido da os jovens adultos deixam, cada vez
Lituânia com 25%. mais, de se identificar como religi-
70% dos jovens do Reino Unido osos e de praticar a sua religião”.
identificam-se como sem religião. A tendência é para estes núme-
O gráfico mostra como os jovens de ros se acentuarem cada vez mais
dezasseis a vinte e nove anos se no futuro. “O cristianismo como
identificam em termos religiosos. padrão, como norma, acabou, e é
No Reino Unido, apenas 7% dos provável que tivesse acabado para
jovens adultos se identificam como sempre – ou pelo menos para os
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próximos cem anos”, escreveu jovens adultos dizem ser católicos,
Bullivant. somente 5% afirmam ir à missa
Mas houve, também, variações semanalmente.
significativas. “Os países próximos Quase dois terços dos jovens do
uns dos outros, com fundos cultu- Reino Unido nunca rezam. O gráfi-
rais e histórias parecidos, apresen- co mostra a frequência da oração,
tam perfis religiosos profundamen- fora das cerimónias religiosas,
te diferentes”. entre os jovens de dezasseis a vinte
59% dos jovens, no Reino Uni- e nove anos.
do, nunca frequentaram cerimó- Segundo Bullivant, muitos jo-
nias religiosas. O gráfico mostra a vens europeus “são batizados mas,
frequência de templos religiosos, depois, nunca mais entram numa
fora de ocasiões especiais, entre os
igreja. O que acontece é que as
jovens de dezasseis a vinte e nove
identidades religiosas culturais não
anos.
estão, simplesmente, a ser transmi-
Os dois países mais religiosos (a
tidas de pais para filhos”.
Polónia e a Lituânia), e os dois
Os números referentes ao Reino
menos religiosos (a República Che-
Unido explicam-se, em parte, pelo
ca e a Estónia), são Estados pós-
alto índice de imigração, acrescen-
comunistas.
ta o autor do relatório. “No Reino
A tendência da filiação religiosa
Unido, um em cada cinco católicos
repetiu-se, quando se inquiriu os
não nasceu aqui”.
jovens sobre a sua prática religiosa.
Somente na Polónia, em Portugal e “E sabemos que o índice de na-
na Irlanda, mais de 10% dos jovens talidade dos muçulmanos é mais
disseram frequentar cerimónias alto do que o da população em
religiosas, pelo menos uma vez por geral, e que eles possuem índices
semana. de retenção [religiosa] muito mais
Na República Checa, 70% dizem elevados”.
que nunca foram à igreja ou a al- Na Irlanda, houve um declínio
gum outro local de adoração, e significativo na religiosidade, ao
80% deles dizem que nunca rezam. longo dos últimos trinta anos, mas
No Reino Unido, na França, Bélgi- comparado a qualquer outro lugar
ca, Espanha e Países Baixos, entre da Europa ocidental, parece ser um
56 e 60% disseram nunca ir à igre- país ainda bastante religioso”, ex-
ja, e entre 63 e 66% afirmam nunca plicou Bullivant.
rezar. “O novo cenário padrão é o de
Entre os que se identificam co- ‘sem religião’, e os poucos que são
mo católicos, houve uma grande religiosos, sentem-se como estando
variação nos níveis de comprome- a nadar contra a maré”, conclui.
timento. Mais de 80% dos jovens “Dentro de vinte ou trinta anos,
polacos dizem que são católicos, as igrejas tradicionais / predomi-
com cerca de metade a irem à mis- nantes estarão mais pequenas, mas
sa, pelo menos uma vez por sema- as poucas que restarem revelar-se-
na. Na Lituânia, onde 70% dos ão altamente comprometidas”.
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Relatório sobre a realidade
dos jovens católicos na Europa
O estudo sociológico “Jovens adultos da Europa e a religião”, realizado com vista
ao Sínodo de outubro, revelou a situação dos jovens católicos no Velho Continente,
que vivem inseridos numa cultura onde a filiação religiosa, a frequência da igreja e
a oração frequente, revelam duma maneira geral, índices muito baixos.
O relatório é da responsabilidade de Stephen Bullivant, professor de teologia e
sociologia da religião na Universidade de St. Mary en Twickenham (Reino Unido).
É, além disso, diretor do Centro de Religión y Sociedad Benedict XVI, que publica
o estudo juntamente com a Universidade Católica de Paris.
O objetivo principal deste estudo é informar o Sínodo dos bispos que em outu-
bro irá reunir em assembleia geral sobre o tema “Os jovens, a fé e o discernimento
da vocação”.
O relatório utiliza dados da Pesquisa
Social Europeia, para considerar a filia-
ção religiosa e a sua prática, em pessoas
de vinte e dois países, com idades com-
preendidas entre os dezasseis e os vinte e
nove anos. Considera a prática religiosa
e a filiação entre os católicos e outros
adultos jovens, em toda a Europa, exa-
minando, especificamente, a religiosida-
de entre os adultos jovens em França e
no Reino Unido.
Deste modo, assinala que “23% dos adultos jovens franceses se identificam
como católicos, em comparação com, apenas, 10% do Reino Unido”.
“Curiosamente, porém, tanto em França como no Reino Unido, o catolicismo é
a identidade cristã dominante” prossegue o relatório. “Ambos os países têm uma
minoria significativa – cerca de um em cada dez jovens entre os dezasseis e os
vinte e nove anos – de membros de religiões não cristãs, sendo o islão o maior
contribuinte. Duma maneira geral, contudo, a identificação “nenhuma religião” é a
identidade por defeito, tanto dos jovens adultos franceses, como dos britânicos,
representando cerca de dois terços em cada um dos países”.
Assinala, contudo, uma maior presença de católicos entre os jovens adultos de
outros países: 82% na Polónia, 71% na Lituânia, 55% na Eslovénia e 54% na Ir-
landa.
Revela, além disso, que 47% dos jovens católicos polacos assistem à missa
dominical. E compara com valores noutros países: 27% em Portugal, 24% na Re-
pública Checa e na Irlanda, 17% na Grã-Bretanha e 7% na França. A assistência à
missa dominical varia de 2 a 6% entre os jovens católicos na Bélgica, na Hungria,
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na Áustria, na Lituânia e na Alemanha.
No Reino Unido, 21% dos adultos jovens identificam-se como cristãos, inclu-
indo os 7% anglicanos. Neste país, 6% deles são muçulmanos.
Em França, 26% dos adultos jovens identificam-se como cristãos, incluindo os
2% que se declaram protestantes. 10% dos jovens adultos são muçulmanos.
Os jovens sem filiação religiosa constituem uma grande maioria na República
Checa, representando 91% do total. Na Estónia, o valor é de 80%, e na Suécia de
75%. Na França, a sua proporção é de 64%.
Na Lituânia, apenas 26% dos jovens declaram não ter filiação religiosa, en-
quanto este valor é de 17% na Polónia e de, apenas, 1% em Israel.
Entre os jovens sem filiação da França e do Reino Unido, 80% deles informa-
ram ter crescido sem religião. Dos 20% que cresceram com uma religião, a maioria
possui uma base cristã, sendo, em França, a maioria ex-católicos.
A assistência religiosa
Segundo o relatório, “apenas em quatro países mais de um em cada dez jovens,
entre os dezasseis e os vinte e nove anos, afirma assistir aos serviços religiosos,
pelo menos uma vez por semana: Polónia, Israel, Portugal e Irlanda”.
Em França, um em cada quatro
jovens católicos diz nunca assistir aos
serviços religiosos, em comparação
com um em cada cinco no Reino
Unido.
40% dos jovens católicos espa-
nhóis não frequentam a igreja, uma
proporção muito elevada, em compa-
ração com outros países. Na Bélgica,
há 31% de jovens católicos que nunca
frequentam a igreja.

O relatório regista um elevado nível de oração semanal entre os jovens católicos


dos Países Baixos e do Reino Unido. Cerca de 43% afirmaram rezar, pelo menos,
uma vez por semana. Valores semelhantes se registam na Irlanda. Esta percenta-
gem só é superada pelos jovens católicos checos e polacos.
(https://www.catholicnewsagency.com/news/where-no-religion-is-default-a-look-at-europes-young-catholic-minority-60246)
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para uma espiritualidade
alicerçada em Jesus
J
ESUS VIVE A EXPERIÊNCIA DE sou santo (Lv 19,2), mas mais de
UM D EUS P AI , e daí resultam acordo com o “Sede misericordiosos
duas atitudes que ele vive e como o vosso Pai é misericordioso”
tenta comunicar aos seus seguido- (Lc 6,36).
res: confiança absoluta em Deus e
incondicional docilidade ao Pai.
Jesus vive a partir de um silêncio
interior que o leva a escutar a voz de
Deus como a Boa Nova do Pai.
Jesus tem uma espiritualidade cen-
trada no projeto do reino de Deus.
Jesus ensina não uma “doutrina
religiosa”, mas um novo modo de
acolher e viver o mistério de Deus
Jesus ensina-nos a importância da
que nos leva a situá-lo inteiramente
atenção para com os que sofrem. A
dentro do seu grande projeto de
experiência de Deus como um Mis-
humanizar o mundo. Ele já está a
tério insondável de um Pai que é
experimentar e quer que todos par-
amor misericordioso para com os
ticipem da sua experiência.
seus filhos, desperta em Jesus a sua
Jesus revela uma espiritualidade ao capacidade de olhar para os que
serviço de uma vida mais humana. sofrem com amor compassivo.
No seu silêncio interior nunca per- Atrever-me-ia, até, a dizer que o
ceciona Deus encerrado no seu Mis- caminho mais curto para nos por-
tério insondável, alheado do sofri- mos em sintonia com a espirituali-
mento humano e indiferente à his- dade de Jesus é aprendermos a
tória dos seus filhos. Experiencia-O olhar de forma atenta e responsável
como uma Presença boa e amistosa o rosto dos que sofrem. Este olhar
que nos atrai a todos, seus filhos, obriga-nos a sair da indiferença que
para um mundo mais justo e frater- bloqueia a nossa compaixão, ou a
no. abandonar posições religiosas e
Jesus partilha uma espiritualidade espirituais que nos permitem viver
alimentada pela compaixão, que age de consciência tranquila sem ativar
não tanto segundo o princípio da em nós a solidariedade fraterna.
santidade religiosa: “Sede santos,
porque eu, o Senhor, vosso Deus, JOSÉ A PAGOLA
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