Você está na página 1de 8

John McCormick

RUMO AO PARAÍSO
A História do Movimento Ambientalista

RELUME DUMARÁ

John McCormick
Introdução
De todas as revoluções conceituais do século XX, poucas forjaram uma mudança tão universal e
fundamental nos valores humanos quanto a revolução ambientalista. Gerado pelos amantes da natureza e
filantropos vitorianos, nutrido por naturalistas amadores e planejadores profissionais, e finalmente inserido
na agenda das políticas públicas por uma nova geração rebelde e idealista, o ambientalismo ultrapassou as
divisões religiosas, nacionais e políticas para difundir-se em quase todos os países da Terra. Ganhou dezenas
de milhões de adeptos, criou novos órgãos de legislação, engendrou novos partidos políticos, encorajou uma
reavaliação das prioridades econômicas e tornou-se tema de políticas internas e relações internacionais.
Acima de tudo, mudou nossas percepções do mundo no qual vivemos. Pressuposições de séculos foram
subvertidas em não mais que poucas décadas. Pela primeira vez a humanidade foi despertada para a verdade
básica de que a natureza é finita e que o uso equivocado da biosfera ameaça, em última análise, a própria
existência humana.
A mudança teve maturação lenta. Embora os movimentos ambientalistas datem do pós-guerra, a
destruição ambiental tem uma longa linhagem. Há cerca de 3.700 anos, as cidades sumérias foram
abandonadas quando as terras irrigadas que haviam produzido os primeiros excedentes agrícolas do mundo
começaram a tornar-se cada vez mais salinizadas e alagadiças.1 Há quase 2.400 anos Platão deplorava o
desmatamento e a erosão do solo provocada nas colinas da Ática pelo excesso de pastagem e pelo corte de
árvores para lenha.2 Na Roma do século I, Columela e Plínio, o Velho, advertiram que o gerenciamento
medíocre dos recursos ameaçava produzir quebras de safras e erosão do solo.3 Por volta do século VII o
complexo sistema de irrigação da Mesopotâmia, construído 400 anos antes, começava a sucumbir sob o peso
da má administração.4 Na mesma época o crescimento populacional plantava as sementes do colapso da
civilização maia no século X. 5 A construção de embarcações para a frota do Império Bizantino, Veneza,
Gênova e outros estados marítimos italianos reduziu as florestas costeiras do Mediterrâneo.6 A poluição do
ar pela queima de carvão afligia tanto a Inglaterra medieval que em 1661 o memorialista e naturalista John
Evelyn deplorava a "Nuvem lúgubre e Infernal" que fez a Cidade de Londres parecer-se com "a Corte de
Vulcano ... ou os Subúrbios do Inferno, [ao invés] de uma Assembléia de Criaturas Racionais."7
Apesar dessas advertências prévias houve pouco sentimento de alarme ou interesse até bem depois da
Revolução Industrial. A mudança mais ampla nas atitudes humanas começou com a era das descobertas
científicas, quando os sinais de deterioração tornaram-se evidentes para mais pessoas, e não apenas para uns
poucos observadores perspicazes da condição da natureza. As raízes de um "movimento" mais amplo podem
ser discernidas pela primeira vez na segunda metade do século XIX. Os primeiros grupos protecionistas
foram criados na Grã-Bretanha na década de 1860. Nos Estados Unidos, um movimento bipartido de
preservacionistas de áreas virgens e de conservacionistas de recursos naturais começou a emergir na virada
do século. A sensibilidade do público para

16

os primeiros movimentos era pequena, mas, à medida que a ciência revelava mais sobre a estrutura da
natureza, e as pessoas ganhavam mais mobilidade e passavam a olhar para além de sua vizinhança imediata,
o movimento cresceu e se disseminou. Contudo, a verdadeira revolução ambiental só aconteceu depois de
1945, com o período de maiores mudanças se verificando a partir de 1962.

• Em 1863, a Grã-Bretanha aprovou a primeira lei de amplo espectro contra a poluição do ar no mundo
e criou o primeiro órgão de controle da poluição. Até 1971 existiam somente 12 órgãos ambientais
nacionais no mundo; hoje há mais de 140 .

• O primeiro grupo ambientalista privado do mundo (Commons, Foot-paths, and Open Spaces
Preservation Society) foi fundado na Grã-Bretanha em 1865; hoje o mundo conta com mais de 15 mil
desses grupos, um terço dos quais fundados depois de 1972.
• O primeiro acordo internacional sobre meio ambiente foi assinado em 1886; hoje são mais de 250,
três quartos dos quais assinados após 1960.

• Em 1972 as Nações Unidas criaram um novo programa ambiental; já em 1980, quase todas as
organizações internacionais mais importantes - desde o Banco Mundial até a Comunidade Européia e
a Organização para o Desenvolvimento e Cooperação Econômica - haviam tomado posições relativas
às políticas de meio ambiente.

Ainda insatisfeitos com a resposta política, novos partidos verdes surgiram para desafiar a velha ordem.
O primeiro foi fundado em 1972, na Nova Zelândia; em 1988 havia partidos verdes atuantes em 14 países -
oito deles elegeram membros para suas assembléias nacionais e 11 membros verdes têm assento no
Parlamento Europeu. Para muitos, a política verde oferece uma alternativa nova e poderosa para as
inconsistências e insuficiências do tradicional eixo esquerda/direita.
Nem todos os grupos privados foram efetivos, poucos dos órgãos nacionais têm poderes adequados ou
responsabilidades lógicas, muitas das leis permanecem ainda inadequadas ou ignoradas, muito poucos
pronunciamentos políticos contêm mais do que declarações bombásticas, e os partidos verdes (mas não suas
filosofias) podem, em última análise, se revelar fenômenos efêmeros. Entretanto não há como negar a
emergência de um movimento global substancial. Somente nos Estados Unidos 17 milhões de indivíduos
descrevem a si mesmos como "ambientalmente ativos" e 55% da população reivindica apoio para os
objetivos do movimento.8 Três milhões de britânicos são membros de grupos ambientais,9 fazendo do
movimento o maior de sua história.
O ambientalismo gerou sem dúvida uma revolução conceitual de proporções copérnicas, Isso torna ainda
mais surpreendente o fato de que pouco se tenha escrito sobre-a história do movimento. É verdade que a
produção intelectual americana e européia aumentou muito rapidamente nos últimos dez anos,10 mas
somente uma pequena parcela da mesma vai além de movimentos nacionais limitados, sendo exceções
notáveis os trabalhos de Max Nicholson e Lynton Caldwell.11 No entanto é difícil - e mesmo artificial -
avaliar o ambientalismo exclusivamente em termos de movimentos nacionais isolados. Fazê-Io pode levar a
concepções equivocadas.
Há, por exemplo, a afirmação de que a conservação foi uma das maiores contribuições da América para
os movimentos reformistas mundiais e que suas idéias acabaram por ser exportadas para outras nações.12 Na
verdade o conservacionismo americano foi muito influenciado pelas técnicas alemãs de manejo florestal e a
conservação era praticada em algumas partes da Europa - e até na África do Sul e na Índia - antes de surgir
nos Estados Unidos.

17

Existe a sugestão de que os parques nacionais são uma "invenção" americana.13 O primeiro parque
nacional do mundo foi, é verdade, Yellowstone, e o conceito foi sem dúvida criado por George Catlin por
volta de 1830; mas Wordsworth havia escrito dez anos antes sobre suas esperanças de que o Distrito dos
Lagos inglês fosse encarado como "uma espécie de propriedade nacional na qual tem direito e interesse cada
homem que tem um olho para perceber e um coração para desfrutar" .14
Existe a crença equivocada de que muitos temas e problemas recentes são "novos". A poluição ácida,
por exemplo, é frequentemente retratada como uma questão dos anos 80. Todavia sua existência era
suspeitada já no século XVII, sendo confirmada na década de 1850. Muitos dos debates sobre população dos
anos 60 simplesmente ecoavam Thomas Malthus (1766-1834), que comparou o crescimento exponencial dos
números da população humana ao crescimento aritmético da produção de alimentos - e até mesmo ele foi
precedido por sir William Petty.15 A idéia de que o modo de vida industrial era insustentável, esboçada em
1972 em A Blueprint for Survival, havia sido explorada pelo menos já em 1899, pelo geógrafo Peter
Kropotkin.16
Tais mitos e concepções errôneas podem derivar, ao menos em parte, da falta de definições claras ou
consistentes da natureza e parâmetros do ambientalismo. Tratar-se-á de um modo de vida, um estado de
espírito, uma atitude em relação à sociedade ou uma filosofia política? Talvez seja tudo isso, ou somente
parte dessas coisas. Por que algumas vezes o ambientalismo é também chamado (confusamente) de
movimento "ecológico" ou "conservacionista"? Como a "proteção" difere da "preservação"? Como a
"conservação" se diferencia do "desenvolvimento sustentado"? O que é "desenvolvimento sustentado"? Será
a ecologia uma ciência, uma filosofia, uma doutrina política ou todas as três?
Aqueles que procuram por uma definição eficiente do ambientalismo poderiam fazer pior do que se
reportar a Roger Scruton, que o define como "interesse pelo ambiente ... quando elevado à atividade política"
.17 Mas o movimento ambientalista vai além disso. Poucos "movimentos" reformistas foram homogêneos
porque poucos dentre os problemas sociais têm respostas simples ou universais. O ambientalismo não é uma
exceção. Assim como o movimento pelos direitos civis é fundamentalmente voltado à igualdade racial, o
movimento ambientalista é fundamentalmente relacionado com a proteção e administração do meio
ambiente natural e humano. Mas, assim como as filosofias dos direitos civis se estenderam da não-violência
de Martin Luther King ao black power intransigente de Malcom X ou dos Black Panthers, assim também os
grupos ambientalistas têm ideologias, objetivos e métodos dessemelhantes.
Em 1970 a revista New Republic foi influenciada a descrever o movimento ambientalista americano
como "o maior sortimento de aliados mal entrosados desde as Cruzadas, jovens e velhos, radicais de
esquerda e de direita, liberais e conservadores, humanistas e cientistas, ateus e teístas".18 Em seu estudo
sobre o ambientalismo americano, Joseph Petulla identifica três tradições principais: a biocêntrica (natureza
em si e para si), a ecológica (baseada numa compreensão científica da inter-relação e interdependência entre
as partes das comunidades naturais) e a econômica (a utilização otimizada dos recursos naturais, de outro
modo apresentada como o enfoque utilitário do conservacionismo). O autor alinha uma série de argumentos
diferentes (da preservação da natureza à ecologia humana e à filosofia anticrescimento) e uma variedade de
embasamentos éticos, desde a tradição puritana (o desperdicio é o mal) até a riqueza e a ética empresarial.19
Aliado a isso há o cisma entre a "deep ecology" e a "shallow ecology"*; a primeira vê o homem como uma
parte da natureza e subordina as considerações econômicas às ecológicas; a segunda é descartada pelos
ecologistas "deep" como uma crença de que o homem é separado da natureza, e considera as medidas de
proteção somente através de sua

* Literalmente, ecologia "profunda" e ecologia "rasa" ou "superficial". (N. do T.)

18

utilidade para os interesses humanos. O'Riordan, por seu turno, observa a evolução divergente de dois temas
ideológicos: o ecocêntrico (que acredita em ordem natural e leis naturais) e o tecnocêntrico (que acredita que
o homem é capaz de compreender e controlar os acontecimentos para servirem a seus objetivos)20.
Considerada num nível global, a diversidade de filosofias, táticas e objetivos é amplificada. As
questões abrangem desde a proteção de orquídeas até a de baleias, da efetiva destruição das wetlands* aos
perigos teóricos-do inverno nuclear, dos efeitos da afluência aos da pobreza. Os grupos ambientalistas
abrangem desde organizações de vários milhões de membros, operando a partir de escritórios de
planejamento em Washington, Londres ou Genebra, até associações de aldeia no Himalaia lutando para
salvar seu modo de vida próprio. As táticas abrangem desde à prática cuidadosa e continuada de lobby junto
a legislaturas nacionais até a confrontação ocasionalmente violenta em alto-mar. As filosofias se estendem
desde a acomodação entre as necessidades de desenvolvimento e de crescimento econômico até a defesa do
anticrescimento mais intransigente. Dominando tudo isso está a questão de saber se o meio ambiente é um
assunto político, econômico ou científico, ou todos os três.
Este é o "movimento ambientalista". Quaisquer que sejam as filosofias ou os métodos das partes, o
objetivo último do todo é a manutenção da qualidade do meio ambiente humano. Rumo ao Paraíso se
propõe a remediar algumas das muitas concepções errôneas sobre esse complexo movimento e a
proporcionar a primeira história do ambientalismo como fenômeno social, econômico e político global.
Trata-se de um estudo de como e por que o estado e a condição do meio ambiente foram transformados de
um tema privado em tema público. O veículo ativo dessa transformação foi um movimento de massa
popular. A medida que as preocupações privadas se tornavam públicas os esforços desse movimento se
refletiam crescentemente na legislação, na política pública, na criação e operação de organismos ambientais
públicos, e nas mudanças dos valores sociais, econômicos e políticos. Esse processo ainda não acabou.
Ainda que Rumo ao Paraíso se apóie fortemente nas experiências britânica e americana, seu argumento
central é o de que o ambientalismo deve ser visto não como uma série de movimentos nacionais separados,
mas como parte de uma mudança mais ampla e de prazo mais longo nas atitudes humanas. Somente desse
modo o mesmo pode ser corretamente avaliado e compreendido.
O capítulo 1 proporciona um prelúdio necessário ao restante do livro através do exame das raízes do
ambientalismo nos séculos XIX e XX na Grã- Bretanha e nos Estados Unidos. Para mostrar como
desenvolvimentos paralelos ocorreram em outros lugares, há uma breve descrição dos acontecimentos na
Austrália, África do Sul e Índia. Esses desenvolvimentos são então relacionados a um dos primeiros temas
ambientais efetivamente regionais (a questão da vida selvagem na África) e, finalmente, aos primeiros sinais
de um movimento internacional de proteção da natureza. O tratamento aqui não pretende ser abrangente;
leitores em busca de maiores detalhes sobre os primeiros movimentos nacionais são reportados às fontes
citadas.
O capítulo 2 segue o fio da meada através da era pós-Segunda Guerra Mundial: as primeiras
conferências importantes sobre conservação, a criação dos primeiros órgãos internacionais de conservação,
os primeiros alarmes neo-malthusianos, e os primórdios de uma compreensão do debate
conservação/desenvolvimento na África pós-colonial.

* O conceito de wetlands, literalmente terras úmidas ou molhadas, é objeto de debate recente e ainda em curso entre a
comunidade científica e as autoridades (ver Time n2 34, 26 de agosto de 1991). Atualmente, segundo a Agência de Proteção
Ambiental norte-americana, wetlands são "qualquer depressão onde a água se acumule por sete dias consecutivos durante a
estação da floração, onde certas plantas aquáticas são encontradas e onde o solo é suficientemente saturado de água para que
ocorra atividade de bactérias anaeróbicas ... " Diante dessa imprecisão do conceito preferimos optar pela manutenção do termo em
inglês. (N.doT.)

19

Os capítulos 3 e 4 se concentram sobre a partida radical em direção ao Novo Ambientalismo entre


1962 e 1972. O capítulo 3 avalia algumas das razões pelas quais o novo movimento emergiu e quando isso
ocorreu: a reação à afluência, o medo da precipitação radioativa, a influência de RacheI Carson, o impacto
dos desastres ambientais e a influência de outros movimentos sociais. O capítulo 4 se volta então para o
debate gerado pelos assim chamados profetas do apocalipse.
O capítulo 5 focaliza um único evento: a conferência de Estocolmo de 1972 sobre o meio ambiente
humano. A conferência foi um divisor de águas, fazendo com que o ambientalismo global possa ser separado
em duas fases - antes e depois de Estocolmo. O desempenho do resultado institucional mais concreto de
Estocolmo - o Programa Ambiental das Nações Unidas - é examinado no capítulo 6.
O capítulo 7 avalia a politização do meio ambiente nos países mais desenvolvidos. Pouco antes, mas
mormente depois de Estocolmo, o Novo Ambientalismo começou a se traduzir em ação política dos
governos: nova legislação, a criação de novos departamentos governamentais e o reconhecimento de
convenções internacionais. Organizações não governamentais desempenharam um papel chave ao iniciar e
monitorar o desenvolvimento das políticas públicas ambientais. Ao final dos anos 70, a insatisfação com a
resposta dos governos ocidentais ajudou a gerar novos partidos políticos verdes.
O capítulo 8 lida com um importante resultado da conferência de Estocolmo e um dos mais difíceis
problemas enfrentados pelo ambientalismo contemporâneo: a resolução do conflito entre os objetivos de
desenvolvimento e a administração ambiental no Terceiro Mundo. Sem políticas práticas coerentes, dados
precisos, desenvolvimento econômico com bases amplas, sem uma redução do crescimento populacional e
uma distribuição mais equânime dos recursos (naturais e financeiros), o futuro do meio ambiente humano
nos países menos desenvolvidos parece desencorajador.
O capítulo 9 trabalha com uma visão mais ampla, através de uma avaliação das perspectivas para
uma cooperação internacional mais intensa no tratamento dos problemas ambientais globais e regionais.
Finalmente, a conclusão faz um sumário da significação do ambientalismo e examina as perspectivas
para o século XXI.
Rumo ao Paraíso iniciou sua trajetória como uma dissertação de mestrado para a Universidade de
Londres. Foram necessários seis anos e várias reformulações para que chegasse à versão final. Compreender
um dos mais amplos movimentos de massas da história não foi uma tarefa fácil e este livro deve muito à
colaboração e influência de outros. Tenho uma dívida especial de gratidão para com Philip Lowe, do
University College de Londres, que orientou o desenvolvimento da dissertação original; seus comentários
bem escolhidos a mantiveram em seu curso e a impediram de tomar-se inadministrável. Max Nicholson
empenhou seu tempo para falar com alguma profundidade sobre os primeiros anos da IUCN e teceu
comentários sobre os dois primeiros capítulos. Martin Holdgate propiciou comentários abrangentes sobre os
capítulos 5 e 6. Lynton K. Caldwell;: da Universidade de Indiana, Richard N.L. Andrews, da Universidade
da Carolina do Norte, e Tim O'Riordan, da Universidade de East Anglia, leram o manuscrito todo e apresen-
taram muitos comentários úteis. David Brower, Czech Conroy, Duncan Poore, Robert Prescott - Allen e
Richard Sandbrook discutiram comigo aspectos específicos do movimen-. to e, em alguns casos,
comentaram trechos do manuscrito. Uma bolsa do World Wildlife Fund ajudou a dissertação em seus
estágios iniciais e muitos colegas do Earthscan e do Institute for Environment and Development
propiciaram-me um ambiente inspirador de trabalho enquanto o volume maior do projeto estava em curso.
cooperação internacional, mas os organismos internacionais - notadamente o sistema da ONU - estavam
sitiados no momento em que mais se precisava deles.
Além disso, concluiu a comissão, a política ambiental com excessiva freqüência era colocada em
segundo plano; os organismos ambientais muitas vezes sabiam sobre novas iniciativas nas políticas
econômicas, comerciais e energéticas (com possíveis conseqüências para os recursos) muito depois das
decisões efetivas terem sido tomadas. Já era tempo de que "as dimensões ecológicas das políticas (fossem)
consideradas ao mesmo tempo que as dimensões econômicas, comerciais, energéticas, agrícolas, industriais
e outras - nas mesmas agendas e nas mesmas instituições nacionais e internacionais".94 Os organismos
nacionais de proteção ambiental precisavam de fortalecimento urgente, particularmente nos países menos
desenvolvidos; o trabalho do UNEP precisava ser reforçado e estendido (sobretudo através de um aumento
de fundos); a monitoração e a avaliação precisavam de melhor focalização e coordenação; os elaboradores
de políticas precisavam trabalhar em contato mais íntimo com as ONGs e a indústria; as convenções legais e
internacionais precisavam de fortalecimento e de melhor implernentaçâo; e a ONU devia trabalhar no
sentido de uma declaração universal c, posteriormente, uma convenção sobre proteção ambiental e
desenvolvimento sustentável.
Redclift vê na crítica feita pela comissão de Brundtland sobre a administração ambiental
convencional e na visão global da comissão o mais radical afastamento, até hoje, dos enfoques anteriores
voltados para o desenvolvimento sustentável. Contudo, mesmo antes

190

da publicação final do relatório, ele considerou improvável que os países mais desenvolvidos ou os países
menos desenvolvidos viessem a agir no sentido das medidas recomendadas por Brundtland; não poderiam
fazê-lo "sem se envolverem numa reforma estrutural muito radical, não apenas nas metodologias para a
avaliação das perdas de florestas ou da erosão do solo, mas do próprio sistema econômico internacional”.95
Se esse processo de reforma havia começado ou se poderia suplantar as atitudes econômicas e políticas
convencionais em relação aos recursos naturais, essas eram questões que atingiam o coração mesmo das
metas e filosofias do movimento ambiental.
Quase 125 anos haviam-se passado desde a criação do primeiro organismo governamental de
controle da poluição e 101 anos desde o primeiro acordo ambiental internacional. Nos vinte anos anteriores
ao relatório de Brundtland mais de 130 países haviam criado novos órgãos ambientais, mais de 180 acordos
internacionais haviam sido assinados, alguns milhares de ONGs ambientais haviam sido formadas e as
Nações Unidas haviam criado um novo programa ambiental global. Boa parte da estrutura já existia. O
processo de reforma certamente havia começado.

190
FOLHA EM BRANCO
191

CONCLUSÃO
Rumo ao Século XXI

O movimento ambientalista percorreu um longo caminho em um século. Seu início foi realmente humilde:
um grupo de mulheres inglesas preocupadas com os danos que sua moda infligia aos pássaros selvagens,
homens de letras nos cafés arengando contra os smogs que sufocavam suas cidades, especialistas florestais e
botânicos trabalhando isolados na África e na Ásia para refrear a derrubada descontrolada de florestas, um
roceiro barbado e um refinado intelectual de Yale às turras sobre os esplendores naturais da América do
Norte, e um bando de naturalistas, ilustradores e fotógrafos se empenhando para educar a sociedade quanto
às belezas da natureza indômita,
A partir desses e de outros acontecimentos tomou forma um movimento global de massas que deixou
poucas sociedades intocadas. O meio ambiente tornou-se uma questão política que atravessa horizontalmente
os campos políticos tradicionais, a raison d'être de novas burocracias e de novos partidos políticos inteiros, o
objeto de corpos de legislação novos e complexos, o tema de programas de pesquisa nacionais e
multinacionais, e a causa de um movimento de massas que mobiliza cerca de dez milhões de pessoas.
Através de tudo isso, o movimento ambientalista forjou três modificações significativas nos valores
humanos.
Primeiro, instigou a redes coberta de uma das mais fundamentais realidades da existência humana:
que a humanidade é totalmente dependente de um meio ambiente natural saudável. A apreciação dessa
verdade básica foi perdida através dos milênios em função do progresso do desenvolvimento industrial e
agrícola. O homem primitivo via a natureza insubmissa como ameaçadora e perigosa. À medida que se
empenhou em controlar a natureza e, em seguida, explorar os recursos naturais de maneira mais eficiente e
lucrativa, a natureza se tornou menos ameaçadora. Mas a ameaça de um meio ambiente insubrnisso foi
removida para dar lugar à ameaça de um meio ambiente supercontrolado.
O homem tecnológico começou a entender a ironia, e nisso reside a segunda faceta significativa do
ambientalismo: o mesmo representa uma readaptação ao legado da tecnologia. Os primeiros ambientalistas
perceberam que as mudanças geradas pelas revoluções agrícola e industrial cobraram, em última análise, um
preço demasiado alto à natureza. Os vitorianos de boa escolaridade, com sua nova apreciação da natureza,
foram os primeiros a se rebelar em número significativo contra a poluição do ar e da água, e contra a perda
das áreas virgens e da vida selvagem. Mas não existia um sentido universal de alarme. Duas guerras
mundiais, várias guerras regionais e uma depressão econômica severa se combinaram para desviar a atenção
de volta para problemas mais imediatos. Somente na segunda metade deste século, com a ascensão de uma
nova classe média, a expansão da educação e a emergência de dois terços da população mundial das sombras

192

do colonialismo, é que as questões dajustiça social, econômica e política começaram a ser enfrentadas por
mais do que uns poucos privilegiados. O meio ambiente era uma dentre várias questões desse teor.
Inglehart caracteriza a mudança de atitude como "uma revolução silenciosa", um deslocamento da
ênfase assoberbante sobre os valores materiais e a segurança física em direção a uma maior preocupação
com a qualidade de vida. 1 Houve sugestões de que a unidade tradicional com a qual se media o progresso
nas sociedades industriais - crescimento econômico - não era mais apropriada. Ophuls e outros
argumentaram que muitas das crenças sociais dominantes, gestadas em tempos de abundância, necessitavam
ser redimensionadas à luz da crescente penúria ecológica.2 Para Pirages os problemas ambientais na
sociedade industrial tinham suas raízes no Paradigma Social Dominante, um conjunto de crenças e valores
que incluía os direitos de propriedade privada, a fé na ciência e na tecnologia, o individualismo, o
crescimento econômico, a sujeição da natureza e a exploração dos recursos naturais.3 A poluição, a carência
energética e até mesmo a inflação, a recessão econômica e o desemprego desafiaram o Paradigma Social
Dominante.4 O temor acerca dos limites do crescimento e das implicações da má administração ambiental
deram lugar a uma nova visão de mundo, mais compatível com os limites ambientais. Essa visão, que até
pode ser uma ideologia, foi chamada de Novo Paradigma Ambiental.5 Em seu cerne há um clamor por um
tipo de sociedade inteiramente novo, baseado em produção e consumo cuidadosamente considerados,
conservação de recursos, na proteção ambiental e nos valores básicos de compaixão, justiça e qualidade de
vida.
Milbrath sugere que os ambientalistas constituem uma vanguarda que utiliza educação, persuasão e
política para tentar atrair as pessoas para sua visão de uma sociedade nova e mais sustentável. 6 Nisso eles
sofrem oposição de uma retaguarda (personificada por Julian Sirnon e Herman Kahn) que acredita que as
sociedades industriais funcionam muito bem, que não há limites para a engenhos idade humana e que a
sociedade industrial produz a maior parte da riqueza e os arranjos econômicos, políticos e sociais mais
equânimes.
O terceiro aspecto significativo do ambientalismo reside no desafio que faz aos modelos ortodoxos
de crescimento econômico, seja capitalista ou socialista. Nos países mais desenvolvidos é um desafio frontal
à produção e ao consumo impensados e não regulamentados; nos menos desenvolvidos trata-se de um
desafio à presunção de que o modelo industrial seja a estrada mais efetiva para um desenvolvimento rápido e
igual. Num texto muito discutido de 1966 o historiador medieval Lynn White relacionou a destruição
histórica da natureza com o antropomorfismo judaico-cristão.7 O cristianismo, argumentava, era a mais
antropocêntrica das religiões, pregando ser desejo de Deus que o homem explorasse a natureza para seus
próprios fins; o homem tinha um domínio outorgado por Deus "sobre toda a terra e sobre todos os répteis
que rastejam pela a terra" (Gênesis 1:26). Deus disse aos homens: "sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a
terra e sujeitai-a"; (Gênesis 1:28). A ciência e a tecnologia ocidentais, argumenta White, foram "tão
impregnadas pela arrogância cristã em relação à natureza que não se pode esperar nenhuma solução advinda
somente delas".
Moncrief combate a tese de White argumentando que as culturas exteriores à esfera judaico-cristã
passaram por experiências semelhantes de modificações ambientais dramáticas: "nenhuma cultura foi capaz
de filtrar completamente as tendências egocêntricas dos seres humanos",8 Isso pode ser· verdadeiro, mas em
termos de amplitude e volume os problemas ambientais mais graves só ocorreram nos últimos 150 anos, na
proporção da disseminação da revolução industrial e da ocupação e colonização européias da África e de
outros continentes. Na África subsaariana, os mais sérios problemas se sucederam na interação das
sociedades tradicional e industrial, onde as exigências desta última foram impostas sem muita consideração
pelas implicações para a primeira.

193

Certamente o ambientalismo forçou uma reconsideração das prioridades e princípios do crescimento.


Desde o fmal da década de 1960 a natureza do debate foi fundamentalmente alterada pelas perspectivas
rivais dos países "mais" e "menos" desenvolvidos e entre comunidades no seio de uma mesma nação. Os
ambientalistas ocidentais podem ainda estar mais imediatamente preocupados com questões domésticas, mas
- no nível global - algumas das mudanças filosóficas mais importantes para o ambientalismo derivaram da
influência dos países menos desenvolvidos. Em 1972, observam Holdgate, Kassas e White, os problemas
ambientais tendiam a ser vistos "individualmente, simplisticamente e de um ponto de vista exàgeradamente
ocidental"9 segundo o qual os ambientalistas advertiam sobre os malefícios do crescimento econômico. Nos
países menos desenvolvidos, contudo, os benefícios potenciais do crescimento econômico não eram
questionados. Confrontados como estavam com os problemas imediatos e visíveis da pobreza, esses países
encaravam a administração ambienta! como uma preocupação distante, quando não um freio efetivo ao
desenvolvimento.
Uma década mais tarde, em contraste, havia uma aceitação bem maior (em palavras se não em atos)
do conceito de desenvolvimento sustentável. Na Sessão de Caráter Especial do UNEP (realizada em Nairobi
em 1982 para marcar o décimo aniversário da conferência de Estocolmo), relembra Sandbrook, os governos
"expressaram preocupação" com os danos que estavam sendo infligidos a seus ambientes naturais, "os quais
afetam de maneira adversa seu desenvolvimento e as condições de vida de muitos de seus povos".10 O
Centro de Ciência e Meio Ambiente da Índia argumentou que não poderia haver um "desenvolvimento
econômico racional e equânime sem conservação ambiental. A degradação ambiental resulta
invariavelmente em desigualdade econômica na qual o pobre sofre mais. A degradação ambiental e a
injustiça social são duas faces da mesma moeda".11
Não somente muitos dentre os países menos desenvolvidos pareciam agora de fato convencidos dos
benefícios econômicos da administração ambiental, mas a contribuição que deram para o debate
internacional sobre o meio ambiente teve o efeito adicional de introduzir uma nota de realismo no
ambientalismo da Europa Ocidental e da América do Norte. O ponto de vista simplista inicial de alguns
Novos Ambientalistas, segundo o qual todo crescimento estaria errado e seriam incompatíveis os objetivos
do desenvolvimento econômico e da administração ambiental sadia, foi substituído pela visão mais realista
de que os objetivos de ambos tinham que ser reconciliados. Em vez de serem mutuamente excludentes, os
objetivos do desenvolvimento e da administração ambiental eram mutuamente dependentes. As definições
freqüentemente reacionárias das questões ambientais que tiveram lugar antes de Estocolmo foram
gradualmente (se não totalmente) substituídas por atitudes mais conciliatórias e tentativas de concretizar
compromissos realistas.

O FUTURO DO AMBIENTALISMO

"O relato de minha morte", observou certa vez um robusto Mark Twain, "foi um exagero." Ele poderia estar
falando em nome do movimento ambientalista. Com regularidade persistente e desorientada o ambientalismo
foi declarado morto, à morte ou defunto desde quase pouco antes de ter nascido. Já em 1954 Grant
McConnell lamentava que a América não veria novamente algo parecido com o movimento conservacionista
progressista.12 Em 1972 Anthony Downs advertia que a maioria das questões sociais acabava, mais cedo ou
mais tarde, entrando num estágio de limbo prolongado (embora tenha concedido que as questões ambientais
poderiam conservar seu interesse por mais tempo)13 Em 1975 James Bowman percebeu um declínio gradual

Você também pode gostar