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A TEORIA
PRÁXIS DA PROPRIEDADE APARENTE
CONTRA A GRILAGEM URBANA
CONTEXTUALIZADA
DA PROPRIEDADE
APARENTE
GOIÂNIA-GO
Kelps, 2023
Osmar Martins Pires
A TEORIA
GOIÂNIA USURPADA:
CONTEXTUALIZADA
PRÁXIS DA PROPRIEDADE APARENTE
DA PROPRIEDADE
CONTRA A GRILAGEM URBANA
APARENTE
EDITORA KELPS
Rua 19 nº 100 – St. Marechal Rondon
CEP 74.560-460 – Goiânia-GO
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REVISÃOREVISÃO
E FOLHA DE ROSTO
Osmar Pires Martins Junior
PROGRAMAÇÃO VISUAL E CAPA
Pedro Henrique Barros
TECONOLOGIA DA INFORMAÇÃO
Jhonatan AraújoCIP
Silva - especialista
– Brasil em T.I.
– Catalogação na(+55
Fonte62 99393-6970)
Dartony Diocen T. Santos CRB-1 (1º Região)3294
CIP - Brasil - Catalogação na Fonte
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Escritor Ubirajara Galli (AGL)
Escritor e Revisor Prof. Dr. Antônio C. M. Lopes
DEDICATÓRIA
Apresentação..............................................................................................................21
1. Introdução...............................................................................................................23
2. O referencial teórico...........................................................................................25
OBS.:
- VERIFICAR A
PAGINAÇÃO E
ATUALIZAR O SUMÁRIO
- SUPRIMIR APÊNDICE E
LEVAR SEU CONTEÚDO
PARA A 1ª E 2ª ORELHAS
E CONTRACAPA
PREFÁCIO
Graça Estrela1
Graça Estrela com o embaixador Luis
Fernando Serra, em Paris, na exposição
do Bicentenário da Independência do
Brasil, em 7 de setembro de 2022
1 Artista plástica formada pela Escola Nacional Superior de Belas Artes de Paris. Foi diretora de Comunicação
a praça do Parque Vaca Brava, tem uma área de 850 metros
da APVB - Associação de Preservação do Vaca Brava - Parque Sulivan Silvestre, no biênio 2007-09.
quadrados,
Participou ativamente quedefesa
da luta em foi do
preservada, até
parque e da sua hoje,
praça, e Bueno,
no St. assimemcontinuará,
Goiânia. É uma premiada
artista plástica, nascida em Ipameri-GO. Realizou 31 viagens ao exterior, às suas custas, e participou de 51
exposições emenquanto vida tiver,
Feiras Internacionais compaíses
por diversos árvores e grama.
como EUA, Uma Canadá,
França, Rússia, miniáreaEspanha,
Inglaterra, Coreia do Sul, Japão, México, Argentina, Equador, Colômbia, Uruguai. No Brasil, em capitais como
São Paulo, Brasília, Palmas, Manaus, Goiânia. Em 7 de setembro de 2022, fez a exposição "200 anos da
Independência do Brasil com a Graça das Araras em Paris", na Embaixada brasileira à 34, Rue Cour Albert,
Paris, France. Site: <www.gracaestrela.com.br>; e-mail: <araragracaestrela@gmail.com>; assista o vídeo da
Associação Goiana de Artes Visuais (AGAV): <https://www.youtube.com/watch?v=omIRMbkSTWg>.
Brava que poderiam secar! Mas a minha casa, de frente para a praça do Parque
Vaca Brava, tem uma área de 850 metros quadrados, que foi preservada, até hoje,
e assim continuará, enquanto vida tiver, com árvores e grama. Uma miniárea
verde, supervalorizada. Não cedi às ofertas milionárias
dos investidores que querem destruir a natureza e, no lugar
do verde, levantar espigões. Não tem dinheiro que pague a
beleza e a conservação das áreas verdes urbanas, públicas ou
particulares, onde habitam os pássaros, brotam os olhos d’água
e exalam as brisas frescas!
A APVB surgiu nos idos de 1995 com a denominação de
Associação dos Protetores do Vaca Brava. A primeira diretoria
foi presidida pelo engenheiro Ubirajara Alves Abbud e vice
presidida pelo engenheiro Bolívar Gonçalves Siqueira, este
último membro do Conselho Deliberativo quando fui diretora
de Comunicação no biênio 2007-09. A APVB nasceu na luta
pela recuperação, implantação e melhoria do Parque Vaca
Brava, tendo estabelecido a meta de luta pela incorporação a
ele da praça entre as Avenidas T-3 e T-5.
A APVB, em primeiro de setembro de 1995, trabalhou
junto com o autor deste livro, quando ele era secretário do Meio
Ambiente de Goiânia – Semma, no reflorestamento da área da
nascente do córrego Vaca Brava. Como se sabe, a cabeceira
das nascentes do córrego Vaca Brava foi destinada a parque
deste córrego
público pelo plano de loteamento do Setor Bueno, em 1951.
Contudo, estas áreas foram ilegalmente parceladas e alienadas
nos idos de 1970, autorizadas a construção de 12 arranha-céus
dentro do parque e de uma torre de 27 andares na praça.
Portanto, a praça e o parque foram ilegalmente
privatizados, escriturados e registrados em nome de particulares.
Dessa maneira, realizar o plantio de árvores nativas dentre de
15
propriedades privadas só seria possível com a autorização dos
proprietários ou da justiça.
Sendo assim, a APVB requereu ao titular da Semma
a autorização para promover o reflorestamento da área
verde, então totalmente desmatada, degradada e poluída. A
equipe técnica da Semma, formada por advogados, arquitetos
urbanistas, geógrafos e botânicos, emitiu o parecer e baixou
instrução normativa favorável à que a comunidade, através da
APVB, pudesse realizar o reflorestamento.
O pedido da APVB e o parecer da Semma foram
protocolados no juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública Municipal,
acolhidos pelo juiz Geraldo Salvador de Moura, que autorizou
o plantio como parte do cumprimento das cláusulas do termo
de ajustamento de conduta – TAC, firmado com o Município de
Goiânia, de recuperação da cabeceira do córrego Vaca Brava.
Só foi possível entrar numa área até então tida como
privada, em 1995, graças ao procedimento exitoso da APVB
em parceria com a Semma, já que a sentença anulatória da
escritura particular do parque foi proferida anos após, em
junho de 2004, pelo juiz Fabiano Aragão, que sucedeu o doutor
Geraldo Salvador de Moura na 2ª Vara da Fazenda Pública
Municipal de Goiânia.
Dessa maneira, a comunidade e o poder público uniram
esforços e realizaram o plantio simultâneo de 6.500 mudas de
espécies nativas. Foi um verdadeiro mutirão do reflorestamento
que envolveu entusiasticamente cerca de dez mil alunos e
professores da rede pública e privada. O evento repercutiu
16
no Brasil, sendo matéria de chamada no Jornal Nacional da
TV Globo. As mudas foram plantadas simultaneamente, na
manhã de uma quinta-feira, no Dia da Árvore de 1995 (21
de setembro), há 27 anos. Hoje, as mudinhas são árvores de
10-15 metros de altura, recompondo um pouco a exuberante
paisagem nativa do fundo de vale do Vaca Brava. A vigilância
permanente da APVB e da comunidade contribuiu para
recuperar um ambiente que, antes, era totalmente degradado e,
hoje, é um dos cartões postais da cidade de Goiânia.
Mais de uma década depois, em 2007, quando era
diretora de Comunicação da APVB, a vida nos reservou novo
encontro de luta com o autor do livro ora prefaciado. Dessa
feita, em defesa da praça do Vaca Brava, contra a construção
de uma torre na área pública de preservação permanente, onde
afloram nascentes que alimentam o lago do parque. Diante da
ameaça, a diretoria da APVB, em reunião no dia 4 de setembro
de 2007, decidiu:
[...] Tendo em vista o impacto negativo causado
pelo movimento de terra das máquinas, tanto
na flora nativa como nas já comprometidas
nascentes subterrâneas que alimentam o lago,
a diretoria da APVB e demais participantes
decidiram requisitar ao Ministério Público
provimento de recurso à decisão do Juiz de
primeiro grau, Fernando Mesquita, da 3° Vara
da Fazenda Pública Municipal para reaver como
de preservação permanente, o uso do solo da
mencionada área. Para tanto, foram convidados
os professores Osmar Pires Martins Junior,
mestre em Ecologia do curso de Pós-Graduação
em Perícia Ambiental da Universidade Católica
de Goiás e João Batista de Deus, doutor em
17
Ecologia Humana e diretor do Instituto de Estudos
Sócio Ambientais da Universidade Federal de
Goiás, profissionais que por terem participado
da gestão que deu origem ao Parque Vaca
Brava em 1996, conhecem com profundidades
a realidade hidro-edafo-ambiental do parque.
Para fazer parte dos trabalhos foi convidada
também, a advogada Jane Maria Balestrin do
Conselho Deliberativo da APVB. A equipe terá
como incumbência elaborar parecer técnico
de caracterização ambiental e urbanístico da
praça (T-3 com T-5), com análise técnica dos
impactos, no ecossistema do parque, causados
pelas máquinas e o posterior uso indevido dessa
área. O documento técnico subsidiará a APVB
no requerimento de recurso à decisão do Juiz de
primeiro grau [que privatizou a praça] junto ao
Ministério Público [...] (APVB, 2007)2.
18
seus cúmplices do poder público. Ao lado da comunidade,
sempre vigiei estas áreas verdes. Escrevia para os jornais e
denunciava à imprensa os desmazelos. Durante a gestão do
prefeito Pedro Wilson (2001-04), cobrei dele a integração ao
parque, tanto da praça, objeto de grilagem, entre as Avenidas
T-3 e T-5 com cerca de 6,6 mil metros quadrados de área, como
do playground, área pública sem conflito com 2 mil metros
quadrados, na esquina da Avenida T-5 com a Rua T-66.
Compelido publicamente, o prefeito anexou ao parque
a área pública do playground sobre a qual não pendia nenhum
conflito, e determinou o plantio de 250 mudas de espécies
nativas na área conflituosa da praça. Só que, na primeira
noite após a conclusão do plantio, as mudinhas foram todas
arrancadas por dezenas de capatazes à mando do grileiro da
praça. E ficou por isso mesmo.
Os nossos cumprimentos ao prof. Pedro Wilson pela
integração do playground ao parque, um equipamento que
faz a alegria de centenas de crianças e de seus pais todos os
dias. Os nossos parabéns seriam bem mais efusivos caso ele,
enquanto prefeito, tivesse integrado ao parque a área de 6,6 mil
metros quadrados da praça. Assim, Pedro Wilson seguiria seu
antecessor e correligionário Darci Accorsi, que recuperou a
área grilada de 90 mil metros quadrados do Parque Brava Vaca
ao domínio e posse do povo, inaugurando-o no Dia da Árvore
de 1996; e ainda anulou o alvará e embargou a construção de
um prédio de 27 andares na praça do parque.
19
Lamentavelmente, prevalece uma inexplicável inanição
dos gestores de Goiânia em relação à praça do Vaca Brava.
Decorridos quatro anos da decisão final do STJ, em dezembro
de 2018, que devolveu a praça ao povo, a área continua
abandonada, degradada, poluída. Todas as mudas de árvores
nativas que plantamos na praça são destruídas e esmagadas
pelos carros dos frequentadores do comércio que usam a praça
como estacionamento.
Vencemos em parte. Reconquistamos a cabeceira da
área verde, mas falta a integração da Praça ao Parque Vaca
Brava, para enriquecer e embelezar o nosso cartão postal, um
bem público de uso comum do povo.
Minhas reverências ao ambientalista e humanista Osmar
Pires e ao saudoso Darci Accorsi, ex-prefeito da nossa capital,
pela efetiva criação e inauguração do parque e pela defesa da
praça do Vaca Brava. Este livro é uma forma de expressão
literária que se soma a outras manifestações artísticas, como
telas, esculturas e músicas, que divulgam, expõem, analisam
criticamente a realidade, fomentam a consciência e a tomada
de posição sobre uma questão crucial dos nossos tempos: o
desafio da preservação. Sem natureza, não há futuro.
De Paris para Goiânia, em 7 de setembro de 2022
20
APRESENTAÇÃO
A publicação do conteúdo versado nesta obra é
motivada pela preocupação com o processo de dilapidação do
patrimônio ambiental urbano de Goiânia/GO, que reflete um
fenômeno comum às cidades brasileiras e latino-americanas.
O problema é complexo, em face do envolvimento do Poder
Público e dos agentes privados de produção do espaço urbano
na alienação de bens de uso comum por meio de práticas que
contrariam a norma, a jurisprudência e a doutrina atinente.
Em face de casos tais, questiona-se a hipótese de
aplicação da Teoria da Propriedade Aparente para se constatar
que ela não convalida o direito de propriedade privada
de um bem de uso comum do povo, em face da alienação
ilegal e fraudulenta da Praça e do Parque Vaca Brava que,
a fortiori, jamais permitiriam a aplicação do princípio que
embasa esta teoria. O uso do referido instituto, nos casos
analisados, contraria o conceito de propriedade e os seus
requisitos externos e internos, estabelecidos no artigo 1.228
do Código Civil combinado com os artigos 182, 183 e 225
da Constituição Federal – CF. A interpretação da Teoria da
Propriedade Aparente deve ser feita de forma sistemática
e integrada às funções socioambientais da propriedade e da
cidade, estatuídas no Estatuto da Cidade – Lei nº 10.257/2001,
que não autorizam atos dolosos de alienação de bens de uso
comum do povo.
A Teoria da Propriedade Aparente é instituto de
proteção, e não de agressão, ao direito de propriedade e aos
seus fundamentos, de maneira a resguardar que ela exerça
suas funções intrínsecas e extrínsecas. Realiza-se estudo mais
21
acurado sobre a aplicação da Teoria da Propriedade Aparente
em matéria referente ao direito patrimonial envolvendo bens
de uso comum da população, de maneira que o instituto sirva
ao seu desiderato de proteção da sociedade.
A análise sistemática e integrada do processo de
alienação ilegal e fraudulenta da praça e do parque em questão,
aponta para a agressão tanto de comandos constitucionais
pertinentes, que incluem o direito proprietário no rol taxativo
e pétreo das garantias individuais (artigo 5º, caput, da CF), a
função social da propriedade (artigo 5º, XXIII), o princípio
da atividade econômica (artigo 170, III), assim como normas
infraconstitucionais do Código Civil, inseridas no artigo
1.228, § 1º (da finalidade socioeconômica e ambiental da
propriedade), § 2° (que veda o uso nocivo da propriedade) e §
3º (que possibilita a desapropriação por interesse social).
Diante do exposto, o estudo permite considerar que, ao
final, as cidades carecem urgentemente de marcos institucionais,
normativos e administrativos efetivos capazes de, por um lado,
frear a conduta dilapidadora dos bens de uso comum pelos
agentes públicos e privados e, por outro, propiciar aos cidadãos
instrumentos de promoção da cidade sustentável, conforme se
encontra preconizado nos dispositivos mencionados da Carta
Mãe e do Estatuto da Cidade.
Goiânia é caso paradigmático de cidade dotada
de Patrimônio Ambiental Urbano constituído por bens de
valor econômico da ordem de R$ 1,85 trilhões de reais
(AMAZONAS, 2010; MARTINS JUNIOR, 2007). Este
patrimônio pode e deve ser protegido contra a dilapidação. Tal
é o desafio lançado aos agentes legitimados do povo, como sói
ocorrer na recuperação, aqui discorrida, da Praça e do Parque
22
Vaca Brava, no Setor Bueno, da capital goiana.
As palavras-chave abordadas neste trabalho são
direitos humanos, função social da propriedade e da cidade,
propriedade aparente, direito proprietário e desenvolvimento
sustentável.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho é motivado pela preocupação
com o processo de dilapidação do patrimônio ambiental urbano
goianiense, refletindo um fenômeno ocorrente nas cidades
brasileiras e latino-americanas. O caso em estudo se apresenta
complexo, em face do envolvimento do Poder Público e dos
agentes privados de produção do espaço urbano da capital
goiana na alienação de bens de uso comum por meio de
práticas que contrariam a norma, a jurisprudência e a doutrina
atinente (MARTINS JÚNIOR, 2014; 2013; 2008; 2007; 1996;
ONU-HABITAT, 2012; MACHADO, 2012).
Tem-se como ponto de partida o questionamento sobre
a hipótese de aplicação da Teoria da Propriedade Aparente,
para se constatar que ela não convalida o direito de propriedade
de um bem de uso comum do povo, em face da alienação
fraudulenta do Parque Vaca Brava que, a fortiori, jamais
permitiria a aplicação de princípio inserido nesta teoria, eis que
indevidamente manuseada pelos interessados em convalidar a
23
dilapidação de área pública (GOIAS, 20043; 19984).
O uso do referido instituto, portanto, contraria o
conceito de propriedade e os seus requisitos externos e
internos, estabelecidos no art. 1.228 do Código Civil – CC
combinado com arts. 182, 183 e 225 da Constituição Federal –
CF (AMADO, 2012). A interpretação da Teoria da Propriedade
Aparente deve ser feita de forma sistemática e integrada
às funções socioambientais da propriedade e da cidade,
estabelecidas nos arts. 2°, 4°, 40, dentre outros do Estatuto da
Cidade – Lei n° 10.257/2001, que não convalidam atos dolosos
de alienação de bens de uso comum do povo, ad exemplum, o
Parque Vaca Brava, no St. Bueno, em Goiânia/GO.
Segundo Rosenvald (2006), a Teoria da Propriedade
Aparente é instituto de proteção, e não de agressão, à
propriedade e aos seus fundamentos, de maneira a resguardar
que ela exerça suas funções intrínsecas e extrínsecas. Em
consequência, o instituto da evicção poderia ser manejado para
resguardar os direitos afetados.
Este estudo busca referência no direito proprietário com
ênfase no direito patrimonial e na função social da propriedade
24
com ênfase ao desenvolvimento equilibrado da sociedade
nos aspectos sociais, econômicos e ambientais, bem como
consequente função socioambiental da cidade sustentável.
A metodologia consiste na aplicação do método indutivo,
a partir de dados particulares referentes ao parcelamento e
alienação ilegal de um Parque Natural Municipal, instituído
de acordo com a norma brasileira (arts. 225, § 1º, III e 182,
caput, da CF combinado com art. 4º, V, e, do Estatuto da
Cidade – Lei 10.257/2001 e art. 11, § 4º, da Lei 9.985/2000
que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação
– SNUC), buscando inferência de uma verdade universal, em
complementação ao método da revisão bibliográfica para, com
base no fundamento básico da função social da propriedade,
avaliar a perspectiva da sustentabilidade do ambiente urbano
que, salvo melhor juízo, somente seria alcançado a contrario
senso do direito proprietário exercido no caso sub examine.
2. O REFERENCIAL TEÓRICO
25
Sustentável (REIS & MARTINS JUNIOR, 2021;
GONÇALVES, 2014; DONIZETTI, 2012; MACHADO,
2012).
26
sujeito, e a liberdade como objeto, visando proteger o indivíduo
contra o indivíduo, mas, principalmente, contra o Estado,
constituindo os direitos de primeira dimensão, que buscam
libertar o indivíduo do absolutismo de um ou de alguns sobre
todos, promovendo a liberdade e a igualdade, consagrando a
formulação clássica do Estado Liberal e a noção de liberdades
negativas limitadoras do intervencionismo estatal.
Na Constituição Federal do Brasil, esta dimensão
de direitos está consolidada na liberdade de pensamento e
expressão (art. 5º, IV, V, IX, art. 220, § 2º), de consciência
e crença (art. 5º, VI, VII e VIII, art. 19, I, art. 210, § 1º), de
informação (art. 5º, XIV, XXXIII, LX), de locomoção (art. 5º,
XV), da liberdade profissional (art. 5º, XIII), de reunião e de
associação (art. 5º, XVI a XXI).
27
com outra parte mais forte.
Esta dimensão de direitos possui teor econômico,
social ou cultural a serem viabilizados por meio da concepção
de liberdades positivas, de normas programáticas que efetivam
uma prestação do Estado do Bem-Estar Social – seja legislativa,
administrativa ou judicial – com o objetivo da promoção da
igualdade social.
A Constituição Federal do Brasil consagra esta dimensão
fundamental em dispositivos que efetivam a prestação positiva
do Estado no Título II, capítulo II Dos Direitos Sociais, e
no título VIII da Ordem Social, garantindo direitos sociais,
educacionais e culturais aos cidadãos, não mais considerados
individualmente, mas sim de caráter econômico e social, com
o objetivo de proporcionar melhores condições de vida a todos
indistintamente.
A segunda dimensão de direitos está vinculada às
condições de educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia,
lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e
à infância, assistência aos desamparados, cabendo ao Estado
garantir a prestação de tais direitos.
28
da comunicação e da informação, que internacionalizaram
os direitos humanos e relativizaram a soberania estatal, com
o surgimento de organismos políticos e sistemas normativos
supranacionais, que formalizaram declarações internacionais
ou supranacionais instituidoras de novos padrões morais de
solidariedade e respeito à dignidade da pessoa humana, criando
inovadoras condições de progresso material voltadas para o
gênero humano e os valores da sociedade humana.
Assim, estes direitos se estendem difusamente a toda
a sociedade humana, considerada indistintamente em sua
generalidade, englobando os direitos de solidariedade ou
fraternidade, que transcendem a esfera dos indivíduos recaindo
na titularidade coletiva, nos direitos difusos em geral, como o
meio ambiente equilibrado, vida saudável, progresso e outros.
Na Constituição Federal do Brasil, a terceira
dimensão está consagrada nos direitos difusos e coletivos da
dignidade da pessoa humana, esculpida no art. 1º, III, como
um dos fundamentos da República Federativa, assim como
na solidariedade, que aparece no art. 3º, I, como objetivo
republicano de uma sociedade livre, justa e solidária, ou ainda
no direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como
um dever do estado e da sociedade e um direito das atuais e
futuras gerações (art. 225). No art. 5º da CF/88 estão esculpidos
os direitos e garantias individuais, destacando-se no inciso
XXXII a imposição ao Estado de defender o consumidor.
A Lei nº 8.078/90 instituiu o Código de Defesa do
Consumidor – CDC que, no art. 81, disciplina, define e classifica
29
os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos:
direitos difusos como sendo direitos transindividuais, de
natureza indivisível, cujos titulares são pessoas indeterminadas
ligadas por circunstâncias de fato; direitos coletivos aqueles
transindividuais, de natureza divisível, cujos titulares são
grupos, categorias ou classes de pessoas ligadas entre si ou
com a parte contrária por uma relação jurídica base; e, direitos
individuais homogêneos como sendo os de origem comum.
A quarta dimensão de direitos
O marco histórico da quarta dimensão dos direitos
fundamentais é a Declaração Universal sobre o Genoma
Humano e os Direitos Humanos da UNESCO (1997), que abarca
aqueles relativos ao genoma, mas se estende ao pluralismo,
à informática, alimentos transgênicos, sucessão dos filhos
gerados por inseminação artificial, clonagens, biociências,
bioética, entre outros. No dizer de Bonavides (2005), concretiza
direitos fundamentais de novíssima dimensão, associada
objetivamente ao processo de globalização, de intercâmbio
técnico e científico, de avanço do conhecimento humano sobre
as mais diversas áreas, sobretudo aquelas relacionadas à saúde.
O Supremo Tribunal Federal – STF, em ação direta
de inconstitucionalidade – ADIN nº 3.510/DF que buscou a
impugnação em bloco do art. 5º da Lei de Biossegurança nº
11.105, de 24/03/2005, que versa sobre pesquisas com células-
tronco embrionárias, declarou a constitucionalidade do uso
de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas para
fins terapêuticos, reafirmou a proteção constitucional do
30
direito à vida e os direitos infraconstitucionais do embrião pré-
implanto e não do embrião in vitro, afastando, assim, qualquer
possibilidade de que tais pesquisas sejam caracterizadas como
prática abortiva, assim como, efetivou o direito constitucional
à liberdade de expressão científica ao reconhecer a Lei de
Biossegurança como instrumento do direito fundamental à
saúde e à vida digna (BRASIL, 2010)5.
31
pulverização de informações entre indivíduos, de maneira
célere, derrubando, em razão disso, as fronteiras geográficas e
antrópicas erigidas e abreviando as distâncias existentes.
O advento do espaço cibernético propiciou situação
singular, testemunhada de forma inédita em toda a história
da humanidade, com a possibilidade de interação on line, em
tempo real, entre indivíduos separados por distâncias físicas,
que poderão intercambiar informações, conhecimentos e
desenvolver atividades anteriormente inimagináveis, gerando
novos fatos e negócios jurídicos.
Por sua vez, o avanço cibernético propicia ferramentas
neocolonizadoras como o lawfare - uso estratégico do direito
para destruir a democracia. Trata-se de uma forma jurídica
de fake news, intensamente utilizada pela juristocracia, uma
casta dirigente do sistema de justiça. Tal casta atua a serviço
dos interesses corporativos articulados aos da elite nacional
e suas estratégias de subordinação ao imperialismo global
(MARTINS JUNIOR; REIS, 2022).
A quinta dimensão de direitos fundamentais se
relaciona especialmente ao tema aqui discutido, em face da
diretriz da ONU para o meio ambiente urbano de incorporação
dos direitos humanos ao planejamento e ao ordenamento do
território urbano, cuja implementação passa pelo mapeamento
online do espaço urbano, do patrimônio ambiental, natural e
construído, disponibilizando informações, permitindo o acesso
do cidadão e a sua participação na gestão compartilhada da
cidade (NAÇÕES UNIDAS, 2012).
32
Na busca pela promoção da sustentabilidade, os Poderes
Locais devem integrar os direitos humanos à política urbana,
especialmente através de políticas de ordenamento territorial
integradas ao planejamento urbano, às normas de gestão,
controle, uso do solo e de proteção ambiental, especialmente
as inter-relações entre áreas urbanas e rurais, assim como áreas
ambientalmente sensíveis, como o vale do córrego Vaca Brava,
cuja cabeceira é objeto deste estudo.
33
meio ambiente ecologicamente equilibrado, ex vi art. 225 da
Constituição Federal, verbis: “[...] é um típico direito de terceira
dimensão, de altíssimo teor de humanismo e universalidade,
que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o
gênero humano [...]” (BRASIL, 2005, p.7)6.
Em síntese, o direito das coisas, regido pelo princípio
do desenvolvimento sustentável, tem por objetivo evitar que
acontecimentos ambientais catastróficos de causas antrópicas
sejam transmitidos aos descendentes, bem como assegurar um
grau mínimo de sustentabilidade ao desenvolvimento humano.
Daí a condição sine qua non da proteção, preservação
e recuperação ambiental para o avanço científico e tecnológico
da humanidade.
34
A precaução
A precaução é um postulado fundamental do
desenvolvimento sustentável, assumido pelo Brasil como
signatário da Declaração do Rio de Janeiro, aprovada na
Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento, em 1992. A precaução deve ser observada
diante da ameaça de danos sérios ou irreversíveis e quando a
ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada
para postergar medidas preventivas viáveis contra a degradação
ambiental (CNUMAD, 1992).
São dois os pressupostos da precaução: a possibilidade
de que condutas humanas causem danos coletivos vinculados
a situações catastróficas que podem afetar o conjunto de
seres vivos (perigo de dano grave ou irreversível) e a falta
de evidência científica (incerteza) a respeito da existência do
dano potencial. Trata-se, então, de um importante conceito a
ser aplicado em face de ação humana que envolva situação
de perigo abstrato, com o intuito de inibir o risco de perigo
potencial, conceito esse, orientador de outras normas, sejam
elas de significado ético, técnico ou jurídico.
No âmbito do direito ambiental, os postulados jurídicos
são supernormas que constituem elementos formais definidores
de métodos de aplicação de outras normas, estruturando a
interpretação de princípios e regras. Existem os postulados
hermenêuticos e os postulados aplicativos. Os postulados
hermenêuticos são proposições que criam a possibilidade de
35
se obter uma correta compreensão do ordenamento, a exemplo
dos postulados da unidade, da coerência e da hierarquia que
apontam para a interpretação das normas como um sistema que
relaciona a parte ao todo, na medida de sua interdependência,
dentro de uma estrutura escalonada e hierárquica. Já os
postulados aplicativos são normas que definem métodos ou
critérios de aplicação de outras normas, ditas de segundo grau.
O postulado cons titucional da precaução implica
adoção de vários princípios e mecanismos preventivos, que
permitem o alcance do objetivo de salvaguarda dos bens
juridicamente protegidos, diante da ameaça de ocorrência de
danos irreparáveis ou irreversíveis, que tornam impossível
retornar ao status quo ante, referente a componentes estruturais
e dinâmicos do meio ambiente afetados por certos impactos
humanos degradantes ou poluidores.
Uma das formas de se efetivar o princípio da precaução
é o estabelecido no art. 225, § 1º, III, IV e V da CF, que
incumbiu ao Poder Público definir espaços territoriais e seus
componentes a serem legalmente protegidos, bem como
a realização do Estudo Prévio de Impacto Ambiental e o
controle das atividades impactantes. Essa forma de efetivação
do desenvolvimento sustentável encontra amplo respaldo na
norma e na jurisprudência, verbis:
É lícito ao Poder Público – qualquer que seja
a dimensão institucional em que se posicione
na estrutura federativa (União, Estados-
membros, Distrito Federal e Municípios)
– autorizar, licenciar ou permitir a execução
de obras e/ou a realização de serviços no
36
âmbito dos espaços territoriais especialmente
protegidos, desde que, além de observadas
as restrições, limitações e exigências
abstratamente estabelecidas em lei, não resulte
comprometida a integridade dos atributos
que justificaram, quanto a tais territórios, a
instituição de regime jurídico de proteção
especial, cf. art. 225, § 1º, III da Constituição
Federal (BRASIL, 2006)7.
37
A prevenção
De outra parte, ocorrendo o elemento risco de lesão
e existindo técnica disponível de proteção à integridade do
bem jurídico, dentro dos padrões sustentáveis de produção e
consumo, podem ser aplicados os princípios da prevenção e
do poluidor-pagador. Estes princípios consistem na adoção
da técnica recomendada de controle ou de mitigação e de
internalização dos custos pelo agente poluidor/degradador. Tais
princípios são efetivados por meio da obrigação de fazer (arts.
247 e 249 do CC), ou da adoção das medidas estabelecidas pelo
órgão competente no ato do licenciamento ou da autorização,
conforme normas e procedimentos pertinentes.
Portanto, a existência de espaços legalmente
protegidos, como o Parque Vaca Brava, objeto deste
estudo, decorre de postulados de precaução e de prevenção,
bem como de princípios da obrigatoriedade da proteção
ambiental consagrados no texto constitucional e em normas
infraconstitucionais, não sendo cabível a sua inobservância.
38
Esse quadro de carência das populações urbanas reflete
insuficiente desenvolvimento social e deficientes abordagens,
nas interações entre o homem e o meio ambiente, tanto físico
como biológico ou social, inclusive jurídica. A lei federal de
parcelamento do solo urbano estabeleceu requisitos urbanísti
cos de loteamento, fundamentados na melhoria da qualidade
de vida, válidos para todo o Brasil como normas imperativas,
para proporcionar um mínimo de conforto ao morador, dotando
a área loteada de equipamentos urbanos e comunitários.
O projeto de loteamento urbano deve cumprir requisitos
fundamentais quanto ao local a ser parcelado, vedado em
terreno encharcado, sujeito à erosão ou inundação, em áreas
marginais aos cursos d’água ou naqueles locais que impliquem
em risco de vida ou perigo à saúde humana (MACHADO,
2012).
A Lei do Loteamento nº 6.766/79 define requisitos
mínimos de sustentabilidade urbanística, consistentes em
exigências fundamentais referentes aos terrenos e aos equipa
mentos públicos, constantes em diversos dispositivos, como
no art. 2º, §§ 4º, 5º e 6º, que define lote como terreno servido
de infraestrutura básica, dotada de vias de circulação e de
equipamentos urbanos mínimos de drenagem, saneamento,
abastecimento e iluminação públicos, além das vias de
circulação.
No art. 3º, parágrafo único, da Lei de Loteamento,
proíbe-se o parcelamento de terrenos em áreas de risco,
legalmente protegidos ou sem condições sanitárias. Da mesma
forma o art. 4º, caput, I, III e § 1º, estabelece os requisitos
urbanísticos de áreas destinadas à circulação, equipamentos
públicos e espaços livres, proporcionais à densidade de
população prevista para a gleba.
No art. 9º, § 1º, I a VI e § 2º, I a IV, a Lei em comento
define os espaços territoriais legalmente protegidos e torna
obrigatória a indicação dos equipamentos públicos e dos
39
espaços livres nos desenhos do projeto, como bens públicos
de valor intrínseco ou de valor de não uso (art. 3º, parágrafo
único) ou de uso uti universi (art. 4º, I), destinados a todos,
indistintamente, para servir às funções socioambientais
urbanas de habitar, trabalhar, recrear-se, circular e promover o
desenvolvimento sustentável.
Os equipamentos públicos podem ser urbanos e
comunitários. Os equipamentos urbanos (art. 2º, § 5º da
Lei de Loteamento) são aqueles destinados aos serviços
públicos de saneamento ambiental (drenagem, esgotamento e
abastecimento) e de iluminação. Os equipamentos comunitários
(art. 4º, § 2º da mesma Lei) são os destinados aos serviços
públicos de saúde, educação, cultura, lazer e similares.
40
noção inicialmente estabelecida no Código Civil associava a
propriedade apenas ao Direito das Coisas. Nesse sentido, Diniz
(2008) define a propriedade como sendo a relação fundamental
do direito das coisas, abrangendo todas as categorias dos
direitos reais sobre coisas alheias como direitos reais limitados
de gozo ou fruição, de garantia ou de aquisição.
O direito à propriedade com base apenas nas
mencionadas características estabelece um caráter absoluto
de propriedade àquele que, seja pessoa singular ou coletiva,
efetivamente exerce os direitos reais, de modo perpétuo,
absoluto e exclusivo. Embora o direito proprietário seja
oponível erga omnes e de livre uso, gozo e disposição, se
sujeita às limitações impostas pelo interesse público ou pela
coexistência do mesmo direito de outros titulares (MONTEIRO
& MALUF, 2013).
Por sua vez, Rosenvald (2014, 2006) leciona que a
Constituição Federal de 1988 alterou o caráter de direito
absoluto, exclusivo e perpétuo ao estabelecer a diretriz
da propriedade constitucional associada ao princípio da
função social. Trata-se de uma noção relativa e maleável a
ser interpretada de acordo com o caso concreto, em face da
existência de uma pluralidade de propriedades específicas,
pressupondo um núcleo mínimo, imune à ação de terceiros,
dentro do qual poderá preservar o direito de propriedade, a
intimidade e os direitos da personalidade da entidade familiar
consistente na apropriação de bens primários capazes de
efetivar os fundamentos do Estado Democrático de Direito,
em especial, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF).
41
De acordo com o autor citado, a multiplicidade de
propriedades não pode ser encarada apenas pelo ângulo
objetivo, com base em características do bem apropriado
(móvel, imóvel, urbano, produção), mas principalmente pelo
viés subjetivo de quem exerce a titularidade, pois a noção da
propriedade constitucional com função social impôs limitações
ao interesse particular em benefício do interesse comum, que
àquele se sobrepõe.
A noção contemporânea de propriedade tem seus
primórdios na Constituição Federal do Brasil de 1934, que
estabeleceu a prevalência do interesse social e criou uma
Política Urbanística Nacional calcada nos postulados da Carta
de Atenas, segundo os quais o plano urbano não se circunscreve
à etimologia da palavra urbes (do latim urb, urbis, significando
a cidade e seus habitantes), mas relaciona a cidade ao meio em
que se insere e, por isso, o planejamento urbano não se realiza
sem a planificação regional.
A Lei Fundamental de 1946 introduziu a desapropriação
por interesse público e, ainda, a possibilidade de ser
promovida a justa distribuição da propriedade com igualdade
de oportunidade a todos, assim como condicionou o uso da
propriedade ao bem-estar social.
Em corolário, a Carta Política de 1988 consagrou um
conjunto de diretrizes conformador ao exercício do direito
proprietário. No art. 5º, caput, insere o direito à propriedade
como garantia fundamental do cidadão, ao lado do direito à
vida, à igualdade, à liberdade e à segurança, direito este a ser
42
exercido de modo a atender a função social da propriedade,
conforme incisos XXII e XXIII do mesmo dispositivo.
No art. 170, III, a atual Carta Magna determina a função
social da propriedade como um dos princípios da atividade
econômica, tanto no meio urbano (art. 182, § 2º) como na
zona rural, em atenção aos requisitos da racionalidade, da
sustentabilidade, das relações de trabalho e de bem-estar tanto
do proprietário como dos assalariados (art. 186, I a IV, CF).
Os arts. 182 e 183 da CF estabelecem diretrizes,
princípios e objetivos da política de desenvolvimento urbano,
que são os fundamentos do conceito da função socioam
biental da propriedade urbana, a ser efetivada dentro de um
ordenamento de natureza pública e de interesse social, no
qual o uso da propriedade pública e privada deve ser exercido
em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos
cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.
Submetido às diretrizes constitucionais, o Código Civil
estabelece no art. 1.228, §§ 1º a 3º que a propriedade deve
cumprir sua finalidade econômica, social e ambiental. Trata-
se, portanto, de direito relativo e não absoluto, a ser exercido
pelo uso não nocivo da propriedade e sujeito à desapropriação
por interesse social. O art. 1.231 diz: “a propriedade presume-
se plena e exclusiva, até prova em contrário”. Assim, é relativa
a presunção de propriedade decorrente de registro imobiliário,
relatividade também presente no tratamento favorecido e
simplificado a ser conferido ao pequeno empresário rural,
conforme art. 970 do CC.
43
Dessa maneira, a função social da propriedade é
expressão cumulativa dos atributos estruturais do direito
proprietário. Os atributos exógenos ou extrínsecos estabelecem
uma relação jurídica que confere ao sujeito ativo (titular)
direito sobre todos os bens econômicos em face do sujeito
passivo (com eficácia erga omnes).
Já os atributos endógenos ou intrínsecos descrevem
os poderes do proprietário de usar (jus utendi), de gozar ou
usufruir (jus fruendi), de dispor ou alienar (jus disponendi)
e de reivindicar a coisa de quem injustamente a detenha ou
direito de sequela (jus persequendi).
A Carta Magna de 1988, ao operar a ecologização da
propriedade por meio do princípio da função socioambiental,
instituiu o quinto atributo endógeno do direito proprietário,
consagrado no art. 1.228, § 1º, do CC como direito a ser
exercido para satisfazer a finalidade econômica, social e
ambiental da propriedade, verbis (grifamos):
Art. 1.228, § 1º. O direito de propriedade deve
ser exercido em consonância com as suas
finalidades econômicas e sociais e de modo
que sejam preservados, de conformidade com
o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna,
as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e
o patrimônio histórico e artístico, bem como
evitada a poluição do ar e das águas.
44
bem-estar social, do trabalho, da produtividade, da conservação
dos recursos naturais, em obediência aos requisitos do art. 186,
I a IV, da Constituição Federal.
Já o Estatuto da Cidade, instituído pela Lei nº
10.257/2001, regulamentou os arts. 182 e 183 da Carta Mãe e
consagrou o urbanismo como um direito da população brasileira
ao estabelecer o conceito das funções socioambientais da
cidade, dentre os quais se destacam, no art. 2º do estatuto, a
garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como
garantias fundamentais à moradia, ao trabalho, ao lazer, ao
saneamento ambiental, à infraestrutura urbana e aos serviços
públicos, para as atuais e as futuras gerações.
As diretrizes e os objetivos do Estatuto da Cidade serão
alcançados mediante gestão urbana democrática, participativa
e cooperativa entre os governos, a iniciativa privada e todos os
setores da sociedade no processo de urbanização, promovendo-
se o planejamento do desenvolvimento das cidades e da
distribuição espacial e territorial, assim como o ordenamento,
controle do parcelamento, da edificação e do uso adequado do
solo.
Os objetivos estatutários não se limitam ao
ambiente intraurbano, requerendo a necessária integração e
complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, assim
como a adoção de padrões de produção e consumo de bens e
serviços e de expansão urbana sustentável.
Nesse aspecto, os objetivos ganham contornos de
equidade, mediante justa distribuição dos benefícios e ônus
45
decorrentes do processo de urbanização, promovida por meio
de adequados instrumentos de política econômica, tributária e
financeira, privilegiando investimentos geradores de bem-estar
geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais.
Ou seja, dentre os objetivos legais a serem perseguidos
pelas cidades e seus cidadãos, destaca-se a Repartição da Mais-
Valia Fundiária, que é a recuperação dos investimentos do
Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis
urbanos, e sua correspondente distribuição para o alcance das
metas de proteção, preservação e melhoria do meio ambiente
natural e construído, assim como de regularização fundiária e
urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda.
O Estatuto da Cidade instrumentalizou o Poder Público
para o alcance dos objetivos gerais acima citados, conforme
seu art. 4º, quais sejam: o planejamento municipal por meio do
plano diretor, zoneamento e gestão orçamentária participativa;
os instrumentos tributários e financeiros, como a contribuição
de melhoria; os institutos jurídicos e políticos como referendo
popular e plebiscito, desapropriação, demarcação urbanística
para fins de regularização fundiária, limitações administrativas,
tombamento e criação de unidades de conservação.
O diploma da cidade criou instrumentos urbanísticos
específicos como outorga onerosa do direito de construir,
transferência do direito de construir, operação urbana
consorciada; bem como as ferramentas de controle da
qualidade ambiental – Estudo Prévio de Impacto Ambiental e
Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança.
46
Os princípios do desenvolvimento sustentável, da
função social da cidade, da equidade e da gestão democrática
são fundamentais para o alcance dos objetivos estratégicos
da cidade sustentável. O princípio do desenvolvimento
sustentável, instituído nos incisos I, VIII e XII do art. 2º,
normatiza a lógica da justiça intergeracional, mediante garantia
do direito a cidades sustentáveis.
O princípio da função social da cidade está
associado ao do desenvolvimento sustentável, pois vincula o
desenvolvimento urbano (art. 182, caput), ao direito ambiental
(art. 225, CF) e ao direito à terra urbana, à moradia, ao
saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte
e de serviços públicos, ao trabalho e ao lazer; objetivando
eliminar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais.
Por sua vez, o princípio da equidade, previsto nos
incisos X, XI e XIV do art. 2º do Estatuto da Cidade, orienta
a justa distribuição dos benefícios e ônus consequentes
do processo de urbanização, bem como a necessidade de
regularização fundiária como forma de inclusão social,
instituindo instrumentos que permitem recuperar uma parte da
valorização de imóveis privados ocasionadas por investimentos
públicos (art. 2º, XI).
A efetivação dos instrumentos de política urbana
depende da gestão democrática, da participação dos diversos
segmentos da comunidade (arts. 2º, II e 43 a 45), da gestão
orçamentária participativa (art. 4º, III, f), do referendo popular
e plebiscito (art. 4º, V, s), além de outros voltados à execução
de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.
47
2.2.4 A ecologização da propriedade e
os bens públicos
Conforme se discorreu alhures, a doutrina avalia que
o princípio da função socioambiental, ao se estruturar como
caráter endógeno da propriedade, promoveu a ecologização da
propriedade (AMADO, 2012). Dessa maneira, a propriedade
particular exerce função convergente aos bens públicos
na realização dos objetivos fundamentais da política de
desenvolvimento urbano sustentável no Brasil (MARTINS
JÚNIOR, 2013).
A esse respeito, necessário se faz uma breve
contextualização histórica, para, em seguida, caracterizar os
bens públicos diante do objeto de estudo. De acordo com Alves
(2007) e Machado (2012), remonta às civilizações antigas o
princípio da administração dos bens públicos da coletividade,
contribuindo para a concepção moderna da tutela estatal dos
direitos difusos, coletivos e individuais indisponíveis.
O Imperador do Oriente Justiniano (527 - 565 d.C.), na
Roma Antiga, sistematizou o Direito Romano no Corpus Iuris
Civilis, consignando nas Institutas a existência de bens comuns
a todos por direito natural, ad exemplum o ar, a água corrente,
o mar e seu litoral, bem assim as coisas (res) de uma cidade,
como o teatro, o estádio e quaisquer outros assemelhados e
comuns, que são públicos e pertencem à coletividade, enquanto
outros são particulares e transferíveis. O usus publicus era a
característica da res publicae, e isso se compreendia facilmente,
48
pois ninguém poderia adquirir direitos sobre os loca publica,
que estavam extra commercium, intervindo o pretor para
assegurar a garantia deste Direito Público.
De acordo com a doutrina pesquisada (Gonçalves, 2014;
Antunes, 2012; Di Pietro, 2012; Granziera, 2011; Moreira,
2010; Meirelles, 2003; Rodrigues, 2002; Mello, 1997) há bens
que estão fora do comércio ou res extra commercium e há bens
que estão no comércio ou res in commercium.
Os bens existentes no parcelamento do solo urbano
são:
• Res extra commercium, que não são alcançados
pelas relações jurídicas regidas pelo Direito Privado, pois,
como bens fora do comércio, são inalienáveis, indisponíveis
e inapropriáveis; e,
•Res in commercium, que são objeto das relações
regidas pelo Direito Privado, pois, como bens colocados no
comércio, estão relativamente livres de quaisquer restrições
que impossibilitem sua transferência ou apropriação, gratuita
ou onerosa, de um patrimônio a outro, quer por sua natureza,
quer por sua disposição legal, sendo, portanto, alienáveis,
disponíveis e apropriáveis.
A existência e a natureza de um bem originado do
parcelamento urbano são definidas automaticamente pelo
memorial descritivo e pela planta do loteamento que detém
ordem de comando automático quanto aos direitos e obrigações
decorrentes. Ou se trata de bens públicos ou se trata de bens
particulares, sendo ambos criados pelo ato de aprovação do
loteamento e do seu registro no cartório competente.
49
Os bens públicos res extra commercium, destinados
ao uso coletivo, saem da titularidade do domínio particular do
loteador e se transferem, automaticamente, ao domínio público
de titularidade do Município, são inalienáveis, indisponíveis
e inapropriáveis. Os bens particulares res in commercium, de
domínio do loteador, destinam-se à finalidade individual, são
alienáveis, disponíveis e apropriáveis pelo consumidor final.
Por sua vez, os bens públicos, indiferente ao seu
enquadramento, estão adstritos ao critério fundamental de sua
finalidade pública, verbis:
Todos os bens públicos, incluídos os
dominicais, devem ser vistos sob o prisma
de que sobre eles não prepondera o domínio
da vontade particular, em si mesmo, devendo
valer o primado finalístico dos princípios
do Direito Administrativo. [...] Da mesma
forma, o domínio público recebe enfoque
notadamente dicotômico classificando-se os
bens públicos propriamente ditos (os de uso
comum e os de uso especial) e em domínio
privado do Estado ou patrimônio fiscal (bens
dominicais). [...] O Direito Administrativo
vem superando tais dicotomias na medida em
que se afirma como seu critério fundamental
a finalidade pública, independentemente da
classificação público e privado (MOREIRA,
2010, p. 214-215).
50
pesquisas científicas, a iluminação pública, o saneamento
básico etc., além dos serviços de regulação, provisão, suporte
e culturais prestados pelos bens ambientais;
• Serviços uti singuli – são aqueles cuja finalidade é a
satisfação individual dos cidadãos, como serviços de energia
elétrica, gás, transporte, telefonia, ensino, saúde, assistência
e previdência social, que são remunerados por taxas, pois a
taxação é uma forma de tributação que decorre de lei e de uma
atividade estatal específica em relação ao usuário-contribuinte.
Os serviços universais estão relacionados à natureza
do bem, e não à titularidade dominial. Um bem de domínio
particular pode prestar serviços uti universi. A finalidade do
bem pode advir, assim, da própria destinação natural do bem,
como o ar, os oceanos, os rios; ou pode advir da lei ou do ato
administrativo, como a Lei Florestal nº 12.651/12 que afeta as
áreas de preservação permanente e reservas legais, inclusive
em áreas privadas, ou a Lei do Loteamento que afeta os bens
públicos de acordo com sua destinação de vias de circulação e
de espaços livres.
De acordo com Difine (2008), os serviços universais,
regulados por lei ou ato administrativo, podem ser remunerados,
na forma de tributação imposta a todos os cidadãos, indis
tintamente, independente de qualquer atividade estatal
específica relativa ao contribuinte. Já os serviços universais,
advindos da destinação natural do bem, como os mares, os
rios, os lagos, as praias, os parques, as florestas etc., prestam
serviços de livre apropriação, sem gerar uma contraprestação
específica dos cidadãos.
51
O regime jurídico dos bens públicos é definido de
acordo com suas características quanto à Disponibilidade,
Alienabilidade, Penhorabilidade, Prescritibilidade e
Onerabilidade:
• Quanto à Disponibilidade, temos os bens Indisponíveis
por Natureza Não Patrimonial, que não são disponíveis e,
geralmente, são de uso exaurível, como o ar, a água, a biota, as
matas, as praças, os parques; os bens Indisponíveis de Natureza
Patrimonial, que também não são disponíveis porquanto neles
se prestam serviços públicos, a exemplo dos hospitais, das
escolas, dos teatros, dos ginásios e das delegacias de polícia; e
os bens patrimoniais Disponíveis, que são de disponibilidade
permitida, desde que sejam obedecidas as normas pertinentes
ao setor público;
• Quanto à Alienabilidade, os bens podem ser
inalienáveis ou intransferíveis do acervo patrimonial a que
pertencem, sob qualquer forma – transação, alienação, troca,
doação, cessão, empréstimo, permuta, venda. São exemplos,
a praça, o parque, o hospital, a escola; e os alienáveis, que
podem ser alienados ou transferidos, tal como o prédio da
Administração, que pode ser negociado sob qualquer uma das
formas citadas, desde que obedecida a legislação própria;
• Quanto à Penhorabilidade, há os bens Impenhoráveis,
que não se sujeitam à penhora; e os Penhoráveis, que a ela se
sujeitam;
• Quanto à Prescritibilidade, os bens são
Imprescritíveis, quando não podem ser usucapidos; e
52
Prescritíveis, quando podem ser usucapidos, isto é, se sujeitam
ao instituto da usucapião, que permite aquisição mediante posse
mansa e pacífica após certo lapso de tempo; e, finalmente,
• Quanto à Onerabilidade dos bens públicos, têm-se
os Não oneráveis que são insuscetíveis de servir de garantia de
crédito, como nos casos de hipoteca, penhor e anticrese; e os
Oneráveis, que podem servir à essa garantia.
Os bens públicos expressam, enquanto objetos
imateriais, um idealismo sem caráter econômico, a exemplo
da liberdade, da honra, da integridade moral, do meio am
biente ou da vida, que são bens juridicamente protegidos. Já os
objetos materiais significam coisas que integram o patrimônio
particular ou público.
Nesse sentido, a Constituição Federal conceitua os
bens públicos como um conjunto de bens móveis e imóveis
pertencentes às pessoas jurídicas de direito público, inclusive
os de domínio privado, quando destinados à prestação de um
determinado serviço público.
O rol constitucional não é taxativo ao definir os bens
pertencentes à União (art. 20) ou aos Estados (art. 26) e, de
forma indireta, não os relaciona aos Municípios embora, de
maneira emblemática, somente o Poder Local possui espaço
geográfico próprio, ao passo que os demais entes federativos
não os detêm.
Os Municípios possuem competência para legislar
sobre o parcelamento, uso e controle do solo urbano. À União
cabe instituir normas gerais, como o fez no Estatuto da Cidade
53
e na Lei de Loteamento. O parcelamento rural, por sua vez,
está sujeito à aprovação do INCRA, pelo órgão metropolitano
e pela Prefeitura Municipal, conforme Lei nº 4.504/1964, DL
nº 57/1966 e Lei nº 5.172/1966.
O Código Civil brasileiro – CC operou a ecologização
da cidade ao inserir a função socioambiental da propriedade
como um dos requisitos para o exercício do direito proprie
tário (art. 1.228); ao estabelecer restrições ao direito de
construir, mediante regulamentos administrativos (art. 1.299);
ao diferenciar os bens públicos dos particulares e enquadrá-los
em três categorias, cada qual dotada de características próprias
(arts. 98 e 99).
O Código Civil classifica e ordena os bens públicos de
acordo com as suas destinações ou afetações em:
• Bens de uso comum do povo (art. 99, I, do CC) são
aqueles de uso universal ou uti universi, tais como as vias de
comunicação, os rios e os mares, as praças e os parques, enfim,
o meio ambiente (art. 225, caput, da CF); são inalienáveis,
indisponíveis, inapropriáveis e imprescritíveis.
• Bens de uso especial (art. 99, II, do CC) são aqueles
afetados ou destinados a uma função específica, como os
edifícios e terrenos destinados aos serviços da Administração
Pública e aos equipamentos públicos, sejam eles comunitários
(escola, hospital, posto policial, estádio, ginásio e quadra de
esportes, mercado, playgrounds) ou urbanos (saneamento,
drenagem, telefonia, iluminação); não podem ser alienados
enquanto mantiverem a condição de bens especiais.
54
• Bens dominicais (art. 99, III, do CC) são aqueles
que não têm uma destinação específica, a exemplo das terras
devolutas, jazidas minerais e terrenos baldios, sobre os quais
a Administração exerce os direitos proprietários, podendo
usufruir e dispor da coisa, obedecidas as normas legais
pertinentes.
O digesto civil institui regime jurídico especial aos
bens públicos, quais sejam: “[...] Art. 100. Os bens públicos
de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis,
enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei
determinar [...]” e, ainda: “[...] Art. 102. Os bens públicos não
estão sujeitos a usucapião. [...]”. Estabelece, ainda, no art. 103,
que o uso dos bens públicos deve ser em regra gratuito, ou
retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade
responsável pela sua administração.
55
do povo, de natureza social, de titularidade indeterminada,
de domínio verdadeiramente público, pertencente a toda a
população, e não simplesmente estatal, seja da União, do
Estado, do DF ou do Município.
A Carta Magna, no art. 225, definiu o meio ambiente
como bem de uso comum do povo, atribuindo ao Estado, à
sociedade e aos cidadãos a sua defesa e preservação prioritárias,
em atendimento aos direitos das atuais e futuras gerações. No
mesmo diapasão da Lei Maior, a Lei nº 6.938/81, que instituiu
a Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA, declarou o
meio ambiente como patrimônio público (grifos do autor):
Art. 2º. A Política Nacional do Meio Ambiente
tem por objetivo a preservação, melhoria e
recuperação da qualidade ambiental propícia
à vida, visando assegurar, no País, condições
ao desenvolvimento socioeconômico, aos
interesses da segurança nacional e à proteção
da dignidade da vida humana, atendidos os
seguintes princípios:
I - ação governamental na manutenção do
equilíbrio ecológico, considerando o meio
ambiente como um patrimônio público a ser
necessariamente assegurado e protegido,
tendo em vista o uso coletivo.
56
em geral de domínio público, de titularidade indefinida,
pertencente ao povo.
Pelo visto, as normas constitucional e infraconstitucional
conferem ao meio ambiente importância e prioridade de
natureza pública e intergeracional, como bem de uso comum,
a ser protegido e defendido pelo Poder Público e pela
coletividade.
Portanto, em matéria ambiental, a União, o Estado e
o Município não têm a discricionariedade para autorizar o
parcelamento, a alienação ou construção em áreas legalmente
protegidas. A legislação é imperativa ao dizer que essas áreas
afetadas à finalidade pública por natureza ou por ato legal,
são bens públicos inalienáveis, inapropriáveis e indisponíveis,
já que não pertencem ao proprietário do imóvel, ao loteador
ou ao dirigente do ente estatal e sim, como bens de interesse
difuso, pertencem a toda a sociedade. Havendo dúvida sobre
a avaliação do impacto ambiental causado por determinado
empreendimento, deve-se aplicar o princípio in dubio pro
natura e decidir em favor da natureza, abstendo-se de executá-
lo.
Nesse sentido, a decisão do TRF – 1ª Região que
anulou ato de autorização construtiva de impactante sede do
Ministério Público Federal em Goiás, com 6 mil toneladas de
concreto, em área legalmente protegida, com restrição de uso,
dentro do raio de 200m de nascente do córrego dos Buritis, no
Setor Marista, em Goiânia, verbis:
Ementa. Direito Ambiental. Terreno da União.
Proximidade de nascente. Classificação da
área, pelo Município de Goiânia, como ZPA.
57
Desclassificação, a pedido, para atender ao
interesse de construção da sede da Procuradoria
da República em Goiás. Redução ao raio mínimo
previsto na lei e, além disso, considerando como
nascente o ponto onde a água aflora da tubulação.
Lençol freático a 2m de profundidade. Aplicação
do princípio in dubio pro natura. Nulidade do ato
(BRASIL, 2002)8.
58
ordena a atual Lei do Loteamento, no art. 22, que “[...] os bens
públicos integrantes dos planos de loteamento, desde a data
do registro no Cartório de Registro de Imóveis, integram o
domínio do Município [...]”.
Portanto, o ordenamento urbanístico brasileiro não
admite qualquer dúvida sobre o assunto. De acordo com o art.
3º do DL nº 58/1937: “[...] a inscrição torna inalienáveis, por
qualquer título, as vias de comunicação e os espaços livres
constantes do memorial e da planta [...]”. Tornam-se bens
públicos nos termos do art. 99, I e II e art. 100 do Código
Civil Brasileiro. Na mesma linha, o art. 17 da atual Lei do
Loteamento diz: “[...] os espaços livres de uso comum, as vias
públicas e praças, as áreas destinadas a equipamentos urbanos,
constantes do projeto e do memorial descritivo, não poderão
ter sua destinação alterada pelo loteador, desde a aprovação do
loteamento [...]”.
Os dispositivos da norma são reafirmados pela
jurisprudência e pela doutrina, que não deixam dúvidas sobre
a afetação, destinação, função e domínio dos espaços livres
urbanos, tendo em vista os postulados, princípios e diretrizes
voltados à sustentabilidade das ações humanas. Os bens
públicos constantes dos planos de loteamento, regularmente
aprovados, decorrentes de suas características especiais, são
inalienáveis, inapropriáveis, indisponíveis e imprescritíveis.
Os Tribunais de Justiça firmaram uma inequívoca
jurisprudência a respeito dos bens públicos urbanos,
destacadamente os Espaços Livres enquanto bens de domínio
59
municipal, que são dotados das características especiais de
inapropriabilidade, inalienabili
dade e imprescritibilidade,
visando a preservá-los. Nesse diapasão, merece ser lançado à
colação o Acórdão do TRF 4ª Região, verbis (grifos do autor):
Ementa. Direito. Bens públicos municipais,
civil e administrativo. Loteamento aprovado
pelo Município. Regularização fundiária. [...]
Denunciação da lide ao Município. 1. Sem
embargo da referida e aparente complexidade
da causa, verificada, in fine, de singela solução,
a procedência da demanda estaria a violar,
entre outras normas legais, os Decretos-Leis nº
58, de 10.12.1937 e nº 271, de 28.02.1967, que
dispunham sobre os loteamentos e venda de
terrenos. [...] 11. De acordo com o Decreto-Lei
nº 58, de 10.12.1937, [...] uma vez aprovado
o loteamento, considerando os termos do
art. 3º, a inscrição torna inalienáveis, por
qualquer título, as vias de comunicação e os
espaços livres constantes do memorial e da
planta. 12. Sobreveio o Decreto-Lei nº 271, de
28.02.1967, [...] vigente até 20.12.1979, com
a entrada em vigor da Lei nº 6.766/79, que em
seu art. 4º prevê que “desde a data da inscrição
do loteamento passam a integrar o domínio
público do Município as vias e praças e as
áreas destinadas a edifícios públicos e outros
equipamentos urbanos, constantes do projeto
e do memorial descritivo” [...].
Acórdão. Vistos e relatados estes autos
[...], decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região, por
unanimidade, dar provimento aos recursos e à
remessa oficial, nos termos do relatório, votos
e notas taquigráficas que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado [...]. (BRASIL,
2011)9
9 BRASIL. TRF 4ª Região. Apelação/Reexame Necessário nº
1999.70.08.012436-5/PR. Apelante: Município de Guaratuba/PR, Irineo Pedro
da Cunha e outros. Apelado: União Federal. Ementa/Acórdão. 4ª T. Juiz Relator
Sérgio Renato Tejada Garcia. Porto Alegre, 26/01/2011. DJe 17/02/2011.
60
A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de
Goiás – TJ-GO está em harmonia com o exposto, destacando-
se o acórdão abaixo (grifos nossos):
Ementa: Usucapião extraordinária. Área livre
destinada a templo religioso pelo loteador.
Inalienabilidade e imprescritibilidade.
Inteligência do artigo 3º, do Decreto-lei 58/37,
o registro do loteamento torna inalienável
todo e qualquer espaço vazio, constante da
planta e do memorial, ainda que destinado
a equipamentos comunitários, razão pela
qual não pode ser objeto de usucapião,
porque a prescrição aquisitiva pressupõe a
alienabilidade alienabile ergo preascriptibile.
(TJ-GO. 3ª Câmara Cível, DJ nº 11.592 de
15.06.1993, p. 7)
No mesmo sentido, outro julgado do Pretório Goiano,
verbis (grifamos):
Loteamento. Área reservada. Domínio do
município. Desnecessidade de registro acerca
de inalienabilidade. Inscrito o loteamento sob
a vigência do Decreto-lei 58/37, tornaram-
se inalienáveis, a qualquer título, as vias de
comunicação e os espaços livres, constantes
do memorial e da planta, dentre estes os
espaços sem numeração. Remessa e apelo
conhecidos e improvidos. Decisão unânime.
(TJ-GO. 2ª Câmara Cível, DJ nº 12.579 de
19.06.1997, p. 4)
61
Município de Goiânia, ao lado da Comunidade, levou ao Poder
Judiciário para a devida manifestação sobre o domínio e a
posse de um bem público de uso comum do povo, com decisão
transitada em julgado, de anulação de ato lesivo ao Patrimônio
Ambiental, verbis (grifos não no original):
Ementa. Loteamento. Bens de domínio
público. O efeito que torna as áreas reservadas
ao bem comum em domínio público opera-
se de imediato ao se registrarem o memorial
e a planta do loteamento, tornando as vias de
comunicação e os espaços livres destinados
ao uso da comunidade, imediatamente
inalienáveis a qualquer título e, a fortiori,
fora do comércio, sendo vedado dar sê-lhes
qualquer outra destinação, ad exemplum, da
doação.
Acórdão. Vistos, relatados e discutidos [...],
acordam os componentes das Câmaras Cíveis
Reunidas do Egrégio TJ-GO, por maioria dos
votos, em conhecer dos embargos infringentes
e os rejeitar, nos termos do voto do Relator.
(GOIÁS, 1997, fls. 828-29)10.
62
O Pretório Goiano voltou a se manifestar sobre a
dilapidação do patrimônio público no Setor Jaó, ao determinar,
em 2015, que o Clube Jaó desocupe imediatamente uma área
de 255 mil m², sendo 137 mil m² cedidas em comodato pelas
Leis Estaduais nº 8.875/1980 e nº 12.316/1994, e o restante da
área simplesmente invadida.
A 6ª Câmara Cível do TJ-GO, por unanimidade,
aprovou o voto do Relator, Desembargador Jeová Sardinha de
Moraes, assim ementado, verbis:
Ementa. Agravo de instrumento. Ação de
reintegração de posse de área pública com
pedido liminar. Requisitos legais preenchidos.
Livre convencimento motivado do magistrado.
Ausência de ilegalidade ou abusividade.
Decisão mantida. I – O agravo de instrumento
é um recurso secundum eventum litis, e deve
limitar-se ao exame do acerto ou desacerto
do que restou decidido pelo juiz monocrático,
sendo vedado ao órgão “ad quem” antecipar-
se incontinenti ao julgamento do mérito
da demanda, sob pena de supressão de um
grau de jurisdição. 2 – O deferimento ou
indeferimento de liminar se submete ao poder
geral de cautela do juiz, segundo o princípio
do livre convencimento motivado, de acordo
com adequada avaliação do conjunto factual/
probatório carreado para os autos, com destaque
para a presença dos pressupostos autorizadores
da medida previstos no art. 927, do CPC.
3 – Não demonstrada a incomportabilidade
ou ilegalidade da decisão que defere a
liminar, a mantença do ato decisório é
medida que se impõe. Agravo de instrumento
conhecido e desprovido. (GOIÁS, 2015)11.
11 GOIÂNIA. Convênio Parque Aquático Jaó. Processo SEMMA/
63
A área objeto do acórdão acima colacionado pertence
ao Parque Aquático Jaó, às margens do Rio Meia Ponte, criado
pelo Decreto nº 90-A, de 30/07/1938, que aprovou o Plano
Original da Cidade; e ao Parque Jaó, às margens e nascente
do córrego Jaó, criado no plano de loteamento do Setor Jaó,
aprovado pelo Decrete nº 97, de 09/03/1952.
Tal área consta das diretrizes urbanísticas do Órgão
de Planejamento do Município de Goiânia, estabelecidas no
Parecer I-CGPS/NLM/NSR nº 0851/94, constante do proc.
n.º 795.752-1/94, como destinada à implantação do Parque
Aquático Jaó às margens do rio Meia Ponte, entre a Av. Santos
Dumont (que dá acesso ao Aeroporto de Goiânia) e a BR-
153, com uma área de 95 hectares ou 950.000 m² na faixa de
inundação da antiga represa Jaó, limitada pela cota 692 (nível
máximo de inundação do rio Meia Ponte).
Em 1995, o Órgão Municipal do Meio Ambiente de
Goiânia e a Secretaria Estadual do Meio Ambiente de Goiás,
desenvolveram um programa de parceria para viabilizar a
implantação do Parque Aquático Jaó, através do Processo
SEMMA/SEMARH-GO n.º 1.185.996-2/95. De acordo com
este processo, foram destinados recursos orçamentários para o
exercício de 1995, tanto do Estado, por meio da emenda 1.045,
como do Município, por meio da Lei Orçamentária publicada
no Diário Oficial do Município nº 1.321, de 30/12/94, p. 27,
para execução do projeto de implantação do Parque Aquático
64
Jaó (GOIÂNIA, 1995a)12.
Do exposto, conclui-se que há entendimento
jurisprudencial, doutrinário e normativo convergentes sobre as
áreas legalmente protegidas, como patrimônio socioambiental
da comunidade. Nesse sentido, a decisão do Superior Tribunal
de Justiça – STJ, in litteris (grifos do autor):
Não me parece razoável que a própria
Administração diminua sensivelmente o
patrimônio social da comunidade. Incorre
em falácia pensar que a Administração
onipotentemente possa fazer, sob a capa da
discricionariedade, atos vedados ao particular,
se a própria lei impõe a tutela desses interesses.
(BRASIL, 1998)13
65
[concluindo que] não há necessidade de
invocação da teoria francesa do concurso
voluntário para justificar uma transferência de
domínio prevista em lei e tradicional em nosso
direito, frequentemente aplicado pelos nossos
tribunais (MEIRELLES, 1971, p. 277-278).
66
Município-loteador [ou, ainda, do Estado-loteador], verdadeiro
confiscador de áreas, recebendo-as para uma finalidade e, a seu
talante, destiná-las para outros fins [...]”. (MACHADO, 2012,
p. 433)
67
nº 6.766/79, verbis:
Art. 22. Desde a data de registro do loteamento,
passam a integrar o domínio do Município
as vias e praças, os espaços livres e as áreas
destinadas a edifícios públicos e outros equipa
mentos urbanos, constante do projeto e do
memorial descritivo.
A violação ao preceito legal sujeita o infrator à
responsabilização civil prevista no art. 159 do CC “[...] aquele
que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a
reparar o dano [...]”.
Sujeita o infrator, também, à responsabilização penal,
estabelecida no art. 50 da Lei do Loteamento, in litteris:
Art. 50. Constitui crime contra a Administração
Pública:
I - dar início, de qualquer modo, ou efetuar
loteamento ou desmembramento do solo
para fins urbanos, sem autorização do órgão
público competente, ou em desacordo com as
disposições dessa Lei ou das normas pertinentes
do Distrito Federal, Estados e Municípios.
As propriedades rurais localizadas em áreas de expansão
urbana, quando submetidas ao processo de parcelamento
do solo, convertem seus espaços legalmente protegidos –
áreas de preservação permanente, de reserva legal, unidades
de conservação e áreas com restrição de uso, em zonas de
proteção ambiental – Parques Naturais Municipais e outros
Espaços Livres, por determinação do art. 11, § 4º, da Lei do
Sistema Nacional de Unidades de Conservação nº 9.985/2000 –
LSNUC. Esse processo de conversão permite constituir, assim,
um patrimônio juridicamente protegido, com destinação uti
universi.
De acordo com os arts. 98, 99 e 100 do CC, os bens
públicos servem ao povo e a ele pertence, por isso são
68
inalienáveis, indisponíveis, inapropriáveis, imprescritíveis e não
usucapíveis. Os bens públicos são afetados ao uso universal que,
enquanto se mantiver, não pode a lei operar a desafetação dos
mesmos, sob pena de se cometer lesão ao patrimônio público.
Esse é o entendimento esposado pela melhor doutrina, verbis
(grifos não no original):
A classificação dos bens públicos não é
arbitrária ou discricionária, [pois] a finalidade
do bem público é que a faz e não a vontade do
legislador [e, portanto], a simples desafetação
legal na ausência da desafetação de fato, não
é suficiente para a alienação dos bens de uso
comum do povo (MACHADO, 2012, p. 415).
Segundo Di Pietro (2012), a inalienabilidade não é
absoluta, a não ser com relação àqueles bens que, por sua
própria natureza, são insuscetíveis de valoração patrimonial,
como os mares, praias e rios. Esclarece que os bens tornados
inalienáveis em decorrência de destinação legal e que sejam
suscetíveis de valoração patrimonial, poderiam perder o caráter
de inalienabilidade, desde que percam a destinação pública.
Inobstante os bens de uso comum do povo e os de uso
especial serem insuscetíveis de apropriação econômica, a autora
defende que tais bens poderiam ser desafetados com escopo no
art. 100 do digesto civil brasileiro, que diz: “[...] os bens públicos
de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis,
enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei
determinar [...]” e reenquadrados como bens dominicais,
conforme seu art. 101, que diz: “[...] os bens públicos dominicais
podem ser alienados, observadas as exigências da lei. [...]”.
Infelizmente, os agentes públicos aplicam os dispositivos
mencionados para afastar os óbices jurídicos de res extra
commercium, que vinculam o patrimônio social às finalidades
inter e transgeracionais da sociedade, e, em decorrência, torná-
los res in commercium.
Essa atividade parlamentar dilapidadora do patrimônio
69
público se desenvolve nos Poderes Municipais e, particularmente
em Goiânia. A desafetação de bens públicos é tão preocupante
que foi registrada no próprio Plano Diretor da Cidade como
fator de dilapidação do patrimônio social, ipsis litteris:
Não há uma estrutura normativa própria, os
instrumentos são frágeis e desarticulados.
Prova disso é a perda frequente de áreas, seja
sob a forma de doação, venda ou permissão.
De acordo com dados fornecidos pela CTAP,
no período de 2003 a 2005 foram emitidos 582
pareceres favoráveis à venda de áreas públicas
e 76 à permissão de áreas públicas. Ressalte-se
que as permissões de uso com áreas de até 2 mil
m², de caráter precário e provisório, na prática
tornam-se permanentes, uma vez que não há
ação do poder público no sentido de reavê-las.
Em outras palavras, legalmente são de domínio
público, mas particulares de fato. (SEPLAM,
2007, p.130-131) (grifamos).
70
o cultural e o natural. O Patrimônio Construído é o conjunto de
edificações, espaços cultivados, infraestruturas e equipamentos
públicos e privados. O Patrimônio Cultural é o conjunto de bens
imóveis de valor significativo, edificações enquadradas como
art déco, parques naturais municipais, praças, sítios e paisagens,
assim como as manifestações, tradições e práticas culturais que
conferem identidade aos espaços urbanos, constituído pelo
acervo arquitetônico do centro histórico e pelo primeiro plano
urbanístico ou Plano Original da cidade, aprovado pelo DL nº
90-A, de 30.07.1938, elaborado pelo arquiteto-urbanista Attílio
Corrêa Lima, com base nas diretrizes do engenheiro-urbanista
Armando Augusto de Godoy.
O Plano Original e o acervo art déco foram tombados
pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional –
IPHAN e se localizam no centro histórico, do qual também faz
parte o Patrimônio Cultural, os Parques Naturais legalmente
instituídos como unidades de conservação de proteção integral,
localizados no Centro Expandido de Goiânia, que inclui os
setores Sul, Oeste, Marista, Bueno, Bairro Popular e Jardim
Goiás.
O Patrimônio Natural, por sua vez, é o conjunto dos
elementos ar, água, solo, subsolo, fauna e flora, assim como
os fragmentos das fitofisionomias e de ecossistemas do bioma
Cerrado, que são indispensáveis à recuperação e manutenção
da biodiversidade, às condições de equilíbrio ambiental e à
qualidade de vida.
De acordo com Martins Júnior (2007), o Patrimônio
71
Ambiental de Goiânia constitui um ativo de grande potencial, rico
e diversificado, com 115,337 milhões de metros quadrados (m²)
de espaços livres, representando um índice de área verde – IAV
de 94,51m² de áreas verdes por habitante. O IAV é um indicador
do uso do solo e do desenvolvimento urbano sustentável, dado
pelo coeficiente entre o somatório da metragem quadrada de
espaços livres com função socioambiental e o número total de
habitantes da cidade.
No entanto, o Patrimônio Ambiental goianiense
está submetido a dois grandes desafios, o da carência de
investimentos em infraestrutura, equipamentos, obras e serviços
de consolidação, e o da dilapidação e apropriação privatista, que
se realizam numa velocidade e intensidade de desvirtuamento à
razão de 3,65% por ano per capita.
O autor citado calculou que, desde o ato de criação da
cidade, em 30 de julho de 1938, pelo Decreto-Lei nº 90-A, até
o final da última década, Goiânia reduziu 17,68% da sua área
verde por habitante, representando em números absolutos, 8,4
milhões de m2, por meio de mecanismos apropriatórios os mais
diversos, como o discutido neste trabalho.
72
3.2.1 As funções e os serviços uti
universi prestados pelos bens
ambientais
73
meio ambiente (atmosférica, climática, hidrológica,
purificação da água e do ar, balanço energético, manutenção
da biodiversidade e mitigação de desastres naturais).
São exemplos o balanço e manutenção da composição
química da atmosfera e dos oceanos, provisionados pelos
organismos vivos florestais ou marinhos, na fotossíntese,
na regulação do clima global ou regional, bem como do
microclima local; a atenuação das alterações por parte das
estruturas de origem biológica, na regulação de inundações e
até de enfermidades;
• Serviços de Provisão ou de Abastecimento – são
aqueles que asseguram os fluxos de energia e matérias que
resultam em produtos úteis à atividade humana (alimentícios,
bioquímicos, medicinais, farmacêuticos, recursos genéticos e
fontes energéticas).
Podem ser exemplificados por animais ou plantas para
consumo humano obtidos dos ecossistemas, como pescado,
carne, sais ou, também, extraídos dos ecossistemas, mas não
destinados ao consumo humano, como materiais de construção
(areia, rocha e lenha usados para a construção em geral) e
produtos florestais não madeireiros;
• Serviços de Suporte – são aqueles necessários à
produção dos demais serviços uti universi, cujos impactos sobre
a oferta de recursos e sobre a atividade econômica ocorrem de
maneira indireta e/ou em longo prazo.
Os ambientes naturais de matas e de recursos hídricos
propiciam serviços de suporte da produtividade primária,
produção de oxigênio, formação e manutenção do solo, provisão
de hábitat e dos ciclos biogeoquímicos. Daí que a análise da
disponibilidade destes serviços no sítio original constitui fator
estratégico de planejamento e desenvolvimento urbano, em
especial, quanto às bacias de abastecimento público.
• Serviços Culturais – são aqueles benefícios
não materiais que se rela cionam à informação, recreação,
74
espiritualidade, geração de variados aspectos dos valores e
comportamentos humanos (estéticos, científicos, religiosos,
espirituais, educacionais, recreativos e de ecoturismo).
Tais serviços são o ecoturismo e seus potenciais destinos
turísticos; a biodiversidade socioambiental que testemunha
múltiplas identidades culturais de uma comunidade; a educação
e a pesquisa com recursos genéticos e plantas medicinais ou
farmacêuticas, a partir das práticas tradicionais dos raizeiros e
naturalistas.
Em síntese, a proteção dos bens públicos assegura
a continuidade dos serviços uti universi por eles prestados,
possibilitando os mecanismos de resiliência das cidades,
essenciais ao cumprimento das metas de gestão de riscos contra
desastres, estabelecidas nos arts. 42-A e 42-B do Estatuto da
Cidade.
75
sobre o impacto causado pela referida obra nos seus aspectos
históricos, ambientais, urbanísticos e legais da praça . Ao final,
requereu a juntada do parecer aos autos da Ação Civil Pública
nº 2003302584999 que tramitou na 3ª Vara da Fazenda Pública
Municipal.
76
pela Associação de Preservação do Vaca Brava – Parque
Sulivan Silvestre (APVB), recolheu milhares de assinaturas
ao abaixo-assinado, que reivindicou do então prefeito Iris
Rezende Machado, que era legítimo líder e responsável legal
pelos interesses coletivos dos goianienses, a integração da
praça ao parque e a permanente destinação cultural e ambiental
à área, em conformidade com o Decreto nº 19/1951, assinado
pelo prefeito Eurico Viana, que a destinou como escola, e com
a Lei nº 7.813/98, que a afetou como praça.
Paradoxalmente, a pretensa boa notícia cultural veio
acompanhada de outra, com menor destaque, diluída naquela,
segundo a qual uma empresa particular pretendia construir no
local o “Projeto Praça do Século XXI, contendo restaurante,
lojas de conveniência e centro de convenções”. Que praça é
essa? O projeto que a empresa particular queria edificar não é
uma praça. A não ser que se admita uma surrealista e absurda
“vida urbana pós-moderna” na qual tal ambiente fortemente
edificado seria uma praça. Isso somente seria possível se
admitirmos a absurda hipótese dos espaços livres e áreas verdes
serem declarados hoje e para sempre, por algum soberano de
plantão, como desnecessários, inexistentes ou dilapidados,
passíveis de visualização apenas nas paisagens mortas dos
ambientes urbanos concretados. O projeto privatista em
questão não passava de um empreendimento comercial que tão
só pretendia obter lucros, a partir da exploração e uso do solo
num dos espaços mais valorizados da capital. Valorização esta,
na verdade, decorrente da implantação do Parque Vaca Brava.
77
Daí que a notícia primeira, aquela que foi aplaudida pela
população – qual seja, a implantação de uma escola temporária
de artes – está a merecer reservas, pois veio acompanhada de
uma notícia segunda, embutida nas entrelinhas da primeira,
como a esconder algum intento que não pode ser declarado
abertamente, sob pena de ser inviabilizado. Neste sentido, a
iniciativa da Prefeitura, que anunciava promover cultura no
local aventado, não afastou as preocupações relacionadas aos
verdadeiros intentos comerciais, posteriormente declarados
ardilosamente por uma empresa particular, de apropriação da
área pública entre as Avenidas T-3 e T-5, qual seja, a praça do
Vaca Brava.
78
área”. Isto é, a empresa construtora, após longos e frutíferos
debates com os parlamentares goianienses, deveria solicitar
que o terreno fosse desafetado de maneira a permitir outro uso,
como um prédio comercial de alguns andares.
A disputa em torno do referido patrimônio público de
Goiânia se arrasta há décadas. Ela foi iniciada em 13 de junho
de 1995, com o embargo, promovido pela Secretaria Municipal
do Meio Ambiente de Goiânia (SEMMA), contra a construção
de um prédio comercial na praça do Vaca Brava (v. Apêndice,
1ª Orelha).
infra).
79
Pública Municipal da Comarca de Goiânia. Após longa batalha
judicial, foi produzida inusitada sentença, com o seguir teor:
80
importante [...]. (GOIÁS, 2007, fls. 982/1012)14
Um acórdão inusitado
81
humana no ambiente logicamente traz prejuízos
de ordem objetiva.
III - Considerando ainda que não há definição
acerca do porte do empreendimento a ser
construído, a análise e declaração de futuro
dano ambiental não pode ser guiada por meras
suposições ou conjecturas sobre o terreno,
mormente diante dos aspectos objetivos
constatados na perícia judicial.
IV - Não há que se falar em litigância de má-
fé se a situação dos autos não se enquadra no
disposto no artigo 17 do CPC. (GOIÁS, 2010,
fl. 368)15
O recurso ao STJ
As instâncias do poder judiciário goiano, no caso
concreto, de forma equivocada, convalidaram os efeitos
negativos e ilegais associados aos impactos urbanísticos e
ambientais causados pela construção de um prédio em área de
nascente, legalmente destinada ao uso comum do povo.
Tais decisões equivocadas foram revogadas, em 18 de
dezembro de 2018, pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ,
em caráter definitivo, que anulou as improcedentes decisões,
tanto a monocrática, proferida pelo juiz Fernando de Castro
Mesquita, como a colegiada (acórdão) do tribunal ad quem
(TJ-GO).
82
nomeado pelo juiz de piso. Ocorre que os dados e informações
periciais, lançados à lume na sentença e no acórdão, não
correspondem ao conhecimento técnico-científico respeitante
aos fatos e à realidade do objeto posto em julgamento.
A não ser que se admita que o Sr. Perito Oficial tenha
laborado claramente a favor de uma das partes, qual seja,
a empresa particular interessada na edificação comercial
do terreno. Essa postura parcial deve ser condenada, pois é
estranha à atividade pericial.
Infelizmente, não houve o contraditório técnico no
processo, pois nem a Prefeitura e nem o Ministério Público,
como de direito, indicaram assessores técnicos, para o
desempenho do papel de elaborar pareceres que poderiam
fornecer ao juiz um universo mais aprofundado e isento sobre
as controvérsias que permeiam a causa.
Foi preciso que a Associação de Preservação do Vaca
Brava – Parque Sulivan Silvestre (APVB), em 2 de janeiro de
2008, apresentasse o presente parecer técnico, elaborado pelo
autor deste livro, com apoio do professor doutor João Batista
de Deus – pós doutor em Geografia Urbana do Instituto de
Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás
(IESA/UFG) e da advogada Jane Maria Balestrin, conselheira
da APVB.
O referido parecer técnico da APVB, sem a pretensão
de esgotar o assunto e nem tampouco de desrespeitar
posições outras, mas imbuído da necessidade de aduzir fatos,
conhecimentos e elementos novos pertinentes ao tema colocado
83
em debate, subsidiou o recurso de agravo n° 1352083/GO,
protocolado no STJ, em 25 de outubro de 2010 e contribuiu
para o êxito da ação civil pública, conforme se expõe a seguir.
84
mulher D. Barbara de Sousa Morais, que doaram duas áreas,
sendo uma de cinqüenta (50) alqueires goianos, destacada
da fazenda “Bota-Fogo”, e outra de cinqüenta e dois (52)
alqueires e oitenta (80) litros, destacada da fazenda “Criméia”,
ambas dentro da área demarcada no decreto governamental
retro citado, com a averbação na escritura de doação de que
tais “terras, entretanto, voltarão ao patrimônio dos doadores
no caso de não se efetivar a mudança da Capital de Goyaz”
(transcrito no Lv. nº 3 A, pp. 44-45, nº 578, 1º tabelião
Campinas, em 27/10/1933).
Os casais de fazendeiros Otávio Tavares de Morais e sua
mulher D. Maria Alves de Melo e Urias Alves de Magalhães e
sua mulher D.Cândida Tavares de Morais, além da fazendeira
D. Maria Alves de Magalhães, doaram parte de terras da fazenda
“Criméia”, com áreas respectivas de cinqüenta alqueires (50)
e oitenta (80) litros, trinta (30) alqueires e dez (10) alqueires.
Os casais de fazendeiros Abílio Antonio de Melo
e sua mulher D. Madalena Cândida Borges doaram dois
(02) alqueires da fazenda “S. Antônio”; e Cel. Licardino de
Oliveira Néi e sua mulher D. Maria de Moráis Oliveira doaram
cinquenta (50) alqueires da fazenda “Caveiras”.
Por sua vez, Hermelino Rodrigues de Siqueira e sua
mulher D. Marcília Carolina de Melo doaram dez (10) alqueires
destacados da fazenda “S. Antônio”, assim como; D. Maria
Joana de Jesus, viúva, efetivou a doação de dez (10) alqueires,
também destacados da mesma fazenda (MONTEIRO, 1938,
p. 95-114).
85
E, ainda, considerando a área objeto da presente
demanda como um espaço livre constante do parcelamento da
fazenda “Arranca Toco”, temos que diversos fazendeiros ali
existentes também realizaram doações de terras à nova capital,
como o Cel. José Rodrigues de Morais Filho e sua mulher D.
Ana Nunes de Morais que doaram vinte (20) alqueires de terras
de parte da fazenda “S. Domingos” e mais vinte (20) alqueires
de terras de parte da fazenda “Arranca Toco”. Mais uma vez,
encontra-se à margem da escritura de doação, a averbação de
que tal doação “deixa de prevalecer se não for transferida para
este Município a Capital do Estado” (MONTEIRO, 1938, p.
113).
No caso em espécie, vê-se a escritura, registrada no Lv.
nº 6, fls. 53-58, 2º Tabelião da cidade de Campinas, Comarca
de Bela Vista, através da qual, os lavradores João Rita Dias
e sua mulher D. Julia Duarte Dias, Oscar Pereira Duarte e
sua mulher D. Tereza Batista Duarte, D. Barbara Generosa
Duarte e D. Georgeta Revalina Duarte, ambas solteiras, sendo
esta última funcionária dos Correios da cidade de Campinas,
doaram, cada um, cinco (5) alqueires, perfazendo vinte (20)
alqueires de terras de parte da fazenda “Arranca Toco”, também
conhecida como fazenda “Vaca Brava” (MONTEIRO, 1938,
p.108-112).
A análise dos documentos históricos referente ao
tema em estudo evidencia que o fundo de vale e a cabeceira
do córrego Vaca Brava constituem espaço livre legalmente
protegido, constante do parcelamento da fazenda “Vaca Brava”
86
ou “Arranca Toco”, criado pelo Decreto nº 19, de 24/01/1951,
assinado pelo Prefeito de Goiânia Eurico Viana, com base na
planta e memorial descritivo do Setor Bela Vista, hoje Setor
Bueno, elaborado pelo Eng. Proj. Werner Sonnenberg CREA
5ª Reg. 1883-D e pelo Eng. Civil Cart. Tristão Fonseca Neto
CREA 4ª Reg. 1230. Este parcelamento, inscrito sob n° 15, livro
aux. 8b, no CRI da 1ª Zona, foi empreendido pela proprietária
D. Georgeta Revalina Duarte, que é uma das doadoras de terra
ao Estado de Goiás para a construção de Goiânia.
Pelo exposto, o Parque e a Praça Vaca Brava são bens
de natureza material e não material do patrimônio da cidade,
a que se refere o art. 261 da Lei Orgânica de Goiânia. Assim,
nos termos da Lei nº 7.164, de 14 de dezembro de 1992, em
razão dos valores histórico, cultural e ambiental que possuem,
referidos bens são parte do Patrimônio Histórico Municipal, a
serem protegidos, preservados e recuperados para as atuais e
futuras gerações.
87
geológico-geomorfológico brasileiro, segundo o qual, o termo
cabeceira, nascente, fonte, minadora, mina ou manancial,
designa:
[...] uma área onde afloram os olhos d’água
que dão origem a um curso fluvial; é o oposto
de foz [...]. A cabeceira não é um lugar bem
definido, constituindo-se uma verdadeira
área, envolvendo critérios complexos para a
determinação do curso principal [...] (GUERRA,
1993, p. 64).
88
morfológicas e hidrológicas do local em disputa. A praça da T-3
com a T-5 não é própria à ocupação por uso direto do solo, pois
afeta uma área de descarga ou afloramento do lençol freático, e
também de recarga, com a consequente drenagem subterrânea
para alimentar o lago do Parque Vaca Brava (NASCIMENTO
et al., 1991).
89
centenária está bem situada em local visível aos olhos de todos
que queiram vê-la. Este fato se constitui numa prova inconteste
de que o Sr. Perito Oficial errou grosseiramente ao asseverar
que “o terreno é destituído de cobertura florística de qualquer
exemplar com alguma importância, apresentando tão somente
alguns poucos exemplares exóticos”.
A verdade é que, apesar de a vegetação nativa, ao
longo dos anos, ter sofrido intensa descaracterização, restaram
alguns exemplares isolados que permitiram a identificação
da tipologia vegetal primitiva. Dentre os remanescentes
destacam-se espécies como o angico já citado e ainda ipê,
ingá, guatambu, pindaíba, imbaúba e farinha seca. São estes
testemunhos que possibilitaram o reflorestamento da cabeceira
do Vaca Brava, reconstituindo-a parcialmente, a ponto de levar
o nobre juiz de direito a afirmar, na inaudita decisão judicial,
que “esta sim, a cobertura vegetal do Parque Vaca Brava, seria
importante para o equilíbrio ambiental” da região.
90
Fig.01 Exemplares nativos na praça do Vaca Brava
(em sentido horário): árvore nativa centenária de
angico, Anadenanthera peregrina; jacarandá,
Machaerium acutifolium
91
Assim, a pretensão da Prefeitura em proporcionar
espaço cultural aos desfavorecidos, na praça da T-5 com a
T-3, não pode representar a supressão de uma área verde
ali existente, tão importante quanto aquele que se propõe
implantar, para o desenvolvimento da cidadania.
Noutro aspecto, a implantação de áreas verdes em
grandes cidades tem como maior obstáculo o alto valor
imobiliário dos terrenos a serem desapropriados ou alocadas
para essa finalidade (GEISER et al., 1976). Esse aspecto
tornou mais incompreensível o enredo delineado em processo
judicial, administrativo e político no qual diferentes atores
públicos e privados atuaram para transferir um patrimônio da
coletividade para o domínio privado.
92
manutenção do equilíbrio ecológico, do meio ambiente como
um patrimônio público a ser protegido, tendo em vista o uso
coletivo, a racionalização do uso do solo, da água e do ar.
No mesmo sentido, a Lei Federal nº 6.840/89 (art.
1º) determina o reconhecimento dos recursos naturais como
patrimônio coletivo, de uso condicionado à manutenção de sua
qualidade e proteção da fauna e da flora, o estabelecimento
de ações de proteção, controle, conservação e recuperação dos
recursos naturais.
De acordo com as leis citadas, vê-se que a sentença
inicial, apoiada em laudo pericial tecnicamente errado, ao
justificar a ocupação da praça da T-3 com a T-5 por particular,
foi equivocamente mantida pelo TJ-GO sob o argumento falacioso
de que o ambiente de fundo de vale e de cabeceira, onde a praça
se localiza, encontra-se degradado. Exigir o cumprimento da
lei protecionista neste espaço particular seria cometer, segundo
vociferou a sentença, uma “injustiça social”. O raciocínio é
tortuoso e seguiu a máxima vulgar de que “um erro justifica o
outro”.
O terreno encontra ainda proteção no Código Florestal
- Lei nº 4.771/65 (artigos 2º e 3º), como de preservação
permanente, em razão de nele existirem nascentes ou “olhos
d’água”, que abrangem a faixa do terreno num raio mínimo
de cinquenta (50) metros de largura. Além do mais, a área é
declarada pelo Poder Público como praça, isto é, um espaço
urbano destinado a assegurar condições de bem-estar público.
Sujeita-se, pois, aos dispositivos previstos nas leis de uso do
93
solo da capital do estado.
O Zoneamento do Goiânia, estabelecido na Lei nº
5.735/80 (artigos 2º e 3º), sucedida pela Lei Complementar
n° 031/94 (art. 86), determina como Área de Preservação
Permanente aquelas circundantes às nascentes permanentes e
temporárias, com raio inicial de, no mínimo, 100 (cem) metros,
podendo o órgão municipal competente ampliar esses limites,
visando proteger a faixa de lençol freático. São também
de preservação permanente as áreas cobertas por florestas
nativas, cerrado ou savana, identificáveis e delimitáveis no
levantamento aerofotogramétrico de julho de 1975, realizado
pelo município e, também, aquelas identificadas na Carta de
Risco de Goiânia de 1991.
Assim, do ponto de vista urbanístico, a praça em questão é
Área de Preservação Permanente e, portanto, classificada pela
lei então vigente – Lei Complementar nº 31/94 (art. 85) como
Zona de Proteção Ambiental I (ZPA-I). Em face do art. 88 desta
lei, não se admite na classe ZPA-I quaisquer das categorias de
uso direto do solo. Assim, não assiste razão à afirmativa do
juiz de que “a área não se enquadra na categoria ZPA-III”.
Portanto, laborou em equívoco o nobre juiz e o tribunal recorrido.
A área possui restrição de uso ainda maior, pois enquadra-se
como ZPA-I. Nessa classe de uso nunca se admite um prédio
comercial!
94
3.3.3e Aspectos Jurídico-Legais
95
que a transação em pauta não se submete às
disposições da Lei nº 6.766/79 [...]. Os efeitos
dominiais automáticos previstos na referida
norma em favor do poder público [...] somente
se destinam aos empreendimentos nascidos a
partir da vigência daquela, eis que seus efeitos
não podem retroagir para alcançar situações
pretéritas. [...]. (grifos nossos)
96
– como reconhece o próprio magistrado que a proferiu,
produzindo consequências danosas sobre o meio ambiente, os
destinos da cidade e a vida de cada cidadão.
Ad exemplum, tem-se o caso do Parque Vaca Brava,
localizado em área contígua à praça da T-3 com a T-5, que foi
objeto de um processo judicial que discutiu o domínio da área do
parque. O pretenso proprietário da área da cabeceira do córrego
Vaca Brava ajuizou ação de indenização contra a Prefeitura
de Goiânia, protocolada sob o nº 960.207.488 no TJ-GO, em
16 de abril de 1996, por se sentir prejudicado com a sentença
expedida pelo Juiz de Direito Geraldo Salvador de Moura,
da 2ª Vara da Fazenda Pública Municipal, em 11 de outubro
de 1995, que autorizou ali a implantação de uma unidade de
conservação nas nascentes do manancial. No mérito, a ação foi
julgada, em 22 de junho de 2004, pelo Juiz Fabiano Aragão,
que declarou a nulidade da escritura e do registro da área em
nome do particular, bem como dos Decretos de nº 99/74 e de
nº 1233/87, de parcelamento, remembramento e concessão de
alvará de construção de 12 arranha-céus. O Parque Vaca Brava
voltou ao seu legítimo proprietário – a coletividade, o povo!
No caso da demanda pelo domínio da área do parque,
a decisão do juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública Municipal de
Goiânia se fundamentou na transferência dos espaços livres
ao poder público municipal por simples registo em cartório do
decreto de loteamento do Setor Bueno. Na causa da praça do
Vaca Brava, por sua vez, o juiz da 3ª Vara da Fazenda Pública
Municipal adotou uma premissa falsa que, de consequência,
97
produziu uma conclusão errada, capaz de causar grave
prejuízo. Se fosse admitida a hipótese de que os bens públicos
de uso comum, portanto, de domínio do povo (não os de uso
dominial ou dominical, de domínio da Prefeitura) precisam
ser registrados em cartório, vislumbrar-se-ia um cenário
especulativo sobre o domínio e o uso dos bens existentes no
espaço urbano de Goiânia, porque a cidade possui:
[...] 116,303 milhões de m² de espaços livres,
sendo 3,307 milhões de m² de praça; 13,658
milhões de m² de parque; 14,569 milhões de m²
de parque linear; 2,774 milhões de m² de verde
de acompanhamento viário; 3,382 milhões de m²
de espaço livre público; 55,933 milhões de m² de
área verde particular; 643 mil m² de cemitério;
20,212 milhões de m² de equipamento público; e
1,827 milhões de m² de jardim de representação/
outras classes [...] (MARTINS JÚNIOR, 2001,
p. 206).
98
O STJ, na salvaguarda das normas de proteção dos
bens de uso do povo, revogou as inusitadas decisões , tanto
a monocrática (proferida pelo juiz Fernando de Castro
Mesquita), como a colegiada (acórdão do TJ-GO), pois, do
contrário, estar-se-ia criando um perigoso precedente para
qualquer fazendeiro que tenha promovido o parcelamento de
sua área rural para urbana, reclamar uma suposta titularidade
de um espaço livre – a rua, por exemplo – e até, valha-me
deus, o pretenso direito de cobrar pedágio à população urbana,
eis que o loteador parcelou uma fazenda para o cidadão nela
morar!
99
da praça do Vaca Brava em nome da empresa privada EMSA
e determinou a reintegração do domínio da área de cerca de 7
mil metros quadrados ao seu verdadeiro dono, o povo!
A praça entre a Rua T-56, Avenidas T-3 e T-5, no Setor
Bueno, em Goiânia, encerrou mais um capítulo da grilagem de
uma área verde de Goiânia, resgatada das mãos inescrupulosa
de especuladores que, amparados por agentes públicos
desonestos, dilapidam o patrimônio público ambiental.
100
´´O povo ganhou, mas não levou´´: o estranho
poder da máfia da grilagem urbana
Estranhamente, desde a decisão vitoriosa no STJ,
em 18 de dezembro de 2018, quando o domínio da praça do
Vaca Brava foi devolvido ao povo, a área verde permanece
abandonada, servindo de estacionamento de carros. A Prefeitura
permanece inerte, à espera de alguma manobra de bastidores
para beneficiar o dilapidador da área pública, sabidamente
um patrocinador de campanha de políticos tradicionais.
Certamente o que se trama nos bastidores não é do interesse da
população. Trata-se de alguma jogada para “compensar” com
alguns milhões do dinheiro público a perda sofrida, já que não
tem direito à indenização ou qualquer reparação financeira, em
face da decisão judicial em instância superior que deu ganho
de causa ao povo. A população tem direito ao domínio e uso da
praça do Vaca Brava. É direito da sociedade a preservação das
nascentes que alimentam o lago do parque, o reflorestamento,
ajardinamento, paisagismo, recuperação e integração da área
verde ao parque.
O terreno objeto da disputa judicial foi devidamente
caracterizado nos seus aspectos históricos, urbanísticos e
ambientais como área legalmente protegida, espaço livre
de preservação permanente, bem público de uso comum do
povo, inalienável, imprescritível. Portanto, trata-se de um
patrimônio urbano, histórico, cultural e ambiental. Conforme
ensinamentos do professor Paulo Affonso Leme Machado,
pode e deve ser protegido por ação dos agentes legitimados,
como a Prefeitura, o MP e a comunidade..
O caso presente é paradigmático no sentido de que
101
os conhecimentos técnico-científicos, afins aos direitos
dos cidadãos, são poderosos instrumentos que, orientam a
defesa dos espaços livres das cidades, alvos da especulação e
dilapidação de uma poderosa e articulada máfia da grilagem
urbana.
102
Fig. 02 – Foto aérea de 1985 do vale do córrego Vaca Brava destinado a
parque, entre a Rua T-66, Avs. T-3, T-5 e T-9, no Setor Bueno, Goiânia/
GO, desmembrado e parcelado ilegalmente em 12 lotes na Quadra
B (montante) e 22 lotes na Quadra A (jusante) (Fonte: Processos nº
8.967.687/1995 e 8.899.703/1995-SEMMA)
103
Brava, entre a R. T-66 e Av. T-10) como nos 22 “lotes” da
Quadra A (entre a Av. T-10 e a Av. T-9), até o julgamento final
da lide que discute o domínio da área de 170 mil m2, destinada
ao Parque Vaca Brava pelo Decreto nº 19, de 24 de janeiro de
1951, que aprovou o plano de loteamento do Setor Belo Vista,
atual Setor Bueno, inscrito sob o n° 15, livro auxiliar 8b, no
Cartório de Registro de Imóveis - CRI da 1ª Circunscrição da
Comarca de Goiânia/Goiás.
104
interpuseram recurso de Agravo de Instrumento nº 12.934-
4/180 no Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO).
O recurso foi distribuído ao desembargador Noé
Gonçalves Ferreira que, com apoio unânime da turma julgadora
e do Procurador-de-Justiça, negou o pedido principal de cassação
da sentença de 1º grau, mas concedeu efeito suspensivo ao
recurso e, no mérito, reformou parcialmente a sentença proferida
pelo juiz João Ubaldo Ferreira, excluindo o primeiro item do r.
decisum, in litteris:
Assim, dou provimento ao agravo interposto
para o fim de cassar a decisão fustigada, na par
te em que restringiu os direitos proprietários do
agravante mediante a emissão dos co mandos
de “proibir o Município de Goiânia de conceder
alvarás de construção e ampliação para as Quadras
A e B, no Setor Bueno e de proibir os demais
réus de levantar quaisquer obras nas áreas acima
questionadas” [...]. É o voto. [...] (GOIÁS, 1998,
fls. 8-9)
105
público, constitui garantia, por certa, a afastar
o periculum in mora suscitado para a concessão
da liminar. Nem significa, também, para que o
agravante promova edificação que não atenda
aos reclamos legais.
Assim, dou provimento ao agravo interposto
para o fim de cassar a decisão fustigada, na par
te em que restringiu os direitos de proprietário
do agravante mediante a emissão dos co
mandos de ‘proibir o Município de Goiânia de
conceder alvarás de construção e ampliação para
as Quadras A e B, no Setor Bueno e de proibir
os demais réus de levantar quaisquer obras nas
áreas acima questionadas [...]. É o voto. (GOIÁS,
1998, fls. 8-9)
106
Na figura 03, ilustra-se a grave situação aqui denunciada.
A vista aérea da cabeceira do córrego Vaca Brava, em 1993, antes
da implantação do parque, mostra a Quadra B, acima da Av. T-10,
e a Quadra A, abaixo da Av. T-10 até a Av. T-9, no Setor Bueno,
bairro mais valorizado de Goiânia-GO. A Quadra B foi recuperada
pela SEMMA, atual AMMA Goiânia. Na área desta quadra, que
compreende a cabeceira do córrego Vaca Brava, foi implantado e
inaugurado o parque de mesmo nome, no Dia da Árvore, em 21
de setembro de 1996 (v. Apêndice, infra).
Última capa).
A Quadra A foi ocupada, desde 1974, por invasões
milionárias. Observe que a área verde que hoje existe em frente
ao Goiânia Shopping, na esquina das Avenidas T-10 com T-3,
foi implantada pela Secretária do Meio Ambiente - SEMMA,
durante a gestão do prefeito Darci Accorsi, graças ao Termo de
Cooperação Técnica, firmado pelo titular da SEMMA - o autor
deste livro - com o engenheiro civil Fernando Maia, diretor-
presidente da MB Engenharia (empreendedora do Goiânia
Shopping), constante do Processo SEMMA nº 8.368.465/95. O
referido Termo de Cooperação Técnica é um documento anexo
ao Termo Ajuste de Conduta - TAC de recuperação do parque,
firmado pelo Município de Goiânia com o MP-GO, que foi
homologado por sentença do juiz Geraldo Salvador de Moura, em
11 de outubro de 1995 (MARTINS JUNIOR, 1996, p. 161-64).
Após o término da gestão Darci Accorsi (PT-PSDB-PSB-
PCdoB), em 31/12/1996, a Quadra A, abaixo da Av. T-10 até a Av.
T-9, foi entregue de mão beijada pela Prefeitura, com as bênçãos
do MP-GO e a omissão do TJ-GO, aos invasores milionários de
107
uma unidade de conservação municipal, bem de uso comum do
povo, inalienável e imprescritível.
Assiste-se à estranha conivência entre o Ministério
Público e o Poder Judiciário frente aos atos do Poder Local em
violar o Decreto nº 19/51, os documentos oficiais e as provas
produzidas em juízo que resultaram na decisão judicial que
devolveu ao povo, proprietário real, o domínio da área do Parque
Vaca Brava, conforme mapa e memorial descritivo do loteamento
do Setor Bela Vista, atual Bueno, registrado sob o nº 15, livro 8b,
no CRI da 1ª Circunscrição da Comarca de Goiânia.
108
A ACP c/c Reivindicatória nº 9.700.867.625 ajuizada
na 1ª Vara dos Feitos Municipais, com pedido de anulação da
escritura de alienação da área do parque, mantém conexão com
as ações ajuizadas na 2ª Vara dos Feitos da mesma comarca, quais
sejam, a ACP nº 930.249.851 que homologou o ajuste firmado
entre o Município e o MP-GO visando a recuperação do parque,
e a ação indenizatória nº 960.207.488 que resultou em sentença
final de anulação da escritura e do registro em nome do particular,
retornando o domínio do Município sobre a área constante da
planta e do memorial do Setor Bueno, aprovado pelo Decreto nº
19/1951, inscrição sob o nº 15 do CRI da 1ª Circunscrição da
Comarca de Goiânia.
O adquirente da Quadra B perdeu o direito pretendido
de propriedade sobre o bem em disputa, graças à sentença
proferida na ação indenizatória acima citada. Além disso, sofreu
apreensão administrativa no devido processo instaurado pelo
órgão competente do Município, que demonstrou as causas de
nulidade da escritura de alienação do mencionado bem, frustrando
a pretensão do grileiro na ação reivindicatória para retomar a
posse, o domínio e a propriedade. Tal pretensão foi derrotada com
base em prova pericial, produzida por meio de pareceres técnicos
e criminalístico que comprovaram a fraude no mapa do Setor
Bela Vista, atual Bueno, verbis (grifamos) (figura 04):
CONCLUSÃO. Examinado, discutido,
extraídas as evidências possíveis
do objeto da perícia; analisadas e
interpretadas à luz da criminalística os
indícios físicos detectados; realizadas
as avaliações possíveis e confrontados
com paradigmas considerados fiéis,
109
este perito, com suporte nos exames
realizados, conclui que sobre a planta
motivo desta perícia efetuou-se uma
forjicação por acréscimo, ao se fazer
nela inserir as expressões `Particular’,
apostas naquele mapa, na região
identificada como vale do córrego `Vaca
Brava’ (PÓVOA, 1996a, p. 33-50;
1996b, p. 165-175).
110
no Cartório de Registro de Imóveis - CRI 1ª Circunscrição
da Goiânia - a planta e o memorial - e, consequentemente,
validou legalmente tudo o que neles continha, incluindo, por
óbvio, os bens públicos de uso comum do povo, como a área
do parque, tanto a Quadra B, na cabeceira do manancial de
mesmo nome, como também a Quadra A e ainda a praça do
Vaca Brava.
O juízo competente da 2ª Vara anulou a escritura e o
registro dos lotes da Quadra B em nome do pretenso
proprietário particular. Em consequência, foram anulados o
Decreto nº 99, de 14.02.1974, o Decreto nº 612, de 08.11.85 e
o Decreto nº 1.233, de 16.10.1987, expedidos pelo Município,
de alienação, desmembramento, remembramento, concessão
de alvará de construção e aprovação de “Projeto Diferenciado
de Urbanização - PDU”, verbis:
Declaro a nulidade da Escritura
Pública de Compra e Venda lavrada
aos 08 de setembro de 1976, fls. 169,
do Livro n. 1055, do Cartório do 21º
Ofício de Notas da Comarca do Rio de
Janeiro - RJ, nas Matrículas nº 7.818,
7.819, 7.820, 7.821, 7.822, 7.823,
7.824, 7.825, 7.826, 7.827 e 7.829,
do Cartório de Registro de Imóveis
da 1ª Circunscrição desta Comarca. E
ainda, declaro a anulação do Decreto
Municipal nº 099, de 14 de fevereiro
de 1974 e do Decreto Municipal nº
1.233, de 16 de outubro de 1987, com
o cancelamento da Averbação nº 5.378,
fls. 78/ 19, à margem da Inscrição nº
15. [...]. (GOIÁS, 2004, parte final).
111
3.4.3 Da conexão entre as ações
ajuizadas
Ao declarar válido tanto o Decreto nº 19/1951 como a
Inscrição nº 15 no CRI competente, o Juízo da 2ª Vara dos Feitos
Municipais anulou os atos de parcelamento das “quadras A e
B”; portanto, não há que se falar em duas áreas distintas, mas
uma só área pertencente ao mesmo objeto da lide – alienação
do Parque Vaca Brava – ou mesma causa pretendi – anulatória
da escritura de alienação ilegal de um bem público.
In casu, os julgados dos processos que tratam do parque
e da praça do Vaca Brava, se apresentam conflitantes em face
da violação ao princípio legal da conexão, estabelecido no
art. 103 e 301, § 1º, do CPC, que dizem, respectivamente:
“[...] reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for
comum o objeto ou a causa de pedir [...]”; e “[...] verifica-
se litispendência e coisa julgada quando se reproduz ação
anteriormente ajuizada [...]”.
Os julgados do processo em comento representam
contrariedade ao disposto no art. 105 do CPC, que determina:
“[...] havendo conexão ou continência, o juiz de ofício ou a
requerimento de qualquer das partes, pode ordenar a reunião
das ações, a fim de que sejam decididas simultaneamente [...]”.
De acordo com Donizetti (2012), o litisconsórcio pode
ser inicial ou incidental (ulterior), sendo o primeiro, formado
na petição inicial e, o segundo, aquele que poderá se formar
112
de outras maneiras, dentre elas, pela conexão (arts. 103 a 105
do CPC), quando se determina a reunião das demandas para
processamento conjunto ou, ainda, na denominada intervenção
iussu iudice, instituída pelo art. 147, parágrafo único do CPC,
que ocorre por determinação do juiz para que o autor promova
a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro do
prazo que assinalar, sob pena de declarar extinto o processo.
Importa verificar a existência de vínculo conectivo entre
as ações civis públicas de anulação dos contratos de alienação
dos dos bens descritos no memorial e na planta descritiva,
inscritos sob nº 15, livro auxiliar 8b, no CRI da 1ª Zona da
Comarca como Parque e Praça Vaca Brava, em obediência ao
art. 103 do CPC, que diz: “[...] reputam-se conexas duas ou
mais ações quando lhes for comum o objeto ou a causa de
pedir. [...]”.
Tais ações possuem em comum o objeto ou pedido
formulado em ação civil pública de nulidade e anulabilidade
por vício na formação do negócio jurídico, e/ou causa de pedir
baseada em fundamentos fáticos e jurídicos relacionados ao
bem público de uso comum do povo.
No caso em análise, o Poder Jurisdicional competente
e o agente tutor da lei, em 1º e 2º graus, desconheceram
solenemente a conexão entre as demandas, impondo decisões
conflitantes. Na ação civil pública que tramitou na 2ª Vara da
Fazenda Pública Municipal da Comarca de Goiânia, restou
provada, por todos os meios admitidos em direito, a ocorrência
de fraude (v. fig. 04, supra), um vício absoluto, ensejador da
nulidade do contrato de alienação de lotes situados em bem
113
público de uso comum do povo. Em decorrência, o Preclaro
Julgador da referida Vara Judicial, em sentença de mérito,
anulou a alienação e retornou a dominialidade do bem ao
Município.
Por outro lado, a ação civil pública ainda em trâmite
na 1ª Vara da Fazenda Pública Municipal, em face do acórdão
da 3ª Turma Julgadora da 2ª Câmara Cível do TJ-GO, embora
conexa à ação da 2ª Vara, já mencionada, produziu resultado
omissivo e/ou permissivo à prática de alienações e usos do
solo na Quadra A, pertencente ao Parque Vaca Brava.
O caso estudado, assim, encerra conflito com a
natureza da área pública de uso comum do povo, decorrendo
irregularidade processual tendente a produzir sentença
conflitante e irregular, o que, evidentemente não deve ser
amparado pelo Direito.
114
Os adquirentes dos “lotes” das Quadras A e B figuram no
polo passivo de ação anulatória de parcelamento e alienação de
imóveis localizados em Parque Natural Municipal. O negócio
jurídico se submete a impedimento absoluto. O Decreto nº
19/51, por força do art. 22 da Lei nº 6.766/79 c/c art. 99, I,
do CC e art. 8°, III, da LSNUC n° 9.985/2000, enquadram as
áreas de ambas as quadras como Unidade de Conservação de
Proteção Integral, bem de uso comum do povo.
Assim, conforme se depreende da doutrina aplicável
ao caso em estudo “[...] a decisão da lide é a mesma para o
alienante e para o adquirente, [bem como] propende a acarretar
obrigação direta para terceiro [o proprietário real], a prejudicá-
lo ou a afetar seu direito subjetivo [...]” (DONIZETTI, 2012,
p. 177-8).
A dilapidação da área restante do Parque Vaca Brava, a
Quadra A, realiza-se mediante conduta comissiva e/ou omissa
de agentes públicos e privados. Em casos tais, deve o juiz, de
ofício, a qualquer tempo, declarar nulo, de pleno direito, por
vício de origem, qualquer contrato de alienação de qualquer
bem res extra commercium. Incumbe à parte que ajuizou a
ação civil pública, por seu agente político tutor da lei, requerer
a reunião das ações, para que elas tenham o mesmo desfecho.
A omissão dos agentes políticos legitimados à
aplicação da lei resultou que as “Quadras A e B” pertencentes
ao mesmo objeto da lide, um parque público de uso comum do
povo, inalienável, indisponível, inapropriável e imprescritível,
foram tratadas incorretamente como se fossem bens jurídicos
diferenciados, em ações estranhamente apartadas.
115
O desmembramento das ações produziu resultados
ao agrado dos agentes produtores do espaço urbano que se
apropriaram de um parque ecológico com o fim ilícito de
ganhos econômicos e lucros privados.
116
inalienável, indisponível, inapropriável e imprescritível.
As práticas visando fraudar os gravames protetores
do bem público em questão são tipificadas e punidas no
Código Penal e na Lei de Improbidade Administrativa – LIA
nº 8.429/1992 como crimes contra o patrimônio público e a
administração pública, além dos ilícitos ambientais previstos
na Lei dos Crimes Ambientais – LCA nº 9.605/98.
Os agentes envolvidos atuaram em conluio, com
objetivos ilícitos, dentro e fora do Poder Público. Há prova,
produzida em juízo, da prática dos crimes de fraude no mapa
do St. Bueno e falsificação da escrituração do livro de Registro
do Cartório, bem como do arquivo público da Prefeitura (art.
171, I, parágrafo único, do CP). Há indícios evidentes de
associação criminosa (art. 288 do CP) e de enriquecimento
ilícito dos agentes públicos e particulares envolvidos (art. 12
da Lei de Improbidade Administrativa).
A possibilidade jurídica do objeto é outro pressuposto
de validade à formação do negócio jurídico em comento
que se encontra ausente no caso concreto, eis que se trata de
negócio juridicamente impossível. A empresa Coimbra Bueno
e Cia Ltda. vendeu aos adquirentes particulares os “lotes” das
Quadras A e B que não integram o rol res in commercium, e
sim o rol res extra commercium, ou seja, fora do comércio, por
força do Decreto nº 19/1951, inscrito sob nº 15 , livro aux. 8b,
no CRI da 1ª Circunscrição.
Nesse sentido, o Município realizou apreensão
administrativa dos bens ilegalmente alienados, por meio do
devido processo nº 8.899.703/95-SEMMA, que resultou na
revogação dos decretos de parcelamento e construção por
particulares nas Quadras A e B, com suporte em parecer do
então Chefe de Apoio Jurídico da Semma, advogado Ricardo
dos Santos – OAB 9.368/GO, nos seguintes termos (grifamos):
117
encontram-se no rol de logradouros públicos
relacionados na planta e no memorial do Setor
Bela Vista, aprovados pelo Decreto nº 19,
de 24.01.51, caracterizando-se como espaço
livre ambiental, portanto, de domínio público
municipal. O Cartório do 3º Ofício fez publicar
o Edital de Inscrição de Loteamento no DJ
de 17.02.51 , no qual, o loteador tornou pública a
relação das áreas privadas colocadas no comércio
(res in commercium), totalizando 3.111 (três mil,
cento e onze) lotes.
A prova técnica juntada ao presente parecer,
produzida pelo geoprocessamento da carta
aerofotogramétrica e dos mapas arquivados no
cartório e nos órgãos oficiais, comprova que o rol
dos bens colocados no comércio perfaz 65% da
gleba, e que o restante 35% se enquadra no rol dos
que estão fora do comércio.
Conclusão: as Quadras A e B do Parque Vaca
Brava são de domínio público, não podendo ter
sua destinação alterada; impõe-se medida de
cancelamento da averbação, matrícula e inscrição
que deverá ser realizado por ato judicial, via ação
do Ministério Público, guardião da ordem jurídica
e dos interesses difusos. (SANTOS, 1996, pp. 60,
74-75).
118
3.5 O Instituto da Evicção
O alienante está obrigado, por expressa disposição
legal, a resguardar o futuro adquirente dos riscos da perda
do bem, perante terceiro, por força de decisão judicial ou
de apreensão administrativa, em processos intentados por
qualquer interessado ou pelos entes legitimados e agentes
tutores da lei, em que fique definitivamente reconhecido que o
alienante não é o legítimo titular do direito que convencionou
transmitir.
Essa perda denomina-se evicção, palavra derivada do
latim evincere, que significa ser vencido. Há na evicção três
personagens:
Adquirente Vencido,
119
• Terceiro interessado ou real proprietário, evictor
ou evincente, que é o reivindicante ou possível vencedor do
direito demandado e que pode ser representado por ente ou
agente legitimado da sociedade civil ou agente tutor da lei,
dependendo da natureza do contrato (Município. Associação
de Moradores, MP-GO).
De acordo com a doutrina de Rosenvald (2006) e com
a norma estabelecida nos arts. 447, 456, 474, 475 e 553 do
CC, a evicção é um instituto que resguarda o direito objetivo
do princípio da garantia, segundo o qual, é dever do alienante
assegurar ao adquirente o uso e gozo do bem alienado.
O adquirente, não sendo conhecedor da litigiosidade
da coisa, tem o direito da denunciação da lide ao alienante,
de acordo com o art. 456 do CC c/c art. 70, I, do CPC, verbis
(grifamos):
Art. 456. Para poder exercer o direito que da
evicção lhe resulta, o adquirente notificará do
litígio o alienante imediato, ou qualquer dos
anteriores, quando e como lho determinarem
as leis do processo.
Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória:
I – ao alienante, na ação em que terceiro
reivindica a coisa, cujo domínio foi transferido
à parte, a fim de que esta possa exercer o
direito que da evicção lhe resulta.
121
da condição estatuída em cláusula resolutiva e com encargo no
interesse geral da sociedade.
A hipótese legal aqui aventada está associada às
condições históricas próprias do desenvolvimento urbanístico
de Goiânia. O Patrimônio Socioambiental da cidade foi
constituído com as transcrições números 660 e 661, referentes
às áreas de 52 alqueires da fazenda Botafogo e de 110 alqueires
da fazenda Arranca Toco ou Vaca Brava, doadas pelos seus
proprietários rurais ao Estado de Goiás para edificar a Nova
Capital. Os doadores foram prudentes ao realizar as doações,
firmando contratos com cláusulas de reversão (art. 547 do CC)
combinada com encargo de benefício geral (art. 553 do CC).
Nesse caso, incumbe ao donatário – Estado, sucedido
pelo Município – o compromisso solene e formal “[...] de fazer
boa, firme e valiosa a doação com a finalidade de efetivar,
no terreno doado, a futura Capital do Estado, cujas terras,
entretanto, voltarão ao patrimônio dos doadores no caso de
não se cumprir o encargo da doação [...]” (MONTEIRO, 1938,
p. 101-2).
As cláusulas mencionadas são um reforço que protege
todos os bens criados no Plano de Urbanização da Cidade,
especialmente os bens públicos de uso comum, especial e
dominical. A doação com cláusula de reversão é de caráter
resolutivo, impondo-se o retorno ou a reversão dos bens doados
ao patrimônio do doador, conforme mandamento do art. 547
do CC e seu parágrafo único, que dizem: “[...] O doador pode
estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se
sobreviver ao donatário. Não prevalece cláusula de reversão
em favor de terceiro [...]”.
O doador, pessoa física natural, obviamente não
sobreviveria ao donatário, pessoa jurídica de direito público
interno, de natureza permanente. Nem por isso ficaria o Estado
ou o Município livre do encargo da doação, pois o citado art.
547 aplica-se combinado com o art. 553, parágrafo único, do
122
CC, que diz (grifamos):
123
das Quadras A e B” não pertencem ao alienante ou falso
proprietário – empresa loteadora Coimbra Bueno & Cia. Ltda.
– e sim ao Município. O falso proprietário não pode transferir
a outrem direito do qual não seja titular, em face do princípio
nemo plus iuris ad alium transferre potest quam ipse habet ou,
simplesmente, nemo plus iuris, estabelecido no art. 1.268, §
2º, do CC.
E, ainda, no caso enfocado, o alienante (Coimbra
Bueno & Cia. Ltda.) responde junto ao adquirente (qualquer
interessado) pela garantia contra o risco da evicção. Essa
responsabilidade decorre de lei e existe ex vi legis em todo
contrato oneroso ou contrato gratuito do tipo doação modal,
onerosa ou com encargo de benefício geral.
O real proprietário do bem alienado é o povo, ou
terceiro interessado, que pode ser representado na demanda
por entidade legitimada da sociedade civil ou ainda pelo agente
político tutor da lei – membro do Parquet. Qualquer um deles,
individualmente ou em litisconsórcio, pode exigir a efetivação
dos dispositivos previstos nos arts. 447, 474, 475 e 553 do CC.
A ação deve ser intentada principalmente pelo agente
tutor da lei, que é o ente legitimado para, de pleno direito, tanto
na via da ação administrativa junto ao órgão competente, como
na via da ação civil pública autônoma ou combinada com ação
petitória ou ação possessória, ajuizar o pedido da resolução
do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento ou, em
qualquer dos casos, da indenização por perdas e danos, além
das responsabilizações administrativas, civis e criminais do
falso alienante e dos adquirentes de má-fé.
No caso do Parque Vaca Brava, houve apreensão
administrativa decorrente de iniciativas desenvolvidas pelos
agentes legitimados na defesa do bem público em comento,
conforme se aduz a seguir:
• Em meados de 1992, a Associação dos Moradores
do Setor Bueno, por meio de representação da Sra. Yara
124
Castanheira de Souza, acompanhada de centenas de moradores
que assinaram o documento, noticiou e requereu ao Ministério
Público do Estado de Goiás as providências legais contra o
violento processo de degradação na área pública das nascentes
e do vale do córrego Vaca Brava, causado pelo início da
construção de um shopping, pela MB Engenharia Ltda., no
cruzamento das Avenidas T-15 e T-10, por meio do alvará nº
022-C/92 concedido pelo então prefeito Nion Albernaz;
• O MP-GO, em face do requerido, instaurou o inquérito
civil público - ICP nº 068/92/COMA, apurou a denúncia com
base em informações fornecidas pelo Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente em Goiás – IBAMA, Fundação Estadual do
Meio Ambiente - FEMAGO, Batalhão Florestal e, sobretudo,
pelo Núcleo de Defesa do Meio Ambiente do Instituto de
Planejamento Municipal – IPLAM que relatou, às fls. 24/25
do ICP, verbis (grifamos):
[...] na planta de loteamento original do
Setor Bueno a área constava como “parque”.
Em loteamento posterior a 1974, legal, mas
indevidamente, foi aprovado o loteamento
desta área verde [...] (OLIVEIRA, 1993, p. 54)
126
jurídicos que comprovaram o domínio, a natureza e alienação
fraudulenta do Parque Vaca Brava, o Município, através da
SEMMA, por meio do Ofício nº 754, de 20/09/95, formulou à
15ª Promotoria de Justiça de Goiânia um Termo de Ajustamento
de Conduta – TAC contendo o detalhamento das medidas de
curto e médio prazo para recuperação e implantação do parque;
tais medidas foram homologadas por sentença judicial, em
11/10/95, às fls. 334/337 da ACP mencionada.
No caso da praça do Vaca Brava, a apreensão
administrativa decorreu do embargo promovido pelo
Município de Goiânia, em junho de 1995, da obra intentada
pela EMSA no terreno localizado entre as Avenidas T-3, T-05
e Rua T-66, realizado por Fiscal de Postura Ambiental da
Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma), conforme
Processo nº 8.676.127/95 – Semma, comentado alhures.
Do exposto, os entes legitimados – Associação dos
Moradores do Setor Bueno, Associação de Preservação do
Vaca Brava – Parque Sulivan Silvestre, órgão ambiental do
Município de Goiânia e Promotoria Pública – agiram em
comum acordo, pleitearam e foram autorizados pelo Poder
Judiciário a promover ações de apreensão administrativa
visando recuperar os bens públicos de uso comum do povo.
No devido processo administrativo nº 8.899.703/95
– SEMMA, o Município de Goiânia revogou atos ilegais,
anteriormente praticados, quais sejam, os mencionados
Decretos n° 99/74, nº 612/85 e nº 1.233/87 de alienação,
parcelamento e concessão de alvará de construção de
condomínio fechado com 12 prédios na cabeceira do córrego
onde posteriormente se reflorestou com espécies nativas e se
implantou o atual lago do Parque Vaca Brava.
No competente processo administrativo nº 8.676.127/95
– SEMMA, o ente legitimado do Município de Goiânia
requereu anulação do registro da praça do Vaca Brava em
nome da empresa privada adquirente (Empresa de Montagem
127
Sul-Americana S.A. – EMSA), além de promover o embargo
de um prédio de 27 andares na referida praça.
128
em anotação na inscrição dos “lotes” no CRI competente.
Os adquirentes de referidos imóveis, portanto, conhecem da
litigiosidade da coisa e não podem alegar ignorância (art. 457
do CC), assumindo, assim, os riscos da evicção.
A alienação do Parque Vaca Brava sofreu apreensão
por força de decisões judiciais, conforme fatos e fundamentos
a seguir itemizados:
• O alienante ou proprietário aparente é a empresa
Coimbra Bueno & Cia Ltda., que se apresentou como
falsa proprietária dos “lotes” das Quadras A e B do Parque
Vaca Brava, após ser autorizado ilegalmente pelo Prefeito
Municipal, através do Decreto nº 99, de 14 de fevereiro de
1974, que desmembrou e parcelou em 34 “lotes” uma área
enquadrada como bem público de uso comum, inalienável,
indisponível, intransferível, inapropriável e imprescritível,
que presta serviço uti universi de parque ecológico no Setor
Bueno, aprovado pelo Decreto nº 19, de 24 de janeiro de 1951,
inscrito sob o nº 15, Lv. aux. 8b, no CRI da 1ª Circunscrição
de Goiânia;
• Em decorrência da natureza jurídica, descrita no
item retro, o alienante e os adquirentes sofreram a perda
dos direitos proprietários sobre os bens demandados dos
mencionados lotes, por força de sentença preferida em 1996,
pelo Juiz João Ubaldo Ferreira, na ACP c/c Reivindicatória
nº 9.700.867.625 ajuizada na 1ª Vara dos Feitos Municipais.
Em decisão liminar, houve proibição de concessão de alvará
de construção e ampliação de quaisquer obras pelo Município
e pelos pretensos proprietários de lotes na área em litígio
(GOIÁS, 1996).
• Em julgamento de recurso interposto por pretenso
proprietário de “lotes” da Quadra B do parque Vaca Brava, o
129
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, no Acórdão da 3ª Turma
da 2ª Câmara Cível, em 17 de março de 2008, atribuiu efeito
suspensivo à sentença liminar, descrita no item retro, em relação
exclusivamente aos “direitos proprietários” dos adquirentes de
lotes das Quadras A e B do Setor Bueno, mantendo todos os
demais itens do decisum fustigado, destacadamente proibir o
Município de conceder alvarás de construção, nas áreas sub padron
judice, que venham causar danos ao meio ambiente; izar
• Os adquirentes, evictos ou evencidos são as pessoas espaça
físicas e jurídicas que compraram da loteadora ou de sucessores mento
algum dos 12 “lotes” da Quadra B e dos 22 “lotes” da Quadra entre-
A, e perderam o domínio sobre referidos bens por força de linhas
sentença transitada em julgado, em 22 de junho de 2004, pelo
juiz Fabiano de Aragão Fernandes, da 2ª Vara da Fazenda
Pública Municipal da Comarca de Goiânia, que declarou
válido o Decreto nº 19, de 24 de janeiro de 1951, inscrito sob
o n° 15, Lv. aux. 8b, no CRI da 1ª Zona, bem como anulou
tanto o Decreto nº 99, de 14 de fevereiro de 1974, como a
Escritura Pública de Compra e Venda dos 12 “lotes” da Quadra
B, firmada pela Coimbra Bueno & Cia Ltda. com o adquirente
Waldir Rodrigues do Prado;
• O terceiro interessado, evictor ou evincente, é o povo
de Goiânia, representado, no caso, pelos agentes legitimados
– Município de Goiânia/SEMMA e organizações não
governamentais que representam a comunidade dos moradores
– e pelo agente tutor da lei, membro do MP-GO, Promotor ou
Procurador de Justiça (art. 5º da LACP n° 7.347/85 c/c art. 29,
III da CF).
Da mesma forma, a alienação da praça do Vaca Brava
sofreu apreensão judicial por força de decisão final, transitada
em julgado, proferida pelo Superior Tribunal de Justiça - STF,
conforme amplamente discorrido no capítulo 3.3, supra.
130
Na evicção, o alienante responde pelas verbas recebidas,
equivalentes aos preços dos “lotes” pagos pelos adquirentes e
que continuam devidas a eles; responde também pelas verbas
indenizatórias relativas aos prejuízos morais e matérias de
negócio jurídico baseado na fraude do mapa do Setor Bueno.
De acordo com o art. 459 do CC, o alienante estaria
desonerado das obrigações de reparação civil caso constasse dos
contratos de compra e venda firmados com os adquirentes dos
respectivos imóveis expressa cláusula de irresponsabilidade,
mediante ciência da ação civil pública c/c reivindicatória em
curso, renunciando cada adquirente a toda garantia. No caso
em estudo, tal cláusula não existe.
A demanda pelo domínio da área do parque onde estão
os “lotes” das Quadras A e B é do mais amplo conhecimento
público, não só veiculado pelos meios de comunicação
social, como os interessados diretos foram notificados nos
devidos processos legais. As constrições decorrentes de
sentença proferida na ação civil pública c/c reivindicatória nº
9.700.867.625 pelo Juízo da 1ª Vara dos Feitos Municipais, e,
sobretudo, pela sentença de nulidade do negócio jurídico em
comento, na ação indenizatória nº 960.207.488 pelo Juízo da
2ª Vara, estão anotadas à margem dos registros dos imóveis no
CRI competente. Por esta razão, se torna impossível admitir,
na espécie, em face dos adquirentes, a hipótese de aplicação da
Propriedade Aparente, como se discorre a seguir.
131
em face da dispersão de titularidades no sistema jurídico
contemporâneo, no qual convivem vários proprietários, como
o resolúvel, o fiduciário e o superficiário. Nesse sentido, o
direito enfoca a proteção dos adquirentes patrimoniais com
base em uma aparente disposição de titularidade e legitimação,
à custa do sacrifício econômico do verdadeiro titular, em
situações legalmente determinadas.
A aparência no direito civil tem o escopo de proteger
situações de íntima interação entre o fenômeno jurídico e o
fenômeno social, não sendo possível assimilar um sem o outro,
sendo aconselhada a validação dos atos praticados por pessoas
que não possuem o direito de realizá-los, mas aparentam, aos
olhos de todos, como se fossem os verdadeiros titulares desse
direito que convencionou transmitir.
O doutrinador Rosenvald (2014, 2006) ensina que a
propriedade aparente é uma categoria jurídica autônoma do
quadro pluralista da propriedade moderna, dotada de elemento
peculiar de aparência de propriedade, derivada do princípio
da confiança e da regra geral do Estado de Direito. Assim, o
conceito encerra vocação protetiva, voltada para a segurança
do negócio jurídico, dentro do comércio honesto, justificando,
numa aquisição a non domino, a perda da propriedade pelo
verdadeiro dono do imóvel, em favor do terceiro adquirente
de boa-fé.
Em face de a propriedade constituir uma aparência
convertida em realidade ligada à prova da sua titularidade
formal, pode ocorrer uma situação de fato que manifesta como
verdadeira uma situação jurídica inexistente, mas geradora
de efeitos jurídicos em favor de quem confiou no estado de
aparência. Tal situação somente se justifica quando ocorre
erro escusável e incidindo em boa-fé daquele que tomou o
fenômeno real como reflexo de uma situação jurídica, na qual
a aparência prevalece sobre a realidade.
132
3.6.1 A Teoria da Propriedade
Aparente só ampara direito subjetivo
lícito e ético
133
No caso da venda a nom dominio da Praça e do Parque
Vaca Brava, por se tratar de bens públicos não usucapíveis
(art. 183, § 3º, da CF c/c 102 do CC), os adquirentes da área
da praça e dos lotes das Quadras A e B do parque, mesmo
que de boa-fé, não serão tutelados pelo direito da propriedade
aparente em razão de duplo vício originário: inexistência da
declaração de vontade do proprietário real e negócio jurídico
nulo de pleno direito.
Nem mesmo se aplicaria aos adquirentes de tais bens
públicos a possibilidade de ação de responsabilidade civil
contra o alienante ou falso proprietário pela evicção, nos
termos do art. 447 do CC, já que eles conhecem do vício
originário, em face das anotações das constrições decorrentes
de apreensões administrativas e sentenças judiciais à margem
dos registros dos imóveis por eles adquiridos.
Na aquisição a non domino, encontra-se a propriedade
aparente em sua essência, pois incidiria a hipótese de terceiros
adquirentes que, de boa-fé, confiam em uma situação aparente
de propriedade e, com base nesta confiança, se investem
em uma titularidade dentro das aplicações tuteladas pelo
ordenamento jurídico para aplicação da Teoria da Propriedade
Aparente.
As aplicações da teoria em comento têm, em comum,
o fato do terceiro de boa-fé ou adquirente do direito de
propriedade imobiliária pela via do registro (art. 1.245, do CC)
não se submeter à perda do bem a favor do proprietário real,
mesmo que este comprove a titularidade real sobre a coisa,
impossibilitado de reivindicá-la contra o terceiro de boa-fé que
se amparou em erro invencível na realização de uma aquisição
a título oneroso. Nessas situações, a aparência suprime o
poder de sequela do proprietário real, tornando inócuo o art.
1.245, parágrafo único, do CC, restando ao proprietário real a
pretensão indenizatória contra o do proprietário aparente que
alienou a coisa ao terceiro adquirente de boa-fé.
134
3.6.2 As quatro aplicações da
Aparência no Direito de Propriedade
135
CPC): aduz que a ação pessoal pauliana ou revocatória só
poderá ser ajuizada pelo credor contra o devedor insolvente e a
pessoa com quem ele celebrou o negócio jurídico fraudulento,
sem a possibilidade de alcançar o subadquirente de boa-fé, que
não teve conhecimento da insolvência do primitivo alienante
(devedor fraudulento);
• Negócio jurídico simulado (art. 167, § 2º, do CC):
na simulação, duas pessoas de comum acordo praticam um
negócio jurídico cuja aparência não corresponde à verdade,
forjando, intencionalmente, uma declaração para iludir
terceiros. Se o falso adquirente aliena o imóvel a terceiro de
boa-fé, não será este prejudicado por futura e eventual ação de
nulidade do negócio jurídico. O dolo ou o conhecimento do
vício afasta esta hipótese de aplicação da aparência.
136
deiro proprietário do imóvel, visando ludibriar o adquirente
ingênuo ou desinformado.
No caso em estudo, os adquirentes da Praça e do Parque
Vaca Brava sofreram a constrição por apreensão administrativa
intentada pelo Município, ao revogar atos praticados em negócio
jurídico ilegal, fraudulento e viciado por causas anteriores e
contemporâneas à formação do contrato de alienação entre o
alienante e os adquirentes de bem público de uso comum do
povo. A apreensão administrativa foi confirmada por sentenças
judiciais definitivas. Dessa forma, não houve omissão do real
proprietário e, portanto, não se consumou a aparência da
propriedade, desfazendo as hipóteses tanto da Propriedade
Aparente como do adquirente de boa fé.
137
política e nos de planejamento urbano. Cartórios, órgãos de
terras, de planejamento rural e urbano. O instrumento mais
usual é a violência para expulsar posseiros, comunidades
tradicionais, quilombolas e indígenas, mas também passa pela
manipulação das comunidades periféricas como boi de piranha
para ocupação de morros, áreas de risco, margens de rios,
sobretudo em zonas metropolitanas, com o fim de produzir
fatos de expansão urbana desenfreada e geração de milionários
ganhos de mais-valia fundiária.
Nas cidades, os grileiros se organizam como máfia
urbana, uma associação criminosa de agentes públicos e
privados especializados na apropriação do patrimônio público
legalmente protegido, que são os espaços livres de uso comum
e especial destinados a parques, praças, escolas, postos
de saúde e até vias de circulação. A grilagem urbana é um
grande negócio das milícias do Rio de Janeiro, mas também
de inescrupulosos agentes produtores do espaço urbano das
capitas, grandes e médias cidades, que se associam a uma
minoria inescrupulosa do poder público - oficiais cartorários,
agentes do poder executivo, legislativo e do judiciário.
A alienação ilegal e fraudulenta da praça e do Parque
Vaca Brava, infelizmente, constitui triste mácula na história
do desenvolvimento urbano de Goiânia. Tais casos compõem
o Patrimônio Histórico, Ambiental e Cultural de Goiânia que
foram alvos da sanha criminosa, dilapidadora e usurpadora da
máfia da grilagem urbana.
Os mafiosos atuaram com muita desenvoltura,
sobretudo, durante os governos de exceção à frente do Poder
Local, destacando-se, no caso, as décadas de 1970 e 1980,
quando o Município tratou os bens públicos como res in
commercium. No caso em exame, foram editados o Decreto
nº 99, de 14.02.1974 de desmembramento e parcelamento das
Quadras A e B; o Decreto nº 612, de 08.11.85 de remembramento
da Quadra B; o Decreto nº 1.233, de 16.10.1987, de concessão
138
do alvará de construção de uma dúzia de prédios na cabeceira
do córrego Vaca Brava e a concessão do alvará de construção
de um prédio de 27 andares na praça do Vaca Brava.
139
evicção aos adquirentes dos imóveis demandados.
Entrementes, sabedor da litigiosidade da coisa, o ad-
quirente do bem público situado na Quadra B (cabeceira do
córrego Vaca Brava), não chamou à lide o alienante ou fal-
so proprietário – empresa loteadora do St. Bueno, mas sim, o
Município de Goiânia, que se tornou réu em ação de reparação
civil por dano ao “direito proprietário” de adquirente de má-fé,
na 2ª Vara dos Feitos Municipais, sob o nº 960.207.488.
A ação indenizatória na 2ª Vara transitou em julgado
com sentença de 22 de junho de 2004 que anulou os decretos
de parcelamento e de autorização construtiva na área pública,
anulou a escritura de compra e venda, reintegrou o Município
à posse e ao domínio do bem demandado e declarou a validade
da inscrição nº 15, Lv. aux. 8b, no CRI da 1ª Circunscrição da
Comarca de Goiânia.
No entanto, paradoxalmente, o Município foi condena-
do, em 25 de agosto de 2018, a pagar ao adquirente de má-fé
astronômico valor de verba indenizatória, pelo mesmo Juízo
da 2ª Vara dos Feitos Públicos Municipais, verbis:
Posto isto, pelas razoes consig-
nadas alhures, excluo da indenização
os valores atinentes aos quesitos 02,
03, 05, 07, 08, 09 e 10 [...], fixando
seu valor em R$ 25.857.000,00 (vinte
e cinco milhões oitocentos e cinquen-
ta e sete mil reais), pertinente ao valor
da terra nua, acrescido das custas pro-
cessuais adiantadas pela parte autora e
honorários advocatícios [...]. (GOIÁS,
2004, parte dispositiva)
O Município de Goiânia recorreu ao TJ-GO contra a
decisão acima transcrita, mas a 1ª Câmara Cível do Pretório
Goiano, através de decisão do desembargador Luz Eduardo de
140
Souza, proferida em, 4 de dezembro de 2018, não só manteve
a condenação do Município, como aumentou o valor da verba
indenizatória e determinou o pagamento de R$ 213,4 milhões
de reais, em valor atualizado (dez. 2022), ao grileiro do Parque
Vaca Brava (PORTAL DIA ONLINE, 2018).
A condenação judicial em comento penalizou
injustamente o povo de Goiânia. Uma condenação absurda,
já que, no devido processo administrativo SEMMA nº
8.899.703/95, o Município revogou o Decreto nº 99/1974
de desmembramento e de parcelamento das quadras A e B;
revogou o Decreto nº 612/1985 de remembramento da quadra
B; revogou o Decreto nº 1.233/1987 de concessão do alvará de
construção de 12 prédios na Quadra B do Parque Vaca Brava
(GOIÂNIA, 1996). Os decretos de alienação do parque, de
natureza absolutamente ilegal, também foram anulados por
sentença transitada em julgado, proferida em 22 de junho de
2004, pelo juiz Fabiano de Aragão Fernandes da 2ª Vara dos
Feitos Municipais (GOIÁS, 2004; GOIÂNIA, 1996; PÓVOA,
1996a,b).
Ainda mais grave, a alienação do bem demandado,
objeto da ação indenizatória, ocorreu mediante fraude
comprovada por perícia criminalística na planta do Setor
Bueno (GOIÂNIA, 1996).
Segundo Di Pietro (2012), a Administração tem
competência para, de ofício ou por provocação, anular ato
ilegal, inclusive sem formalidades especiais e sem prazo
determinado, salvo os casos previstos em lei, bastando que
a autoridade demonstre a nulidade com que foi praticado, tal
como sói ocorrer no caso presente.
O Pretório Goiano, contrariando afrontosamente os
141
princípios consagrados da norma, jurisprudência e doutrina
sobre o tema, decidiu premiar o fraudador e condenar a vítima
do esbulho – o povo. O TJ-GO, no caso concreto, proferiu
decisão imoral, antiética e antijurídica em benefício de
mafiosos da grilagem urbana que atuam em Goiânia.
142
dilapidado, a partir da comparação dos planos de loteamento
aprovados oficialmente e da compilação dos mesmos com as
imagens aerofotogramétricas do Município, vôo 1988, escala
1:5.000 reduzida para 1:10.000.
Dessa forma, Martins Junior (2013) levantou e
classificou os Espaços Livres Legalmente Protegidos de
Goiânia, constituído por um tesouro valioso de 116,3 milhões
de metros quadrados de praças, parques, parques lineares,
verde viário, jardim de representação, espaços livres públicos
e de equipamentos urbanos.
Por outro lado, o autor demonstrou que este Patrimônio
Ambiental goianiense está à mercê da atuação da máfia da
grilagem urbana e seus cúmplices da dilapidação dos bens
públicos. Essa máfia com atuação organizada responde pela
alienação de 8,419 milhões de metros quadrados de espaços
livres. As áreas públicas alienadas são aquelas que eram
originalmente destinadas ao uso público, comunitário e especial,
mas sofreram um processo de privatização e desvirtuamento da
sua destinação original. A alienação alcançou 12,24% de um
tesouro que pertence ao povo, isto é, de cada 10 m² de espaços
livres legalmente protegidos – ELPs, 1,22 m² foram alienados.
Assim, o grau de dilapidação do patrimônio público de Goiânia
é de 12,24%, isto é, de cada 10 m² de áreas públicas, 1,22 m²
foram dilapidados (MARTINS JUNIOR, 2007, p. 161)
143
capital de Goiás, é marcado pela desordenada substituição
da cobertura natural do solo, dentro de um processo de
urbanização insustentável que não respeita sequer os espaços
legalmente protegidos.
Nas zonas rural e de expansão urbana são adotados
usos dos solos que determinam uma perversa periferização
das regiões metropolitanas, caracterizada pela deficiência de
infraestrutura onde aglomeram os excluídos, submetidos aos
múltiplos aspectos da degradação socioambiental.
Por sua vez, nas zonas urbanas dotadas de infraestrutura
pública, imprime-se um uso abusivo e seletivo do solo mediante
intenso adensamento e verticalização, proporcionando lucros
máximos aos agentes produtores do espaço urbano. Tais
fenômenos são inerentes à apropriação especulativa da mais-
valia urbana nas cidades dos países capitalistas dependentes,
resultando na acelerada e acentuada redução dos remanescentes
da vegetação nativa e no empobrecimento da biodiversidade
urbana.
O indicador de de
O indicador sustentabilidade,
sustentabilidade,o oIAV
IAV ee aa
dilapidação do
dilapidação do patrimônio
patrimônio público
público
Martins Junior (2013) avaliou a sustentabilidade do
desenvolvimento goianiense durante longo período da sua
história e concluiu que os usos do solo urbano, de expansão
urbana e rural são absolutamente insustentáveis. Essa
conclusão está baseada no cálculo de um indicador do uso do
solo, chamado Índice Normalizado de Remanescente – INR,
que indica, numa escala de -1 a +1, a ausência ou presença de
remanescentes em cada zona de uso do solo e o seu respectivo
grau de preservação. Este indicador é dado pela equação: INR
= (ARt - AUt)/(ARt + AUt), sendo, ARt: área de remanescente
total do município e AUt: área de uso total do município.
O indicador de uso do solo, baseado no INR, tende a
produzir resultado esperado quase sempre negativo, dada
a natureza do desenvolvimento capitalista dependente que
vigora nas cidades dos países menos desenvolvidos. O uso do
144
solo, com indicador de sustentabilidade expresso no INR, no
entanto, embora possua componente tendencioso negativo,
está submetido aos ditames legais de uso e ocupação do solo.
Dentro da área urbanizada, os Espaços Legalmente
Protegidos - ELPs são as Zonas de Proteção Ambiental – ZPAs
estabelecidas no Plano Diretor das Cidades, que representam a
disponibilidade de espaços livres de uso comum da população.
Goiânia foi planejada pelo arquiteto-urbanista Attílio Corrêa
Lima e pelo engenheiro-urbanista Armando Augusto de
Godoy, em 1933, dentro da concepção de Cidade Jardim de
Ebener Howard, com generosos espaços livres disponíveis por
habitante. Martins Junior (2001; 2007) calculou o Índice de
Área Verde de Goiânia em 100 metros quadrados per capita.
O Patrimônio Ambiental goianiense é um dos maiores das
capitais e grandes cidades brasileiras.
O plano original da Cidade é a fonte originária
deste valioso Patrimônio Ambiental. Contudo, por razões
historicamente contextualizadas, discutidas na obra citada,
aliadas à falta de consciência, gestão e controle, este tesouro
do povo encontra-se submetido à atuação de uma máfia
oficializada.
A Praça e o Parque Vaca Brava se situam dentro de uma
das 32 áreas de estudo do pesquisador citado, qual seja, os
distritos Central, Sul, Oeste, Aeroporto, Marista, Bueno e
Setor Bela Vista de Goiânia, na qual a área pública alienada
e desvirtuada da sua função original é de 1,15 milhões de
m², representando um índice de 32,56% de dilapidação do
patrimônio público, destacando-se a alienação de 356.630 m²
de parques, praças e equipamentos públicos do Setor Bueno
(MARTINS JUNIOR, 2007, p. 177).
Por sua vez, nas zonas rural e de expansão urbana,
a urbanização se realiza em obediência às diretrizes legais
aplicáveis ao uso do solo rural, de maneira que haveria um
freio limitador à negativação extrema do INR. A zona rural
de Goiânia, situada no bioma Cerrado, de acordo com a Lei
Florestal, em qualquer propriedade rural, obriga-se à delimitação
da Reserva Legal – RL de, no mínimo, 20% de cada imóvel.
145
A este percentual, são adicionados outros requisitos cogentes
ou de cumprimento obrigatório como as Áreas de Preservação
Permanente – APPs, as Unidades de Conservação – UCs, a
Servidão Ambiental, o Cadastro de Reserva Ambiental – CRA,
a Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN, além de
outros requisitos de disposição voluntária.
Daí que, embora esperado um INR negativo como
indicador do uso do solo, o desrespeito à Lei e à natureza
aproximam o valor do INR para o extremo da unidade negativa
(-1), enquanto o respeito à Lei e à natureza aproximam o valor
do INR para o lado oposto, a unidade positiva (+1), dentro
desta escala de sustentabilidade.
Martins Junior (2013) estimou o INR geral da cidade
de Goiânia (zonas urbana, de expansão urbana e rural): em
1986, o INR goianiense possuía valor negativo de -0,58 e,
em 2010, o INR passou a ostentar valor negativo de -0,84.
No curto período de uma década e meia de desenvolvimento
da cidade, o INR se aproximou cada vez mais para o polo
extremo da unidade negativa -1, indicando forte, agressivo e
intenso processo de uso do solo, com a substituição cada vez
mais rápida da cobertura natural (desmatamento de florestas
estacionais e semiestacionais, veredas, campos, cerrados,
drenagens de várzeas e supressão de outras formas naturais).
A paisagem foi fortemente antropizada, a cobertura natural do
solo desapareceu a olhos vistos, fazendo surgir as superfícies
não naturais das obras e dos serviços implantados pelo homem
em decorrência da urbanização.
Em Goiânia, uma cidade planejada, que dispõe de
valioso Patrimônio Ambiental, em face da ausência de efetivas
políticas públicas e de gerenciamento deste patrimônio, a
grilagem dos espaços livres se converte na forma mais violenta
e danosa de dilapidação dos bens pertencentes aos cidadãos.
A grilagem do Parque Vaca Brava, no Setor Bueno,
explicita com eloquência o fenômeno aqui abordado: causou
a dilapidação de um Espaço Legalmente Protegido da Fazenda
Vaca Brava – APP da cabeceira e margens do córrego Vaca
Brava – convertido em Unidade de Conservação no Plano de
146
Loteamento do Setor Bela Vista pelo Decreto nº 19/51. Esse
bem público foi apropriado mediante crime de falsificação do
mapa urbano, causou impactante prejuízo ao cidadão, que se
viu desnorteado, desamparado, em face da ação praticada por
poderosos agentes privados e públicos, tanto em períodos de
vigência ditatorial, como em período pós-ditatorial, sob a égide
do Estado de Direito, com o beneplácito do Poder Judiciário e
do Ministério Público.
A valoração ambiental
A valoração do parque
ambiental do parquee da
e dapraça
praçadodo Vaca
Brava
A dilapidação do Parque Vaca Brava roubou da população
um bem que lhe pertence e privou a sociedade dos benefícios
socioambientais proporcionados pelo parque que deixou de
existir. Como parte do parque foi recuperado pela luta da
Secretaria do Meio Ambiente – SEMMA, em parceria com a
comunidade, durante a gestão do Prefeito Darci Accorsi (1º
de janeiro de 1993 a 1° de janeiro de 1997), torna-se possível
avaliar o valor do prejuízo causado pela grilagem do parque a
partir do cálculo do valor econômico proporcionado pela sua
implantação parcial, graças àquela luta.
Para tal, a analista judiciária do TJ-GO, Lúcia Viegas
Fernandes Amazonas, aplicou o Método de Preços Hedônicos
– MPH na sua pesquisa de dissertação para obtenção do
título de Mestre em Gestão Econômica do Meio Ambiente do
Programa de Pós-Graduação do Departamento de Economia
da Universidade de Brasília (AMAZONAS, 2010).
A autora estimou, em janeiro de 2010, o valor econômico
do Parque Vaca Brava, correspondente à área de 77.760 m² da
Quadra B, entre a Av. T-10 e a Rua T-66. Para os efeitos de
avaliação atualizada dos benefícios econômicos da área verde
em estudo, devem ser adicionadas as seguintes áreas:
i) 2.221 m² do playground que o prefeito Pedro Wilson
(2001 a 2004) implantou e anexou ao parque;
ii) 6.619 m² da praça entre as Avenidas T-3 e T-5, que foi
integrada ao parque por decisão do STJ, em 18 de dezembro
de 2018;
147
iii) 17.500 m² correspondentes às áreas dos lotes 10 e
11 averbadas com o gravame da perpetuidade de uso comum,
pela MB Engenharia, para o cumprimento de obrigações
estabelecidas no TAC homologado por sentença do juiz da 2ª
Vara dos Feitos Municipais, Geraldo Salvador de Moura, no
processo nº 930.249.851 e, em consequência de tal gravame,
devem ser consideradas as Áreas de Preservação Permanente
– APPs ao longo das margens do córrego Vaca Brava dos lotes
5 a 9, todos na Quadra A do Parque Vaca Brava.
O cálculo
O cálculo do valor
do valor econômico
econômico do parque
do parque pelopelo Método
Método de
de Preços
Preços Hedônicos
Hedônicos
148
distribuídos numa área de 11,46 milhões de metros quadrados
em torno do parque.
As variáveis ambientais consideradas foram uma (01)
relacionada à distância de cada imóvel ao parque e uma (01)
relacionada à vista do imóvel para o parque. Assim, “distância”
e “vista” medem as amenidades ou benefícios ambientais do
parque em relação a cada moradia.
A pesquisadora Lúcia Viegas Fernandes Amazonas,
na obra citada, calculou um valor médio do parque (77.760
m²) em R$ 224,53 milhões de reais (jan. 2010). Este valor
médio foi atualizado utilizando a planilha oficial de cálculo
do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios –
TJDFT, perfazendo R$ 1,236 bilhões de reais (dez. 2022). A
análise econométrica pautada no uso da função linear apontou
uma redução de R$ 38,00 no valor atualizado do imóvel, para
cada metro que este se distancia do parque.
O benefício econômico ambiental calculado de R$ 1,236
bilhões de reais, por meio do MPH, corresponde à área de
77.760 m² do parque e se refere ao valor de uso direto (quando
o benefício deriva diretamente da forma atual de uso), valor de
uso indireto (quando o benefício deriva da forma atual indireta
proporcionada pelos serviços ecossistêmicos de controle
e regulação do clima) e valor de opção (aquele atribuído a
possível uso futuro do bem ambiental dotado de propriedades
úteis à sociedade humana ainda desconhecidas).
No entanto, o valor econômico total (VET) do parque
é superior ao valor calculado, não só por que a área verde
atual, de 104 mil m², é superior àquela considerada no cálculo
(77.760 m²), como também por razões metodológicas.
O VET é dado não só pelo valor de uso (VU), mas
também pelo valor de não uso (VNU). O método utilizado
(MPH) não consegue captar o valor de não uso ou de existência,
que é o valor intrínseco que independe dos usos e que depende
tão só do direito de existência da biodiversidade. O VNU se
relaciona aos valores humanos de ordem cultural, moral, ética
ou altruísta.
Assim, pode-se afirmar que o valor econômico total do
parque supera o valor calculado por Amazonas (2010). Partindo
do trabalho desta autora e considerando o valor ambiental de
cada m² em R$ 15.895 reais, pode-se estimar que o benefício
gerado pela área atual de 104 mil m² do parque e da praça
do Vaca Brava, referente ao valor de uso direto, indireto e de
opção, pode ser estimado em R$ 1,65 bilhões de reais.
Fig. 07. A área verde atual de 104 mil metros quadrados do parque e da
praça do Vaca Brava gera um benefício econômico superior a R$ 1,65 bi-
lhões de reais
Depreende-se do exposto que a grilagem do Parque
Vaca Brava e das áreas que integram o Patrimônio Público
do Setor Bela Vista, atual Setor Bueno, causam prejuízos ao
cidadão que podem ser estimados em:
i) R$ 1,4 bilhões de reais decorrente da alienação
fraudulenta de 90.164 m² da área da Quadra A do Parque Vaca
Brava, impedindo a geração dos benefícios econômicos direto,
indireto e de opção de área pública de uso comum do povo,
inalienável, imprescritível e não usucapível;
ii) R$ 213,4 milhões de reais pelo pagamento
ao grileiro do Parque Vaca Brava, de verba indenizatória,
evidenciando flagrante conflito normativo, doutrinário e
jurisprudencial atinentes ao caso;
iii) R$ 5,67 bilhões de reais pela alienação e
desvirtuamento da área de 356.630 m² de parques, praças e
equipamentos públicos do Setor Bueno, que deixaram de gerar
os correspondentes benefícios econômicos direto, indireto e de
opção, conforme metodologia acima demonstrada;
iv) R$ 7,28 bilhões de reais de prejuízo causado ao
erário, ao cidadão contribuinte e não contribuinte, por agentes
públicos e privados inescrupulosos na dilapidação de 356.630
mil m² do Patrimônio Ambiental do Setor Bueno.
Se considerarmos que 8,42 milhões de m² de áreas
públicas do Município de Goiânia foram alienados e
desvirtuados da função original de uso comum do povo,
em relação às plantas originais de loteamento de 378
bairros regularizados e de 155 bairros não regularizados
(MARTINS JUNIOR, 2007, p.33-36), então, o prejuízo
causado pela ação de grileiros e seus comparsas dilapidadores
do Patrimônio Ambiental da Cidade enfocada alcança a
astronômica cifra de R$ 133,84 bilhões e 840 milhões de reais.
151
aos bens públicos demandados - o parque e a sua
praça -, que são objeto deste estudo, faz-se um resumo
dos conteúdos processuais, a seguir apresentados.
Importante consignar que, para os fins aqui colimados, o
Ministério Público - MP é instituição permanente, incumbida
pelo art. 127 da Constituição Federal combinado com o art. 5º da
LACP - Lei daAção Civil Pública nº 7.347/85, de tutelar os direitos
difusos, coletivos e individuais indisponíveis. Os membros do
Parquet, desse modo, têm a incumbência de proteger o parque,
a praça do Vaca Brava e o Patrimônio Ambiental Urbano.
Para cumprir tal desiderato, os agentes tutores da lei possuem
poderosos instrumentos e meios conferidos pela norma pátria.
O povo, por sua vez, como proprietário real dos
bens demandados (art. 99 do CC e dispositivos normativos
equivalentes), requereu o direito proprietário sobre o parque e
a praça do Vaca Brava. As entidades de representação direta do
povo exerceram suas competências como agentes legitimados
em defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais
indisponíveis, previstos nos arts. 4º e 5º, V, da LACP.
A cidadania, através das suas entidades, atuou em
litisconsórcio, aderiu aos objetivos da ação intentada pelo
Parquet, mobilizou apoio às medidas legais de defesa e
recuperação de bens públicos criados pelo Decreto nº
19/1951 que aprovou o plano de loteamento do Setor
Bela Vista, renomeado depois como Setor Bueno.
Nesse sentido, a Associação de Moradores do Setor
Bueno e a Associação de Preservação do Vaca Brava -
152
Parque Sulivan Silvestre (APVB), em sucessão, atuaram
em parceria com a Secretaria do Meio Ambiente de
Goiânia - SEMMA ou em litisconsórcio com o MP-
GO, para a defesa do patrimônio urbanístico, dos bens e
direitos de valor histórico, cultural e ambiental de Goiânia.
Da mesma forma, especialmente no período 1º de janeiro
de 1993 a 1º de janeiro de 1997, o Município de Goiânia,
através da SEMMA, com apoio do Chefe do Executivo
Municipal, exerceu a competência estabelecida nos arts. 4º
e 5º, III, da Lei 7.347/85 (LACP) e em outros dispositivos
aplicáveis à recuperação e proteção do parque, da praça
do Vaca Brava e do Patrimônio Ambiental da Cidade.
O Município, sempre que possível e necessário, buscou a
parceria e a atuação em litisconsórcio com os demais entes
legitimados do poder público e da sociedade, quais sejam,
o Parquet e as entidades de representativas da comunidade.
153
PADRONIZAR AFASTAMENTO 1ª LINHA
verde do córrego Vaca Brava. A comunidade requereu
ao Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) as
providências legais para a proteção e recuperação da cabeceira
e do fundo de vale deste manancial, cuja área foi destinada à
preservação e instituída como Parque no Plano de Loteamento
do Setor Bela Vista, registrado sob n° 15, livro auxiliar
8b, no CRI da 1ª Zona da Comarca da capital de Goiás.
De acordo com Oliveira (1993), a investigação conduzida
pelo MP-GO nos autos da ACP supra, levou tão só aos pedidos
de condenação contra duas empresas de construção civil,
responsabilizando-as pela degradação da área de preservação
permanente do córregoVaca Brava (depósito de entulho produzido
pela obra de edificação do shopping) e contra o Munícipio
de Goiânia que, por omissão, permitiu a degradação da área.
Ainda segundo o autor supra, o Município e as
duas empresas foram requeridos para que promovessem
a recuperação da área (retirada do entulho, limpeza e
reflorestamento). O MP-GO nada requereu contra a loteadora
Coimbra Bueno & Cia. Ltda., que alienou um bem público
de uso comum do povo, nem tampouco contra o grileiro que
falsificou o mapa para se apropriar de 12 “lotes” da Quadra
B, deixando de requer a nulidade da alienação do parque.
Logo no início da gestão do prefeito Darci Accorsi,
em janeiro de 1993, o Poder Judiciário, no bojo da
mencionada ACP, condenou o Município e as duas empresas
de construção civil, nos termos dos pedidos exordiais.
• Termo de Ajustamento de Condutado -TAC
154
homologado judicialmente
O Município de Goiânia, por sua vez, aderiu aos objetivos
da ação civil pública, supra referida, por meio de ajuste de
conduta apresentado por iniciativa do titular da SEMMA ao
MP-GO, contendo estudos, documentos e pareceres sobre a
natureza pública da área, resultando na assinatura de Termo de
Ajustamento de Conduta - TAC entre as partes para recuperar
o parque Vaca Brava (MARTINS JUNIOR, 2008, p. 69-76).
O TAC mencionado, em seguida, foi homologado
por sentença do juiz Geraldo Salvador de Moura,
da 2ª Vara dos Feitos Municipais, em 11 de outubro
de 1995 (MARTINS JUNIOR, 1996, p. 161-164).
O ajuste firmado representou a construção de célere
decisão judicial contra os degradadores e alienadores do
bem público. O termo encerrou, ainda, eficiente medida
técnica de recuperação da área verde - reflorestamento,
fiscalização, limpeza e despoluição. O Poder Judiciário,
por meio da Vara mencionada, autorizou o Município de
Goiânia, através da SEMMA, a executar as medidas pactuadas
de curto e médio prazo para promover a recuperação e
implantação da área destinada ao Parque
parque Vaca Brava. ·
• Processo administrativo SEMMA nº 8.899.703/1995
Inobstante o efeito positivo da sentença homologatória
do TAC, permaneceu insolúvel a questão referente ao
domínio do Parque Vaca Brava, ilegalmente alienado
por decisões arbitrárias de prefeitos não eleitos, outrora
nomeados durante a vigência do regime golpista de 1964.
155
PADRONIZAR AFASTAMENTO 1ª LINHA
O Município, em 1995, através do órgão competente, no
devido processo administrativo supra epigrafado, caracterizou
o bem público demandado, com base na documentação oficial,
arquivada no órgão de planejamento urbano, na planta e no
memorial do plano de loteamento, arquivos em cartório,
como sendo área destinada a Parque Natural Municipal, na
cabeceira e no vale do córrego Vaca Brava, de uso comum
do povo, inalienável, imprescritível e não usucapível
(GOIÂNIA, 1996, p. 95-118).O Município comprovou,
mediante prova pericial incontestável, que a alienação
do parque ocorreu mediante fraude no mapa da planta de
loteamento do Setor Bela Vista, hoje Setor Bueno (v. fig. 04).
. No processo em tela, foram produzidas as provas técnicas
e periciais que permitiram invalidar, de forma absoluta, os
decretos de desmembramento, posterior remembramento
e de concessão de alvarás construtivos de um condomínio
privado vertical que, caso prevalecesse, seria edificado
com 12 prédios na cabeceira do córrego Vaca Brava.
Nos autos administrativos do referido processo, o
Município, através da SEMMA, recepcionou o pedido da
APVB para promover o reflorestamento da cabeceira do
córrego Vaca Brava com o plantio simultâneo de 6.500
mudas de espécies nativas. O reflorestamento reconstituiu
parcialmente a paisagem florística do fundo de vale da cabeceira
contracapaRegistro
do córrego Vaca Brava (v. Apêndice e orelhas,Fotográfico
com o Registro
da Recuperação da Praça e do Parque Vaca Brava, infra).
156
PADRONIZAR ESPAÇO SUPERIOR
• Termo de Cooperação Técnica entre SEMMA e
MB Engenharia
O termo acima epigrafado consta do Processo Administrativo
SEMMA n° 836.846-5/95, desenvolvido com base no Parecer
Técnico n° 002/95, de obras e serviços de recuperação
da área verde da cabeceira e do fundo de vale do córrego Vaca
Brava, estabelecidos nas diversas cláusulas do TAC homologa-
do pelo juiz Geraldo Salvador de Moura, da 2ª Vara dos Feitos
Municipais, em 11 de outubro de 1995, quais sejam, pista de
Cooper, lago, equipamentos comunitários, reflorestamento,
projeto paisagístico, rede de drenagem, galeria pluvial, limpe-
za, despoluição e esgotamento sanitário.
Para executar as referidas cláusulas do TAC supra, a SEM-
MA buscou parceria público-privada, tendo firmado com a MB
Engenharia o Termo de Cooperação Técnica supra, no qual foi
consignado, pela MB Engenharia ao Município de Goiânia, a
outorga da área de 5.318 m², que corresponde ao Lote 11, Qua-
dra A do Parque Vaca Brava, ao lado do shopping, na esquina
das Avenidas T-10 e T-3. Tal gravame estimulou a recuperação
das APPs dos lotes 5 a 11 da Quadra A (v. fig. 07, supra).
Além da outorga das áreas verdes dos lotes na referi-
da Quadra A, que possui caráter perpétuo para os efeitos le-
gais de uso comum do povo (inalienável, imprescritível,
não usucapível), foram executadas as obras e os serviços
pactuados nas cláusulas do TAC, tudo às expensas do Goiâ-
nia Shopping que permitiram executar e inaugurar o Parque
Vaca Brava no Dia da Árvore, em 21 de setembro de 1996.
158
Ação indenizatória nº 960.207.488 2ª Vara dos Feitos
Municipais
O pretenso proprietário dos 12 “lotes” da chamada Qua-
dra B do Parque Vaca Brava, contrariado com a decisão judi-
cial que autorizou a SEMMA a recuperar e implantar a área
verde na cabeceira e margens deste manancial, ajuizou ação
indenizatória, supra epigrafada, contra o Município de Goiâ-
nia, requerendo indenização milionária pelo valor de mercado
da pretensa propriedade do bem demandado (GOIÁS, 2004).
Contudo, o autor da ação indenizatória - um conhecido
grileiro de áreas públicas de tradicional família paulistana, mas
que residia em Dallas/USA - não logrou provar a titularidade
privada do parque. E mais, em face das robustas provas produ-
zidas pelo Município de Goiânia, restou definitivamente evi-
denciado que a escrituração da área se deu por meio de negócio
jurídico maculado por vício de consentimento, mediante frau-
de na planta de loteamento do Setor Bela Vista, atual Bueno.
Consequentemente, em sentença definitiva, de
22 de junho de 2004, o juiz da causa, Fabiano de Ara-
gão Fernandes, anulou a cadeia dominial de aliena-
ção dos lotes 1 a 12 da Quadra B do Parque Vaca Bra-
va, localizados na cabeceira do córrego multicitado.
O juiz do 2ª Vara dos Feitos Municipais de Goiânia anulou
ainda os decretos de parcelamento e de concessão de alvarás de
construção e, em corolário, anulou a escritura de compra e ven-
da e os consequentes registros averbados à margem da inscrição
nº 15, livro auxiliar 8b, no CRI da 1ª Circunscrição de Goiânia.
159
Em consequência, o juiz declarou a validade do mapa e
do memorial descritivo do Plano de Loteamento do Setor Bela
Vista, atual Bueno, criado pelo Decreto n° 19, de 24 de janeiro
de 1951, retornando o domínio do parque e da praça do Vaca
Brava e demais bens públicos neles constantes, ao proprietário
real, o povo. Assim, toda a área do Parque Vaca Brava, acima e
abaixo da Avenida T-10, no Setor Bueno, retornou ao domínio
do Município de Goiânia (v. figura 02, supra).
160
litispendência e da coisa julgada, em prejuízo do interesse
maior da sociedade. Ademais, como já analisado, reitera-se que
ocorreu evicção por força de apreensão administrativa e por
força de sentenças judiciais acerca do mesmo bem demandado.
Além disso, o caso em estudo é emblemático no
que se refere a outros aspectos surpreendentemen-
te estarrecedores. Aspectos estes que estão relaciona-
dos aos critérios da celeridade versus morosidade, guia-
dos pela conveniência processual dos interesses em jogo.
A ação anulatória combinada com reivindicatória, acima cita-
da, ajuizada em 1995 na 1ª Vara dos Feitos Municipais, tramitou
ou ainda tramita em regime de eterna longevidade processual,
violando, assim, o art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal.
A demora na prestação jurisdicional da causa anula-
tória/reivindicatória guarda relação com os pedidos for-
mulados na petição inicial, qual seja, a anulação da cadeia
dominial de alienação dos “lotes” abrangendo toda a área
sub judice, inclusive, por óbvio, os “lotes” da Quadra A
onde estão os invasores milionários do Parque Vaca Brava.
A prestação jurisdicional morosa na 1ª Vara resul-
ta, assim, na continuidade delitiva de práticas danosas ao
meio ambiente, atentatórias ao próprio acórdão da 3ª Tur-
ma da 2ª Câmara Cível do TJ-GO que revogou a proibição
do Município conceder alvarás na área, mas, contraditoria-
mente, manteve incólume o cerne da decisão fustigada, pro-
ferida pelo juiz João Ubaldo Ferreira, que reconheceu o Par-
que Vaca Brava em toda sua extensão, inclusive na Qd. A.
Os dilapidadores do parque - os pretensos proprie-
tários de “lotes” da Quadra A, graças à manobra citada, ob-
tiveram do Município autorizações para realizar aliena-
ções e edificações em área pública de uso comum do povo.
161
Vergonhosamente, a dilapidação do parque se realiza à plena
luz do sol, sob a conivência das autoridades do Poder Execu-
tivo Municipal, do MP-GO, do Poder Judiciário e, ao final, da
própria sociedade.
A morosidade na 1ª vara judicial em comento contrasta
com a surpreendente celeridade processual que se imprimiu à
ação indenizatória ajuizada na 2ª Vara dos Feitos Municipais.
Aqui, a satisfação da prestação jurisdicional é guiada pela es-
tranha pretensão proprietária dos 12 “lotes” da Quadra B do
Parque Vaca Brava. Contando com o parecer favorável da 8ª
Promotoria de Meio Ambiente e Urbanismo e com a omissão
da 15ª Promotoria de Meio Ambiente do MP-GO, no tocante
ao quantum debeatur, o Município de Goiânia foi condenado a
pagar volumosa verba indenizatória ao autor da ação, que vem
a ser o evicto ou evencido - adquirente vencido que, de má-fé,
sofreu a perda do bem, em decisão judicial fundada na fraude
promovida pelo grileiro na planta do loteamento para forjar a
aquisição dos 12 “lotes” da Quadra B do parque.
A despeito das fortes implicações da evicção e do ob-
jetivo da Teoria da Propriedade Aparente, o Município - pro-
prietário real - foi indevidamente condenado na verba inde-
nizatória. A verdadeira responsável ficou imune, qual seja, a
loteadora Coimbra Bueno & Cia. Ltda. - alienante ou falso
proprietário. Também isento ficou o adquirente de má-fé - os
proprietários dos “lotes”, inequivocamente sabedores do vício
original da alienação.
Em momento anterior à condenação da milionária ver-
ba indenizatória ao grileiro do Parque Vaca Brava, o Município
de Goiânia foi autorizado pelo próprio Poder Judiciário a pro-
mover ações de recuperação da área pública, sendo inclusive
reintegrado à posse e ao domínio de todo o bem demandado, à
montante e à jusante da nascente do córrego Vaca Brava.
162
Por essa razão, com perplexidade, reafirma-se que o
Município - o povo de Goiânia - foi submetido, na calada da
noite, sob o silêncio que acoberta malfeitores, à condenação
de verba indenizatória ao adquirente de má-fé que sofreu a
perda do bem por força de apreensão administrativa e por sen-
tença judicial transitada em julgado.
163
MP-GO, no qual requereu providências judiciais pertinen-
tes aos membros do Parquet à propositura de ação anulatória
combinada com reivindicatória do domínio do bem público
demandado.
· Parecer técnico, histórico, ambiental, urbanístico e
jurídico da APVB
Como visto no capítulo 3.3, supra, a APVB exerceu impor-
tante contribuição para o êxito da demanda no Superior Tribu-
nal de Justiça - STJ, por meio de parecer, elaborado pelo autor
deste livro, que demonstrou os aspectos históricos, ambientais,
florísticos, urbanísticos e jurídico-legais da praça do Vaca Bra-
va.ßoram necessários 23 anos e 6 meses, desde 13 de junho
de 1995, quando a SEMMA embargou o espigão na praça do
Parque Vaca Brava, até 18 de dezembro de 2018, quando o STJ
julgou em definitivo a ação civil pública e anulou a escritura de
alienação do bem público, devolvendo-o ao domínio do povo,
seu real proprietário.
o entanto, mesmo vitorioso na demanda, o povo não usufrui
a praça. O espaço reconquistado na justiça permanece usado
como estacionamento. As árvores plantadas pela comunidade
são destruídas pelos carros. O lixo e a degradação se avolu-
mam. A luta em defesa da praça do Vaca Brava continua.
• ACP n° 2003.02584999 3ª Vara da Fazenda Pública
Municipal
Em atendimento ao requerimento protocolado pela SEM-
MA, mencionado no item anterior, a 15ª Promotoria de Justiça
de Goiânia ajuizou a ação civil pública - ACP, supra epigra-
fada, na 3ª Vara dos Feitos Municipais, visando a anulação da
escritura de alienação da praça do Vaca Brava.
A demanda da praça do Vaca Brava, tal como a do par-
que, enfrentou a mesma sorte de intempéries, tropeços, retro-
cessos e lentos avanços na sua tramitação. Os órgãos jurisdi-
cionais do estado de Goiás - o juízo de primeiro grau e
164
PADRONIZAR ESPAÇAMENTO ENTRELINHAS
o tribunal estadual - deram razão aos alienadores da praça,
declarando-a “praça privada” de propriedade da EMSA.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos fatos e fundamentos expostos neste traba-
lho e sumariados no capítulo 4 supra, todas as alienações dos
“lotes” das Quadras A e B do Parque Vaca Brava e da área da
praça do Vaca Brava, refletem ilegalidades e constituem dila-
pidação de bens públicos de uso comum do povo.
Tais bens estão submetidas às implicações da evicção (arts.
447, 474, 475 e 553 do Código Civil). Os dispositivos civilis-
tas determinam que, nos contratos onerosos de compra e ven-
da de imóvel, como a área e os mencionados “lotes”, o alie-
nante dos referidos bens - empresa loteadora Coimbra Bueno
& Cia. Ltda. - está obrigado a resguardar o futuro adquirente
dos riscos da perda do bem, perante terceiro - Município de
Goiânia ou Proprietário Real - por força de decisão judicial
ou de apreensão administrativa, em processos intentados por
qualquer interessado, entes legitimados e agentes tutores da lei
- entidades representativas dos moradores, SEMMA e MP-GO
-, em que fique definitivamente reconhecido que o alienante
não é o legítimo titular do direito que convencionou transmitir.
Na década de 1990, inserido no processo de redemocrati-
zação da sociedade brasileira, o Poder Local, a opinião pública
e a comunidade desenvolveram ações de recuperação do Patri-
mônio Ambiental Urbano. No período do regime do arbítrio,
muitos desmandos e crimes foram praticados por prefeitos
biônicos (não eleitos pelo povo) nas capitais dos Estados e
nas cidades maiores declaradas de segurança nacional, onde
os prefeitos eram nomeados pela Junta Militar que tomou o
poder no Brasil por meio do golpe de estado de 1964.
165
O Brasil viveu a égide da ruptura constitucional, das
leis de exceção como a Lei de Segurança Nacional (LSN) e os
Atos Institucionais 1 a 5 (AI-1 a AI-5). Nesse período, desde
1º de abril de 1964 até a redemocratização do Brasil, que tem
como marco legal a promulgação da Constituição Cidadã, em
5 de outubro de 1988 pelo Congresso Nacional Constituinte,
os prefeitos biônicos - inclusive os de Goiânia - não agiram
de forma diversa. O Patrimônio Urbanístico sofreu verdadeiro
saque, sendo dilapidados os bens ambientais, culturais e histó-
ricos dos cidadãos.
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu as eleições
pelo sufrágio universal, direto e secreto para todos os níveis
das esferas de poder. A conquista do Estado Democrático de
Direito repercutiu sobre a vida nacional em múltiplos aspec-
tos, em especial sobre as questões urbanísticas.
No caso aqui debatido, o terceiro reivindicante do ne-
gócio jurídico sub examine, representado por agentes legiti-
mados do poder público e da comunidade, assumiram o prota-
gonismo determinado pela norma, como titulares do domínio
dos bens públicos de uso comum do povo que, reitere-se à
exaustão, são de natureza inalienável, indisponível, imprescri-
tível e não usucapível.
O parcelamento e alienação ilegal e fraudulenta do par-
que e da praça do Vaca Brava, no Setor Bueno, em Goiânia,
exemplificam caso de negócio jurídico de um bem de uso co-
mum do povo, res extra commercium, realizado em transgres-
são à norma, doutrina e jurisprudência, em face da inexistên-
cia de requisitos subjetivos, objetivos e formais, viciado por
causas anteriores ou contemporâneas à alienação e, por isso,
submetidos à nulidade tanto absoluta como relativa.
O povo, proprietário real dos bens sub examine, não se
omitiu em pleitear o seu domínio proprietário tanto da praça
como do Parque Vaca Brava. Ele se fez representar pela
166
Associação dos Moradores do Setor Bueno e pela Associa-
ção de Preservação do Vaca Brava - Parque Sulivan Silvestre
(APVB).
Os negócios jurídicos de alienação e de concessão de al-
varás de construção em áreas púbicas do parque e da praça do
Vaca Brava, aqui analisados, violam preceitos de ordem públi-
ca e se sujeitam à correção em qualquer tempo. Tais correções
devem ser realizadas, produzindo efeito ex tunc, retroativo à
data da prática da ilegalidade. A toda evidência, tais atos foram
praticados ao alvedrio de nítida e objetiva norma legal, juris-
prudencial e doutrinária pertinentes, ferindo o brio do cidadão
probo e representando um desestímulo à cidadania, em razão
da atuação impune de agentes infratores que esbulham o patri-
mônio público de uso coletivo.
A Teoria da Propriedade Aparente foi indevidamente ma-
nuseada na alienação fraudulenta do Parque Vaca Brava, em
face do princípio nemo plus iuris, estabelecido no art. 1.268,
§ 2º, do CC, segundo o qual, inexistiu sequer a transmissão,
pelo real proprietário, de propriedade não usucapível e destitu-
ída de justo título, em negócio jurídico absolutamente nulo de
pleno direito, assim declarado por sentença judicial transitada
em julgado.
Não incide, no caso, qualquer hipótese de aquisição a non
domino que só ocorre entre terceiro adquirente de boa-fé e ti-
tular aparente da propriedade. Tal não ocorreu, pois, os adqui-
rentes dos bens em tela agiram de má-fé com a intenção dolosa
de falsificar a titularidade do bem para o fim de ludibriar o real
proprietário do bem.
Dessa maneira, com base na jurisprudência e na dou-
trina pesquisada, se pode afirmar que a aplicação da Teoria
da Propriedade Aparente ao caso sub examine representa uma
contradição antagônica ao conceito de propriedade e aos seus
requisitos externos e internos, estabelecidos no art. 1.228 do
167
Digesto Civil c/c arts. 182, 183 e 225 da CF (GOIÁS, 1998;
2004; ROSENVALD, 2014, 2006; AMADO, 2012).
As funções socioambientais da cidade e da propriedade
urbana, instituídas no Estatuto da Cidade - Lei n° 10.257/2001
- conduzem a interpretação conclusiva de que a Teoria da Pro-
priedade Aparente não convalida atos dolosos de alienação de
bens de uso comum do povo, portanto, não se aplica à aliena-
ção do parque e da praça do Vaca Brava, um negócio jurídico
nulo submetido às implicações da evicção! Em consequência,
tal instituto poderá ser manejado para resguardar os direitos
afetados. Daí a necessidade de divulgação de estudos críticos,
como o presente, para evidenciar o mau uso da aplicação da
Teoria da Propriedade Aparente em contrariedade ao instituto
da evicção sobre o direito patrimonial de bens de uso comum
do povo, de maneira a reiterar inequivocamente que a teoria
e seu instituto devem servir ao seu desiderato de proteção da
sociedade.
As complexas questões que envolvem os direitos do
cidadão ao valioso Patrimônio Ambiental Urbano requerem
análise sistemática e integrada da aplicação dos dispositivos
aqui estudados, em harmonia com os comandos constitucio-
nais que incluem o direito proprietário no rol taxativo e pétreo
das garantias individuais (art. 5º, caput, da CF).
A Teoria da Propriedade Aparente resguarda a função
social da propriedade (art. 5º, XXIII) como princípio da ativi-
dade econômica (art. 170, III), em obediência às normas infra-
constitucionais da finalidade socioeconômica e ambiental da
propriedade, estabelecido no art. 1.228 do Código Civil (CC)
que, nos seus parágrafos, veda o uso nocivo da propriedade e
permite a desapropriação por interesse social quando tais im-
perativos são contrariados.
Apesar desse arcabouço legal, as cidades ainda care-
cem de marcos institucionais, normativos e administrativos
168
PADRONIZAR ESPAÇAMENTO
ENTRELINHAS
que sejam capazes de barrar a conduta nociva de agentes pú-
blicos e privados inescrupulosos, aqui denunciada, assegu-
rando aos cidadãos uma cidade verdadeiramente sustentável,
conforme se encontra preconizado nos arts. 182, 183 e 225 da
Carta Política e no art. 2º, I, VIII e XII do Estatuto da Cidade
- Lei nº 10.257/2001.
A cidade sustentável, justa e democrática é a expressão
simultânea do caráter endógeno e exógeno da propriedade ur-
bana, mediante exercício da função socioambiental e dos atri-
butos de uso, gozo e disposição dos bens coletivos e particu-
lares. Trata-se de norma de ordem pública, de interesse social
e urbanístico que constitui fator determinante à promoção da
segurança e do bem-estar dos cidadãos.
O Parque Vaca Brava foi recuperado parcialmente na área
da cabeceira, entre a Rua T-66 e a Avenida T-10, mas, o restan-
te da área, entre as Avenidas T-10 e T-9, permanece submetido
à ganância de milionários usurpadores de área verde pública.
Por sua vez, a praça do Vaca Brava foi inteiramente recu-
perada ao domínio do povo, mas o seu uso real conflita com a
destinação legal de praça e de área de preservação permanente
das minas d’água que abastecem o lago do Parque Vaca Brava.
A grilagem oficializada do Patrimônio Ambiental de
Goiânia é a ponta de um iceberg que evidencia gestão urba-
na contra o cidadão, exclusiva, insustentável. A ponta deste
iceberg é o prejuízo imposto ao povo causado pela alienação
ilegal do seu patrimônio e em seu prejuízo.
O estudo aqui realizado, detalhado nos capítulos 3.6.4
e 3.6.5, supra, evidencia os prejuízos de bilhões de reais ao
169
erário, ao cidadão contribuinte e não contribuinte, causado por
agentes públicos e privados inescrupulosos. A máfia da grila-
gem urbana responde pelas dilapidações da praça e do Parque
parque
Vaca Brava (R$ 1,4 bilhões de reais), do Patrimônio Ambien-
tal do Setor Bueno (R$ 7,28 bilhões de reais) da área verde da
cabeceira e do fundo de vale do córrego Vaca Brava, estabe-
lecidos nas diversas cláusulas do TAC homologado pelo juiz
Geraldo Salvador de Moura, da 2ª Vara dos Feitos Municipais,
em 11 de outubro de 1995, quais sejam, pista de Cooper, lago,
equipamentos comunitários, reflorestamento, projeto paisagís-
tico, rede de drenagem, galeria pluvial, limpeza, despoluição e
esgotamento sanitário.
170
SUPRIMIR APÊNDICE. O SEU CONTEÚDO VAI PARA A 1ª
ORELHA, 2ª ORELHA E ÚLTIMA CAPA
1ª ORELHA
172
2ª ORELHA
O Parque Vaca Brava antes e depois da atuação da
SEMMA e da COMUNIDADE (1993-96)
Vista pela Av. T-5 com Rua T-66, em jan. Vista pela Av. T-5 com ua T-66, em
1993: início da implantação da pista de 30/01/2007 (foto do autor): “O mingau
Cooper (“Come-se o mingau quente pela esfriou? Então, come-se o miolo! ”
borda”)
Plantio simultâneo
RECUPERAÇÃO DO PRAÇA deE6,5
DOmil mudas nativas
PARQUE VACA BRAVA
Plantio simultâneo de 6,5 mil mudas nativas
SOBRE O AUTOR
OSMAR PIRES MARTINS
JUNIOR, pesquisador pós-doutor
no Programa de Pós-Graduação
Interdisciplinar em Direitos
Humanos da Universidade Federal
de Goiás – PPGIDH/UFG; doutor
em Ciências Ambientais pelo
Centro de Ciências Ambientais – CIAMB/UFG; mestre em
Ecologia pelo Instituto de Ciências Biológicas – ICB/UFG;
bacharel em Biologia, Agronomia e Direito.
Escritor, membro fundador da Academia Goianiense de
Letras (AGnL), titular da cadeira 29 (Patrono: Attílio Corrêa
Lima). Além deste, é autor, coautor e organizador de outros 21
livros, capítulos de livros e artigos publicados em congressos
internacionais, a seguir listados:
“A literatura genealógica e sua importância para a
identidade cultural do povo brasileiro”. Gyn Letras – Revista
da Academia Goianiense de Letras. Goiânia: Prime, 2019. p.
171-186, 236 p. (Coleção Goiânia em Prosa e Verso 2019);
“A verdadeira história do Vaca Brava e outras não
menos verídicas”. Goiânia: Kelps/Ed. UCG, 2008, 524 p.;
“Arborização Urbana e Qualidade de Vida:
Classificação dos Espaços Livres e Áreas Verdes”. Goiânia:
Kelps/Ed. UFG, 2007, 312 p.;
“Introdução aos Sistemas de Gestão Ambiental: teoria
175
e prática”. Goiânia: Kelps/Ed. UCG, 2005, 244 p.;
“Conversão de Multas Ambientais em prestação de
serviços de preservação, recuperação e melhoria da qualidade
do meio ambiente”. Goiânia: Kelps, 2005, 150 p.;
“Uma cidade ecologicamente correta”. Goiânia: AB,
1996, 224 p.;
“Resgate do Berço Ecológico de Goiânia: atuação
da Semma no período de 1993 a 1996” [CD ROM, dados
eletrônicos: PDF]. In: Arborização urbana e qualidade de
vida... Goiânia: Kelps. 2007. Disponível em: <https://acrobat.
adobe.com/link/track?uri=urn:aaid: scds:US:48cd5cc0-cf50-
32af-86e6-88e491d29a7f>;
“Os fundamentos de gestão do espaço urbano para
a promoção da função socioambiental da cidade” [dados
eletrônicos: PDF]. Goiânia: Ciamb UFG, 2013, 338 p.,
disponível no Repositório Oficial da Biblioteca da UFG
<http://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/3227>;
“Perícia Ambiental e Assistência Técnica: instrumentos
de defesa dos direitos individuais e coletivos”. 2. ed. Goiânia:
Kelps/Ed. PUC-GO, 2010. 440p.;
“Crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio
Cultural”. In: TOCHETTO, D. Perícia Ambiental Criminal. 3.
ed. Campinas/SP: Millennium, 2010. p.183-268, 519p.;
“Uso dos instrumentos econômicos para a conservação
da biodiversidade em Goiás: implicações e perspectivas”.
In: FERREIRA Jr., L. G. A encruzilhada socioambiental:
biodiversidade, economia e sustentabilidade no cerrado.
176
Goiânia: Ed. UFG, 2008. p.186-198, 223p.;
“As perspectivas da Agroecologia em Goiás”. In:
Agricultura de Goiás: Análise & Dinâmica. Goiânia: Ed.
UCG, 2004, v.1, p.617-654, 970p.;
“Exposição sobre Política Florestal em Goiás”. In:
Ciclo de Debates: 10 anos da Lei 12.596. Goiânia: Comissão
de Meio Ambiente e Recursos Hídricos da ALEGO; Kelps. p.
128-157. 162 p.;
“Lawfare em debate” [impresso e Ebook / organizador
e coautor, Osmar Pires Martins Junior. Goiânia: Kelps, 480
p., disponível em: <https://www.amazon.com.br/LAWFARE-
DEBATE-Osmar-Martins-Junior-ebook/dp/B086H261JY>;
“Lawfare, an elite weapon for democracy destruction”.
[E-book]. Goiânia: Egress@s, 2020. 418 p., disponível em:
<http://repositorio.bc.ufg.br/handle/ri/19274>;
“Lawfare como ameaça aos direitos humanos” =
Lawfare as a threat to human rights [Ebook] / organizadores,
Helena Esser dos Reis, e Osmar Pires Martins Junior. Dados
eletrônicos. 2. ed. Goiânia: Cegraf UFG, 2021. 539 páginas
em arquivo de computador.pdf (Portable Document Format).
Disponível em: <https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/688/o/
lawfare_como_ameaca_aos_direitos_humanos_ebook.pdf>;
“Vetores de nulidade de processos judiciais por
violação aos princípios de direitos humanos no contexto da
Operação Lava Jato”. In: CORRÊA, MACÊDO FILHA;
MARTINS JUNIOR et al. (Orgs.). Pensar direitos humanos:
o mundo em desalinho na encruzilhada da pandemia da
Covid-19 [Ebook]. Dados eletrônicos (1 arquivo: PDF).
Goiânia, GO: Cegraf UFG; Campina Grande, PB: Eduepb,177
2022. p. 12-37, 406 p.;
"O instituto do juiz das garantias como mecanismo de combate ao
lawfare e proteção dos direitos humanos". [PDF] / Lina Martins Rezende y
Covid-19 [Ebook].
Osmar Pires Martins Junior. Dados eletrônicos
In: EL LAWFARE (1 arquivo:
EN AMÉRICA LATINAPDF).
Y SU
IMPACTO EN LA VIGENCIA DE LOS DERECHOS HUMANOS, I, CABA, 2
Goiânia, GO:deCegraf
y 3 de diciembre UFG;
2021, Libro Campina
de Actas... Grande,
Sarmiento, PB:de Eduepb,
Ministerio Justicia y
Derechos Humanos Argentina.
2022. p. 12-37, 406 p.; p.401-412. 1.582 p.;
178
equipe técnica multidisciplinar. Instituiu o Sistema de Política
Ambiental Municipal. Desenvolveu os programas de educação
ambiental e de resgate do berço ecológico de Goiânia.
Implantou os parques históricos após recuperá-los da máfia
da grilagem urbana, em parceria com os stakeholders do
setor produtivo e da comunidade. Acesse o link <https://t.co/
kNivvfjUge> ou o QRCode, disponível nonaApêndice,
contracapasupra, e
assista o vídeo documentário “Recuperação e implantação dos
parques de Goiânia 1993-96”.
No mutirão de reflorestamento da nascente do córrego
Vaca Brava, em comemoração ao Dia da Árvore em 1995,
profetizou com 10 meses de antecedência a criação do Parque
Vaca Brava, que veio a ser inaugurado no Dia do Meio
Ambiente de 1996, verbis:
[...] estamos recuperando um parque
em Goiânia!
em Goiânia!Todos
Todos fazendo
fazendo assimassim
com
com as mãos [a multidão ergue os
as mãos [a multidão ergue os braços e
braços e faz o movimento de pega].
faz o movimento
Estamos recuperandode pega]. Estamos
um parque que
recuperando um parque
foi parar nas mãos de um que foi parar
arquibilionário
nas mãos de um quearquibilionário
mora nos Estados que
Unidos e nem se digna a morar no
mora nos Estados Unidos e nem se
nosso país. Isso só é possível graças à
digna a morar
parceria no nosso
do Poder país. Isso
Público com sóa
éiniciativa
possívelprivada
graças àe,parceria
sobretudo,do com
Podera
Comunidade.
Público com aSão vocês os
iniciativa autores
privada e,
desta reconquista. Viva os estudantes,
sobretudo, com a Comunidade. São
a juventude e o povo goianiense! [...]
vocês
(Osmaros Pires
autores desta reconquista.
Martins Junior, em
Viva os estudantes,
21.09.1995) a juventude e o
179
Na Agência Goiana do Meio Ambiente realizou o mapeamento
georreferenciado do Bioma Cerrado em todo o território estadual e
delimitou as áreas prioritárias de preservação. Tais políticas permitiram
realizar o Estudo Integrado de Bacias Hidrográficas (EIBH), extinguir o uso
do carvão nativo e seu contrabando para as siderúrgicas mineiras. As áreas
legalmente protegidas foram ampliadas, sendo implantadas inúmeras
unidades de conservação, como os Parques Estaduais da Serra Dourada na
cidade de Goiás, da Mata Atlântica em Água Limpa, às margens do rio
Paranaíba, do Portal do Araguaia em Nova Crixás, do Vale do Araguaia em
Mozarlândia, do Balbino em Amorinópolis e o p
Parque Ecológico de Mineiros.
Os serviços de conversão de multas viabilizaram a execução de obras
do programa de recuperação de áreas degradadas como a voçoroca Asilo do
Velho em Alexânia e de manejo de resíduos urbanos, a Central de Triagem
e Reciclagem em Cachoeira Dourada, a Central da Triagem de lixo de
Aragarças, o Cetro de Triagem e Reciclagem da cidade de Goiás - uma
obra fundamental para o êxito das edições anuais do Festival Internacional
de Cinema Ambiental, por meio do projeto FICA LIMPO.
As multas ambientais apodreciam nas gavetas da Dívida Ativa da
Fazenda Estadual por falta de cobrança. O ativo ambiental foi recuperado
por meio do instrumento previsto no art. 72 da Lei dos Crimes Ambientais
- Lei n° 9.605/98, qual seja, a conversão das multas ambientais em
prestação de serviços de preservação da qualidade do meio ambiente.
Promoveu-se a integração dos bancos de dados ambientais e tributários,
fazendo retroceder a inadimplência do crédito ambiental, de 99,97% para
70%; por outro lado, a adimplência saltou de 0,03% para 30%. Isto é, em 3
anos, o volume de arrecadação das multas aplicadas em Goiás aumentou
1.000%.
Infelizmente, o quadro de calote ambiental voltou a reinar em Goiás,
graças à atuação da Delegacia Estadual do Meio Ambiente (DEMA) e da
15ª Promotoria de Justiça do MP-GO. Com o intuito de monopolizar para
os órgãos citados o manejo dos acordos de conversão de multas, os
destemidos e corajosos titulares destes órgãos desencadearam feroz
persecução, não contra os agentes que poluem, desmatam e degradam a
natureza, mas contra as pessoas do então presidente e dos técnicos do órgão
do Meio Ambiente que promoveram a recuperação do ativo ambiental.
REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS
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