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Ecologismo

O termo "ecologià' foi cunhado pelo zoólogo alemão Ernst Haeckel, em 1 866. De­
rivado do grego oikos, que significa casa ou habitat, foi usado por Haeckel para designar
"o estudo de todas as relações do animal com seu ambiente orgânico e inorgânico".
Desde os primeiros anos do século XX, a ecologia é reconhecida como um ramo da
biologia que estuda a relação entre os organismos vivos e seu ambiente. Aos poucos,
porém, ela se converteu em um termo político, devido ao uso que o crescente movimen­
to "verde" faz dela, em especial desde os anos 1 960.
Como ideologia política, o ecologismo baseia-se na crença de que a natureza é um
todo inter-relacionado, que abrange os seres humanos e não humanos, bem como o
mundo inanimado. Os ecologistas adotam desse modo uma perspectiva ecocêntrica ou
biocêntrica, que prioriza a natureza ou o planeta, diferindo, assim, das perspectivas an­
tropocêntricas (ou centradas no homem) das correntes ideológicas convencionais.
Porém, existem diferentes forças e tendências nessa ideologia. Alguns ecologistas
dedicam-se a uma ecologia "superficial" (às vezes vista como ambientalismo, e não como
ecologismo), que tenta aproveitar as lições da ecologia para atender às necessidades e aos
objetivos humanos, adotando uma abordagem moderada ou reformista da mudança
ambiental. Os chamados ecologistas "profundos", por sua vez, rejeitam por completo
qualquer crença persistente de que a espécie humana é de alguma forma superior ou mais
importante do que outras espécies. Além disso, o ecologismo baseia-se em várias outras
ideologias, em especial no socialismo, no anarquismo, no feminismo, no fascismo e no
conservadorismo, criando uma série de subcorrentes como o ecossocialismo e o ecofemi­
nismo. Cada uma delas oferece uma análise diferente das origens da crise ecológica
contemporânea, um conjunto diferente de soluções e um modelo diferente de sociedade
ecologicamente viável para o futuro.

Origens e evolução

Embora as modernas políticas ambientais ou "verdes" só tenham surgido a partir


da década de 1 960, ideias ecológicas podem ser encontradas em épocas muito mais
remotas. Há quem afirme que os princípios do ecologismo contemporâneo devem
muito às antigas religiões pagãs, que enfatizavam o conceito de uma Mãe Terra, e
também às religiões orientais, como o hinduísmo, o budismo e o taoísmo. Porém, o

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Ideologias p o l íticas - Do fem i n ismo ao m u ltirnlturalismo (v. 2 )

ecologismo era, e em grande parte continua a ser, uma reação ao processo de indus­
trialização. Isso ficou evidente no século XIX, quando o desenvolvimento da vida
urbana e industrial gerou uma profunda nostalgia de uma existência rural idealizada,
transmitida por romancistas como Thomas Hardy e pensadores políticos como o so­
cialista libertário britânico William Morris ( 1 834-1 896) e Piotr Kropotkin (veja na p.
1 93 do v. 1). Essa reação foi bem mais forte nos países que vi­
venciaram um processo de industrialização mais veloz e drástico.
Por exemplo, a rápida industrialização da Alemanha no século
XIX deixou profundas marcas em sua cultura política e contri­
buiu para a criação de mitos poderosos sobre a pureza e a
dignidade da vida camponesa, além de dar origem a um forte
movimento de "volta à naturezà' entre a juventude alemã. Esse
pastoralismo romântico foi explorado no século XX por nacio­
nalistas e fascistas.
O crescimento do ecologismo a partir do final do século XX foi provocado pelo
avanço maior e mais intenso da industrialização e da urbanização, ligado ao surgimento
de uma sensibilidade pós-material sobretudo entre os jovens. A preocupação ambiental
tornou-se maior em razão do medo de que o crescimento econômico estivesse colocando
em risco a sobrevivência da raça humana e do próprio planeta.
Essas inquietações estão expressas em uma literatura que não para de crescer. A
primavera silenciosa ( The silent spring, 1 962) , de Rachel Carson, é tido como o primei­
ro livro a chamar a atenção para a crise ecológica que então surgia. A autora faz uma
crítica aos danos causados à vida selvagem e à humanidade pelo elevado uso de inseti­
cidas e demais produtos químicos agrícolas. Entre outros importantes trabalhos
pioneiros estão Como ser um sobrevivente (How to be a survivor, 1971), de Paul Ehrlich
e Richard Harriman; Projeto para a sobrevivência (Blueprint for survival, 1 972) , de
Edward Goldsmith e outros; Somente uma Terra (Only one Earth, 1 972) , relatório ex­
traoflcial da ONU; e Os limites do crescimento ( The limits ofgrowth, 1 972), do Clube
de Roma. Ao mesmo tempo, surgiu também uma nova geração de grupos de pressão
- desde o Greenpeace e os Amigos da Terra até os ativistas pela libertação animal e os
chamados grupos "ecoguerreiros". Eles promovem campanhas que procuram alertar
para questões como os perigos da poluição, a diminuição das reservas de combustíveis
fósseis, o desmatamento e as experiências com animais. Junto com grupos muito
maiores e já estabelecidos, como o Fundo Mundial para a Natureza (Worldwide Fund
for Nature - WWF), isso levou ao surgimento de um movimento ambientalista am­
plamente divulgado e cada vez mais poderoso. Desde os anos 1 980, as questões
ambientais têm sido mantidas em posição de destaque na agenda política pelos parti­
dos verdes, que agora existem na maioria dos países industrializados e costumam se
espelhar na iniciativa pioneira dos Verdes alemães.
As questões ambientais também se tornaram um foco cada vez mais importante da
atividade internacional. Aliás, a crise ambiental pode ser considerada a maior questão

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Ecologismo

política mundial, em virtude do caráter abrangente de suas impli­


cações e de sua condição intrinsecamente transnacional A · ···transriacionàlismo:
·
�ro(es�9s�acontedc
conferência da ONU sobre o Meio Ambiente Humano, ocorrida me, nt9s qqe . · ·. ·
. ·

tràn�c.:endem os limites
em Estocolmo, em 1 972, foi a primeira tentativa de estabelecer •·.• r1��i()t1<lis {assim; .têm
uma estrutura internacional para promover uma abordagem �f!]·c<J(á�et 8ue • ·.• .
.·. 1.1\tr(ipass<i fronteiréls.
.• . . .

coordenada dos problemas ambientais. A ideia de um "desenvol­ .O.traps11ati()rtalls m () . .

vimento sustentável" foi apresentada no Relatório Brunddand de E)S�iÍllulaa9lobé!li�çãó:


·

1 987, resultado do trabalho da Comissão Mundial sobre o Meio


Ambiente e Desenvolvimento da ONU, e na Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 - a Eco 92, realizada no Rio de Janeiro.
Entretanto, hoje, a questão ambiental de maior importância no planeta é a mudança
climática, que a maioria dos cientistas entende ser consequência do aquecimento global
resultante da emissão dos chamados gases estufa, como o dióxido de carbono. O Proto­
colo de Kyoto, de 1 997, estabeleceu um compromisso legal que obriga os países
desenvolvidos a limitar essas emissões em um processo gradual. Contudo, tem sido difí­
cil viabilizar uma ação conjunta e eficaz nessa área, apesar dos crescentes sinais do
aquecimento global.

Temas principais - Retorno à natureza

O ecologismo se diferencia dos credos políticos tradicionais porque parte da investi­


gação daquilo que eles ignoram: as inter-relações que unem os seres humanos a todos os
organismos vivos e, de maneira mais abrangente, à "teia da vidà' (Capra, 1 997). Segun­
do os ecologistas, as ideologias tradicionais cometem o triste - e
até cômico - erro de acreditar que os seres humanos são o centro hl.lm��ismo: fif0sofia
da existência. David Ehrenfeld ( 1 978) chamou isso de "arrogância gu�l;l� prioridade
rnóralàsatisfaçãó das
do humanismo". Em vez de preservar e respeitar a Terra e as di­ neéeSsldades e dos
·· objetivos.humanos.
versas espécies que nela vivem, os seres humanos tentaram se
tornar, segundo as palavras de John Locke (veja na p. 50 do v. 1),
"os senhores e donos da naturezà'. Portanto, o ecologismo representa um novo estilo de
política, que vê a natureza como uma rede de relações preciosas, porém frágeis, entre as
espécies vivas - inclusive a humana - e o meio ambiente natural. A humanidade não
ocupa mais a posição central; ela é considerada parte inseparável da natureza. Para ex­
pressar essa visão, os ecologistas precisaram buscar novos conceitos e ideias no âmbito da
ciência ou redescobrir alguns mais antigos nas esferas da religião e da mitologia. Os te­
mas fundamentais do ecologismo são:
• ecologia;
• holismo;
• sustentabilidade;
• ética ambiental;
• autorrealização.

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- Do feminismo a o m11ltirnltura!ismo (v. 2)

Ecologia
O princípio fundamental de todas as formas do pensamento ecológico é a ecolo­
gia. Ela evoluiu como um ramo específico da biologia por meio do crescente
reconhecimento de que as plantas e os animais são mantidos
ec:olo!:Jia� �stlído das por sistemas naturais autorreguladores - os ecossistemas -
.
relações• érítre Ôs ; :
organismp� y\vp�e.p •.• .•
·

compostos de elementos vivos e inanimados. Alguns exemplos


meio an:rtii�rrre:A simples de ecossistema são um campo, uma floresta ou, con­
.

ec()l()gi.a e�.�âti�a·a .
·

rede.de rel<!�Õe� qúe. forme ilustrado na figura 3 . 1 , um lago. Todos os ecossistemas


sustenta tgg�s ;i,s
formasiíe l!/Ida,•
··
tendem a um estado de harmonia ou equilíbrio por meio de
um sistema de autorregulação, e os biólogos se referem a isso
como homeostase. Os alimentos e demais recursos são reciclados e o tamanho da
população de animais, insetos e plantas se ajusta conforme a oferta alimentar dispo­
nível. Mas esses ecossistemas não são "fechados" nem completamente autossustentáveis:
todos eles interagem com outros ecossistemas. Um lago pode constituir um ecossiste­
ma, mas também precisa ser alimentado pela água doce de afluentes e receber calor e
energia do Sol. O lago, por sua vez, oferece água e alimento para as espécies que vivem
em torno dele, inclusive comunidades humanas. Assim, o mundo natural é constituí­
do por uma complexa teia de ecossistemas, sendo o maior deles o ecossistema global,
em geral chamado de "ecosferà' ou "biosferà'.
A evolução da ecologia científica alterou de forma radical nosso entendimento do
mundo natural e do lugar dos seres humanos dentro dele. A ecologia combate de manei­
ra ferrenha a noção da humanidade como "senhorà' da natureza e, em lugar disso, afirma
que uma delicada rede de inter-relações, até o momento ignorada, sustenta todas as co­
munidades humanas - na realidade, toda a espécie humana. Os ecologistas argumentam
que a humanidade enfrenta hoje a perspectiva de um desastre ambiental j ustamente
porque, em sua busca apaixonada, porém tacanha, pela riqueza material, ela perturbou
o "equilíbrio da naturezà' e colocou em risco os próprios ecossistemas que possibilitam

Figura 3.1
Um lago visto como ecossistema

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a vida humana. Isso ocorreu de várias formas. Dentre elas
écocéntrismo:
destacam-se o crescimento exponencial da população mundial; o ófie11taÇãô teórica que
esgotamento de reservas finitas e não renováveis de combustíveis prioriza a mam1tenção
d.o eq u ilíbri o ecológico
como carvão, petróleo e gás natural; a destruição de florestas tro­ emdetri m e � to da
picais que ajudam a limpar o ar e a regular o clima da Terra; a conquista de objetivos
hum anos:
poluição de rios, lagos, florestas e do próprio ar; o uso de produtos
químicos, hormônios e outros tipos de aditivos nos gêneros ali­
mentícios; e a ameaça à biodiversidade, gerada pelo aumento em antropacentrislllo:
erença de, que as
mil vezes do número de espécies em extinção, coincidente com o necessidades e
domínio da espécie humana. interesses.humanos
tê(Yl irr)porfânda moral
O ecologismo oferece uma visão radicalmente diferente da � filosiJfica prioritária.
natureza e do papel dos seres humanos dentro dela, uma visão que () ppost() do ·
ecocentrismçi.
promove o ecocenttismo e questiona o antropocentrismo. Con­
tudo, pensadores "verdes" e ambientalistas aplicam as ideias
ecológicas de maneiras distintas, e às vezes chegam a conclusões ecologia superficial:
bem diferentes. A distinção mais importante no movimento perspeétiva ideológica
que utiliza as lições da
ambientalista é entre o que o filósofo norueguês Arne Naess ecologia para
( 1 9 1 2-2009) chamou de "ecologia superficial" e "ecologia pro­ necessidades e
objetivos humanos e
funda". A perspectiva "superficial" aceita as lições da ecologia, .está assçici�da a valores
mas utiliza-as para as necessidades e os objetivos humanos. Em como sustentabilidade
e preservação.
outras palavras, ela prega que, se preservarmos e respeitarmos o
mundo natural, ele continuará a manter a vida humana. Essa vi­
são se reflete numa preocupação específica com questões como o ·. ecologia 11rofunda:
controle do crescimento populacional, a diminuição do uso de perspectjva ideológica
·. que. rejeita o
recursos finitos e não renováveis e a redução da poluição. Enquan­ · ánt ropacéntrismo e
to alguns consideram essa postura uma forma de "ecologismo prioriza a conser vação
da natureza. Está
fraco", há quem a classifique de ambientalismo, para diferenciá­ associada a valores
-la mais claramente do ecologismo. como igualdade
biocêntrica,
Os ecologistas "profundos" veem o ecologismo "superficial" diversidade e
como uma forma mal disfarçada de antropocentrismo, argumen­ descentralização.

tando que o seu objetivo principal é manter a saúde e a prosperidade


das pessoas que vivem nos países desenvolvidos. A perspectiva
amblerítalismo:
"profundà' apresenta um tipo de ecologismo "forte" que rejeita .. (irença na importância
·

por completo qualquer crença persistente de que a espécie huma­ p()lítita do.meio
<!fribJeote natural. Ao
na seja, de alguma maneira, superior ou então mais importante do contráiiodo
que qualquer outra espécie, ou até do que a própria natureza. Ela écologisrnci; costuma
ser usado para denotar
se baseia na ideia mais instigante de que o propósito da vida hu­ . uma a bordagem

mana é, na verdade, ajudar a manter a natureza, e não o inverso. reformista da natu reza,
que reflete a s
Assim, o que Arne Naess (1 989) chamou de "ecosofià' representa hécessidades e
preocupações
uma visão de mundo fundamentalmente nova, baseada na ecolo­
humanas.
gia filosófica, bem como uma visão moral cem por cento original.

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Ideologias p o l íticas - Do femi n i s m o ao m u lticulturalismo {v. 2 )

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50
Ecologismo

Por sua vez, os ecologistas superficiais, ou, como eles preferem,


ec�logi�s()cial:teoria
os ecologistas "humanistas", criticam a ecologia profunda por­ segundo..a qÚal a
·. •

que ela apoia doutrinas irracionais ou místicas e porque defende .• soçiedacle humana
J�irdól'.la (!e �cordo com
soluções totalmente irrealistas que, de qualquer maneira, têm p:rin.dpios.ecológicos, o.
pouca probabilidade de alcançar grande apelo diante das popu­ •qtle i�fica a crença na
· • Í:f�rfT1on,ianatural e na
lações humanas. A ideia alternativa da ecologia social será .•. nece�sidil,de de equilí­

abordada mais adiante ainda neste capítulo, em relação ao eco­ .bdo éntre a huma­
nidade é a natureza.
anarquismo.

Holismo
As ideologias políticas tradicionais em geral pressupõem que os seres humanos são os
senhores do mundo natural e, dessa forma, consideram a natureza pouco mais do que
um recurso econômico. Nesse sentido, elas têm sido parte do problema e não da solução.
Em O ponto de mutação ( The turning point, 1 982), Fritjof Capra encontrou a origem
dessas ideias em cientistas e filósofos como René Descartes ( 1 596-1 650) e Isaac Newton
(1642-1727). Antes, o mundo era visto como orgânico, mas esses filósofos do século
xvn caracterizaram-no como uma máquina, cujas peças podiam
ser analisadas e entendidas por meio do método científico recém­ cientificismo: crença
dé que o método
-descoberto. A ciência possibilitou avanços notáveis no conheci­ científico é o único
mento humano e forneceu a base para o desenvolvimento da meio imparcial e
objetivo de estabelecer
tecnologia e da indústria moderna. Os frutos da ciência eram tão averdade, e pode ser
impressionantes que a investigação intelectual do mundo moder­ aplicado a todas as
áreas do aprendizado.
no passou a ser dominada pelo dentffidsmo. Contudo, Capra

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- Do feminismo ao m 11ltic11lt11ra l ismo (11. 2 )

argumentou que a ciência ortodoxa, a que ele s e referiu como o "paradigma cartesiano­
-newtoniano", corresponde à base filosófica da crise ambiental contemporânea. A ciência
trata a natureza como máquina, sugerindo que, como qualquer outra máquina, ela pode
ser revirada, consertada, aperfeiçoada ou até substituída. Para que os seres humanos
entendam que são apenas uma parte do mundo natural, e não seus senhores, Capra su­
gere que essa fixação com o "mundo-máquina newtoniano" seja eliminada e substituída
por um novo paradigma.
Na busca desse novo paradigma, os pensadores ecológicos ou verdes são atraídos por
uma série de ideias e teorias, extraídas da ciência moderna e de antigos mitos e religiões.
Porém, o tema que une todas essas ideias é a noção de holismo, termo cunhado em 1 926
por Jan Smuts, um general bôer que por duas vezes foi primeiro­
-ministro da Áfiica do Sul. Ele o usou para descrever a ideia de
que o mundo natural só pode ser entendido como um todo e não
por meio de suas partes individuais. Smuts acreditava que a ciên­
cia peca pelo reducionismo: ela decompõe tudo o que estuda para
isolar as partes e tentar entender cada parte em si. Em contrapar­
tida, o holismo entende que cada parte só tem sentido em relação
às demais partes e, em última instância, em relação ao todo. Por exemplo, a linha holís­
tica da medicina não considera as indisposições físicas de maneira isolada; ela as vê como
manifestações de desequilíbrios do paciente como um todo, levando em consideração
fatores psicológicos, emocionais, sociais e ambientais.
Embora muitos ecologistas critiquem a ciência, outros sugeriram que a ciência
moderna pode oferecer um novo paradigma para o pensamento humano. Capra, por
exemplo, argumentou que a visão cartesiano-newtoniana do mundo já foi abando­
nada por muitos cientistas, em especial por físicos como ele próprio. Durante o
século XX, com o avanço da "nova física'', a física deu um passo muito além das
ideias mecanicistas e reducionistas de Newton. O grande salto foi dado no início do
século XX por Albert Einstein ( 1 879- 1 955), físico alemão radicado nos Estados
Unidos que elaborou a teoria da relatividade e desafiou em sua essência os conceitos
tradicionais de tempo e espaço. O trabalho de Einstein evoluiu para a teoria quân­
tica, desenvolvida por físicos como o dinamarquês Niels Bohr ( 1 8 8 5 - 1 962) e o
alemão Werner Heisenberg ( 1 90 1 - 1 976) . De acordo com ela, o mundo físico é en­
tendido não como um conjunto de moléculas, átomos ou mesmo partículas
individuais, e sim como um sistema ou, para ser mais preciso, uma rede de sistemas.
A visão de sistemas do mundo não se concentra nos blocos de construção indivi­
duais, mas nos princípios de organização dentro do sistema. Portanto, ela enfatiza as
relações no interior do sistema e a integração de seus vários elementos dentro do
todo. Essa visão tem algumas implicações bem radicais. O conhecimento objetivo,
por exemplo, é impossível, pois o próprio ato de observar altera o que está sendo
observado. O cientista não está isolado do seu experimento, mas tem uma ligação
intrínseca com ele: sujeito e objeto são, portanto, um. Isso levou Heisenberg a pro-

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Ecologismo

por seu "princípio da incerteza'', que evidencia a influência que o observador sempre
tem sobre aquilo que é observado.
Uma fonte alternativa e particularmente fértil de novos conceitos e teorias é a reli­
gião. Em O Tao da física ( The Tao ofphysics, 1 975), Capta chama a atenção para
paralelos importantes entre as ideias da física moderna e as do misticismo oriental. Ele
afirma que religiões como o hinduísmo, o taoismo e o budismo, em especial o zen­
-budismo, há muito tempo pregam a união ou a unidade de todas as coisas, uma
descoberta que a ciência ocidental só fez no século XX. Muitos adeptos do movimen­
to verde são atraídos pelo misticismo oriental, vendo nele uma filosofia que dá
expressão à sabedoria ecológica e um modo de vida que estimula a compaixão por
outros seres humanos, outras espécies e pelo mundo natural. Outros escritores acredi­
tam que princípios ecológicos são personificados em religiões monoteístas como o
cristianismo, o judaísmo e o islamismo, as quais consideram a humanidade e a natu­
reza produtos da criação divina. Em tais circunstâncias, os seres humanos são vistos
como administradores de Deus na Terra, e dessa maneira têm o dever de cuidar do
planeta e preservá-lo.
No entanto, talvez os conceitos que mais influenciaram os ecologistas modernos
tenham sido desenvolvidos com base nas ideias espirituais do pré-cristianismo. Em
geral, as religiões primitivas não diferenciavam os seres humanos de outras formas de
vida e faziam pouca distinção entre objetos vivos e não vivos. Tudo era considerado
vivo: pedras, rios, montanhas e até mesmo a própria Terra, muitas vezes concebida
como a "Mãe Terra''. Essa visão da Terra como mãe é importante principalmente para
os ecologistas que tentam estruturar uma nova relação entre os seres humanos e o
mundo natural, e em especial para os simpatizantes do ecofeminismo, assunto que
será examinado mais adiante neste capítulo. James Lovelock desenvolveu a ideia de

Químico atmosférico, inventor e teórico mancista Wil li a m Goldi ng). E m bora a h i pó­
ambientalista canadense, radicado na Cornua­ tese Gaia a m plie a ideia eco l ógica quando
lha (Inglaterra). Cientista independente, Lo­ a p licada à Terra como ecossistema e ofere­
velock colaborou com o programa espacial ça u m a a bordagem h o l ística da natureza,
da Nasa, como consultor sobre maneiras de Lovelock a poia a tecnologia e a ind ustriali­
se procurar vida em Marte. zação e opõe-se ao misticismo da "volta à
A influência de Lovelock no movimento natureza" e a ideias de veneração à Terra.
ecológico resulta sobretudo d o fato de ter Seus l ivros mais importantes incluem: Gaia
caracterizado a biosfera da Terra como u m - Um novo olhar sobre a vida na Terra ( 1 979)
"ser" vivo com plexo e a utorregu lado, q u e e As idades de Gaia - Uma biografia de nossa
e l e chamou de G a i a (por sugestão d o ro- Terra viva ( 1 989).

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- Do femi n i s m o ao m 11ltirnlt11ralismo (v. 2 )

Jlipót�se Gaià:. � í:Jrr�.• que o próprio planeta é vivo e chamou-o de "Gaià', nome da
seguildo a qual a Terrn : .
deusa grega da Terra. Segundo a hipótese Gaia, "a biosfera, a
émais.berri ernte.tididá ·.
corno. uma entidáde'•.. • .
atmosfera, os oceanos e o solo da Terrà' apresentam exatamente
Vt\la que <Jge para } � '.' \ o tipo de comportamento autorregulador que caracteriza outras
mantera própria , • : ·.·. ·
.

existência. · ·
formas de vida. Gaia vem mantendo a "homeostase", um estado
de equilíbrio dinâmico, apesar de todas as mudanças relevantes
no sistema solar. A maior prova disso é o fato de a temperatura na Terra e a composi­
ção de sua atmosfera permanecerem praticamente inalteradas mesmo que o Sol tenha
ficado 25% mais quente desde o surgimento da vida em nosso planeta.
A ideia de Gaia evoluiu para uma "ideologia ecológicà', transmitindo a forte mensa­
gem de que os seres humanos devem respeitar a saúde do planeta e tomar atitudes para
preservar sua beleza e seus recursos. Ela também contém uma visão revolucionária da
relação entre o mundo animado e o inanimado. Contudo, a filosofia Gaia nem sempre
corresponde às preocupações do movimento ambientalista. Os ecologistas superficiais
costumam lutar pela mudança de políticas e posturas para assegurar a continuação da
sobrevivência da espécie humana. Gaia, por outro lado, é não humana, e a teoria de Gaia
sugere que a saúde do planeta é mais importante do que a de qualquer espécie que hoje
nele vive. Lovelock afirma que as espécies que prosperaram foram as que ajudaram Gaia
a regular sua própria existência. Além disso, afirma que qualquer espécie que represente
uma ameaça ao delicado equilíbrio de Gaia, como os seres humanos o fazem hoje em
dia, tende a ser extinta. Lovelock também tem um firme compromisso com a ciência e,
ao contrário da visão de muitos no movimento ambientalista, enfatiza a importância da
energia nuclear na solução da crise ambiental.

Sustentabilidade
Os ecologistas argumentam que a premissa arraigada dos credos políticos convencio­
nais, enunciada pela grande maioria dos partidos políticos tradicionais (os chamados
"partidos cinzà'), é que a vida humana tem possibilidades ilimitadas de prosperidade e
crescimento material. De fato, os pensadores do movimento verde costumam colocar o
capitalismo e o socialismo j untos, e caracterizam ambos como exemplos de "industria­
lismo". Uma metáfora particularmente influente no movimento ambientalista é a ideia
da "espaçonave Terrà', porque ela prega a noção de riqueza limitada e exaurível. A
ideia de que a Terra deve ser vista como uma espaçonave foi sugerida pela primeira vez
por Kenneth Boulding (1 966) . Ele argumenta que os seres humanos costumam agir
como se vivessem numa "economia de caubói", uma economia com oportunidades ili­
mitadas, como no período de expansão da fronteira Oeste dos Estados Unidos. Boulding
afirma que isso estimula um "comportamento negligente, explorador e violento", como
ocorreu no Oeste americano. Porém, como uma espaçonave é uma cápsula, ela é um
sistema "fechado". Os sistemas "abertos" recebem energia e insumos de fora. Por exem­
plo, todos os ecossistemas da Terra - lagos, florestas, lagoas e mares - são mantidos pelo
Sol. Entretanto, os sistemas "fechados" - como a própria Terra passa a ser considerada

54
Ecoiogismo

quando concebida como uma espaçonave - apresentam sinais de


ent�opia: tendência à
"entropia". Todos os sistemas "fechados" tendem a decair ou se · decadência ou desin­
desintegrar, porque não são mantidos por insumos externos. Em tegr�çcão, demonstrada
por todos os sistemas
última instância, não importa quão sábia ou cuidadosamente os 'lfechàdos''.
seres humanos se comportem: a Terra, o Sol e todos os planetas e
estrelas vão se esgotar e morrer. Quando a "lei da entropia'' é aplicada a questões socio­
econômicas, ela resulta em conclusões bem radicais.
Nenhuma questão reflete mais claramente a lei da entropia do que a "crise de ener­
gia''. A industrialização e o enriquecimento de muitos foram viabilizados pela
exploração do carvão, do gás e das reservas de petróleo, que fornecem combustível
para usinas, fábricas, automóveis, aviões etc. Todos esses são combustíveis fósseis, for­
mados pela decomposição ou compactação de organismos que morreram em tempos
pré-históricos. Eles também são não renováveis: uma vez utilizados, não podem ser
substituídos. Em O negócio é ser pequeno (Small is beautiful, 1 973), E. F. Schumacher
afirma que os seres humanos cometeram o erro de considerar a energia um "rendimen­
to" que é constantemente depositado, a cada semana ou a cada mês, em vez de um
"capital natural" do qual precisam tirar seu sustento. Esse erro permitiu que a deman­
da por energia disparasse, sobretudo no Ocidente industrializado, numa época em que
as reservas de combustíveis finitos estão próximas do esgotamento e com poucas chan­
ces de durar até o final deste século. Conforme a espaçonave se dirige ao fim da "era
do combustível fóssil", ela se aproxima da desintegração, porque até agora não existem
fontes alternativas de energia capazes de compensar o desaparecimento do carvão, do
petróleo e do gás.
Além de não conseguirem perceber que vivem confinados em um ecossistema "fecha­
do", os seres humanos também são insensatos e arrogantes ao pilhar seus recursos.
Garrett Hardin (1 968) desenvolveu um modelo bastante convincente para explicar por
que ocorre a superexploração de recursos ambientais, na forma de uma "tragédia dos

" "' l '


" � (

, � lal�slrialismo

O termo "in dustrialismo': da manei ra co­ tários, à fé a bsoluta na ciência e à veneração


mo é usado por teóricos a m b ienta l istas, à tecnologia. Assim, m uitos ecologistas
refere-se a u ma "superideologia" que a bran­ veem o industrialismo como "o problema''.
ge o capitalismo, o socialismo, o pensamen­ Os ecossocial istas, porém, culpam o capita­
to esquerdista e o d ireitista. Como sistema lismo e não o industria lismo (que ignora
econômico, ele se caracteriza pela produção questões importantes como o papel da pro­
em g rande escala, pelo acúmulo de capital e priedade, do l ucro e d o mercado), enquanto
pelo crescimento contínuo. Como filosofia, as ecofeministas afirmam q u e o industrial is­
dedica-se ao materia l ismo, aos valores utili- mo tem origem no patriarcado.

55
- Do feminismo a o m ulticu l tu ra lismo 2)

comuns". O conceito de "tragédia dos comuns" demonstra a vulnerabilidade ambiental


que se origina do fato de as pessoas terem livre acesso a recursos coletivos. Terras e áreas
de pesca de propriedade comum estimulam os indivíduos a agir racionalmente em inte­
resse próprio, de modo que todos exploram os recursos disponíveis para satisfazer suas
necessidades e as necessidades de suas famílias e comunidades. Contudo, o impacto co­
letivo desse comportamento pode ser devastador, uma vez que os recursos vitais de que
todos dependem acabam se esgotando ou sendo saqueados. A atitude individual racional
pode, portanto, ser contraproducente e resultar em objetivos "irracionais". A parábola da
"tragédia dos comuns" explica o comportamento de indivíduos dentro da comunidade,
as ações de grupos no cerne da sociedade e também as estratégias adotadas pelos Estados
dentro do sistema internacional. Mas ela também destaca por que costuma ser tão difícil
enfrentar os problemas ambientais em qualquer nível. Assim, para solucionar a crise
ambiental de maneira viável, é essencial que se ofereça um meio de se lidar com a "tra­
gédia dos comuns".
Porém, a economia ecológica não trata apenas de alertas e ameaças; ela trata também
de soluções. A entropia pode ser um processo inevitável, mas seus efeitos podem ser em
boa medida desacelerados ou adiados se os governos e os cidadãos respeitarem os prin­
cípios ecológicos. Os ecologistas afirmam que a espécie humana só vai sobreviver e
prosperar se reconhecer que é um mero elemento de uma biosfera
su�1:el'll:atíílí
d aâ�;; >
capa�(daa� �� lirf:i ·•·· ·· .
. .
complexa e que apenas uma biosfera saudável e equilibrada con-
sistémá di: màntetsúâ. .. • seguirá manter a vida humana. Assim, as políticas e as atitudes
saúde e · contlnJ�ia devem ser definidas pelo princípio da sustentabilidade, a qual
exis.tir duÍ'amte c(;Jrt6
período. impõe limites claros aos sonhos materiais e às ambições humanas,
pois exige que o processo de produção cause o menor dano possí­
vel ao frágil ecossistema global. Uma política de energia sustentável, por exemplo, deve
ser baseada numa redução drástica do uso de combustíveis fósseis e na busca por fontes
de energia alternativas e renováveis, como a energia solar, a energia eólica e a energia das

Economista e teórico ambientalista alemão que leva em conta as pessoas (1 973), de Schuma-
radicado no Reino Unido. Schumacher mudou-se cher, defende a causa da produção em escala
para a Grã-Bretanha em 1 930, como bolsista da humana e apresenta uma filosofia econômica
Rhodes em Oxford, e adquiriu experiência práti- "budista" (a economia "que leva em conta as
ca em negócios, agricultura e jornalismo antes pessoas"), que enfatiza a importância da mora-
de voltar à vida acadêmica. Foi conselheiro lidade e da "subsistência correta''. Mesmo se
econômico da Comissão Britânica de Con- opondo ao gigantismo industrial, Schumacher
trole na Alemanha ( 1 946-1 950) e do Conselho acreditava na produção em escala "adequada" e
Nacional do Carvão (1 950-1 970). O inspirador O foi um ferrenho defensor da tecnologia "inter-
negócio é ser pequeno - Um estudo de economia mediária''.

56
ondas. Elas são sustentáveis por sua própria natureza e podem ser tratadas como "rendi­
mentos" em vez de "capital natural".
Entretanto, a sustentabilidade não exige a mera implantação de controles governa­
mentais ou de regimes tributários para assegurar o uso mais inteligente dos recursos
naturais, mas sim, em um nível mais profundo, a adoção de um enfoque alternativo da
atividade econômica. Foi exatamente isso que Schumacher (1 973) procurou oferecer na
sua ideia de "economia budistà'. Segundo ele, a economia budista baseia-se no princípio
da "subsistência corretà' e se posiciona em total contraste com as teorias econômicas
convencionais, que pressupõem que os indivíduos não são nada além de "maximizadores
de utilidade". Os budistas acreditam que, além de gerar bens e serviços, o processo de
produção promove o crescimento pessoal ao desenvolver habilidades e talentos, e ajuda
a superar o egocentrismo ao engendrar laços sociais e ao estimular as pessoas a trabalhar
juntas. Essa visão coloca a economia muito longe da atual obsessão com a geração de
riqueza, obsessão que, segundo os ecologistas, deu pouca atenção à natureza ou ao aspec­
to espiritual da vida humana.
Existe uma discussão considerável acerca do que isso implica na prática. Os cha­
mados verdes "claros'', conhecidos na Alemanha como Realos (realistas), aprovam a
ideia do crescimento sustentável: ou seja, enriquecer, porém mais devagar. Segundo
essa visão, as vantagens advindas do desejo de prosperidade material podem ser pon­
deradas se for levado em conta o custo ambiental. Uma forma de alcançar isso é por
meio da modificação do sistema tributário, seja para penalizar e desestimular a po­
luição, seja para reduzir o uso de recursos finitos. No entanto, os verdes "escuros",
conhecidos na Alemanha como Fundis (fundamentalistas) , afirmam que essa abor­
dagem não é suficientemente radical. Desse ponto de vista, a noção de crescimento
sustentável não passa de retórica vazia acerca dos temores ambientais, permitindo
que os seres humanos continuem vivendo como se não houvesse nada errado. Se,
conforme insistem os verdes "escuros", a origem da crise ecológica está no materia­
lismo, no consumismo e na fixação pelo crescimento econômico, então a solução
está no "crescimento zero" e na construção da "era pós-industrial", em que as pes­
soas passarão a viver em pequenas comunidades rurais e recorrerão a suas habilidades
manuais. Isso significa uma rejeição fundamental e abrangente da indústria e da
tecnologia moderna ou, literalmente, uma "volta à naturezà' .

Ética ambiental
A política ecológica, em todas as suas formas, busca a ampliação do pensamento
moral em uma série de novas direções. Isso porque os sistemas éticos convencionais são
claramente antropocêntricos, voltados para o prazer, as necessidades e os interesses dos
seres humanos. Essas filosofias só atribuem valor ao mundo não humano quando ele
satisfaz os objetivos humanos. Uma questão ética que até os humanistas ou os ecologistas
"superficiais" discutem com fervor é a polêmica sobre nossas obrigações morais em rela­
ção às futuras gerações. Os assuntos ambientais giram em torno da ideia de que muitas

57
- Do femi n i s m o ao m u lt i c u lt u ra l ismo (v. 2 )

das consequências de nossas ações só serão sentidas daqui a décadas ou mesmo séculos.
Por exemplo, por que nos preocuparmos com o acúmulo de lixo nuclear se as gerações
que terão de lidar com ele ainda nem nasceram?
Sem dúvida, a preocupação com nossos próprios interesses, e talvez com os de nossa
família e amigos próximos, estende-se apenas a um futuro bem imediato. Desse modo,
os ecologistas têm de ampliar o conceito de interesse humano para que ele abranja a
espécie humana como um todo, sem fazer distinção entre a geração atual e as futuras,
entre os que já nasceram e os que ainda estão por nascer. Essa "atenção ao futuro" pode
ser justificada de diferentes maneiras. Os ecoconservadores, por exemplo, podem
relacioná-la à tradição e à continuidade, à ideia de que a geração atual é mera "guardiâ'
da riqueza que foi produzida pelas gerações passadas, devendo preservá-la em benefício
das futuras. Os ecossocialistas, por sua vez, podem argumentar que a preocupação com
as gerações futuras é mero reflexo do fato de que a compaixão e o amor pela humanida­
de se estendem ao longo do tempo, assim como ultrapassam as fronteiras nacionais,
éticas, de gênero e outras.
Uma abordagem alternativa à ética ambiental estende a outras espécies e organismos
os padrões e valores morais criados para os seres humanos. A tentativa mais conhecida
de se fazer isso são os "direitos dos animais". A defesa do bem-estar dos animais feita
por Peter Singer ( 1 975) causou um impacto considerável no crescente movimento de
libertação dos animais. Singer afirma que a preocupação altruísta com o bem-estar
de outras espécies deriva do fato de que, como seres vivos, eles
são passíveis de sofrimento. Baseado no utilitarismo, ele observa
que os animais, assim como os seres humanos, procuram evitar a
dor física. A partir dessa premissa, condena e vê como "especis­
mo " qualquer tentativa de colocar os interesses humanos acima
dos interesses dos animais.
Porém, a preocupação altruísta com outras espécies não implica tratamento igual.
O argumento de Singer não se aplica a formas de vida inanimadas, como árvores,
rochas e rios. Além do dever moral está o repúdio ao sofrimento, com especial con­
sideração aos animais mais desenvolvidos e autoconscientes, particularmente os
macacos antropoides. Por outro lado, o argumento de Singer implica que uma con­
sideração moral menor deva ser dada a fetos humanos e a pessoas com sério
comprometimento mental, que não vivenciam o sofrimento (Singer, 1 993).
No entanto, a postura moral da ecologia "profundà' vai muito mais longe, em parti­
cular ao sugerir que a natureza tem valor por si só, isto é, valor intrínseco. Nessa
perspectiva, a ética ambiental não tem nenhuma relação com o meio humano e não
pode ser enunciada pela simples extensão de valores humanos ao mundo não humano.
Goodin (1992), por exemplo, procurou desenvolver a "teoria verde do valor", que de-·
fende que os recursos devem ser valorizados exatamente por resultarem de processos
naturais e não de atividades humanas. Todavia, uma vez que esse valor provém do fato
de que o cenário natural ajuda as pessoas a ver "algum sentido e padrão em sua vidà' e

58
Ecologismo

a valorizar "algo maior" do que elas mesmas, ele personifica um humanismo residual que
não consegue satisfazer alguns ecologistas profundos.
Um exemplo clássico da posição mais radical desses ecologistas está na noção de
"ética da terra'', expressa na obra Pensar como uma montanha (Sand County Almanac,
[1 948] 1 968), de Aldo Leopold: "Uma coisa está certa quando tende a preservar a inte­
gridade, a estabilidade e a beleza da comunidade biótica. E está errada quando tende ao
contrário". Assim, a própria natureza é caracterizada como uma comunidade ética, o que
significa que os seres humanos não passam de "cidadãos comuns" que não têm mais
direitos nem merecem mais respeito do que qualquer outro mem­
igualdade biocêntri­
bro da comunidade. Essa postura moral implica uma "igualdade ca::prindpio segundo
o qual todos os
biocêntrka". Para Arne Naess (1 989), isso é visto como o "direi­
organismos e
to igual de viver e florescer". Essa posição moral também implica entic!ades óa ecosfera
têm valor moral igual,
apoio à "biodiversidade", sob a alegação de que, quanto mais sendo cada um deles
ampla a gama de diversidade na comunidade biótica, mais saudá­ parte de um todo
inter-relacionado.
vel e mais estável será essa comunidade.

Autorrealização
Uma vez que um dos temas constantes do ecologismo é a re­
pós-materialismo:
jeição à ganância material e ao egoísmo dos seres humanos, ele teoriasegundo a qual
procura desenvolver uma filosofia alternativa que relacione a rea­ as questões e
preocupações acerca
lização pessoal ao equilíbrio com a natureza. A crescente de "qualidade de vida"
preocupação com as questões ambientais a partir da década de te'ndem a substituir as
econômicas, conforme
1 960 costuma ser associada ao fenômeno do pós-materialismo aumenta a riqueza
(Inglehart, 1 977). A ideia do pós-materialismo está associada à material.

"hierarquia das necessidades", de Abraham Maslow (1 908-1 970),


que coloca a necessidade de estima e a autorrealização acima das
autorrealização:
necessidades materiais e econômicas. Isso implica que, enquanto realização pessoal
viabilizada por um
condições de escassez material geram posturas egoístas e ganan­
refinamento da
ciosas, condições de prosperidade disseminada permitem que os sensibilidade. Costuma
ser relacionada à
indivíduos expressem um maior interesse por questões pós­ superação do egoísmo
-materiais ou de "qualidade de vida''. Essas questões são e do materialismo.

tipicamente relacionadas à moralidade, justiça política e realização


pessoal, e incluem a igualdade entre os sexos, a paz mundial, a harmonia racial, a ecolo­
gia e os direitos dos animais. Nesse sentido, o ecologismo pode ser visto como um dos
"novos" movimentos sociais que surgiram na segunda metade do século XX, engajados
em um novo programa de esquerda que rejeita os valores hierárquicos, materialistas e
patriarcais da sociedade convencional.
Entretanto, muito mais do que qualquer um dos outros novos movimentos sociais,
o ecologismo entregou-se a um pensamento radical e inovador acerca da natureza da
sensibilidade e da autorrealização humanas. Todos os ecologistas, por exemplo, têm al­
guma afinidade com a visão de que o desenvolvimento humano entrou em um perigoso
p o l íticas - Do feminismo ao m ultirnlturalismo (v. 2 )

desequilíbrio: os seres humanos são dotados de excepcional know-how ["saber fazer"] e


riqueza material, mas têm pouquíssimo know-why ["saber por quê"] . A humanidade
adquiriu a capacidade de realizar suas ambições materiais, mas não a sabedoria de ques­
tionar se essas ambições são sensatas, ou mesmo lógicas. Conforme Schumacher ( 1 973)
alertou: "O homem agora é esperto demais para sobreviver sem sabedorià'. Porém, al­
guns ecologistas superficiais ou humanistas têm sérios receios quando essa busca de
sabedoria acaba levando o ecologismo para as esferas do misticismo religioso ou para as
ideias da Nova Era. Muitos deles, em particular os que apoiam a ecologia profunda,
adotam, na verdade, visões de mundo bem diferentes daquelas que tradicionalmente
dominaram o pensamento político no Ocidente desenvolvido. Segundo eles, essa é a
base da "mudança de paradigmà' que o ecologismo almeja viabilizar, sem a qual está
condenado a repetir os erros da "velhà' política, pois não conseguiria ir além de seus
conceitos e premissas.
Os ecologistas profundos em geral ficam satisfeitos quando percebem que há, num
certo sentido, uma dimensão espiritual em sua visão da política. A proximidade com a
natureza não é mera postura teórica nem uma posição ética: é, no fundo, uma experiên­
cia humana, a conquista da consciência ambiental ou do "eu ecológico". O filósofo
australiano Warwick Fox (1 990) afirmou ter ido além da ecologia profunda ao adotar a
"ecologia transpessoal", cuja essência é a percepção de que "as coisas são", de que os seres
humanos e todas as demais entidades fazem parte de uma única realidade que se desdo­
bra. Segundo Naess, a autorrealização é conquistada por meio de uma "identificação
com o outro" mais ampla e mais profunda.
Não raro, essas ideias têm origem nas religiões orientais, sobretudo no budismo, que
é caracterizado como uma filosofia ecológica. Uma das principais doutrinas do budismo
é a ideia da "ausência do eu", a noção de que o ego é um mito ou uma ilusão, e de que
o despertar ou a iluminação envolve transcender ao eu e reconhecer que cada pessoa
está ligada a todas as demais coisas vivas e, na verdade, ao próprio universo. Isso pode
evoluir para um tipo de individualismo holístico, em que a liberdade é equiparada à
experiência de "ser" e à percepção da totalidade orgânica. Essas ideias foram apresentadas
pelo psicanalista e filósofo social alemão Eric Fromm (1900-1 980), em Ter ou ser? (To have
or to be, 1 979). Fromm caracterizou o "ter" como uma atitude mental que busca realização
por meio da aquisição e do controle, e que está claramente refletida no consumismo e na
sociedade materialista. Em contrapartida, o "ser" gera satisfação a partir do vivenciar e do
compartilhar, e conduz ao crescimento pessoal e à consciência espiritual.

Natureza e política

Os ecologistas profundos costumam reJeitar os credos políticos convencionais,


vendo-os como meras versões diferentes de antropocentrismo, todos personificando um
viés antinatureza. Eles afirmam ter elaborado um paradigma ideológico totalmente novo
(embora muitos rejeitem o termo "ideologià', dada a sua associação ao pensamento

60
Ecologismo

centrado no homem), desenvolvido por meio da aplicação radical de princípios ecológicos


e holísticos. Outros pensadores ecológicos ou ambientalistas buscaram inspiração, em
maior ou menor medida, em correntes políticas estabelecidas. Essa postura se baseia na
crença de que tais correntes contêm valores e doutrinas capazes de fornecer uma visão
positiva da natureza não humana e de esclarecer por que a crise ecológica surgiu e como
pode ser enfrentada. Nesse sentido, o ecologismo, assim como o nacionalismo e o femi­
nismo, pode ser considerado uma ideologia abrangente. Em épocas distintas, conser­
vadores, fascistas, socialistas, anarquistas, feministas e liberais alegaram uma afinidade
especial com relação ao meio ambiente. Porém, eles utilizaram as ideias ecológicas em
apoio a objetivos políticos muito diferentes. As subcorrentes mais relevantes dentro do
ecologismo são:
e ecologismo de direita;
• ecossocialismo;
• ecoanarquismo;
• ecofeminismo.

Ecologismo de direita
As primeiras manifestações de ecologia política tinham uma orientação essencialmen­
te direitista (Bramwell, 1 989). O exemplo mais patente é o surgimento de uma forma
de ecologismo fascista durante o período nazista, na Alemanha. Seu principal expoente
foi Walther Darré, ministro da Agricultura do governo Hitler entre 1 933 e 1 942 e que
também ocupou o posto de líder nazista dos camponeses. A experiência da rápida indus­
trialização vivida pela Alemanha no final do século XIX gerou um forte movimento de
"volta ao campo", que exerceu especial atração sobre os estudantes e os jovens. O Movi­
mento da Juventude Alemã surgiu dos Wándervogel, grupos de estudantes alemães que
se refugiavam em florestas e montanhas para escapar da alienação da vida urbana. As
próprias ideias de Darré eram uma mistura de racialismo nórdico (veja na p. 222 do v.
1) e idealização da vida camponesa ou rural, amalgamadas em uma filosofia agrícola de
"sangue e solo", que coincidia em vários aspectos com o nacional-socialismo. Como líder
camponês, Darré foi responsável pela implantação da lei da hereditariedade rural - que
dava total garantia de posse aos pequenos e médios proprietários rurais - e também
pelo estabelecimento da Agência Nacional de Alimentos do Reich, a fim de comerciali­
zar a produção agrícola com o objetivo de manter os preços dos alimentos em alta e
sustentar a prosperidade rural.
Apesar de ,ter ligação com os nazistas, as ideias de Darré têm muito em comum com
o movimento verde moderno. Em primeiro lugar, ele estava convencido de que só a vida
próxima da natureza e do campo é verdadeiramente gratificante. Assim, ele desejava re-·
criar uma Alemanha camponesa. Essas ideias foram retomadas por ecologistas modernos
como Edward Goldsmith (1 988) . Além disso, Darré tornou-se um ferrenho defensor da
agricultura orgânica, que usa apenas fertilizantes naturais, como dejetos de animais.
Darré acreditava no ciclo orgânico animal-solo-alimento-homem, que ele descobriu nos

61
Ideologias p o l íticas - Do feminismo ao m u l t i c u lturalismo (v. 2 )

trabalhos do filósofo e educador austríaco Rudolf Steiner ( 1 86 1 - 1 925) e n o movimento


antroposófico. A agricultura orgânica reflete os princípios ecológicos e se tornou a prin­
cipal plataforma da ideia de uma agricultura que não agride o meio ambiente. Durante
o Terceiro Reich, a ideologia camponesa de Darré ajudou os nazistas a garantir apoio nas
áreas rurais da Alemanha. Porém, na prática, o regime nazista pouco fez para realizar os
sonhos de Darré de uma Alemanha camponesa forte. Apesar da adesão de Hitler à ideia
de "sangue e solo", sua obsessão com a expansão militar intensificou o processo de in­
dustrialização na Alemanha e levou pobreza à zona rural.
Na direita "moderadà', os conservadores também manifestaram afinidade com as
questões ambientais. Isso foi feito com base em dois preceitos. Em primeiro lugar, o
ecoconservadorismo provém de uma ligação romântica e nostálgica com o modo de
vida rural, ameaçado pelo crescimento das cidades e áreas urbanas. Ele é uma clara
reação à industrialização e à ideia de "progresso" . Não busca a construção de uma
sociedade pós-industrial, fundada sobre os princípios da colaboração e da ecologia,
e sim o retorno ou a manutenção de uma sociedade pré-industrial mais familiar.
Essa consciência ambiental se concentra tipicamente na questão da preservação e nas
tentativas de proteger o patrimônio natural - bosques, florestas etc. - bem como o
patrimônio arquitetônico e social. A preservação da natureza está, assim, ligada à
defesa de valores e instituições tradicionais.
Em segundo lugar, os conservadores defendem as soluções baseadas no mercado para
os problemas ambientais, chegando a adotar a ideia do "capitalismo verde". As soluções
ambientais baseadas no mercado incluem a adoção de sistemas tributários com incenti­
vos a atitudes individuais e corporativas que favoreçam a ecologia e sistemas de comércio
de emissões como os propostos pelo Protocolo de Kyoto. As credenciais verdes do capi­
talismo se baseiam tanto na disposição a atender consumidores mais ecologicamente
conscientes por meio da produção de novos bens e tecnologias quanto no reconhecimen­
to de que a lucratividade corporativa a longo prazo só pode ser assegurada em um
contexto de desenvolvimento sustentável.

Ecossodalismo
Há uma vertente socialista distinta no movimento verde, presente sobretudo entre os
Verdes alemães, cujos líderes eram em sua maioria antigos membros de grupos de extre­
ma esquerda. O ecossocialismo baseou-se no socialismo pastoral de pensadores como
William Morris, que exaltavam as virtudes das comunidades artesanais de pequena
escala que viviam próximas à natureza. Porém, ele costuma ser mais associado ao mar­
xismo. Por exemplo, Rudolf Bahro ( 1 982), um dos principais ecossocialistas alemães,
argumentava que a raiz da crise ambiental é o capitalismo. O mundo natural foi saquea­
do pela industrialização, e isso é mera consequência da busca implacável de lucro pelo
capitalismo. Assim, o capitalismo é caracterizado não só pela luta de classes, mas também
pela destruição do meio ambiente natural. O trabalho humano e o mundo natural são
explorados porque são tratados apenas como recursos econômicos. Qualquer tentativa

62
Ecologismo

de melhorar o meio ambiente deve, portanto, incluir um processo radical de mudança


social - ou, para alguns, uma "revolução social".
O tema central do ecossocialismo é a ideia de que o capitalismo é inimigo do meio
ambiente, enquanto o socialismo é seu amigo. Contudo, assim como no feminismo so­
cialista, uma fórmula como essa personifica a tensão entre dois elementos, desta vez
entre as prioridades "vermelhas" [socialistas ou comunistas] e "verdes". Se a catástrofe
ambiental não passa de um subproduto do capitalismo, então a melhor solução para
resolver os problemas ambientais é abolir o capitalismo - ou, pelo menos, domá-lo.
Portanto, os ecologistas não devem formar partidos verdes isolados nem estabelecer or­
ganizações ambientalistas limitadas, e sim trabalhar num movimento socialista maior e
abordar a verdadeira questão: o sistema econômico.
Além disso, o socialismo também é visto como mais um credo político "pró­
-produção": ele apoia a exploração da riqueza do planeta, ainda que seja pelo bem da
humanidade e não só da classe capitalista. Os partidos socialistas demoram a adotar
políticas ambientalistas porque, assim como outros partidos "cinza", eles continuam a
basear seu apelo eleitoral na promessa do crescimento econômico. Dessa forma, os eco­
logistas muitas vezes hesitam em subordinar o verde ao vermelho, daí a declaração dos
Verdes alemães de que eles não são "nem de esquerda nem de direita''. Aliás, os ecosso­
cialistas como Bahro (1984) chegaram à conclusão de que a crise ecológica é tão
premente que deve ter prioridade sobre a luta de classes.
Os ecossocialistas afirmam que o socialismo é naturalmente ecológico. Se a riqueza
for de propriedade comum, ela será usada para suprir o interesse de todos, ou seja, os
interesses a longo prazo da humanidade. Porém, é pouco provável que os problemas
ecológicos possam ser resolvidos apenas com a mudança na distribuição da riqueza. Isso
foi exaustivamente demonstrado pela experiência do socialismo estatal na União Sovié­
tica e no Leste europeu, que criou alguns dos problemas ambientais mais complicados
do mundo. Exemplos disso são o Mar de Aral, na Ásia Central - que antes era o quarto
maior lago do mundo, mas passou a ter metade do tamanho original em virtude do
desvio de dois rios -, e a explosão nuclear em Chernobyl, na Ucrânia, em 1 986.

Ecoanarquismo
Talvez a ideologia que tenha o melhor argumento para se declarar "ambientalmente
sensível" seja o anarquismo. Alguns meses antes da publicação de A primavera silenciosa,
de Rachel Carson, Murray Bookchin lançou Nosso meio ambiente sintético ( Our synthetic
environment, [1 962] 1 975) . No movimento verde, também há quem reconheça uma
dívida com os anarcocomunistas do século XIX, em particular Piotr Kropotkin.
Bookchin ( 1 977) sugeriu que há uma dara correspondência entre as ideias do anarquis­
mo e os princípios da ecologia, articulada na ideia da "ecologia social", a crença de que
o equilíbrio ecológico é a base mais segura da estabilidade social. Os anarquistas acredi­
tam em uma sociedade sem a presença do Estado, em que a harmonia surge do respeito
mútuo e da solidariedade social entre os seres humanos. A riqueza de tal sociedade

63
- Do feminism o ao m ultirnltura lism o (v. 2 )

Filósofo social anarquista e pensador am­ tralização e a com unidade em sociedades


bientalista americano. Foi ativista radical do modernas. Como um dos principais defenso­
movimento trabalhista americano nos anos res da chamada "ecologia social'; ele argu­
1 930 e um dos primeiros pensadores sociais a mentava q ue os princípios ecológicos podem
levar as questões ambientais a sério. Foi pro­ ser aplicados à organização social e sugeriu
fessor emérito do Instituto de Ecologia Social, que a crise ambiental é resultado da decom­
em Vermont, nos Estados Unidos. posição da estrutura orgânica da sociedade e
A contribuição de Bookchin para o anar­ da natureza. Entre as principais o b ras de
quismo está associada à ênfase na colabora­ Bookchin estão O anarquismo pós-escassez
ção não hierárquica em condições de pós­ ( 1 97 1 ) , A ecologia da liberdade ( 1 982) e Refa­
-escassez e a maneiras de estimular a descen- zendo a sociedade ( 1 989).

baseia-se em sua variedade e diversidade. Os ecologistas também acreditam que o equi­


líbrio e a harmonia surgem espontaneamente na natureza, na forma de ecossistemas, e
que estes, assim como as comunidades anarquistas, não precisam de autoridade ou con­
troles externos. Na sociedade humana, a rejeição anarquista ao governo compara-se aos
alertas dos ecologistas acerca do "governo" humano no mundo natural. Bookchin, assim,
comparou uma comunidade anarquista a um ecossistema e sugeriu que ambos se carac­
terizavam pelo respeito aos princípios da diversidade, do equilíbrio e da harmonia.
Os anarquistas também defenderam a construção de sociedades descentralizadas,
organizadas como um conjunto de comunas ou aldeias. Nessas comunidades, viveria-se
junto à natureza, e cada comunidade tentaria alcançar um grau elevado de autossufi­
ciência. Elas seriam economicamente diversificadas; produziriam alimentos e uma ampla
variedade de bens e serviços, e assim seria possível encontrar agricultura, artesanato e
indústrias de pequena escala. A autossuficiência tornaria cada comunidade dependente
de seu meio ambiente natural, gerando de maneira espontânea uma compreensão das
relações orgânicas e da ecologia. Na visão de Bookchin, a descentralização conduziria a
um "uso mais inteligente e mais cuidadoso do meio ambiente".
Sem dúvida, a concepção que muitos ecologistas têm de uma sociedade pós-industrial
é influenciada pelos textos de Kropotkin e William Morris. O movimento verde também
adotou ideias anarquistas como a descentralização, a democracia participativa e a ação
direta. Porém, mesmo quando o anarquismo é valorizado como provedor da visão de um
futuro ecologicamente saudável, ele poucas vezes é aceito como um meio de se chegar lá.
Os anarquistas acreditam que o progresso só será possível quando o governo e todas as
formas de autoridade política forem derrubados. Em contrapartida, há no movimento
verde quem veja o governo como um agente por meio do qual a ação coletiva pode ser
organizada e, desse modo, como o meio mais provável pelo qual a crise ambiental pode
ser abordada, pelo menos a curto prazo. Eles temem que o desmantelamento ou mesmo

64
o enfraquecimento do governo possa simplesmente abrir espaço para as forças que gera­
ram a industrialização e destruíram o meio ambiente natural.

Ecofeminismo
A ideia de que o feminismo oferece uma abordagem diferenciada e valiosa das ques­
tões ecológicas cresceu a tal ponto que o ecofeminismo evoluiu para uma das mais
importantes escolas filosóficas do pensamento ambientalista. Seu tema principal é o de
que a destruição ecológica tem origem no patriarcado: a natureza está sob a ameaça não
da humanidade, e sim dos homens e das instituições de poder
patriarcado:
masculino. As feministas que adotam uma visão andrógina ou literalmente, o ''governo
do pai". O termo é
assexuada da natureza humana argumentam que o patriarcado
usado num sentido
deturpou os instintos e a sensibilidade dos homens ao dissociá-los inais amplo para

do mundo "privado" da assistência, da construção de um lar e das ··descrever a dominação


dos homens e a
relações pessoais. A divisão sexual do trabalho, assim, predispõe os subordinação das
mulheres na sociedade
homens a subordinar as mulheres e a natureza, vendo a si mesmos como um todo.
como os "senhores" de ambas. Desse ponto de vista, o ecofeminis-
mo pode ser classificado como uma forma particular de ecologia social. Porém, muitas
ecofeministas apoiam o essencialismo, já que suas teorias se baseiam na crença de que
existem diferenças essenciais e impossíveis de ser eliminadas entre mulheres e homens.
Essa posição é adotada, por exemplo, por Mary Daly, em Gin/ecología ( Gyn!Ecology,
1 979). Ela argumenta que as mulheres se libertariam da cultura patriarcal se agissem de
acordo com a "natureza femininà'. A ideia de uma ligação intrínseca entre as mulheres
e a natureza não é nova. As religiões pré-cristãs e as culturas "primitivas" muitas vezes
caracterizaram a Terra ou as forças naturais como deusas, ideia resgatada pela hipótese
Gaia. As ecofeministas modernas, contudo, destacam a base biológica como razão para
a proximidade das mulheres com a natureza, em especial a condição de elas gerarem fi­
lhos e amamentarem. O fato de as mulheres não poderem viver isoladas dos ritmos e
processos naturais, por sua vez, constrói sua orientação político-cultural. Assim, os valo­
res "femininos" tradicionais incluem a reciprocidade, a colaboração e a criação e
educação, valores que têm caráter "suave" ou ecológico. A ideia de que a natureza é um
recurso a ser explorado ou uma força a ser subjugada é mais abominável às mulheres do
que aos homens, porque elas reconhecem que a natureza age nelas e por meio delas, e
sentem de modo intuitivo que a realização pessoal surge da ação junto com a natureza e
não contra ela. Assim, a extinção do patriarcado promete proporcionar também uma
relação inteiramente nova entre a sociedade humana e o mundo natural.
Se existe uma ligação essencial ou "natural" entre as mulheres e a natureza, a relação
entre os homens e a natureza é bem diferente. Enquanto as mulheres são criaturas da
natureza, os homens são criaturas da cultura: seu mundo é sintético ou feito pelo ho­
mem, um produto do gênio criador do homem, não da criatividade natural. Então, no
mundo masculino, o intelecto é colocado acima da intuição, o materialismo é valorizado
acima da espiritualidade e as relações mecânicas são preconizadas em detrimento das

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Ideologias p olíticas - Do feminismo a o multicultura l i s m o (v. 2 )

holísticas. Em termos político-culturais, isso se reflete na crença no esforço próprio, na


concorrência e na hierarquia. As implicações disso para o mundo natural são claras. O
patriarcado, nessa visão, estabelece a supremacia da cultura sobre a natureza, sendo esta
última apenas uma força a ser subjugada ou explorada. A destruição ecológica e a desi­
gualdade de gêneros são, com base nessa premissa, partes de um mesmo processo em que
homens "cultivados" reinam sobre mulheres "naturais".

O ecologismo no século XXI

As perspectivas para o ecologismo no século XXI parecem ter forte ligação com a
posição atual da crise ambiental e o nível geral de compreensão das questões e problemas
ambientais. À medida que os sinais da destruição da natureza se acumulam - com a
mudança climática que resulta em aquecimento global, a redução dos níveis de fertilida­
de masculina causada pela poluição, a erradicação de espécies de animais e plantas, e
assim por diante -, é certo que se intensificará a busca de uma alternativa ao industria­
lismo obcecado pelo crescimento. A sorte instável dos partidos verdes e de grupos
ambientalistas não dá nenhuma indicação confiável da força das ideias e dos valores
ecológicos. Um dos problemas que os partidos verdes enfrentam é que seus adversários
mais importantes - e muito maiores que eles - assumiram posições "favoráveis à ecolo­
già' que já foram exclusivamente suas. Da mesma forma, o conjunto de integrantes e
ativistas de grupos ambientalistas não reflete o número de "simpatizantes" na sociedade
como um todo, nem de todos aqueles que adotam regularmente práticas ecológicas co­
mo a reciclagem e o uso de alimentos orgânicos. Também é digno de nota o fato de
grupos ambientalistas e ativistas ecológicos serem importantes no emergente movimento
antiglobalização. Dessa perspectiva, a única opção da humanidade no século XXI será
reverter as políticas e práticas que acabaram conduzindo a espécie humana e o mundo
natural a um ponto bem próximo da destruição.
Entretanto, a teoria ecológica enfrenta uma série de problemas. Em primeiro lugar, é
difícil enxergar como o ecologismo pode se tornar uma ideologia genuinamente mun­
dial. No que se refere aos países do mundo em desenvolvimento, suas limitações parecem
negar-lhes a oportunidade de alcançar o Ocidente. Os países ocidentais se desenvolve­
ram por meio da industrialização em grande escala, da exploração de recursos finitos e
da inclinação a poluir o mundo natural, práticas que hoje são negadas ao mundo em
desenvolvimento. Por exemplo, o crescimento econômico na China resultou na abertu­
ra, em média, de uma nova central elétrica a carvão a cada semana durante 2006. Em
resultado, oito das dez cidades mais poluídas do mundo encontram-se naquele país.
Mas, tal como o mundo em desenvolvimento, o Ocidente industrializado também não
está propenso a adotar plenamente as prioridades ecológicas. Afinal, isso significaria que
ele, como o maior consumidor de energia e recursos, teria de abdicar da prosperidade
que já conseguiu. Isso fica claro na relutância de países como os Estados Unidos e a
Austrália em assinar o Protocolo de Kyoto.

66
Ecologismo

Em segundo lugar, o industrialismo e seus valores fundamentais, como o individua­


lismo competitivo e o consumismo, ficaram ainda mais fortalecidos como resultado da
globalização econômica. A globalização, nesse sentido, pode ser vista como um tipo de
hiperindustrialismo. Em outras palavras, a ligação entre o ecologismo e o movimento
antiglobalização não é mera coincidência. Em terceiro lugar, algumas dificuldades cer­
cam o discurso anticrescimento proposto pelo ecologismo. A política de crescimento
zero, ou mesmo de crescimento sustentável, pode ser eleitoralmente tão antipática às
populações que se mostra impossível em termos democráticos. Por fim, o ecologismo
pode ser, na verdade, apenas mais um modismo urbano, uma forma de romantismo pós­
-industrial. Isso sugere que a consciência ambiental seria apenas uma reação temporária
ao progresso industrial e que tende a ficar restrita aos jovens e aos mais ricos.
Talvez o desafio mais desanimador que o ecologismo enfrenta seja o próprio nível das
mudanças que ele exige. O ecologismo, ao menos sob o aspecto da ecologia profunda, é
mais radical do que o socialismo, o fascismo, o feminismo ou qualquer um dos demais
credos políticos examinados nesta obra. Ele não exige apenas a transformação do sistema
econômico ou a reordenação das relações de poder dentro do sistema político: procura
estabelecer nada menos do que um novo modo de ser, uma maneira diferente de vivenciar
e entender a existência. Além disso, suas teorias, valores e sensibilidade divergem totalmen­
te daqueles que costumam dominar as sociedades industrializadas. O problema do
ecologismo, portanto, é que ele se baseia numa filosofia profundamente estranha à cultura
que deve influenciar para ter êxito. Mas talvez essa seja também a origem de seu apelo.

fl Como a perspectiva ecocêntrica desafia os enfoques convencionais da política?


• O ecologismo "superficial" é uma contradição em termos?
• Por que os ecologistas são ambivalentes em relação à ciência?
• Quais são as características de uma economia sustentável?
e Como a política ecológica ampliou o pensamento moral?
• Até que ponto os ecologistas repensaram o caráter da realização humana?
• Que ideologias políticas são mais compatíveis com o ecologismo? Por quê?
• Que ideologias são menos compatíveis com o ecologismo? Por quê?
111 A política ecológica poderá, algum dia, ser viável em termos eleitorais?

BAXTER, B . Ecologism - An íntroduction. Edimburgo: Edinburgh University Press, 1 999.


Análise clara e abrangente dos principais elementos do ecologismo, considerando suas
implicações morais, políticas e econômicas.
- Do fem inismo ao m ultirnlturalismo 2)

BRAMWELL, A. Ecology in the twentieth century - A history. New Haven e Londres: Yale
University Press, 1 989. Detalhado e polêmico, trata-se de um estudo extremamente
influente da história intelectual e política do movimento ecológico.
CAPRA, F. The web oflife -A new synthesis ofmind and matter. Londres: Flamingo, 1 997.
[A teia da vida - Uma nova compreensão cientifica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix,
2006.] Tentativa ousada de desenvolver uma nova base para a política ecológica, usan­
do a ecologia profunda como paradigma teórico.
DoBSON, A. Green política! thought. 4.a ed. Londres: Roudedge, 2007. Relato acessível e
muito proveitoso das ideias por trás da política verde. Às vezes, considerado o texto
clássico sobre o tema.
___ . The green reader. Londres: Andre Deutsch, 1 99 1 . Excelente coletânea de breves
trechos de textos importantes de pensadores ecológicos. Boa base para outras leituras.
EcKERSLEY, R. Environmentalism and política! theory - Towards an ecocentric approach.
Londres: UCL Press, 1 992. Análise detalhada e abrangente do impacto das ideias am­
bientalistas sobre o pensamento político contemporâneo.
MARSHALL, P. Nature's web - Rethinking our place on Earth. Londres: Cassell, 1 995. Um
histórico de ideias ecológicas que serve como compêndio das diversas abordagens em
relação à natureza em diferentes períodos, partindo da perspectiva de variadas culturas.

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