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VASCO PEREIRA DA SILVA

Verde
Cor de Direito
Lições de Direito
do Ambiente

ALMEDINA
CAPÍTULO I
AMBIENTE E DIREITO
VERDES SÃO TAMBÉM OS DIREITOS DO HOMEM

1 - A protecção do ambiente como questão política da actualidade.


Dos movimentos sociais às novas leis e políticas de protecção do
ambiente
Se o amor à Natureza, e consequente preocupação com o seu destino,
é um fenómeno que se verifica desde os primórdios da Humanidade - e que
dá lugar às mais variadas manifestações individuais ao longo da História,
de acordo com distintas perspectivas religiosas, morais, ou filosóficas -, só
muito recentemente é que ele veio a adquirir uma dimensão colectiva, tor-
nando-se um "problema político" das sociedades modernas. Sinto-
mática dessa' visão "dos antigos", para usar uma conhecida expressão de
C O N S T A N T , é a concepção de São Francisco de Assis, na lógica da relação
1

do indivíduo com Deus (e o cosmos), quando falava do amor ao "irmão


lobo", ou à "irmã andorinha"... Ou a de Jean-Jacques Rousseau, para quem
o "estado de natureza" e o mito do "bom selvagem" correspondiam à ideali-
zação de uma relação individual com o meio ambiente enquanto realidade
pré-política, qual "paradigma perdido" anterior à "corrupção" inerente ao
processo de socialização e ao surgimento do "contrato social".
A ecologia como problema da comunidade, ou como questão polí-
tica, é uma realidade dos nossos dias. Já que uma tal concepção "dos mo-
dernos" (continuando a usar a terminologia de C O N S T A N T ) remonta à crise
do modelo de Estado Social ou de Providência, surgida no final dos anos
60 e cujos sintomas mais agudos foram sentidos nos anos 70 , com a 2

1 BENJAMIN CONSTANT, «A Liberdade dos Antigos Comparada à Liberdade dos


Modernos» (tradução de ANTÓNIO DE ARAÚJO), in «Revista da Faculdade de Direito de
Lisboa», volume XL, n. 1 e 2, 1999, páginas 523 e seguintes.
os

2 O que não significa que, anteriormente, não tenham existido manifestações da-
quilo a que VIRIATO SOROMENHO MARQUES designa por manifestações de «"arqueologia" da
18 Lições de Direito do Ambiente

denominada "crise do petróleo", que obrigou a uma tomada generalizada


de consciência dos limites do crescimento económico e da esgotabilidade
dos recursos naturais. Mas o surgimento da "questão ambiental" andou
também associado, ou foi contemporâneo, de outros fenómenos de ordem
política, social e cultural, designadamente o movimento de "Maio de 68",
a "revolução hippie" e a "doutrina" (verde-psicadélica) do "flower
power", o pacifismo e a filosofia da "não-violência"...
O Estado Social desconhecera em absoluto o problema da ecolo-
gia, imbuído como estava da "ideologia optimística" do crescimento
económico, qual "milagre" criador de progresso e de qualidade de vida.
A ilusão de "imparabilidade" e de "inevitabilidade" do desenvolvimento
económico, gerada pelo êxito da "receita keynesiana" na resolução das
crises deflaccionistas do início de século, através do "efeito multiplicador"
das despesas públicas que decorria da intervenção do Estado na economia
para corrigir as disfunções do mercado, criara uma "confiança cega" - ou,
se me é permitida a ironia, uma espécie de "santa alegria pateta" - relati-
vamente à perenidade das soluções e dos modelos encontrados, que não
resistiria aos embates com as novas realidades do "monstro" da "estag-
flação".
O que associado a outras aporias, como a ineficiência económica do
«polvo de mil tentáculos» (BOBBIO) em que se tinha transformado a
Administração Pública , ou os "défices de legitimação" do aparelho esta-
1

dual (HABBERMAS) , tornava «patente a incapacidade do sistema para


2

encarar com êxito as complexas e novas questões (basicamente a ameaça


do equilíbrio do meio-ambiente e o domínio das interrogações fundamen-
tais colocadas pelo progresso científico e tecnológico)», assim como
«a crise de confiança no Estado, quanto à sua capacidade de direcção e
controlo dos problemas sociais, bem como de resolução satisfatória dos
problemas de convivência política» (PAREJO ALFONSO) . 3

intervenção política de cariz ambiental». Sobre os primórdios dos movimentos ambien-


talistas, vide VIRIATO SOROMENHO MARQUES, «O Futuro Frágil: Os Desafios da Crise
Global do Ambiente», Europa-América, Mem Martins, 1998, páginas 25 e seguintes
(citação da página 29).
1 NORBERTO BOBBIO, «O Futuro da Democracia», D. Quixote, Lisboa, 1988,
página 44.
2 JUERGEN HABERMAS «Legitimation Crisis» (tradução em língua inglesa), Heine-
mann, Londres, 1984, página 50.
3 LUCIANO PAREJO ALFONSO, «Introdúccion: Surgimiento, Consolidación y
Situación dei Derecho Administrativo», in PAREJO ALFONSO / JIMÉNEZ-BLANCO / ORTEGA
Ambiente e Direito. Verdes são também os Direitos do Homem 19

A crise do Estado-Providência , veio mostrar, entre outras coisas,


1

que a protecção do ambiente devia ser encarada como um problema da


sociedade que necessitava de solução política . Só que as primeiras mani-
2

festações da problemática política da defesa do ambiente surgiram mar-


cadas pelo extremismo, de acordo com aquilo que se pode considerar ser
uma tendência natural (ironizando, quase se poderia considerar como
tendência "infantil") para a radicalização do "discurso de afirmação", que
é típica de todos os movimentos sociais nascentes.
Os movimentos ecologistas dos anos setenta vão defender um mo-
delo alternativo radical, apresentando a ecologia como a panaceia para
todos os problemas políticos da sociedade. Perante a "falência das ideolo-
gias", estes movimentos difundem uma "nova utopia", propondo uma
alternativa política global para todos os problemas da sociedade, levando
ao extremo a politização de uma questão que, até há bem pouco tempo
antes, nem sequer era do domínio da política. Verifica-se, então, não
apenas a politização como a própria partidarização da ecologia, com o
surgimento de múltiplos partidos verdes, que assumem a configuração
de partidos de contestação.
A generalização da consciência ecológica, nos anos oitenta e no-
venta, trouxe consigo a despartidarização da defesa do meio-ambiente, que
deixou de ser apenas a bandeira de agrupamentos radicais para passar a
constituir património comum de todas as forças políticas , ao mesmo 3

ÁLVAREZ, «Manual de Derecho Administrativo», volume I, 4 edição, Ariel, Barcelona,


a

1996, página 18.


1 Sobre a crise do Estado-Providência vide VASCO PEREIRA DA SILVA, «Para um
Contencioso Administrativo dos Particulares - Esboço de uma Teoria Subjectivista do
Recurso Directo de Anulação», Almedina, Coimbra, 1989, páginas 56 e seguintes; e «Em
Busca do Acto Administrativo Perdido», Almedina, Coimbra, 1996, páginas 122 e
seguintes.
2 Muitos caracterizam, a este propósito, as modernas sociedades como sendo "de
risco", na esteira de BECK (ULRICH BECK, «Risk Society - Towards a New Modernity»,
tradução em língua inglesa, Sage Publications, London, reimpressão de 1997). O que, não
sendo incorrecto, não deve contudo fazer esquecer que já fora a tentativa de diminuir os
"riscos" da vida em sociedade, que tinha levado à instauração do Estado-Providência.
Neste domínio, o que há de "novo" não é tanto o "risco" como as dimensões que ele pode
assumir a uma escala global, designadamente no que diz respeito ao ambiente.
3 Sobre a temática ecológica vide, entre outros, T.D.J. CHAPPELL, «The Philosophy
of the Environment», Edinburgh University Press, Edinburgh, 1997; Luc FÉRRY, «A Nova
Ordem Ecológica - A Árvore, o Animal, o Homem» (trad.), Asa, Porto, 1 9 9 3 ; JEAN JACOB,
«Histoire de L'Écologie Politique», Albin Michel, Paris, 1999; VIRIATO SOROMENHO
MARQUES, «O Futuro Frágil - Os Desafios da Crise Global do Ambiente», Europa-Amé-
20 Lições de Direito do Ambiente

tempo que se tornava frequente a transformação em "partidos de eleitores"


dos outrora "partidos de contestação", empenhados na disputa e no exer-
cício do poder político (como sucedeu, por exemplo, no caso alemão).
Assiste-se, agora, a um extraordinário desenvolvimento das ciências do
ambiente, das políticas de ambiente, da proliferação de leis em matéria de
ambiente, que contribui para a difusão de uma nova consciência eco-
lógica, que se manifesta a dois níveis:
a) o da dimensão individual, decorrente da consciencialização dos
cidadãos relativamente à perenidade dos recursos e à necessidade de con-
tribuir de modo activo para a preservação da natureza, que veio transfor-
mar a defesa do ambiente num problema cívico. Tomada de consciência
individual da questão ambiental a que não é alheia a importância da comu-
nicação social, com o seu contributo fundamental para a criação de uma
opinião pública interessada na temática ecológica;
b) o da dimensão institucional, com a multiplicação e o desenvolvi-
mento de movimentos ambientalistas, de departamentos governamentais
ligados ao ambiente, de entidades administrativas várias destinadas à de-
fesa ambiental, de complexos normativos cada vez mais pormenorizados
em matéria ecológica, tanto à escala interna como internacional.

SUGESTÕES DE LEITURA
T.D.J. CHAPPELL, «The Philosophy of the Environment»,
Edinburgh University Press, Edinburgh, 1997.
LUC FÉRRY, «A Nova Ordem Ecológica - A Árvore, o
Animal, o Homem» (trad.), Asa, Porto, 1993.
JEAN JACOB, «Histoire de L' Écologie Politique», Albin
Michel, Paris, 1999.
VIRIATO SOROMENHO MARQUES, «O Futuro Frágil - Os
Desafios da Crise Global do Ambiente», Europa-América, Mem
Martins, 1998.

rica, Mem Martins, 1998; JOANAZ DE MELO / CARLOS PIMENTA, « O Que é Ecologia?»,
Difusão Cultural, Lisboa, 1993; DOMINGOS MOURA / FRANCISCO FERREIRA / F. NUNES
CORREIA/ G. RIBEIRO TELLES / V. SOROMENHO - MARQUES, «Ecologia e Ideologia»,
Livros e Leituras, Lisboa, 1999; JORGE PAIVA, «A Crise Ambiental, Apocalipse ou
Advento de uma Nova Era», Liga dos Amigos de Conimbriga, Lisboa, 1998. MARIA TERESA
PITÉ / TERESA AVELAR, «Ecologia das Populações e das Comunidades - Uma Abordagem
Evolutiva do Estudo da Biodiversidade», Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1996.
Ambiente e Direito. Verdes são também os Direitos do Homem 7

J. JOANAZ DE MELO / CARLOS PIMENTA, «O Que é Ecolo-


gia?», Difusão Cultural, Lisboa, 1993.
DOMINGOS MOURA / FRANCISCO FERREIRA / F. NUNES COR-
REIA/ G. RIBEIRO TELLES / V. SOROMENHO-MARQUES, «Ecologia
e Ideologia», Livros e Leituras, Lisboa, 1999.
JORGE PAIVA, «A Crise Ambiental, Apocalipse ou Advento de
uma Nova Era», Liga dos Amigos de Conimbriga, Lisboa, 1998.
MARIA TERESA PITÉ / TERESA AVELAR, «Ecologia das Po-
pulações e das Comunidades - Uma Abordagem Evolutiva do Estudo
da Biodiversidade», Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1996.
VASCO PEREIRA DA SILVA,«Verdes são Também os Direitos
do Homem; Responsabilidade Administrativa em Matéria de Am-
biente», Principia, Cascais, 2000.

2 - A defesa do ambiente como problema jurídico


Todas estas questões políticas não podiam deixar de ter conse-
quências de natureza filosófico-jurídica. E vão obrigar à consideração da
dimensão axiológica e da dimensão jurídica da problemática ambiental,
também aqui a dois níveis:
a) Do direito ao ambiente como direito do Homem, integrando a
denominada terceira geração dos direitos fundamentais;
b) Da protecção do ambiente como problema do Estado, que leva
mesmo alguns autores a caracterizar o actual Estado pós-social como
"Estado de ambiente".
2.1 - Verdes são também os Direitos do Homem. A protecção
jurídica subjectiva do ambiente
A consideração do direito ao ambiente como direito do Homem
resulta da necessidade de repensar a posição do indivíduo na comuni-
dade perante os novos desafios colocados pelas modernas sociedades. E se
a "dignidade da pessoa humana" constitui o fundamento dos direitos
humanos, a sua realização, em cada momento, exige um esforço de
adaptação e de aprofundamento, que é determinado pelas concretas cir-
cunstâncias históricas.
De resto, a dimensão histórica dos direitos humanos constitui uma
forma de realização da sua dimensão axiológica, uma vez que os princí-
22 Lições de Direito do Ambiente

pios ético-jurídicos ligados à realização da dignidade da pessoa humana


assumem uma configuração histórica concreta numa determinada comu-
nidade, num momento dado. A perenidade dos direitos do Homem,
enquanto exigências de realização integral da dignidade da pessoa
humana, não impede, pois, a circunstancialidade da sua concretização num
local e numa época determinados. Daí que faça sentido, não apenas falar
na história dos direitos do Homem, como fazer a ligação entre tais direitos
e os diferentes modelos de Estado, que representam sucessivas formas
históricas da sua concretização, podendo-se falar, a este propósito, em
"gerações" de direitos fundamentais.
Em minha opinião, falar em gerações de direitos humanos pode ser
uma noção equívoca, se utilizada no sentido determinista de evolução de
estádios inferiores para outros mais desenvolvidos, que se substituem uns
aos outros - que o mesmo é dizer, em termos metafóricos, se se enca-
rar esta questão como um fenómeno de "luta de gerações". Da mesma
maneira que pode ser uma noção incorrecta, se entendida num sentido
objectivista, considerando que as "novas" gerações já não têm que ver com
direitos das pessoas, individualmente consideradas, antes com aspirações
colectivas, comunitárias ou dos povos . 12

Mas falar em gerações de direitos humanos é, pelo contrário, um


conceito útil, se elas forem consideradas como momentos históricos de
realização dos direitos dos indivíduos. As gerações representariam, assim,
a dimensão da historicidade dos direitos humanos, mostrando como a
matriz comum dessas posições subjectivas se vai concretizando ao longo
do tempo, conduzindo ao progressivo aprofundamento e desenvolvimento
das formas de realização da dignidade da pessoa humana.
Entendidas desta forma, as gerações de direitos que se vão suce-
dendo não põem em causa o legado histórico das anteriores, nem preten-
dem substituir-se umas às outras, tal como não perdem a sua dimensão
individual, antes constituem estádios sucessivos de aprofundamento e de
desenvolvimento dos direitos do Homem. Usando a metáfora de há pouco,
1 Crítica desta assimilação dos direitos dos povos aos direitos do Homem é tam-
bém a posição de Jorge Miranda, ainda que o autor associe os primeiros aos direitos de
"terceira geração", em termos que se afastam da orientação que defendo. Vide JORGE
MIRANDA, «Manual de Direito Constitucional - Direitos Fundamentais», tomo IV,
2 edição, Coimbra Editora, 1993, páginas 62 e seguintes.
a

2 Na linha da posição defendida, também JOHN RAWLS distingue o Direito dos


Povos dos Direitos Humanos, ainda que integrando estes no conteúdo do primeiro. Vide
JOHN RA WLS, «O Direito dos Povos» (tradução), Martins Fontes, São Paulo, 2001, mx.
páginas 102 e seguintes.
Ambiente e Direito. Verdes são também os Direitos do Homem 23

o que está aqui em causa não é um fenómeno de "luta", ou de "con-


fronto", mas sim de "convívio de gerações" de direitos do Homem.
De acordo com esta perspectiva, com o modelo de Estado Liberal, e
no quadro de uma filosofia não intervencionista dos poderes públicos na
vida da sociedade, surge a primeira geração dos direitos humanos, que
inclui as liberdades individuais e os direitos civis e políticos (v.g. a liber-
dade de expressão, a liberdade religiosa, o direito de propriedade privada,
o direito de voto). Em causa estava a protecção dos indivíduos contra o
Estado, que obrigava à abstenção dos poderes públicos na esfera (ironi-
zando, poder-se-ia mesmo falar nos "domínios") das pessoas garantidos
pelos direitos fundamentais.
O Estado Social, que assume uma dimensão prestadora chamando a
si a realização de tarefas nos domínios económicos, sociais e culturais,
trouxe consigo a segunda geração dos direitos humanos, correspondente
aos direitos sociais (v.g. o direito ao trabalho, à segurança social, à saúde,
à educação). Tratava-se, agora, de assegurar a protecção dos indivíduos
através da actuação do Estado, realizada sobretudo através da função
administrativa, o que levou à caracterização deste modelo, de acordo com
a expressão consagrada pela doutrina alemã, como um "Estado de Admi-
nistração" ("Verwaltungsstaat").
O Estado Pós-social em que vivemos, no quadro de uma lógica
constitutiva e infra-estrutural dirigida para a criação de condições para
a colaboração de entidades públicas e privadas, está associado a uma
terceira geração de direitos humanos em novos domínios da vida da
sociedade, como é o caso do ambiente e da qualidade de vida, da pro-
tecção individual relativamente à informática e às novas tecnologias, da
tutela da vida e da personalidade em face da genética, sendo ainda de
incluir nesta categoria as garantias individuais de procedimento (o qual é
entendido não apenas como instrumento de legitimação do poder mas
também como modo de realização da protecção jurídica subjectiva) . Per- 1

tencem assim a esta geração, entre outros, o direito ao ambiente, à quali-


dade de vida, de acesso a bancos de dados, de preservação do património
genético, de participação e de audiência no procedimento. Em causa está,
uma vez mais, o retorno à ideia de protecção do indivíduo contra o poder,
acentuando a ideia de defesa das pessoas contra novas ameaças pro-
venientes tanto de entidades públicas como privadas, sem que isso sig-

1 Vide HELMUT GOERLICH, «Grundrechte ais Verfahrensgarantien», I edição,


a

Nomos, 1981.
24 Lições de Direito do Ambiente

nifique pôr em causa a necessidade de garantia dos direitos também


através da acção estadual . 1

2.2 - O Estado pós-social como ".Estado de Ambiente".


A dimensão objectiva da protecção ambiental
Para além da dimensão de direitos humanos, a problemática ambien-
tal releva ainda como elemento caracterizador do Estado Pós-social em
que vivemos. Perante a crise do Estado-Providência, que obrigou a repen-
sar e renovar o "pacto social", numa tentativa de reequacionamento do
papel do Estado na sociedade e de procura de resposta para as neces-
sidades acrescidas de defesa dos particulares em face das novas ameaças
de poderes públicos e privados, a "questão ecológica" (como outrora a
"questão social") vai implicar a.assunção de novas tarefas estaduais.
A protecção do ambiente tornou-se, assim, uma «tarefa inevitável do
Estado moderno (R. BREUER) , permitindo mesmo a caracterização deste
2

como "Estado de ambiente" ("Umweltstaat") (v.g. HENNIG, KLOEPFER,


BERG, CALLIESS) OU "Estado protector do ambiente" (R. SCHMIDT) .
3 4

Modelo de "Estado de Direito do Ambiente" que, nas actuais circuns-


tâncias históricas, se diferencia quer de um mero «Estado de Polícia de
Ambiente», na lógica do «minimalismo ambiental», quer de um «Estado-
-Providência Ambiental», de «prisma rasgadamente intervencionista e
planificatório» (GOMES CANOTILHO) . 5

1 Para uma caracterização mais desenvolvida dos modelos de Estado Liberal, Social
e Pós-social vide VASCO PEREIRA DA SILVA, «Em Busca do A . A . P.», cit, pp. 4 3 e ss.
2 RUEDIGER BREUER, «Umweltschutzrecht», in SCHMIDT-ASSMANN, «Besonderes
Verwaltungsrecht», 10 edição, Walter de Gruyter, Berlin / New York, 1995, página 438.
a

3 VOLKER HENNIG, «Auf dem Weg zum Umweltsstaat?», in «Deutsches


Verwaltungsblatt», Novembro de 1993, páginas 1195 e seguintes; MICHAEL KLOEPFER,
«Interdisziplinare Aspekte des Umweltsstaates», in «Deutsches Verwaltungsblatt»,
Janeiro de 1994, páginas 12 e seguintes; WILFRIED BERG, «Ueber den Umweltstaat», in
JOACHIM BURMEISTER (coord.), «Verfassungsstaatlichkeit - Festschrift fuer Klaus Stern
zum 65. Geburtstag», Beck, Muenchen, 1997, páginas 421 e seguintes; e, mais recente-
mente, a monografia de CHRISTIAN CALLIESS, «Rechtsstaat und Umweltsstaat - Zugleich
ein Beitrag zur Grundrechtsdogmatik im Rahmen mehrpoliger Verfassungsrechts-
verhaeltnisse», Mohr Siebeck, Tuebingen, 2001.
4 REINER SCHMIDT, «Der Staat der Umweltsvorsorge», in «Die Oeffentliche
Verwaltung», n° 18, Setembro de 1994, página 750.
5 GOMES CANOTILHO, «Juridicização da Ecologia ou Ecologização do Direito», in
«Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente», n° 4, Dezembro de 1995, página 73.
Ambiente e Direito. Verdes são também os Direitos do Homem 25

Fruto da evolução histórica do Estado de Direito (sucessivamente:


liberal, social e pós-social) assiste-se, hoje, a um retorno ao predomínio de
uma certa visão garantística, no que respeita à protecção jurídica indivi-
dual sem, no entanto, pôr em causa a necessidade de intervenção estadual,
ainda que sob forma modificada, no quadro de uma Administração consti-
tutiva ou infra-estrutural . Já que o Estado Pós-social implica o compro-
1

misso entre «opções, em princípio, contraditórias: por um lado, a genera-


lização e a enfatização de valores claramente individualistas (ao serviço da
recuperação de um espaço de autodeterminação e realização da pessoa),
por outro, a persistência e insistência em valores de solidariedade social
que invocam a cobertura colectiva de riscos e requerem a solução e gestão
públicas de velhos e novos problemas sociais com o objectivo da segu-
rança social)» (PAREJO ALFONSO) . 2

2.3 - Direito fundamental ao ambiente e protecção objectiva


da natureza. Em busca de um antropocentrismo ecológico
Se se quiser referenciar o posicionamento dos juristas perante as
questões ambientais, podem ser detectadas três posições fundamentais: a
de total "inconsciência" ecológica, a de "abertura" à problemática jurídica
ambiental e a de "totalitarismo ambiental", "ecofundamentalismo" ou
"ecoxiismo" . 3

Ora, da minha perspectiva, é de rejeitar quer a visão negacionista,


que desconhece a relevância jurídica autónoma dos fenómenos ambientais
(tanto do ponto de vista da protecção jurídica subjectiva como da tutela

1 Como escrevi anteriormente, «no Estado Pós-social produz-se uma alteração da


lógica da actividade administrativa, que deixou de estar orientada unicamente em função
da resolução pontual de questões concretas (quer se tratasse de uma agressão, quer da con-
cessão de uma prestação) para se tornar conformadora da realidade social. Surge, assim,
uma nova dimensão ou um novo âmbito da actividade administrativa, que a doutrina
designa através de expressões tão variadas como as de "Administração prospectiva"
(RIVERO, NIGRO), "prefigurativa" (NIGRO), "constitutiva", "social-constitutiva", "planifi-
cadora" (TSCHIRA, SCHMITT-GLAESER, BROHM, VON MUENCH, DIRK EHLERS), OU "infra-
estrutural" (FÁBER, PAREJO ALFONSO, STOBER, M . SUDHOF)» (VASCO PEREIRA DA SILVA,
«Em Busca do A. A. P.», cit., p. 127).
2 LUCIANO PAREJO ALFONSO, «Introdúccion: S. C. y S. dei D. A . » , cit., in PAREJO
ALFONSO / JIMÉNEZ-BLANCO / ORTEGA ALVAREZ, «Manual de Derecho A . » , cit., p. 19.
3 Em sentido não totalmente coincidente vide GOMES CANOTILHO, «Juridicização
da E. ou E. do D.», cit., in «Revista J. do U. e do A.», cit., pp. 70 e ss.
26 Lições de Direito do Ambiente

objectiva dos bens naturais), quer o fundamentalismo jurídico e ecológico,


que tudo reduz à lógica ambiental, sacrificando os demais valores e inte-
resses em jogo. Pelo que não considero adequadas nem as soluções que
ignoram a tutela dos direitos e dos bens ambientais, nem aqueloutras que,
numa espécie de "franciscanismo jurídico", conduzem à personificação
das realidades da Natureza , falando em direitos subjectivos das flores,
1

da água, do mar, da floresta, dos animais ... 2

Isto porque entendo que, sendo o Direito uma realidade humana,


reguladora de relações entre aS pessoas, não devem ser confundidos os
domínios dos direitos individuais com os da tutela jurídica objectiva.
Como sugestivamente escreve HENKE, «O direito que existe independen-
temente da minha pessoa (...) é, como é óbvio, algo diferente do meu
direito, que eu tenho relativamente a outrém» . 3

Ora, no Direito do Ambiente tanto existem direitos subjectivos das


pessoas relativamente ao meio-ambiente, no quadro de relações que têm
como sujeitos passivos entidades públicas e privadas, como a tutela objec-
Defendendo a personificação da Natureza, assim como a possibilidade desta ser
1

titular de direitos subjectivos, vide JOERG LEIMBACHER, «Rechte der Natur und ihre
Einbindung ins Recht», in ROSSNAGEL / NEUSER (coord.), «Reformperspektiven im
Umweltrecht», Nomos, Baden-Baden, 1996, páginas 123 e seguintes; MANFRIED WELAN,
«Oekologisierung der Rechtsordnung», in WEBER / RATH-KAHREIN, «Neue Wege der
Allgemeinen Staatslehre Symposium zum 60. Geburtstag von Peter Pernthalter », Wilhelm
Braumueller, 1996, páginas 59 e seguintes.
2 A expressão "direitos dos animais" é muitas vezes utilizada sem grande rigor,
com um conteúdo mais político do que jurídico, surgindo mesmo em documentos interna-
cionais como a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, de Paris, de 1978, elabo-
rada no âmbito da UNESCO.
Sobre o problema dos direitos dos animais, e admitindo a sua "personificação
jurídica", ainda que em termos dubitativos, com base em argumentos de ordem biológica,
vide MICHAEL RADFORD, «Can Rights Extend to Animais?», in CONNOR GEARTY / ADAM
TOMKINS «Understanding Human Rights», Pinter, London and New York, 1996 ( I reimp. A

1999), páginas 403 e seguintes. Algo diferente a perspectiva daqueles que, parecendo con-
fundir titularidade de direitos sujectivos e tutela jurídica objectiva, falam em "direitos dos
animais", mas consideram que eles «são unicamente objecto de situações jurídicas, não
são erigidos a sujeitos dessas relações», não são «titulares de situações jurídicas» (JORGE
BACELAR GOUVEIA, «A Prática de Tiro aos Pombos, a Nova Lei de Protecção dos Animais
e a Constituição Portuguesa», in «Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente», n° 13,
Junho 2000, página 242). Pelo que «as vantagens que os animais retiram das disposições
legais que lhes são favoráveis constituem efeitos secundários e reflexos da tutela jurídica
que lhes é indirectamente dispensada» - vide ANTÓNIO PEREIRA DA COSTA, «DOS Animais
(O Direito e os Direitos), Coimbra Editora, Coimbra, 1998, página 18.
3 WILHELM HENKE, «Das Subjektive Recht im System des oeffentlichen Rechts»,
in «Die oeffentliche Verwaltung», n° 17, Agosto de 1980, página 622.
Ambiente e Direito. Verdes são também os Direitos do Homem 27

tiva de bens ambientais . E uma coisa são os direitos das pessoas, nas
1

relações jurídicas (públicas e privadas) de ambiente, outra coisa é a con-


sideração das realidades ambientais como bens jurídicos, que implica a
existência de deveres objectivos (de actuação e de abstenção) tanto de
autoridades legislativas, administrativas e judiciais, como de privados.
Mas, não só do ponto de vista teórico como do da praticabilidade , 2

creio bem que a melhor forma de defender o ambiente passa pela tomada
de consciência pelas pessoas dos direitos que possuem neste domínio e 3

não pela personificação das realidades naturais, mediante a indistinção


entre protecção jurídica subjectiva e tutela objectiva, e com a consequente
inutilização prática da noção de direito subjectivo. Ainda para mais, entre
nós, se se tiver em conta a lógica latina da "alienidade" do Estado, tão bem
expressa no conto de JORGE Luís BORGES, ao escrever que o "homem do
norte" fala do Estado como "nós", enquanto que o do "sul" se lhe refere
como "eles".
A via mais adequada para a protecção da natureza, em minha
opinião, é a que decorre da lógica da protecção jurídica individual,
partindo dos direitos fundamentais, e considerando «que as normas regu-
ladoras do ambiente se destinam também à protecção dos interesses dos
particulares, que desta forma são titulares de direitos subjectivos públi-
cos». Já que é a subjectivização da defesa do ambiente, criando aquela
«espécie de egoísmo» que faz com que cada um se interesse «pelos assun-
tos do Estado» como se fossem os seus (TOCQUEVILLE) , que possibilita a
4

1 Em sentido diferente vide FREITAS DO AMARAL, ao considerar o Direito do Ambiente


como «o primeiro ramo do Direito que nasce, não para regular as relações dos
homens entre si, mas para tentar disciplinar as relações do Homem com a Natureza - os direi-
tos do Homem sobre a Natureza, os deveres do Homem para com a Natureza e, eventual-
mente, os direitos da Natureza perante o Homem» (FREITAS DO AMARAL, «Apresentação», in
«Direito do Ambiente», Instituto Nacional de Administração, Lisboa, 1994, página 17).
2 O argumento da praticabilidade e da eficácia, ainda que colocado em termos
diferentes, é também invocado por FUNK para criticar a atribuição de direitos subjectivos
à Natureza. Vide BERND-CHRISTIAN FUNK, «Die Oekologisierung des Rechtsstaates», in
WEBER / RATH-KATHREIN, «Neue Wege der A. S.», cit., pp. 7 3 e ss. (mx. pp. 88 e 89).
3 Veja-se, por exemplo, o "caso do pescador de chalupa", que foi uma das primeiras
sentenças em que a jurisprudência alemã reconheceu a existência de direitos subjectivos
no domínio ambiental, considerando que um pescador era afectado nos seus direitos fun-
damentais pela autorização ilegal concedida a uma fábrica que poluía para as águas do
lago, onde ele exercia a sua actividade profissional. Vide VASCO PEREIRA DA SILVA, «Em
Busca do A. A. P.», cit., pp. 255 e ss..
4 ALÉXIS DE TOCQUEVILLE, «A Democracia na América» (tradução portuguesa),
Estúdios Cor, Lisboa, 1972, página 75.
28 Lições de Direito do Ambiente

associação dos distintos sujeitos privados e públicos na realização do


Estado de Direito do Ambiente.
Daí a necessidade de integrar a preservação do ambiente no âmbito
da protecção jurídica subjectiva, mediante o recurso aos direitos funda-
mentais. Pois só a consagração de um direito fundamental ao ambiente
(expressa ou implicitamente) pode garantir a adequada defesa contra
agressões ilegais, provenientes quer de entidades públicas quer de pri-
vadas, na esfera individual protegida pelas normas constitucionais.
Uma tal perspectiva subjectivista apresenta ainda a vantagem de
permitir uma correcta ponderação de todos os valores em presença. Ao
fazer radicar a protecção da ecologia na dignidade da pessoa humana,
mediante a consagração de direitos fundamentais, é devidamente reco-
nhecida a dimensão ético-jurídica das questões ambientais. Mas, simul-
taneamente, tal opção implica ainda o afastamento de visões ambienta-
listas "totalitárias", viradas para a protecção maximalista do ambiente
mesmo à custa do sacrifício de outros direitos fundamentais.
Os valores ético-jurídicos da defesa do ambiente não esgotam todos
os princípios e valores do ordenamento jurídico, pelo que a realização do
Estado de Direito Ambiental vai obrigar à conciliação dos direitos funda-
mentais em matéria de ambiente com as demais posições jurídicas subjec-
tivas constitucionalmente fundadas, quer se trate de direitos da primeira
geração, como a liberdade e a propriedade, quer se trate de direitos funda-
mentais da segunda geração, como os direitos económicos e sociais (o que,
entre outras coisas, tem também como consequência que a preservação da
natureza não significa pôr em causa o desenvolvimento económico ou,
ironizando, não implica o "retorno à Idade da Pedra").
No domínio do Direito do Ambiente vão surgir, assim, com grande
frequência, fenómenos de "colisão de direitos", tanto «entre vários titu-
lares de direitos fundamentais» como «entre direitos fundamentais e bens
jurídicos da comunidade e do Estado» (GOMES CANOTILHO) . O S quais 1

deverão ser resolvidos de acordo com um "método de concordância


prática", «que impõe a ponderação de todos os valores constitucionais
aplicáveis, para que não se ignore algum deles, para que a Consti-
tuição (...) seja preservada na maior medida possível» (VIEIRA DE
ANDRADE) . 2

1 GOMES CANOTILHO, «Direito Constitucional e Teoria da Constituição», Alme-


dina, Coimbra, 1998, página 1138.
2 VIEIRA DE ANDRADE, «OS Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de
1976», Almedina, Coimbra, 1983, página 222.
Ambiente e Direito. Verdes são também os Direitos do Homem 29

De resto, e numa perspectiva mais ampla, pode-se dizer, como


TOMÁS-RAMÓN FERNÁNDEZ, que a busca permanente «de um equilíbrio
entre interesses contrapostos, e mesmo contraditórios, pertence à própria
essência do Direito. Neste ponto não há, portanto, novidade», no domínio
ambiental. Aquilo que constitui a «singularidade do Direito do Ambiente»
é, antes, a questão da «escala a que se colocam os conflitos a que o
Direito deve fazer frente. E essa escala já não é, no caso do Direito do
Ambiente, apenas local ou nacional, como era, até agora, a dos problemas
que os juristas estavam acostumados a enfrentar, mas tão somente a pla-
netária, o que potencia grandemente as dificuldades e multiplica a gravi-
dade das contradições em que os juristas têm inevitavelmente que realizar
o seu trabalho» . 1

De referir ainda que a protecção jurídica subjectiva, garantida pela


Constituição e pelas normas jurídicas, em matéria ambiental, tanto se
refere a indivíduos como a associações representativas dos seus direitos ou
interesses . O que releva, de um modo especial, no nosso domínio, dada
2

a importância das associações de defesa do ambiente na realização do


Estado de Direito Ambiental. Tais associações actuam, assim, como ver-
dadeiros sujeitos das relações ambientais, para a defesa das respectivas
posições jurídicas subjectivas, de acordo com os seus fins estatutários.
É preciso salientar também que a opção pela preservação do am-
biente de acordo com um modelo predominantemente subjectivo não ape-
nas não é incompatível, como deve ser sempre acompanhada pela tutela
objectiva dos bens ecológicos. E isto, como se tem vindo a defender, não
enquanto direitos subjectivos da natureza, mas como bens jurídicos neces-
sitados de tutela no quadro das relações humanas. Num Estado de Direito,
há que assegurar tanto a protecção subjectiva como a tutela objectiva de
bens jurídicos, sendo certo que a opção por um modelo predominan-
temente subjectivo de realização dos valores ambientais não pode, de
maneira nenhuma, significar o menosprezo da sua dimensão objectiva.
Vista a esta luz, a "velha" querela entre antropocentrismo e eco-
centrismo assume uma outra configuração. O antropocentrismo ecoló-
3

1TOMÁS-RAMÓN FERNÁNDEZ, «Grandeza y Miséria dei Derecho Ambiental», in


SOSA WAGNER (coord.), «El Derecho Administrativo en el Umbral dei Siglo X X I
Homenaje al Profesor Dr. D. Ramon Martin Mateo», tomo III, Tirant lo Blanch, Valencia,
2000, página 3424.
2 Vide o artigo 12°, n°2, da Constituição Portuguesa, segundo o qual «as pessoas
colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza».
3 Defendendo o ecocentrismo, entre nós, FREITAS DO AMARAL critica a «concepção
antropocêntrica do mundo e da vida, uma concepção em que o Homem é o centro de tudo,
30 Lições de Direito do Ambiente

gico , que defendo, rejeita uma qualquer visão meramente instrumenta-


1

lizadora, economicista ou utilitária da Natureza, ao considerar não apenas


que o ambiente deve ser tutelado pelo Direito, como também que tal
preservação é uma condição da realização da dignidade da pessoa
humana . 2

Mas o antropocentrismo ecológico, que defendo, rejeita igualmente


os excessos "fundamentalistas", pois, se é certo que, em nossos dias, a
«Natureza tem de ser protegida também em função dela mesma, como um
valor em si» (FREITAS DO AMARAL) , isso não deve significar, nem a
3

"personalização jurídica" das realidades naturais, nem a pseudo-atribuição


de "direitos subjectivos" à Natureza - os quais seriam uma contradição
nos termos, pois se trataria de uma espécie de "direitos subjectivos sem
sujeito" que, tal como as "pombinhas da Cafrina", da conhecida canção
infantil, andariam "de mão em mão" -, nem muito menos a "funcionaliza-
ção" dos direitos dos indivíduos em razão de uma qualquer interpretação
"iluminada" da preservação do ambiente.
Se é verdade que o Homem se integra na Natureza e que a protecção
desta obriga à tomada de medidas destinadas à salvaguarda futura do equi-
líbrio ambiental, à escala do próprio universo, não é menos verdade que o

e em que tudo gira em torno dos interesses, das preocupações, das aspirações e das neces-
sidades do Homem» (FREITAS DO AMARAL, «Apresentação», in «Direito do A » cit
p. 17). Na mesma linha, CARLA GOMES entende que «só um passo firme na direcção de
um ecocentrismo moderado - sem pôr em causa, naturalmente, o valor do Homem em face
da Natureza - ajudaria a dignificar o Direito do Ambiente e a banir, de uma vez por todas,
a visão utilitarista», ainda que admita que «a visão ecocêntrica, levada ao extremo, é tão
inoperativa como a perspectiva antropocêntrica - porque é, além de irrealista, tecnica-
mente impossível (os recursos naturais, não tendo personalidade jurídica, não são sujeitos
de direito)» (CARLA GOMES, «O Ambiente como Objecto e os Objectos do Direito do
Ambiente», in «Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n° 11/12, Junho / Dezem-
bro, 1999, página 65).
1Semelhante é a posição dos que autores que defendem um "antropocentrismo
alargado" ("extended stewardship ideology"), ainda que tal expressão me pareça menos
feliz. Vide por todos JOSÉ CUNHAL SENDIM, «Responsabilidade Civil por Danos Ecológi-
cos - Da Reparação do Dano Através de restauração Natural», Coimbra Editora, Coimbra,
1998, páginas 85 e seguintes.
2 Defendendo também a superação da clássica dicotomia antropocentrismo-eco-
centrismo, ainda que sem partir de uma concepção tão caramente subjectivista como a que
defendo, vide também KRISTIAN KUEHL, «Anthropozentrische oder nichtanthropo-
zentrische Rechtsgueter im Umweltstrafrecht?», in NIDA-RUEMELIN / PFORDTEN (coord.),
«Oekologische Ethik und Rechtstheorie», Nomos, Baden-Baden, 1995, páginas 245 e
seguintes.
3 FREITAS DO AMARAL, «Apresentação», in «Direito do A.», cit., pp. 16 e 17.
Ambiente e Direito. Verdes são também os Direitos do Homem 31

Direito é um fenómeno da cultura, que regula relações entre seres livres e


responsáveis que, por isso mesmo, devem ter consciência dos seus deveres
de preservação do meio-ambiente e das suas obrigações perante as
gerações vindouras, que passam pela conservação do "património bioló-
gico" assim como do "cultural". Nestes termos, há que actualizar, em
razão desta dimensão ecológica intergeracional, a conhecida afirmação do
filósofo, segundo a qual ser Homem implica - por isso mesmo - que "nada
do que se passa no universo me pode ser alheio" . 1

Partir dos direitos das pessoas, mas considerar também a dimensão


objectiva da tutela ambiental, já que o futuro do Homem não pode deixar
de estar indissociavelmente ligado ao futuro da Terra, significa assim adop-
tar uma concepção antropocêntrica ecológica do Direito do Ambiente, mas
permite igualmente superar os termos tradicionais da contraposição entre
antropocentrismo e ecocentrismo, em nome de uma realização integrada
(e integral) dos valores ambientais no domínio jurídico.
De resto, uma tal posição parece ser não apenas aquela que é teo-
ricamente mais adequada, como também a que melhor corresponde à
lógica da Constituição portuguesa, que se ocupa da questão da protecção
do meio-ambiente na dupla perspectiva de tarefa estadual e de direito 2

fundamental . 3

Para a Constituição, «defender a natureza e o ambiente», assim como


promover a efectivação dos «direitos ambientais» constitui uma «tarefa
fundamental do Estado» (alíneas d) e e) do artigo 9 ). Em causa está a con-
o

sagração de um princípio jurídico objectivo, que se impõe a todo o orde-


namento, estabelecendo finalidades de tutela ecológica a atingir. Trata-se
de uma norma programática, que fixa um programa de actuação jurídico-
-estadual, o qual deve ser concretizado através da actuação dos diferentes

1 Criticando os pressupostos filosófico-jurídicos da admissibilidade de direitos


subjectivos da natureza, vide também DIETER BIRNBACHER, «Juridische Rechte fuer
Naturwesen - Eine Philosophische Kritik», in NIDA-RUEMELIN / PFORDTEN (coord.),
«Oekologische E. und R.», cit., pp. 63 e ss..
2 Segundo o artigo 9.°, alineas d) e e), da Constituição portuguesa, «são tarefas
fundamentais do Estado»:
«d) Promover o bem - estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre
os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais
e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e
sociais»;
«e) Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a
natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordena-
mento do território».
32 Lições de Direito do Ambiente

poderes do Estado (legislativo, executivo e judicial). E não deixa de ser


curiosa a referência à promoção dos direitos ambientais como tarefa esta-
dual, introduzida pela revisão constitucional de 1997 (alínea e), do artigo
9 ), que vem "fazer a ponte" entre a tutela objectiva e a protecção subjec-
o

tiva do ambiente, ao mesmo tempo que parece mostrar a preferência do


legislador constituinte por um modelo predominantemente subjectivista.
Mas a Constituição consagra também, expressamente, o direito ao
ambiente como direito fundamental (artigo 66 ) , o que representa uma
o 1

clara opção pela defesa do ambiente através da protecção jurídica indivi-


dual. Pois os direitos fundamentais constituem posições substantivas de
vantagem dos indivíduos dirigidas, em primeira linha, contra o Estado e o
poder público e que valem também, em segunda linha, perante entidades
privadas . 2

Os direitos fundamentais possuem uma «dupla natureza», já que,


«por um lado, eles são direitos subjectivos (...), por outro lado, eles cons-
tituem "elementos fundamentais da ordem objectiva da comunidade"»
(HESSE) . Desta forma, há que considerar a sua dimensão subjectiva, ou
3

de defesa individual, que «fornece o conteúdo essencial dos preceitos, que


não pode ser sacrificado a outros valores comunitários», e a sua dimensão
objectiva ou institucional, que «reforça (...) a imperatividade dos "direi-
tos" individuais e alarga a sua influência no ordenamento jurídico e na
vida da sociedade» (VIEIRA DE ANDRADE ) . Mas há que ter em conta
4 5

De acordo com o artigo 66.°, n° 1, da Constituição portuguesa (Ambiente e qua-


1

lidade de vida), «todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente
equilibrado e o dever de o defender».
2 Os direitos fundamentais, que nasceram como direitos de defesa contra o Estado
valem, hoje, também nas relações privadas (vide o artigo 18.°, n° 1, da Constituição).
Ainda que se considere que a vinculação das entidades privadas pelos direitos fundamen-
tais não é tão intensa como relativamente a entidades públicas e se possa distinguir entre
«uma vinculação a título principal, que cabe às entidades privadas dotadas de poder, pela
qual estas se encontram obrigadas a um dever activo de cooperação com os particulares
que, em face delas, podem invocar direitos fundamentais; e uma vinculação a título
secundário, que cabe a todo e qualquer indivíduo de respeitar um direito fundamental
reconhecido a outrém em face do poder e cujo reflexo, nas relações interprivadas é (...)
[um] dever geral de respeito» (VASCO PEREIRA DA SILVA, «A Vinculação das Entidades
Privadas pelos Direitos, Liberdades e Garantias», in «Revista de Direito e Estudos So-
ciais», n° 2, 1987, página 272).
3 KONRAD HESSE, «Grundzuege des Verfassungsrechts der Bundesrepublik
Deutschland», 20 edição, C. F. Mueller, Heidelberg, 1995, p. 127.
a

4 VIEIRA DE ANDRADE, «Os Direitos F. na C. P. de 1976», cit., pp. 159, 160 e 161.
5 Conforme escreve HESSE, na sua «vertente negativa», os direitos fundamentais sio
«"direitos de defesa" "Abwehrrechte") contra os poderes estaduais», pois «permitem
Ambiente e Direito. Verdes são também os Direitos do Homem 33

também que, «dada a função inequívoca de protecção do indivíduo perante


agressões provindas de poderes públicos (assim como de privados) reali-
zada pelos direitos fundamentais, a referida natureza de direitos subjec-
tivos prevalece relativamente à sua vertente objectiva » . 1 2 3

A importância da consagração constitucional do direito ao ambiente


reside, pois, no facto de que «é esse direito subjectivo ao ambiente,
enquanto "direito de defesa" contra agressões ilegais na esfera individual
protegida pela constituição, que constitui o fundamento da existência de
relações jurídico-públicas de ambiente» . Tal como é «também esse
4

direito fundamental ao ambiente que permite a consideração do alarga-


mento da titularidade de direitos subjectivos nas relações jurídicas am-
bientais, que não podem mais ser vistas apenas como as clássicas ligações
bilaterais (autoridade administrativa/ particular), antes constituem ver-
dadeiras relações jurídicas multilaterais», que podem envolver distintos
sujeitos em cada um dos "lados" dessa ligação . 5

De facto, no domínio ambiental, deparamo-nos com múltiplos exem-


plos de actos administrativos «com eficácia em relação a terceiros ("mit
Drittwirkung")», através dos quais «não é criada apenas uma relação uni-
dimensional entre os destinatários do acto e o Estado, mas sim uma relação
triangular, que tem de um lado o Estado, e que, do lado dos cidadãos,
abrange dois afectados ("Betroffene") - um que é beneficiado pelo Estado
e outro que é prejudicado de forma correspondente a esse benefício»

aos indivíduos defender o seu "status" constitucional contra violações ilegais dos pode-
res públicos sob formas jurídicas»; enquanto que, na sua vertente positiva, eles vin-
culam a actuação dos poderes públicos, que devem procurar a sua «concretização»
("Aktualisierung") (KONRAD HESSE, «Grundzuege des V . der B. D . » , cit., pp. 130 e 131).
1 VASCO PEREIRA DA SILVA, «Em Busca do A. A. P.», cit., p. 178.
2 No sentido da consideração dos direitos fundamentais como direitos subjectivos,
vide também GOMES CANOTILHO, «Direito C. e T. da C . » , cit., pp. 1121 e ss.. Diferente é
a posição de JORGE MIRANDA, que adopta uma concepção restritiva de direito subjectivo
público (vide JORGE MIRANDA, «Manual de D. C. - D. F.», tomo I V , cit., pp. 5 3 e ss..
3 Sobre as dificuldades de aplicação do direito fundamental ao ambiente, no di-
reito anglo-saxónico, vide SLONALDH DOUGLAS-SCOTT, «Environmental Rights: Taking the
Environment Seriously», in CONNOR GEARTY / ADAM TOMKINS «Understanding Human
Rights», Pinter, London and New York, 1996 (l. reimp. 1999), páginas 423 e seguintes.
a

4 VASCO PEREIRA DA SILVA, «Responsabilidade Administrativa em Matéria de


Ambiente», Principia, Lisboa, 1997, página 10.
5 Sobre as relações jurídicas multilaterais vide VASCO PEREIRA DA SILVA, «Em
Busca do A. A. P.», cit., pp. 2 7 3 e ss.; GOMES CANOTILHO, «Relações Jurídicas Poligonais,
Ponderação Ecológica de Bens e Controlo Judicial Preventivo», in «Revista Jurídica do
Urbanismo e do Ambiente», n° 1, páginas 55 e seguintes.
34 Lições de Direito do Ambiente

(OSSENBUEHL ) . Daí resultando que, conforme escrevi anteriormente,


1 2

«no Direito do Ambiente, o particular é (...) titular de direitos subjectivos


públicos, que integram uma relação jurídica administrativa multilateral, a
qual não tem apenas como sujeitos a Administração e o poluidor (poten-
cial ou efectivo) mas também a vítima da poluição. E é para a protecção
desses direitos que lhe são atribuídos direitos de intervenção no procedi-
mento administrativo (vide o art. 53°, n° 2, alínea a), do Código do Pro-
cedimento Administrativo), assim como tutela judicial efectiva (seja pela
via do recurso de anulação, seja pela via das acções de defesa de direitos
ou de indemnização» . 3

Mas o recurso aos direitos fundamentais fornece-nos ainda a "chave"


para compreender tanto as relações públicas como as relações privadas no
domínio ambiental, permitindo «reconduzir os problemas jurídicos do
ambiente, em geral, a uma unidade de referência normativa e de cons-
trução dogmática, possibilitando o seu tratamento em termos de "sis-
tema"» . E isto porque o direito ao ambiente, enquanto direito de defesa
4

contra agressões ilegais, goza do regime dos direitos, liberdades e garan-


tias, vinculando entidades públicas e privadas (vide os artigos 17° e 18° da
Constituição) . 5

A vinculação das entidades privadas pelo direito ao ambiente per-


mite a recondução à Constituição do «universo das relações jurídicas inter-
privadas de ambiente, subsumindo no conteúdo desse direito fundamental
todas aquelas normas que estabelecem direitos e deveres dos privados
relevantes em matéria de ambiente, como é o caso, por exemplo, da rfegu-

1FRITZ OSSENBUEHL, «Eigentumsgarantie und Klagebefugnis», in «Eigentums-


garantie und Umweltschutz - Symposion zu Ehren von Juergen Salzwedel aus Anlass
seines 60. Geburtstages», Decker & Mueller, Heidelberg, 1990, página 36.
2 O autor dá como exemplo o acto administrativo de autorização de instalação de
uma indústria poluente, que constitui simultaneamente «uma vantagem para o empresário,
constituindo um prejuízo para o vizinho atingido pelas emissões». Daqui decorrendo
que o exercício judicial de direitos por parte dos particulares lesados não se dirige apenas
ao «empresário, mas ao Estado que autorizou o particular a emitir. O proprietário afec-
tado não se dirige contra o titular da licença mas contra a licença administrativa» (FRITZ
OSSENBUEHL, « Eigentumsgarantie und K. », in «Eigentumsgarantie und U. - S. zu E. von
J. S. aus A. seines 60. G. », cit., p. 36 e 37).
3 VASCO PEREIRA DA SILVA, «Em Busca do A. A. P.», cit., p. 2 9 1 .
4 VASCO PEREIRA DA SILVA, «Responsabilidade A. em M. de A.», cit., p. 13.
5 Sobre esta questão, vide VASCO PEREIRA DA SILVA, «A Vinculação das E. P. pelos
D., L. e G.», in «Revista de D. e E. S.», cit., pp. 259 e ss..
Ambiente e Direito. Verdes são também os Direitos do Homem 35

lação das relações de vizinhança (artigos 1346° e segs. do Código Civil)


ou da responsabildade civil (artigos 483° e segs. do Código Civil)» . 1

Do que fica dito se pode concluir que «o recurso ao direito funda-


mental ao ambiente e a utilização da técnica da relação jurídica (bilateral
e multilateral) permite-nos enquadrar todo o universo das ligações jurídi-
cas neste domínio, as quais tanto podem ser estabelecidas apenas entre
sujeitos privados, apenas entre sujeitos públicos, entre um sujeito público
e um sujeito privado, ou ainda entre múltiplos sujeitos privados e pú-
blicos» . 2

Assim, e retomando o título de um meu anterior trabalho para termi-


nar a abordagem desta questão, pode-se afirmar que verdes são também os
direitos do Homem , pois eles constituem o fundamento de uma protecção
3

adequada e completa do ambiente, respondendo aos "novos desafios"


colocados pelas modernas sociedades, sempre em busca da realização da
dignidade da pessoa humana.

SUGESTÕES DE LEITURA
FREITAS DO AMARAL, «Apresentação», in «Direito do Am-
biente», Instituto Nacional de Administração, Lisboa, 1994, páginas
13 e seguintes.
GOMES CANOTILHO, «Juridicização da Ecologia ou Ecologiza-
ção do Direito», in «Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente»,
n° 4, Dezembro 1995, páginas 69 e seguintes.
FRANÇOIS OST, «A Natureza à Margem da Lei - A Ecologia à
Prova do Direito» (trad.), Instituto Piaget, Lisboa, 1997.
MICHAEL RADFORD, «Can Rights Extend to Animais?», in
CONNOR GEARTY / ADAM TOMKINS «Understanding Human Rights»,
Pinter, London and New York, 1996 (I reimp. 1999), páginas 403 e
a

seguintes.
1 VASCO PEREIRA DA SILVA, «Da Protecção Jurídica Ambiental: Os Denominados
Embargos Administrativos em Matéria de Ambiente», A.A.F.D.L., Lisboa, 1996, p. 8;
também publicado sob o título «Os Denominados Embargos Administrativos em Matéria
de Ambiente», in «Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente», n° 5/6, Jun./Dez. 1996,
página 204.
2 VASCO PEREIRA DA SILVA, «Da Protecção J. A.: Os D. E. A. em M. de A.», cit.,
p. 9; também publicado sob o título «Os Denominados E. A. em M. de A.», cit., p. 205.
3 O tratamento da matéria do presente capítulo, até este ponto, tem seguido de
perto, com os necessários desenvolvimentos e adaptações, o texto antes publicado sob o
título «Verdes são Também os Direitos do Homem; Responsabilidade Administrativa em
Matéria de Ambiente», Principia, Cascais, 2000.
36 Lições de Direito do Ambiente

JOSÉ CUNHAL SENDIM, «Responsabilidade Civil por Danos


Ecológicos - Da Reparação do Dano Através de Restauração Natu-
ral», Coimbra Editora, Coimbra, 1998 (páginas 85 e seguintes).
VASCO PEREIRA DA SILVA,«Verdes são Também os Direitos
do Homem; Responsabilidade Administrativa em Matéria de Am-
biente», Principia, Cascais, 2000.
TERESA TONCHIA (coord.), «Diritti deli' Uomo e Ambiente -
La Partecipazione dei Cittadini alie Decisioni sulla Tutela deli' Am-
biente», CEDAM, Padova, 1990.

3 - As fontes do Direito do Ambiente. A multiplicidade de fontes e o


problema da codificação
Malgrado a sua juventude - ou, talvez, por causa dela -, o Direito do
Ambiente apresenta-se sob as mais diferentes formas, podendo mesmo ser
caracterizado em razão dessa multiplicidade de fontes jurídicas. Asim, no
que respeita:
1 - ao domínio internacional, para além de merecer ser discutida a
ideia de saber se as reiteradas - ainda que recentes - preocupações em
matéria ambiental não levaram já à formação de um (ou de vários) princí-
pio^) consuetudinário(s) de preservação da Natureza (de Direito Interna-
cional Geral ou Comum), são numerosos (e de distinto valor normativo)
os textos relativos ao ambiente, quer o seu âmbito seja:
a) multilateral - como os que são emitidos no quadro de organiza-
ções internacionais (como a O.C.D.E., a O.N.U., ou a O.U.A.), de que
constituem exemplo, entre tantos outros, a pioneira Convenção Africana
para a Protecção da Natureza e dos Recursos Naturais, de 1968; a histórica
Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente
Humano, de Estocolmo, de 1972; a Convenção Internacional das Nações
Unidas para o Direito do Mar, de 10 de Dezembro de 1982; as Con-
venções-quadro da Conferência do Rio de Janeiro, de 1992 (em matéria de
mudanças climáticas, da bio-diversidade) . 1

1 Para mais desenvolvimentos vide PAULO CANELAS DE CASTRO, «Mutações e


Constâncias do Direito Internacional do Ambiente», in «Revista Jurídica do Urbanismo
e do Ambiente», n° 2, Dezembro 1994, páginas 145 e seguintes; ALEXANDRE KISS,
«Direito Internacional do Ambiente», in «Direito do Ambiente», Instituto Nacional de
Administração, Lisboa, 1994, páginas 148 e seguintes.
Ambiente e Direito. Verdes são também os Direitos do Homem 37

b) ou bilateral - como os que regulam as relações de vizinhança em


matéria ambiental, racionalizando o aproveitamento de recursos comuns
ou prevenindo a poluição transfronteiriça, de que são exemplo os trata-
dos celebrados entre Portugal e Espanha relativos à gestão dos recursos
hídricos . 1

De referir que, no quadro da ordem jurídica portuguesa, o artigo 8 , o

n° 1, da Constituição, determina a recepção imediata das normas e princí-


pios de Direito Internacional geral ou comum, as quais «fazem parte inte-
grante do direito português»; enquanto que, segundo o artigo 8 , n° 2, da o

Constituição, relativamente às normas constantes de convenções interna-


cionais vigora o princípio da recepção após ratificação ou aprovação e
publicação oficial. Nos termos da concepção monista com primado do
Direito Internacional, tal como consagrada na Constituição, as normas
internacionais ocupam a posição de topo na hierarquia das fontes de
direito, ainda que haja que distinguir entre as normas e os princípios de
direito internacional geral ou comum, que prevalecem sobre qualquer
outra fonte, e as normas constantes de tratados e convenções inter-
nacionais, às quais a lei fundamental parece ter atribuído valor supra-
-legislativo .mas infra-constitucional, ao submetê-las à fiscalização da
constitucionalidade (artigos 277° e seguintes) ; 2

2 - ao ordenamento comunitário, a matéria do ambiente encontrava-


-se ausente dos tratados constitutivos das comunidades europeias (vide o
Tratado de Roma, de 1957), pois ao tempo ela não tinha adquirido ainda
"foros de cidade", mas isso iria ser remediado, a partir do Acto Único de
1987, tendo passado a ser objecto de tratamento autonomizado ao nível
dos "textos fundadores" . 3

1 Vide a Resolução da Assembleia da República n° 66/99, de 17 de Agosto, que


aprova para ratificação a Convenção sobre Cooperação para a Protecção e o Aproveita-
mento Sustentável das Águas das Bacias Hidrográficas Luso-Espanholas.
2 Conforme escreve JORGE MIRANDA, «as normas de direito internacional têm valor
superior ao das leis (...): desde que vinculem e enquanto vincularem internacionalmente
Portugal, não poderão ser suspensas, modificadas ou infringidas por nenhuma norma de
direito interno português» (JORGE MIRANDA, «A Constituição de 1976», Petrony, Lisboa,
1978, página 301).
3 Actualmente, a matéria encontra-se regulada no Título XIX: «Ambiente», artigos
174.° a 176.°. O artigo 174.°, n° 1, estabelece designadamente que «a política da Comu-
nidade no domínio do ambiente contribuirá para a prossecução dos seguintes objectivos»:
«a preservação, a protecção e a melhoria da qualidade do ambiente»; «a protecção da
38 Lições de Direito do Ambiente

Contudo, desde pelo menos os anos setenta que as preocupações de


1

natureza ambiental se manifestam no quadro da Comunidade Europeia,


quer ao nível das políticas comuns (agrícola, de pescas), quer ao nível de
específicas manifestações normativas, assumindo a forma de regulamentos
(que são imediatamente aplicáveis - v.g. o Regulamento do Parlamento
Europeu e do Conselho n° 1980/2000/CE, de 17 de Julho de 2000, que
estabelece um sistema comunitário de atribuição de rótulo ecológico), de
directivas (que impõem um fim a atingir mas deixam ao países membros a
escolha dos meios para o realizar - v.g. a Directiva n° 85/337/CEE, do Con-
selho, de 27 de Junho de 1985, alterada pela Directiva n° 97/1 l/CE, do Con-
selho, de 3 de Março de 1997, que estabelece o regime europeu de avaliação
de impacte ambiental), de decisões (que são obrigatórias para os respectivos
destinatários - v.g. a Decisão do Conselho 97/872, de 1997, que estabelece
um programa de apoio às organizações não-governamentais de protecção do
meio-ambiente), de recomendações e de resoluções (que, apesar de não vin-
culativas, não deixam de ser importantes enquanto instrumentos de afir-
mação de princípios e de valores ambientais - v.g. a Recomendação 79/3,
de 19 de Dezembro de 1978, que propõe um sistema uniforme de avaliação
dos custos da protecção ambiental na actividade industrial) . 2

Daí o surgimento, em nossos dias, de um verdadeiro Direito Europeu


do Ambiente, cuja importância não decorre apenas do facto das respec-
tivas normas gozarem de aplicabilidade directa e de primazia sobre as
fontes internas , nem também da existência de mecanismos jurisdicionais
3

destinados à sua efectivação (mesmo contra a vontade dos Estados), como


sobretudo do seu papel dinamizador de uma "consciência jurídica" am-
biental a nível europeu,
saúde das pessoas»; «a utilização prudente e racional dos recursos naturais»; «a promoção,
no plano internacional, de medidas destinadas a enfrentar os problemas regionais ou
mundiais do ambiente».
1 O primeiro Programa de Acção quinquenal em matéria de ambiente data de 1972.
Vide Júuo PINA MARTINS, «A Aplicabilidade das Normas Comunitárias no Direito
Interno», in «Direito do Ambiente», Instituto Nacional de Administração, Lisboa, 1994,
páginas 185 e seguintes.
2 Para um quadro global e sintético das diferentes fontes de direito comunitário,
vide KOEN LENAERTS / PIET VAN NUFFEL, «Constitutional Law of the European Union»,
Sweet & Maxwell, London, 1999, páginas XXII a CXXXVII.
3 Entre nós, para além das disposições constitucionais referidas, relativas ao valor
do Direito Internacional no ordenamento português e que valem também no que respeita
ao Direito Comunitário, a lei fundamental estabelece ainda que as normas emanadas dos
orgãos da União Europeia «vigoram directamente na ordem interna», nos termos dos
«respectivos tratados constitutivos» (artigo 8.°, n° 3, da Constituição).
Ambiente e Direito. Verdes são também os Direitos do Homem 39

3 - à lei fundamental, as questões ambientais são (directa ou indi-


rectamente) tratadas em numerosas disposições, as quais podem ser recon-
duzidas a dois vectores fundamentais: o das tarefas fundamentais do Esta-
do (vide o artigo 9 , alíneas d e f) e o dos direitos fundamentais (vide o
o

artigo 66°), dando assim origem a uma verdadeira Constituição do Am-


biente;
4 - à legislação ordinária, no nosso ordenamento jurídico, é de con-
siderar a existência de múltiplas fontes ambientais, nas diferentes modali-
dades de lçi de bases (v. a Lei de Bases do Ambiente, Lei 11/87, de 7 de
Abril), de leis (v.g. a Lei das Organizações Não Governamentais de Am-
biente, Lei n° 35/98, de 18 de Julho), de decretos-leis (v.g. o Decreto-Lei
n° 194/2000, que estabelece o regime da licença ambiental), de decretos-
-legislativos regionais (v.g. o Dec.-Leg. Reg. n° 15/2000/A, de 21 de
Junho, que cria a reserva florestal de recreio do Pinhal da Paz ou da Mata
das Criações, na ilha de São Miguel);
5 - aos planos (v.g. o Plano Director Municipal) e outros regula-
mentos administrativos (v.g. o Decreto-Regulamentar de n° 9/2000, de
22 de Agosto, que cria o Parque Natural do Tejo Internacional), trata-se
de uma actividade de produção normativa a cargo da Administração de
que resultam múltiplas disposições reguladoras de problemas am-
bientais;
6 - a outras formas de actuação administrativa, como sejam os
actos e os contratos administrativos, também aqui nos deparamos com
modos de produção e de manifestação de direito ambiental. O que
decorre, por um lado, da ideia de que a Administração, na sua tarefa de
satisfação das necessidades colectivas, ao interpretar e aplicar normas
jurídicas, também desempenha uma função de "criação de direito do
caso concreto", por outro lado, do facto de serem cada vez mais fre-
quentes, no âmbito da Administração infra-estrutural dos nossos dias, as
actuações juridicamente relevantes em matéria ambiental (v.g. o acto
administrativo de licenciamento de uma urbanização, que fica condi-
cionado à realização e manutenção de espaços verdes pelo particular; ou
o contrato de concessão de exploração da ponte Vasco da Gama, que
estabelece obrigações contratuais em matéria de ambiente, a cargo do
contraente privado, como sejam a utilização de técnicas e materiais
de construção não poluentes, a escolha de candeeiros de iluminação
pública que apenas incidam sobre o tabuleiro da ponte, de modo a não
40 Lições de Direito do Ambiente

encandear os peixes, ou o encargo de recuperação das salinas do


Samouco).
Perante uma tal diversidade de fontes, a que se veio juntar a "tendên-
cia infantil" dos fenómenos emergentes para a proliferação e a dispersão
de textos normativos, era inevitável o surgimento de dificuldades de har-
monização e de sistematização do Direito do Ambiente, tantas vezes
geradoras de "poluição jurídica". Daí a necessidade, por muitos sentida , 1

de fazer apelo ao legislador no sentido da codificação jurídica no domínio


ambiental, introduzindo a discussão, que se repete ciclicamente em todos
os domínios jurídicos novos, de saber "se se justifica ou não a existência
de um Código do Ambiente" . 2

Dada a natureza pluridisciplinar do Direito do Ambiente e a grande


amplitude dos domínios por ele abarcados, não apenas parece impos-
sível como mesmo indesejável a codificação de todas as suas normas.
Julgo também que os pressupostos clássicos da discussão se encontram
algo modificados, uma vez que as próprias ideias de completude e de
1 O problema da codificação em matéria ambiental tem sido muito discutido na
Alemanha, sobretudo na sequência da nomeação de uma comissão de especialistas que
apresentou, em 1997, após cinco anos de trabalho, um projecto de «Código do Ambiente»
("Umweltgesetzbuch"). Sobre a questão vide, entre outros, CHRISTIAN BICKENBACH, «Auf
dem Weg zum "Umweltgesetzbuch I"», in «Die Oeffentliche Verwaltung», Novembro
1998, páginas 9 2 1 e seguintes; GERTRUDE LUEBBE-WOLFF, «Modernisierung des Umwelt-
ordnungsrechts, Vollziehbarkeit - Deregulierung Effizienz», Ecoilomica Verlag, Bonn,
1996; FRANZ-JOSEPH PEINE, «Kodifikation des Landesumweltrechts - Zur "Moeglichkeit"
und zum "Aussehen" eines Landesumweltgesetzes», Duncker & Humblot, Berlin, 1996;
HEINZ-JOACHIM PETERS, «Die Vorhabengenehmigung nach dem kuenftigen Umweltgesetz-
buch» in «Zeitschrift fuer Umweltrecht», n° 6 Novembro 1998, páginas 295 e seguin-
tes; ALEXANDER SCHINK, «Kodifikation des Umweltrechts - Zum Entwurf der
Sachverstaendigenkommission Umweltgesetzbuch (UGB-KomE»), in «Die Oeffentliche
Verwaltung», Janeiro 1999, páginas 1 e seguintes; ALEXANDER SCHMIDT, «Die Vorbereitung
des Umweltgesetsbuchs - zum Stand der Dinge bei der Kodifikation des Umweltrechts»,
in «Zeitschrift fuer Umweltrecht», n° 6 Novembro de 1998, páginas 277 e seguintes.
2 Para usar a conhecida expressão de FRITZ WERNER, a propósito da codificação do
procedimento administrativo, a qual, de resto, foi retomada pela doutrina germânica relati-
vamente à questão ambiental. Vide FRITZ WERNER, «Empfehlt es sich, den allgemeinen
Teil des Verwaltungsrechts zu kodifizieren?» (Relatório apresentado na 43. edição da
a

"Deutschen Juristentag"), In BETTERMANN / ULE (edits.), «Fritz Werner - Recht und


Gericht in unserer Zeit - Reden, Vortraege, Aufsaetze - 1948 / 1969», Carl Heymanns
Verlag, Koeln / Berlin / Bonn / Muenchen, 1971, página 2 2 7 e seguintes; RUEDIGER BREUER.
«Empfiehlt es sich ein Umweltgesetzbuch zu schaffen, ggf. mit welchem Regelungsberei-
chen?» (relatório apresentado à 59 edição da Conferência dos Juristas Alemães -
A

"Deutschen Juristentag" de 1992 em Hannover), volume I (Relatórios), Muenchen, 1992.


Ambiente e Direito. Verdes são também os Direitos do Homem 41

imutabilidade que, no passado, andaram associadas à codificação não


se parecem coadunar mais com as exigências da vida moderna, sobre-
tudo quando, como é o caso, se trata de regular realidades jurídicas novas
ou em permanente evolução. Se a existência de um código continua a
ser um importante factor de estabilidade e de clarificação jurídicas, tal
não deve, porém, ser confundido com imutabilidade nem com estagna-
ção. O "enciclopedismo iluminado" dos códigos positivistas cede, pois, o
seu lugar, em nossos dias, às codificações "abertas" (para usar, com as
necessárias adaptações, o paradigma da "constituição aberta para uma
sociedade aberta"), assumidamente incompletas e sujeitas a revisões
periódicas.
No que respeita ao domínio ambiental são possíveis duas perspec-
tivas de codificação:
a) da parte geral, que engloba «as questões que interessem de modo
idêntico a todos os domínios do Direito do Ambiente» (HOPPE /
/ BECKMANN/KAUCH) , como sejam, designadamente, os princípios gerais
1

(v.g. da prevenção, do poluídor-pagador), os direitos e deveres principais


em matéria de ambiente (v.g. o direito dos utentes à qualidade da água e
os deveres de fiscalização dessa mesma qualidade por parte dos poderes
públicos), a organização administrativa do ambiente (v.g. a estrutura de
órgãos e serviços do Ministério do Ambiente, ou de entidades dele depen-
dentes), as regras comuns de procedimento (v.g. a legitimidade, o direito
de audiência) e os principais procedimentos decisórios especiais em
matéria de ambiente (v.g. o procedimento administrativo de avaliação
de impacto ambiental), as formas de actuação dos poderes públicos em
matéria de ambiente (v.g. os actos de licenciamento ambiental, os con-
tratos de promoção ambiental), o contencioso do ambiente (v.g. os
denominados embargos administrativos do ambiente);
b) ou de partes especiais, reunindo «aquelas normas que protegem
qualquer um dos componentes ambientais ("Umweltmedien"), em parti-
cular, ou cada um deles de específicos perigos ou ameaças» {HOPPE/
/BECKMANN/KAUCH) , estabelecendo designadamente os regimes jurídi-
2

cos do ar, da luz, da água, do solo vivo e do subsolo, da flora, da fauna


(vide o artigo 6 da Lei de Bases do Ambiente).
o

1 HOPPE / BECKMANN / KAUCH, «Umweltrecht», 2 edição, Beck, Muenchen,


A 2000,
página 67.
2 HOPPE / BECKMANN /KAUCH, «Umweltrecht», cit., p. 67.
42 Lições de Direito do Ambiente

A colocação desta questão, provoca a imediata "abertura das hostili-


dades" entre defensores e opositores da codificação ambiental, seja geral
ou especial, fazendo ressurgir aqui a "velha querela", que tem sido susci-
tada em todos os domínios jurídicos novos, sobre as respectivas vantagens
e inconvenientes.
Do lado dos defensores da codificação, os principais argumentos têm
a ver com a certeza e a segurança do direito e suas vantagens no que
respeita tanto à tarefa de aplicação jurídica por parte das autoridades públi-
cas como à defesa dos direitos dos particulares em matéria ambiental.
Mais se apresentam como benefícios da codificação, a possibilidade de
unificação e de sistematização do domínio ambiental, permitindo a sim-
plificação e harmonização das disposições aplicáveis, assim como a elimi-
nação de repetições e contradições inúteis em diplomas desgarrados , de 1

modo a realizar o objectivo de conseguir «mais protecção do ambiente


através de menos normas» ("mehr Umweltschutz durch weniger Nor-
men")(ALEXANDER SCHMIDT) . Numa formulação de síntese, poder-se-
2 3

-ia dizer, como PEINE, que a codificação apresenta como vantagens uma
«maior utilidade do direito em consequência da redução da complexidade
mediante a adopção de concepções gerais unitárias, uma maior facilidade
de utilização e de execução, uma maior acessibilidade do direito mesmo
para leigos, um aumento da consciência ambiental dos cidadãos, um maior
reconhecimento da importância da protecção ambiental» . 4

Do outro lado da barricada, os opositores da codificação contrapõem


os argumentos da rigidez e da estagnação decorrentes da regulação de
realidades novas e em constante mutação, considerando ser preferível a
procura de soluções para os casos concretos do que a formulação de regras
e princípios gerais, e privilegiando por isso a actuação do juiz em vez da

1Neste sentido, ALEXANDER SCHINK, «Kodifikation des U. - Z. E. der S. U.


(UGB KomE)», cit., in «Die Oeffentliche V.», cit., p. 11; ALEXANDER SCHMIDT, «Die
Vorbereitung des U. - Zum S. der D. bei der K. des U.», cit., in «Zeitschrift fuer U.», cit., p. 277.
2 ALEXANDER SCHMIDT, «Die Vorbereitung des U. - Zum S. der D. bei der K. des
U.», cit., in «Zeitschrift fuer U.», cit., p. 277.
3 Esta ideia de um efeito "desregulador" inerente à codificação ambiental é igual-
mente muito desenvolvida pela doutrina, vide, entre outros, MARCELLO CLARICH, «Pre-
fazione», in FRANCESCO FONDERICO / PIERPAOLO MASCIOCCHI, «Piu Ambiente con Meno
Burocrazia - Verso la Procedura Única di Autorizzazione Ambientale», Ipaservizi Editore,
Milano 1999, páginas IX e seguintes; GERTRUDE LUEBBE-WOLFF, «Modernisierung des
U . , V. - D. - E.», cit. mx. pp. 2 5 a 5 0 e 139 e ss..
4 FRANZ-JOSEPH PEINE, «Kodifikation des L. - Zur "M." und zum "A." eines L »
cit., p. 136.
Ambiente e Direito. Verdes são também os Direitos do Homem 43

do legislador. Ao que acrescem os receios de "tentações totalitárias" do


legislador, regulando aquilo que não o merece e correndo o risco de
impedir o desenvolvimento de realidades nascentes.
A comparação dos referidos argumentos pró e contra, em minha
opinião, faz pender inequivocamente os pratos da balança no sentido da
codificação ambiental. Não apenas as vantagens superam, em muito, os
eventuais inconvenientes, como as principais críticas à ideia de codi-
ficação se dirigem, em primeira linha, a modelos de código "fechados",
à semelhança dos paradigmas do passado, pelo que julgo ser possível
ultrapassar tais objecções mediante a adopção de sistemas norma-
tivos mais abertos e flexíveis, assim como submetidos a periódicas
revisões.
Entre nós, a realização de uma codificação ambiental de modelo
"aberto" permitiria não apenas criar um complexo normativo adequado a
regular um domínio em permanente desenvolvimento e mutação, como
também superar as limitações decorrentes da relativa escassez de trata-
mento doutrinário e jurisprudencial das questões jurídicas ambientais. O
esforço de racionalização legislativa, propiciado pela elaboração de um
Código do Ambiente (assim como pela sua preparação e discussão no
quadro do respectivo procedimento prévio), teria assim o significado de
constituir simultaneamente um impulso e uma oportunidade para o desen-
volvimento' científico do Direito do Ambiente.
Daí a minha posição claramente favorável à codificação, tanto da
parte geral como das partes especiais do Direito do Ambiente (ambas
igualmente necessárias e urgentes, ainda que, de uma perspectiva prática,
talvez fosse mais fácil começar pela parte especial), de modo a permitir
elaborar e tornar acessíveis os "mapas do tesouro" que permitam a todos
os interessados orientar-se na "selva" da legislação ambiental. >

SUGESTÕES DE LEITURA
FRANCESCO FONDERICO / PIERPAOLO MASCIOCCHI, «Piu
Ambiente con Meno Burocrazia - Verso la Procedura Única di Auto-
rizzazione Ambientale», Ipaservizi Editore, Milano 1999.
GERTRUDE LUEBBE-WOLFF, «Modernisierung des Umwel-
tordnungsrechts, Vollziehbarkeit - Deregulierung - Effizienz», Eco-
nomica Verlag, Bonn, 1996.
JÚLIO PINA MARTINS, «A Aplicabilidade das Normas Comu-
nitárias no Direito Interno», in «Direito do Ambiente», Instituto
Nacional de Administração, Lisboa, 1994, páginas 185 e seguintes.
44 Lições de Direito do Ambiente

PEDRO SILVA PEREIRA, «Direito Internacional Público do


Ambiente: as Convenções Internacionais e suas Implicações para
Portugal», in «Direito do Ambiente», Instituto Nacional de Adminis-
tração, Lisboa, 1994, páginas 165 e seguintes.
FRANZ-JOSEPH PEINE, «Kodifikation des Landesumweltrechts
- Zur "Moeglichkeit" und zum "Aussehen" eines Landesumwelt-
gesetzes», Duncker & Humblot, Berlin, 1996.
ALEXANDER SCHMIDT, «Die Vorbereitung des Umweltgesets-
buchs - Zum Stand der Dinge bei der Kodifikation des Umwelt-
rechts», in «Zeitschrift fuer Umweltrecht», n° 6, Novembro de 1998,
páginas 277 e seguintes.
ALEXANDER SCHINK, «Kodifikation des Umweltrechts - Zum
Entwurf der Sachverstaendigenkommission Umweltgesetzbuch
(UGB-KomE», in «Die Oeffentliche Verwaltung», Janeiro 1999,
páginas 1 e seguintes.

4 - O problema da autonomia do Direito do Ambiente como disciplina


jurídica. As diferentes perspectivas de abordagem e a multidisci-
plinaridade do Direito do Ambiente

Consequência da referida multiplicidade de fontes é a diversidade


de perspectivas e de métodos científicos de análise jurídica ambiental.
Ao olhar para a realidade do ambiente, o jurista pode escolher utilizar
"óculos" muito diferenciados, de acordo com a realidade em apreciação ou
a perspectiva intencionada, e designadamente:
1 - De Direito Internacional Público do Ambiente, o qual, conforme
escreve A L E X A N D E R K L S S , «faz parte do Direito Internacional Público no
mesmo plano que o Direito Internacional do Mar ou os Direitos do
Homem, [e] tem apenas um quarto de século» . 1 2

Mas o próprio Direito Internacional do Ambiente se pode carac-


terizar pela ideia de diversidade, na medida em que «ele é um produto
dos Estados, mas também, crescentemente, do labor das Organizações
Internacionais; assim, ele tem desenvolvido regras "omnium" de todos,
mas também regras de alguns só; assim, ele comporta obrigações que

1 ALEXANDRE Kiss, «Direito Internacional do Ambiente», in «Direito do Am-


biente», Instituto Nacional de Administração, Lisboa, 1994, página 148.
2 Vide também ULRICH BEYERLIN, «Umweltvoelkerrecht», Beck, Muenchen, 2 0 0 0 .
Ambiente e Direito. Verdes são também os Direitos do Homem 45

valem "erga omnes", para todos, mas também obrigações que valem só
para algumas classes de Estados; assim ele compõe-se de regras subs-
tantivas, mas também de outras que têm natureza procedimental; assim,
ele faz-se cada vez mais por tratados multilaterais universais, mas, se
algumas vezes estas disciplinas são realmente uniformes, outras vezes
são-no apenas nominalmente, porque o sistema das reservas o vai parti-
cularizando» (PAULO CANELAS DE CASTRO). Mais ainda, continuando a
citar a impressiva caracterização de CANELAS DE CASTRO, trata-se «de
um direito que, para além da técnica dos tratados, recorre cada vez mais,
também, à das resoluções das Organizações Internacionais. Por isso,
para além de aparecer como um direito "hard", como obrigações bem
recortadas e seguras, ele é também, muitas vezes uma "soft law" que se
refugia nos princípios, eles próprios de conteúdo e sentido diversos, na
impossibilidade de avançar desde logo com regras impositivas, mas tam-
bém porque pretende ser um contributo para a sua adaptação a novos
desafios» .
1

O Direito Internacional do Ambiente, não obstante as suas debili-


dades estruturais, comuns aos outros sectores da ordem internacional,
decorrentes da ausência de mecanismos genéricos eficazes de coercibi-
lidade e de uma grande permeabilidade a critérios de oportunidade, deter-
minados por considerações de política internacional, possui uma grande
importância.
Desde logo, porque os problemas ecológicos possuem uma dimensão
global necessitada de resolução à escala internacional. Depois, porque foi
à escala internacional que surgiram alguns dos primeiros instrumentos
jurídicos de protecção ambiental, assim como tiveram lugar importantes
conferências e cimeiras que permitiram a discussão das grandes questões
da protecção ambiental ao nível planetário. E porque (mesmo dando o
devido desconto ao sentimento de alguma desilusão pelo facto dos resul-
tados se quedarem normalmente muito aquém das expectativas, ou pela
dificuldade em passar das palavras aos actos) a realização dos referidos,
fóruns internacionais, assim como a assinatura de convenções e
tratados multilaterais, representam pequenos mas importantes passos no
sentido da protecção do meio-ambiente à escala do planeta, não apenas
pelos seus efeitos imediatos como também em razão da sua dimensão
pedagógica, abrindo caminho para formas mais efectivas de tutela am-
1 PAULO CANELAS DE CASTRO, «Mutações e Constâncias do Direito Internacional
do Ambiente», in «Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente», n° 2, Dezembro 1994,
páginas 177 e 178.
46 Lições de Direito do Ambiente

biental, tanto à escala internacional como ao nível dos diferentes Estados.


Tal como em muitos outros domínios, vale aqui a afirmação de que "as
ideias têm consequências", pelo que mesmo as "tímidas" declarações ou
regulações à escala internacional; de hoje, podem dar origem a futuros
mecanismos de protecção mais eficazes a nível mundial, ou fornecer en-
sejo aos Estados para, no âmbito das respectivas fronteiras, realizarem
políticas ou emitirem leis mais efectivas de tutela ambiental . 1

2 - De Direito Comunitário do Ambiente, do qual se pode dizer que


se "tardou" em aparecer "também arrecadou". Conforme antes se fez
referência, ao nível dos tratados constitutivos, os valores ambientais só são
expressamente contemplados nos finais dos anos oitenta (através do Acto
Único de 1987), mas não é menos verdade que, por um lado, muito antes
disso eles constituíam já parte integrante das políticas comunitárias assim
como já existiam numerosas fontes comunitárias em matéria ambiental,
por outro lado, em nossos dias, a preocupação com a protecção do am-
biente é de tal ordem que se pode mesmo dizer que constitui uma das
mais importantes linhas-de-força e realidade caracterizadora da União
Europeia .2

De facto, não apenas o ordenamento comunitário conseguiu


ultrapassar as limitações congénitas do direito internacional, no âmbito
de uma comunidade de Estados que possui órgãos próprios e mecanismos
coercivos de aplicação das suas decisões, como também, hoje em dia,
se pode afirmar que a ideia de uma "Europa verde" constitui um ele-
mento caracterizador e uma linha-de-força da actuação da União
Europeia. Quer na sua actuação interna, estabelecendo políticas e meca-
nismos jurídicos efectivos de protecção ambiental (v.g. a avaliação do
impacto ambiental , a licença ambiental), quer no que respeita ao exte-
3

rior, através da sua actuação na comunidade internacional, enquanto

' Sobre o contributo do Direito do Ambiente para o Direito Internacional vide


também MÁRIO JOÃO FERNANDES, «Uma Nova Ordem Jurídica Internacional? Novas do
Sistema de Fontes. Contributos do Direito Internacional do Ambiente», in «Nação e
Defesa», n° 97, 2001, páginas 183 e seguintes.
2 Vide MÁRIO DE MELO ROCHA, « O Direito ao Ambiente como Direito do Homem
no Quadro Europeu», in «Júris et de Jure - Nos Vinte Anos da Faculdade de Direito da
Universidade Católica Portuguesa», Publicações da Universidade Católica Portuguesa,
Porto, 1998, páginas 603 e seguintes.
3 Vide MÁRIO DE MELO ROCHA, «A Avaliação de Impacto Ambiental como Princí-
pio do Direito do Ambiente nos Quadros Internacional e Europeu», Publicações Universi-
dade Católica, Porto, 2000.
Ambiente e Direito. Verdes são também os Direitos do Homem 47

membro activo na busca de soluções globais para as questões ecológicas,


a União Europeia tem-se destacado como um importante bastião de defe-
sa do meio-ambiente . 1

3 - De Direito Constitucional do Ambiente, uma vez que, em nossos


dias, as questões ambientais adquiriram o estatuto de lei fundamental, quer
por integrarem os valores fundamentais da comunidade e como tal consti-
tuírem um elemento componente do "Estado de Direito do Ambiente", ao
nível da constituição material, quer por se encontrarem expressamente
referidos em disposições constitucionais, compartilhando da sua forma e
força jurídica superiores, num número crescente de países, e integrando
assim também a respectiva constituição formal . 2

A Constituição portuguesa ocupa-se do ambiente, tanto ao nível das


tarefas fundamentais do Estado (vide o art. 9 , n° 1, d) e e)), como ao nível
o

dos direitos fundamentais, estabelecendo um direito ao ambiente e quali-


dade de vida (artigo 66°). A "Constituição do Ambiente", entre nós,
assume assim uma dupla dimensão - objectiva e subjectiva - e representa
um elemento caracterizador do Estado de Direito português . 3

1 Sobre o desenvolvimento do Direito Comunitário do Ambiente, vide: ENRIQUE


ALONSO. GARCÍA, «El Drecho Ambiental de la Comunidad Europea», volumes I e II,
Civitas, Madrid 1993; LUDWIG KRAEMER, «EC Environmental Law», 4 edição, Sweet & A

Maxwell, London, 2 0 0 0 ; JAN H . JANS, «European Environmental Law», 2 edição, Europa


A

Law Publishing, Groningen, 2 0 0 0 ; ANTÓNIO CARVALHO MARTINS, «A Política de Am-


biente da Comunidade Económica Europeia», Coimbra Editora, Coimbra, 1990.
2 Segundo JORGE MIRANDA, «entre os anos 40 e 50 e a primeira metade da década de
70 as referências constitucionais [ao ambiente] eram escassas e esparsas (...). Uma segunda
fase dirse-ia abrir-se com a Lei Fundamental portuguesa de 1976, ao consagrar um explí-
cito direito ao ambiente (...), ao ligá-lo a um largo conjunto de incumbências do Estado e da
sociedade e, assim, a inseri-lo, em plenitude, no âmbito da constituição material como um
dos elementos da sua ideia de direito» (JORGE MIRANDA, «Manual de Direito Constitucional
- Direitos Fundamentais», tomo IV, 3 edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2000, página
a

533). Nesta última tendência se incluiriam «entre tantas constituições, a italiana (art. 9.°); a
suíça (art. 22.° - quater, 24.° -bis, 24.° - sexies e 24.° - septies); a indiana (art. 48.° -A e
51.°, g)); a espanhola (art. 45.°); a equatoriana (art. 51.°); a chinesa (arts. 9.° e 26.°); a holan-
desa (art. 21.°); a da Guiné-Bissau (art. 15.°); a iraniana (art. 50.°); a filipina (secção 16,
art. II); a brasileira (arts. 5.° LXXIII, 129° -IV, 182.°; 183.° e 225.°); a de S. Tomé e
Príncipe (arts. 10.° d) e 48.°); a namibiana (art. 11.°); a moçambicana (arts. 36.° e 37.°); a
búlgara (arts. 15.° e 55.°); a romena (arts. 14.°, n° 2 e)) ; a cabo-verdiana (art. 70.°); a
angolana (art. 24.°); a russa (art. 58.°); a alemã (art. 20.° -A, aditado em 1994); a sul-africana
(art. 24.°)» (JORGE MIRANDA, «Manual de D. C. - D. F.», t. IV, cit., p. 533, nota 2).
3 Vide o Capítulo II, «Da Constituição Verde para as Relações Jurídicas Multila-
terais de Ambiente».
48 Lições de Direito do Ambiente

4 - De Direito Administrativo do Ambiente, que tem funcionado como


uma espécie de "laboratório" do Direito Administrativo, «obrigando à rea-
valiação e ao reequacionamento de conceitos tradicionais e à criação de
noções e estruturas novas para realidades novas. O que faz do tratamento
dogmático das questões do ambiente algo de comparável às "Américas", ao
"Novo Mundo" do Direito e, em especial, do Direito Administrativo» . 1

Esta dimensão "laboratorial" do Direito Administrativo do Ambiente


manifesta-se na sua tripla dimensão: substantiva, procedimental e con-
tenciosa. No que respeita ao aspecto substantivo, há que referir, desde
logo, a figura da relação jurídica multilateral, que tendo começado por ser
estudada ao nível do Direito do Ambiente, depressa se transformou num
conceito "central" do Direito Administrativo . Isto porque, «no Direito do
2

Ambiente, o particular é (...) titular de direitos subjectivos públicos, que


integram uma relação jurídica administrativa multilateral, a qual não tem
apenas como sujeitos a Administração e o poluidor (potencial ou efectivo)
mas também a vítima da poluição» . 3

Já no que respeita ao procedimento, não apenas existe um conjunto


de institutos gerais que podem apresentar uma específica "coloração
verde" (como é o caso das regras de legitimidade, ou da participação),
como também surgiram procedimentos específicos dos fenómenos
ambientais (como sucede com o procedimento administrativo de avalia-
ção de impacto ambiental ou de licença ambiental). Por último, no que
respeita ao contencioso administrativo, na ausência de um instituto pri-
vativo das relações ambientais, todos os meios processuais podem ser
colocados ao serviço das relações de ambiente, sendo certo que alguns
deles se revelam particularmente adequados para a tutela ambiental,
como é o caso das acções de responsabilidade ou das intimações para um
comportamento.
5 - De Direito Penal ou, mais genericamente, de Direito Sancio-
natório do Ambiente, cuja importância tem vindo a ser crescentemente
realçada.
Nesta matéria, há que colocar, em primeiro lugar, a questão de saber
se pode ou não existir um Direito Penal do Ambiente e qual o seu funda-

1 VASCO PEREIRA DA SILVA, «Responsabilidade Administrativa em Matéria de


Ambiente», Principia, Lisboa, 1997, página 9.
2 Sobre a relação jurídica como novo conceito "central" do Direito Administrativo,
vide VASCO PEREIRA DA SILVA «Em Busca do A. A. P.», cit., mx. pp. 149 e ss..
3 VASCO PEREIRA DA SILVA «Em Busca do A . A . P.», cit., mx. pp. 291.
Ambiente e Direito. Verdes são também os Direitos do Homem 49

mento. Resposta que, na nossa ordem jurídica, é dada positivamente


pelo Código Penal (no Capítulo III: «Dos Crimes de Perigo Comum»,
nos arts. 272 a 294) ao estabelecer a tipificação de alguns crimes em
matéria ambiental, podendo ser encontrado o fundamento para a cri-
minalização de tais comportamentos em matéria ambiental na própria
Constituição. Depois, existe o problema de saber qual a via mais ade-
quada para a tutela sancionatória do ambiente, se se trata do Direito Penal
ou do Direito Contra-ordenacional, assim como de saber qual o âmbito de
aplicação de cada um dos respectivos domínios. Tudo questões a que se
voltará mais tarde . 1

6 - De Direito Processual do Ambiente, uma vez que as questões


ambientais geram problemas contenciosos, que podem assumir uma
coloração "verde".
Na verdade, para além da via processual específica da tutela am-
biental, denominada «embargos administrativos» em matéria de ambiente,
que constitui «uma espécie de "meio-mistério", "gerado mas não criado",
dada a ausência de legislação posterior concretizadora da previsão contida
na Lei de Bases do Ambiente» (artigo 42° da Lei n° 11/87, de 7 de Abril),
2

a protecção do ambiente coloca problemas, que cabe ao processualista


resolver, quer no que respeita ao âmbito de aplicação dos diferentes meios
processuais (gerais), quer no que diz respeito a institutos (também gerais,
mas) que podem assumir configurações particulares no contencioso am-
biental (v.g. a legitimidade do actor popular para defesa do ambiente) . 3 4

7 - De Direito Económico, de Direito Financeiro e de Direito Fiscal


do Ambiente, no quadro de um novo paradigma de relacionamento entre
economia e ecologia, pois «não há desenvolvimento sem equilíbrio

1 Vide, infra, no Capitulo V, o ponto intitulado «Breve Nota sobre a Tutela Penal
e Contra-ordenacional do Ambiente».
2 VASCO PEREIRA DA SILVA, «Da Protecção Jurídica Ambiental - Os Denominados
Embargos Administrativos em Matéria de Ambiente», Associação Académica da Facul-
dade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1997, página 10.
3 Sobre esta questão vide MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, «Legitimidade Processual
e Acção Popular no Direito do Ambiente», in «Direito do Ambiente», Instituto Nacional
de Administração, Lisboa, 1994, páginas 4 0 9 e seguintes; JOSÉ LEBRE DE FREITAS,
«A Acção Popular ao Serviço do Ambiente», in «Lusíada - Revista de Ciência e Cultura»,
n. 2 3 - 2 4 - 2 5 , Novembro de 1995, páginas 2 3 1 e seguintes.
os

4 Sobre os problemas processuais do Direito do Ambiente vide, infra, o Capí-


tulo V, «Conflitos Ecológicos: O Contencioso do Ambiente».
50 Lições de Direito do Ambiente

ecológico», mas também «a ecologia não vale senão ao serviço dos fins do
homem e da humanidade» (SOUSA FRANCO) . 1

Neste contexto, o Direito Económico, o Direito Financeiro e o Direito


Fiscal assumem uma dimensão ecológica, quer pelo fomento de condutas
"amigas" do ambiente (v.g. mediante subvenções, contratos-programa,
benefícios fiscais), quer pela desincentivação de comportamentos "hostis"
ao ambiente (v.g. através da política de preços dos combustíveis, de impos-
tos incidentes sobre actividades poluentes) . Daí a importância de princí-
2

pios como os do poluidor-pagador, do desenvolvimento sustentável ou do


aproveitamento racional dos recursos, nascidos no domínio económico,
mas entretanto já transformados em regras jurídicas de conduta.
8 - De Direito Civil do Ambiente, uma vez que, se é um facto que
«o publicismo tendeu a absorver, num I momento, o Direito do Ambi-
o

ente», não é menos verdade que, em nossos dias, «a relevância do Direito


Civil no domínio ambiental é importante e deve ser salientada» (MENEZES
CORDEIRO) . 3 4

No que respeita ao Direito Civil do Ambiente , há que referir, desde


5

logo, as regras das relações de vizinhança (vide os artigos 1344° e

1 SOUSA FRANCO, «Ambiente e Desenvolvimento Enquadramento e Fundamento


do Direito do Ambiente», in «Direito do Ambiente», Instituto Nacional de Administração,
Lisboa, 1994, página 71.
2 Sobre esta questão vide EDUARDO PAZ FERREIRA, «Fiscalidade Ecológica - Uma
Ideia em Busca de Afirmação», in «Revista de Direito do Ambiente e Ordenamento do
Território», números 6 e 7, 2 0 0 1 , páginas 9 e seguintes; CARLOS BAPTISTA LOBO, «Impos-
to Ambiental - Analise Jurídico-Financeira», in «Revista Jurídica do Urbanismo e do
Ambiente», n° 2, Dezembro de 1994, páginas 11 e seguintes.
3 MENEZES CORDEIRO, «Tutela do Ambiente e Direito Civil», in «Direito do Am-
biente», Instituto Nacional de Administração, Lisboa, 1994, páginas 384.
4 Ainda que o autor acrescente que o Direito Privado apresenta «fraquezas estruturais»
em matéria de ambiente, como seja o tratar-se de um «direito restitutivo», enquanto que «a
tutela do ambiente tem de ser preventiva e salvaguardadora»; ou o de que «os esquemas priva-
dos dependem de iniciativas privadas», as quais «dependem do nível cultural das povoações»
(MENEZES CORDEIRO, «Tutela do A. e D. C.», cit., in «Direito do A.», cit., p. 384).
5 Sobre a importância do Direito Civil para a defesa do ambiente vide DIETER
MEDICUS, «Umweltschutz ais Aufgabe des Zivilrechts - aus zivilrechtlicher Sicht», in
«Umweltschutz und Privatrecht - 5. Trier Kolloquium zum Umwelt- und Technikrecht
vom 24. bis 26. September 1989», Werner, Duesseldorf, 1990, páginas 5 e seguintes;
MICHAEL KLOEPFER, «Umweltschutz ais Aufgabe des Zivilrechts - aus oeffentlich-
rechtlicher Sicht», in «Umweltschutz und P. - 5. T. K. zum U. und T. vom 24. bis 26. S.
1989», cit., pp. 3 5 e ss..
Entre nós, vide também MENEZES CORDEIRO, «Tutela do A. e D, C.», cit., in
Ambiente e Direito. Verdes são também os Direitos do Homem 37

seguintes do Código Civil), as quais encontram as suas raízes nas codifi-


cações liberais, tendo nascido com a finalidade de assegurar a defesa da
propriedade, mas que, hoje em dia, desde que "lidas à luz" do direito
fundamental ao ambiente se "transformam" em normas de protecção am-
biental . Conforme escreve GOMES CANOTILHO, «OS problemas aí solu-
1

cionados não. se reconduzem, hoje, a um simples "trouble de voisinage"


mas a um autêntico "trouble" d' environnement". Não mais se trata só de
legitimar emissões de indústrias inquinantes reconhecendo indemnizações
irrisórias a terceiros lesados. Tão pouco se trata apenas de afinar técnicas
indemnizatórias da lesão de bens patrimoniais; impõe-se, sim, delimitar
também o círculo de bens ecológicos merecedores de ressarcimento.
Ao fim e ao cabo, os civilistas têm agora de incluir na "intentio operis" a
garantia de um direito constitucionalmente consagrado» (GOMES
CANOTILHO) . 2 3

Mas também o clássico instituto da responsabilidade civil encontra


pela frente novos problemas e desafios no âmbito da preservação do
ambiente (artigos 483° e seguintes do Código Civil), quer no que res-
4

peita à responsabilidade por factos ilícitos - em que urge repensar as


questões da culpa, do nexo de causalidade, do dano indemnizável -, quer

«Direito do A.», cit., pp. 377 e ss.; JOÃO DE MENEZES LEITÃO, «Instrumentos de Direito
Privado para Protecção do Ambiente», in «Revista Jurídica do Urbanismo e do Am-
biente», n° 7, Junho 1997, páginas 29 e seguintes.
1 Acerca do entendimento das normas relativas às relações privadas de vizinhança
como instrumento de defesa do ambiente, vide HARM PETER WESTERMANN, «Das Private
Nachbarrecht ais Instrument des Umweltschutzes», in «Umweltschutz und P. - 5. T. K.
zum U. und T. vom 24. bis 26. S. 1989», cit., páginas 103 e seguintes.
2 GOMES CANOTILHO, «Juridicização da Ecologia ou Ecologização do Direito», in
«Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente», n° 4, Dezembro 1995, páginas 76 e 77.
3 Vide também FILIPA URBANO CAL VÃO, «Direito do Ambiente e Tutela Pro-
cessual das Relações de Vizinhança», in «Júris et de Jure - Nos Vinte Anos da Faculdade
de Direito da Universidade Católica Portuguesa», Publicações da Universidade Católica
Portuguesa, Porto, 1998, páginas 573 e seguintes; MAFALDA CARMONA, «O "efeito lega-
lizador" dos Actos Administrativos», Relatório da Parte Escolar do Mestrado, apresen-
tado na disciplina de Direito do Ambiente, na Faculdade de Direito de Lisboa, 1999/ 2000,
inédito.
4 Sobre a problemática da responsabilidade ambiental da perspectiva do Direito
civil, vide ERICH STEFFEN, «Verschuldenshaftung und Gefaehrdungshaftung fuer
Umweltschaeden», in «Umweltschutz und P. - 5. T. K. zum U. und T. vom 24. bis 26.
S. 1989», cit., pp. 71 e ss.; GUENTER HAGER, «Umwelthaftung und Produkthaftung»,
in «Umweltschutz und P. - 5. T. K. zum U. und T. vom 24. bis 26. S. 1989», cit., pp. 133
e ss..
52 Lições de Direito do Ambiente

em relação à responsabilidade objectiva, que se torna imperioso alargar


neste domínio.
A confluência de todos estes domínios científicos faz do Direito do
Ambiente uma realidade multidisciplinar, que convida à «humildade» do
«jurista do ambiente», de modo a poder «abarcar todas as multidimen-
sionalidades dos problemas ambientais» (GOMES CANOTILHO) . 1

Dir-se-ia que, a contracorrente das recentes tendências dominantes


para a especialização dos juristas, o Direito do Ambiente vai surgir como
um "espaço de diálogo" entre os diferentes cultores das ciências jurídicas,
obrigando a conjugar esforços e métodos no sentido de conseguir realizar
uma mais adequada tutela ambiental. Daí que se possa afirmar, como
GOMES CANOTILHO, que «construir um Estado de Direito, democrático e
ambiental, não é tarefa que possa ser suportada por um ramo autónomo de
direito. Por mais que o Direito do Ambiente adquira contornos teóricos,
dogmáticos e conceituais cientificamente rigorosos, é indispensável con-
tinuar o diálogo jurídico interdisciplinar e redescobrir um novo "jus
comune" que nos permita enfrentar com as leis dos homens as ameaças
fracturantes da comunidade bióctica» . 2

Mas, isto dito, é necessário colocar a questão de saber se o Direito do


Ambiente é apenas um «conjunto, horizontal e materialmente determi-
nado, de tópicos, princípios, regras, e situações jurídicas pertencentes a
diversos ramos do Direito (Constitucional, Administrativo, Financeiro,
Civil até..)» (SOUSA FRANCO) , OU se é mais do que isso, constituindo
3

uma disciplina jurídica autónoma, unificada em razão de uma finalidade


comum, que é a protecção ambiental.
A ideia de autonomia do Direito do Ambiente poderia ser construída
com base num elemento teleológico, susceptível de cimentar, numa base
comum, realidades provenientes de distintas parcelas da ordem jurídica. E,
nesta linha, poder-se-ia ainda argumentar que o Direito do Ambiente
começa a dar os primeiros passos no sentido de uma dogmática própria, na
medida em que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a desenvolver um
conjunto de princípios jurídicos específicos, como sejam os do desen-

1 GOMES CANOTILHO, «Juridicização da E. ou E. do D.», cit., in «Revista J. D. U.


A.», cit., p. 76.
2 GOMES CANOTILHO, «Juridicização da E. ou E. do D . » , cit., in «Revista J. D. U.
A.», cit., p. 76.
3 SOUSA FRANCO, «Ambiente e D. - E. e F. do D. do A.», cit., in «Direito do A.»,
cit., p. 36.
Ambiente e Direito. Verdes são também os Direitos do Homem 53

volvimento sustentável ou o do poluidor-pagador, assim como outros que


(sendo comuns a outros domínios, como o do consumo, ou o da saúde
pública) aqui assumem uma configuração especial, como é o caso do
princípio da prevenção. Da mesma maneira como se poderia ainda acres-
centar que, em nossos dias, se têm vindo a autonomizar procedimentos
administrativos específicos do Direito do Ambiente, como é o caso da
avaliação de impacto ambiental, ou formas de actuação próprias deste
domínio, como as licenças ambientais ou os contratos de promoção
ambiental.
Mas, se é um facto que existem factores aglutinadores, não é menos
verdade que eles parecem ser insuficientes para sustentar a autonomia
dogmática do Direito do Ambiente, que continua a ser amplamente tribu-
tário do estudo das questões ambientais, de acordo com a metodologia
própria de cada um dos ramos do direito. De resto, deixando de lado
questões de "poder científico" ou de "divisão artificial de fronteiras",
aquilo que torna aliciante o Direito do Ambiente como disciplina, cuja
autonomia pedagógica ainda que não científica me parece indiscutível, é
precisamente a sua multidisciplinaridade . 1

E creio mesmo que este entendimento de uma disciplina horizontal -


à semelhança de um "jardim de condomínio" que engloba um conjunto
de matérias provenientes de diferentes ramos do ordenamento jurídico
unificadas em razão da finalidade de preservação do ambiente, mas que
não afasta o estudo mais detalhado de cada uma dessas questões ambien-
tais, enquanto capítulo específico de um determinado ramo da ciência
jurídica - tal como, continuando a usar a metáfora de há pouco, a existên-
cia do "jardim comum" não impede que os diferentes condóminos tenham
os seus próprios "canteiros de flores", ou uma "área ajardinada privativa" -,
é a via mais eficaz para o progresso do Direito do Ambiente.
Se faz todo o sentido afirmar a autonomia pedagógica do Direito do
Ambiente, de modo a permitir integrar nos currículos das faculdades de
direito uma disciplina que, fazendo apelo à pluridisciplinaridade, procura
1 Em sentido algo diferente, GOMES CANOTILHO defende a «autonomia dogmático-
-sistemática do Direito do Ambiente», embora considere tratar-se de uma «autonomia
relativa», já que «o que deverá estar em causa não é uma afirmação radical de inde-
pendência do Direito do Ambiente mas a ideia de que este Direito implica necessariamente
a revisão dos institutos, das técnicas e dos instrumentos dogmáticos clássicos de outros
ramos do Direito». (GOMES CANOTILHO (coord.), «Introdução ao Direito do Ambiente»,
Universidade Aberta, 1998, página 36.). Vide também CARLA AMADO GOMES, «O Am-
biente como Objecto e os Objectos do Direito do Ambiente», in «Revista Jurídica do
Urbanismo e do Ambiente», n° 11/12, Junho/Dezembro 1999, páginas 43 e seguintes.
54 Lições de Direito do Ambiente

dar uma visão de conjunto das questões jus-ambientais, buscando aquilo


que é comum aos diferentes ramos do direito e tentando lançar as bases de
uma "teoria geral", tal não deve ser confundido com uma qualquer visão
"imperialista" do direito ambiental, sempre pronto para invadir todo os
domínios da ciência jurídica. De resto, se se olhar para a realidade univer-
sitária dos demais países europeus, em que de há muito existem já disci-
plinas de Direito do Ambiente, aquilo que se verifica, hoje em dia, é que
elas tendem a ser completadas com outras disciplinas de opção, mais espe-
cializadas (como o Direito Internacional do Ambiente, o Direito Constitu-
cional do Ambiente, o Direito Administrativo do Ambiente, o Direito
Civil do Ambiente, e por aí adiante...), de forma a permitir conjugar a for-
mação de "teoria geral" com um estudo mais detalhado, e de acordo com
a respectiva metodologia, de cada um dos capítulos da ciência jurídica que
também têm por objecto o meio-ambiente.
Daí que, no estado actual do problema, me pareça correcto afirmar a
autonomia pedagógica mas não científica do Direito do Ambiente, dei-
xando "em aberto", para o futuro, a questão de saber se vão ser predomi-
nantes os factores de aglutinação ou os factores de dispersão no estudo
científico das realidades ius-ambientais.

SUGESTÕES DE LEITURA
GOMES CANOTILHO (coord.), «Introdução ao Direito do
Ambiente», Universidade Aberta, 1998 (páginas 17 e seguintes).
PAULO CANELAS DE CASTRO, «Mutações e Constâncias do
Direito Internacional do Ambiente», in «Revista Jurídica do Ur-
banismo e do Ambiente», n° 2, Dezembro 1994, páginas 145 e
seguintes.
MENEZES CORDEIRO, «Tutela do Ambiente e Direito Civil», in
«Direito do Ambiente», Instituto Nacional de Administração, Lisboa,
1994, páginas 377 e seguintes.
EDUARDO PAZ FERREIRA, «Fiscalidade Ecológica - Uma
Ideia em Busca de Afirmação», in «Revista de Direito do Ambiente e
Ordenamento do Território», números 6 e 7, 2001, páginas 9 e
seguintes.
SOUSA FRANCO, «Ambiente e Desenvolvimento - Enquadra-
mento e Fundamento do Direito do Ambiente», in «Direito do Am-
biente», Instituto Nacional de Administração, Lisboa, 1994, páginas
35 e seguintes.
CARLA AMADO GOMES, «O Ambiente como Objecto e os
Objectos do Direito do Ambiente», in «Revista Jurídica do Urba-
Ambiente e Direito. Verdes são também os Direitos do Homem 55

nismo e do Ambiente», n° 11/12, Junho/Dezembro 1999, páginas 43


e seguintes.
JAN H. JANS, «European Environmental Law», 2 edição, a

Europa Law Publishing, Groningen, 2000.


ALEXANDRE KISS, «Direito Internacional do Ambiente», in
«Direito do Ambiente», Instituto Nacional de Administração, Lisboa,
1994, páginas 148 e seguintes.
LUDWIG KRAEMER, «EC Environmental Law», 4 edição, a

Sweet & Maxwell, London, 2000.


JORGE MIRANDA, «A Constituição e o Direito do Ambiente»,
in «Direito do Ambiente», Instituto Nacional de Administração,
Lisboa, 1994, páginas 353 e seguintes.
MARIA FERNANDA PALMA, «Direito Penal do Ambiente -
Uma Primeira Abordagem», in «Direito do Ambiente», Instituto
Nacional de Administração, Lisboa, 1994, páginas 431 e seguintes.
MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, «Legitimidade Processual e
Acção Popular no Direito do Ambiente», in «Direito do Ambiente»,
Instituto Nacional de Administração, Lisboa, 1994, páginas 409 e
seguintes.

5 - O meu "posto de observação" jus-ambiental: o Direito Adminis-


trativo do Ambiente
Das considerações anteriores, resulta clara a natureza pluridisciplinar
do Direito do Ambiente, que merecendo ser autonomizado para efeitos
pedagógicos, dada a relevância dos valores ambientais no actual contexto
jurídico, não afasta o tratamento mais aprofundado dessas questões em
cada um dos ramos da ciência jurídica. É, pois, na perspectiva de con-
tribuir para o "jardim comum" que é, ou que deve ser, a disciplina de
Direito do Ambiente, que se devem entender estas lições.
Mas se a perspectiva adoptada é a de "teoria geral", tal não significa
que a abordagem das matérias tenha de ser totalmente "neutra", ou que
tenha de tratar todos os domínios por igual - continuando a utilizar a
mesma metáfora, não é necessário que no "jardim comum" exista um
número exacto e igual de "canteiros", ou de "flores", proveniente de todos
e de cada um dos ramos da ciência jurídica. Daí que, nos programas e nos
manuais de Direito do Ambiente, se possam encontrar abordagens mais
publicistas ou mais privatistas, de acordo com as inclinações naturais do
respectivo autor, ou de acordo com a metodologia que se entende mais
adequada para criar as bases de uma abordagem global das questões am-
bientais.
84 Lições de Direito do Ambiente

2 - O direito ao ambiente como direito fundamental

2.1 - A dupla natureza do direito ao ambiente como direito subjec-


tivo e como estrutura objectiva da colectividade
A Constituição portuguesa ocupa-se da problemática ambiental,
tanto do ponto de vista objectivo, enquanto tarefa fundamental do Estado
(artigo 9 , alíneas d) e e)), como do ponto de vista subjectivo, ao estabele-
o

cer um direito fundamental ao ambiente e à qualidade de vida (artigo 66°).


É esta dimensão subjectiva que, conforme se referiu, não apenas constitui
a "chave" dogmática para a construção de um sistema de Direito do Am-
biente, que abranja relações públicas e privadas e que permita uma pon-
deração equilibrada dos diferentes valores e interesses em presença, como
também parece corresponder a uma "preferência" do legislador consti-
tuinte pela subjectivização da tutela jurídica das questões ambientais - na
medida em que, para além da consagração de um direito fundamental ao
ambiente, mesmo quando trata das tarefas estaduais, refere-se expressa-
mente aos direitos ambientais (vide o artigo 9 , alínea d)) .
o 1

O problema da natureza jurídica do direito fundamental ao ambiente


é não apenas complexo, do ponto de vista dogmático, como também
polémico, uma vez que a concepção que se adopte tem subjacentes pers-
pectivas filosófico-jurídicas, ou "concepções globais do mundo e da vida",
ou ainda "pré-compreensões" determinadas. Não fugirei a esse debate, por
mais discutível que seja a questão, até porque aprendi, com Karl Popper,
que tudo aquilo que não for refutável não é do domínio científico. E, se me
é permitido o reparo, é isso mesmo que faz as "delícias" das ciências
humanas, em geral, e do direito, em particular, pois não há como uma "boa
discussão" para fazer avançar o conhecimento científico.
A enunciação do problema implica a colocação de três questões,
nomeadamente quanto a:
1) Saber se o direito ao ambiente é um direito fundamental ou uma
tarefa estadual "disfarçada"?

1 De acordo com o artigo 9.°, alínea d), constitui tarefa fundamental do Estado
«promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os por-
tugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais,
mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais».
Da Constituição Verde para as Relações Jurídicas Multilaterais... 85

2) Saber se o direito ao ambiente deve ou não ser considerado como


um direito subjectivo?
3) Saber quais as consequências em termos de regime decorrentes
da natureza jurídica do direito ao ambiente?
Vejamos, agora, detalhadamente cada uma das referidas questões:
I Questão: Saber se o direito ao ambiente é um direito fundamen-
a

tal ou uma tarefa estadual disfarçada?


A questão de saber se o direito ao ambiente é ou não um direito fun-
damental depende tanto das opções do legislador constituinte como da
adopção, pela doutrina, de uma concepção ampla ou restrita em matéria de
posições subjectivas constitucionalmente fundadas. Ora, se em relação ao
primeiro problema o legislador constituinte se pronunciou inequivoca-
mente no sentido de considerar o direito ao ambiente como um direito fun-
damental (vide o artigo 66° da Constituição), já no que respeita à questão
doutrinária verifica-se, também aqui, aquela discussão recorrente (sempre
que nos afastamos do núcleo clássico de direitos civis e políticos, de liber-
dades perante os poderes públicos, que nasceram com o Estado liberal) de
saber se se está ainda perante um "verdadeiro" direito fundamental ou se
se trata antes de uma tarefa estadual "disfarçada", em razão da necessidade
de intervenção (e já não de mera abstenção) estadual de que depende a
concretização da disposição constitucional.
Da minha perspectiva, os direitos fundamentais radicam num princí-
pio axiológico permanente e absoluto - que é a dignidade da pessoa
humana -, mas eles possuem também uma história - que é a da sua con-
cretização em distintos momentos e sociedades humanas. E se o seu fun-
damento axiológico impõe uma busca incessante dos melhores caminhos
para a realização de um objectivo ideal, a sua dimensão histórica mostra
como a realização da dignidade da pessoa humana, em cada momento
histórico e em cada sociedade, coloca novos desafios e exige novas
respostas ao Direito, obrigando à transformação e ao alargamento dos
direitos fundamentais. Daí que, conforme antes se explicou, faça todo o
sentido não apenas considerar a dimensão histórica da realização dos direi-
tos humanos, como também ligar a evolução dos modelos de Estado com
os direitos individuais, falando em gerações de direitos fundamentais.
Os direitos fundamentais da primeira geração, nascidos com o cons-
titucionalismo liberal, enquanto liberdades perante o Estado e direitos
civis e políticos (v.g. liberdade de expressão, direito de propriedade, di-
86 Lições de Direito do Ambiente

reito de sufrágio), eram vistos como um domínio dos indivíduos "prote-


gido" de "agressões" estaduais. Concebidos "à imagem e semelhança da
propriedade" - em termos metafóricos, quase que se poderia falar em
"direitos reais de liberdade" -, eles conferiam ao seu titular um espaço
"livre" de intervenção estadual, apenas limitado pela lei e pela salva-
guarda de outros direitos - daí a afirmação, ainda hoje tão generalizada
no senso comum, que parte da assimilação dos direitos das pessoas às
"extremas" dos imóveis, segundo a qual "a minha liberdade termina onde
começa a liberdade do outro".
De acordo com a lógica do Estado Liberal, o que estava em causa era
a consagração de direitos a uma abstenção estadual, uma vez que se partia
da ideia de separação entre Estado e sociedade e se considerava que a
sociedade se desenvolveria tanto melhor, e os indivíduos seriam tão mais
protegidos quanto menos os poderes públicos interviessem, deixando fun-
cionar a "mão invisível". Os direitos fundamentais da primeira geração
possuíam, assim, um conteúdo meramente negativo, correspondente a um
dever de abstenção das entidades públicas, considerando mesmo alguns
que se tratava de direitos de natureza absoluta.
Com a passagem do Estado Liberal para o Estado Social, os poderes
públicos são chamados a desempenhar importantes tarefas na vida
económica, social e cultural, nomeadamente através da Administração
Pública, que se transforma de "Agressiva" em "Prestadora" de bens e
serviços (para usar a sugestiva contraposição de BACHOF) . OS direitos 1

fundamentais da segunda geração (v.g. o direito ao trabalho, à segurança


social, à educação), que nascem com o Estado Social, não são mais direi-
tos de abstenção mas antes de intervenção estadual, implicando a colabo-
ração dos poderes públicos para a sua realização.
Trata-se ainda de direitos fundamentais, e não de tarefas estaduais
"disfarçadas", em primeiro lugar, porque a necessidade de actuação dos
poderes públicos continua a ter por fundamento a realização da digni-
dade da pessoa humana, em face das novas realidades e exigências da
sociedade; em segundo lugar, porque a intervenção estadual exigida cons-
titui um dever jurídico que se destina à satisfação de interesses dos
cidadãos, um dever que é correlativo da protecção jurídica individual.

1 Vide OTTO BACHOF, «Die Dogmatik des Verwaltungsrechts vor den Gegenwarts-
aufgaben der Verwaltung», in «Veroeffentlichungen der Vereinigung der Deutschen
Staatsrechtslehrer», n° 30 (Reunião que teve lugar em Regensburg, de 29 de Setembro a
2 de Outubro de 1971), Walter de Gruyter, Berlin, 1972, páginas 193 e seguintes (maxime
páginas 277 e seguintes).
Da Constituição Verde para as Relações Jurídicas Multilaterais... 87

Assim, do ponto de vista dogmático, está-se agora perante direitos que têm
por conteúdo prestações estaduais e que, no quadro das relações jurídicas
públicas, assumem a natureza de direitos relativos ou obrigacionais.
Mas, do ponto de vista jurídico-dogmático, o Estado Social vai
implicar ainda uma outra transformação da teoria dos direitos fundamen-
tais. É que, mesmo os direitos fundamentais "clássicos", ou de primeira
geração, não dependem apenas de uma mera abstenção estadual, como até
aí se dizia, antes implicam também a colaboração do Estado para a sua
realização. Pois, também os direitos de primeira geração necessitam que
as autoridades estaduais criem condições para a sua realização, mediante
a actuação dos órgãos dos poderes legislativo, administrativo e ju-
dicial.
Sirva de exemplo o direito de voto, que não se realiza se não houver
leis eleitorais, recenseamento, eleições, apuramento dos resultados, para
só referir algumas das muitas actuações públicas necessárias para a sua
concretização. Mas o mesmo se diga, v.g. da liberdade de expressão, da
liberdade religiosa, do direito de propriedade, do direito de associação,
que implicam não só a existência de leis reguladoras do respectivo exercí-
cio como também a colaboração activa de entidades administrativas para
a sua concretização (v.g. garantindo a segurança, a ordem pública, apoiando
e subvencionando iniciativas privadas), para além de postularem a exis-
tência de um sistema judicial que garanta a tutela plena e efectiva de tais
direitos. Daí a necessidade de repensar a teoria dos direitos fundamentais,
abandonando a ideia de que se trata de direitos de mera abstenção ou
de direitos de natureza absoluta, considerando antes que todos os direitos
fundamentais se concretizam tanto através da ausência de agressões como
mediante actuações estaduais.
Mas, como antes se referiu, as coisas não se ficam por aqui em
matéria de direitos fundamentais. O Estado Pós-social em que vivemos -
para além das mudanças introduzidas ao nível do modelo político, econó-
mico e do surgimento da "Administração infra-estrutural" (FÁBER) " - 1 2

trouxe consigo uma terceira geração de direitos fundamentais, introdu-


zindo a tónica da protecção jurídica individual nos novos domínios do

1 HEIKO FÁBER, «Vorbemerkungen zu einer Theorie des Verwaltungsrechts in der


nachindustriellen Gesellschaft», in «Auf einem Dritten Weg - Festschrift fuer Helmut
Ridder zum siebzigsten Geburtstag», Luchterland, 1989, página 292; «Verwaltungsrecht»,
J. C. B. Mohr (Paul Siebeck), Tuebingen, 1992, página 337.
2 Para a caracterização do Estado Pós-social vide VASCO PEREIRA DA SILVA, «Em
Busca do A. A. P.», cit., pp. 122 e segs..
88 Lições de Direito do Ambiente

ambiente, da informática e das novas tecnologias, da genética, mas tam-


bém do procedimento e processo públicos.
Também aqui, para além das considerações de ordem histórico-
-política, que conduziram ao alargamento dos direitos fundamentais, se
verificaram alterações de natureza jurídico-dogmática, que obrigam a
reequacionar a respectiva noção. Pois, se ao Estado Social correspondera
uma «compreensão de direitos fundamentais antropologicamente opti-
mista, democraticamente dinamizada e socialmente enraizada», assu-
mindo-se a doutrina desses direitos «também como política de direitos
fundamentais processualmente concretizada ou a concretizar pelo "Estado
de prestações"»; agora, a «"enfatização" do "Estado post-industrial mí-
nimo" em desfavor do "Estado social de prestações"» vai implicar um
movimento de sentido contrário, em que a dimensão negativa dos direitos
fundamentais é revalorizada em face da sua vertente prestadora, verifican-
do-se quase que uma espécie de retorno dogmático ao «"paradigma
perdido" - o paradigma liberal - [e] voltando a conceber-se [os direitos
fundamentais] essencialmente como direitos de defesa» (CANOTILHO) . 1

Da minha perspectiva, conforme anteriormente escrevi, o resultado


desta evolução, «no Estado Pós-social em que vivemos, implica a colo-
cação, de novo, em primeiro plano, da vertente "garantista" dos direitos
fundamentais, enquanto instrumentos de defesa contra agressões dos
poderes públicos (e mesmo privados), mas não significa o esquecimento
da vertente social desses mesmos direitos. Em causa está uma espécie de
retorno à dimensão subjectiva dos direitos fundamentais, acentuando o seu
aspecto individualístico, mas sem que isso tenha forçosamente de sig-
nificar pôr em causa a sua dimensão social. O "recentramento" dos direi-
tos fundamentais, que passa pela recolocação do acento tónico na sua
dimensão individual-garantista, não deve, pois, ser confundido com um
regresso ao passado, nem com o retomar dos conceitos ultrapassados de
direitos fundamentais do liberalismo clássico» " . 2 3

1 JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, «Constituição e Défice Procedimental», in


«Estado e Direito», volume I, n° 2, 2.° Semestre, 1988, páginas 36 e 37.
2 VASCO PEREIRA DA SILVA, «Em Busca do A. A . P.», cit., pp. 179 e 180.
3 E acrescentava-se ainda que a consideração que, por tal motivo, «bem andou o
legislador constituinte português ao consagrar uma noção ampla de direitos fundamentais,
abrangendo direitos, liberdades e garantias (Titulo II) e direitos económicos, sociais e cul-
turais (Título III), mas privilegiando, ao mesmo tempo, os primeiros, através da con-
sagração de um regime jurídico especial para os direitos, liberdades e garantias (artigos
17° e seguintes), de modo a assegurar-lhes uma maior garantia de efectividade. Desta
forma, em face da Constituição portuguesa, os direitos económicos sociais e cultu-
Da Constituição Verde para as Relações Jurídicas Multilaterais... 89

Desta forma, a moderna doutrina dos direitos fundamentais tende a


realçar a respectiva dimensão negativa, concebendo-os como direitos de
defesa contra agressões dos poderes públicos (mas também dos privados,
na medida da respectiva vinculação pelos direitos fundamentais) na esfera
jurídica individual constitucionalmente protegida. E esta dimensão ne-
gativa tanto se verifica nos clássicos direitos da primeira como nos da
segunda ou da terceira geração, uma vez que tanto pode haver uma agres-
são estadual violadora do direito fundamental quando se trate do direito de
propriedade (v.g. uma declaração de utilidade pública ilegal de um prédio),
como do direito ao trabalho (v.g. decisões discriminatórias, em razão do
sexo, no acesso ou na promoção no domínio da função pública), como
também do direito ao ambiente (v.g. uma licença ambiental ilegal conce-
dida a uma indústria de produtos tóxicos) . 1

Chegados ao presente estádio de evolução, verifica-se assim que, do


ponto de vista dogmático, todos os direitos fundamentais possuem uma
vertente negativa, que impede a existência de agressões estaduais no
domínio constitucionalmente protegido, ao mesmo tempo que possuem
uma vertente positiva, que obriga à colaboração dos poderes públicos para
a sua realização. Ficando assim aberto o caminho para a reconstrução da
teoria dos direitos fundamentais, tanto em razão do alargamento e do
enriquecimento da figura, como em razão da unificação jurídica do respec-
tivo conceito.
Em síntese, poder-se-ia concluir que a necessidade de reconstrução
dos direitos fundamentais - sejam eles da primeira, da segunda ou da
terceira geração -, que julgo ser uma exigência dos tempos modernos,
decorre de um duplo fundamento:
d) axiológico, que é a dignidade da pessoa humana. Pois, o que está
em causa (v.g. na liberdade de expressão, como no direito à saúde, ou à
qualidade de vida) é a realização plena e efectiva da dignidade individual,
já não a daquele Homem abstracto - dir-se-ia que "inventado" para dar
origem ao Estado através do contrato social (também ele uma abstracção
filosófica destinada a enquadrar e a legitimar a comunidade política),
como nos primórdios do Estado Liberal - mas a da pessoa humana

rais - que tipicamente têm por objecto prestações, e não uma mera abstenção, ou um qual-
quer "dever geral de respeito", são considerados como direitos fundamentais» (VASCO
PEREIRA DA SILVA, «Em Busca do A . A . P.», cit., p. 180).
1 Neste sentido GOMES CANOTILHO, «Direito Constitucional e Teoria da Consti-
tuição», 4 edição, Almedina, Coimbra, 2000, maxime páginas 461 3 seguintes.
a
90 Lições de Direito do Ambiente

concreta e em diferentes circunstâncias ou situações da vida. E daí a his-


toricidade dos direitos fundamentais, que se vão alargando e enrique-
cendo em razão das novas realidades que, ao colocar ameaças e desafios
novos, vão também exigir do Direito novas respostas destinadas a salva-
guardar a dignidade*da pessoa humana.
b) dogmático, decorrente das transformações por que passou a noção
de direitos fundamentais e seu modo de realização pelos poderes públicos
E que leva a concluir que, em nossos dias, comum a todos os direitos fun-
damentais é a existência de uma vertente negativa, correspondente a uma
esfera protegida de agressões estaduais (ou, por outras palavras, que se
realiza através de "abstenções" de intervenção estadual susceptíveis de
lesar tais direitos em termos constitucionalmente inadmissíveis), assim
como de uma vertente positiva, que obriga à intervenção dos poderes
públicos de modo a permitir a realização plena e efectiva dos direitos
constitucionalmente garantidos. Daí que, perante direitos fundamentais de
primeira, de segunda ou de terceira geração, a questão a colocar já não tem
a ver com a respectiva natureza jurídica - já que, em todos os casos, se está
perante realidades estruturalmente idênticas, que possuem as duas dimen-
sões referidas - mas, quando muito, com o grau maior ou menor da res-
pectiva dimensão positiva ou negativa - pois é facto que, em geral, nos
direitos da primeira geração, o peso relativo da dimensão negativa é maior
do que o da sua dimensão positiva, enquanto que, nos direitos da segunda
e da terceira geração, as coisas tendem a passar-se ao contrário.

2 Questão: Saber se o direito ao ambiente deve ou não ser consi-


a

derado como um direito subjectivo?


Já se disse que os direitos' fundamentais apresentam uma "dupla
natureza" (para usar a consagrada expressão de HESSE ): por um lado, são
1

direitos subjectivos, na medida em que possuem uma dimensão negativa,


enquanto direitos de defesa contra agressões de entidades públicas
e privadas) na esfera individual constitucionalmente protegida; por outro
lado, configuram-se como estruturas objectivas da comunidade, pois
compreendem também uma dimensão positiva, enquanto conjunto de
valores e princípios conformadores de toda a ordem jurídica que esta-

KONRAD HESSE, «Grundzuege des V. der B. D.», cit., pp. 127 e ss..
Da Constituição Verde para as Relações Jurídicas Multilaterais... 91

belecem deveres de actuação e tarefas de concretização para os poderes


públicos . 1

Dupla dimensão esta que, tal como venho defendendo, é comum a


todos os direitos fundamentais (sejam eles da primeira, da segunda ou da
terceira geração), pois aquilo que pode apresentar variações, em cada um
deles, é apenas o peso relativamente maior ou menor das respectivas
vertentes positiva e negativa.
Mas a ideia de que os direitos fundamentais possuem a natureza de
direitos subjectivos - e, por conseguinte, que o direito ao ambiente é um
direito subjectivo - tem encontrado algumas resistências entre nós , pelo 2

que se torna agora necessário proceder a uma espécie de "prova dos nove"
do seu acerto, procurando refutar algumas das principais objecções que
contra ela têm sido apresentadas. É o que se passa a fazer, relativamente
aos seguintes argumentos:
a) o de que a teoria dos direitos subjectivos públicos teria andado,
historicamente, ligada a concepções positivistas e estatistas. O que não
obsta a que a noção jurídica de direito subjectivo público ou a teoria do
estatuto não sejam susceptíveis de ser entendidas, em nossos dias, à luz de
diferentes pressupostos.
Pois, conforme anteriormente escrevi , aderir a uma "moderna dou-
3

trina do estatuto", não significa (...) comungar da «visão positivista e


estatista» da teoria dos direitos subjectivos públicos de GEORG JELLINEK , 4

1Vide também ALFRED KATZ, «Staatsrecht - Grund Kurs im oeffentlichen Recht»,


14 edição, Mueller, Heidelberg, 1999, páginas 2 6 3 e seguintes; JOERN IPSEN, «Staatsrecht
A

II (Grundrechte)», Luchterhand, Neuwied / Kriftel / Berlin, 1997; PLEROTH / SCHUNK,


«Grundrechte - Staatsrecht II», 12 edição, Mueller, Heidelberg, 1996.
A

2 Vide JORGE MIRANDA «Manual de D. C. - D. F.», cit., pp. 5 6 e ss.; COLAÇO


ANTUNES, «O Procedimento Administrativo de Avaliação de Impacto Ambiental», Alme-
dina, Coimbra, 1998, páginas 71 e seguintes; CARLA AMADO GOMES «AS Operações
Materiais Administrativas e o Direito ao Ambiente», Associação Académica da Faculdade
de Direito de Lisboa, Lisboa, 1999, páginas 13 e seguintes.
3 VASCO PEREIRA DA SILVA, «Em Busca do A . A . P.», cit., p. 183.
4Vide GEORG JELLINEK, « System der s. oe. R. », cit., mx. p. 12 e segs e 41 e segs..
Esta visão positivista e estatizante dos direitos subjectivos públicos, segundo GEORG
JELLINEK, encontra-se bem patente em afirmações como as de que tais direitos consistem
« exclusivamente na capacidade de fazer mover as normas jurídicas no interesse dos
indivíduos » («System der s. oe. R. », cit., p. 51); ou a de que eles correspondem a um
«interesse individual reconhecido predominantemente em função do interesse geral », cuja
atribuição individual depende da qualidade de « membro da comunidade » («System der
s. oe. R. », cit., p. 53 ).
92 Lições de Direito do Ambiente

considerando que « só o Estado tem vontade soberana e [que] todos os


direitos subjectivos públicos [se] fundamentam (...) na organização esta-
dual», devendo ser analisados «a partir de uma ligação específica entre o
indivíduo e o Estado, em termos de estatuto» (JORGE MIRANDA) . Tal 1

como não significa aceitar a ideia do Estado como «sujeito de vontade


todo-poderoso» que dá origem a um "status subjectionis" (HESSE) ; ou 2

sequer a concepção do «"status negativo", de G. Jellinek, [que] recon-


duzia, em regra, os direitos fundamentais a algo de puramente formal,
secundário, perante a forma principal do "status subjectionis"», no qual «à
liberdade que o "status negativus" garante não se refere a relações da vida
concretamente determinadas, mas a uma liberdade geral e abstracta contra
agressões infra-legais» (HESSE) " . 3 4

Antes significa, pelo contrário, adoptar uma orientação que retira


todas as consequências do "princípio da dignidade da pessoa humana",
reconhecendo uma esfera privada de liberdade e de autonomia em face do
Estado, assim como um estatuto que permite aos indivíduos tratar "de
igual para igual" com as entidades públicas. Já que «é o reconhecimento
de direitos subjectivos que faz com que o indivíduo deixe de ser tratado
como um objecto do poder, passe de "súbdito" a "cidadão", se transforme
num sujeito de direito em condições de estabelecer relações jurídicas com
os órgãos do poder público» . 5

O reconhecimento de direitos subjectivos em face das autoridades


públicas corresponde portanto a uma exigência de ordem axiológica, decor-
rente do respeito pela dignidade humana. Daí a consideração de que os direi-
tos fundamentais constituem uma das modalidades de direitos subjectivos
públicos, ao conterem o «estatuto jurídico-constitucional dos indivíduos», o
qual possui natureza «jurídico-material», pois «compreende direitos e deveres
concretos, determinados e delimitados no seu conteúdo, cuja actualização e
preenchimento é realizada por intermédio da ordem jurídica» (HESSE) . 6

Assim se evitando a separação artificial entre os direitos fundamen-


tais e os demais direitos subjectivos públicos, e permitindo uma concepção

1 JORGE MIRANDA, « Manual de D . C. - D . F.», cit., pp. 56 e 57.


2 KONRAD HESSE, «Grundzuege des V. der B. D.», cit., p. 120.
3 KONRAD HESSE, «Grundzuege des V. der B. D . » , cit., p. 120.
4 Vide GEORG JELLINEK, «System der s. oe. R . » , cit., p. 81 e segs.
("status subjec-
tionis , "status libertatis", "status civitatis", "status der aktiven Zivitaet") e 94 e segs
(o status negativus", em particular).
5 VASCO PEREIRA DA SILVA, «Em Busca do A . A. P.», cit., p. 212.
6 KONRAD HESSE, «Grundzuege des V. der B. D . » , cit., p. 119.
Da Constituição Verde para as Relações Jurídicas Multilaterais... 93

global da posição do particular em qualquer relação jurídica pública. Pois,


desta maneira, e «pensando agora no Direito Administrativo, os direitos
fundamentais são, desde logo, susceptíveis de ser invocados pelos parti-
culares que estabeleceram uma determinada relação (concreta) com a
Administração, enquanto direitos subjectivos; além disso, na medida em
que constituem princípios objectivos fundamentais da ordem jurídica, eles
"projectam-se" e "realizam-se" no ordenamento, por intermédio das nor-
mas jurídicas administrativas que os concretizam. Desta forma, a dupla
natureza dos direitos fundamentais explica, não só a possibilidade da sua
directa invocação pelos particulares nas relações administrativas concretas
(enquanto direitos subjectivos), como também a vinculação (objectiva)
dirigida ao legislador ordinário, no sentido de não pôr em causa o con-
teúdo desses direitos através das normas de Direito Administrativo, sob
pena dessa legislação configurar uma situação (objectiva) de inconstitu-
cionalidade (que seria também, simultaneamente, uma lesão dos direitos
subjectivos dos seus titulares)» ; 1

b) o de que os direitos fundamentais correspondem a uma grande diver-


sidade de posições jurídicas, de natureza diferenciada, o que não permitiria a
sua recondução à noção de direito subjectivo. Assim é, de facto, mas não é
isso o que se verifica também em todos os domínios da enciclopédia jurí-
dica? Não é o que se passa também no direito privado, em se distinguem
direitos comuns e potestativos, relativos e absolutos, de conteúdo amplo e
restrito? Então, porque é que as coisas deviam ser diferentes no direito
público, onde só existiria uma exclusiva modalidade de direito subjectivo,
ainda para mais daí resultando que todas as posições jurídicas substantivas
que não se "encaixassem" nesse "modelo único" não eram de considerar?
A diversidade e multiplicidade dos direitos fundamentais, como dos
demais direitos subjectivos públicos, é antes uma realidade inevitável nas
sociedades complexas dos nossos dias, sem que isso signifique pôr em
causa a respectiva natureza jurídica substantiva. Conforme se escreveu, a
propósito das relações jurídicas administrativas, «ao falar em direitos sub-
jectivos dos particulares (...) estamos, portanto, a referirmo-nos a uma
panóplia de posições jurídicas muito distintas e não a um "figurino único"
(da mesma maneira que, quando se fala em direitos subjectivos em qual-
quer outro domínio jurídico, eles podem apresentar diferentes modali-
dades). Mas, em todos esses casos, estamos perante verdadeiros direitos
subjectivos, posições jurídicas de vantagem dos particulares em face das
1 VASCO PEREIRA DA SILVA, «Em Busca do A . A . P.», cit., p. 185.
94 Lições de Direito do Ambiente

autoridades administrativas, e não de quaisquer "pseudo-direitos", "semi-


-direitos", "quase-direitos", ou "direitos de segunda ordem"» ; 1

c) o de que os direitos fundamentais, dada a multiplicidade de


sujeitos a que se referem, só muito dificilmente se poderiam considerar
como direitos subjectivos, pertencentes a pessoas individualmente consi-
deradas. Argumento que parece assentar na confusão entre previsão legal
e titularidade de um direito no âmbito de uma relação jurídica, entre
generalidade da norma jurídica e todos e cada um dos respectivos desti-
natários, individualmente considerados.
Diferentemente, do que se trata é de considerar os direitos funda-
mentais como definidores de um estatuto dos particulares, susceptível de
ser concretizado numa relação jurídica determinada. E que fica depen-
dente da verificação de um facto jurídico, «que transforma a previsão legal
de direitos e deveres, susceptíveis de integrar uma ligação entre dois ou
mais sujeitos de direito, numa relação jurídica. Uma coisa é a previsão da
norma, outra a sua concretização em face de dois ou mais sujeitos jurídi-
cos, por intermédio de um facto criador» " . 2 3

Pelo que não só não se justifica pôr em causa a natureza de direitos


subjectivos dos direitos fundamentais, em razão da multiplicidade dos
seus destinatários, como também não parece ser necessário proceder a
uma qualquer distinção entre relação jurídica geral (criada pela lei funda-
1 VASCO PEREIRA DA SILVA, «Em Busca do A . A. P.», cit., p. 220.
2 VASCO PEREIRA DA SILVA, «Em Busca do A . A. P.», cit., p. 177.
3 E acrescentava-se ainda que tal «realidade não é, de resto, diferente da que se
verifica no domínio das relações jurídicas civis - descontados os aspectos da liberdade de
estipulação do conteúdo, assim como do carácter supletivo das determinações legais.
Tomando como exemplo a compra e venda, os seus efeitos típicos encontram-se regula-
dos na lei mas, para que essas normas se possam aplicar a uma relação concreta, é
necessário que os particulares se coloquem debaixo do seu âmbito de aplicação, mediante
a criação de uma relação jurídica concreta. Antes do facto criador (que tanto pode ser a
celebração do contrato, como o simples iniciar de negociações entre as partes, desde logo,
criador de relações pré-contratuais) não faz sentido falar de uma qualquer relação jurí-
dica, ainda que abstracta, a qual só surgirá em virtude daquele».
Assim como se verifica também nas relações jurídicas administrativas, que podem
surgir «por intermédio de acto administrativo, contrato, comportamento material, ou sim-
ples evento natural. No entanto, antes da verificação de qualquer um destes factos
criadores não existe ainda uma relação jurídica, mas tão só uma previsão legal de direitos
e deveres susceptíveis de a vir a integrar. Só mediante um qualquer facto jurídico é que a
mera previsão legal de uma relação jurídica pode vir a ser aplicada, passando a regular
uma concreta relação jurídica» (VASCO PEREIRA DA SILVA, «Em Busca do A. A. P.», cit.,
pp. 177 e 178).
Da Constituição Verde para as Relações Jurídicas Multilaterais... 95

mental) e relação jurídica especial (que seriam as relações concretas),


como pretendem alguns autores ; 1

d) o de que a natureza do bem jurídico "ambiente", enquanto bem


colectivo ou público, o tornaria insusceptível de apropriação, impedindo
assim a sua consideração como direito subjectivo.
Ora, uma tal consideração assenta, a meu ver, num erro de perspec-
tiva, pois não é o bem "ambiente", de natureza colectiva ou pública, que é
apropriável, antes se trata de considerar que tal bem pode dar origem a
relações jurídicas, em que existem concretos direitos e deveres, decor-
rentes da sua fruição individual. Porque uma coisa é a tutela objectiva do
bem ambiente, outra coisa é a protecção jurídica subjectiva ambiental,
decorrente da existência de um domínio individual constitucionalmente
protegido de fruição ambiental, que protege o seu titular de agressões
ilegais provenientes de entidades públicas (e privadas).
A Constituição estabelece, portanto, uma posição substantiva de van-
tagem, que é conferida aos particulares para a realização dos seus próprios
interesses, e que é de configurar como um direito (de "defesa" contra uma
agressão ilegal), no âmbito de uma relação jurídico-pública de ambiente.
Pelo que, em caso de violação do direito fundamental* «a "defesa" ou
"reacção" concedida pela ordem jurídica traduz-se na atribuição de um
direito subjectivo público, que é correlato do dever (jurídico-constitu-
cional) de abstenção que a Administração violou, não se tratando apenas
de um simples direito de acção judicial» . 2-3

1 Neste sentido, vide NORBERT ACHTERBERG, «Die Rechtsverhaeltnistheoretische


Deutung absoluter Rechte», JUST / WOLLENSCHLAEGER / EGGERS / HABLITZEL «Recht und
Rechtsbesinnung - Gedaechtnisschrift fuer Guenther Kuechenhoff (1907 - 1983)», Dunker
& Humblot, Berlin, 1987, páginas 13 e seguintes; WILHELM HENKE, «Das subjektive Recht
im System des oeffentlichen Rechts», in «Die oeffentliche Verwaltung», n° 17, Agosto
de 1980, páginas 621 e seguintes, «Wandel der Dogmatik des oeffentlichen Rechts», in
«Juristen Zeitung», ano 47, n° 11,5 de Junho de 1992, páginas 541 e seguintes; HARTMUT
BAUER «Verwaltungsrechtslehre im Umbruch ? Rechtsformen und Rechtsverhaeltnisse ais
Elemente einer zeitgemaessen Verwaltungsrechtsdogmatik», in «Die Verwaltung
Zeitschrift fuer Verwaltungswissenschaft», volume 25, n° 3, 1992, páginas 301 e seguintes.
2 VASCO PEREIRA DA SILVA, «Em Busca do A. A. P.», cit., p. 240.
3 Conforme se esclarecia melhor, noutro passo, «a ideia de "defesa" ou de "reacção",
tem apenas que ver com a circunstância de ter sido violado um dever de omissão, por parte
das autoridades administrativas, que decorre de um direito fundamental, e cuja agressão faz
surgir um direito subjectivo do particular ao afastamento dessa conduta ilegal numa con-
creta relação jurídica administrativa, o que não deve ser confundido com uma qualquer
concepção reducionista do direito subjectivo, que pretenda limitá-lo a um simples poder
Processual de acção» (VASCO PEREIRA DA SILVA, «Em Busca do A. A. P.», cit., p. 2 3 8 ) .
96 Lições de Direito do Ambiente

Daí a necessidade de ter em conta os distintos planos da tutela


objectiva e da protecção subjectiva do ambiente, considerando não apenas o
ambiente enquanto bem jurídico, como também os direitos e deveres das pes-
soas no quadro de relações jurídicas constituídas para a defesa ambiental;
e) o de que a diversidade de posições jurídicas compreendidas no
elenco dos direitos fundamentais obrigaria a distinguir entre direitos subjec-
tivos, interesses legítimos e interesses difusos. Desta forma importando, para
o domínio do Direito Constitucional, categorias cuja génese, no Direito Admi-
nistrativo, remonta ao período da sua "infância difícil", quando uma Adminis-
tração Agressiva estabelecia "relações de poder" com particulares vistos como
meros "administrados", os quais podiam ter "interesses" similares, ou opostos
aos da Administração, mas não gozavam de verdadeiros direitos subjectivos.
Da minha perspectiva, não só julgo inaceitáveis, num Estado de Di-
reito, os pressupostos (passados) que negavam ao particular a qualidade de
sujeito de direito (vide os artigos I , 2°, 18°, n° 1,212°, n° 3,268°, números
o

4 e 5 da Constituição); como também, de um ponto de vista teórico, não


me parece correcto continuar a distinguir «entre "direitos subjectivos
de primeira categoria" e "direitos de segunda", ou mesmo de "terceira
ordem" (como, éventualmente, poderiam ser considerados os denomina-
dos interesses difusos), antes todas as posições substantivas de vantagem
dos privados perante a Administração devem ser entendidas como direitos
subjectivos. Daí que entre os denominados "direitos subjectivos", "inte-
resses legítimos" e "interesses difusos", não existam diferenças de natu-
reza, mas - quando muito - de conteúdo» . 1

Assim, como de há muito venho defendendo, «a concepção que trata


de forma unitária as posições jurídicas dos indivíduos em face da Admi-
nistração parece-me ser a mais adequada. Nos termos da "teoria da norma
de protecção", e aceitando o seu alargamento no domínio dos direitos fun-
damentais (...), o indivíduo é titular de um direito subjectivo em relação à
Administração, sempre que de uma norma jurídica que não vise apenas a
satisfação do interesse público, mas também a protecção dos interesses
dos particulares, resulte uma situação de vantagem objectiva, concedida de
forma intencional, ou ainda quando dela resulte a concessão de um mero
benefício de facto decorrente de um direito fundamental» . 2-3

1 VASCO PEREIRA DA SILVA,«Em Busca do A. A. P.», cit., p. 286.


2 VASCO PEREIRA DA SILVA,« Para um Contencioso A. dos P.», cit., p. 112.
3 A doutrina da "norma de protecção" foi construída por BUEHLER (O. BUEHLER,
«Die Subjektiven Oeffentlichen Rechte und ihr Schutz in der Deutschen Verwaltungs-
Da Constituição Verde para as Relações Jurídicas Multilaterais... 97

De resto, segundo creio, a pretensa distinção das categorias de


direito subjectivo, de interesse legítimo e de interesse difuso, assenta
sobretudo na utilização pela ordem jurídica de distintas técnicas de
atribuição de posições de vantagem, que conduzem, no entanto, a resul-
tados idênticos. Se não vejamos:
a) a lei tanto pode atribuir um direito subjectivo, referindo-se-lhe
expressamente, como estabelecendo um dever da Administração no inte-
resse do particular, o qual, no âmbito de uma relação jurídica, é correlato
da posição de vantagem do particular. Ora, em ambos os casos - e não
obstante a diferente técnica legislativa utilizada -, o particular goza de
uma posição substantiva de vantagem, cujo conteúdo é delimitado (de
forma positiva ou negativa, respectivamente) pela norma jurídica.
E isto vale tanto para o domínio do Direito Público - em que tanto
possui um direito subjectivo o funcionário público que sabe que, ao fim de
tantos anos de serviço, terá direito a uma regalia de natureza pecuniária,
como o concorrente a um cargo público, que sabe que a Administração
tem o dever de o ouvir, ou de o tratar segundo regras de imparcialidade,
gozando assim dos correlativos direitos -, como do Direito Privado - em
1

que, no que respeita à atribuição da posição substantiva de vantagem, é


indiferente que a norma estabeleça que o credor tem direito a receber a
coisa vendida ou, pelo contrário, que o devedor tem o dever de a entregar,
ou de cuidar dela até ao momento aprazado para a entrega.
Assim sendo, então porque é que, no caso do Direito Privado,
ninguém tem dúvidas em afirmar que, apesar da diferente técnica legis-
lativa utilizada, ambas as situações configuram um direito subjectivo, ao
rechtsprechungen», Kolhammer, Berlin / Stuttgart / Leipzig, 1914), sendo mais tarde
reformulada por BACHOF e adoptada pela maioria da doutrina alemã. Segundo esta
perspectiva, existe um direito subjectivo «sempre que uma norma jurídica exija um
determinado comportamento ao poder público para a satisfação de interesses indi-
viduais» (BACHOF, «Reflexwirkungen und Subjektive Rechte im oeffentlichen Recht»,
in «Gedaechtnisschrift fuer Walter Jellinek - Forschungen und Berichte aus dem
oeffentlichen Recht», 2 edição, Gunther & Olzog, Muenchen, 1955, página 301).
a

Mais recentemente, a doutrina da norma de protecção passou também a recorrer aos


direitos fundamentais para alargar o âmbito dos direitos subjectivos públicos, nomea-
damente em relação aos impropriamente chamados "terceiros", no âmbito de relações
jurídicas multilaterais (Para um maior desenvolvimento da questão vide VASCO PEREIRA
DA SILVA, «Em Busca do A. A. P.», cit., pp. 212 e ss.).
1 Para utilizar exemplos semelhantes aos referidos por FREITAS DO AMARAL, quando
distingue direito subjectivo de interesse legítimo (vide FREITAS DO AMARAL, «Direito
Administrativo» (lições policopiadas), volume II, Lisboa, 1984, páginas 237 e seguintes.
98 Lições de Direito do Ambiente

passo que, no Direito Público, a doutrina dominante, entre nós, tenderia


a dizer que só a primeira das hipóteses é que configura um direito sub-
jectivo, enquanto que a segunda daria origem a um mero interesse legí-
timo?
b) para além das duas situações referidas, a ordem jurídica pode
ainda atribuir um direito subjectivo mediante uma disposição consti-
tucional (consagradora de um "estatuto"), que atribui aos particulares a
possibilidade de fruição individual de um beqa jurídico, livre de agressões
ilegais provenientes de entidades públicas ou privadas, para além de
estabelecer deveres ou tarefas aos poderes públicos necessárias para a sua
concretização - como sucede no direito fundamental ao ambiente.
E, também nesse caso, não obstante a diferente técnica jurídica uti-
lizada, nos encontramos perante um direito subjectivo dos particulares,
que tem como conteúdo, quer o dever de abstenção (com o consequente
"direito de defesa"), quer eventuais deveres de actuação das autoridades
públicas (mas não as genéricas tarefas, de natureza programática, muitas
vezes dependentes de realidades de natureza extra-jurídica), no âmbito de
relações jurídicas concretas. Da minha perspectiva, portanto, os denomi-
nados (por influência italiana) interesses difusos, equivalem a direitos sub-
jectivos públicos decorrentes da Constituição.
Em suma, em qualquer das três situações referenciadas, e indepen-
dentemente da técnica jurídica utilizada, encontramo-nos perante
posições substantivas de vantagem, destinadas à satisfação de interesses
individuais, possuindo idêntica natureza ainda que podendo apresentar
conteúdos diferenciados, que são por isso de configurar como direitos
subjectivos.
Daí a reafirmação da minha ideia de não ser justificável distin-
guir entre direitos de primeira, de segunda, ou de terceira categoria, como
seriam os direitos subjectivos, os interesses legítimos e os interesses difu-
sos, sendo antes preferível proceder ao tratamento unificado dessas
posições substantivas de vantagem no "conceito-quadro" de direito subjec-
tivo (o que não obsta, por sua vez, a que este possa apresentar diferentes
espécies e conteúdos, como sucede, de resto, noutros ramos de Direito).
Concluída a apreciação dos argumentos contrários, assim fica feita
a "prova dos nove" da qualificação dos direitos fundamentais, em geral,
e do direito ao ambiente, em particular, como direito(s) subjectivo(s)
público(s).
Da Constituição Verde para as Relações Jurídicas Multilaterais... 99

3 Questão: Saber quais as consequências em termos de regime


a

decorrentes da natureza jurídica do direito ao ambiente?


As considerações anteriores relativas à natureza dos direitos fundamen-
tais não podiam deixar de ter consequências em termos de regime jurídico.
Pois, por um lado, uma noção ampla de direitos fundamentais, comportando
uma dupla dimensão, simultaneamente negativa e positiva, assim como, por
outro lado, o seu enquadramento no âmbito dos direitos subjectivos públicos,
possibilitam uma tentativa de compreensão global das posições substantivas
de vantagem dos particulares no domínio do Direito Público.
Pensando então nos direitos fundamentais, na nossa ordem jurídica,
é costume distinguir uma dualidade de regimes jurídicos respeitante aos
direitos, liberdades e garantias e aos direitos económicos, sociais e cultu-
rais. Que anda acompanhada de uma certa subalternização do tratamento
jurídico dos segundos, decorrente do facto de não haver «na Constituição
portuguesa (como na generalidade das Constituições) um regime sis-
temático explícito dos direitos, económicos, sociais e culturais simétrico
do regime dos direitos, liberdades e garantias, quer no plano substantivo
quer nos demais planos» (JORGE MIRANDA).
Mais precisamente, e numa tentativa de descrição das principais
regras jurídicas relativas aos direitos fundamentais, é habitual distinguir:
a) o regime comum a todos os direitos fundamentais - igualdade,
universalidade, acesso ao direito, tutela jurisdicional e outras formas de
protecção jurídica, responsabilidade civil das entidades públicas (vide os
artigos 12°, 13°, 20°, 22°);
b) o regime próprio dos direitos, liberdades e garantias, que
compreende um conjunto de regras de natureza material - aplicabilidade
directa, vinculação de entidades públicas e privadas, reserva de lei, condi-
cionamentos e limites às restrições legais, regulação do regime excep-
cional de suspensão, direito de resistência (vide os artigos 18° e seguintes
da Constituição), orgânica - reserva de competência (absoluta e negativa)
legislativa da Assembleia da República (vide os artigos 164° e 165° da
Constituição) e de revisão constitucional - limites materiais de revisão
constitucional (vide o artigo 288° d) da Constituição);
c) o regime próprio dos direitos, económicos, sociais e culturais,
relativamente aos quais a doutrina e a jurisprudência têm procurado
destacar regras de carácter material - ligação a tarefas estaduais, realiza-
ção potenciada pela participação dos interessados, dependência da reali-
100 Lições de Direito do Ambiente

dade constitucional, proporcionalidade (necessidade, adequação, balanço


custos /benefícios), proibição de retrocesso -, orgânicas - reserva de com-
petência absoluta em matéria de bases do sistema de ensino, reserva rela-
tiva em relação a bases do sistema de segurança social, do serviço nacional
de saúde, dos sistema de protecção da natureza, equilíbrio ecológico e
património cultural (vide os artigos 164°, alínea i) e 165°, n° 1, alíneas f) e
g), da Constituição), e de revisão constitucional - direitos dos traba-
lhadores, das comissões de trabalhadores e das associações sindicais (vide
o artigo 288°, alínea e), da Constituição) . 1

Desta forma, para além de um conjunto de regras comuns, distingue-


-se um regime de direitos, liberdades e garantias, pensado para direitos
caracterizados pela sua dimensão predominantemente negativa, de um
regime dos direitos económicos, sociais e culturais, concebido para direi-
tos caracterizados pela sua dimensão predominantemente positiva, como
se essas duas vertentes não se verificassem sempre em todos os direitos
fundamentais e pudessem dar origem a duas categorias autónomas (tanto
do ponto de vista conceptual como das normas aplicáveis).
Ora, uma tal separação de regimes jurídicos é dificilmente com-
patibilizável com a ideia, consensualmente partilhada pela doutrina e
jurisprudência nacionais, de que, em nossos dias, os direitos, liberdades e
garantias não correspondem mais apenas a deveres de abstenção estaduais,
mas exigem também a intervenção dos poderes públicos, da mesma
maneira que os direitos económicos, sociais e culturais, para além de
dependerem de tarefas estaduais, também conferem um domínio constitu-
cionalmente garantido de agressões exteriores por parte de entidades
públicas.
A "incomodidade" decorrente do facto de se criarem regimes jurídi-
cos distintos para realidades estruralmente idênticas, ainda que com graus
diferentes de predominância das respectivas dimensões subjectiva e objec-
tiva, parece ter sido sentida tanto pelo legislador como pela doutrina, que
1 Vide JORGE MIRANDA, «Manual de D. C. - D. F.», tomo I V , cit., pp. 2 1 5 e ss.
(«regime comum dos direitos fundamentais»), pp. 311 e ss. («regime específico dos direi-
tos, liberdades e garantias»), pp. 383 e ss. («regime específico dos direitos económicos,
sociais e culturais»).
Em especial, sobre o regime dos direitos sociais vide MANUEL AFONSO VAZ,
«O Enquadramento Jurídico-Constitucional dos "Direitos, Económicos, Sociais e Cul-
turais"», in «Júris et de Jure - Nos Vinte Anos da Faculdade de Direito da Universidade
Católica Portuguesa», Publicações da Universidade Católica Portuguesa, Porto, 1998,
páginas 603 e seguintes.
Da Constituição Verde para as Relações Jurídicas Multilaterais... 101

a procurou superar através do recurso aos «direitos fundamentais de


natureza análoga», aos quais se aplicaria o regime jurídico dos direitos,
liberdades e garantias (artigo 17° da Constituição). Tratar-se-ia, portanto,
de direitos fundamentais - leia-se: direitos económicos, sociais e culturais
- que eram simultaneamente distintos e análogos dos direitos, liberdades
e garantias. Sem que ninguém fosse muito bem capaz de esclarecer onde
é que residia a analogia, nem quais os padrões a comparar, nem sequer os
critérios utlizáveis de determinação da identidade ou da diferença...
Esta "não-categoria" dos direitos fundamentais análogos aos direitos,
liberdades e garantias, surgia assim como uma espécie de "chave-mágica"
para resolver o problema do esbatimento de fronteiras teórico-conceptuais
entre direitos de primeira, de segunda ou de terceira geração, possibilitan-
do a superação pragmática da rigidez da dicotomia de regimes jurídicos
dos direitos fundamentais. Mas se, por um lado, o recurso a um tal "expe-
diente" dos "direitos análogos" permitia resolver os problemas práticos
decorrentes da necessidade de ultrapassar a dualidade de regimes jurídicos
em matéria de direitos fundamentais; por outro lado, em termos dogmá-
ticos, a necessidade de considerar tais direitos "hamletianos", divididos
entre "o ser e o não ser", punha em causa quer a relevância da distinção,
quer a dualidade de regimes jurídicos, entre direitos, liberdades e garantias
e direitos económicos, sociais e culturais, mostrando bem como "algo ia
mal no reino da Dinamarca"...
Tudo isto se vai tornar ainda mais evidente no que diz respeito ao
direito fundamental ao ambiente. Já que a consagração de um tal direito
vai contribuir para pôr em causa a dualidade classificatória e de regime
jurídico dos direitos fundamentais. E obrigar a considerar que, «embora
contemplado "ex professo" no título III da parte I da Constituição, o "di-
reito ao ambiente" não suscita só, nem talvez primordialmente, direitos
económicos, sociais e culturais. Conduz outrossim a direitos, liberdades e
garantias ou a direitos de natureza análoga» ( J O R G E M I R A N D A ) . 1

Da minha perspectiva, a consideração da natureza dos direitos fun-


damentais não pode deixar de ter consequências em termos de regime
jurídico. Se é verdade que, conforme se tem vindo a dizer, todos os direi-
tos fundamentais (não obstante terem origem na primeira, na segunda ou
na terceira geração) apresentam simultaneamente uma dimensão negativa,
correspondente à defesa contra agressões dos poderes públicos, e uma
dimensão positiva, correspondente à necessidade de actuação das enti-

1 JORGE MIRANDA, «Manual de D. C. - D. F.», tomo IV, cit. / p. 539.


102 Lições de Direito do Ambiente

dades públicas (ainda que, em cada um dos direitos fundamentais - assim


como em cada uma das categorias que se formaram historicamente - seja
variável o peso relativo maior ou menor das respectivas vertentes positiva
e negativa). Então, também o regime jurídico de todos os direitos funda-
mentais deve ter em conta tal realidade, combinando regras destinadas a
garantir uma esfera individual protegida de agressões de entidades públi-
cas (e privadas), com regras destinadas ao estabelecimento de deveres de
actuação e tarefas públicas, de modo a permitir a concretização das metas
fixadas pelo legislador constituinte.
E a esta luz que devem ser interpretadas as disposições constitu-
cionais relativas aos direitos fundamentais. Assim, o denominado regime
jurídico dos direitos, liberdades e garantias, que integra um conjunto de
regras destinadas a impedir agressões públicas (e privadas), é de aplicar a
todos os direitos fundamentais na medida da sua vertente negativa; da
mesma maneira como o denominado regime dos direitos, económicos,
sociais e culturais, que corresponde à regulação da actuação dos poderes
públicos, é de aplicar a todos os direitos fundamentais na medida da sua
vertente positiva.
Da minha perspectiva, não há portanto que separar dois regimes
jurídicos distintos, o dos direitos, liberdades e garantias e o dos direitos
económicos, sociais e culturais, antes considerar que tais regras jurídicas
devem ser aplicadas a todos os direitos fundamentais no que diz respeito
às respectivas vertentes negativa e positiva. Da mesma maneira como a
aplicação do regime dos direitos, liberdades e garantias aos direitos
económicos, sociais e culturais não decorre, portanto, de uma qualquer
"pretensa" analogia - tal como não obriga à criação da "não-categoria"
dos "direitos análogos" -, mas resulta sim da identidade de natureza de
todos os direitos fundamentais.
E é precisamente essa identidade de natureza dos direitos fundamen-
tais que justifica a regra do artigo 17° da Constituição, que manda aplicar
o regime jurídico dos direitos, liberdades e garantias também aos direitos,
económicos, sociais e culturais. Ainda que seja criticável a sua formu-
lação, trata-se de uma regra muito importante, na medida em que permite
estabelecer um regime jurídico unificado para todos os direitos fundamen-
tais.
O direito ao ambiente, oriundo da terceira geração dos direitos
humanos, apresenta em simultâneo uma vertente negativa, que garante ao
seu titular a defesa contra agressões ilegais no domínio constitucio-
nalmente garantido, e uma vertente positiva, que obriga à actuação das
entidades públicas para a sua efectivação. Assim - e respondendo à ques-
Da Constituição Verde para as Relações Jurídicas Multilaterais... 103

tão formulada no início -, ao direito ao ambiente é de aplicar o regime


jurídico dos direitos, liberdades e garantias, na medida da sua dimensão
negativa, e o regime jurídico dos direitos, económicos, sociais e culturais,
na medida da sua dimensão positiva.

SUGESTÕES DE LEITURA
VIEIRA DE ANDRADE, «OS Direitos Fundamentais na Consti-
tuição Portuguesa de 1976», 2 edição, Almedina, Coimbra, 2001.
a

GOMES CANOTILHO, «Relações Jurídicas Poligonais, Ponde-


ração Ecológica de Bens e Controlo Judicial Preventivo», in Revista
Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n° 1, páginas 55 e seguintes.
— «Direito Constitucional e Teoria da Constituição», 4 edição,
a

Almedina, Coimbra, 2000 (páginas 1213 e seguintes).


HELMUT GOERLICH, «Grundrechte ais Verfahrensgarantien»,
I edição, Nomos, 1981.
a

KONRAD HESSE, «Grundzuege des Verfassungsrechts der


Bundesrepublik Deutschland», 20 edição, C. F. Mueller, Heidelberg,
a

1995 (páginas 125 e seguintes).


JORGE MIRANDA, «A Constituição e o Direito do Ambiente»,
in «Direito do Ambiente», Instituto Nacional de Administração, Lis-
boa, 1994, páginas 353 e seguintes.
— «Manual de Direito Constitucional - Direitos Fundamen-
tais», tomo IV, 3 edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2000.
a

GERARDO RUIZ-RICO RUIZ, «El Derecho Constitucional al


Médio Ambiente», Tirant lo Blanch, Valencia, 2000.
VASCO PEREIRA DA SILVA, «Em Busca do Acto Adminis-
trativo Perdido», Almedina, Coimbra, 1996, (páginas 212 a 273).

2.2 - O alargamento dos direitos subjectivos públicos e as relações


jurídicas de ambiente
Um tal entendimento dos direitos fundamentais abre as portas para
um entendimento global das posições substantivas de vantagem dos
particulares em face das autoridades públicas. Além de possibilitar o
alargamento dos direitos subjectivos públicos, mediante o recurso à Cons-
tituição, no âmbito de relações jurídicas multilaterais.
Pois, conforme se escreveu noutra altura, «o alargamento dos direitos
subjectivos públicos com base nos direitos fundamentais implicou (...) a
reformulação do conceito de relação jurídica, obrigando a considerar como
104 Lições de Direito do Ambiente

sujeitos das ligações administrativas outros privados que não apenas aque-
les a quem são aplicáveis normas ordinárias de cariz indiscutivelmente sub-
jectivo, ou que são os imediatos destinatários de actos administrativos.
Esses particulares, titulares de direitos subjectivos públicos, já não podem
mais ser considerados "terceiros" em face da Administração, ou perante
aqueloutros privados imediatamente destinatários da sua actuação, antes
como autónomos sujeitos de uma relação multilateral, que tem de incluir
direitos e deveres recíprocos dos particulares (de cada um deles rela-
tivamente ao outro, ou outros, e de cada um deles em face da autoridade
administrativa) e da Administração (relativamente a cada um dos parti-
culares)» .1-2

Assim sucedeu também no domínio do Direito do Ambiente. A con-


sagração do direito fundamental ao ambiente, por um lado, vai constituir
o fundamento para a existência de relações administrativas de ambiente,
que decorre do reconhecimento ao particular do estatuto de sujeito de di-
reito nas relações ambientais. Por outro lado, vai permitir também ao par-
ticular «alegar o seu direito fundamental ao ambiente e à qualidade de vida
(artigo 66°, n° 1 da Constituição), para fazer valer a sua posição jurídica
subjectiva em face da Administração e do poluidor», daí surgindo uma
«relação jurídica multilateral entre a Administração, o poluidor e o pri-
vado que é lesado de forma grave no seu direito fundamental» . 3

Direitos subjectivos invocáveis nas relações de ambiente são, pois,


tanto os que a lei expressamente refere como tais, como aqueles que resul-
tam de um dever legal da Administração estabelecido também no interesse
do particular, como ainda aqueloutros que decorrem do direito de defesa,
consagrado na Constituição, contra agressões ilegais. Em todos esses
casos, trata-se de posições substantivas de vantagem dos particulares que
integram o conteúdo de relações jurídicas multilaterais.
Isso mesmo parece resultar, na nossa ordem jurídica, do artigo 53° do
Código de Procedimento Administrativo, que confere legitimidade pro-
cedimental a todos os que possam fazer valer uma posição subjectiva de
vantagem. Aí se estabelece que, para além dos «titulares de direitos sub-
jectivos ou interesses legalmente protegidos» (artigo 53°, n° 1, do Código
de procedimento Administrativo), ainda se consideram «dotados de legi-
timidade para a protecção de interesses difusos», «os cidadãos a quem a

1 Daí que, em rigor, seja incorrecta a designação tradicional destes direitos subjec-
tivos, na dogmática alemã, como "direitos subjectivos de terceiros". Vide supra.
2 VASCO PEREIRA DA SILVA, «Em Busca do A . A . P.», cit., p. 273.
3 VASCO PEREIRA DA SILVA, «Em Busca do A . A. P.», cit., p. 2 9 1 .
Da Constituição Verde para as Relações Jurídicas Multilaterais... 105

actuação administrativa provoque ou possa previsivelmente provocar pre-


juízos relevantes em bens fundamentais como (...) o ambiente» (artigo 53°,
n° 2, alínea a)) .1

Pois, da minha perspectiva, e independentemente da formulação uti-


lizada, o «que o legislador consagrou, mediante a expressão "legitimidade
para a protecção de interesses difusos", foi o direito de intervenção no pro-
cedimento dos particulares que alegam poder vir a ser lesados nos seus
direitos fundamentais pela actuação das autoridades administrativas. Está-
-se, pois, perante o reconhecimento pela ordem jurídica de um "direito de
defesa", decorrente dos direitos fundamentais, relativamente aos privados
susceptíveis de ser afectados por uma agressão futura por parte da Admi-
nistração. Direito de defesa no procedimento, que possui um carácter pre-
ventivo de agressões administrativas futuras, e que é completado, em caso
de efectivação da lesão, pelo direito de recurso jurisdicional, que cabe aos
particulares lesados. Em ambos os casos, não se trata de simples posições
processuais desgarradas, antes esses direitos ao procedimento e ao pro-
cesso têm subjacentes as posições jurídicas substantivas dos privados
decorrentes dos direitos fundamentais» . 2-3

Desta forma - e em síntese -, a consideração do direito ao ambiente


na sua dupla vertente (objectiva e subjectiva), assim como a adopção de
uma noção ampla de direito subjectivo público, fornecem uma "chave"
para a compreensão das relações jurídico-públicas ambientais, permitindo
assim "fazer a ponte" entre o Direito Constitucional e o Direito Adminis-
trativo do Ambiente.

1 vide FREITAS DO AMARAL / JOÃO CAUPERS / JOÃO MARTINS CLARO / MARIA DA

GLÓRIA GARCIA / JOÃO RAPOSO / PEDRO SIZA VIEIRA / VASCO PEREIRA DA SILVA - « C ó -
digo do Procedimento Administrativo - Anotado», 3 edição, Almedina, Coimbra, 1997,
A

páginas 111 e seguintes (anotação ao artigo 53.°).


2 VASCO PEREIRA DA SILVA, «Em Busca do A . A . P.», cit., p. 2 8 3 .
3 Como então se sustentava, contra esta interpretação não procede «o argumento,
segundo o qual o Código de Procedimento Administrativo utiliza a expressão "interesses
difusos", pois a ele pode-se sempre contrapor a alegação - também ela literal - de que o
Código usa igualmente o termo "bens fundamentais", desta forma remetendo essas
posições jurídico-subjectivas para o domínio dos direitos fundamentais. Para além de que
é ao aplicador do direito, e não ao legislador, que cabe - respeitando, embora, sempre as
opções legislativas - a escolha das melhores soluções doutrinárias. Pelo que nada impede
a doutrina de qualificar como direitos subjectivos (de defesa) baseados nos direitos fun-
damentais, estas posições substantivas de vantagem dos privados» (VASCO PEREIRA DA
SILVA, «Em Busca do A. A. P.», cit., p. 285).
106 Lições de Direito do Ambiente

SUGESTÕES DE LEITURA
FREITAS DO AMARAL / JOÃO CAUPERS / JOÃO MARTINS
CLARO / MARIA DA GLÓRIA GARCIA / JOÃO RAPOSO / PEDRO
SIZA VIEIRA / VASCO PEREIRA DA SILVA - «Código do Procedi-
mento Administrativo - Anotado», 3 edição, Almedina, Coimbra,
a

1997 (anotação ao artigo 53°, páginas 111 e seguintes).


GOMES CANOTILHO, «Relações Jurídicas Poligonais, Ponde-
ração Ecológica de Bens e Controlo Judicial Preventivo», in Revista
Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n° 1, páginas 55 e seguintes.
VASCO PEREIRA DA SILVA, «Em Busca do Acto Administra-
tivo Perdido», Almedina, Coimbra, 1996 (páginas 255 a 297).

3 - As relações jurídicas multilaterais de Direito do Ambiente

3.1 - A multilateralidade das relações administrativas de ambiente


Conforme resulta do que se tem vindo a dizer, a maior parte das
relações administrativas de ambiente possui natureza multilateral. Pois, se
trata de relações em que existem várias partes, em que a Administração e
os diferentes particulares se envolvem numa rede de ligações jurídicas, de
que resultam direitos e deveres recíprocos.
Veja-se, de novo, o já bem conhecido exemplo do "pescador de
chalupa": uma relação jurídica de ambiente criada por uma autorização
administrativa ilegal concedida a uma indústria poluente. Nesta relação,
um dos sujeitos é a autoridade administrativa, que praticou o acto de auto-
rização, outro sujeito é o dono da fábrica, que é o destinatário dessa forma
de actuação, outro sujeito ainda é o pescador, que foi lesado nos seus direi-
tos fundamentais - mas, tal como ele, poderiam existir também outros
indivíduos (v. g. vizinhos da fábrica, outros pescadores) lesados de forma
grave nos seus direitos constitucionalmente garantidos. Todos eles, na
medida em que são afectados por uma decisão administrativa, se encon-
tram envolvidos numa teia de múltiplas ligações. Daí a necessidade de
considerar um modelo de relação jurídica, que não seja já a clássica
ligação bilateral, mas sim multilateral.
De resto, a teorização da relação jurídica multilateral representa
uma importante contribuição do Direito Administrativo do Ambiente -
como dos outros domínios novos do Direito Administrativo especial (v.g.
os Direitos do Urbanismo, da Construção, do Ordenamento do Território,
Da Constituição Verde para as Relações Jurídicas Multilaterais... 107

da Economia, da Segurança Social, da Cultura) - para a teoria geral do


Direito Administrativo. Já que a circunstância de tais relações jurídicas
multilaterais terem surgido primeiro, e de assumirem uma maior relevân-
cia, nesses domínios do Direito Administrativo especial, levou a que o
seu estudo fosse realizado primeiramente ao nível dessas áreas científicas
e, só mais tarde, transformado em categoria do Direito Administrativo
geral.
Refira-se, por último, uma questão controvertida (ainda que não seja
das mais importantes), que é a de saber qual a denominação mais adequada
para esta relação jurídica: multilateral, multipolar ou poligonal? Trata-se
de uma questão de teor algo formalista, que tem sido colocada sobretudo
pela doutrina alemã, e que não tem sido discutida entre nós, sendo os
termos referidos muitas vezes utilizados como sinónimos.
Contra a designação de relação jurídica poligonal, argumenta-se que
o polígono é uma figura geométrica, pelo que a ligação entre os seus dife-
rentes pontos apresenta um carácter fechado . Assim, as relações num
1

polígono poderiam apenas estabelecer-se entre dois pólos contíguos, mas


nunca entre pólos que não se encontrem ao lado uns dos outros. Ora, sus-
tenta-se que as relações jurídicas ambientais (como as demais relações
multilaterais) implicam a existência de ligações entre todos e quaisquer
sujeitos, uns em relação aos outros, numa rede de relacionamentos que não
é susceptível de ser representada graficamente pela figura do polígono,
pois aquelas não se estabelecem apenas entre pólos contíguos. E daí a
inadequação do termo de relação jurídica poligonal (mas o mesmo se
poderia dizer de similares entendimentos da designação de relação jurídica
multipolar), que se referem a uma representação fechada - em vez de
aberta, como é a realidade ambiental.
Pela minha parte, tenho usado - e julgo preferível fazê-lo - a deno-
minação de relação jurídica multilateral, na medida em que permite des-
crever melhor um relacioname»te~ealre sujeitos, que pode apresentar
múltiplas configurações, Mfd^^^ofíiítò lógica de flexibilidade (e não
uma qualquer rigidez geotrfátríca). Sirva dç^exemplo uma relação jurídica
regulada pela Lei do Rdidb (vide o "Regulamento Geral do Ruído", D.L.
n° 292 /2000, de 14 de Novembro), em que ijUervêm as autoridades admi-
nistrativas licenciadoras íg fiscalizadoras, o .49110 de uma discoteca e os
— — — /
1 Neste sentido vide NORBERT
6, «Die Rechtsverhaeltnistheoretische
Deutung absoluter Rechte», JUST / WOLLENSCHLAEGER / EGGERS / HABLITZEL, «Recht und
Rechtsbesinnung - Gedaechtnisschrift fuer Guenther Kuechenhoff (1907/1983)», Dunker
& Humblot, Berlin, 1987, páginas 13 e seguintes (maxime página 16).
274 Lições de Direito do Ambiente

acção (para defesa de interesses próprios, colectiva, ou popular), mas


igualmente por não ter procurado compatibilizar a ("nova") dimensão
punitiva com a ("velha") vertente ressarcitória da responsabilidade, para
além de ter regulado de forma manifestamente incompleta e imperfeita
esta distinta modalidade de responsabilidade civil (pois, também aqui, se
afigura escassa a simples referência à, antes referida, fixação "global" da
indemnização).
Daí a necessidade de apelar ao bom-senso do intérprete, e em espe-
cial da jurisprudência, para "reconstruir" a Lei da Acção Popular na sua
aplicação, em matéria de responsabilidade ambiental, de modo a permitir
uma tutela adequada tanto daqueles casos em que se verifica a lesão objec-
tiva de um bem (público), como daqueloutros em que existe a lesão de
interesses de grupo (ou interesses individuais homogéneos).
Por tudo isto se pode afirmar que a Lei da Acção Popular, ao chamar
a si também a regulação da responsabilidade ambiental, criou um regime
jurídico estanque (que não tem em conta o já estabelecido noutros
diplomas), confuso, incoerente e ineficaz. Não deixa, de resto, de ser
sintomático disso, o comentário de alguém ligado ao processo da sua ela-
boração. Segundo RUI MACHETE, esta lei teve uma «justificação política
que vos confidencio: é que se teve consciência nítida de que se não fosse
nesta altura, próximo das eleições, num clima propício a algumas ousa-
dias, e em que a nomenclatura partidária estava menos atenta, teria sido
muito difícil que esta lei tivesse vindo à luz do dia». Acrescentando ainda
que «foi de caso pensado que, muito embora aqui ou além tivessemos a
nítida consciência de que era útil reflectir um pouco mais, consultar algu-
mas pessoas, decidimos avançar» (Rui MACHETE) . Ora, perante tal "con-
1

fissão", está tudo dito, quaisquer outros comentários são inteiramente


desnecessários.
Em jeito de balanço final, os "traumas da infância difícil" do Direito
Administrativo, que se manifestaram originariamente também no que
respeita à questão da responsabilidade, não poderiam deixar de se reflec-
tir no domínio do Direito do Ambiente, designadamente quando está em
causa a responsabilidade administrativa. É por isso necessário que a dog-
mática administrativista rememore circunstâncias passadas e presentes, de
modo a poder contribuir para a "catarse" do direito da responsabilidade

1 Rui MACHETE, «Acção procedimental e acção popular - Alguns dos problemas


suscitados pela Lei n.° 83/95, de 31 de Agosto», in «Lusíada», cit., p. 270.
Conflitos Ecológicos: o Contencioso do Ambiente 275

civil da Administração pública, a qual, como se sabe, é "meio-caminho


andado" para a "cura de complexos de infância".

SUGESTÕES DE LEITURA
ADA PELLEGRINI GRINOVER, «A Acção Popular Portuguesa:
uma Análise Comparativa», in «Lusíada - Revista de Ciência e
Cultura», Número especial (Actas do I Congresso Internacional de
Direito do Ambiente da Universidade Lusíada - Porto), 1996, páginas
245 e seguintes.
Ruí MACHETE, «Acção Procedimental e Acção Popular -
Alguns dos Problemas Suscitados pela Lei n° 83/95, de 31 de
Agosto», in «Lusíada - Revista de Ciência e Cultura», Número espe-
cial (Actas do I Congresso Internacional de Direito do Ambiente da
Universidade Lusíada - Porto), 1996, páginas 263 e seguintes.
ANTÓNIO PAYAN MARTINS, «Class Actions em Portugal»,
Cosmos, Lisboa, 1999.
VASCO PEREIRA DA SILVA, «Verdes são Também os Direitos
do Homem; Responsabilidade Administrativa em Matéria de Am-
biente», Principia, Cascais, 2000, páginas 23 e seguintes.

4 - Breve nota sobre a tutela penal e contra-ordenacional do


ambiente
O surgimento de um Direito Sancionatório do Ambiente, permitindo
a reacção punitiva da ordem jurídica contra agressões ambientais, é um
fenómeno muito recente. Pois, só há pouco mais de duas décadas é que se
começou a colocar o problema da criminalização de condutas lesivas do
ambiente, surgindo o Direito Penal do Ambiente, ao mesmo tempo que se
alargavam as sanções administrativas ao domínio ambiental, dando
origem ao Direito Administrativo Sancionatório ou Contra-ordenacional
do Ambiente.
A primeira questão que se colocou, neste domínio, foi a de saber se
era possível criminalizar condutas lesivas do ambiente, se era ou não
admissível a existência de um Direito Penal do Ambiente, e qual poderia
ser o seu fundamento? A segunda questão a colocar, respondida a primeira
afirmativamente, foi a de saber se valia ou não a pena o Direito Penal do
Ambiente, se a tutela criminal era ou não o meio mais eficaz para reagir
contra agressões ambientais?
278 Lições de Direito do Ambiente

de responsabilidades colectivas», mas necessitam de «critérios estritos de


imputação de responsabilidades individuais» (HASSEMER) ; 1

c) o perigo de descaracterização e de subalternização do Direito


Penal, pois a maior parte dos crimes ambientais decorre da desobediência
às prescrições de autoridades administrativas. Colocando assim o Direito
Penal numa situação de «acessoriedade administrativa», pois ele «não
intervem autonomamente, antes fica na dependência do Direito Adminis-
trativo. Ou seja, a autoridade que controla o respeito pelas fronteiras do
Direito Penal deixou de ser o juiz para passar a ser a Administração»
(HASSEMER) . Pelo que o Direito Penal se transforma num «instrumento
2

auxiliar da Administração» (HASSEMER) ; 3

d) a ineficácia de um sistema sancionatório do ambiente de tipo


penal, dada a dificuldade prática em "apanhar" e em "condenar" os "crimi-
nosos do ambiente". O que conduz a um «défice de execução» do Direito
Penal do Ambiente, a uma situação em que «quase nenhumas são as penas
efectivamente aplicadas, quando se chega a elas, e as penas aplicadas são
irrisórias»(HASSEMER) . Talvez porque os juízes «hesitem na aplicação de
4

penas severas, porque pensam e sabem que são pouquíssimos aqueles que
lhes são trazidos para serem julgados. E pensam e sabem que esses
poucos, a quem eles têm a possibilidade de aplicar uma qualquer pena, são
também os menos indicados para personificarem a realidade dos atentados
contra o ambiente» (HASSEMER) . 5

Do lado dos defensores de uma tutela sancionatória do ambiente rea-


lizada preferencialmente através da via administrativa, apontam-se as
seguintes vantagens:
a) uma maior celeridade e eficácia na punição do infractor ambien-
tal, que decorre da simplicidade do procedimento administrativo (quando
1 WINFRED HASSEMER, «A Preservação do M. - A. A. do D . P.», cit in «Lusíada
R. de C. e C.», cit., p. 326.
2WINFRED HASSEMER, «A Preservação do M. - A. A. do D. P.», cit, in «Lusíada
R. de C. e C.», cit., pp. 324 e 325.
3WINFRED HASSEMER, «A Preservação do M . - A. A. do D . P», cit in «Lusíada
R. de C. e C.», cit., pp. 325.
4WINFRED HASSEMER, « A Preservação do M . - A. A . do D. P.», cit., in «Lusíada
R. de C. e C.», cit., pp. 323 e 324.
5WINFRED HASSEMER, «A Preservação do M.-A. A. do D. P.», cit., in «Lusíada R
de C. e C.», cit., pp. 325.
Conflitos Ecológicos: o Contencioso do Ambiente 279
comparado com o processo judicial) e que permite a prontidão da resposta
punitiva ao delito cometido;
b) permite a responsabilização não apenas dos indivíduos mas tam-
bém das pessoas colectivas, alargando o universo dos sujeitos a quem pode
ser imputado um comportamento delitual, ao mesmo tempo que por
facilitar a imputação (objectiva) do delito, permite o aligeiramento da
apreciaçao do nexo de causalidade em matéria de ambiente ; 1

c) salvaguarda a autonomia do Direito Penal, que não necessita de


estar mais subalternizado às estatuições das autoridades administrativas
(ainda que isto signifique a atribuição a estas do poder de punir) per-
mitindo assim manter a "pureza" do tipo legal dos crimes e da dogmática
penalística. O que, diga-se de passagem, só em parte se verifica, pois na
medida em que se admitam crimes ambientais tal relação de "dependência
administrativa" continua a existir.
Mas, do lado passivo do balanço, contra a tutela sancionatória
ambiental efectuada preferentemente pela via administrativa, podem ser
alegados os seguintes inconveniente:
a) a diminuição das garantias de defesa dos particulares, pois a trans-
ferência das questões delituosas para a esfera administrativa, do processo judi-
cial para o procedimento administrativo, implica uma diminuição efectiva das
possibilidade de defesa dos particulares - ainda que esteja sempre salva-
guardada a possibilidade de intervenção dos tribunais pela via do recurso;
b) a tendência para a "banalização" das actuações delituais em matéria
de ambiente, que ficam, em regra, remetidas para o universo das sanções de
natureza pecuniária, sendo vistas como uma realidade de importância
"menor" e sempre à espera da "próxima festividade" amnistiadora;
c) a tendência para a transformação da sanção pecuniária num sim-
ples "custo" da actividade económica poluente, que pode tornar "lucra-
tivo" um delito ambiental mediante uma mera operação contabilística de
"deve e haver". O que deve obrigar o legislador a ter em consideração esse
factor na determinação do montante das coimas, de modo a conseguir que
elas possam ter um efeito dissuasor de comportamentos delituais no
domínio do ambiente.
1 Vide as considerações anteriores acerca do "aligeiramento" na apreciação do nexo
de causalidade, no domínio ambiental, sempre que seja possível determinar um sujeito
culpável.
280 Lições de Direito do Ambiente

Tudo visto, parecem ser de excluir as perspectivas meramente exclu-


sivistas de tutela sancionatória do ambiente, que tudo remetem para o
domínio do Direito Penal ou para o domínio do Direito Contra-ordena-
cional, havendo antes que combinar, de forma equilibrada as sanções
penais com as sanções de natureza administrativa.
Da mesma maneira como não se me afigura adequada a espécie de
"terceira via", sugerida por HASSEMER, que depois de considerar a tutela
criminal como um mero «Direito Penal simbólico» - «identificável através
de duas características: por um lado, não serve para a protecção efectiva
de bens jurídicos, por outro lado, obedece a propósitos de pura jactância
da classe política» -, acaba por propor a «criação de um novo ramo do
1

Direito» .2

Consistindo este "novo" «Direito de Intervenção ("Interven-


tionsrecht")» no resultado da reunião de «todas as franjas dos outros ramos
de direito que têm relação directa com o chamado direito ambiental»
(HASSEMER) , nomeadamente dos direitos penal, fiscal, económico, dos
3

ilícitos civis, das contravenções, da polícia, do planeamento do território,


da protecção da natureza, das autarquias. Dir-se-ia, ironizando, e ressal-
vado o devido respeito, que o autor - mais lúcido quando se trata de
criticar do que quando se trata de construir - sugere amalgamar num ramo
de direito "autónomo" todas as normas (ainda que vagamente) san-
cionatórias do Direito do Ambiente, numa espécie de "versão alemã" do
conhecido "albergue espanhol", sem que se perceba muito bem qual a
razão de ser, nem os fundamentos da unidade ou da autonomia desse pre-
tenso ramo do direito, muito menos qual a sua utilidade prática...
Da minha perspectiva, como disse, julgo que a via mais indicada para
a tutela sancionatória do ambiente não dispensa a criminalização das con-
dutas mais graves de lesão do ambiente, já que a defesa do ambiente é
parte integrante dos valores fundamentais das sociedades em que vivemos
e corresponde a (renovadas) exigências de realização da dignidade da pes-
1 E o autor continua a sua violenta crítica ao Direito Penal do Ambiente,
considerando que, «para além de custar pouco dinheiro ao Estado, apresenta ainda a van-
tagem de servir para acalmar contestações políticas». Pelo que o seu «verdadeiro préstimo
redunda em desobrigar os poderes públicos de prosseguirem uma política de protecção do
ambiente efectiva» (WINFRED HASSEMER, «A Preservação do M.-A. A. do D. P.», cit., in
«Lusíada, R. de C. e C.», cit., pp. 327).
2 WINFRED HASSEMER, «A Preservação do M.-A. A. do D. P.», cit., in «Lusíada, R.
de C. e C . » , cit., pp. 327.
3 WINFRED HASSEMER, «A Preservação do M.-A. A. do D. P.», cit., in «Lusíada, R.
de C. e C.», cit., pp. 328.
Conflitos Ecológicos: o Contencioso do Ambiente 281

soa humana, mas sem que isso signifique a banalização do Direito Penal
do Ambiente, pois o modo "normal" de reacção contra delitos ambientais
deve ser antes o das sanções administrativas ou contra-ordenações. Assim,
de acordo com FERNANDA PALMA, se a tutela ambiental não dispensa a
tipificação de crimes ambientais, ela deve estar submetida a «limites
rigorosos, não podendo ultrapassar, legitimamente, a evidente repercussão
humana (já tomando em conta as gerações futuras)»; ao passo que que a
tutela contra-ordenacional, «pelos meios sancionatórios que oferece
(sobretudo ao nível das sanções acessórias) e por não ser seu critério pre-
dominante de fim e medida da sanção a culpa, mas antes a reparação do
dano e a desmotivação do infractor através do prejuízo pecuniário cau-
sado pela sanção, (...) oferece mecanismos ideais relativamente a condutas
anti-ambientais não imediatamente anti-humanas ou só remotamente
perigosas para os bens jurídicos pessoais ou sociais» (FERNANDA
PALMA) . 1

No direito português existem crimes ambientais, nomeadamente os


previstos no Código Penal (Decreto-Lei n° 48 /95, de 15 de Março), assim
como numerosas sanções administrativas, as quais constam, entre outras,
das múltiplas leis reguladores das formas de actuação ambiental ou dos
componentes ambientais naturais, na modalidade de contra-ordenações,
que seguem o regime do ilícito de mera ordenação social (Decreto-Lei
n° 433 /82, de 27 de Outubro) . No que respeita à questão de saber qual a
2

opção do ordenamento jurídico em termos de modelo preferencial de


tutela sancionatória do ambiente, eu diria que parece ser privilegiada a via
administrativa, o que decorre tanto do facto da maior parte dos delitos
ambientais corresponder a contra-ordenações, como do limitado elenco de
crimes ambientais . 3

1 MARIA FERNANDA PALMA, «Direito Penal do Ambiente - Uma Primeira Abor-


dagem», in «Direito do Ambiente», Instituto Nacional de Administração, 1994, página 438.
2 Sobre os diplomas referidos, assim como demais legislação avulsa, vide JORGE
DOS REIS BRAVO, «A Tutela Penal dos Interesses Difusos - A Relevância Criminal na
Protecção do Ambiente, do Consumo e do Património Cultural», Coimbra Editora, Coim-
bra, 1997.
3 Preferência pela via administrativa que resulta da lógica e do "espírito" do sis-
tema, considerado na sua globalidade, o que não impede que normas isoladas pareçam
apontar em sentido diverso. Como é o caso, nomeadamente, do artigo 47.°, n.° 2, da Lei
de Bases do Ambiente, que ao estabelecer que «se a mesma conduta constituir simultane-
amente crime e contra-ordenação, será o infractor sempre punido a título de crime, sem
prejuízo das sanções acessórias previstas para a contra-ordenação», parece apontar antes
no sentido da preferência pela via penal.
282 Lições de Direito do Ambiente

O Código Penal ocupa-se dos crimes ambientais no Capítulo III,


«Dos Crimes de Perigo Comum», do Título IV, «Dos Crimes contra a Vida
em Sociedade», nos artigos 272° e seguintes. Trata-se de crimes em que
está em causa uma conduta humana eticamente reprovável, ainda que a
medida dessa reprovabilidade decorra do incumprimento de um dever
(crime de dever ou de desobediência), resultante do incumprimento de
uma disposição legal ou regulamentar, da qual resulta a lesão de um bem
ambiental (crime de resultado ou de dano) . 1

Crimes ambientais são especificamente o de danos contra a natureza


(artigo 278° do Código Penal), o de poluição (artigo 279° do Código
Penal) e o de poluição com perigo comum (artigo 280° do Código Penal).
Assim, verifica-se o crime de:
a) Danos contra a Natureza (artigo 278° do Código Penal), sempre
que alguém:
- eliminar exemplares de fauna ou flora, ou destruir habitat natural,
ou esgotar recursos do subsolo;
- de forma grave, isto é, se fizer desaparecer ou contribuir decisiva-
mente para fazer desaparecer uma ou mais espécies animais
ou vegetais de certa região, ou se causar perdas importantes nas

1 Para um maior desenvolvimento da problemática dos crimes ambientais no direito


português vide JORGE FIGUEIREDO DIAS, «Sobre o Papel do Direito Penal na Protecção do
Ambiente», in «Revista de Direito e Economia», 1978, n.° 1 (Janeiro / Junho), páginas 3
e seguintes; PEDRO MAIA GARCIA MARQUES, «Direito Penal do Ambiente: Necessidade
Social ou Fuga para a Frente?», in «Direito e Justiça», 1999, tomos II (páginas 163 e
seguintes) e III (páginas 91 e seguintes); PAULO DE SOUSA MENDES, «Vale a P. o D. P. do
A.?», cit.; JOSÉ SOUTO DE MOURA, «Tutela Penal e Contra-ordenacional do Ambiente -
Notas à Jurisprudência», in «Textos», Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1994,
páginas 175 e seguintes; MARIA FERNANDA PALMA, «Direito P. do A. Uma P. A.», cit., in
«Direito do A.», cit., pp. 431 e ss.; «Novas Formas de Criminalidade: o Problema do
Direito Penal do Ambiente», in «Estudos Comemorativos do 150.° Aniversário do Tri-
bunal da Boa-Hora», Ministério da Justiça, Lisboa, páginas 199 e seguintes; ANABELA
MIRANDA RODRIGUES, «OS Crimes contra o Ambiente no Código Penal Português Re-
visto», in «Lusíada», cit., pp. 301 e ss.; «A propósito do Crime de Poluição (artigo 279.°
do Código Penal)», in «Direito e Justiça», volume XII, tomo 1, 1998, páginas 103 e
seguintes; «Poluição», in FIGUEIREDO DIAS (coord.), «Comentário Conimbricence ao
Código Penal», tomo II, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, páginas 944 e seguintes;
GERMANO MARQUES DA SILVA, «O Futuro Código Penal e a Protecção do Ambiente», in
«O Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente» (Comunicações apresentadas numa
Conferência Nacional, que teve lugar em Lisboa, 26 /28 de Abril de 1993), Ambiforum,
Lisboa, 1993, páginas 54 e seguintes.
Conflitos Ecológicos: o Contencioso do Ambiente 283

populações de espécies de fauna ou flora selvagens legalmente


protegidas, ou ainda se esgotar ou impedir a renovação de um
recurso do subsolo em toda uma área regional;
- desrespeitando disposições legais ou regulamentares.
O que corresponde a uma pena:
- de prisão até 3 anos ou multa até 600 dias, em caso de dolo;
- de 1 ano de prisão ou pena de multa, em caso de negligência.
b) Poluição (artigo 279° do Código Penal), sempre que alguém:
- poluir águas ou solos ou degradar a suas qualidades;
- poluir o ar mediante utilização de aparelhos técnicos ou de insta-
lações;
- provocar poluição sonora mediante utilização de aparelhos técni-
cos ou de instalações, em especial de máquinas ou de veículos
terrestres, fluviais, marítimos ou aéreos de qualquer natureza;
- em medida inadmissível, isto é, sempre que a natureza ou os
valores da emissão ou da imissão poluentes contrariem pres-
crições ou limitações de natureza administrativa ou legal.
O que corresponde a uma pena:
- de prisão até 3 anos ou multa até 600 dias, em caso de dolo;
- de 1 ano de prisão ou pena de multa, em caso de negligência.
c) Poluição com perigo comum (artigo 280° do Código Penal), que é
um crime qualificado em relação ao anterior, sempre que alguém:
- praticar a conduta referida no crime anterior (poluição de água,
solos, ar, sons, em medida inadmissível);
-criar perigo para a vida ou para a integridade física de
outrem;
- ou criar perigo para bens patrimoniais alheios de valor elevado.
O que corresponde a uma pena:
- de prisão de 1 a 8 anos, se a conduta e a criação do perigo forem
dolosos;
- de prisão até 5 anos, se a conduta for dolosa e a cnaçao do perigo
ocorrer por negligência.
284 Lições de Direito do Ambiente

Em todos estes casos verifica-se, conforme se referiu, uma certa


«acessoriedade administrativa do Direito Penal do Ambiente»
("Verwaltungsakzessorietaet des Umweltstrafrechts"), ou «dependência
do Direito Administrativo do Ambiente» (KLOEPFER / VLERHAUS) . Tal 1

não deve contudo significar, segundo julgo, a substituição dos critérios


individualizados da culpa, ou da imputação subjectiva da conduta crimi-
nosa a um dado indivíduo, por critérios meramente objectivos de verifi-
cação da simples desobediência às disposições administrativas, antes deve
implicar a conjugação de ambas as dimensões para que se esteja perante um
crime ecológico. Tanto mais quanto, no nosso sistema jurídico, não apenas
são numerosas as sanções administrativas, como se pode mesmo falar numa
preferência pela tutela sancionatória do ambiente pela via administrativa, o
que deve levar a reservar o Direito Penal do Ambiente para os casos mais
graves de comportamentos anti-jurídicos lesivos do ambiente.
Uma última referência para as sanções administrativas, que assumem,
na sua maior parte a natureza de contra-ordenações, conforme resulta das
leis ambientais (relativas às formas de actuação administrativa ou aos com-
ponentes ambientais naturais) estudadas . Nos termos do D.L. n° 433/82, de
2

27 de Outubro, que regula o Ilícito de Mera Ordenação Social, «constitui


contra-ordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo
legal no qual se comine uma coima» (artigo I ). Trata-se de um «sistema
o

em que cabe às autoridades administrativas aplicar coimas, apenas inter-


vindo os tribunais na fase do recurso» , e em que a «descrição das condu-
tas ilícitas (...) prescinde da causalidade em relação aos danos e radica antes
na violação de prescrições das autoridades» (FERNANDA PALMA) . 3

Entre as vantagens, antes elencadas, de uma tutela sancionatória do


ambiente pela via administrativa, para além da maior prontidão e eficácia
da reacção punitiva e da não banalização do Direito Penal, indicava-se
também a possibilidade de responsabilização de entidades de natureza
colectiva. Isso mesmo resulta do artigo 7 , n° 1, do D.L. n° 433/82, de
o

27 de Outubro, que determina que «as coimas podem aplicar-se tanto às

1 KLOEPFER / VIERHAUS, «Umweltstrafrecht», cit., p. 23.


2 Vide, nomeadamente, os artigos 36.° e seguintes do D.L. n.° 69/ 2000, de 3 de
Maio (Avaliação de Impacto Ambiental), 11° do D.L. n.° 236/98, de 1 de Agosto
(Qualidade das Águas), 34.° e seguintes do D.L. n.° 69/ 2000, de 3 de Maio (Licença
Ambiental), 33.° e seguintes do D.L. n.° 352 /90, de 9 de Novembro (Ar e Poluição
Atmosférica).
1 MARIA FERNANDA PALMA, «Direito P. do A. - Uma P. A.», cit., in «Direito do
A.», cit., p. 432.
Conflitos Ecológicos: o Contencioso do Ambiente 285

pessoas singulares como às pessoas colectivas, bem como às associações


sem personalidade jurídica».
Mas é preciso igualmente não esquecer os inconvenientes referidos
da tutela contra-ordenacional, de forma a procurar evitar ou, pelo menos,
minimizar a sua verificação. Daí a necessidade de valorizar direitos
dos particulares, como o de audiência e de defesa (artigo 50°, do D.L.
n° 433/82, de 27 de Outubro), ou o de acompanhamento por advogado ou
defensor (artigo 53°, do D.L. n° 433/82, de 27 de Outubro), ou o de recurso
das decisões (artigo 55°, do D.L. n° 433/82, de 27 de Outubro). Assim
como de realçar a possibilidade de aplicação, para além das coimas, de
sanções acessórias (artigos 21° e seguintes, do D.L. n° 433/82, de 27 de
Outubro), de modo a evitar a desvalorização da importância do ilícito
contra-ordenacional (reduzido a uma simples dimensão pecuniária). Ou
ainda a necessidade de procurar que o pagamento das coimas não seja a
alternativa economicamente mais rentável, uma vez que os lucros espera-
dos compensam sobejamente esse "custo de produção", fazendo com que
a punição contra-ordenacional seja adequada e "exemplar" - ainda que
sem nunca esquecer o princípio da proporcionalidade.
Necessário é, portanto, aprofundar o estudo do Direito Contra-
-ordenacional do Ambiente, ao lado do Direito Penal do Ambiente, já que,
«tanto pelo conteúdo como pela entidade competente para a sua aplicação,
este direito autonomizou-se qualitativamente do Direito Penal, embora
ainda não se confunda com o Direito Administrativo» . Evitando "atitudes
1

clubísticas", que tantas vezes levam os juristas a considerar o Direito


Contra-ordenacional como "terra-de-ninguém", que não é trabalhada nem
por penalistas nem por administrativistas.
Em síntese, a solução do ordenamento português, de conjugar a
tutela penal com a contra-ordenacional do ambiente (com preferência pela
segunda), permite conjugar as vantagens (e obviar aos inconvenientes) dos
modelos exclusivistas, abrindo caminho para uma reacção sancionatória
plena, adequada e efectiva da ordem jurídica contra comportamentos
delituosos lesivos do ambiente.

1 MARIA FERNANDA PALMA, «Direito P. do A. - Uma P. A.», cit., in «Direito do


A.», cit., p. 4 3 2 . Vide também PEDRO PORTUGAL GASPAR, «Breves Apontamentos sobre o
Ilícito de Mera Ordenação Social na Área da Protecção do Ambiente», in «Revista Jurí-
dica do Urbanismo e do Ambiente, n.°8, Dezembro 1997, páginas 11 e seguintes.

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