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GOIÂNIA USURPARDA:

A TEORIA
PRÁXIS DA PROPRIEDADE APARENTE
CONTRA A GRILAGEM URBANA
CONTEXTUALIZADA
DA PROPRIEDADE
APARENTE

GOIÂNIA-GO
Kelps, 2023
Osmar Martins Pires

A TEORIA
GOIÂNIA USURPADA:
CONTEXTUALIZADA
PRÁXIS DA PROPRIEDADE APARENTE
DA PROPRIEDADE
CONTRA A GRILAGEM URBANA

APARENTE

O instituto da propriedade aparente foi


ardilosamente manipulado nas alienações
ilegal e fraudulenta da Praça e do Parque
Vaca Brava no setor mais valorizado da
capital goiana. O parque e a praça só não
ficaram como na ilustração da capa,
graças a luta e resistência de pessoas do
poder publico e da comunidade, conforme
Processo 8.676.127/1995 - SEMMA, em
que o Município
O instituto da propriedade de Goiânia
aparente revogou os
foi ardilosamente
alvarás de construção
manipulado nas alienações ilegal e fraudulenta da Pra- ilegalmente
ça e do Parque Vacaconcedidos,
Brava no emsetor
1992,
maisde valorizado
12 prédiosdana
cabeceira do córrego
capital goiana. O parque e a praça só não ficaram Vaca como Brava;
na ilustração acima, graças a luta e resistência de pesso-de
Processo 8.899.703/1995 - SEMMA,
as do poder publicorevogação do alvará de
e da comunidade, construção
conforme de um
Processo
prédio de 27 andares na praça
8.676.127/1995 - SEMMA, em que o Município de Goiâ- do Vaca
nia revogou os alvarás de construção ilegalmente concedi- e
Brava, entre as Avenidas T-5 e T-3;
dos, em 1992, de Processo
12 prédios8.368.465/1995
na cabeceira do-córrego
SEMMA, Vacade
Termo de cooperação Técnica,
Brava; Processo 8.899.703/1995 - SEMMA, de revogação firmado
com a de
do alvará de construção MBum Engenharia
prédio de 27e homologado
andares na pra- pelo
juízo da 2° Vara dos Feitos Municipais,
ça do Vaca Brava, entre as Avenidas T-5 e T-3; e Processo
8.368.465/1995 -de outorga de
SEMMA, doTermo
terreno
dedos lotes 10Téc-
cooperação e 11,
com gravame de perpetuidade
nica, firmado com a MB Engenharia e homologado pelo ju- como área
ízo da 2° Vara dos Feitos Municipais, de outorga do terrenona
verde, ao lado do Goiânia Shopping,
dos lotes 10 e 11, esquina das Avenidas
com gravame T-10 como
de perpetuidade e T-3, áreano
Setor Bueno, em Goiânia-GO.
verde, na esquina das Avenidas T-10 e T-3, no Setor Bue-
no, em Goiânia-GO.Engenharia e Homologado pelo juízo
da 2° Vara dos Feitos Municipais, de outorga com grava-
me de perpetuidade, da área ao lado do Goiânia Shopping,
entre as Avenidas T-10 e T-3, setor Bueno, Goiânia-GO.
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TECONOLOGIA DA INFORMAÇÃO
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Silva - especialista
– Brasil em T.I.
– Catalogação na(+55
Fonte62 99393-6970)
Dartony Diocen T. Santos CRB-1 (1º Região)3294
CIP - Brasil - Catalogação na Fonte
Dartony Diocen T. Santos CRB-1 (1º Região)3294

M386 Martins Osmar


Martins, Junior, Pires.
Osmar Pires.
A Teoria Contextualizada
Goiânia usurpada: da Propriedade
práxis daAparente/ Osmar
propriedade
Pires Martins –Junior
Goiânia:. Kelps,Kelps,
- Goiânia: 2023.2023.
aparente contra a grilagem urbana / Osmar Pires
Martins
190Junior
188 p. - Goiânia: Kelps, 2023.
188 p.
ISBN: 978-65-5859-543-4
ISBN: 978-65-5859-543-4
1. Alienação. 2. Propriedade. 2. História. 4. Direito I.Título.
1. Alienação. 2. Propriedade. 2. História. 4. Direito I. Título.
CDU: 347.3
CDU: 347.3

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Espanha)
Prof. Dr. Antonio Donizeti Cruz (UNIOESTE, PR)
Profa. Dra. Bertha Roja Lopez (Universidade Nacional do
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Escritor Brasigóis Felício (AGL)
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AGL)
Profa. Dra. Maria Isabel do Amaral Antunes Vaz Ponce de
Leão
(Universidade Fernando Pessoa. PT)
Escritora Sandra Rosa (AGNL)
Profa. Dra. Simone Gorete Machado (USP)
Escritor Ubirajara Galli (AGL)
Escritor e Revisor Prof. Dr. Antônio C. M. Lopes
DEDICATÓRIA

À memória dos meus bisavôs maternos, Quintiliano


Pires dos Santos e Francisca Vieira de Moraes e paternos
Antonio Martins Árabe, nascido Tannus Salim Hannab e
Messias Rodrigues Nunes.
Dos meus avós maternos Manoel Pires de Moraes e
Josefa Sardinha da Costa e paternos Sebastião Martins Nunes
e Dorvina Martins de Barros.
Aos meus pais, advogado Osmar Martins Barros e
normalista Amélia Pires Sardinha (in memoriam).
À minha esposa, a jornalista Josete Bringel e aos nossos
filhos – a química Ludmila, o filósofo e professor Diogo e o
engenheiro civil Gustavo Bringel Pires.
AGRADECIMENTOS

Os nossos especiais agradecimentos à Profª M.Sc. Larissa


Junqueira Reis Bareato e à Prof.ª M.Sc. Roberta Gebrin, ambas
advogadas que compuseram a banca de avaliação do trabalho
acadêmico, submetido ao Instituto de Ciências Jurídicas da
Universidade Paulista – UNIP, aprovado em 23 de junho de
2015, para a concessão do título de bacharel em Direito e cuja
monografia embasou o conteúdo deste livro.
À professora e socióloga Sirlene Borba que, na
condição de presidente da Associação de Preservação do
Vaca Brava – Parque Sulivan Silvestre (APVB), juntamente
com a diretoria da entidade – Miriam Moema Lima Silva (1ª
Secretaria), Abelardo Díaz Cánovas (2° Secretário), Marinalva
de Souza Marques (1° Tesoureira), Graça Estrela (diretora
de Comunicação), Bolívar Gonçalves Siqueira, Francisco da
Cruz Lima e Jane Maria Balestrin do Conselho Deliberativo,
contribuíram efetivamente para a exitosa luta em defesa da
Praça e do Parque Vaca Brava, no Setor Bueno, em Goiânia,
capital do estado de Goiás, Brasil.
SUMÁRIO
Prefácio..........................................................................................................................14

Apresentação..............................................................................................................21

1. Introdução...............................................................................................................23

2. O referencial teórico...........................................................................................25

2.1 As cinco dimensões dos direitos humanos.............................................26

2.2 O desenvolvimento sustentável, o direito ambiental e o direito das


coisas .............................................................................................................................33

2.2.1 Os postulados e os princípios da sustentabilidade ........................34

2.2.2 Os requisitos de sustentabilidade urbanística..................................38

2.2.3 A função social da propriedade e da cidade.......................................40

2.2.4 A ecologização da propriedade e os bens públicos ........................48

3. A alienação dos bens públicos, a evicção e a teoria da propriedade


aparente........................................................................................................................55
3.1 A norma, a jurisprudência e a doutrina sobre os bens públicos...58

3.1.1 Afetação e desafetação dos bens públicos..........................................67

3.2 O patrimônio ambiental de goiânia...........................................................70

3.2.1 As funções e os serviços uti universi prestados pelos bens


ambientais...................................................................................................................73

3.3 A alienação ilegal da praça do vaca brava...............................................75

3.3.1 Os fatos e suas controvérsias....................................................................76

3.3.2 A demanda administrativa e judicial.....................................................78

3.3.3 O parecer técnico da apvb: aspectos abordados..............................82

3.3.3a aspectos históricos.....................................................................................84

3.3.3b aspectos ambientais...................................................................................87


3.3.3c aspectos da vegetação urbana ..............................................................89
3.3.3d aspectos urbanísticos................................................................................92

3.3.3e aspectos jurídico-legais............................................................................95

3.3.4 A decisão final do stj, absurdamente descumprida até hoje.......99

3.4 A alienação fraudulenta do parque vaca brava..................................102

3.4.1 Decisões judiciais conflitantes..............................................................104

3.4.2 A fraude no mapa do bairro: particular no lugar de parque....108

3.4.3 Da conexão entre as ações ajuizadas .................................................112

3.4.4 Hipótese de litisconsórcio necessário e unitário..........................114

3.4.5 Caso exemplar de negócio jurídico nulo de pleno direito.........116

3.5 O instituto da evicção...................................................................................119

3.5.1 Evicção por força de apreensão administrativa............................121

3.5.2 Evicção por força de sentença judicial...............................................128


padronizar
3.6 A teoria da propriedade aparente não se aplica ao caso tamanho e
analisado.........................................................................................................131 tipo das
letras (a
3.6.1 A teoria da propriedade aparente só ampara direito partir de
subjetivo lícito e ético.............................................................................133 3.6.1 até 5 as
letras são
3.6.2 As quatro aplicações da aparência no direito de maiores)
propriedade.................................................................................................135
3.6.3 A dúplice finalidade da propriedade aparente ................136
3.6.4 A máfia da grilagem urbana......................................................137
3.6.5 O prejuízo causado pela grilagem do patrimônio
ambiental de goiânia...............................................................................142
4. Breve epítome das questões fática e de direito......................151
4.1 Do parque
Parquevaca
Vacabrava......................................................................153
Brava
5. Considerações finais...........................................................................165
Apêndice: registro fotográfico da recuperação da praça e do
parque Vaca brava......................................................................................172
Sobre o autor.................................................................................................175
Referências...................................................................................................175
Referências...................................................................................................181
Sobre o autor................................................................................................180

OBS.:
- VERIFICAR A
PAGINAÇÃO E
ATUALIZAR O SUMÁRIO
- SUPRIMIR APÊNDICE E
LEVAR SEU CONTEÚDO
PARA A 1ª E 2ª ORELHAS
E CONTRACAPA
PREFÁCIO
Graça Estrela1
Graça Estrela com o embaixador Luis
Fernando Serra, em Paris, na exposição
do Bicentenário da Independência do
Brasil, em 7 de setembro de 2022

Foi com alegria que recebi o convite para prefaciar


este livro do prof. Osmar Pires Martins Junior. Primeiro, pela
possibilidade de recuperar a história de luta da Associação
de Preservação do Vaca Brava – Parque Sulivan Silvestre
(APVB), da qual fui fundadora e diretora nos anos dois mil,
uma entidade sem fins lucrativos criada para defender a praça
e o parque que lhe empresta o nome.
Segundo, pela satisfação de associar-me à luta da
comunidade dos Setores Bueno, Nova Suíça e Jardim América
ao temário debatido nesta obra, porque se trata de uma questão
muito importante para a qualidade de vida e para a formação da
cidadania na defesa do patrimônio histórico e socioambiental
do povo.
Como artista plástica, emprestei meu nome na luta pelo
parque e sua praça! Sofri muito em pensar no desmando do
poder público. Sofri em pensar nas nascentes do córrego Vaca
_______________ Brava que poderiam secar! Mas a minha casa, de frente para

1 Artista plástica formada pela Escola Nacional Superior de Belas Artes de Paris. Foi diretora de Comunicação
a praça do Parque Vaca Brava, tem uma área de 850 metros
da APVB - Associação de Preservação do Vaca Brava - Parque Sulivan Silvestre, no biênio 2007-09.
quadrados,
Participou ativamente quedefesa
da luta em foi do
preservada, até
parque e da sua hoje,
praça, e Bueno,
no St. assimemcontinuará,
Goiânia. É uma premiada
artista plástica, nascida em Ipameri-GO. Realizou 31 viagens ao exterior, às suas custas, e participou de 51
exposições emenquanto vida tiver,
Feiras Internacionais compaíses
por diversos árvores e grama.
como EUA, Uma Canadá,
França, Rússia, miniáreaEspanha,
Inglaterra, Coreia do Sul, Japão, México, Argentina, Equador, Colômbia, Uruguai. No Brasil, em capitais como
São Paulo, Brasília, Palmas, Manaus, Goiânia. Em 7 de setembro de 2022, fez a exposição "200 anos da
Independência do Brasil com a Graça das Araras em Paris", na Embaixada brasileira à 34, Rue Cour Albert,
Paris, France. Site: <www.gracaestrela.com.br>; e-mail: <araragracaestrela@gmail.com>; assista o vídeo da
Associação Goiana de Artes Visuais (AGAV): <https://www.youtube.com/watch?v=omIRMbkSTWg>.
Brava que poderiam secar! Mas a minha casa, de frente para a praça do Parque
Vaca Brava, tem uma área de 850 metros quadrados, que foi preservada, até hoje,
e assim continuará, enquanto vida tiver, com árvores e grama. Uma miniárea
verde, supervalorizada. Não cedi às ofertas milionárias
dos investidores que querem destruir a natureza e, no lugar
do verde, levantar espigões. Não tem dinheiro que pague a
beleza e a conservação das áreas verdes urbanas, públicas ou
particulares, onde habitam os pássaros, brotam os olhos d’água
e exalam as brisas frescas!
A APVB surgiu nos idos de 1995 com a denominação de
Associação dos Protetores do Vaca Brava. A primeira diretoria
foi presidida pelo engenheiro Ubirajara Alves Abbud e vice
presidida pelo engenheiro Bolívar Gonçalves Siqueira, este
último membro do Conselho Deliberativo quando fui diretora
de Comunicação no biênio 2007-09. A APVB nasceu na luta
pela recuperação, implantação e melhoria do Parque Vaca
Brava, tendo estabelecido a meta de luta pela incorporação a
ele da praça entre as Avenidas T-3 e T-5.
A APVB, em primeiro de setembro de 1995, trabalhou
junto com o autor deste livro, quando ele era secretário do Meio
Ambiente de Goiânia – Semma, no reflorestamento da área da
nascente do córrego Vaca Brava. Como se sabe, a cabeceira
das nascentes do córrego Vaca Brava foi destinada a parque
deste córrego
público pelo plano de loteamento do Setor Bueno, em 1951.
Contudo, estas áreas foram ilegalmente parceladas e alienadas
nos idos de 1970, autorizadas a construção de 12 arranha-céus
dentro do parque e de uma torre de 27 andares na praça.
Portanto, a praça e o parque foram ilegalmente
privatizados, escriturados e registrados em nome de particulares.
Dessa maneira, realizar o plantio de árvores nativas dentre de

15
propriedades privadas só seria possível com a autorização dos
proprietários ou da justiça.
Sendo assim, a APVB requereu ao titular da Semma
a autorização para promover o reflorestamento da área
verde, então totalmente desmatada, degradada e poluída. A
equipe técnica da Semma, formada por advogados, arquitetos
urbanistas, geógrafos e botânicos, emitiu o parecer e baixou
instrução normativa favorável à que a comunidade, através da
APVB, pudesse realizar o reflorestamento.
O pedido da APVB e o parecer da Semma foram
protocolados no juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública Municipal,
acolhidos pelo juiz Geraldo Salvador de Moura, que autorizou
o plantio como parte do cumprimento das cláusulas do termo
de ajustamento de conduta – TAC, firmado com o Município de
Goiânia, de recuperação da cabeceira do córrego Vaca Brava.
Só foi possível entrar numa área até então tida como
privada, em 1995, graças ao procedimento exitoso da APVB
em parceria com a Semma, já que a sentença anulatória da
escritura particular do parque foi proferida anos após, em
junho de 2004, pelo juiz Fabiano Aragão, que sucedeu o doutor
Geraldo Salvador de Moura na 2ª Vara da Fazenda Pública
Municipal de Goiânia.
Dessa maneira, a comunidade e o poder público uniram
esforços e realizaram o plantio simultâneo de 6.500 mudas de
espécies nativas. Foi um verdadeiro mutirão do reflorestamento
que envolveu entusiasticamente cerca de dez mil alunos e
professores da rede pública e privada. O evento repercutiu

16
no Brasil, sendo matéria de chamada no Jornal Nacional da
TV Globo. As mudas foram plantadas simultaneamente, na
manhã de uma quinta-feira, no Dia da Árvore de 1995 (21
de setembro), há 27 anos. Hoje, as mudinhas são árvores de
10-15 metros de altura, recompondo um pouco a exuberante
paisagem nativa do fundo de vale do Vaca Brava. A vigilância
permanente da APVB e da comunidade contribuiu para
recuperar um ambiente que, antes, era totalmente degradado e,
hoje, é um dos cartões postais da cidade de Goiânia.
Mais de uma década depois, em 2007, quando era
diretora de Comunicação da APVB, a vida nos reservou novo
encontro de luta com o autor do livro ora prefaciado. Dessa
feita, em defesa da praça do Vaca Brava, contra a construção
de uma torre na área pública de preservação permanente, onde
afloram nascentes que alimentam o lago do parque. Diante da
ameaça, a diretoria da APVB, em reunião no dia 4 de setembro
de 2007, decidiu:
[...] Tendo em vista o impacto negativo causado
pelo movimento de terra das máquinas, tanto
na flora nativa como nas já comprometidas
nascentes subterrâneas que alimentam o lago,
a diretoria da APVB e demais participantes
decidiram requisitar ao Ministério Público
provimento de recurso à decisão do Juiz de
primeiro grau, Fernando Mesquita, da 3° Vara
da Fazenda Pública Municipal para reaver como
de preservação permanente, o uso do solo da
mencionada área. Para tanto, foram convidados
os professores Osmar Pires Martins Junior,
mestre em Ecologia do curso de Pós-Graduação
em Perícia Ambiental da Universidade Católica
de Goiás e João Batista de Deus, doutor em

17
Ecologia Humana e diretor do Instituto de Estudos
Sócio Ambientais da Universidade Federal de
Goiás, profissionais que por terem participado
da gestão que deu origem ao Parque Vaca
Brava em 1996, conhecem com profundidades
a realidade hidro-edafo-ambiental do parque.
Para fazer parte dos trabalhos foi convidada
também, a advogada Jane Maria Balestrin do
Conselho Deliberativo da APVB. A equipe terá
como incumbência elaborar parecer técnico
de caracterização ambiental e urbanístico da
praça (T-3 com T-5), com análise técnica dos
impactos, no ecossistema do parque, causados
pelas máquinas e o posterior uso indevido dessa
área. O documento técnico subsidiará a APVB
no requerimento de recurso à decisão do Juiz de
primeiro grau [que privatizou a praça] junto ao
Ministério Público [...] (APVB, 2007)2.

Os estudos solicitados foram prestados voluntariamente


e protocolados no MP em 10 de setembro de 2007, na forma
de parecer técnico (v. capítulo 3.3.3, infra) e subsidiou o
vitorioso recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, em
dezembro de 2018, revogou o acórdão do Tribunal de Justiça
que manteve a injusta sentença singular, anulou a escritura
particular e devolveu a praça ao povo.
A luta da comunidade e do ambientalista Osmar Pires
logrou recuperar as áreas públicas da praça e do parque,
tão disputadas pelos ambiciosos especuladores privados e

2 APVB. Ata de reunião da diretoria. Assinam os membros da Diretoria:


Sirlene Borba (Presidente), Miriam Moema Lima Silva (1°Secretaria), Abelardo
Díaz Cánovas (2°Secretário), Marinalva de Souza Marques (1° Tesoureira),
Graça Estrela (Diretora de Comunicação) e do Conselho Deliberativo: Bolívar
Gonçalves Siqueira, Francisco da Cruz Lima e Jane Maria Balestrin. Goiânia, 4
set. 2007, 19:00.

18
seus cúmplices do poder público. Ao lado da comunidade,
sempre vigiei estas áreas verdes. Escrevia para os jornais e
denunciava à imprensa os desmazelos. Durante a gestão do
prefeito Pedro Wilson (2001-04), cobrei dele a integração ao
parque, tanto da praça, objeto de grilagem, entre as Avenidas
T-3 e T-5 com cerca de 6,6 mil metros quadrados de área, como
do playground, área pública sem conflito com 2 mil metros
quadrados, na esquina da Avenida T-5 com a Rua T-66.
Compelido publicamente, o prefeito anexou ao parque
a área pública do playground sobre a qual não pendia nenhum
conflito, e determinou o plantio de 250 mudas de espécies
nativas na área conflituosa da praça. Só que, na primeira
noite após a conclusão do plantio, as mudinhas foram todas
arrancadas por dezenas de capatazes à mando do grileiro da
praça. E ficou por isso mesmo.
Os nossos cumprimentos ao prof. Pedro Wilson pela
integração do playground ao parque, um equipamento que
faz a alegria de centenas de crianças e de seus pais todos os
dias. Os nossos parabéns seriam bem mais efusivos caso ele,
enquanto prefeito, tivesse integrado ao parque a área de 6,6 mil
metros quadrados da praça. Assim, Pedro Wilson seguiria seu
antecessor e correligionário Darci Accorsi, que recuperou a
área grilada de 90 mil metros quadrados do Parque Brava Vaca
ao domínio e posse do povo, inaugurando-o no Dia da Árvore
de 1996; e ainda anulou o alvará e embargou a construção de
um prédio de 27 andares na praça do parque.

19
Lamentavelmente, prevalece uma inexplicável inanição
dos gestores de Goiânia em relação à praça do Vaca Brava.
Decorridos quatro anos da decisão final do STJ, em dezembro
de 2018, que devolveu a praça ao povo, a área continua
abandonada, degradada, poluída. Todas as mudas de árvores
nativas que plantamos na praça são destruídas e esmagadas
pelos carros dos frequentadores do comércio que usam a praça
como estacionamento.
Vencemos em parte. Reconquistamos a cabeceira da
área verde, mas falta a integração da Praça ao Parque Vaca
Brava, para enriquecer e embelezar o nosso cartão postal, um
bem público de uso comum do povo.
Minhas reverências ao ambientalista e humanista Osmar
Pires e ao saudoso Darci Accorsi, ex-prefeito da nossa capital,
pela efetiva criação e inauguração do parque e pela defesa da
praça do Vaca Brava. Este livro é uma forma de expressão
literária que se soma a outras manifestações artísticas, como
telas, esculturas e músicas, que divulgam, expõem, analisam
criticamente a realidade, fomentam a consciência e a tomada
de posição sobre uma questão crucial dos nossos tempos: o
desafio da preservação. Sem natureza, não há futuro.
De Paris para Goiânia, em 7 de setembro de 2022

20
APRESENTAÇÃO
A publicação do conteúdo versado nesta obra é
motivada pela preocupação com o processo de dilapidação do
patrimônio ambiental urbano de Goiânia/GO, que reflete um
fenômeno comum às cidades brasileiras e latino-americanas.
O problema é complexo, em face do envolvimento do Poder
Público e dos agentes privados de produção do espaço urbano
na alienação de bens de uso comum por meio de práticas que
contrariam a norma, a jurisprudência e a doutrina atinente.
Em face de casos tais, questiona-se a hipótese de
aplicação da Teoria da Propriedade Aparente para se constatar
que ela não convalida o direito de propriedade privada
de um bem de uso comum do povo, em face da alienação
ilegal e fraudulenta da Praça e do Parque Vaca Brava que,
a fortiori, jamais permitiriam a aplicação do princípio que
embasa esta teoria. O uso do referido instituto, nos casos
analisados, contraria o conceito de propriedade e os seus
requisitos externos e internos, estabelecidos no artigo 1.228
do Código Civil combinado com os artigos 182, 183 e 225
da Constituição Federal – CF. A interpretação da Teoria da
Propriedade Aparente deve ser feita de forma sistemática
e integrada às funções socioambientais da propriedade e da
cidade, estatuídas no Estatuto da Cidade – Lei nº 10.257/2001,
que não autorizam atos dolosos de alienação de bens de uso
comum do povo.
A Teoria da Propriedade Aparente é instituto de
proteção, e não de agressão, ao direito de propriedade e aos
seus fundamentos, de maneira a resguardar que ela exerça
suas funções intrínsecas e extrínsecas. Realiza-se estudo mais

21
acurado sobre a aplicação da Teoria da Propriedade Aparente
em matéria referente ao direito patrimonial envolvendo bens
de uso comum da população, de maneira que o instituto sirva
ao seu desiderato de proteção da sociedade.
A análise sistemática e integrada do processo de
alienação ilegal e fraudulenta da praça e do parque em questão,
aponta para a agressão tanto de comandos constitucionais
pertinentes, que incluem o direito proprietário no rol taxativo
e pétreo das garantias individuais (artigo 5º, caput, da CF), a
função social da propriedade (artigo 5º, XXIII), o princípio
da atividade econômica (artigo 170, III), assim como normas
infraconstitucionais do Código Civil, inseridas no artigo
1.228, § 1º (da finalidade socioeconômica e ambiental da
propriedade), § 2° (que veda o uso nocivo da propriedade) e §
3º (que possibilita a desapropriação por interesse social).
Diante do exposto, o estudo permite considerar que, ao
final, as cidades carecem urgentemente de marcos institucionais,
normativos e administrativos efetivos capazes de, por um lado,
frear a conduta dilapidadora dos bens de uso comum pelos
agentes públicos e privados e, por outro, propiciar aos cidadãos
instrumentos de promoção da cidade sustentável, conforme se
encontra preconizado nos dispositivos mencionados da Carta
Mãe e do Estatuto da Cidade.
Goiânia é caso paradigmático de cidade dotada
de Patrimônio Ambiental Urbano constituído por bens de
valor econômico da ordem de R$ 1,85 trilhões de reais
(AMAZONAS, 2010; MARTINS JUNIOR, 2007). Este
patrimônio pode e deve ser protegido contra a dilapidação. Tal
é o desafio lançado aos agentes legitimados do povo, como sói
ocorrer na recuperação, aqui discorrida, da Praça e do Parque

22
Vaca Brava, no Setor Bueno, da capital goiana.
As palavras-chave abordadas neste trabalho são
direitos humanos, função social da propriedade e da cidade,
propriedade aparente, direito proprietário e desenvolvimento
sustentável.

1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho é motivado pela preocupação
com o processo de dilapidação do patrimônio ambiental urbano
goianiense, refletindo um fenômeno ocorrente nas cidades
brasileiras e latino-americanas. O caso em estudo se apresenta
complexo, em face do envolvimento do Poder Público e dos
agentes privados de produção do espaço urbano da capital
goiana na alienação de bens de uso comum por meio de
práticas que contrariam a norma, a jurisprudência e a doutrina
atinente (MARTINS JÚNIOR, 2014; 2013; 2008; 2007; 1996;
ONU-HABITAT, 2012; MACHADO, 2012).
Tem-se como ponto de partida o questionamento sobre
a hipótese de aplicação da Teoria da Propriedade Aparente,
para se constatar que ela não convalida o direito de propriedade
de um bem de uso comum do povo, em face da alienação
fraudulenta do Parque Vaca Brava que, a fortiori, jamais
permitiria a aplicação de princípio inserido nesta teoria, eis que
indevidamente manuseada pelos interessados em convalidar a

23
dilapidação de área pública (GOIAS, 20043; 19984).
O uso do referido instituto, portanto, contraria o
conceito de propriedade e os seus requisitos externos e
internos, estabelecidos no art. 1.228 do Código Civil – CC
combinado com arts. 182, 183 e 225 da Constituição Federal –
CF (AMADO, 2012). A interpretação da Teoria da Propriedade
Aparente deve ser feita de forma sistemática e integrada
às funções socioambientais da propriedade e da cidade,
estabelecidas nos arts. 2°, 4°, 40, dentre outros do Estatuto da
Cidade – Lei n° 10.257/2001, que não convalidam atos dolosos
de alienação de bens de uso comum do povo, ad exemplum, o
Parque Vaca Brava, no St. Bueno, em Goiânia/GO.
Segundo Rosenvald (2006), a Teoria da Propriedade
Aparente é instituto de proteção, e não de agressão, à
propriedade e aos seus fundamentos, de maneira a resguardar
que ela exerça suas funções intrínsecas e extrínsecas. Em
consequência, o instituto da evicção poderia ser manejado para
resguardar os direitos afetados.
Este estudo busca referência no direito proprietário com
ênfase no direito patrimonial e na função social da propriedade

3 GOIÁS. Tribunal de Justiça. Sentença transitada em julgado. Ação


indenizatória nº 960.207.488 (20748-16.1996.8.09.0051). Waldir Rodrigues
do Prado contra o Município de Goiânia. 2ª Vara Fazenda Pública Municipal
da Comarca de Goiânia. Fabiano de Aragão Fernandes – Juiz, j. 22/06./2004.
Disponível em: <http://www.tjgo.jus.br/index.php/consulta-processual>. Acesso
em: 05/04/ 2014.
4 GOIÁS. Tribunal de Justiça. Acórdão. Recurso de Agravo de
Instrumento nº 12.934-4/180 (9700867625). Agravante: Gary Alano Bureli Burrel.
Agravado: Ministério Público. 3ª T. da 2ª C.C. Rel.: Des. Noé Gonçalves Ferreira.
Julg. 17/03/1998. 11 p. (mimeo).

24
com ênfase ao desenvolvimento equilibrado da sociedade
nos aspectos sociais, econômicos e ambientais, bem como
consequente função socioambiental da cidade sustentável.
A metodologia consiste na aplicação do método indutivo,
a partir de dados particulares referentes ao parcelamento e
alienação ilegal de um Parque Natural Municipal, instituído
de acordo com a norma brasileira (arts. 225, § 1º, III e 182,
caput, da CF combinado com art. 4º, V, e, do Estatuto da
Cidade – Lei 10.257/2001 e art. 11, § 4º, da Lei 9.985/2000
que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação
– SNUC), buscando inferência de uma verdade universal, em
complementação ao método da revisão bibliográfica para, com
base no fundamento básico da função social da propriedade,
avaliar a perspectiva da sustentabilidade do ambiente urbano
que, salvo melhor juízo, somente seria alcançado a contrario
senso do direito proprietário exercido no caso sub examine.

2. O REFERENCIAL TEÓRICO

A abordagem do tema se fundamenta na evolução


das dimensões dos direitos fundamentais com foco para a
sustentabilidade das ações humanas, em especial, os paradigmas
sociais, econômicos e ecológicos do desenvolvimento humano
aplicados ao meio ambiente urbano, levando-se em conta o
Direito das Coisas, o Direito Ambiental e o Desenvolvimento

25
Sustentável (REIS & MARTINS JUNIOR, 2021;
GONÇALVES, 2014; DONIZETTI, 2012; MACHADO,
2012).

2.1 As cinco dimensões dos direitos


humanos

A evolução dos direitos humanos, estabelecida


inicialmente por Bobbio (2003), ocorreu de forma gradual até
os dias de hoje, de acordo com a evolução do homem e da
sociedade, desde a conquista do direito à vida e à liberdade,
aos direitos individuais, sociais, coletivos e difusos, até chegar
aos direitos da humanidade.

A primeira dimensão de direitos


De acordo com Hobsbawm (2009), a luta pelos
direitos começou com as revoluções liberais, sendo a mais
emblemática a Revolução Francesa, positivando o direito à
liberdade. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
(1.789) estabeleceu no art. 1º que os homens nascem iguais e
são livres; no art. 2º definiu a liberdade como o direito de fazer
tudo o que não prejudica outrem; no art. 10, que ninguém pode
ser molestado por suas opiniões; e, no art. 11, estabeleceu a
liberdade de comunicação.
A Revolução Francesa colocou o indivíduo como

26
sujeito, e a liberdade como objeto, visando proteger o indivíduo
contra o indivíduo, mas, principalmente, contra o Estado,
constituindo os direitos de primeira dimensão, que buscam
libertar o indivíduo do absolutismo de um ou de alguns sobre
todos, promovendo a liberdade e a igualdade, consagrando a
formulação clássica do Estado Liberal e a noção de liberdades
negativas limitadoras do intervencionismo estatal.
Na Constituição Federal do Brasil, esta dimensão
de direitos está consolidada na liberdade de pensamento e
expressão (art. 5º, IV, V, IX, art. 220, § 2º), de consciência
e crença (art. 5º, VI, VII e VIII, art. 19, I, art. 210, § 1º), de
informação (art. 5º, XIV, XXXIII, LX), de locomoção (art. 5º,
XV), da liberdade profissional (art. 5º, XIII), de reunião e de
associação (art. 5º, XVI a XXI).

A segunda dimensão de direitos


A Primeira Grande Guerra provocou uma mudança
da feição dos direitos fundamentais, consagrando os direitos
individuais de primeira dimensão, especialmente os de
liberdade e igualdade, mas incorporando os direitos voltados
às relações sociais. É a segunda dimensão dos direitos,
decorrentes da desigualdade promovida, principalmente, por
razões econômicas.
O indivíduo ultrapassa a sua condição de individualidade
abstrata e passa a fazer parte de uma categoria concreta, em
face de que os valores individuais são desenvolvidos nas
relações sociais e carecendo, por isso, da proteção ativa do
Estado, a favor da parte mais fraca da sociedade na sua relação

27
com outra parte mais forte.
Esta dimensão de direitos possui teor econômico,
social ou cultural a serem viabilizados por meio da concepção
de liberdades positivas, de normas programáticas que efetivam
uma prestação do Estado do Bem-Estar Social – seja legislativa,
administrativa ou judicial – com o objetivo da promoção da
igualdade social.
A Constituição Federal do Brasil consagra esta dimensão
fundamental em dispositivos que efetivam a prestação positiva
do Estado no Título II, capítulo II Dos Direitos Sociais, e
no título VIII da Ordem Social, garantindo direitos sociais,
educacionais e culturais aos cidadãos, não mais considerados
individualmente, mas sim de caráter econômico e social, com
o objetivo de proporcionar melhores condições de vida a todos
indistintamente.
A segunda dimensão de direitos está vinculada às
condições de educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia,
lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e
à infância, assistência aos desamparados, cabendo ao Estado
garantir a prestação de tais direitos.

A terceira dimensão de direitos


Esta dimensão surge após a Segunda Grande Guerra, em
decorrência das atrocidades cometidas contra a humanidade,
visando proteger o indivíduo contra a própria humanidade.
A evolução dos direitos fundamentais de terceira dimensão
se relaciona, ainda, ao avanço da tecnologia de transportes,

28
da comunicação e da informação, que internacionalizaram
os direitos humanos e relativizaram a soberania estatal, com
o surgimento de organismos políticos e sistemas normativos
supranacionais, que formalizaram declarações internacionais
ou supranacionais instituidoras de novos padrões morais de
solidariedade e respeito à dignidade da pessoa humana, criando
inovadoras condições de progresso material voltadas para o
gênero humano e os valores da sociedade humana.
Assim, estes direitos se estendem difusamente a toda
a sociedade humana, considerada indistintamente em sua
generalidade, englobando os direitos de solidariedade ou
fraternidade, que transcendem a esfera dos indivíduos recaindo
na titularidade coletiva, nos direitos difusos em geral, como o
meio ambiente equilibrado, vida saudável, progresso e outros.
Na Constituição Federal do Brasil, a terceira
dimensão está consagrada nos direitos difusos e coletivos da
dignidade da pessoa humana, esculpida no art. 1º, III, como
um dos fundamentos da República Federativa, assim como
na solidariedade, que aparece no art. 3º, I, como objetivo
republicano de uma sociedade livre, justa e solidária, ou ainda
no direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como
um dever do estado e da sociedade e um direito das atuais e
futuras gerações (art. 225). No art. 5º da CF/88 estão esculpidos
os direitos e garantias individuais, destacando-se no inciso
XXXII a imposição ao Estado de defender o consumidor.
A Lei nº 8.078/90 instituiu o Código de Defesa do
Consumidor – CDC que, no art. 81, disciplina, define e classifica

29
os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos:
direitos difusos como sendo direitos transindividuais, de
natureza indivisível, cujos titulares são pessoas indeterminadas
ligadas por circunstâncias de fato; direitos coletivos aqueles
transindividuais, de natureza divisível, cujos titulares são
grupos, categorias ou classes de pessoas ligadas entre si ou
com a parte contrária por uma relação jurídica base; e, direitos
individuais homogêneos como sendo os de origem comum.
A quarta dimensão de direitos
O marco histórico da quarta dimensão dos direitos
fundamentais é a Declaração Universal sobre o Genoma
Humano e os Direitos Humanos da UNESCO (1997), que abarca
aqueles relativos ao genoma, mas se estende ao pluralismo,
à informática, alimentos transgênicos, sucessão dos filhos
gerados por inseminação artificial, clonagens, biociências,
bioética, entre outros. No dizer de Bonavides (2005), concretiza
direitos fundamentais de novíssima dimensão, associada
objetivamente ao processo de globalização, de intercâmbio
técnico e científico, de avanço do conhecimento humano sobre
as mais diversas áreas, sobretudo aquelas relacionadas à saúde.
O Supremo Tribunal Federal – STF, em ação direta
de inconstitucionalidade – ADIN nº 3.510/DF que buscou a
impugnação em bloco do art. 5º da Lei de Biossegurança nº
11.105, de 24/03/2005, que versa sobre pesquisas com células-
tronco embrionárias, declarou a constitucionalidade do uso
de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas para
fins terapêuticos, reafirmou a proteção constitucional do

30
direito à vida e os direitos infraconstitucionais do embrião pré-
implanto e não do embrião in vitro, afastando, assim, qualquer
possibilidade de que tais pesquisas sejam caracterizadas como
prática abortiva, assim como, efetivou o direito constitucional
à liberdade de expressão científica ao reconhecer a Lei de
Biossegurança como instrumento do direito fundamental à
saúde e à vida digna (BRASIL, 2010)5.

A quinta dimensão de direitos


De acordo com Bonavides (2008), o fator inaugural da
última dimensão dos direitos humanos foi a Resolução 33/73,
aprovada na 84ª Sessão Plenária da Assembleia da ONU, de
14 de dezembro de 1978, que consagrou expressamente a paz
como direito fundamental. Para o autor, o estabelecimento
contemporâneo da paz proporcionou à sociedade avanços
tecnológicos revolucionários, que são fortalecidos pela difusão
da cibernética, constituindo um cenário próprio, com aspectos
caracterizadores peculiares.
A tutela jurídica do meio ambiente cibernético
ocasionou o surgimento de mais uma dimensão dos direitos
humanos, em decorrência do desenvolvimento da internet,
que frutificou a necessidade de tutelar, juridicamente, os
fatos e bens decorrentes das relações virtuais, os direitos
inerentes ao ambiente cibernético de uma realidade virtual
que demanda a preocupação do ordenamento jurídico frente
ao avanço excepcional de um veículo que propicia a troca e
5 BRASIL. STF. Trib. Pleno. Ação direta de inconstitucionalidade nº
3.510/DF. Rel. Min. Ayres Britto. DJe de 28/05/2010, p. 134 a 141.

31
pulverização de informações entre indivíduos, de maneira
célere, derrubando, em razão disso, as fronteiras geográficas e
antrópicas erigidas e abreviando as distâncias existentes.
O advento do espaço cibernético propiciou situação
singular, testemunhada de forma inédita em toda a história
da humanidade, com a possibilidade de interação on line, em
tempo real, entre indivíduos separados por distâncias físicas,
que poderão intercambiar informações, conhecimentos e
desenvolver atividades anteriormente inimagináveis, gerando
novos fatos e negócios jurídicos.
Por sua vez, o avanço cibernético propicia ferramentas
neocolonizadoras como o lawfare - uso estratégico do direito
para destruir a democracia. Trata-se de uma forma jurídica
de fake news, intensamente utilizada pela juristocracia, uma
casta dirigente do sistema de justiça. Tal casta atua a serviço
dos interesses corporativos articulados aos da elite nacional
e suas estratégias de subordinação ao imperialismo global
(MARTINS JUNIOR; REIS, 2022).
A quinta dimensão de direitos fundamentais se
relaciona especialmente ao tema aqui discutido, em face da
diretriz da ONU para o meio ambiente urbano de incorporação
dos direitos humanos ao planejamento e ao ordenamento do
território urbano, cuja implementação passa pelo mapeamento
online do espaço urbano, do patrimônio ambiental, natural e
construído, disponibilizando informações, permitindo o acesso
do cidadão e a sua participação na gestão compartilhada da
cidade (NAÇÕES UNIDAS, 2012).

32
Na busca pela promoção da sustentabilidade, os Poderes
Locais devem integrar os direitos humanos à política urbana,
especialmente através de políticas de ordenamento territorial
integradas ao planejamento urbano, às normas de gestão,
controle, uso do solo e de proteção ambiental, especialmente
as inter-relações entre áreas urbanas e rurais, assim como áreas
ambientalmente sensíveis, como o vale do córrego Vaca Brava,
cuja cabeceira é objeto deste estudo.

2.2 O desenvolvimento sustentável, o


direito ambiental e o direito das coisas

De acordo com Amado (2012), Machado (2012) e


Milaré (2011), o desenvolvimento sustentável é um princípio
que atende as necessidades intergeracionais no sentido das
transmissões adjacentes, herdadas e adquiridas dos bens
ambientais de uso comum do povo, bem como as necessidades
transgeracionais de transmissão de processos ambientais
essenciais à manutenção das condições saudáveis de vida.
O direito ambiental é uma disciplina que aplica o
princípio do desenvolvimento sustentável para o alcance dos
objetivos de preservação dos recursos naturais às atuais e
futuras gerações, por meio de uma política ambiental integrada
nos seus aspectos econômico, social e ambiental, formando o
tripé da sustentabilidade, reconhecido pela jurisprudência como

33
meio ambiente ecologicamente equilibrado, ex vi art. 225 da
Constituição Federal, verbis: “[...] é um típico direito de terceira
dimensão, de altíssimo teor de humanismo e universalidade,
que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o
gênero humano [...]” (BRASIL, 2005, p.7)6.
Em síntese, o direito das coisas, regido pelo princípio
do desenvolvimento sustentável, tem por objetivo evitar que
acontecimentos ambientais catastróficos de causas antrópicas
sejam transmitidos aos descendentes, bem como assegurar um
grau mínimo de sustentabilidade ao desenvolvimento humano.
Daí a condição sine qua non da proteção, preservação
e recuperação ambiental para o avanço científico e tecnológico
da humanidade.

2.2.1 Os postulados e os princípios da


sustentabilidade

Os postulados, do ponto de vista da epistemologia,


são proposições admitidas verdadeiras sem a necessidade de
demonstração, embora de caráter não aparente. Trata-se de
algo que se assume válido, não como um dogma, mas como
uma das condições a vigorar para um dado modelo.

6 BRASIL. STF. ADI contra o art. 1º da MP nº 2.166-67, de 24 de ago.


2001, na parte em que alterou o art. 4º, caput e §§ 1º ao 7º da Lei nº 4.771/65.
Reqte: Procurador-Geral da República. Reqdo: Presidente da República. Tribunal
Pleno - RTJ 158/205-206, Rel. Min. Celso de Mello, em 1º/09/2005.

34
A precaução
A precaução é um postulado fundamental do
desenvolvimento sustentável, assumido pelo Brasil como
signatário da Declaração do Rio de Janeiro, aprovada na
Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento, em 1992. A precaução deve ser observada
diante da ameaça de danos sérios ou irreversíveis e quando a
ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada
para postergar medidas preventivas viáveis contra a degradação
ambiental (CNUMAD, 1992).
São dois os pressupostos da precaução: a possibilidade
de que condutas humanas causem danos coletivos vinculados
a situações catastróficas que podem afetar o conjunto de
seres vivos (perigo de dano grave ou irreversível) e a falta
de evidência científica (incerteza) a respeito da existência do
dano potencial. Trata-se, então, de um importante conceito a
ser aplicado em face de ação humana que envolva situação
de perigo abstrato, com o intuito de inibir o risco de perigo
potencial, conceito esse, orientador de outras normas, sejam
elas de significado ético, técnico ou jurídico.
No âmbito do direito ambiental, os postulados jurídicos
são supernormas que constituem elementos formais definidores
de métodos de aplicação de outras normas, estruturando a
interpretação de princípios e regras. Existem os postulados
hermenêuticos e os postulados aplicativos. Os postulados
hermenêuticos são proposições que criam a possibilidade de

35
se obter uma correta compreensão do ordenamento, a exemplo
dos postulados da unidade, da coerência e da hierarquia que
apontam para a interpretação das normas como um sistema que
relaciona a parte ao todo, na medida de sua interdependência,
dentro de uma estrutura escalonada e hierárquica. Já os
postulados aplicativos são normas que definem métodos ou
critérios de aplicação de outras normas, ditas de segundo grau.
O postulado cons­ titucional da precaução implica
adoção de vários princípios e mecanismos preventivos, que
permitem o alcance do objetivo de salvaguarda dos bens
juridicamente protegidos, diante da ameaça de ocorrência de
danos irreparáveis ou irreversíveis, que tornam impossível
retornar ao status quo ante, referente a componentes estruturais
e dinâmicos do meio ambiente afetados por certos impactos
humanos degradantes ou poluidores.
Uma das formas de se efetivar o princípio da precaução
é o estabelecido no art. 225, § 1º, III, IV e V da CF, que
incumbiu ao Poder Público definir espaços territoriais e seus
componentes a serem legalmente protegidos, bem como
a realização do Estudo Prévio de Impacto Ambiental e o
controle das atividades impactantes. Essa forma de efetivação
do desenvolvimento sustentável encontra amplo respaldo na
norma e na jurisprudência, verbis:
É lícito ao Poder Público – qualquer que seja
a dimensão institucional em que se posicione
na estrutura federativa (União, Estados-
membros, Distrito Federal e Municípios)
– autorizar, licenciar ou permitir a execução
de obras e/ou a realização de serviços no

36
âmbito dos espaços territoriais especialmente
protegidos, desde que, além de observadas
as restrições, limitações e exigências
abstratamente estabelecidas em lei, não resulte
comprometida a integridade dos atributos
que justificaram, quanto a tais territórios, a
instituição de regime jurídico de proteção
especial, cf. art. 225, § 1º, III da Constituição
Federal (BRASIL, 2006)7.

No direito urbanístico, por exemplo, o postulado da


precaução define a aplicação dos princípios da precaução
propriamente dita, da prevenção e do poluidor-pagador. Diante
do objetivo estratégico da sustentabilidade das ações humanas,
o bem jurídico meio ambiente, de uso comum do povo,
encontra proteção no princípio da precaução toda vez que a
ação ou o empreendimento pretendido envolver os elementos
do risco de lesão ao patrimônio ambiental e da incerteza ou
dúvida quanto ao nível de conhecimento científico ou técnico
disponível relacionado ao caso concreto. O operador do direito
lança mão do princípio da precaução, mediante obrigação de
não fazer (arts. 250 e 251 do Código Civil – CC), satisfazendo
a sociedade no direito de exigir e determinando ao obrigado
o dever de abster-se do desenvolvimento da ação, atividade
ou empreendimento que envolva impactos criticamente
significativos de gravidade irreversível e abrangência global.

7 BRASIL. STF. Medida Cautelar na ADIN – Proc. 3540/DF. Rel. Min.


Celso de Mello. DJ 03/02/2006.

37
A prevenção
De outra parte, ocorrendo o elemento risco de lesão
e existindo técnica disponível de proteção à integridade do
bem jurídico, dentro dos padrões sustentáveis de produção e
consumo, podem ser aplicados os princípios da prevenção e
do poluidor-pagador. Estes princípios consistem na adoção
da técnica recomendada de controle ou de mitigação e de
internalização dos custos pelo agente poluidor/degradador. Tais
princípios são efetivados por meio da obrigação de fazer (arts.
247 e 249 do CC), ou da adoção das medidas estabelecidas pelo
órgão competente no ato do licenciamento ou da autorização,
conforme normas e procedimentos pertinentes.
Portanto, a existência de espaços legalmente
protegidos, como o Parque Vaca Brava, objeto deste
estudo, decorre de postulados de precaução e de prevenção,
bem como de princípios da obrigatoriedade da proteção
ambiental consagrados no texto constitucional e em normas
infraconstitucionais, não sendo cabível a sua inobservância.

2.2.2 Os requisitos de sustentabilidade


urbanística

O parcelamento do solo urbano é uma competência


típica dos municípios que, na hierarquia dos poderes, é o
mais próximo do povo. Em consequência, as mazelas urbano-
ambientais e sociais refletem a insuficiente consciência da
cidadania brasileira.

38
Esse quadro de carência das populações urbanas reflete
insuficiente desenvolvimento social e deficientes abordagens,
nas interações entre o homem e o meio ambiente, tanto físico
como biológico ou social, inclusive jurídica. A lei federal de
parcelamento do solo urbano estabeleceu requisitos urbanísti­
cos de loteamento, fundamentados na melhoria da qualidade
de vida, válidos para todo o Brasil como normas imperativas,
para proporcionar um mínimo de conforto ao morador, dotando
a área loteada de equipamentos urbanos e comunitários.
O projeto de loteamento urbano deve cumprir requisitos
fundamentais quanto ao local a ser par­celado, vedado em
terreno encharcado, sujeito à erosão ou inundação, em áreas
marginais aos cursos d’água ou naqueles locais que impliquem
em risco de vida ou perigo à saúde humana (MACHADO,
2012).
A Lei do Loteamento nº 6.766/79 define requisitos
mínimos de sustentabilidade urbanística, consistentes em
exigências fundamentais referentes aos terrenos e aos equipa­
mentos públicos, constantes em diversos dispositivos, como
no art. 2º, §§ 4º, 5º e 6º, que define lote como terreno servido
de infra­estrutura básica, dotada de vias de circulação e de
equipamentos urbanos mínimos de drenagem, saneamento,
abastecimento e iluminação públicos, além das vias de
circulação.
No art. 3º, parágrafo único, da Lei de Loteamento,
proíbe-se o parcelamento de terrenos em áreas de risco,
legalmente protegidos ou sem condições sanitárias. Da mesma
forma o art. 4º, caput, I, III e § 1º, estabelece os requisitos
urbanísticos de áreas destinadas à circulação, equipamentos
públicos e espaços livres, proporcionais à densidade de
população prevista para a gleba.
No art. 9º, § 1º, I a VI e § 2º, I a IV, a Lei em comento
define os espaços territoriais legalmente protegidos e torna
obrigatória a indicação dos equipamentos públicos e dos

39
espaços livres nos desenhos do projeto, como bens públicos
de valor intrínseco ou de valor de não uso (art. 3º, parágrafo
único) ou de uso uti universi (art. 4º, I), destinados a todos,
indis­tintamente, para servir às funções socioambientais
urbanas de habitar, trabalhar, recrear-se, circular e promover o
desenvolvimento sustentável.
Os equipamentos públicos podem ser urbanos e
comunitários. Os equipa­mentos urbanos (art. 2º, § 5º da
Lei de Loteamento) são aqueles destinados aos serviços
públicos de saneamento ambiental (drenagem, esgotamento e
abastecimento) e de ilumi­nação. Os equipamentos comunitários
(art. 4º, § 2º da mesma Lei) são os destinados aos serviços
públicos de saúde, educação, cultura, lazer e similares.

2.2.3 A função social da propriedade e


da cidade

A função socioambiental da propriedade (art. 5º,


XXIII, da CF), segundo Amado (2012), é um dos princípios do
Direito Ambiental que desempenha função de norma jurídica
fundamental à interpretação, limitação e integração das regras
aplicadas ao caso concreto, constituindo-se em requisito para
a atividade econômica (art. 170, III, da CF), e para o exercício
da propriedade em geral (art. 1.228, do CC), da propriedade
rural (art. 186, II, da CF) e da propriedade urbana (art. 2º, I,
VIII e XII, do Estatuto da Cidade).
O conceito legal de propriedade não está prescrito
no ordenamento pátrio, cabendo à doutrina tal tarefa. A

40
noção inicialmente estabelecida no Código Civil associava a
propriedade apenas ao Direito das Coisas. Nesse sentido, Diniz
(2008) define a propriedade como sendo a relação fundamental
do direito das coisas, abrangendo todas as categorias dos
direitos reais sobre coisas alheias como direitos reais limitados
de gozo ou fruição, de garantia ou de aquisição.
O direito à propriedade com base apenas nas
mencionadas características estabelece um caráter absoluto
de propriedade àquele que, seja pessoa singular ou coletiva,
efetivamente exerce os direitos reais, de modo perpétuo,
absoluto e exclusivo. Embora o direito proprietário seja
oponível erga omnes e de livre uso, gozo e disposição, se
sujeita às limitações impostas pelo interesse público ou pela
coexistência do mesmo direito de outros titulares (MONTEIRO
& MALUF, 2013).
Por sua vez, Rosenvald (2014, 2006) leciona que a
Constituição Federal de 1988 alterou o caráter de direito
absoluto, exclusivo e perpétuo ao estabelecer a diretriz
da propriedade constitucional associada ao princípio da
função social. Trata-se de uma noção relativa e maleável a
ser interpretada de acordo com o caso concreto, em face da
existência de uma pluralidade de propriedades específicas,
pressupondo um núcleo mínimo, imune à ação de terceiros,
dentro do qual poderá preservar o direito de propriedade, a
intimidade e os direitos da personalidade da entidade familiar
consistente na apropriação de bens primários capazes de
efetivar os fundamentos do Estado Democrático de Direito,
em especial, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF).

41
De acordo com o autor citado, a multiplicidade de
propriedades não pode ser encarada apenas pelo ângulo
objetivo, com base em características do bem apropriado
(móvel, imóvel, urbano, produção), mas principalmente pelo
viés subjetivo de quem exerce a titularidade, pois a noção da
propriedade constitucional com função social impôs limitações
ao interesse particular em benefício do interesse comum, que
àquele se sobrepõe.
A noção contemporânea de propriedade tem seus
primórdios na Constituição Federal do Brasil de 1934, que
estabeleceu a prevalência do interesse social e criou uma
Política Urbanística Nacional calcada nos postulados da Carta
de Atenas, segundo os quais o plano urbano não se circunscreve
à etimologia da palavra urbes (do latim urb, urbis, significando
a cidade e seus habitantes), mas relaciona a cidade ao meio em
que se insere e, por isso, o planejamento urbano não se realiza
sem a planificação regional.
A Lei Fundamental de 1946 introduziu a desapropriação
por interesse público e, ainda, a possibilidade de ser
promovida a justa distribuição da propriedade com igualdade
de oportunidade a todos, assim como condicionou o uso da
propriedade ao bem-estar social.
Em corolário, a Carta Política de 1988 consagrou um
conjunto de diretrizes conformador ao exercício do direito
proprietário. No art. 5º, caput, insere o direito à propriedade
como garantia fundamental do cidadão, ao lado do direito à
vida, à igualdade, à liberdade e à segurança, direito este a ser

42
exercido de modo a atender a função social da propriedade,
conforme incisos XXII e XXIII do mesmo dispositivo.
No art. 170, III, a atual Carta Magna determina a função
social da propriedade como um dos princípios da atividade
econômica, tanto no meio urbano (art. 182, § 2º) como na
zona rural, em atenção aos requisitos da racionalidade, da
sustentabilidade, das relações de trabalho e de bem-estar tanto
do proprietário como dos assalariados (art. 186, I a IV, CF).
Os arts. 182 e 183 da CF estabelecem diretrizes,
princípios e objetivos da política de desenvolvimento urbano,
que são os fundamentos do conceito da função socioam­
biental da propriedade urbana, a ser efetivada dentro de um
ordenamento de natureza pública e de interesse social, no
qual o uso da propriedade pública e privada deve ser exercido
em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos
cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.
Submetido às diretrizes constitucionais, o Código Civil
estabelece no art. 1.228, §§ 1º a 3º que a propriedade deve
cumprir sua finalidade econômica, social e ambiental. Trata-
se, portanto, de direito relativo e não absoluto, a ser exercido
pelo uso não nocivo da propriedade e sujeito à desapropriação
por interesse social. O art. 1.231 diz: “a propriedade presume-
se plena e exclusiva, até prova em contrário”. Assim, é relativa
a presunção de propriedade decorrente de registro imobiliário,
relatividade também presente no tratamento favorecido e
simplificado a ser conferido ao pequeno empresário rural,
conforme art. 970 do CC.

43
Dessa maneira, a função social da propriedade é
expressão cumulativa dos atributos estruturais do direito
proprietário. Os atributos exógenos ou extrínsecos estabelecem
uma relação jurídica que confere ao sujeito ativo (titular)
direito sobre todos os bens econômicos em face do sujeito
passivo (com eficácia erga omnes).
Já os atributos endógenos ou intrínsecos descrevem
os poderes do proprietário de usar (jus utendi), de gozar ou
usufruir (jus fruendi), de dispor ou alienar (jus disponendi)
e de reivindicar a coisa de quem injustamente a detenha ou
direito de sequela (jus persequendi).
A Carta Magna de 1988, ao operar a ecologização da
propriedade por meio do princípio da função socioambiental,
instituiu o quinto atributo endógeno do direito proprietário,
consagrado no art. 1.228, § 1º, do CC como direito a ser
exercido para satisfazer a finalidade econômica, social e
ambiental da propriedade, verbis (grifamos):
Art. 1.228, § 1º. O direito de propriedade deve
ser exercido em consonância com as suas
finalidades econômicas e sociais e de modo
que sejam preservados, de conformidade com
o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna,
as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e
o patrimônio histórico e artístico, bem como
evitada a poluição do ar e das águas.

O Estatuto da Terra, instituído pela Lei nº 4.504/64, no


art. 2º, condiciona o acesso à propriedade ao cumprimento da
função social da terra, na medida em que atenda as relações de

44
bem-estar social, do trabalho, da produtividade, da conservação
dos recursos naturais, em obediência aos requisitos do art. 186,
I a IV, da Constituição Federal.
Já o Estatuto da Cidade, instituído pela Lei nº
10.257/2001, regulamentou os arts. 182 e 183 da Carta Mãe e
consagrou o urbanismo como um direito da população brasileira
ao estabelecer o conceito das funções socioambientais da
cidade, dentre os quais se destacam, no art. 2º do estatuto, a
garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como
garantias fundamentais à moradia, ao trabalho, ao lazer, ao
saneamento ambiental, à infraestrutura urbana e aos serviços
públicos, para as atuais e as futuras gerações.
As diretrizes e os objetivos do Estatuto da Cidade serão
alcançados mediante gestão urbana democrática, participativa
e cooperativa entre os governos, a iniciativa privada e todos os
setores da sociedade no processo de urbanização, promovendo-
se o planejamento do desenvolvimento das cidades e da
distribuição espacial e territorial, assim como o ordenamento,
controle do parcelamento, da edificação e do uso adequado do
solo.
Os objetivos estatutários não se limitam ao
ambiente intraurbano, requerendo a necessária integração e
complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, assim
como a adoção de padrões de produção e consumo de bens e
serviços e de expansão urbana sustentável.
Nesse aspecto, os objetivos ganham contornos de
equidade, mediante justa distribuição dos benefícios e ônus

45
decorrentes do processo de urbanização, promovida por meio
de adequados instrumentos de política econômica, tributária e
financeira, privilegiando investimentos geradores de bem-estar
geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais.
Ou seja, dentre os objetivos legais a serem perseguidos
pelas cidades e seus cidadãos, destaca-se a Repartição da Mais-
Valia Fundiária, que é a recuperação dos investimentos do
Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis
urbanos, e sua correspondente distribuição para o alcance das
metas de proteção, preservação e melhoria do meio ambiente
natural e construído, assim como de regularização fundiária e
urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda.
O Estatuto da Cidade instrumentalizou o Poder Público
para o alcance dos objetivos gerais acima citados, conforme
seu art. 4º, quais sejam: o planejamento municipal por meio do
plano diretor, zoneamento e gestão orçamentária participativa;
os instrumentos tributários e financeiros, como a contribuição
de melhoria; os institutos jurídicos e políticos como referendo
popular e plebiscito, desapropriação, demarcação urbanística
para fins de regularização fundiária, limitações administrativas,
tombamento e criação de unidades de conservação.
O diploma da cidade criou instrumentos urbanísticos
específicos como outorga onerosa do direito de construir,
transferência do direito de construir, operação urbana
consorciada; bem como as ferramentas de controle da
qualidade ambiental – Estudo Prévio de Impacto Ambiental e
Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança.

46
Os princípios do desenvolvimento sustentável, da
função social da cidade, da equidade e da gestão democrática
são fundamentais para o alcance dos objetivos estratégicos
da cidade sustentável. O princípio do desenvolvimento
sustentável, instituído nos incisos I, VIII e XII do art. 2º,
normatiza a lógica da justiça inter­geracional, mediante garantia
do direito a cidades sustentáveis.
O princípio da função social da cidade está
associado ao do desenvolvimento sustentável, pois vincula o
desenvolvimento urbano (art. 182, caput), ao direito ambiental
(art. 225, CF) e ao direito à terra urbana, à moradia, ao
saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte
e de serviços públicos, ao trabalho e ao lazer; objetivando
eliminar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais.
Por sua vez, o princípio da equidade, previsto nos
incisos X, XI e XIV do art. 2º do Estatuto da Cidade, orienta
a justa distribuição dos benefícios e ônus consequentes
do processo de urbanização, bem como a necessidade de
regularização fundiária como forma de inclusão social,
instituindo instrumentos que permitem recuperar uma parte da
valorização de imóveis privados ocasionadas por investimentos
públicos (art. 2º, XI).
A efetivação dos instrumentos de política urbana
depende da gestão democrática, da participação dos diversos
segmentos da comunidade (arts. 2º, II e 43 a 45), da gestão
orçamentária participativa (art. 4º, III, f), do referendo popular
e plebiscito (art. 4º, V, s), além de outros voltados à execução
de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.

47
2.2.4 A ecologização da propriedade e
os bens públicos
Conforme se discorreu alhures, a doutrina avalia que
o princípio da função socioambiental, ao se estruturar como
caráter endógeno da propriedade, promoveu a ecologização da
propriedade (AMADO, 2012). Dessa maneira, a propriedade
particular exerce função convergente aos bens públicos
na realização dos objetivos fundamentais da política de
desenvolvimento urbano sustentável no Brasil (MARTINS
JÚNIOR, 2013).
A esse respeito, necessário se faz uma breve
contextualização histórica, para, em seguida, caracterizar os
bens públicos diante do objeto de estudo. De acordo com Alves
(2007) e Machado (2012), remonta às civilizações antigas o
princípio da administração dos bens públicos da coletividade,
contribuindo para a concepção moderna da tutela estatal dos
direitos difusos, coletivos e individuais indisponíveis.
O Imperador do Oriente Justiniano (527 - 565 d.C.), na
Roma Antiga, sistematizou o Direito Romano no Corpus Iuris
Civilis, consignando nas Institutas a existência de bens comuns
a todos por direito natural, ad exemplum o ar, a água corrente,
o mar e seu litoral, bem assim as coisas (res) de uma cidade,
como o teatro, o estádio e quaisquer outros assemelhados e
comuns, que são públicos e pertencem à coletividade, enquanto
outros são particulares e transferíveis. O usus publicus era a
característica da res publicae, e isso se compreendia facilmente,

48
pois ninguém poderia adquirir direitos sobre os loca publica,
que estavam extra commercium, intervindo o pretor para
assegurar a garantia deste Direito Público.
De acordo com a doutrina pesquisada (Gonçalves, 2014;
Antunes, 2012; Di Pietro, 2012; Granziera, 2011; Moreira,
2010; Meirelles, 2003; Rodrigues, 2002; Mello, 1997) há bens
que estão fora do comércio ou res extra commercium e há bens
que estão no comércio ou res in commercium.
Os bens existentes no parcelamento do solo urbano
são:
• Res extra commercium, que não são alcançados
pelas relações jurídicas regidas pelo Direito Privado, pois,
como bens fora do comércio, são inalienáveis, indisponíveis
e inapropriáveis; e,
•Res in commercium, que são objeto das relações
regidas pelo Direito Privado, pois, como bens colocados no
comércio, estão relativamente livres de quaisquer restrições
que impossibilitem sua transferência ou apropriação, gratuita
ou onerosa, de um patrimônio a outro, quer por sua natureza,
quer por sua disposição legal, sendo, portanto, alienáveis,
disponíveis e apropriáveis.
A existência e a natureza de um bem originado do
parcelamento urbano são definidas automaticamente pelo
memorial descritivo e pela planta do loteamento que detém
ordem de comando automático quanto aos direitos e obrigações
decorrentes. Ou se trata de bens públicos ou se trata de bens
particulares, sendo ambos criados pelo ato de aprovação do
loteamento e do seu registro no cartório competente.

49
Os bens públicos res extra commercium, destinados
ao uso coletivo, saem da titularidade do domínio particular do
loteador e se transferem, automaticamente, ao domínio público
de titularidade do Município, são inalienáveis, indisponíveis
e inapropriáveis. Os bens particulares res in commercium, de
domínio do loteador, destinam-se à finalidade individual, são
alienáveis, disponíveis e apropriáveis pelo consumidor final.
Por sua vez, os bens públicos, indiferente ao seu
enquadramento, estão adstritos ao critério fun­damental de sua
finalidade pública, verbis:
Todos os bens públicos, incluídos os
dominicais, devem ser vistos sob o prisma
de que sobre eles não prepondera o domínio
da vontade particular, em si mesmo, devendo
valer o primado finalístico dos princípios
do Direito Administrativo. [...] Da mesma
forma, o domínio público recebe enfoque
notadamente dicotômico classificando-se os
bens públicos propriamente ditos (os de uso
comum e os de uso especial) e em domínio
privado do Estado ou patrimônio fiscal (bens
dominicais). [...] O Direito Administrativo
vem superando tais dicotomias na medida em
que se afirma como seu critério fundamental
a finalidade pública, independentemente da
classificação público e privado (MOREIRA,
2010, p. 214-215).

Os bens originados do parce­lamento urbano prestam


serviços públicos assim classificados:
• Serviços uti universi – são aqueles prestados a todos,
indistintamente, de forma direta ou indireta, ad exemplum,
a defesa do território nacional, os serviços diplomáti­cos, as

50
pesquisas científicas, a iluminação pública, o saneamento
básico etc., além dos serviços de regulação, provisão, suporte
e culturais prestados pelos bens ambientais;
• Serviços uti singuli – são aqueles cuja finalidade é a
satisfação individual dos cidadãos, como serviços de energia
elétrica, gás, transporte, telefonia, ensino, saúde, assistência
e previdência social, que são remunerados por taxas, pois a
taxação é uma forma de tributação que decorre de lei e de uma
atividade estatal específica em relação ao usuário-contribuinte.
Os serviços universais estão relacionados à natureza
do bem, e não à titulari­dade dominial. Um bem de domínio
particular pode prestar serviços uti universi. A finalidade do
bem pode advir, assim, da própria destinação natural do bem,
como o ar, os oceanos, os rios; ou pode advir da lei ou do ato
administrativo, como a Lei Florestal nº 12.651/12 que afeta as
áreas de preservação permanente e reservas legais, inclusive
em áreas privadas, ou a Lei do Loteamento que afeta os bens
públicos de acordo com sua destinação de vias de circulação e
de espaços livres.
De acordo com Difine (2008), os serviços universais,
regulados por lei ou ato administrativo, podem ser remunerados,
na forma de tributação imposta a todos os cidadãos, indis­
tintamente, independente de qualquer atividade estatal
específica relativa ao contribuinte. Já os serviços universais,
advindos da destinação natural do bem, como os mares, os
rios, os lagos, as praias, os parques, as florestas etc., prestam
serviços de livre apropriação, sem gerar uma contraprestação
específica dos cidadãos.

51
O regime jurídico dos bens públicos é definido de
acordo com suas características quanto à Disponibilidade,
Alienabilidade, Penhorabilidade, Prescritibilidade e
Onerabilidade:
• Quanto à Disponibilidade, temos os bens Indisponíveis
por Natureza Não Patrimonial, que não são disponíveis e,
geralmente, são de uso exaurível, como o ar, a água, a biota, as
matas, as praças, os parques; os bens Indisponíveis de Natureza
Patrimonial, que também não são disponíveis porquanto neles
se prestam serviços públicos, a exemplo dos hospitais, das
escolas, dos teatros, dos ginásios e das delegacias de polícia; e
os bens patrimoniais Disponíveis, que são de disponibilidade
permitida, desde que sejam obedecidas as normas pertinentes
ao setor público;
• Quanto à Alienabilidade, os bens podem ser
inalienáveis ou intransferíveis do acervo patrimonial a que
pertencem, sob qualquer forma – transação, alienação, troca,
doação, cessão, empréstimo, permuta, venda. São exemplos,
a praça, o parque, o hospital, a escola; e os alienáveis, que
podem ser alienados ou transferidos, tal como o prédio da
Administração, que pode ser negociado sob qualquer uma das
formas citadas, desde que obedecida a legislação própria;
• Quanto à Penhorabilidade, há os bens Impenhoráveis,
que não se sujeitam à penhora; e os Penhoráveis, que a ela se
sujeitam;
• Quanto à Prescritibilidade, os bens são
Imprescritíveis, quando não podem ser usucapidos; e

52
Prescritíveis, quando podem ser usucapidos, isto é, se sujeitam
ao instituto da usucapião, que permite aquisição mediante posse
mansa e pacífica após certo lapso de tempo; e, finalmente,
• Quanto à Onerabilidade dos bens públicos, têm-se
os Não oneráveis que são insuscetíveis de servir de garantia de
crédito, como nos casos de hipoteca, penhor e anticrese; e os
Oneráveis, que podem servir à essa garantia.
Os bens públicos expressam, enquanto objetos
imateriais, um idealismo sem caráter econômico, a exemplo
da liberdade, da honra, da integridade moral, do meio am­
biente ou da vida, que são bens juridicamente protegidos. Já os
objetos materiais significam coisas que integram o patrimônio
particular ou público.
Nesse sentido, a Constituição Federal conceitua os
bens públicos como um conjunto de bens móveis e imóveis
pertencentes às pessoas jurídicas de direito público, inclusive
os de domí­nio privado, quando destinados à prestação de um
determinado serviço público.
O rol cons­titucional não é taxativo ao definir os bens
pertencentes à União (art. 20) ou aos Estados (art. 26) e, de
forma indireta, não os relaciona aos Municípios embora, de
maneira emblemática, somente o Poder Local possui espaço
geográfico próprio, ao passo que os demais entes federativos
não os detêm.
Os Municípios possuem competência para legislar
sobre o parcelamento, uso e controle do solo urbano. À União
cabe instituir normas gerais, como o fez no Estatuto da Cidade

53
e na Lei de Loteamento. O parcelamento rural, por sua vez,
está sujeito à aprovação do INCRA, pelo órgão metropolitano
e pela Prefeitura Municipal, conforme Lei nº 4.504/1964, DL
nº 57/1966 e Lei nº 5.172/1966.
O Código Civil brasileiro – CC operou a ecologização
da cidade ao inserir a função socioambiental da propriedade
como um dos requisitos para o exercício do direito proprie­
tário (art. 1.228); ao estabelecer restrições ao direito de
construir, mediante regulamentos administrativos (art. 1.299);
ao diferenciar os bens públicos dos particulares e enquadrá-los
em três categorias, cada qual dotada de características próprias
(arts. 98 e 99).
O Código Civil classifica e ordena os bens públicos de
acordo com as suas destinações ou afetações em:
• Bens de uso comum do povo (art. 99, I, do CC) são
aqueles de uso uni­versal ou uti universi, tais como as vias de
comunicação, os rios e os mares, as praças e os parques, enfim,
o meio ambiente (art. 225, caput, da CF); são inalienáveis,
indisponíveis, inapropriáveis e imprescritíveis.
• Bens de uso especial (art. 99, II, do CC) são aqueles
afetados ou destinados a uma função específica, como os
edifícios e terrenos destinados aos serviços da Administração
Pública e aos equipamentos públicos, sejam eles comunitários
(escola, hospital, posto policial, estádio, ginásio e quadra de
esportes, mercado, playgrounds) ou urbanos (saneamento,
drenagem, telefonia, iluminação); não podem ser alienados
enquanto mantiverem a condição de bens especiais.

54
• Bens dominicais (art. 99, III, do CC) são aqueles
que não têm uma desti­nação específica, a exemplo das terras
devolutas, jazidas minerais e terrenos baldios, sobre os quais
a Administração exerce os direitos proprietários, podendo
usufruir e dispor da coisa, obedecidas as normas legais
pertinentes.
O digesto civil institui regime jurídico especial aos
bens públicos, quais sejam: “[...] Art. 100. Os bens públicos
de uso comum do povo e os de uso especial são inaliená­veis,
enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei
determinar [...]” e, ainda: “[...] Art. 102. Os bens públicos não
estão sujeitos a usucapião. [...]”. Estabelece, ainda, no art. 103,
que o uso dos bens públicos deve ser em regra gratuito, ou
retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade
responsável pela sua administração.

3. A ALIENAÇÃO DOS BENS


PÚBLICOS, A EVICÇÃO E A
TEORIA DA PROPRIEDADE
APARENTE

O Código Civil dividiu os bens em privados e


públicos, mas a CF/88 inseriu no ordenamento jurídico pátrio
uma nova categoria, o bem difuso, também de uso comum

55
do povo, de natureza social, de titularidade indeterminada,
de domínio verdadei­ramente público, pertencente a toda a
população, e não simplesmente estatal, seja da União, do
Estado, do DF ou do Município.
A Carta Magna, no art. 225, definiu o meio ambiente
como bem de uso comum do povo, atribuindo ao Estado, à
sociedade e aos cidadãos a sua defesa e preservação prioritárias,
em atendimento aos direitos das atuais e futuras gerações. No
mesmo diapasão da Lei Maior, a Lei nº 6.938/81, que instituiu
a Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA, declarou o
meio ambiente como patrimônio público (grifos do autor):
Art. 2º. A Política Nacional do Meio Ambiente
tem por objetivo a preservação, melhoria e
recuperação da qualidade ambiental propícia
à vida, visando assegurar, no País, condições
ao desenvolvimento socioeconômico, aos
interesses da segurança nacional e à proteção
da dignidade da vida humana, atendidos os
seguintes princípios:
I - ação governamental na manutenção do
equilíbrio ecológico, considerando o meio
am­biente como um patrimônio público a ser
necessariamente assegurado e protegido,
tendo em vista o uso coletivo.

De acordo com a Lei Florestal nº 12.651/12, as áreas


de preservação permanente e de reserva legal são exemplos
de bens de interesse difuso, vedados ao manejo direto do seu
uso, indiferente do domínio, se público ou privado, pois são
bens legalmente protegidos no interesse maior da coletividade.
Ao se converter o solo rural em urbano, tais áreas legalmente
protegidas se tornam unidades de conservação municipal,

56
em geral de domínio público, de titularidade indefinida,
pertencente ao povo.
Pelo visto, as normas constitucional e infraconstitucional
conferem ao meio ambiente importância e prioridade de
natureza pública e intergeracional, como bem de uso comum,
a ser protegido e defendido pelo Poder Público e pela
coletividade.
Portanto, em matéria ambiental, a União, o Estado e
o Município não têm a discricionariedade para autorizar o
parcelamento, a alienação ou construção em áreas legalmente
protegidas. A legislação é imperativa ao dizer que essas áreas
afetadas à finalidade pública por natureza ou por ato legal,
são bens públicos inalienáveis, inapropriáveis e indisponíveis,
já que não pertencem ao proprietário do imóvel, ao loteador
ou ao dirigente do ente estatal e sim, como bens de interesse
difuso, pertencem a toda a sociedade. Havendo dúvida sobre
a avaliação do impacto ambiental causado por determinado
empreendimento, deve-se aplicar o princípio in dubio pro
natura e decidir em favor da natureza, abstendo-se de executá-
lo.
Nesse sentido, a decisão do TRF – 1ª Região que
anulou ato de autorização construtiva de impactante sede do
Ministério Público Federal em Goiás, com 6 mil toneladas de
concreto, em área legalmente protegida, com restrição de uso,
dentro do raio de 200m de nascente do córrego dos Buritis, no
Setor Marista, em Goiânia, verbis:
Ementa. Direito Ambiental. Terreno da União.
Proximidade de nascente. Classificação da
área, pelo Município de Goiânia, como ZPA.

57
Desclassificação, a pedido, para atender ao
interesse de construção da sede da Procuradoria
da República em Goiás. Redução ao raio mínimo
previsto na lei e, além disso, considerando como
nascente o ponto onde a água aflora da tubulação.
Lençol freático a 2m de profundidade. Aplicação
do princípio in dubio pro natura. Nulidade do ato
(BRASIL, 2002)8.

3.1 A Norma, a jurisprudência e a


doutrina sobre os bens públicos
A legislação de parcelamento, uso e controle do
solo urbano, desde o Decreto-Lei (DL) nº 58, de 10.12.1937,
passando pelo DL nº 271, de 28.02.1967, até a atual Lei nº
6.766, de 19.12.1979, estabelecem a clara distinção entre bens
públicos e privados, enquadrando aqueles nas categorias de
espaços livres e vias de comunicação, cujo domínio se transfere
ao poder público municipal como efeito jurídico imediato da
inscrição do loteamento no Cartório de Registro de Imóveis -
CRI.
A atual Lei do Loteamento, no art. 4º, caput, determina:
“[...] o sistema de circulação, os equipamentos públicos e
os espaços livres de uso comum devem ser proporcionais à
densidade projetada [...]” pelo plano de loteamento aprovado
por decreto do Prefeito Municipal. Em decorrência, repetindo
o art. 4º do DL nº 58/1937 e o art. 4º do DL nº 271/1967,

8 BRASIL. TRF 1ª Região. 3ª Seção. EAC 2000.01.00.064.228-4/GO.


Relator: Des. Fed. Daniel Paes Ribeiro. Rel. p/ acórdão: Des. Fed. João Batista
Gomes Moreira. Data julgamento: 29/05/2002. DJ de 18/11/2002.

58
ordena a atual Lei do Loteamento, no art. 22, que “[...] os bens
públi­cos integrantes dos planos de loteamento, desde a data
do registro no Cartório de Registro de Imóveis, integram o
domínio do Município [...]”.
Portanto, o ordenamento urbanístico brasileiro não
admite qualquer dúvida sobre o assunto. De acordo com o art.
3º do DL nº 58/1937: “[...] a inscrição torna inalienáveis, por
qualquer título, as vias de comunicação e os espaços livres
constantes do memorial e da planta [...]”. Tornam-se bens
públicos nos termos do art. 99, I e II e art. 100 do Código
Civil Brasileiro. Na mesma linha, o art. 17 da atual Lei do
Loteamento diz: “[...] os espaços livres de uso comum, as vias
públicas e praças, as áreas destinadas a equipamentos urbanos,
constantes do projeto e do memorial descritivo, não poderão
ter sua destinação alterada pelo loteador, desde a aprovação do
loteamento [...]”.
Os dispositivos da norma são reafirmados pela
jurisprudência e pela doutrina, que não deixam dúvidas sobre
a afetação, destinação, função e domínio dos espaços livres
urbanos, tendo em vista os postulados, princípios e diretrizes
voltados à sustentabilidade das ações humanas. Os bens
públicos constantes dos planos de loteamento, regularmente
aprovados, decorrentes de suas características especiais, são
inalie­náveis, inapropriáveis, indisponíveis e imprescritíveis.
Os Tribunais de Justiça firmaram uma inequívoca
jurisprudência a respeito dos bens públicos urbanos,
destacadamente os Espaços Livres enquanto bens de domínio

59
municipal, que são dotados das características especiais de
inapropriabilidade, inalienabili­
dade e imprescritibilidade,
visando a preservá-los. Nesse diapasão, merece ser lançado à
colação o Acórdão do TRF 4ª Região, verbis (grifos do autor):
Ementa. Direito. Bens públicos municipais,
civil e administrativo. Loteamento aprovado
pelo Município. Regularização fundiária. [...]
Denunciação da lide ao Município. 1. Sem
embargo da referida e aparente complexidade
da causa, verificada, in fine, de singela solução,
a procedência da demanda estaria a violar,
entre outras normas legais, os Decretos-Leis nº
58, de 10.12.1937 e nº 271, de 28.02.1967, que
dispunham sobre os loteamentos e venda de
terrenos. [...] 11. De acordo com o Decreto-Lei
nº 58, de 10.12.1937, [...] uma vez aprovado
o loteamento, considerando os termos do
art. 3º, a inscrição torna inalienáveis, por
qualquer título, as vias de comunicação e os
espaços livres constantes do memorial e da
planta. 12. Sobreveio o Decreto-Lei nº 271, de
28.02.1967, [...] vigente até 20.12.1979, com
a entrada em vigor da Lei nº 6.766/79, que em
seu art. 4º prevê que “desde a data da inscrição
do loteamento passam a integrar o domínio
público do Município as vias e praças e as
áreas destinadas a edifícios públicos e outros
equipamentos urbanos, constantes do projeto
e do memorial descritivo” [...].
Acórdão. Vistos e relatados estes autos
[...], decide a Egré­gia 4ª Turma do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região, por
unanimidade, dar provimento aos recursos e à
remessa oficial, nos termos do relatório, votos
e notas taquigráficas que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado [...]. (BRASIL,
2011)9
9 BRASIL. TRF 4ª Região. Apelação/Reexame Necessário nº
1999.70.08.012436-5/PR. Apelante: Município de Guaratu­ba/PR, Irineo Pedro
da Cunha e outros. Apelado: União Federal. Ementa/Acórdão. 4ª T. Juiz Relator
Sérgio Renato Tejada Garcia. Porto Alegre, 26/01/2011. DJe 17/02/2011.

60
A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de
Goiás – TJ-GO está em harmonia com o exposto, destacando-
se o acórdão abaixo (grifos nossos):
Ementa: Usucapião extraordinária. Área livre
destinada a templo religioso pelo loteador.
Inalienabilidade e imprescritibilidade.
Inteligência do artigo 3º, do Decreto-lei 58/37,
o registro do loteamento torna inalienável
todo e qualquer espaço vazio, constante da
planta e do memorial, ainda que destinado
a equipamentos comunitários, razão pela
qual não pode ser objeto de usucapião,
porque a prescrição aquisitiva pressupõe a
alienabilidade alienabile ergo preascriptibile.
(TJ-GO. 3ª Câmara Cível, DJ nº 11.592 de
15.06.1993, p. 7)
No mesmo sentido, outro julgado do Pretório Goiano,
verbis (grifamos):
Loteamento. Área reservada. Domínio do
município. Desnecessidade de registro acerca
de inalienabilidade. Inscrito o loteamento sob
a vigência do Decreto-lei 58/37, tornaram-
se inalienáveis, a qualquer título, as vias de
comunicação e os espaços livres, constantes
do memorial e da planta, dentre estes os
espaços sem numeração. Remessa e apelo
conhecidos e improvidos. Decisão unânime.
(TJ-GO. 2ª Câmara Cível, DJ nº 12.579 de
19.06.1997, p. 4)

Merece registro a recuperação do Parque dos Beija-


Flores, no Setor Jaó, em Goiânia, que se deu no bojo de
uma disputa da comunidade, tendo como aliada a Prefeitura
Municipal, contra um empresário privado sobre a dominialidade
e a destinação de um espaço livre de afetação natural e legal,
que presta serviço uti universi (GOIÂNIA, 2007).
Após seis décadas da criação da capital, o caso
do Parque dos Beija-Flores representou o primeiro que o

61
Município de Goiânia, ao lado da Comunidade, levou ao Poder
Judiciário para a devida manifestação sobre o domínio e a
posse de um bem público de uso comum do povo, com decisão
transitada em julgado, de anulação de ato lesivo ao Patrimônio
Ambiental, verbis (grifos não no original):
Ementa. Loteamento. Bens de domínio
público. O efeito que torna as áreas reservadas
ao bem comum em domínio público opera-
se de imediato ao se registrarem o memorial
e a planta do loteamento, tornando as vias de
comunicação e os espaços livres destinados
ao uso da comunidade, imediatamente
inalienáveis a qualquer título e, a fortiori,
fora do comércio, sendo vedado dar sê-lhes
qualquer outra destinação, ad exemplum, da
doação.
Acórdão. Vistos, relatados e discutidos [...],
acordam os componentes das Câmaras Cíveis
Reunidas do Egrégio TJ-GO, por maioria dos
votos, em conhecer dos embargos infringentes
e os rejeitar, nos termos do voto do Relator.
(GOIÁS, 1997, fls. 828-29)10.

O TJ-GO, em Duplo Grau de Jurisdição nº 3851-4/195,


manteve a decisão monocrática que declarou nula a escritura
e o registro de alienação da mencionada área pública. O voto
do Des. Antônio Nery da Silva possui manifestação conclusiva
e elucidativa sobre a demanda, assim exposta: “[...] que o
parque volte a ser parque, para que os homens deixem de vez o
primitivismo que habita as cavernas do desrespeito à natureza
e a sociedade [...]” (grifamos) (GOIÁS, 1997, fls. 716-30).

10 GOIÁS. Tribunal de Justiça. Acórdão. Embargos Infringentes nº 697-


8/196 (9700149269/196). Embargante: Malkon Merzian. 1º Embargado: MP. 2º
Embargado: Município de Goiânia. Câmaras Cíveis Reunidas. Rel.: Des. Fenelon
Teodoro Reis. Julg. 20/08/1997. (mimeo.)

62
O Pretório Goiano voltou a se manifestar sobre a
dilapidação do patrimônio público no Setor Jaó, ao determinar,
em 2015, que o Clube Jaó desocupe imediatamente uma área
de 255 mil m², sendo 137 mil m² cedidas em comodato pelas
Leis Estaduais nº 8.875/1980 e nº 12.316/1994, e o restante da
área simplesmente invadida.
A 6ª Câmara Cível do TJ-GO, por unanimidade,
aprovou o voto do Relator, Desembargador Jeová Sardinha de
Moraes, assim ementado, verbis:
Ementa. Agravo de instrumento. Ação de
reintegração de posse de área pública com
pedido liminar. Requisitos legais preenchidos.
Livre convencimento motivado do magistrado.
Ausência de ilegalidade ou abusividade.
Decisão mantida. I – O agravo de instrumento
é um recurso secundum eventum litis, e deve
limitar-se ao exame do acerto ou desacerto
do que restou decidido pelo juiz monocrático,
sendo vedado ao órgão “ad quem” antecipar-
se incontinenti ao julgamento do mérito
da demanda, sob pena de supressão de um
grau de jurisdição. 2 – O deferimento ou
indeferimento de liminar se submete ao poder
geral de cautela do juiz, segundo o princípio
do livre convencimento motivado, de acordo
com adequada avaliação do conjunto factual/
probatório carreado para os autos, com destaque
para a presença dos pressupostos autorizadores
da medida previstos no art. 927, do CPC.
3 – Não demonstrada a incomportabilidade
ou ilegalidade da decisão que defere a
liminar, a mantença do ato decisório é
medida que se impõe. Agravo de instrumento
conhecido e desprovido. (GOIÁS, 2015)11.
11 GOIÂNIA. Convênio Parque Aquático Jaó. Processo SEMMA/

63
A área objeto do acórdão acima colacionado pertence
ao Parque Aquático Jaó, às margens do Rio Meia Ponte, criado
pelo Decreto nº 90-A, de 30/07/1938, que aprovou o Plano
Original da Cidade; e ao Parque Jaó, às margens e nascente
do córrego Jaó, criado no plano de loteamento do Setor Jaó,
aprovado pelo Decrete nº 97, de 09/03/1952.
Tal área consta das diretrizes urbanísticas do Órgão
de Planejamento do Município de Goiânia, estabelecidas no
Parecer I-CGPS/NLM/NSR nº 0851/94, constante do proc.
n.º 795.752-1/94, como destinada à implantação do Parque
Aquático Jaó às margens do rio Meia Ponte, entre a Av. Santos
Dumont (que dá acesso ao Aeroporto de Goiânia) e a BR-
153, com uma área de 95 hectares ou 950.000 m² na faixa de
inundação da antiga represa Jaó, limitada pela cota 692 (nível
máximo de inundação do rio Meia Ponte).
Em 1995, o Órgão Municipal do Meio Ambiente de
Goiânia e a Secretaria Estadual do Meio Ambiente de Goiás,
desenvolveram um programa de parceria para viabilizar a
implantação do Parque Aquático Jaó, através do Processo
SEMMA/SEMARH-GO n.º 1.185.996-2/95. De acordo com
este processo, foram destinados recursos orçamentários para o
exercício de 1995, tanto do Estado, por meio da emenda 1.045,
como do Município, por meio da Lei Orçamentária publicada
no Diário Oficial do Município nº 1.321, de 30/12/94, p. 27,
para execução do projeto de implantação do Parque Aquático

SEMARH nº 1.185.996-2/95. Goiânia: SEMMA; SEMARH, 1995a. 52 p.

64
Jaó (GOIÂNIA, 1995a)12.
Do exposto, conclui-se que há entendimento
jurisprudencial, doutrinário e normativo convergentes sobre as
áreas legalmente protegidas, como patrimônio socioambiental
da comunidade. Nesse sentido, a decisão do Superior Tribunal
de Justiça – STJ, in litteris (grifos do autor):
Não me parece razoável que a própria
Administração diminua sensivelmente o
patrimô­nio social da comunidade. Incorre
em falácia pensar que a Administração
onipotentemente possa fazer, sob a capa da
discricionariedade, atos vedados ao particular,
se a própria lei impõe a tutela desses interesses.
(BRASIL, 1998)13

O direito municipal brasileiro é dotado de tradicional


incumbência, insculpida nas Leis de Parcelamento do Solo
Urbano, desde o Decreto-Lei – DL nº 58/1937, de ultima ratio
regum sobre ocupação e controle do uso do solo, decorrendo a
aprovação do loteamento, sendo obrigatória a sua inscrição no
CRI, que produz, de imediato, três efeitos jurídicos (grifamos):
A subdivisão da área para efeito de alienação
individual dos lotes; a imutabilidade da
situação urbanística traçada na planta e descrita
no memorial descritivo; a transferência das
vias de comunicação e dos espaços livres
para o domínio público do Município, do
que decorre a inalienabilidade dessas áreas

12 GOIÂNIA. Convênio Parque Aquático Jaó. Processo SEMMA/


SEMARH nº 1.185.996-2/95. Goiânia: SEMMA; SEMARH, 1995a. 52 p.
13 BRASIL. STJ. Recurso Especial – REsp 28.058-SP. Reclamante:
Prefeitura Rio Claro. Reclamados: Sociedade Rioclarense de Defesa do Meio
Ambiente e MP-SP. Voto do Min. Adhemar Maciel, em 13/10/1998.

65
[concluindo que] não há necessidade de
invocação da teoria francesa do concurso
voluntário para justificar uma transferência de
domínio prevista em lei e tradicional em nosso
direito, frequentemente aplicado pelos nossos
tribunais (MEIRELLES, 1971, p. 277-278).

O loteador, seja ele público ou particular, submete-se


ao mesmo ordenamento urbanístico. O loteador não é “dono”
dos espaços livres públicos de uma cidade. No caso, o titular
dos espaços livres urbanos é o povo da cidade que a habita.
Além da norma do Código Civil e da Lei de Loteamento, o
entendimento doutrinário é convergente sobre o assunto em
pauta.
A doutrina está em sintonia com a norma e com a
jurisprudência no entendimento que o poder de disposição
sobre os bens públicos foi vedado de forma explícita ao
loteador (art. 17, da Lei do Loteamento) e de forma implícita ao
Município (art. 100 do CC) (AMADO, 2012; GRANZIERA,
2011; MACHADO, 2012).
No mesmo sentido, a doutrina internacional converge
sobre o papel do Estado Moderno na regulação do direito
de propriedade, que se transforma da propriedade-direito
em propriedade-função, com destinação social e imposições
urbanísticas, sanitárias, ambientais, segurança etc. (MORANT,
1971).
Decorre do exposto que é absurdamente ilógico à
ordem legal supor que a Administração Pública seja ente
subversivamente legitimado para promover a dilapidação do
patrimônio social do povo: “[...] não se admite a figura do

66
Município-loteador [ou, ainda, do Estado-loteador], verdadeiro
confiscador de áreas, recebendo-as para uma finalidade e, a seu
talante, destiná-las para outros fins [...]”. (MACHADO, 2012,
p. 433)

3.1.1 Afetação e desafetação dos bens


públicos
Afetação é o instituto pelo qual se torna um bem
vinculado à finalidade pública; significa atribuir ao bem uma
destinação, consagrando-o ao uso comum do povo ou ao uso
especial. Como já dito, a afetação pode advir da própria destinação
natural do bem; ou pode advir da lei ou ato administrativo, a
exemplo dos bens constantes dos planos de loteamento afetados
a vias de circulação e Espaços Livres.
Por sua vez, a desafetação é o procedimento jurídico de
desvinculação do bem à sua finalidade pública, transformando-o
da categoria de uso comum do povo ou de uso especial para a
categoria dominial ou dominial e, em última instância, para o
domínio privado.
Toda propriedade rural que se submete ao processo de
parcelamento do solo, ao se converter em área loteada, altera
a natureza da propriedade de rural para urbana. O loteador não
pode, por meio de escrituras públicas ou qualquer outro meio de
alienação, transferir a terceiros particulares bens de uso comum
do povo, de uso especial ou dominicais, de cuja titularidade
é o Município, conforme mandamento constitucional e
infraconstitucional. Eis o ditado do art. 22 da Lei do Loteamento

67
nº 6.766/79, verbis:
Art. 22. Desde a data de registro do loteamento,
passam a integrar o domínio do Município
as vias e praças, os espaços livres e as áreas
destinadas a edifícios públicos e outros equipa­
mentos urbanos, constante do projeto e do
memorial descritivo.
A violação ao preceito legal sujeita o infrator à
responsabilização civil prevista no art. 159 do CC “[...] aquele
que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a
reparar o dano [...]”.
Sujeita o infrator, também, à responsabilização penal,
estabelecida no art. 50 da Lei do Loteamento, in litteris:
Art. 50. Constitui crime contra a Administração
Pública:
I - dar início, de qualquer modo, ou efetuar
loteamento ou desmembramento do solo
para fins urbanos, sem autorização do órgão
público competente, ou em desacordo com as
disposições dessa Lei ou das normas pertinentes
do Distrito Federal, Estados e Municípios.
As propriedades rurais localizadas em áreas de expansão
urbana, quando submetidas ao processo de parcelamento
do solo, convertem seus espaços legalmente protegidos –
áreas de preservação permanente, de reserva legal, unidades
de conservação e áreas com restrição de uso, em zonas de
proteção ambiental – Parques Naturais Municipais e outros
Espaços Livres, por determinação do art. 11, § 4º, da Lei do
Sistema Nacional de Unidades de Conservação nº 9.985/2000 –
LSNUC. Esse processo de conversão permite constituir, assim,
um patrimônio juridicamente protegido, com destinação uti
universi.
De acordo com os arts. 98, 99 e 100 do CC, os bens
públicos servem ao povo e a ele pertence, por isso são

68
inalienáveis, indisponíveis, inapropriáveis, imprescritíveis e não
usucapíveis. Os bens públicos são afetados ao uso universal que,
enquanto se mantiver, não pode a lei operar a desafetação dos
mesmos, sob pena de se cometer lesão ao patrimônio público.
Esse é o entendimento esposado pela melhor doutrina, verbis
(grifos não no original):
A classificação dos bens públicos não é
arbitrária ou discricionária, [pois] a finalidade
do bem público é que a faz e não a vontade do
legislador [e, portanto], a simples desafetação
legal na ausência da desafetação de fato, não
é suficiente para a alienação dos bens de uso
comum do povo (MACHADO, 2012, p. 415).
Segundo Di Pietro (2012), a inalienabilidade não é
absoluta, a não ser com relação àqueles bens que, por sua
própria natureza, são insuscetíveis de valoração patrimonial,
como os mares, praias e rios. Esclarece que os bens tornados
inalienáveis em decorrência de destinação legal e que sejam
suscetíveis de valoração patrimonial, poderiam perder o caráter
de inalienabilidade, desde que percam a destinação pública.
Inobstante os bens de uso comum do povo e os de uso
especial serem insuscetíveis de apropriação econômica, a autora
defende que tais bens poderiam ser desafetados com escopo no
art. 100 do digesto civil brasileiro, que diz: “[...] os bens públicos
de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis,
enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei
determinar [...]” e reenquadrados como bens dominicais,
conforme seu art. 101, que diz: “[...] os bens públicos dominicais
podem ser alienados, observadas as exigências da lei. [...]”.
Infelizmente, os agentes públicos aplicam os dispositivos
mencionados para afastar os óbices jurídicos de res extra
commercium, que vinculam o patrimônio social às finalidades
inter e transgeracionais da sociedade, e, em decorrência, torná-
los res in commercium.
Essa atividade parlamentar dilapidadora do patrimônio

69
público se desenvolve nos Poderes Municipais e, particularmente
em Goiânia. A desafetação de bens públicos é tão preocupante
que foi registrada no próprio Plano Diretor da Cidade como
fator de dilapidação do patrimônio social, ipsis litteris:
Não há uma estrutura normativa própria, os
instrumentos são frágeis e desarticulados.
Prova disso é a perda frequente de áreas, seja
sob a forma de doação, venda ou permissão.
De acordo com dados fornecidos pela CTAP,
no período de 2003 a 2005 foram emitidos 582
pareceres favoráveis à venda de áreas públicas
e 76 à permissão de áreas públicas. Ressalte-se
que as permissões de uso com áreas de até 2 mil
m², de caráter precário e provisório, na prática
tornam-se permanentes, uma vez que não há
ação do poder público no sentido de reavê-las.
Em outras palavras, legalmente são de domínio
público, mas particulares de fato. (SEPLAM,
2007, p.130-131) (grifamos).

O uso e o abuso do instituto da desafetação de bens


públicos uti universi, de uso comum e de uso especial representa
alienação do patrimônio social no interesse menor de alguns
grupos, em detrimento do interesse coletivo, do erário e do meio
ambiente, perfazendo crimes contra o ordenamento urbano e o
patrimônio cultural (MARTINS JUNIOR, 2014).

3.2 O Patrimônio Ambiental de


Goiânia
O Plano Diretor de Goiânia – PDG, atualizado pela
Lei Complementar n° 349/2022, no art. 11, estabelece triplo
componente do Patrimônio Ambiental da cidade, o construído,

70
o cultural e o natural. O Patrimônio Construído é o conjunto de
edificações, espaços cultivados, infraestruturas e equipamentos
públicos e privados. O Patrimônio Cultural é o conjunto de bens
imóveis de valor significativo, edificações enquadradas como
art déco, par­ques naturais municipais, praças, sítios e paisagens,
assim como as manifestações, tradições e práticas culturais que
conferem identidade aos espaços urbanos, constituído pelo
acervo arquitetônico do centro histórico e pelo primeiro plano
urbanístico ou Plano Original da cidade, aprovado pelo DL nº
90-A, de 30.07.1938, elaborado pelo arquiteto-urbanista Attílio
Corrêa Lima, com base nas diretrizes do engenheiro-urbanista
Armando Augusto de Godoy.
O Plano Original e o acervo art déco foram tombados
pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional –
IPHAN e se localizam no centro histórico, do qual também faz
parte o Patrimônio Cultural, os Parques Naturais legalmente
instituídos como unidades de conservação de proteção integral,
localizados no Centro Expandido de Goiânia, que inclui os
setores Sul, Oeste, Marista, Bueno, Bairro Popular e Jardim
Goiás.
O Patrimônio Natural, por sua vez, é o conjunto dos
elementos ar, água, solo, subsolo, fauna e flora, assim como
os fragmentos das fitofisionomias e de ecossistemas do bioma
Cerrado, que são indispensáveis à recuperação e manutenção
da biodiversidade, às condições de equilíbrio ambiental e à
qualidade de vida.
De acordo com Martins Júnior (2007), o Patrimônio

71
Ambiental de Goiânia constitui um ativo de grande potencial, rico
e diversificado, com 115,337 milhões de metros quadrados (m²)
de espaços livres, representando um índice de área verde – IAV
de 94,51m² de áreas verdes por habitante. O IAV é um indicador
do uso do solo e do desenvolvimento urbano sustentável, dado
pelo coeficiente entre o somatório da metragem quadrada de
espaços livres com função socioam­biental e o número total de
habitantes da cidade.
No entanto, o Patrimônio Ambiental goianiense
está submetido a dois grandes desafios, o da carência de
investimentos em infraestrutura, equipamentos, obras e serviços
de consolidação, e o da dilapidação e apropriação privatista, que
se realizam numa velocidade e intensidade de desvirtuamento à
razão de 3,65% por ano per capita.
O autor citado calculou que, desde o ato de criação da
cidade, em 30 de julho de 1938, pelo Decreto-Lei nº 90-A, até
o final da última década, Goiânia reduziu 17,68% da sua área
verde por habitante, representando em números absolutos, 8,4
milhões de m2, por meio de mecanismos apropriatórios os mais
diversos, como o discutido neste trabalho.

72
3.2.1 As funções e os serviços uti
universi prestados pelos bens
ambientais

Os bens ambientais são bens públicos que integram


o Patrimônio Ambiental de Goiânia. De acordo com Martins
Júnior (2013), eles mantêm interface com o conceito de Bem-
Estar Social – BES, que encerra a satisfação das necessidades
econômicas, liberdades civis, direitos humanos e justiça, mas
também de ar puro, água limpa, saúde e lazer, todos dependentes
dos serviços uti universi.
Tais serviços decorrem de funções socioambientais, aqui
definidas como interações constantes, complexas e múltiplas
entre os elementos estruturais dos ecossistemas, tanto nas suas
dimensões espaciais como temporais, naturais ou culturais.
Os bens e serviços são os benefícios prestados às
pessoas, que derivam do meio ambiente, gerados gratuitamente
nos processos dos ambientes naturais ou culturais e apropriados
livremente de forma direta ou indireta pelas atividades humanas
(PNUMA, 2010).
Com base na tipologia De Groot et al. (2002)
e na classificação de Andrade & Romeiro (2009),
podemos estabelecer 4 categorias de serviços uti universi:
• Serviços de Regulação – são aqueles relacionados
às características de regulação dos processos ecológicos
essenciais à manutenção e equilíbrio da qualidade do

73
meio ambiente (atmosférica, climática, hidrológica,
purificação da água e do ar, balanço energético, manutenção
da biodiversidade e mitigação de desastres naturais).
São exemplos o balanço e manutenção da composição
química da atmosfera e dos oceanos, provisionados pelos
organismos vivos florestais ou marinhos, na fotossíntese,
na regulação do clima global ou regional, bem como do
microclima local; a atenuação das alterações por parte das
estruturas de origem biológica, na regulação de inundações e
até de enfermidades;
• Serviços de Provisão ou de Abastecimento – são
aqueles que asseguram os fluxos de energia e matérias que
resultam em produtos úteis à atividade humana (alimentícios,
bioquímicos, medicinais, farmacêuticos, recursos genéticos e
fontes energéticas).
Podem ser exemplificados por animais ou plantas para
consumo humano obtidos dos ecossistemas, como pescado,
carne, sais ou, também, extraídos dos ecossistemas, mas não
destinados ao consumo humano, como materiais de construção
(areia, rocha e lenha usados para a construção em geral) e
produtos florestais não madeireiros;
• Serviços de Suporte – são aqueles necessários à
produção dos demais serviços uti universi, cujos impactos sobre
a oferta de recursos e sobre a atividade econômica ocorrem de
maneira indireta e/ou em longo prazo.
Os ambientes naturais de matas e de recursos hídricos
propiciam serviços de suporte da produtividade primária,
produção de oxigênio, formação e manutenção do solo, provisão
de hábitat e dos ciclos biogeoquímicos. Daí que a análise da
disponibilidade destes serviços no sítio original constitui fator
estratégico de planejamento e desenvolvimento urbano, em
especial, quanto às bacias de abastecimento público.
• Serviços Culturais – são aqueles benefícios
não materiais que se rela­ cionam à informação, recreação,

74
espiritualidade, geração de variados aspectos dos valores e
comportamentos humanos (estéticos, científicos, religiosos,
espirituais, educacionais, recreativos e de ecoturismo).
Tais serviços são o ecotu­rismo e seus potenciais destinos
turísticos; a biodiversidade socioambiental que testemunha
múltiplas identidades culturais de uma comunidade; a educação
e a pesquisa com recursos genéticos e plantas medicinais ou
farmacêuticas, a partir das práticas tradicionais dos raizeiros e
naturalistas.
Em síntese, a proteção dos bens públicos assegura
a continuidade dos serviços uti universi por eles prestados,
possibilitando os mecanismos de resiliência das cidades,
essenciais ao cumprimento das metas de gestão de riscos contra
desastres, estabelecidas nos arts. 42-A e 42-B do Estatuto da
Cidade.

3.3 A alienação ilegal da praça do Vaca


Brava

A diretoria da Associação de Preservação do


Vaca Brava – Parque Sulivan Silvestre (APVB), entidade
devidamente legitimada, constituída e regularmente inscrita
no CNPJ nº 05.513.4160001-27, em reunião realizada em 4
de setembro de 2007, deliberou atuar em litisconsórcio com
o Ministério Público do Estado de Goiás - MP/GO contra a
privatização e construção de um prédio no espaço destinado a
praça, localizada entre as Avenidas T-3 e T-5 com a Rua T-56 -
a praça do Vaca Brava -, no Setor Bueno, nesta capital.
Para isso, a APVB apresentou ao MP o parecer técnico

75
sobre o impacto causado pela referida obra nos seus aspectos
históricos, ambientais, urbanísticos e legais da praça . Ao final,
requereu a juntada do parecer aos autos da Ação Civil Pública
nº 2003302584999 que tramitou na 3ª Vara da Fazenda Pública
Municipal.

3.3.1 Os fatos e suas controvérsias

Os jornais de circulação diária da capital goiana


estamparam, em edições a partir do dia 6 de setembro de 2007,
notícias de que, em parceria com a Prefeitura de Goiânia,
o Bolshoi – uma tradicional escola russa de artes – montou
um circo na praça entre as Avenidas T-3 e T-5, em frente ao
Parque Vaca Brava, em Goiânia. A notícia recebeu o apoio de
dirigentes governamentais e não governamentais das áreas do
meio ambiente e da cultura. A proposta cultural apresentada
transmitiu a falsa impressão de que atenderia aos aspectos
legal, ambiental e urbano. Na verdade, tal proposta camuflou
uma disputa judicial de mais de uma década entre divergentes
interesses público e privado pelo domínio de um espaço livre
criado no plano de loteamento do Setor Bueno em 1951.
Os autores deste parecer manifestam, preliminarmente,
o entendimento a favor da iniciativa da Prefeitura em dar
destinação pública à área em disputa, de maneira a conciliar o
desenvolvimento cultural do povo goianiense com a necessária
proteção ao meio ambiente urbano. A comunidade, representada

76
pela Associação de Preservação do Vaca Brava – Parque
Sulivan Silvestre (APVB), recolheu milhares de assinaturas
ao abaixo-assinado, que reivindicou do então prefeito Iris
Rezende Machado, que era legítimo líder e responsável legal
pelos interesses coletivos dos goianienses, a integração da
praça ao parque e a permanente destinação cultural e ambiental
à área, em conformidade com o Decreto nº 19/1951, assinado
pelo prefeito Eurico Viana, que a destinou como escola, e com
a Lei nº 7.813/98, que a afetou como praça.
Paradoxalmente, a pretensa boa notícia cultural veio
acompanhada de outra, com menor destaque, diluída naquela,
segundo a qual uma empresa particular pretendia construir no
local o “Projeto Praça do Século XXI, contendo restaurante,
lojas de conveniência e centro de convenções”. Que praça é
essa? O projeto que a empresa particular queria edificar não é
uma praça. A não ser que se admita uma surrealista e absurda
“vida urbana pós-moderna” na qual tal ambiente fortemente
edificado seria uma praça. Isso somente seria possível se
admitirmos a absurda hipótese dos espaços livres e áreas verdes
serem declarados hoje e para sempre, por algum soberano de
plantão, como desnecessários, inexistentes ou dilapidados,
passíveis de visualização apenas nas paisagens mortas dos
ambientes urbanos concretados. O projeto privatista em
questão não passava de um empreendimento comercial que tão
só pretendia obter lucros, a partir da exploração e uso do solo
num dos espaços mais valorizados da capital. Valorização esta,
na verdade, decorrente da implantação do Parque Vaca Brava.

77
Daí que a notícia primeira, aquela que foi aplaudida pela
população – qual seja, a implantação de uma escola temporária
de artes – está a merecer reservas, pois veio acompanhada de
uma notícia segunda, embutida nas entrelinhas da primeira,
como a esconder algum intento que não pode ser declarado
abertamente, sob pena de ser inviabilizado. Neste sentido, a
iniciativa da Prefeitura, que anunciava promover cultura no
local aventado, não afastou as preocupações relacionadas aos
verdadeiros intentos comerciais, posteriormente declarados
ardilosamente por uma empresa particular, de apropriação da
área pública entre as Avenidas T-3 e T-5, qual seja, a praça do
Vaca Brava.

3.3.2 A demanda administrativa e


judicial

O Juiz Fernando Mesquita, da 3ª Vara da Fazenda


Pública Municipal, no bojo de Ação Civil Pública (ACP),
, ajuizada pelo MP-GO em defesa da praça do Vaca Brava,
proferiu sentença, em 28 de agosto de 2007, na qual declarou
que “a praça não é pública e sim praça particular”, mas
proibiu que “a empresa detentora do domínio realize qualquer
construção que contrarie as normas de uso do solo para
praça”. Decidiu ainda que “somente a Câmara Municipal, por
requerimento da empresa privada, poderá alterar a afetação da

78
área”. Isto é, a empresa construtora, após longos e frutíferos
debates com os parlamentares goianienses, deveria solicitar
que o terreno fosse desafetado de maneira a permitir outro uso,
como um prédio comercial de alguns andares.
A disputa em torno do referido patrimônio público de
Goiânia se arrasta há décadas. Ela foi iniciada em 13 de junho
de 1995, com o embargo, promovido pela Secretaria Municipal
do Meio Ambiente de Goiânia (SEMMA), contra a construção
de um prédio comercial na praça do Vaca Brava (v. Apêndice,
1ª Orelha).
infra).

O embargo da obra pela Semma

A obra foi embargada no nascedouro pela Secretaria


Municipal do Meio Ambiente (Semma) que, imediatamente,
em junho de 1995, acionou o MP-GO. Este demorou 8
anos para adotar as providências cabíveis. A 15ª Promotoria
de Justiça, em 16 de dezembro de 2003 (oito anos após o
embargo promovido pela Semma), propôs Ação Civil Pública
c/c Nulidade de Registro Público e Reintegração de Posse -
processo nº 200302584999, com pedido liminar, contra o
Município de Goiânia e a EMSA – Empresa Sul Americana
de Montagens S/A. A APVB ingressou na referida ação como
litisconsorte ativo em defesa da praça do Vaca Brava.

Uma sentença inusitada

Os autos transitaram em julgado na 3ª Vara da Fazenda

79
Pública Municipal da Comarca de Goiânia. Após longa batalha
judicial, foi produzida inusitada sentença, com o seguir teor:

[...] tratando da questão urbanística e ambiental,


a solução foi bem encaminhada pela perícia
realizada na área, tendo o expert esclarecido que
a área em epígrafe não está inserida na Zona de
Proteção Ambiental (ZPA-III) do córrego Vaca
Brava [...]. Sob o aspecto legal, portanto, o
manuseio da área por particulares não encontra
óbice [...]. Se não, veja-se que o terreno tem servido
para manifestações públicas, pela conquista do
pentacampeonato mundial de futebol e [pelos]
estudantes aprovados nos vestibulares [...] que
somente trazem prejuízos ao Parque Vaca Brava”.
De igual ordem, também não vinga a alegação
de que uma eventual construção no local causará
danos ambientais à região [...]. Não precisa ser um
técnico ambiental para se concluir que qualquer
edificação traz prejuízos de ordem ambiental
[...]. Assim, se daria, por exemplo, se ali tivesse
sido edificada a escola originalmente prevista
no loteamento ou a praça pública criada pela Lei
Municipal nº. 7.813/98 [...]. Não é, pois, somente
o projeto da empresa ré [EMSA] que ocasionará
alterações ambientais na região, [pois] a ocupação
do entorno do Parque Vaca Brava, [conforme
anotou ] o Perito, conta com edificações que
têm influência direta sobre as nascentes e o lago
[...]. Nessas condições, tem-se como injusto
imputar a um resto de área limítrofe do parque a
responsabilidade pela manutenção do equilíbrio
urbanístico e ambiental [...].
Lado outro, concernente ao impacto na flora e
fauna da região, mais uma vez o laudo pericial
nos mostra [...] que a cobertura vegetal da área é
mínima, com algumas espécies não nativas, como
sete copas, o que demonstra a sua inexpressividade
ao equilíbrio ambiental, não se prestando auxiliar a
cobertura vegetal do Parque Vaca Brava, essa sim

80
importante [...]. (GOIÁS, 2007, fls. 982/1012)14

Face ao arrazoado transcrito, não poderia ser outro


o desfecho de um raciocínio fundado na falsa premissa de
que um erro justifica o outro. O juiz concluiu equivocadamente
que, “[...] no que concerne à tese urbanística e ambiental, a
improcedência da ação é medida que se impõe. [...]”.

Um acórdão inusitado

O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO)


manteve a inusitada sentença proferira pelo juízo de piso, por
meio de acórdão assim ementado, verbis:

EMENTA. Apelação cível. Ação civil pública.


Lotes correspondentes a espaços livres.
Loteamento inscrito sob a égide do Decreto-
Lei nº 58/1937. Transferência ao patrimônio
público. Necessidade de instrumento formal.
Propriedade particular. Edificação. Degradação
do meio ambiente. Dano não demonstrado.
Litigância de má-fé afastada.
I - A simples inscrição dos loteamentos sob a
égide do Decreto-Lei nº 58/37 não possui o
condão de transferir a propriedade ao Município
das vias, praças e áreas destinadas a edifícios
públicos e outros equipamentos urbanos.
Inexistindo instrumento formal translativo
de propriedade, o espaço livre em discussão,
a despeito de reservado à construção de uma
escola, não pode ser considerado bem público.
II - Não estando a área em discussão inserida
em zona de proteção ambiental conforme
estabelece o decreto nº 2.226/05, o intento de
se vetar a utilização do terreno, deve ser vista
de forma equânime, pois qualquer intervenção

81
humana no ambiente logicamente traz prejuízos
de ordem objetiva.
III - Considerando ainda que não há definição
acerca do porte do empreendimento a ser
construído, a análise e declaração de futuro
dano ambiental não pode ser guiada por meras
suposições ou conjecturas sobre o terreno,
mormente diante dos aspectos objetivos
constatados na perícia judicial.
IV - Não há que se falar em litigância de má-
fé se a situação dos autos não se enquadra no
disposto no artigo 17 do CPC. (GOIÁS, 2010,
fl. 368)15

O recurso ao STJ
As instâncias do poder judiciário goiano, no caso
concreto, de forma equivocada, convalidaram os efeitos
negativos e ilegais associados aos impactos urbanísticos e
ambientais causados pela construção de um prédio em área de
nascente, legalmente destinada ao uso comum do povo.
Tais decisões equivocadas foram revogadas, em 18 de
dezembro de 2018, pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ,
em caráter definitivo, que anulou as improcedentes decisões,
tanto a monocrática, proferida pelo juiz Fernando de Castro
Mesquita, como a colegiada (acórdão) do tribunal ad quem
(TJ-GO).

3.3.3 O parecer técnico da APVB:


aspectos abordados

Os órgãos jurisdicionais do Estado de Goiás, ao


decidir pela privatização da praça do Vaca Brava, no presente
caso, tomaram por base laudo pericial produzido por perito

82
nomeado pelo juiz de piso. Ocorre que os dados e informações
periciais, lançados à lume na sentença e no acórdão, não
correspondem ao conhecimento técnico-científico respeitante
aos fatos e à realidade do objeto posto em julgamento.
A não ser que se admita que o Sr. Perito Oficial tenha
laborado claramente a favor de uma das partes, qual seja,
a empresa particular interessada na edificação comercial
do terreno. Essa postura parcial deve ser condenada, pois é
estranha à atividade pericial.
Infelizmente, não houve o contraditório técnico no
processo, pois nem a Prefeitura e nem o Ministério Público,
como de direito, indicaram assessores técnicos, para o
desempenho do papel de elaborar pareceres que poderiam
fornecer ao juiz um universo mais aprofundado e isento sobre
as controvérsias que permeiam a causa.
Foi preciso que a Associação de Preservação do Vaca
Brava – Parque Sulivan Silvestre (APVB), em 2 de janeiro de
2008, apresentasse o presente parecer técnico, elaborado pelo
autor deste livro, com apoio do professor doutor João Batista
de Deus – pós doutor em Geografia Urbana do Instituto de
Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás
(IESA/UFG) e da advogada Jane Maria Balestrin, conselheira
da APVB.
O referido parecer técnico da APVB, sem a pretensão
de esgotar o assunto e nem tampouco de desrespeitar
posições outras, mas imbuído da necessidade de aduzir fatos,
conhecimentos e elementos novos pertinentes ao tema colocado

83
em debate, subsidiou o recurso de agravo n° 1352083/GO,
protocolado no STJ, em 25 de outubro de 2010 e contribuiu
para o êxito da ação civil pública, conforme se expõe a seguir.

3.3.3a Aspectos Históricos

A pretensão da empresa privada em querer construir


um empreendimento comercial num espaço livre urbano do
Setor Bueno deve ser primeiro analisada do ponto histórico.
Sabino Júnior (1980) registra que o surgimento de Goiânia se
deu por decisão do Interventor Federal de Goiás, Médico Pedro
Ludovico Teixeira, que determinou o local para construir a
nova capital do Estado de Goiás, através do Decreto nº 3.359,
de 18 de maio de 1.933. De acordo com o artigo primeiro deste
diploma legal, a região demarcada localiza-se entre os córregos
“Botafogo” e “Vaca Brava”, nas fazendas denominadas
“Criméia”, “Vaca Brava” e “Botafogo”, no município de
Campinas. Na região escolhida foi fixada as zonas urbana,
suburbana e rural, a divisão dos terrenos em lotes destinados
às construções dos edifícios públicos, praças e escolas, dentre
outros espaços livres do plano de urbanização da capital.
A decisão histórica de Pedro Ludovico encontrou amplo
e entusiasmado apoio dos fazendeiros da região escolhida, que
fizeram doações de terras à nova capital. As primeiras escrituras
de doação de terras ao Estado de Goiás para a construção de
Goiânia foram feitas por Andrelino Rodrigues de Morais e sua

84
mulher D. Barbara de Sousa Morais, que doaram duas áreas,
sendo uma de cinqüenta (50) alqueires goianos, destacada
da fazenda “Bota-Fogo”, e outra de cinqüenta e dois (52)
alqueires e oitenta (80) litros, destacada da fazenda “Criméia”,
ambas dentro da área demarcada no decreto governamental
retro citado, com a averbação na escritura de doação de que
tais “terras, entretanto, voltarão ao patrimônio dos doadores
no caso de não se efetivar a mudança da Capital de Goyaz”
(transcrito no Lv. nº 3 A, pp. 44-45, nº 578, 1º tabelião
Campinas, em 27/10/1933).
Os casais de fazendeiros Otávio Tavares de Morais e sua
mulher D. Maria Alves de Melo e Urias Alves de Magalhães e
sua mulher D.Cândida Tavares de Morais, além da fazendeira
D. Maria Alves de Magalhães, doaram parte de terras da fazenda
“Criméia”, com áreas respectivas de cinqüenta alqueires (50)
e oitenta (80) litros, trinta (30) alqueires e dez (10) alqueires.
Os casais de fazendeiros Abílio Antonio de Melo
e sua mulher D. Madalena Cândida Borges doaram dois
(02) alqueires da fazenda “S. Antônio”; e Cel. Licardino de
Oliveira Néi e sua mulher D. Maria de Moráis Oliveira doaram
cinquenta (50) alqueires da fazenda “Caveiras”.
Por sua vez, Hermelino Rodrigues de Siqueira e sua
mulher D. Marcília Carolina de Melo doaram dez (10) alqueires
destacados da fazenda “S. Antônio”, assim como; D. Maria
Joana de Jesus, viúva, efetivou a doação de dez (10) alqueires,
também destacados da mesma fazenda (MONTEIRO, 1938,
p. 95-114).

85
E, ainda, considerando a área objeto da presente
demanda como um espaço livre constante do parcelamento da
fazenda “Arranca Toco”, temos que diversos fazendeiros ali
existentes também realizaram doações de terras à nova capital,
como o Cel. José Rodrigues de Morais Filho e sua mulher D.
Ana Nunes de Morais que doaram vinte (20) alqueires de terras
de parte da fazenda “S. Domingos” e mais vinte (20) alqueires
de terras de parte da fazenda “Arranca Toco”. Mais uma vez,
encontra-se à margem da escritura de doação, a averbação de
que tal doação “deixa de prevalecer se não for transferida para
este Município a Capital do Estado” (MONTEIRO, 1938, p.
113).
No caso em espécie, vê-se a escritura, registrada no Lv.
nº 6, fls. 53-58, 2º Tabelião da cidade de Campinas, Comarca
de Bela Vista, através da qual, os lavradores João Rita Dias
e sua mulher D. Julia Duarte Dias, Oscar Pereira Duarte e
sua mulher D. Tereza Batista Duarte, D. Barbara Generosa
Duarte e D. Georgeta Revalina Duarte, ambas solteiras, sendo
esta última funcionária dos Correios da cidade de Campinas,
doaram, cada um, cinco (5) alqueires, perfazendo vinte (20)
alqueires de terras de parte da fazenda “Arranca Toco”, também
conhecida como fazenda “Vaca Brava” (MONTEIRO, 1938,
p.108-112).
A análise dos documentos históricos referente ao
tema em estudo evidencia que o fundo de vale e a cabeceira
do córrego Vaca Brava constituem espaço livre legalmente
protegido, constante do parcelamento da fazenda “Vaca Brava”

86
ou “Arranca Toco”, criado pelo Decreto nº 19, de 24/01/1951,
assinado pelo Prefeito de Goiânia Eurico Viana, com base na
planta e memorial descritivo do Setor Bela Vista, hoje Setor
Bueno, elaborado pelo Eng. Proj. Werner Sonnenberg CREA
5ª Reg. 1883-D e pelo Eng. Civil Cart. Tristão Fonseca Neto
CREA 4ª Reg. 1230. Este parcelamento, inscrito sob n° 15, livro
aux. 8b, no CRI da 1ª Zona, foi empreendido pela proprietária
D. Georgeta Revalina Duarte, que é uma das doadoras de terra
ao Estado de Goiás para a construção de Goiânia.
Pelo exposto, o Parque e a Praça Vaca Brava são bens
de natureza material e não material do patrimônio da cidade,
a que se refere o art. 261 da Lei Orgânica de Goiânia. Assim,
nos termos da Lei nº 7.164, de 14 de dezembro de 1992, em
razão dos valores histórico, cultural e ambiental que possuem,
referidos bens são parte do Patrimônio Histórico Municipal, a
serem protegidos, preservados e recuperados para as atuais e
futuras gerações.

3.3.3b Aspectos Ambientais

Do ponto de vista técnico, os geógrafos Antonio


Soares da Costa e João Batista de Deus afirmam que a
cabeceira do córrego Vaca Brava é compreendida não só pelo
Parque Vaca Brava, mas também pelo terreno sub judice, qual
seja, a praça da T-3 com a T-5 (COSTA & DEUS,1995).
A afirmação supra encontra respaldo no dicionário

87
geológico-geomorfológico brasileiro, segundo o qual, o termo
cabeceira, nascente, fonte, minadora, mina ou manancial,
designa:
[...] uma área onde afloram os olhos d’água
que dão origem a um curso fluvial; é o oposto
de foz [...]. A cabeceira não é um lugar bem
definido, constituindo-se uma verdadeira
área, envolvendo critérios complexos para a
determinação do curso principal [...] (GUERRA,
1993, p. 64).

As nascentes do córrego Vaca Brava estão inseridas


numa vereda, situada na cabeceira do curso d’água. Os solos
são constituídos por argila e matéria orgânica com lençol
freático aflorante. Do ponto de vista hidrogeológico, o terreno
localiza-se numa região caracterizada como área de descarga,
onde imergem as águas subterrâneas que infiltram no subsolo
da vertente, em cota mais alta. A descarga situa-se no fundo
de vale, de cota inferior, onde o aquífero ou o lençol freático
aflora. Os “olhos d’água” aparecem de forma generalizada na
cabeceira do manancial em apreço, promovendo uma saturação
da área de descarga.
As minas da cabeceira do córrego Vaca Brava foram
drenadas, por meio de 3 mil metros de canais, abertos
manualmente para formar o lago do parque, em 1996, inclusive,
as mina da praça da T-3 com a T-5, por meio de tubulações
enterradas, em forma de escama de peixe, que convergem
a água do subsolo para lançamento no lago do Parque Vaca
Brava.
A Carta de Risco que integra o Plano Diretor Urbano
de Goiânia veda a ocupação de áreas com as características

88
morfológicas e hidrológicas do local em disputa. A praça da T-3
com a T-5 não é própria à ocupação por uso direto do solo, pois
afeta uma área de descarga ou afloramento do lençol freático, e
também de recarga, com a consequente drenagem subterrânea
para alimentar o lago do Parque Vaca Brava (NASCIMENTO
et al., 1991).

3.3.3c Aspectos da Vegetação Urbana

A área em litígio situa-se numa região que sofreu


intenso processo de degradação e alterou profundamente
suas características originais de floresta ciliar, representada
pelas espécies ocorrentes na floresta semicaducifólia. Yuriko
Hashimoto, mestre em Botânica, realizou análise do mapa
aerofotogramétrico de Goiânia, de 1975 (Hashimoto,1995)
e constatou que, primitivamente, a vegetação da cabeceira e
margens do fundo de vale do Córrego Vaca Brava é constituída
pela ocorrência de algumas espécies como Cariniana rubra
Gardner ex Miers (jequitibá), Inga sp. (ingazeiro), Copaifera
langsdorffii Desf. (pau-d´óleo), Apuleia molares Spuce
(garapa), Copaifera langsdorffii courbaril var. stilbocarpa
(Hayne) Lee Lang. (jatobá-da-mata), Tabebuia serratifolia
(Vashl.) Nichols (ipê-amarelo) e outras.
Algumas das espécies primitivas citadas podem
ser encontradas na praça da T-3 com a T-5, como o pé de
angico, Anadenanthera peregrina (L.) Spegazzini. Esta árvore

89
centenária está bem situada em local visível aos olhos de todos
que queiram vê-la. Este fato se constitui numa prova inconteste
de que o Sr. Perito Oficial errou grosseiramente ao asseverar
que “o terreno é destituído de cobertura florística de qualquer
exemplar com alguma importância, apresentando tão somente
alguns poucos exemplares exóticos”.
A verdade é que, apesar de a vegetação nativa, ao
longo dos anos, ter sofrido intensa descaracterização, restaram
alguns exemplares isolados que permitiram a identificação
da tipologia vegetal primitiva. Dentre os remanescentes
destacam-se espécies como o angico já citado e ainda ipê,
ingá, guatambu, pindaíba, imbaúba e farinha seca. São estes
testemunhos que possibilitaram o reflorestamento da cabeceira
do Vaca Brava, reconstituindo-a parcialmente, a ponto de levar
o nobre juiz de direito a afirmar, na inaudita decisão judicial,
que “esta sim, a cobertura vegetal do Parque Vaca Brava, seria
importante para o equilíbrio ambiental” da região.

90
Fig.01 Exemplares nativos na praça do Vaca Brava
(em sentido horário): árvore nativa centenária de
angico, Anadenanthera peregrina; jacarandá,
Machaerium acutifolium

Inúmeros pesquisadores têm demonstrado a


necessidade de se preservar os espaços livres e dentre eles, as
áreas verdes urbanas. Rizzo et al. (1975) destacam as nascentes
do córrego Vaca Brava como um dos locais mais importantes
para cumprir a função de área verde urbana de Goiânia.
Ademais, um dos problemas típicos das grandes cidades
é a falta de áreas verdes, o que contribui para a elevação do
índice de delinqüência entre jovens das classes socioeconômicas
desfavorecidas (ACOSTA-SOLIS, 1975). Esse problema
é agravado pela “falta de parques, áreas verdes e locais de
lazer, nos quais a juventude pode dar vazão às suas energias
reprimidas” (HASHIMOTO, 1995).

91
Assim, a pretensão da Prefeitura em proporcionar
espaço cultural aos desfavorecidos, na praça da T-5 com a
T-3, não pode representar a supressão de uma área verde
ali existente, tão importante quanto aquele que se propõe
implantar, para o desenvolvimento da cidadania.
Noutro aspecto, a implantação de áreas verdes em
grandes cidades tem como maior obstáculo o alto valor
imobiliário dos terrenos a serem desapropriados ou alocadas
para essa finalidade (GEISER et al., 1976). Esse aspecto
tornou mais incompreensível o enredo delineado em processo
judicial, administrativo e político no qual diferentes atores
públicos e privados atuaram para transferir um patrimônio da
coletividade para o domínio privado.

3.3.3d Aspectos Urbanísticos

A multicitada decisão do juiz de Direito da 3ª Vara


da Fazenda Pública Municipal de Goiânia, que declarou o
domínio privado da praça do Vaca Brava, se fundamentou
no entendimento equivocado de que o terreno não possui
restrições urbanísticas para edificação particular.
O terreno objeto da demanda possui características de
área legalmente protegida (SANTOS,1995). A Lei nº 6.938/81
(art. 2º) estabelece que, dentre os objetivos da Política Nacional
do Meio Ambiente, estão os de melhorar e recuperar a qualidade
ambiental, atendidos os princípios da ação governamental na

92
manutenção do equilíbrio ecológico, do meio ambiente como
um patrimônio público a ser protegido, tendo em vista o uso
coletivo, a racionalização do uso do solo, da água e do ar.
No mesmo sentido, a Lei Federal nº 6.840/89 (art.
1º) determina o reconhecimento dos recursos naturais como
patrimônio coletivo, de uso condicionado à manutenção de sua
qualidade e proteção da fauna e da flora, o estabelecimento
de ações de proteção, controle, conservação e recuperação dos
recursos naturais.
De acordo com as leis citadas, vê-se que a sentença
inicial, apoiada em laudo pericial tecnicamente errado, ao
justificar a ocupação da praça da T-3 com a T-5 por particular,
foi equivocamente mantida pelo TJ-GO sob o argumento falacioso
de que o ambiente de fundo de vale e de cabeceira, onde a praça
se localiza, encontra-se degradado. Exigir o cumprimento da
lei protecionista neste espaço particular seria cometer, segundo
vociferou a sentença, uma “injustiça social”. O raciocínio é
tortuoso e seguiu a máxima vulgar de que “um erro justifica o
outro”.
O terreno encontra ainda proteção no Código Florestal
- Lei nº 4.771/65 (artigos 2º e 3º), como de preservação
permanente, em razão de nele existirem nascentes ou “olhos
d’água”, que abrangem a faixa do terreno num raio mínimo
de cinquenta (50) metros de largura. Além do mais, a área é
declarada pelo Poder Público como praça, isto é, um espaço
urbano destinado a assegurar condições de bem-estar público.
Sujeita-se, pois, aos dispositivos previstos nas leis de uso do

93
solo da capital do estado.
O Zoneamento do Goiânia, estabelecido na Lei nº
5.735/80 (artigos 2º e 3º), sucedida pela Lei Complementar
n° 031/94 (art. 86), determina como Área de Preservação
Permanente aquelas circundantes às nascentes permanentes e
temporárias, com raio inicial de, no mínimo, 100 (cem) metros,
podendo o órgão municipal competente ampliar esses limites,
visando proteger a faixa de lençol freático. São também
de preservação permanente as áreas cobertas por florestas
nativas, cerrado ou savana, identificáveis e delimitáveis no
levantamento aerofotogramétrico de julho de 1975, realizado
pelo município e, também, aquelas identificadas na Carta de
Risco de Goiânia de 1991.
Assim, do ponto de vista urbanístico, a praça em questão é
Área de Preservação Permanente e, portanto, classificada pela
lei então vigente – Lei Complementar nº 31/94 (art. 85) como
Zona de Proteção Ambiental I (ZPA-I). Em face do art. 88 desta
lei, não se admite na classe ZPA-I quaisquer das categorias de
uso direto do solo. Assim, não assiste razão à afirmativa do
juiz de que “a área não se enquadra na categoria ZPA-III”.
Portanto, laborou em equívoco o nobre juiz e o tribunal recorrido.
A área possui restrição de uso ainda maior, pois enquadra-se
como ZPA-I. Nessa classe de uso nunca se admite um prédio
comercial!

94
3.3.3e Aspectos Jurídico-Legais

Na ação civil pública que analisou a situação da


praça do Vaca Brava, o juiz da 3ª Vara da Fazenda Pública
de Goiânia declarou que a “praça não é do povo e sim de
uma empresa particular”. Em consequência, admitiu como
legal a transferência, diretamente pelo loteador, de um
patrimônio público urbano, para um terceiro particular, mesmo
reconhecendo e citando normas legais contrárias à decisão
proferida. Veja:
[...] tendo o parcelamento sido aprovado pela
Prefeitura Municipal de Goiânia por meio do
Decreto nº 19, de 1951, e registrado em 25 de
junho do mesmo ano, inequívoco que se submete
à legislação regente à época, representada pelo
Decreto-Lei nº 58/37, o qual dispõe, em seu
artigo 3º, que a inscrição torna inalienáveis
as vias de comunicação e os espaços livres
constantes do memorial e da planta [...].

Em seguida, na sentença, o magistrado pediu desculpas


ao povo por discordar do entendimento dominante e secular,
que prevalece até hoje, de que a inscrição, no cartório, do
decreto de loteamento, devidamente aprovado pelo Município,
produz efeito automático de transferência do domínio dos
espaços livres para o usufruto permanente da comunidade,
ipsis litteris:
[...]. Data vênia, tenho que a premissa é falsa. Isso
porque, o ato que primeiro transferiu o domínio
da área ao setor privado é datado de 30/03/1975,
do qual resultou a escritura de compra e venda
lavrada em 23/05/1977. Inexorável, portanto,

95
que a transação em pauta não se submete às
disposições da Lei nº 6.766/79 [...]. Os efeitos
dominiais automáticos previstos na referida
norma em favor do poder público [...] somente
se destinam aos empreendimentos nascidos a
partir da vigência daquela, eis que seus efeitos
não podem retroagir para alcançar situações
pretéritas. [...]. (grifos nossos)

E, mais uma vez, o nobre juiz justificou-se pela sua


decisão, contrária à jurisprudência pertinente, com novo
pedido de desculpa:
[...] com a devida vênia, verifica-se [nestes
julgados] o mesmo equívoco de interpretação
das normas. [...]. De pronto, forçoso reconhecer,
[...] que a simples instituição do empreendimento
não consolidou a titularidade do bem em favor
do poder público. Para esse fim, será necessário
entender que a inalienabilidade estatuída pelo
Decreto-Lei nº 58/37, tem o condão de conferir
ao poder público municipal a legitimidade de
reclamar a área de quem quer que a tenha, ainda
que desprovido do necessário título dominial.
[...]. (grifamos)

Diante de raciocínio tão singular, o juízo de piso


produziu inédita decisão judicial, verbis:
[...] Do conjunto de argumentos, então, a
conclusão que se impõe é que o Município de
Goiânia jamais teve o domínio da área, por
quanto não se interessou em agregá-la ao seu
patrimônio a tempo e modo oportunos, o que era
obrigatório na vigência do Decreto-Lei 58/37
[...]. (grifamos)

A sentença fustigada contrariou julgados anteriores


sobre o fato de mesma natureza jurídica – a jurisprudência

96
– como reconhece o próprio magistrado que a proferiu,
produzindo consequências danosas sobre o meio ambiente, os
destinos da cidade e a vida de cada cidadão.
Ad exemplum, tem-se o caso do Parque Vaca Brava,
localizado em área contígua à praça da T-3 com a T-5, que foi
objeto de um processo judicial que discutiu o domínio da área do
parque. O pretenso proprietário da área da cabeceira do córrego
Vaca Brava ajuizou ação de indenização contra a Prefeitura
de Goiânia, protocolada sob o nº 960.207.488 no TJ-GO, em
16 de abril de 1996, por se sentir prejudicado com a sentença
expedida pelo Juiz de Direito Geraldo Salvador de Moura,
da 2ª Vara da Fazenda Pública Municipal, em 11 de outubro
de 1995, que autorizou ali a implantação de uma unidade de
conservação nas nascentes do manancial. No mérito, a ação foi
julgada, em 22 de junho de 2004, pelo Juiz Fabiano Aragão,
que declarou a nulidade da escritura e do registro da área em
nome do particular, bem como dos Decretos de nº 99/74 e de
nº 1233/87, de parcelamento, remembramento e concessão de
alvará de construção de 12 arranha-céus. O Parque Vaca Brava
voltou ao seu legítimo proprietário – a coletividade, o povo!
No caso da demanda pelo domínio da área do parque,
a decisão do juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública Municipal de
Goiânia se fundamentou na transferência dos espaços livres
ao poder público municipal por simples registo em cartório do
decreto de loteamento do Setor Bueno. Na causa da praça do
Vaca Brava, por sua vez, o juiz da 3ª Vara da Fazenda Pública
Municipal adotou uma premissa falsa que, de consequência,

97
produziu uma conclusão errada, capaz de causar grave
prejuízo. Se fosse admitida a hipótese de que os bens públicos
de uso comum, portanto, de domínio do povo (não os de uso
dominial ou dominical, de domínio da Prefeitura) precisam
ser registrados em cartório, vislumbrar-se-ia um cenário
especulativo sobre o domínio e o uso dos bens existentes no
espaço urbano de Goiânia, porque a cidade possui:
[...] 116,303 milhões de m² de espaços livres,
sendo 3,307 milhões de m² de praça; 13,658
milhões de m² de parque; 14,569 milhões de m²
de parque linear; 2,774 milhões de m² de verde
de acompanhamento viário; 3,382 milhões de m²
de espaço livre público; 55,933 milhões de m² de
área verde particular; 643 mil m² de cemitério;
20,212 milhões de m² de equipamento público; e
1,827 milhões de m² de jardim de representação/
outras classes [...] (MARTINS JÚNIOR, 2001,
p. 206).

A questionada sentença monocrática, caso mantida,


colocaria a população na trincheira de uma terrível batalha
especulativa, qual seja, a disputa pelo domínio dos espaços
livres dos planos de loteamento aprovados antes da vigência
da Lei Federal de Parcelamento do Solo Urbano, em 1979.
Como a Prefeitura de Goiânia e demais municipalidades
não procederam ao registro cartorário especial dos seus bens
públicos, como preceitua a equivocada sentença singular,
teríamos uma falsa conclusão: o povo não seria detentor do
domínio das avenidas, ruas, vielas, escolas, postos de saúde,
praças, parques, e sim, os loteadores. Salve-se quem puder, pois
estaria deflagrada uma corrida pelos espaços livres urbanos.

98
O STJ, na salvaguarda das normas de proteção dos
bens de uso do povo, revogou as inusitadas decisões , tanto
a monocrática (proferida pelo juiz Fernando de Castro
Mesquita), como a colegiada (acórdão do TJ-GO), pois, do
contrário, estar-se-ia criando um perigoso precedente para
qualquer fazendeiro que tenha promovido o parcelamento de
sua área rural para urbana, reclamar uma suposta titularidade
de um espaço livre – a rua, por exemplo – e até, valha-me
deus, o pretenso direito de cobrar pedágio à população urbana,
eis que o loteador parcelou uma fazenda para o cidadão nela
morar!

3.3.4 A decisão final do STJ,


absurdamente descumprida até hoje

As decisões monocrática e colegiada dos órgãos


jurisdicionais goianos pela privatização da praça do Vaca
Brava foram objeto de recurso especial – REsp 1230323-GO,
interposto no Superior Tribunal de Justiça – STJ . O recurso
foi recebido pelo ministro relator Herman Benjamin em 27 de
outubro de 2010.
A despeito da sólida e unânime jurisprudência, norma
e doutrina a respeito do tema, o STJ demandou 8 anos para
proferir decisão terminativa, encerrando a demanda. Em
18 de dezembro de 2018, a Corte Superior determinou o
cancelamento do registro e da escritura de alienação da área

99
da praça do Vaca Brava em nome da empresa privada EMSA
e determinou a reintegração do domínio da área de cerca de 7
mil metros quadrados ao seu verdadeiro dono, o povo!
A praça entre a Rua T-56, Avenidas T-3 e T-5, no Setor
Bueno, em Goiânia, encerrou mais um capítulo da grilagem de
uma área verde de Goiânia, resgatada das mãos inescrupulosa
de especuladores que, amparados por agentes públicos
desonestos, dilapidam o patrimônio público ambiental.

Depois de 23 anos e 6 meses, a vitória!


Depois de longo período de luta política, técnica e
jurídica, o povo consagrou sua vitória sobre a grilagem, por
meio da decisão de 18 de dezembro de 2018 do STJ, que impediu
a construção de um prédio de 23 andares na praça que foi
embargada pela SEMMA, atual AMMA, em 02 de junho de 1995.
Nesta data, a SEMMA protocolou no MP-GO a documentação
sobre o domínio e destinação da área, requerendo ação judicial
para a proteção e reintegração ao domínio Público da área de
nascente do córrego que alimenta o lago do parque.
A Associação de Preservação do Vaca Brava – Parque
Sulivan Silvestre (APVB), em , 2 de janeiro de 2008,
apresentou laudo pericial em litisconsórcio com o MP-GO, que
subsidiou o recurso de agravo n° 1352083/GO, protocolado no
STJ, em 25 de outubro de 2010, contribuindo para o êxito da
ação civil pública.

100
´´O povo ganhou, mas não levou´´: o estranho
poder da máfia da grilagem urbana
Estranhamente, desde a decisão vitoriosa no STJ,
em 18 de dezembro de 2018, quando o domínio da praça do
Vaca Brava foi devolvido ao povo, a área verde permanece
abandonada, servindo de estacionamento de carros. A Prefeitura
permanece inerte, à espera de alguma manobra de bastidores
para beneficiar o dilapidador da área pública, sabidamente
um patrocinador de campanha de políticos tradicionais.
Certamente o que se trama nos bastidores não é do interesse da
população. Trata-se de alguma jogada para “compensar” com
alguns milhões do dinheiro público a perda sofrida, já que não
tem direito à indenização ou qualquer reparação financeira, em
face da decisão judicial em instância superior que deu ganho
de causa ao povo. A população tem direito ao domínio e uso da
praça do Vaca Brava. É direito da sociedade a preservação das
nascentes que alimentam o lago do parque, o reflorestamento,
ajardinamento, paisagismo, recuperação e integração da área
verde ao parque.
O terreno objeto da disputa judicial foi devidamente
caracterizado nos seus aspectos históricos, urbanísticos e
ambientais como área legalmente protegida, espaço livre
de preservação permanente, bem público de uso comum do
povo, inalienável, imprescritível. Portanto, trata-se de um
patrimônio urbano, histórico, cultural e ambiental. Conforme
ensinamentos do professor Paulo Affonso Leme Machado,
pode e deve ser protegido por ação dos agentes legitimados,
como a Prefeitura, o MP e a comunidade..
O caso presente é paradigmático no sentido de que

101
os conhecimentos técnico-científicos, afins aos direitos
dos cidadãos, são poderosos instrumentos que, orientam a
defesa dos espaços livres das cidades, alvos da especulação e
dilapidação de uma poderosa e articulada máfia da grilagem
urbana.

3.4 A alienação fraudulenta do Parque


Vaca Brava

A alienação do Parque Vaca Brava foi objeto do


processo nº 8.899.703/95, com efeito da evicção por força
de apreensão administrativa (GOIÂNIA, 1996)16, conforme
se discute no item 3.5.1, infra. A documentação produzida
pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente – Semma, atual
Agência Municipal do Meio Ambiente - Amma, foi protocolada
na 15ª Promotoria de Justiça da Comarca de Goiânia, que
ajuizou ação civil pública – ACP nº 9.700.867.625 na 1ª
Vara da Fazenda Pública Municipal com pedido liminar de
anulação das escrituras e do registro de alienação de lotes das
Quadras A e B do Setor Bueno, em área pertencente ao Parque
Vaca Brava.(figura 02).

102
Fig. 02 – Foto aérea de 1985 do vale do córrego Vaca Brava destinado a
parque, entre a Rua T-66, Avs. T-3, T-5 e T-9, no Setor Bueno, Goiânia/
GO, desmembrado e parcelado ilegalmente em 12 lotes na Quadra
B (montante) e 22 lotes na Quadra A (jusante) (Fonte: Processos nº
8.967.687/1995 e 8.899.703/1995-SEMMA)

A ação foi recebida pelo juízo competente, que proferiu


sentença liminar favorável ao pleito formulado na peça
vestibular, destacando-se o primeiro item do decisum, a seguir
transcrito (grifos nossos):
Proibir o Município, através do IPLAN, de
conceder alvará de construção e ampliação
para as quadras A e no Setor Bueno, até o final
do julgamento desta ação. De igual ma­neira,
ficam proibidos os demais réus de levantar
quaisquer obras nas áreas acima questiona­das,
sob pena de incorrerem, inclusive o Município
de Goiânia, na multa de R$ 1.000,00 (um mil
reais) por dia. (GOIÁS, 1996, fls 135-42)17

Portanto, a Prefeitura e os pretensos proprietários


particulares foram proibidos de construir na área sub judice,
tanto nos 12 “lotes” da Quadra B (cabeceira do córrego Vaca

103
Brava, entre a R. T-66 e Av. T-10) como nos 22 “lotes” da
Quadra A (entre a Av. T-10 e a Av. T-9), até o julgamento final
da lide que discute o domínio da área de 170 mil m2, destinada
ao Parque Vaca Brava pelo Decreto nº 19, de 24 de janeiro de
1951, que aprovou o plano de loteamento do Setor Belo Vista,
atual Setor Bueno, inscrito sob o n° 15, livro auxiliar 8b, no
Cartório de Registro de Imóveis - CRI da 1ª Circunscrição da
Comarca de Goiânia/Goiás.

3.4.1 Decisões judiciais conflitantes


Os réus da ação civil pública n° 9.700.867.625
ajuizada, em 1995, na 1ª Vara dos Feitos Municipais de Goiânia,
ou seja, os pretensos proprietários particulares dos 22 lotes da
Quadra A e o único “proprietário” dos 12 lotes da Quadra B,
ficaram insatisfeitos com a sentença liminar proferida pelo juiz
João Ubaldo Ferreira.
A sentença liminar, frise-se, anulou as escrituras
ilegais e, consequentemente, implicou na devolução de toda
área do Parque Vaca Brava ao seu verdadeiro dono, o povo. A
sentença liminar aplicou o direito ao caso concreto e decidiu
corretamente, pois o parque é bem público de uso comum do
povo, inalienável, indisponível, imprescritível e não usucapível
ou insuscetível de ser adquirido por usucapião, além de ter sido
alienado mediante fraude, maculando o negócio jurídico com
o vício da nulidade absoluta, como já exposto alhures.
A fulminante e justa decisão liminar produzida no
juízo da 1ª Vara dos Feitos Municipais de Goiânia desagradou,
por óbvio, os poderosos interesses dos dilapidadores da área
verde. Os milionários invasores do Parque Vaca Brava, assim,

104
interpuseram recurso de Agravo de Instrumento nº 12.934-
4/180 no Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO).
O recurso foi distribuído ao desembargador Noé
Gonçalves Ferreira que, com apoio unânime da turma julgadora
e do Procurador-de-Justiça, negou o pedido principal de cassação
da sentença de 1º grau, mas concedeu efeito suspensivo ao
recurso e, no mérito, reformou parcialmente a sentença proferida
pelo juiz João Ubaldo Ferreira, excluindo o primeiro item do r.
decisum, in litteris:
Assim, dou provimento ao agravo interposto
para o fim de cassar a decisão fustigada, na par­
te em que restringiu os direitos proprietários do
agravante mediante a emissão dos co­ mandos
de “proibir o Município de Goiânia de conceder
alvarás de construção e ampliação para as Quadras
A e B, no Setor Bueno e de proibir os demais
réus de levantar quaisquer obras nas áreas acima
questionadas” [...]. É o voto. [...] (GOIÁS, 1998,
fls. 8-9)

O item excluído se refere exatamente à proibição do


Município de Goiânia de expedir alvarás de construção, e dos
proprietários executá-los, em toda área do parque (v. figura 02).­
Contraditoriamente, a 3ª Turma da 2ª Câmara Cível do TJ-GO
justificou que, ipsis litteris (grifamos):

A atribuição de efeito suspensivo ao recurso


invalida a proibição do Município de ‘con­
ceder alvará de construção e ampliação’, mas
isso não significa que o Município esteja sendo
autorizado a conceder alvará para construção
que venha causar dano ao meio am­biente ou que
fira dispositivos outros, de qualquer natureza,
que haveriam de ser observados, obviamente.
A responsabilidade que lhe pesa, como ente

105
público, constitui garantia, por certa, a afastar
o periculum in mora suscitado para a concessão
da liminar. Nem significa, tam­bém, para que o
agravante promova edificação que não atenda
aos reclamos legais.
Assim, dou provimento ao agravo interposto
para o fim de cassar a decisão fustigada, na par­
te em que restringiu os direitos de proprietário
do agravante mediante a emissão dos co­
mandos de ‘proibir o Município de Goiânia de
conceder alvarás de construção e ampliação para
as Quadras A e B, no Setor Bueno e de proibir
os demais réus de levantar quaisquer obras nas
áreas acima questionadas [...]. É o voto. (GOIÁS,
1998, fls. 8-9)

O acórdão transcrito, de óbvia ambiguidade, produziu


efeito negativo aos reclamos legais de defesa de uma unidade de
conservação e viabilizou a promoção das edificações na Quadra
A. A decisão satisfez a vontade dos dilapidadores do parque. A
3ª Turma da 2ª Câmara Cível do TJ-GO se omitiu e não decidiu
sobre o mérito da ACP, qual seja, a titularidade, o domínio e a
proteção de um bem de uso comum do povo.

Fig. 03 - Vista aérea do Parque


Vaca Brava, no início de 1993,
mostrando a Quadra B (onde
foi inaugurado o parque) e a
Quadra A (invasão milionária),
respectivamente acima e abaixo
da Av. T-10 (Fonte: Processos
SEMMA n° 8.967.687/95 e nº
8.368.465/95)

106
Na figura 03, ilustra-se a grave situação aqui denunciada.
A vista aérea da cabeceira do córrego Vaca Brava, em 1993, antes
da implantação do parque, mostra a Quadra B, acima da Av. T-10,
e a Quadra A, abaixo da Av. T-10 até a Av. T-9, no Setor Bueno,
bairro mais valorizado de Goiânia-GO. A Quadra B foi recuperada
pela SEMMA, atual AMMA Goiânia. Na área desta quadra, que
compreende a cabeceira do córrego Vaca Brava, foi implantado e
inaugurado o parque de mesmo nome, no Dia da Árvore, em 21
de setembro de 1996 (v. Apêndice, infra).
Última capa).
A Quadra A foi ocupada, desde 1974, por invasões
milionárias. Observe que a área verde que hoje existe em frente
ao Goiânia Shopping, na esquina das Avenidas T-10 com T-3,
foi implantada pela Secretária do Meio Ambiente - SEMMA,
durante a gestão do prefeito Darci Accorsi, graças ao Termo de
Cooperação Técnica, firmado pelo titular da SEMMA - o autor
deste livro - com o engenheiro civil Fernando Maia, diretor-
presidente da MB Engenharia (empreendedora do Goiânia
Shopping), constante do Processo SEMMA nº 8.368.465/95. O
referido Termo de Cooperação Técnica é um documento anexo
ao Termo Ajuste de Conduta - TAC de recuperação do parque,
firmado pelo Município de Goiânia com o MP-GO, que foi
homologado por sentença do juiz Geraldo Salvador de Moura, em
11 de outubro de 1995 (MARTINS JUNIOR, 1996, p. 161-64).
Após o término da gestão Darci Accorsi (PT-PSDB-PSB-
PCdoB), em 31/12/1996, a Quadra A, abaixo da Av. T-10 até a Av.
T-9, foi entregue de mão beijada pela Prefeitura, com as bênçãos
do MP-GO e a omissão do TJ-GO, aos invasores milionários de

107
uma unidade de conservação municipal, bem de uso comum do
povo, inalienável e imprescritível.
Assiste-se à estranha conivência entre o Ministério
Público e o Poder Judiciário frente aos atos do Poder Local em
violar o Decreto nº 19/51, os documentos oficiais e as provas
produzidas em juízo que resultaram na decisão judicial que
devolveu ao povo, proprietário real, o domínio da área do Parque
Vaca Brava, conforme mapa e memorial descritivo do loteamento
do Setor Bela Vista, atual Bueno, registrado sob o nº 15, livro 8b,
no CRI da 1ª Circunscrição da Comarca de Goiânia.

3.4.2 A fraude no mapa do bairro:


Particular no lugar de Parque
A alienação do bem público em estudo se efetivou
mediante fraude no mapa do Setor Bueno, sobejamente provada
nos processos administrativo e judicial, fato esse do mais amplo
domínio público, verbis (grifamos): “[...] como ficou demonstrado
que a planta do imóvel foi adulterada, o juiz determinou que
ficasse valendo para a área a escritura arquivada no Cartório da
1ª Circunscrição de Goiânia, de 11 de janeiro de 1951 [...]” (O
POPULAR, 2004, Cidades, p. 5).
E ainda: “[...] Após análise de perícia técnica da planta do
loteamento Setor Bela Vista, o laudo constatou que foi inserida
posteriormente a palavra ‘particular’ no mapa, na região do
córrego Vaca Brava [...]” (DIÁRIO DA MANHÃ, 2004, Cidades,
capa e p.2).

108
A ACP c/c Reivindicatória nº 9.700.867.625 ajuizada
na 1ª Vara dos Feitos Municipais, com pedido de anulação da
escritura de alienação da área do parque, mantém conexão com
as ações ajuizadas na 2ª Vara dos Feitos da mesma comarca, quais
sejam, a ACP nº 930.249.851 que homologou o ajuste firmado
entre o Município e o MP-GO visando a recuperação do parque,
e a ação indenizatória nº 960.207.488 que resultou em sentença
final de anulação da escritura e do registro em nome do particular,
retornando o domínio do Município sobre a área constante da
planta e do memorial do Setor Bueno, aprovado pelo Decreto nº
19/1951, inscrição sob o nº 15 do CRI da 1ª Circunscrição da
Comarca de Goiânia.
O adquirente da Quadra B perdeu o direito pretendido
de propriedade sobre o bem em disputa, graças à sentença
proferida na ação indenizatória acima citada. Além disso, sofreu
apreensão administrativa no devido processo instaurado pelo
órgão competente do Município, que demonstrou as causas de
nulidade da escritura de alienação do mencionado bem, frustrando
a pretensão do grileiro na ação reivindicatória para retomar a
posse, o domínio e a propriedade. Tal pretensão foi derrotada com
base em prova pericial, produzida por meio de pareceres técnicos
e criminalístico que comprovaram a fraude no mapa do Setor
Bela Vista, atual Bueno, verbis (grifamos) (figura 04):
CONCLUSÃO. Examinado, discutido,
extraídas as evidências possíveis
do objeto da perícia; analisadas e
interpretadas à luz da criminalística os
indícios físicos detectados; realizadas
as avaliações possíveis e confrontados
com paradigmas considerados fiéis,

109
este perito, com suporte nos exames
realizados, conclui que sobre a planta
motivo desta perícia efetuou-se uma
forjicação por acréscimo, ao se fazer
nela inserir as expressões `Particular’,
apostas naquele mapa, na região
identificada como vale do córrego `Vaca
Brava’ (PÓVOA, 1996a, p. 33-50;
1996b, p. 165-175).

Fig. 04 - Laudo pericial conclusivo do Perito Criminalístico Paulo


César Póvoa, constante do Processo nº 8.899.703/1995-SEMMA:
forjicação por acréscimo da expressão “Particular” na planta do
Setor Bueno (GOIÂNIA, 1996, p.33-50; MARTINS JUNIOR,
1996, p. 165-179 ).

A sentença definitiva foi prolatada em 22 de junho de


2004 pelo juiz Fabiano de Aragão Fernandes, da 2ª Vara da
Fazenda Pública Municipal de Goiânia, que anulou todos os
decretos de alienação da área do parque e declarou válido o
Decreto nº 19, de 24 de janeiro de 1951, de aprovação do Setor
Bela Vista, atual Bueno, inscrito sob o nº 15, livro auxiliar 8b,

110
no Cartório de Registro de Imóveis - CRI 1ª Circunscrição
da Goiânia - a planta e o memorial - e, consequentemente,
validou legalmente tudo o que neles continha, incluindo, por
óbvio, os bens públicos de uso comum do povo, como a área
do parque, tanto a Quadra B, na cabeceira do manancial de
mesmo nome, como também a Quadra A e ainda a praça do
Vaca Brava.
O juízo competente da 2ª Vara anulou a escritura e o
registro dos lotes da Quadra B em nome do pretenso
proprietário particular. Em consequência, foram anulados o
Decreto nº 99, de 14.02.1974, o Decreto nº 612, de 08.11.85 e
o Decreto nº 1.233, de 16.10.1987, expedidos pelo Município,
de alienação, desmembramento, remembramento, concessão
de alvará de construção e aprovação de “Projeto Diferenciado
de Urbanização - PDU”, verbis:
Declaro a nulidade da Escritura
Pública de Compra e Venda lavrada
aos 08 de setembro de 1976, fls. 169,
do Livro n. 1055, do Cartório do 21º
Ofício de Notas da Comarca do Rio de
Janeiro - RJ, nas Matrículas nº 7.818,
7.819, 7.820, 7.821, 7.822, 7.823,
7.824, 7.825, 7.826, 7.827 e 7.829,
do Cartório de Registro de Imóveis
da 1ª Circunscrição desta Comarca. E
ainda, declaro a anulação do Decreto
Municipal nº 099, de 14 de fevereiro
de 1974 e do Decreto Municipal nº
1.233, de 16 de outubro de 1987, com
o cancelamento da Averbação nº 5.378,
fls. 78/ 19, à margem da Inscrição nº
15. [...]. (GOIÁS, 2004, parte final).

111
3.4.3 Da conexão entre as ações
ajuizadas
Ao declarar válido tanto o Decreto nº 19/1951 como a
Inscrição nº 15 no CRI competente, o Juízo da 2ª Vara dos Feitos
Municipais anulou os atos de parcelamento das “quadras A e
B”; portanto, não há que se falar em duas áreas distintas, mas
uma só área pertencente ao mesmo objeto da lide – alienação
do Parque Vaca Brava – ou mesma causa pretendi – anulatória
da escritura de alienação ilegal de um bem público.
In casu, os julgados dos processos que tratam do parque
e da praça do Vaca Brava, se apresentam conflitantes em face
da violação ao princípio legal da conexão, estabelecido no
art. 103 e 301, § 1º, do CPC, que dizem, respectivamente:
“[...] reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for
comum o objeto ou a causa de pedir [...]”; e “[...] verifica-
se litispendência e coisa julgada quando se reproduz ação
anteriormente ajuizada [...]”.
Os julgados do processo em comento representam
contrariedade ao disposto no art. 105 do CPC, que determina:
“[...] havendo cone­xão ou continência, o juiz de ofício ou a
requerimento de qualquer das partes, pode ordenar a reunião
das ações, a fim de que sejam decididas simultaneamente [...]”.
De acordo com Donizetti (2012), o litisconsórcio pode
ser inicial ou incidental (ulterior), sendo o primeiro, formado
na petição inicial e, o segundo, aquele que poderá se formar

112
de outras maneiras, dentre elas, pela conexão (arts. 103 a 105
do CPC), quando se determina a reunião das demandas para
processamento conjunto ou, ainda, na denominada intervenção
iussu iudice, instituída pelo art. 147, parágrafo único do CPC,
que ocorre por determinação do juiz para que o autor promova
a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro do
prazo que assinalar, sob pena de declarar extinto o processo.
Importa verificar a existência de vínculo conectivo entre
as ações civis públicas de anulação dos contratos de alienação
dos dos bens descritos no memorial e na planta descritiva,
inscritos sob nº 15, livro auxiliar 8b, no CRI da 1ª Zona da
Comarca como Parque e Praça Vaca Brava, em obediência ao
art. 103 do CPC, que diz: “[...] reputam-se conexas duas ou
mais ações quando lhes for comum o objeto ou a causa de
pedir. [...]”.
Tais ações possuem em comum o objeto ou pedido
formulado em ação civil pública de nulidade e anulabilidade
por vício na formação do negócio jurídico, e/ou causa de pedir
baseada em fundamentos fáticos e jurídicos relacionados ao
bem público de uso comum do povo.
No caso em análise, o Poder Jurisdicional competente
e o agente tutor da lei, em 1º e 2º graus, desconheceram
solenemente a conexão entre as demandas, impondo decisões
conflitantes. Na ação civil pública que tramitou na 2ª Vara da
Fazenda Pública Municipal da Comarca de Goiânia, restou
provada, por todos os meios admitidos em direito, a ocorrência
de fraude (v. fig. 04, supra), um vício absoluto, ensejador da
nulidade do contrato de alienação de lotes situados em bem

113
público de uso comum do povo. Em decorrência, o Preclaro
Julgador da referida Vara Judicial, em sentença de mérito,
anulou a alienação e retornou a dominialidade do bem ao
Município.
Por outro lado, a ação civil pública ainda em trâmite
na 1ª Vara da Fazenda Pública Municipal, em face do acórdão
da 3ª Turma Julgadora da 2ª Câmara Cível do TJ-GO, embora
conexa à ação da 2ª Vara, já mencionada, produziu resultado
omissivo e/ou permissivo à prática de alienações e usos do
solo na Quadra A, pertencente ao Parque Vaca Brava.
O caso estudado, assim, encerra conflito com a
natureza da área pública de uso comum do povo, decorrendo
irregularidade processual tendente a produzir sentença
conflitante e irregular, o que, evidentemente não deve ser
amparado pelo Direito.

3.4.4 Hipótese de litisconsórcio


necessário e unitário
A incidência dos dispositivos processuais previstos
nos arts. 103 a 105 e 147, p.u., do CPC, decorre da evidente
acessoriedade entre as demandas. A hipótese do caso em
apreço é de litisconsórcio necessário e unitário, por imposição
do art. 10, § 1º do CPC, que se refere a ações sobre direito real
imobiliário ou, ainda, à natureza jurídica da causa, que requer
uniformidade da decisão para todos os que figuram no mesmo
polo da relação processual.

114
Os adquirentes dos “lotes” das Quadras A e B figuram no
polo passivo de ação anulatória de parcelamento e alienação de
imóveis localizados em Parque Natural Municipal. O negócio
jurídico se submete a impedimento absoluto. O Decreto nº
19/51, por força do art. 22 da Lei nº 6.766/79 c/c art. 99, I,
do CC e art. 8°, III, da LSNUC n° 9.985/2000, enquadram as
áreas de ambas as quadras como Unidade de Conservação de
Proteção Integral, bem de uso comum do povo.
Assim, conforme se depreende da doutrina aplicável
ao caso em estudo “[...] a decisão da lide é a mesma para o
alienante e para o adquirente, [bem como] propende a acarretar
obrigação direta para terceiro [o proprietário real], a prejudicá-
lo ou a afetar seu direito subjetivo [...]” (DONIZETTI, 2012,
p. 177-8).
A dilapidação da área restante do Parque Vaca Brava, a
Quadra A, realiza-se mediante conduta comissiva e/ou omissa
de agentes públicos e privados. Em casos tais, deve o juiz, de
ofício, a qualquer tempo, declarar nulo, de pleno direito, por
vício de origem, qualquer contrato de alienação de qualquer
bem res extra commercium. Incumbe à parte que ajuizou a
ação civil pública, por seu agente político tutor da lei, requerer
a reunião das ações, para que elas tenham o mesmo desfecho.
A omissão dos agentes políticos legitimados à
aplicação da lei resultou que as “Quadras A e B” pertencentes
ao mesmo objeto da lide, um parque público de uso comum do
povo, inalienável, indisponível, inapropriável e imprescritível,
foram tratadas incorretamente como se fossem bens jurídicos
diferenciados, em ações estranhamente apartadas.

115
O desmembramento das ações produziu resultados
ao agrado dos agentes produtores do espaço urbano que se
apropriaram de um parque ecológico com o fim ilícito de
ganhos econômicos e lucros privados.

3.4.5 Caso exemplar de negócio


jurídico nulo de pleno direito
A alienação dos 12 “lotes” da Quadra B do Parque
Vaca Brava pela empresa Coimbra Bueno & Cia. Ltda. ao
adquirente Waldir Rodrigues do Prado é um caso exemplar
de negócio jurídico declarado nulo por sentença de mérito
proferida pelo Juízo da 2ª Vara dos Feitos Públicos Municipais
da Comarca de Goiânia. O decisum se fundamentou na ausência
de vários pressupostos de validade do contrato de alienação,
conforme art. 166, II, VI, do CC: “[...] é nulo o negócio jurídico
quando for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
não revestir a forma prescrita em lei; tiver por objeto fraudar
lei imperativa [...]”.
No contrato de alienação sub examine, a ilicitude do
objeto se reveste de aspectos relacionados à moralidade e aos
bons costumes, que se expressam na conduta criminosa de
fraudar documento público. Esta conduta restou comprovada
em laudo pericial conclusivo, que desmascarou a adulteração
do mapa do loteamento do Setor Bela Vista, atual Bueno.
O fraudador fez inserir na planta do loteamento o termo
particular em área destinada a parque público na cabeceira e
vale do córrego Vaca Brava. Portanto, o referido contrato de
alienação resultou de conduta que tinha o objetivo de fraudar
lei imperativa, constante do ordenamento jurídico que gravou
a área como parque, res extra commercium, bem público

116
inalienável, indisponível, inapropriável e imprescritível.
As práticas visando fraudar os gravames protetores
do bem público em questão são tipificadas e punidas no
Código Penal e na Lei de Improbidade Administrativa – LIA
nº 8.429/1992 como crimes contra o patrimônio público e a
administração pública, além dos ilícitos ambientais previstos
na Lei dos Crimes Ambientais – LCA nº 9.605/98.
Os agentes envolvidos atuaram em conluio, com
objetivos ilícitos, dentro e fora do Poder Público. Há prova,
produzida em juízo, da prática dos crimes de fraude no mapa
do St. Bueno e falsificação da escrituração do livro de Registro
do Cartório, bem como do arquivo público da Prefeitura (art.
171, I, parágrafo único, do CP). Há indícios evidentes de
associação criminosa (art. 288 do CP) e de enriquecimento
ilícito dos agentes públicos e particulares envolvidos (art. 12
da Lei de Improbidade Administrativa).
A possibilidade jurídica do objeto é outro pressuposto
de validade à formação do negócio jurídico em comento
que se encontra ausente no caso concreto, eis que se trata de
negócio juridicamente impossível. A empresa Coimbra Bueno
e Cia Ltda. vendeu aos adquirentes particulares os “lotes” das
Quadras A e B que não integram o rol res in commercium, e
sim o rol res extra commercium, ou seja, fora do comércio, por
força do Decreto nº 19/1951, inscrito sob nº 15 , livro aux. 8b,
no CRI da 1ª Circunscrição.
Nesse sentido, o Município realizou apreensão
administrativa dos bens ilegalmente alienados, por meio do
devido processo nº 8.899.703/95-SEMMA, que resultou na
revogação dos decretos de parcelamento e construção por
particulares nas Quadras A e B, com suporte em parecer do
então Chefe de Apoio Jurídico da Semma, advogado Ricardo
dos Santos – OAB 9.368/GO, nos seguintes termos (grifamos):

As Quadras A e B do Parque Vaca Brava

117
encontram-se no rol de logradouros públicos
relacionados na planta e no memorial do Setor
Bela Vista, aprovados pelo Decreto nº 19,
de 24.01.51, caracterizando-se como espaço
livre ambiental, portanto, de domínio público
municipal. O Cartório do 3º Ofício fez publicar
o Edital de Inscrição de Loteamento no DJ
de 17.02.51 , no qual, o loteador tornou pública a
relação das áreas privadas colocadas no comércio
(res in commercium), totalizando 3.111 (três mil,
cento e onze) lotes.
A prova técnica juntada ao presente parecer,
produzida pelo geoprocessamento da carta
aerofotogramétrica e dos mapas arquivados no
cartório e nos órgãos oficiais, comprova que o rol
dos bens colocados no comércio perfaz 65% da
gleba, e que o restante 35% se enquadra no rol dos
que estão fora do comércio.
Conclusão: as Quadras A e B do Parque Vaca
Brava são de domínio público, não podendo ter
sua destinação alterada; impõe-se medida de
cancelamento da averbação, matrícula e inscrição
que deverá ser realizado por ato judicial, via ação
do Ministério Público, guardião da ordem jurídica
e dos interesses difusos. (SANTOS, 1996, pp. 60,
74-75).

A apreensão administrativa, fundada no parecer supra,


foi confirmada por sentença transitada em julgado pelo juízo
da 2ª Vara da Fazenda Pública Municipal, em 22/06/2004,
restando definitivamente demonstrada a causa de nulidade do
negócio jurídico realizado pela alienante, a empresa loteadora
Coimbra Bueno & Cia. Ltda., com base no art. 166, II do CC,
que diz: “[...] é nulo o negócio jurídico quando for ilícito,
impossível ou indeterminado o seu objeto [...]”.

118
3.5 O Instituto da Evicção
O alienante está obrigado, por expressa disposição
legal, a resguardar o futuro adquirente dos riscos da perda
do bem, perante terceiro, por força de decisão judicial ou
de apreensão administrativa, em processos intentados por
qualquer interessado ou pelos entes legitimados e agentes
tutores da lei, em que fique definitivamente reconhecido que o
alienante não é o legítimo titular do direito que convencionou
transmitir.
Essa perda denomina-se evicção, palavra derivada do
latim evincere, que significa ser vencido. Há na evicção três
personagens:

Adquirente Vencido,

Fig. 05. Implicações da evicção, baseadas no direito objetivo do princípio


1 da garantia: incumbe ao alienante assegurar ao adquirente o uso e gozo
do bem alienado, cf. arts. 447, 474, 475 e 553 do CC (Fonte: adaptado de
Martins Júnior, 2013, p. 237).
• Alienante do bem, proprietário aparente, no caso,
falso proprietário, que responde pelos riscos da evicção
(loteadora Coimbra Bueno e Cia. Ltda.);
• Adquirente do bem, evicto ou evencido, que é o
possível vencido na demanda movida por terceiro ao sofrer a
perda do bem adquirido, mesmo que, de sua parte, o negócio
jurídico tenha sido realizado de boa-fé (pretensos proprietários
dos lotes das Quadras A e B do St. Bueno); e,

119
• Terceiro interessado ou real proprietário, evictor
ou evincente, que é o reivindicante ou possível vencedor do
direito demandado e que pode ser representado por ente ou
agente legitimado da sociedade civil ou agente tutor da lei,
dependendo da natureza do contrato (Município. Associação
de Moradores, MP-GO).
De acordo com a doutrina de Rosenvald (2006) e com
a norma estabelecida nos arts. 447, 456, 474, 475 e 553 do
CC, a evicção é um instituto que resguarda o direito objetivo
do princípio da garantia, segundo o qual, é dever do alienante
assegurar ao adquirente o uso e gozo do bem alienado.
O adquirente, não sendo conhecedor da litigiosidade
da coisa, tem o direito da denunciação da lide ao alienante,
de acordo com o art. 456 do CC c/c art. 70, I, do CPC, verbis
(grifamos):
Art. 456. Para poder exercer o direito que da
evicção lhe resulta, o adquirente notificará do
litígio o alienante imediato, ou qualquer dos
anteriores, quando e como lho determinarem
as leis do processo.
Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória:
I – ao alienante, na ação em que terceiro
reivindica a coisa, cujo domínio foi transferido
à parte, a fim de que esta possa exercer o
direito que da evicção lhe resulta.

O art. 447 do CC prescreve que o alienante responde


pela evicção, sendo obrigado a resguardar o adquirente dos
riscos da perda da coisa para terceiro, por força de decisão
judicial ou administrativa, em que fique reconhecido que
aquele não era o legítimo titular do direito que convencionou
transmitir, atribuindo-se a outrem a dominialidade do imóvel
por causa jurídica preexistente ou contemporânea à celebração
do contrato de alienação onerosa do bem demandado.
No caso em análise, estranhamente, a empesa Coimbra
Bueno, que vem a ser o personagem denominado alienante ou
120
falso proprietário, embora a lei obrigue a denunciação da lide,
em nada responde aos pedidos formulados pelo MP-GO na
ACP nº 930.249.851 ajuizada na 2ª Vara dos Feitos Municipais,
nem tampou à ACP c/c Reivindicatória nº 9.700.867.625 na 1ª
Vara.
Mais estranho ainda, o agente tutor da lei não requereu,
e tampouco o juiz, de ofício, determinou, a notificação do
alienante na Ação Indenizatória nº 960.207.488, proposta
na 2ª Vara dos Feitos Municipais pelo adquirente dos 12
lotes da Quadra B. O autor da ação – adquirente – mesmo
derrotado na sentença de 22/06/2004, que anulou a escritura
de alienação dos imóveis e declarou o domínio do Município,
mesmo assim, não requereu a notificação da empresa loteadora
Coimbra Bueno – alienante ou falso proprietário –, preferindo
demandar contra o Município!

3.5.1 Evicção por força de apreensão


administrativa
A jurisprudência e a doutrina contemporâneas
admitem a evicção ou perda do bem por força de apreensão
administrativa, decorrente de decisão final em processo
administrativo que atribua a outrem o direito sobre o bem por
causa jurídica preexistente ou contemporânea ao contrato de
alienação.
O Decreto-Lei nº 90-A/1938 e o Decreto nº 19/1951
aprovaram o plano de loteamento da da cidade de Goiânia e
do setor Bela Vista, hoje Bueno, onde se localizam os bens
litigiosos (Praça e Parque Vaca Brava). A análise dos aspectos
jurídicos relacionados a tais documentos nos fornece uma
causa motivadora da extinção do contrato de alienação de bens
constantes deste planejamento, em face do descumprimento

121
da condição estatuída em cláusula resolutiva e com encargo no
interesse geral da sociedade.
A hipótese legal aqui aventada está associada às
condições históricas próprias do desenvolvimento urbanístico
de Goiânia. O Patrimônio Socioambiental da cidade foi
constituído com as transcrições números 660 e 661, referentes
às áreas de 52 alqueires da fazenda Botafogo e de 110 alqueires
da fazenda Arranca Toco ou Vaca Brava, doadas pelos seus
proprietários rurais ao Estado de Goiás para edificar a Nova
Capital. Os doadores foram prudentes ao realizar as doações,
firmando contratos com cláusulas de reversão (art. 547 do CC)
combinada com encargo de benefício geral (art. 553 do CC).
Nesse caso, incumbe ao donatário – Estado, sucedido
pelo Município – o compromisso solene e formal “[...] de fazer
boa, firme e valiosa a doação com a finalidade de efetivar,
no terreno doado, a futura Capital do Estado, cujas terras,
entretanto, voltarão ao patrimônio dos doadores no caso de
não se cumprir o encargo da doação [...]” (MONTEIRO, 1938,
p. 101-2).
As cláusulas mencionadas são um reforço que protege
todos os bens criados no Plano de Urbanização da Cidade,
especialmente os bens públicos de uso comum, especial e
dominical. A doação com cláusula de reversão é de caráter
resolutivo, impondo-se o retorno ou a reversão dos bens doados
ao patrimônio do doador, conforme mandamento do art. 547
do CC e seu parágrafo único, que dizem: “[...] O doador pode
estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se
sobreviver ao donatário. Não prevalece cláusula de reversão
em favor de terceiro [...]”.
O doador, pessoa física natural, obviamente não
sobreviveria ao donatário, pessoa jurídica de direito público
interno, de natureza permanente. Nem por isso ficaria o Estado
ou o Município livre do encargo da doação, pois o citado art.
547 aplica-se combinado com o art. 553, parágrafo único, do

122
CC, que diz (grifamos):

Art. 553. O donatário é obrigado a cumprir os


encargos da doação, caso fossem a benefício
do doador, de terceiro ou do interesse geral.
Parágrafo único. Se desta última espécie for o
encargo, o Ministério Público poderá exigir
sua execução, depois da morte do doador, se
este não tiver feito.
Diante do exposto, o donatário – Poder Público, Estado
ou Município – tendo recebido um quinhão de terras para
construir a Nova Capital do Estado, a título de doação, com
condições estipuladas nos termos do art. 547 c/c art. 553 do
CC, não pode violar a manifestação de vontade do doador,
já que a doação com cláusula de retorno possui encargo a
benefício do interesse geral.
Tal encargo é exigível por qualquer um dos entes
legitimados da sociedade civil ou pelo agente político
representante da instituição tutora da lei (art. 29, III da CF c/c
art. 5º da Lei da Ação Civil Pública – LACP n° 7.347/85). Os
entes e agentes legitimados são competentes para propugnar
pela resolução do contrato de alienação que venha a ser firmado
pelo agente estatal com pessoas adquirentes de áreas de função
uti universi, no caso de praças, parques, hospitais, escolas e
outros bens de uso comum e especial.
Portanto, no caso em apreço, a alienação onerosa de
bens públicos, mediante contratos de compra e venda, carece
dos elementos necessários à validação do negócio jurídico,
qual seja o objeto do contrato se refere a bens que estão fora do
comércio ou res extra com­mercium, bens públicos de natureza
indisponível, inalienável, inapropriável, intransferível,
imprescritível e ainda sujeito a cláusula resolutiva de reversão
ou retorno, frente ao planejamento da cidade de Goiânia.
O negócio jurídico referido também está vitimado
pela falta do requisito basilar, qual seja, as áreas dos “lotes

123
das Quadras A e B” não pertencem ao alienante ou falso
proprietário – empresa loteadora Coimbra Bueno & Cia. Ltda.
– e sim ao Município. O falso proprietário não pode transferir
a outrem direito do qual não seja titular, em face do princípio
nemo plus iuris ad alium transferre potest quam ipse habet ou,
simplesmente, nemo plus iuris, estabelecido no art. 1.268, §
2º, do CC.
E, ainda, no caso enfocado, o alienante (Coimbra
Bueno & Cia. Ltda.) responde junto ao adquirente (qualquer
interessado) pela garantia contra o risco da evicção. Essa
responsabilidade decorre de lei e existe ex vi legis em todo
contrato oneroso ou contrato gratuito do tipo doação modal,
onerosa ou com encargo de benefício geral.
O real proprietário do bem alienado é o povo, ou
terceiro interessado, que pode ser representado na demanda
por entidade legitimada da sociedade civil ou ainda pelo agente
político tutor da lei – membro do Parquet. Qualquer um deles,
individualmente ou em litisconsórcio, pode exigir a efetivação
dos dispositivos previstos nos arts. 447, 474, 475 e 553 do CC.
A ação deve ser intentada principalmente pelo agente
tutor da lei, que é o ente legitimado para, de pleno direito, tanto
na via da ação administrativa junto ao órgão competente, como
na via da ação civil pública autônoma ou combinada com ação
petitória ou ação possessória, ajuizar o pedido da resolução
do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento ou, em
qualquer dos casos, da indenização por perdas e danos, além
das responsabilizações administrativas, civis e criminais do
falso alienante e dos adquirentes de má-fé.
No caso do Parque Vaca Brava, houve apreensão
administrativa decorrente de iniciativas desenvolvidas pelos
agentes legitimados na defesa do bem público em comento,
conforme se aduz a seguir:
• Em meados de 1992, a Associação dos Moradores
do Setor Bueno, por meio de representação da Sra. Yara

124
Castanheira de Souza, acompanhada de centenas de moradores
que assinaram o documento, noticiou e requereu ao Ministério
Público do Estado de Goiás as providências legais contra o
violento processo de degradação na área pública das nascentes
e do vale do córrego Vaca Brava, causado pelo início da
construção de um shopping, pela MB Engenharia Ltda., no
cruzamento das Avenidas T-15 e T-10, por meio do alvará nº
022-C/92 concedido pelo então prefeito Nion Albernaz;
• O MP-GO, em face do requerido, instaurou o inquérito
civil público - ICP nº 068/92/COMA, apurou a denúncia com
base em informações fornecidas pelo Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente em Goiás – IBAMA, Fundação Estadual do
Meio Ambiente - FEMAGO, Batalhão Florestal e, sobretudo,
pelo Núcleo de Defesa do Meio Ambiente do Instituto de
Planejamento Municipal – IPLAM que relatou, às fls. 24/25
do ICP, verbis (grifamos):
[...] na planta de loteamento original do
Setor Bueno a área constava como “parque”.
Em loteamento posterior a 1974, legal, mas
indevidamente, foi aprovado o loteamento
desta área verde [...] (OLIVEIRA, 1993, p. 54)

• Em 18 de maio de 1993, o 15º Promotor de Justiça


de Goiânia, Sulivan Silvestre Oliveira, protocolou a ação civil
pública – ACP nº 930.249.851, com pedido liminar, no juízo da
2ª da Vara da Fazenda Pública Municipal, contra o Município
de Goiânia, por se omitir da obrigação de zelar pela área de
preservação permanente – APP; a empresa MB Engenharia por
retirar grande quantidade de terra, em APP, no cruzamento das
Avs. T-15 com T-10; e, contra a empresa Tradição Engenharia
por descarregar toneladas de entulho na nascente do córrego
padronizar espaçamento entrelinhas: veja que na p. 125 o
espaçamento é simples e na p. 126 o espaçamento é 1,5! 125
Vaca Brava;
• O Parquet formulou 14 pedidos na ACP, todos em face
do Município, inclusive a “desocupação de todos os imóveis
localizados nos 22 lotes da Quadra B, retirar imediatamente os
entulhos, cercar a APP, reflorestar e formar um lago”; não foi
formulou, assim, nenhum pedido reivindicatório do domínio
da área a favor do real proprietário (o povo de Goiânia), de
anulação da alienação de bem público, de anulação do alvará
de construção ou sequer de paralização da obra de construção
do shopping dentro do Parque Vaca Brava;
• O Município de Goiânia na Gestão Darci Accorsi,
por sua vez, aderiu aos objetivos da ACP, manifestou
favoravelmente ao pedido liminar e apresentou os projetos
de recuperação de referido Parque Municipal, ilegalmente
loteado, às fls. 100/113, dos autos da ACP, recebendo decisão
favorável do juiz Geraldo Salvador de Moura da 2ª Vara dos
Feitos Públicos Municipais, em 28 de junho de 1993. verbis:
[...] O Município opinou sobre o pedido
liminar, através de sua Secretaria do Meio
Ambiente – SEMMA, pretendendo solucionar
o problema ambiental nas nascentes do
Córrego Vaca Brava, com medidas de curto
e médio prazo [...]. (GOIÁS, 1995, fls. 100-
113)14
• Assim, após a realização dos estudos técnicos e
14 GOIÁS. Tribunal de Justiça. Sentença homologatória de termo de
ajustamento de conduta entre o Município de Goiânia, através da Secretaria do
Meio Ambiente e o Ministério Público visando recuperar o Parque Vaca Brava.
Ação civil pública nº 930.249.851. Juiz Geraldo Salvador de Moura. 2ª Vara da
Fazenda Pública Municipal. Julg. 11/10/1995. In: MARTINS JÚNIOR (2008, p.
59-74; 1996, p..

126
jurídicos que comprovaram o domínio, a natureza e alienação
fraudulenta do Parque Vaca Brava, o Município, através da
SEMMA, por meio do Ofício nº 754, de 20/09/95, formulou à
15ª Promotoria de Justiça de Goiânia um Termo de Ajustamento
de Conduta – TAC contendo o detalhamento das medidas de
curto e médio prazo para recuperação e implantação do parque;
tais medidas foram homologadas por sentença judicial, em
11/10/95, às fls. 334/337 da ACP mencionada.
No caso da praça do Vaca Brava, a apreensão
administrativa decorreu do embargo promovido pelo
Município de Goiânia, em junho de 1995, da obra intentada
pela EMSA no terreno localizado entre as Avenidas T-3, T-05
e Rua T-66, realizado por Fiscal de Postura Ambiental da
Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma), conforme
Processo nº 8.676.127/95 – Semma, comentado alhures.
Do exposto, os entes legitimados – Associação dos
Moradores do Setor Bueno, Associação de Preservação do
Vaca Brava – Parque Sulivan Silvestre, órgão ambiental do
Município de Goiânia e Promotoria Pública – agiram em
comum acordo, pleitearam e foram autorizados pelo Poder
Judiciário a promover ações de apreensão administrativa
visando recuperar os bens públicos de uso comum do povo.
No devido processo administrativo nº 8.899.703/95
– SEMMA, o Município de Goiânia revogou atos ilegais,
anteriormente praticados, quais sejam, os mencionados
Decretos n° 99/74, nº 612/85 e nº 1.233/87 de alienação,
parcelamento e concessão de alvará de construção de
condomínio fechado com 12 prédios na cabeceira do córrego
onde posteriormente se reflorestou com espécies nativas e se
implantou o atual lago do Parque Vaca Brava.
No competente processo administrativo nº 8.676.127/95
– SEMMA, o ente legitimado do Município de Goiânia
requereu anulação do registro da praça do Vaca Brava em
nome da empresa privada adquirente (Empresa de Montagem

127
Sul-Americana S.A. – EMSA), além de promover o embargo
de um prédio de 27 andares na referida praça.

3.5.2 Evicção por força de sentença


judicial
O caso em estudo de de alienações da Praça e do Parque
Vaca Brava é paradigmático de causa jurídica preexistente
ao contrato, motivadora da apreensão administrativa do bem
na ação administrativa de evicção, dada a impossibilidade
jurídica de alienação de bens colocados fora do comércio, ou
res extra commercium, condição esta existente no Decreto n°
19, de 24 de janeiro de 1951, plano e memorial descritivo de
aprovação do loteamento do Setor Bela Vista, pelo Município,
devidamente inscrito sob o nº 15, Lv. aux. 8b, no CRI da 1ª
Circunscrição de Goiânia.
A empresa Coimbra Bueno & Cia. Ltda., alienante
do bem, firmou contrato de alienação dos imóveis com
terceiros adquirentes baseado em título sujeito à nulidade
plena e absoluta. Tal nulidade foi arguida por pessoa do povo
interessada ou por agente legitimado – MP, SEMMA ou
ONG legalmente constituída, ou mesmo de ofício pelo juízo
competente, em qualquer tempo e grau de jurisdição.
Em face do interesse comum a todos, o direito sobre
os bens públicos de uso comum do povo em questão não
prescreve, não é usucapível e que gera efeito ex tunc, em
relação aos direitos afetados, retroagindo à data da realização
do negócio jurídico nulo.
A ACP nº 9.700.867.625 com pedido liminar de
anulação das escrituras e do registro de alienação dos “lotes”
das Quadras A e B do Parque Vaca Brava, ajuizada em 1995, na
1ª Vara dos Feitos Públicos da Comarca de Goiânia, resultou

128
em anotação na inscrição dos “lotes” no CRI competente.
Os adquirentes de referidos imóveis, portanto, conhecem da
litigiosidade da coisa e não podem alegar ignorância (art. 457
do CC), assumindo, assim, os riscos da evicção.
A alienação do Parque Vaca Brava sofreu apreensão
por força de decisões judiciais, conforme fatos e fundamentos
a seguir itemizados:
• O alienante ou proprietário aparente é a empresa
Coimbra Bueno & Cia Ltda., que se apresentou como
falsa proprietária dos “lotes” das Quadras A e B do Parque
Vaca Brava, após ser autorizado ilegalmente pelo Prefeito
Municipal, através do Decreto nº 99, de 14 de fevereiro de
1974, que desmembrou e parcelou em 34 “lotes” uma área
enquadrada como bem público de uso comum, inalienável,
indisponível, intransferível, inapropriável e imprescritível,
que presta serviço uti universi de parque ecológico no Setor
Bueno, aprovado pelo Decreto nº 19, de 24 de janeiro de 1951,
inscrito sob o nº 15, Lv. aux. 8b, no CRI da 1ª Circunscrição
de Goiânia;
• Em decorrência da natureza jurídica, descrita no
item retro, o alienante e os adquirentes sofreram a perda
dos direitos proprietários sobre os bens demandados dos
mencionados lotes, por força de sentença preferida em 1996,
pelo Juiz João Ubaldo Ferreira, na ACP c/c Reivindicatória
nº 9.700.867.625 ajuizada na 1ª Vara dos Feitos Municipais.
Em decisão liminar, houve proibição de concessão de alvará
de construção e ampliação de quaisquer obras pelo Município
e pelos pretensos proprietários de lotes na área em litígio
(GOIÁS, 1996).
• Em julgamento de recurso interposto por pretenso
proprietário de “lotes” da Quadra B do parque Vaca Brava, o

129
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, no Acórdão da 3ª Turma
da 2ª Câmara Cível, em 17 de março de 2008, atribuiu efeito
suspensivo à sentença liminar, descrita no item retro, em relação
exclusivamente aos “direitos proprietários” dos adquirentes de
lotes das Quadras A e B do Setor Bueno, mantendo todos os
demais itens do decisum fustigado, destacadamente proibir o
Município de conceder alvarás de construção, nas áreas sub padron
judice, que venham causar danos ao meio ambiente; izar
• Os adquirentes, evictos ou evencidos são as pessoas espaça
físicas e jurídicas que compraram da loteadora ou de sucessores mento
algum dos 12 “lotes” da Quadra B e dos 22 “lotes” da Quadra entre-
A, e perderam o domínio sobre referidos bens por força de linhas
sentença transitada em julgado, em 22 de junho de 2004, pelo
juiz Fabiano de Aragão Fernandes, da 2ª Vara da Fazenda
Pública Municipal da Comarca de Goiânia, que declarou
válido o Decreto nº 19, de 24 de janeiro de 1951, inscrito sob
o n° 15, Lv. aux. 8b, no CRI da 1ª Zona, bem como anulou
tanto o Decreto nº 99, de 14 de fevereiro de 1974, como a
Escritura Pública de Compra e Venda dos 12 “lotes” da Quadra
B, firmada pela Coimbra Bueno & Cia Ltda. com o adquirente
Waldir Rodrigues do Prado;
• O terceiro interessado, evictor ou evincente, é o povo
de Goiânia, representado, no caso, pelos agentes legitimados
– Município de Goiânia/SEMMA e organizações não
governamentais que representam a comunidade dos moradores
– e pelo agente tutor da lei, membro do MP-GO, Promotor ou
Procurador de Justiça (art. 5º da LACP n° 7.347/85 c/c art. 29,
III da CF).
Da mesma forma, a alienação da praça do Vaca Brava
sofreu apreensão judicial por força de decisão final, transitada
em julgado, proferida pelo Superior Tribunal de Justiça - STF,
conforme amplamente discorrido no capítulo 3.3, supra.

130
Na evicção, o alienante responde pelas verbas recebidas,
equivalentes aos preços dos “lotes” pagos pelos adquirentes e
que continuam devidas a eles; responde também pelas verbas
indenizatórias relativas aos prejuízos morais e matérias de
negócio jurídico baseado na fraude do mapa do Setor Bueno.
De acordo com o art. 459 do CC, o alienante estaria
desonerado das obrigações de reparação civil caso constasse dos
contratos de compra e venda firmados com os adquirentes dos
respectivos imóveis expressa cláusula de irresponsabilidade,
mediante ciência da ação civil pública c/c reivindicatória em
curso, renunciando cada adquirente a toda garantia. No caso
em estudo, tal cláusula não existe.
A demanda pelo domínio da área do parque onde estão
os “lotes” das Quadras A e B é do mais amplo conhecimento
público, não só veiculado pelos meios de comunicação
social, como os interessados diretos foram notificados nos
devidos processos legais. As constrições decorrentes de
sentença proferida na ação civil pública c/c reivindicatória nº
9.700.867.625 pelo Juízo da 1ª Vara dos Feitos Municipais, e,
sobretudo, pela sentença de nulidade do negócio jurídico em
comento, na ação indenizatória nº 960.207.488 pelo Juízo da
2ª Vara, estão anotadas à margem dos registros dos imóveis no
CRI competente. Por esta razão, se torna impossível admitir,
na espécie, em face dos adquirentes, a hipótese de aplicação da
Propriedade Aparente, como se discorre a seguir.

3.6 A Teoria da Propriedade Aparente


não se aplica ao caso analisado

A Propriedade Aparente, segundo Rosenvald (2014,


2006) é uma forma de personalização do direito de propriedade

131
em face da dispersão de titularidades no sistema jurídico
contemporâneo, no qual convivem vários proprietários, como
o resolúvel, o fiduciário e o superficiário. Nesse sentido, o
direito enfoca a proteção dos adquirentes patrimoniais com
base em uma aparente disposição de titularidade e legitimação,
à custa do sacrifício econômico do verdadeiro titular, em
situações legalmente determinadas.
A aparência no direito civil tem o escopo de proteger
situações de íntima interação entre o fenômeno jurídico e o
fenômeno social, não sendo possível assimilar um sem o outro,
sendo aconselhada a validação dos atos praticados por pessoas
que não possuem o direito de realizá-los, mas aparentam, aos
olhos de todos, como se fossem os verdadeiros titulares desse
direito que convencionou transmitir.
O doutrinador Rosenvald (2014, 2006) ensina que a
propriedade aparente é uma categoria jurídica autônoma do
quadro pluralista da propriedade moderna, dotada de elemento
peculiar de aparência de propriedade, derivada do princípio
da confiança e da regra geral do Estado de Direito. Assim, o
conceito encerra vocação protetiva, voltada para a segurança
do negócio jurídico, dentro do comércio honesto, justificando,
numa aquisição a non domino, a perda da propriedade pelo
verdadeiro dono do imóvel, em favor do terceiro adquirente
de boa-fé.
Em face de a propriedade constituir uma aparência
convertida em realidade ligada à prova da sua titularidade
formal, pode ocorrer uma situação de fato que manifesta como
verdadeira uma situação jurídica inexistente, mas geradora
de efeitos jurídicos em favor de quem confiou no estado de
aparência. Tal situação somente se justifica quando ocorre
erro escusável e incidindo em boa-fé daquele que tomou o
fenômeno real como reflexo de uma situação jurídica, na qual
a aparência prevalece sobre a realidade.

132
3.6.1 A Teoria da Propriedade
Aparente só ampara direito subjetivo
lícito e ético

A Teoria da Propriedade Aparente se justifica por


razões sociais e econômicas em face do reconhecimento
da eficácia de atos praticados por pessoa que se apresenta
como proprietária de um bem sem que o seja de verdade, por
aparentar a titularidade do direito subjetivo, visando proteger
os interesses dos adquirentes de boa-fé, solucionando o conflito
entre o titular aparente e o titular real, mediante sacrifício deste
último.
A propriedade e a consequente titularidade aparente
são provenientes da aquisição a non domino. A incidência da
hipótese de aquisição a non domino só ocorre entre terceiro
adquirente de boa-fé e titular aparente da propriedade. Fora
desta hipótese, incide o princípio nemo plus iuris, que exprime a
impossibilidade jurídica da aquisição de um direito transmitido
por quem não é o seu titular, conforme regra do art. 1.268, §
2º, do CC, que diz “[...] não transfere a propriedade a tradição
quando tiver por título um negócio jurídico nulo [...]”, pois
ninguém pode transferir mais direitos do que possa dispor.
Assim, a aquisição a non domino é aquela feita pelo
terceiro adquirente de boa-fé ao titular aparente da propriedade,
investindo-o na titularidade do direito real, com efeito para
todos mediante ato do registro e imediata transferência da
propriedade. Enquanto não for desconstituída, tal situação de
aparência produz eficácia erga omnes como modo aquisitivo.
A aquisição a non domino difere completamente da
venda a non domino; nesta há um negócio jurídico inexistente
em face do proprietário real, que não deu o seu consentimento,
haja vista que o alienante ou falso proprietário não era o titular
do direito subjetivo.

133
No caso da venda a nom dominio da Praça e do Parque
Vaca Brava, por se tratar de bens públicos não usucapíveis
(art. 183, § 3º, da CF c/c 102 do CC), os adquirentes da área
da praça e dos lotes das Quadras A e B do parque, mesmo
que de boa-fé, não serão tutelados pelo direito da propriedade
aparente em razão de duplo vício originário: inexistência da
declaração de vontade do proprietário real e negócio jurídico
nulo de pleno direito.
Nem mesmo se aplicaria aos adquirentes de tais bens
públicos a possibilidade de ação de responsabilidade civil
contra o alienante ou falso proprietário pela evicção, nos
termos do art. 447 do CC, já que eles conhecem do vício
originário, em face das anotações das constrições decorrentes
de apreensões administrativas e sentenças judiciais à margem
dos registros dos imóveis por eles adquiridos.
Na aquisição a non domino, encontra-se a propriedade
aparente em sua essência, pois incidiria a hipótese de terceiros
adquirentes que, de boa-fé, confiam em uma situação aparente
de propriedade e, com base nesta confiança, se investem
em uma titularidade dentro das aplicações tuteladas pelo
ordenamento jurídico para aplicação da Teoria da Propriedade
Aparente.
As aplicações da teoria em comento têm, em comum,
o fato do terceiro de boa-fé ou adquirente do direito de
propriedade imobiliária pela via do registro (art. 1.245, do CC)
não se submeter à perda do bem a favor do proprietário real,
mesmo que este comprove a titularidade real sobre a coisa,
impossibilitado de reivindicá-la contra o terceiro de boa-fé que
se amparou em erro invencível na realização de uma aquisição
a título oneroso. Nessas situações, a aparência suprime o
poder de sequela do proprietário real, tornando inócuo o art.
1.245, parágrafo único, do CC, restando ao proprietário real a
pretensão indenizatória contra o do proprietário aparente que
alienou a coisa ao terceiro adquirente de boa-fé.

134
3.6.2 As quatro aplicações da
Aparência no Direito de Propriedade

As quatro aplicações da Aparência no Direito de


Propriedade, abaixo descritas, constituem exceção à regra nemo
plus iuris. O propósito da execução é evitar prejuízo injusto
ao adquirente de boa-fé, qual seja, na colisão de princípios,
o direito de propriedade do verdadeiro titular será sacrificado
para que seja tutelada a situação jurídica da aparência do
terceiro de boa-fé. As aplicações são:
• Adquirente de bens provenientes do herdeiro
aparente (arts. 1.817 e 1.827, p.u., do CC): tais dispositivos
acautelam terceiros de boa-fé que adquirem bens de herdeiro
aparente – aquele que é excluído por indignidade, privado da
herança em razão da invalidação do testamento ou afastado da
sucessão em razão do aparecimento de herdeiro mais próximo
ao falecido –, prevalecendo os atos dispositivos praticados pelo
herdeiro aparente em favor do adquirente de boa-fé, mesmo
que em detrimento do verdadeiro herdeiro;
• Pagamento indevido (art. 879, p.u., do CC):
situação em que determinada pessoa – accipiens – recebe
uma prestação a que não tem direito, por exemplo, a entrega
de um bem imóvel, daquela pessoa que efetuou o pagamento
– solvens. Caso o accipiens aliene a coisa onerosamente a
terceiro de boa-fé, este não sofrerá a perda do bem em face
do que pagou por erro, pois será amparado pelo princípio
da aparência, que impedirá o exercício do poder de sequela
pelo accipiens. Restará a este obter a devolução da quantia,
eventualmente acrescida de perdas e danos, exceto se restar
provado que ele recebeu pagamento indevido e de má-fé, do
solvens, que alienou coisa que não lhe pertencia;
• Fraude contra credores (arts. 161 do CC e 47 do

135
CPC): aduz que a ação pessoal pauliana ou revocatória só
poderá ser ajuizada pelo credor contra o devedor insolvente e a
pessoa com quem ele celebrou o negócio jurídico fraudulento,
sem a possibilidade de alcançar o subadquirente de boa-fé, que
não teve conhecimento da insolvência do primitivo alienante
(devedor fraudulento);
• Negócio jurídico simulado (art. 167, § 2º, do CC):
na simulação, duas pessoas de comum acordo praticam um
negócio jurídico cuja aparência não corresponde à verdade,
forjando, intencionalmente, uma declaração para iludir
terceiros. Se o falso adquirente aliena o imóvel a terceiro de
boa-fé, não será este prejudicado por futura e eventual ação de
nulidade do negócio jurídico. O dolo ou o conhecimento do
vício afasta esta hipótese de aplicação da aparência.

3.6.3 A dúplice finalidade da


Propriedade Aparente
Em síntese, a finalidade da Propriedade Aparente é
dúplice: proteger os que são iludidos pela aparência criada
pelos fraudadores; e, sancionar os beneficiários do ato secreto,
de forma a impedir que possam invocar em face de terceiros
os direitos que eles dissimularam anteriormente. A boa-fé do
terceiro consiste em desconhecer a fraude, pois se dela tivesse
ciência, fatalmente seria atingido pela nulidade do negócio
jurídico originário.
Portanto, pelo exposto, a Propriedade Aparente é um
instituto legal que visa a um só objetivo: promover a garantia
e a estabilidade do setor imobiliário mediante proteção do
adquirente de boa-fé. De acordo com Rosenvald (2014, 2006),
a Propriedade Aparente de um bem se consume com a omissão
ou, às vezes, até com a participação daquele que seria o verda­

136
deiro proprietário do imóvel, visando ludibriar o adquirente
ingênuo ou desinformado.
No caso em estudo, os adquirentes da Praça e do Parque
Vaca Brava sofreram a constrição por apreensão administrativa
intentada pelo Município, ao revogar atos praticados em negócio
jurídico ilegal, fraudulento e viciado por causas anteriores e
contemporâneas à formação do contrato de alienação entre o
alienante e os adquirentes de bem público de uso comum do
povo. A apreensão administrativa foi confirmada por sentenças
judiciais definitivas. Dessa forma, não houve omissão do real
proprietário e, portanto, não se consumou a aparência da
propriedade, desfazendo as hipóteses tanto da Propriedade
Aparente como do adquirente de boa fé.

3.6.4 A máfia da grilagem urbana


O Direito Urbanístico é um conjunto de medidas
estatais voltadas para a organização dos espaços habitáveis,
de maneira a melhorar as condições de vida do cidadão que
mora na cidade. São vários os entraves a serem superados para
o alcance desse objetivo, destacando-se a grilagem do espaço
urbano, que dilapida o patrimônio coletivo e usurpa do povo
um valor expressivo da riqueza social em proveito de uma
minoria gananciosa.
A grilagem tem raízes coloniais. Usando diversos meios
e em conluio com representantes do Poder Público, os grileiros
avançaram e continuam avançando até hoje, em pleno século
XXI, sobre as terras da União, dos Estados e dos Municípios,
em territórios indígenas, em áreas legalmente protegidas de
unidades de conservação. A expertise da grilagem está na
falsificação de títulos de propriedade com a conivência de
cartorários e de agentes públicos desleais nos órgãos de decisão

137
política e nos de planejamento urbano. Cartórios, órgãos de
terras, de planejamento rural e urbano. O instrumento mais
usual é a violência para expulsar posseiros, comunidades
tradicionais, quilombolas e indígenas, mas também passa pela
manipulação das comunidades periféricas como boi de piranha
para ocupação de morros, áreas de risco, margens de rios,
sobretudo em zonas metropolitanas, com o fim de produzir
fatos de expansão urbana desenfreada e geração de milionários
ganhos de mais-valia fundiária.
Nas cidades, os grileiros se organizam como máfia
urbana, uma associação criminosa de agentes públicos e
privados especializados na apropriação do patrimônio público
legalmente protegido, que são os espaços livres de uso comum
e especial destinados a parques, praças, escolas, postos
de saúde e até vias de circulação. A grilagem urbana é um
grande negócio das milícias do Rio de Janeiro, mas também
de inescrupulosos agentes produtores do espaço urbano das
capitas, grandes e médias cidades, que se associam a uma
minoria inescrupulosa do poder público - oficiais cartorários,
agentes do poder executivo, legislativo e do judiciário.
A alienação ilegal e fraudulenta da praça e do Parque
Vaca Brava, infelizmente, constitui triste mácula na história
do desenvolvimento urbano de Goiânia. Tais casos compõem
o Patrimônio Histórico, Ambiental e Cultural de Goiânia que
foram alvos da sanha criminosa, dilapidadora e usurpadora da
máfia da grilagem urbana.
Os mafiosos atuaram com muita desenvoltura,
sobretudo, durante os governos de exceção à frente do Poder
Local, destacando-se, no caso, as décadas de 1970 e 1980,
quando o Município tratou os bens públicos como res in
commercium. No caso em exame, foram editados o Decreto
nº 99, de 14.02.1974 de desmembramento e parcelamento das
Quadras A e B; o Decreto nº 612, de 08.11.85 de remembramento
da Quadra B; o Decreto nº 1.233, de 16.10.1987, de concessão

138
do alvará de construção de uma dúzia de prédios na cabeceira
do córrego Vaca Brava e a concessão do alvará de construção
de um prédio de 27 andares na praça do Vaca Brava.

Fig. 06.Fig. 06. eOa Praça


O Parque Parque e a Praça
do Vaca Brava sódo
nãoVaca Brava
ficaram assim só não
porque
ficaram assim porque
o Município, em 1995,orevogou
Município,
alvarásem 1995, revogou
de construção alvarás
ilegalmente
de concedidos,
construção ilegalmente
em 1992, concedidos,
de 12 prédios em 1992,
na Qd. B na nascente de 12
do córrego
Vaca Brava (Proc. 8.899.703/1995); de um prédio
prédios na Qd. B na nascente do córrego Vaca Brava (Proc. na praça do Vaca
Brava entre as Avenidas T-5 e T-3 (Proc. 8.676.127/1995); e obteve a
8.899.703/1995); de um prédio na praça do Vaca Brava entre as
outorga com gravame de perpetuidade como área verde dos terrenos dos
AvenidaslotesT-5
10 ee 11
T-3da(Proc.
Qd. A, 8.676.127/1995);
entre as Avenidas T-10 e obteve a outorga
e T-3 (Proc.
com gravame de perpetuidade como área verde
8.308.465/95), no St. Bueno, em Goiânia-GO. dos terrenos
dos lotes 10 e 11 da Qd. A, entre as Avenidas T-10 e T-3 (Proc.
8.308.465/95), no St. Bueno, em Goiânia-GO.

Reitera-se que o MP-GO, por requerimento do órgão


municipal do meio ambiente, em conjunto com a Associação
dos Moradores do Setor Bueno, sucedida pela Associação
de Preservação do Vaca Brava – Parque Sulivan Silvestre
(APVB), ajuizou ACP n° 9.700.867.625 c/c Reivindicatória,
de anulação da escritura de alienação do bem público Parque
Vaca Brava, em 1995, resultando, por força da sentença liminar
do juiz da 1ª Vara dos Feitos Municipais, em 1996, efeitos da

139
evicção aos adquirentes dos imóveis demandados.
Entrementes, sabedor da litigiosidade da coisa, o ad-
quirente do bem público situado na Quadra B (cabeceira do
córrego Vaca Brava), não chamou à lide o alienante ou fal-
so proprietário – empresa loteadora do St. Bueno, mas sim, o
Município de Goiânia, que se tornou réu em ação de reparação
civil por dano ao “direito proprietário” de adquirente de má-fé,
na 2ª Vara dos Feitos Municipais, sob o nº 960.207.488.
A ação indenizatória na 2ª Vara transitou em julgado
com sentença de 22 de junho de 2004 que anulou os decretos
de parcelamento e de autorização construtiva na área pública,
anulou a escritura de compra e venda, reintegrou o Município
à posse e ao domínio do bem demandado e declarou a validade
da inscrição nº 15, Lv. aux. 8b, no CRI da 1ª Circunscrição da
Comarca de Goiânia.
No entanto, paradoxalmente, o Município foi condena-
do, em 25 de agosto de 2018, a pagar ao adquirente de má-fé
astronômico valor de verba indenizatória, pelo mesmo Juízo
da 2ª Vara dos Feitos Públicos Municipais, verbis:
Posto isto, pelas razoes consig-
nadas alhures, excluo da indenização
os valores atinentes aos quesitos 02,
03, 05, 07, 08, 09 e 10 [...], fixando
seu valor em R$ 25.857.000,00 (vinte
e cinco milhões oitocentos e cinquen-
ta e sete mil reais), pertinente ao valor
da terra nua, acrescido das custas pro-
cessuais adiantadas pela parte autora e
honorários advocatícios [...]. (GOIÁS,
2004, parte dispositiva)
O Município de Goiânia recorreu ao TJ-GO contra a
decisão acima transcrita, mas a 1ª Câmara Cível do Pretório
Goiano, através de decisão do desembargador Luz Eduardo de

140
Souza, proferida em, 4 de dezembro de 2018, não só manteve
a condenação do Município, como aumentou o valor da verba
indenizatória e determinou o pagamento de R$ 213,4 milhões
de reais, em valor atualizado (dez. 2022), ao grileiro do Parque
Vaca Brava (PORTAL DIA ONLINE, 2018).
A condenação judicial em comento penalizou
injustamente o povo de Goiânia. Uma condenação absurda,
já que, no devido processo administrativo SEMMA nº
8.899.703/95, o Município revogou o Decreto nº 99/1974
de desmembramento e de parcelamento das quadras A e B;
revogou o Decreto nº 612/1985 de remembramento da quadra
B; revogou o Decreto nº 1.233/1987 de concessão do alvará de
construção de 12 prédios na Quadra B do Parque Vaca Brava
(GOIÂNIA, 1996). Os decretos de alienação do parque, de
natureza absolutamente ilegal, também foram anulados por
sentença transitada em julgado, proferida em 22 de junho de
2004, pelo juiz Fabiano de Aragão Fernandes da 2ª Vara dos
Feitos Municipais (GOIÁS, 2004; GOIÂNIA, 1996; PÓVOA,
1996a,b).
Ainda mais grave, a alienação do bem demandado,
objeto da ação indenizatória, ocorreu mediante fraude
comprovada por perícia criminalística na planta do Setor
Bueno (GOIÂNIA, 1996).
Segundo Di Pietro (2012), a Administração tem
competência para, de ofício ou por provocação, anular ato
ilegal, inclusive sem formalidades especiais e sem prazo
determinado, salvo os casos previstos em lei, bastando que
a autoridade demonstre a nulidade com que foi praticado, tal
como sói ocorrer no caso presente.
O Pretório Goiano, contrariando afrontosamente os

141
princípios consagrados da norma, jurisprudência e doutrina
sobre o tema, decidiu premiar o fraudador e condenar a vítima
do esbulho – o povo. O TJ-GO, no caso concreto, proferiu
decisão imoral, antiética e antijurídica em benefício de
mafiosos da grilagem urbana que atuam em Goiânia.

3.6.5 O PREJUÍZO CAUSADO PELA


GRILAGEM DO PATRIMÔNIO
AMBIENTAL DE GOIÂNIA
O prejuízo causado pela grilagem do Parque Vaca Brava
associa-se ao processo de dilapidação do valioso Patrimônio
Ambiental da Capital de Goiás, que pode ser avaliado a partir
da valoração econômica do bem ambiental. Para se entender
melhor essa questão, de elevada complexidade técnica, é
preciso recorrer à literatura especializada, que se faz a seguir.
Na pesquisa de tese para lograr
dissertação parao lograr
título de Doutor de
o título em
Ciências
Mestre em Ambientais peloInstituto
Ecologia pelo Centro de Ciências Biológicas
Ambientaisdada
Universidade Federal de Goiás – Ciamb/UFG,
ICB / UFG, o autor deste
livro pesquisou os dados cartográficos do Município de
Goiânia, utilizado a técnica do geoprocessamento do Sistema
Geográfico de Informação – SGI do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais – INPE. As informações cartográficas
foram organizadas em 32 áreas de estudo agrupando os bairros
da capital de acordo com o macrozeamento urbano e rural da
cidade. Todos os 518 bairros regularizados e não regularizados
foram levantados produzindo 32 mapas temáticos que
identificam detalhadamente o Patrimônio Ambiental de
Goiânia e, a contrario senso, revelou o patrimônio que foi

142
dilapidado, a partir da comparação dos planos de loteamento
aprovados oficialmente e da compilação dos mesmos com as
imagens aerofotogramétricas do Município, vôo 1988, escala
1:5.000 reduzida para 1:10.000.
Dessa forma, Martins Junior (2013) levantou e
classificou os Espaços Livres Legalmente Protegidos de
Goiânia, constituído por um tesouro valioso de 116,3 milhões
de metros quadrados de praças, parques, parques lineares,
verde viário, jardim de representação, espaços livres públicos
e de equipamentos urbanos.
Por outro lado, o autor demonstrou que este Patrimônio
Ambiental goianiense está à mercê da atuação da máfia da
grilagem urbana e seus cúmplices da dilapidação dos bens
públicos. Essa máfia com atuação organizada responde pela
alienação de 8,419 milhões de metros quadrados de espaços
livres. As áreas públicas alienadas são aquelas que eram
originalmente destinadas ao uso público, comunitário e especial,
mas sofreram um processo de privatização e desvirtuamento da
sua destinação original. A alienação alcançou 12,24% de um
tesouro que pertence ao povo, isto é, de cada 10 m² de espaços
livres legalmente protegidos – ELPs, 1,22 m² foram alienados.
Assim, o grau de dilapidação do patrimônio público de Goiânia
é de 12,24%, isto é, de cada 10 m² de áreas públicas, 1,22 m²
foram dilapidados (MARTINS JUNIOR, 2007, p. 161)

O caráter segregacionista das cidades


subdesenvolvidas
O levantamento empreendido por Martins Junior (2013)
se inseriu nos estudos sobre os fundamentos de gestão do
espaço urbano para a promoção da função socioambiental
da cidade. O caráter de segregação socioambiental das urbes
latinoamericanas e brasileiras, em cujo contexto se insere a

143
capital de Goiás, é marcado pela desordenada substituição
da cobertura natural do solo, dentro de um processo de
urbanização insustentável que não respeita sequer os espaços
legalmente protegidos.
Nas zonas rural e de expansão urbana são adotados
usos dos solos que determinam uma perversa periferização
das regiões metropolitanas, caracterizada pela deficiência de
infraestrutura onde aglomeram os excluídos, submetidos aos
múltiplos aspectos da degradação socioambiental.
Por sua vez, nas zonas urbanas dotadas de infraestrutura
pública, imprime-se um uso abusivo e seletivo do solo mediante
intenso adensamento e verticalização, proporcionando lucros
máximos aos agentes produtores do espaço urbano. Tais
fenômenos são inerentes à apropriação especulativa da mais-
valia urbana nas cidades dos países capitalistas dependentes,
resultando na acelerada e acentuada redução dos remanescentes
da vegetação nativa e no empobrecimento da biodiversidade
urbana.

O indicador de de
O indicador sustentabilidade,
sustentabilidade,o oIAV
IAV ee aa
dilapidação do
dilapidação do patrimônio
patrimônio público
público
Martins Junior (2013) avaliou a sustentabilidade do
desenvolvimento goianiense durante longo período da sua
história e concluiu que os usos do solo urbano, de expansão
urbana e rural são absolutamente insustentáveis. Essa
conclusão está baseada no cálculo de um indicador do uso do
solo, chamado Índice Normalizado de Remanescente – INR,
que indica, numa escala de -1 a +1, a ausência ou presença de
remanescentes em cada zona de uso do solo e o seu respectivo
grau de preservação. Este indicador é dado pela equação: INR
= (ARt - AUt)/(ARt + AUt), sendo, ARt: área de remanescente
total do município e AUt: área de uso total do município.
O indicador de uso do solo, baseado no INR, tende a
produzir resultado esperado quase sempre negativo, dada
a natureza do desenvolvimento capitalista dependente que
vigora nas cidades dos países menos desenvolvidos. O uso do

144
solo, com indicador de sustentabilidade expresso no INR, no
entanto, embora possua componente tendencioso negativo,
está submetido aos ditames legais de uso e ocupação do solo.
Dentro da área urbanizada, os Espaços Legalmente
Protegidos - ELPs são as Zonas de Proteção Ambiental – ZPAs
estabelecidas no Plano Diretor das Cidades, que representam a
disponibilidade de espaços livres de uso comum da população.
Goiânia foi planejada pelo arquiteto-urbanista Attílio Corrêa
Lima e pelo engenheiro-urbanista Armando Augusto de
Godoy, em 1933, dentro da concepção de Cidade Jardim de
Ebener Howard, com generosos espaços livres disponíveis por
habitante. Martins Junior (2001; 2007) calculou o Índice de
Área Verde de Goiânia em 100 metros quadrados per capita.
O Patrimônio Ambiental goianiense é um dos maiores das
capitais e grandes cidades brasileiras.
O plano original da Cidade é a fonte originária
deste valioso Patrimônio Ambiental. Contudo, por razões
historicamente contextualizadas, discutidas na obra citada,
aliadas à falta de consciência, gestão e controle, este tesouro
do povo encontra-se submetido à atuação de uma máfia
oficializada.
A Praça e o Parque Vaca Brava se situam dentro de uma
das 32 áreas de estudo do pesquisador citado, qual seja, os
distritos Central, Sul, Oeste, Aeroporto, Marista, Bueno e
Setor Bela Vista de Goiânia, na qual a área pública alienada
e desvirtuada da sua função original é de 1,15 milhões de
m², representando um índice de 32,56% de dilapidação do
patrimônio público, destacando-se a alienação de 356.630 m²
de parques, praças e equipamentos públicos do Setor Bueno
(MARTINS JUNIOR, 2007, p. 177).
Por sua vez, nas zonas rural e de expansão urbana,
a urbanização se realiza em obediência às diretrizes legais
aplicáveis ao uso do solo rural, de maneira que haveria um
freio limitador à negativação extrema do INR. A zona rural
de Goiânia, situada no bioma Cerrado, de acordo com a Lei
Florestal, em qualquer propriedade rural, obriga-se à delimitação
da Reserva Legal – RL de, no mínimo, 20% de cada imóvel.

145
A este percentual, são adicionados outros requisitos cogentes
ou de cumprimento obrigatório como as Áreas de Preservação
Permanente – APPs, as Unidades de Conservação – UCs, a
Servidão Ambiental, o Cadastro de Reserva Ambiental – CRA,
a Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN, além de
outros requisitos de disposição voluntária.
Daí que, embora esperado um INR negativo como
indicador do uso do solo, o desrespeito à Lei e à natureza
aproximam o valor do INR para o extremo da unidade negativa
(-1), enquanto o respeito à Lei e à natureza aproximam o valor
do INR para o lado oposto, a unidade positiva (+1), dentro
desta escala de sustentabilidade.
Martins Junior (2013) estimou o INR geral da cidade
de Goiânia (zonas urbana, de expansão urbana e rural): em
1986, o INR goianiense possuía valor negativo de -0,58 e,
em 2010, o INR passou a ostentar valor negativo de -0,84.
No curto período de uma década e meia de desenvolvimento
da cidade, o INR se aproximou cada vez mais para o polo
extremo da unidade negativa -1, indicando forte, agressivo e
intenso processo de uso do solo, com a substituição cada vez
mais rápida da cobertura natural (desmatamento de florestas
estacionais e semiestacionais, veredas, campos, cerrados,
drenagens de várzeas e supressão de outras formas naturais).
A paisagem foi fortemente antropizada, a cobertura natural do
solo desapareceu a olhos vistos, fazendo surgir as superfícies
não naturais das obras e dos serviços implantados pelo homem
em decorrência da urbanização.
Em Goiânia, uma cidade planejada, que dispõe de
valioso Patrimônio Ambiental, em face da ausência de efetivas
políticas públicas e de gerenciamento deste patrimônio, a
grilagem dos espaços livres se converte na forma mais violenta
e danosa de dilapidação dos bens pertencentes aos cidadãos.
A grilagem do Parque Vaca Brava, no Setor Bueno,
explicita com eloquência o fenômeno aqui abordado: causou
a dilapidação de um Espaço Legalmente Protegido da Fazenda
Vaca Brava – APP da cabeceira e margens do córrego Vaca
Brava – convertido em Unidade de Conservação no Plano de

146
Loteamento do Setor Bela Vista pelo Decreto nº 19/51. Esse
bem público foi apropriado mediante crime de falsificação do
mapa urbano, causou impactante prejuízo ao cidadão, que se
viu desnorteado, desamparado, em face da ação praticada por
poderosos agentes privados e públicos, tanto em períodos de
vigência ditatorial, como em período pós-ditatorial, sob a égide
do Estado de Direito, com o beneplácito do Poder Judiciário e
do Ministério Público.
A valoração ambiental
A valoração do parque
ambiental do parquee da
e dapraça
praçadodo Vaca
Brava
A dilapidação do Parque Vaca Brava roubou da população
um bem que lhe pertence e privou a sociedade dos benefícios
socioambientais proporcionados pelo parque que deixou de
existir. Como parte do parque foi recuperado pela luta da
Secretaria do Meio Ambiente – SEMMA, em parceria com a
comunidade, durante a gestão do Prefeito Darci Accorsi (1º
de janeiro de 1993 a 1° de janeiro de 1997), torna-se possível
avaliar o valor do prejuízo causado pela grilagem do parque a
partir do cálculo do valor econômico proporcionado pela sua
implantação parcial, graças àquela luta.
Para tal, a analista judiciária do TJ-GO, Lúcia Viegas
Fernandes Amazonas, aplicou o Método de Preços Hedônicos
– MPH na sua pesquisa de dissertação para obtenção do
título de Mestre em Gestão Econômica do Meio Ambiente do
Programa de Pós-Graduação do Departamento de Economia
da Universidade de Brasília (AMAZONAS, 2010).
A autora estimou, em janeiro de 2010, o valor econômico
do Parque Vaca Brava, correspondente à área de 77.760 m² da
Quadra B, entre a Av. T-10 e a Rua T-66. Para os efeitos de
avaliação atualizada dos benefícios econômicos da área verde
em estudo, devem ser adicionadas as seguintes áreas:
i) 2.221 m² do playground que o prefeito Pedro Wilson
(2001 a 2004) implantou e anexou ao parque;
ii) 6.619 m² da praça entre as Avenidas T-3 e T-5, que foi
integrada ao parque por decisão do STJ, em 18 de dezembro
de 2018;

147
iii) 17.500 m² correspondentes às áreas dos lotes 10 e
11 averbadas com o gravame da perpetuidade de uso comum,
pela MB Engenharia, para o cumprimento de obrigações
estabelecidas no TAC homologado por sentença do juiz da 2ª
Vara dos Feitos Municipais, Geraldo Salvador de Moura, no
processo nº 930.249.851 e, em consequência de tal gravame,
devem ser consideradas as Áreas de Preservação Permanente
– APPs ao longo das margens do córrego Vaca Brava dos lotes
5 a 9, todos na Quadra A do Parque Vaca Brava.

O cálculo
O cálculo do valor
do valor econômico
econômico do parque
do parque pelopelo Método
Método de
de Preços
Preços Hedônicos
Hedônicos

As áreas somadas do parque e da praça do Vaca


Brava, na atualidade, perfazem efetivamente 104 mil metros
quadrados de área verde. Trata-se de um ativo provedor de
benefícios socioambientais passíveis de serem valorados
economicamente, qual seja, o bem ambiental, embora fora do
mercado, pode ser precificado pelo valor de mercado de acordo
com as regras do sistema capitalista, aplicando-se métodos
cientificamente válidos.
Amazonas (2010) utilizou o Método de Preços Hedônicos
– MPH de valoração ambiental. A função hedônica, calculada
pela autora, foi composta por uma (01) variável dependente
– o valor venal do terreno e por quarenta e sete (47) variáveis
independentes.
O valor venal foi determinado por fatores que interferem
na composição do valor do imóvel, como, por exemplo: a
área, a destinação ou a natureza da utilização do terreno,
a área construída, o valor unitário do metro quadrado, os
serviços públicos existentes, a valorização do logradouro, a
acessibilidade e outros aferidos no mercado imobiliário.
As variáveis independentes consideradas pela
pesquisadora foram vinte (20) características intrínsecas
ou estruturais do imóvel (R), dezenove (19) de serviços de
políticas públicas socioeconômicas (SE) e duas (02) variáveis
ambientais (A), relativas aos atributos de 13.207 imóveis

148
distribuídos numa área de 11,46 milhões de metros quadrados
em torno do parque.
As variáveis ambientais consideradas foram uma (01)
relacionada à distância de cada imóvel ao parque e uma (01)
relacionada à vista do imóvel para o parque. Assim, “distância”
e “vista” medem as amenidades ou benefícios ambientais do
parque em relação a cada moradia.
A pesquisadora Lúcia Viegas Fernandes Amazonas,
na obra citada, calculou um valor médio do parque (77.760
m²) em R$ 224,53 milhões de reais (jan. 2010). Este valor
médio foi atualizado utilizando a planilha oficial de cálculo
do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios –
TJDFT, perfazendo R$ 1,236 bilhões de reais (dez. 2022). A
análise econométrica pautada no uso da função linear apontou
uma redução de R$ 38,00 no valor atualizado do imóvel, para
cada metro que este se distancia do parque.
O benefício econômico ambiental calculado de R$ 1,236
bilhões de reais, por meio do MPH, corresponde à área de
77.760 m² do parque e se refere ao valor de uso direto (quando
o benefício deriva diretamente da forma atual de uso), valor de
uso indireto (quando o benefício deriva da forma atual indireta
proporcionada pelos serviços ecossistêmicos de controle
e regulação do clima) e valor de opção (aquele atribuído a
possível uso futuro do bem ambiental dotado de propriedades
úteis à sociedade humana ainda desconhecidas).
No entanto, o valor econômico total (VET) do parque
é superior ao valor calculado, não só por que a área verde
atual, de 104 mil m², é superior àquela considerada no cálculo
(77.760 m²), como também por razões metodológicas.
O VET é dado não só pelo valor de uso (VU), mas
também pelo valor de não uso (VNU). O método utilizado
(MPH) não consegue captar o valor de não uso ou de existência,
que é o valor intrínseco que independe dos usos e que depende
tão só do direito de existência da biodiversidade. O VNU se
relaciona aos valores humanos de ordem cultural, moral, ética
ou altruísta.
Assim, pode-se afirmar que o valor econômico total do
parque supera o valor calculado por Amazonas (2010). Partindo
do trabalho desta autora e considerando o valor ambiental de
cada m² em R$ 15.895 reais, pode-se estimar que o benefício
gerado pela área atual de 104 mil m² do parque e da praça
do Vaca Brava, referente ao valor de uso direto, indireto e de
opção, pode ser estimado em R$ 1,65 bilhões de reais.

Fig. 07. A área verde atual de 104 mil metros quadrados do parque e da
praça do Vaca Brava gera um benefício econômico superior a R$ 1,65 bi-
lhões de reais
Depreende-se do exposto que a grilagem do Parque
Vaca Brava e das áreas que integram o Patrimônio Público
do Setor Bela Vista, atual Setor Bueno, causam prejuízos ao
cidadão que podem ser estimados em:
i) R$ 1,4 bilhões de reais decorrente da alienação
fraudulenta de 90.164 m² da área da Quadra A do Parque Vaca
Brava, impedindo a geração dos benefícios econômicos direto,
indireto e de opção de área pública de uso comum do povo,
inalienável, imprescritível e não usucapível;
ii) R$ 213,4 milhões de reais pelo pagamento
ao grileiro do Parque Vaca Brava, de verba indenizatória,
evidenciando flagrante conflito normativo, doutrinário e
jurisprudencial atinentes ao caso;
iii) R$ 5,67 bilhões de reais pela alienação e
desvirtuamento da área de 356.630 m² de parques, praças e
equipamentos públicos do Setor Bueno, que deixaram de gerar
os correspondentes benefícios econômicos direto, indireto e de
opção, conforme metodologia acima demonstrada;
iv) R$ 7,28 bilhões de reais de prejuízo causado ao
erário, ao cidadão contribuinte e não contribuinte, por agentes
públicos e privados inescrupulosos na dilapidação de 356.630
mil m² do Patrimônio Ambiental do Setor Bueno.
Se considerarmos que 8,42 milhões de m² de áreas
públicas do Município de Goiânia foram alienados e
desvirtuados da função original de uso comum do povo,
em relação às plantas originais de loteamento de 378
bairros regularizados e de 155 bairros não regularizados
(MARTINS JUNIOR, 2007, p.33-36), então, o prejuízo
causado pela ação de grileiros e seus comparsas dilapidadores
do Patrimônio Ambiental da Cidade enfocada alcança a
astronômica cifra de R$ 133,84 bilhões e 840 milhões de reais.

4. BREVE EPÍTOME DAS QUESTÕES


FÁTICA E DE DIREITO
Em face da complexidade dos processos relacionados

151
aos bens públicos demandados - o parque e a sua
praça -, que são objeto deste estudo, faz-se um resumo
dos conteúdos processuais, a seguir apresentados.
Importante consignar que, para os fins aqui colimados, o
Ministério Público - MP é instituição permanente, incumbida
pelo art. 127 da Constituição Federal combinado com o art. 5º da
LACP - Lei daAção Civil Pública nº 7.347/85, de tutelar os direitos
difusos, coletivos e individuais indisponíveis. Os membros do
Parquet, desse modo, têm a incumbência de proteger o parque,
a praça do Vaca Brava e o Patrimônio Ambiental Urbano.
Para cumprir tal desiderato, os agentes tutores da lei possuem
poderosos instrumentos e meios conferidos pela norma pátria.
O povo, por sua vez, como proprietário real dos
bens demandados (art. 99 do CC e dispositivos normativos
equivalentes), requereu o direito proprietário sobre o parque e
a praça do Vaca Brava. As entidades de representação direta do
povo exerceram suas competências como agentes legitimados
em defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais
indisponíveis, previstos nos arts. 4º e 5º, V, da LACP.
A cidadania, através das suas entidades, atuou em
litisconsórcio, aderiu aos objetivos da ação intentada pelo
Parquet, mobilizou apoio às medidas legais de defesa e
recuperação de bens públicos criados pelo Decreto nº
19/1951 que aprovou o plano de loteamento do Setor
Bela Vista, renomeado depois como Setor Bueno.
Nesse sentido, a Associação de Moradores do Setor
Bueno e a Associação de Preservação do Vaca Brava -

152
Parque Sulivan Silvestre (APVB), em sucessão, atuaram
em parceria com a Secretaria do Meio Ambiente de
Goiânia - SEMMA ou em litisconsórcio com o MP-
GO, para a defesa do patrimônio urbanístico, dos bens e
direitos de valor histórico, cultural e ambiental de Goiânia.
Da mesma forma, especialmente no período 1º de janeiro
de 1993 a 1º de janeiro de 1997, o Município de Goiânia,
através da SEMMA, com apoio do Chefe do Executivo
Municipal, exerceu a competência estabelecida nos arts. 4º
e 5º, III, da Lei 7.347/85 (LACP) e em outros dispositivos
aplicáveis à recuperação e proteção do parque, da praça
do Vaca Brava e do Patrimônio Ambiental da Cidade.
O Município, sempre que possível e necessário, buscou a
parceria e a atuação em litisconsórcio com os demais entes
legitimados do poder público e da sociedade, quais sejam,
o Parquet e as entidades de representativas da comunidade.

4.1 DO PARQUE VACA BRAVA


As questões fáticas e de direito referentes ao
parque Vaca Brava são sumarizadas em sequência.
·• Ação Civil Pública ACP nº 930.249.851 2ª Vara dos
Feitos Municipais
A ação supra foi provocada por abaixo assinado dos
cidadãos mobilizados pela Associação de Moradores do
Setor Bueno de Goiânia que, em 1992, denunciou a invasão,
degradação e início da construção de um shopping na área

153
PADRONIZAR AFASTAMENTO 1ª LINHA
verde do córrego Vaca Brava. A comunidade requereu
ao Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) as
providências legais para a proteção e recuperação da cabeceira
e do fundo de vale deste manancial, cuja área foi destinada à
preservação e instituída como Parque no Plano de Loteamento
do Setor Bela Vista, registrado sob n° 15, livro auxiliar
8b, no CRI da 1ª Zona da Comarca da capital de Goiás.
De acordo com Oliveira (1993), a investigação conduzida
pelo MP-GO nos autos da ACP supra, levou tão só aos pedidos
de condenação contra duas empresas de construção civil,
responsabilizando-as pela degradação da área de preservação
permanente do córregoVaca Brava (depósito de entulho produzido
pela obra de edificação do shopping) e contra o Munícipio
de Goiânia que, por omissão, permitiu a degradação da área.
Ainda segundo o autor supra, o Município e as
duas empresas foram requeridos para que promovessem
a recuperação da área (retirada do entulho, limpeza e
reflorestamento). O MP-GO nada requereu contra a loteadora
Coimbra Bueno & Cia. Ltda., que alienou um bem público
de uso comum do povo, nem tampouco contra o grileiro que
falsificou o mapa para se apropriar de 12 “lotes” da Quadra
B, deixando de requer a nulidade da alienação do parque.
Logo no início da gestão do prefeito Darci Accorsi,
em janeiro de 1993, o Poder Judiciário, no bojo da
mencionada ACP, condenou o Município e as duas empresas
de construção civil, nos termos dos pedidos exordiais.
• Termo de Ajustamento de Condutado -TAC

154
homologado judicialmente
O Município de Goiânia, por sua vez, aderiu aos objetivos
da ação civil pública, supra referida, por meio de ajuste de
conduta apresentado por iniciativa do titular da SEMMA ao
MP-GO, contendo estudos, documentos e pareceres sobre a
natureza pública da área, resultando na assinatura de Termo de
Ajustamento de Conduta - TAC entre as partes para recuperar
o parque Vaca Brava (MARTINS JUNIOR, 2008, p. 69-76).
O TAC mencionado, em seguida, foi homologado
por sentença do juiz Geraldo Salvador de Moura,
da 2ª Vara dos Feitos Municipais, em 11 de outubro
de 1995 (MARTINS JUNIOR, 1996, p. 161-164).
O ajuste firmado representou a construção de célere
decisão judicial contra os degradadores e alienadores do
bem público. O termo encerrou, ainda, eficiente medida
técnica de recuperação da área verde - reflorestamento,
fiscalização, limpeza e despoluição. O Poder Judiciário,
por meio da Vara mencionada, autorizou o Município de
Goiânia, através da SEMMA, a executar as medidas pactuadas
de curto e médio prazo para promover a recuperação e
implantação da área destinada ao Parque
parque Vaca Brava. ·
• Processo administrativo SEMMA nº 8.899.703/1995
Inobstante o efeito positivo da sentença homologatória
do TAC, permaneceu insolúvel a questão referente ao
domínio do Parque Vaca Brava, ilegalmente alienado
por decisões arbitrárias de prefeitos não eleitos, outrora
nomeados durante a vigência do regime golpista de 1964.

155
PADRONIZAR AFASTAMENTO 1ª LINHA
O Município, em 1995, através do órgão competente, no
devido processo administrativo supra epigrafado, caracterizou
o bem público demandado, com base na documentação oficial,
arquivada no órgão de planejamento urbano, na planta e no
memorial do plano de loteamento, arquivos em cartório,
como sendo área destinada a Parque Natural Municipal, na
cabeceira e no vale do córrego Vaca Brava, de uso comum
do povo, inalienável, imprescritível e não usucapível
(GOIÂNIA, 1996, p. 95-118).O Município comprovou,
mediante prova pericial incontestável, que a alienação
do parque ocorreu mediante fraude no mapa da planta de
loteamento do Setor Bela Vista, hoje Setor Bueno (v. fig. 04).
. No processo em tela, foram produzidas as provas técnicas
e periciais que permitiram invalidar, de forma absoluta, os
decretos de desmembramento, posterior remembramento
e de concessão de alvarás construtivos de um condomínio
privado vertical que, caso prevalecesse, seria edificado
com 12 prédios na cabeceira do córrego Vaca Brava.
Nos autos administrativos do referido processo, o
Município, através da SEMMA, recepcionou o pedido da
APVB para promover o reflorestamento da cabeceira do
córrego Vaca Brava com o plantio simultâneo de 6.500
mudas de espécies nativas. O reflorestamento reconstituiu
parcialmente a paisagem florística do fundo de vale da cabeceira
contracapaRegistro
do córrego Vaca Brava (v. Apêndice e orelhas,Fotográfico
com o Registro
da Recuperação da Praça e do Parque Vaca Brava, infra).

156
PADRONIZAR ESPAÇO SUPERIOR
• Termo de Cooperação Técnica entre SEMMA e
MB Engenharia
O termo acima epigrafado consta do Processo Administrativo
SEMMA n° 836.846-5/95, desenvolvido com base no Parecer
Técnico n° 002/95, de obras e serviços de recuperação
da área verde da cabeceira e do fundo de vale do córrego Vaca
Brava, estabelecidos nas diversas cláusulas do TAC homologa-
do pelo juiz Geraldo Salvador de Moura, da 2ª Vara dos Feitos
Municipais, em 11 de outubro de 1995, quais sejam, pista de
Cooper, lago, equipamentos comunitários, reflorestamento,
projeto paisagístico, rede de drenagem, galeria pluvial, limpe-
za, despoluição e esgotamento sanitário.
Para executar as referidas cláusulas do TAC supra, a SEM-
MA buscou parceria público-privada, tendo firmado com a MB
Engenharia o Termo de Cooperação Técnica supra, no qual foi
consignado, pela MB Engenharia ao Município de Goiânia, a
outorga da área de 5.318 m², que corresponde ao Lote 11, Qua-
dra A do Parque Vaca Brava, ao lado do shopping, na esquina
das Avenidas T-10 e T-3. Tal gravame estimulou a recuperação
das APPs dos lotes 5 a 11 da Quadra A (v. fig. 07, supra).
Além da outorga das áreas verdes dos lotes na referi-
da Quadra A, que possui caráter perpétuo para os efeitos le-
gais de uso comum do povo (inalienável, imprescritível,
não usucapível), foram executadas as obras e os serviços
pactuados nas cláusulas do TAC, tudo às expensas do Goiâ-
nia Shopping que permitiram executar e inaugurar o Parque
Vaca Brava no Dia da Árvore, em 21 de setembro de 1996.

PADRONIZAR AFASTAMENTO 1ª LINHA


157
Ação anulatóriac/c reivindicatória
• Ação anulatória c/c reivindicatória
nº 9.700.867.625 nº1ª
Vara dos Feitos Municipais
9.700.867.625 1ª Vara dos Feitos Municipais
A ação anulatória combinada com reivindicatória, su-
pra epigrafada, ajuizada pelo MP-GO na 1ª Vara dos Fei-
tos Municipais, foi acatada pelo juiz João Ubaldo Ferrei-
ra quanto aos pedidos formulados. O magistrado proferiu
sentença liminar, em 1996, proibitória aos respectivos réus
- tanto o Município como os pretensos proprietários -
aquele, de conceder alvarás construção e estes de realizar
edificação ou ampliação de quaisquer obras nos 34 “lotes”
das Quadras A e B do Parque Vaca Brava (GOIÁS, 1996).
A decisão judicial proferida na ação supra acatou os
pedidos exordiais, formulados pelo MP-GO, com base nas
robustas provas documentais, técnicas e periciais produzi-
das pelo Município de Goiânia no mencionado processo ad-
ministrativo SEMMA nº 8.899.703/95. O inteiro teor deste
processo, em cópia autenticada, foi protocolado no MP-GO,
pelo então titular do órgão ambiental competente - o au-
tor deste livro - que requereu do tutor da lei a providência
de anulação da cadeia dominial de alienação dos lotes das
Quadras A e B do Parque Vaca Brava, e a consequente rei-
vindicatória do domínio do bem público a favor do real pro-
prietário, o povo, representado pelo Município de Goiânia.

PADRONIZAR ESPAÇAMENTO ENTRELINHAS

158
Ação indenizatória nº 960.207.488 2ª Vara dos Feitos
Municipais
O pretenso proprietário dos 12 “lotes” da chamada Qua-
dra B do Parque Vaca Brava, contrariado com a decisão judi-
cial que autorizou a SEMMA a recuperar e implantar a área
verde na cabeceira e margens deste manancial, ajuizou ação
indenizatória, supra epigrafada, contra o Município de Goiâ-
nia, requerendo indenização milionária pelo valor de mercado
da pretensa propriedade do bem demandado (GOIÁS, 2004).
Contudo, o autor da ação indenizatória - um conhecido
grileiro de áreas públicas de tradicional família paulistana, mas
que residia em Dallas/USA - não logrou provar a titularidade
privada do parque. E mais, em face das robustas provas produ-
zidas pelo Município de Goiânia, restou definitivamente evi-
denciado que a escrituração da área se deu por meio de negócio
jurídico maculado por vício de consentimento, mediante frau-
de na planta de loteamento do Setor Bela Vista, atual Bueno.
Consequentemente, em sentença definitiva, de
22 de junho de 2004, o juiz da causa, Fabiano de Ara-
gão Fernandes, anulou a cadeia dominial de aliena-
ção dos lotes 1 a 12 da Quadra B do Parque Vaca Bra-
va, localizados na cabeceira do córrego multicitado.
O juiz do 2ª Vara dos Feitos Municipais de Goiânia anulou
ainda os decretos de parcelamento e de concessão de alvarás de
construção e, em corolário, anulou a escritura de compra e ven-
da e os consequentes registros averbados à margem da inscrição
nº 15, livro auxiliar 8b, no CRI da 1ª Circunscrição de Goiânia.

159
Em consequência, o juiz declarou a validade do mapa e
do memorial descritivo do Plano de Loteamento do Setor Bela
Vista, atual Bueno, criado pelo Decreto n° 19, de 24 de janeiro
de 1951, retornando o domínio do parque e da praça do Vaca
Brava e demais bens públicos neles constantes, ao proprietário
real, o povo. Assim, toda a área do Parque Vaca Brava, acima e
abaixo da Avenida T-10, no Setor Bueno, retornou ao domínio
do Município de Goiânia (v. figura 02, supra).

Recurso de Agravo de Instrumento n° 12.934-4/80


(9.700.867.625)
Na tramitação dos autos da ação anulatória c/c reivin-
dicatória, ajuizada na 1ª Vara dos Feitos Municipais, já cita-
da, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) julgou
recurso de agravo de instrumento, interposto pelos pretensos
proprietários de “lotes” da Quadra A do Parque Vaca Brava.
O JT-GO proferiu o acórdão, pela 3ª Turma da 2ª Câma-
ra Cível, que reformou a sentença liminar proferida pelo juiz
da 1ª Vara dos Feitos Municipais de Goiânia, precisamente na
parte que restringiu os “direitos proprietários” dos adquirentes
dos “lotes” da Quadra A do parque em tela.
Contraditoriamente, o Pretório Goiano promoveu jul-
gamento distinto sobre demanda com a mesma causa preten-
di, mesmos pedidos e partes idênticas julgadas na 2ª Vara dos
Feitos da Comarca de Goiânia. No caso julgado na 2ª Vara, o
TJ-GO declarou nula as escrituras privadas de privatização da
área do Parque Vaca Brava; mas, na 1ª Vara, o TJ-GO preser-
vou as “propriedades” privadas no mesmo parque.
Assim, o desmembramento de processos conexos pro-
duziu resultados conflitantes, a despeito das regras da litispen-
dência

160
litispendência e da coisa julgada, em prejuízo do interesse
maior da sociedade. Ademais, como já analisado, reitera-se que
ocorreu evicção por força de apreensão administrativa e por
força de sentenças judiciais acerca do mesmo bem demandado.
Além disso, o caso em estudo é emblemático no
que se refere a outros aspectos surpreendentemen-
te estarrecedores. Aspectos estes que estão relaciona-
dos aos critérios da celeridade versus morosidade, guia-
dos pela conveniência processual dos interesses em jogo.
A ação anulatória combinada com reivindicatória, acima cita-
da, ajuizada em 1995 na 1ª Vara dos Feitos Municipais, tramitou
ou ainda tramita em regime de eterna longevidade processual,
violando, assim, o art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal.
A demora na prestação jurisdicional da causa anula-
tória/reivindicatória guarda relação com os pedidos for-
mulados na petição inicial, qual seja, a anulação da cadeia
dominial de alienação dos “lotes” abrangendo toda a área
sub judice, inclusive, por óbvio, os “lotes” da Quadra A
onde estão os invasores milionários do Parque Vaca Brava.
A prestação jurisdicional morosa na 1ª Vara resul-
ta, assim, na continuidade delitiva de práticas danosas ao
meio ambiente, atentatórias ao próprio acórdão da 3ª Tur-
ma da 2ª Câmara Cível do TJ-GO que revogou a proibição
do Município conceder alvarás na área, mas, contraditoria-
mente, manteve incólume o cerne da decisão fustigada, pro-
ferida pelo juiz João Ubaldo Ferreira, que reconheceu o Par-
que Vaca Brava em toda sua extensão, inclusive na Qd. A.
Os dilapidadores do parque - os pretensos proprie-
tários de “lotes” da Quadra A, graças à manobra citada, ob-
tiveram do Município autorizações para realizar aliena-
ções e edificações em área pública de uso comum do povo.

161
Vergonhosamente, a dilapidação do parque se realiza à plena
luz do sol, sob a conivência das autoridades do Poder Execu-
tivo Municipal, do MP-GO, do Poder Judiciário e, ao final, da
própria sociedade.
A morosidade na 1ª vara judicial em comento contrasta
com a surpreendente celeridade processual que se imprimiu à
ação indenizatória ajuizada na 2ª Vara dos Feitos Municipais.
Aqui, a satisfação da prestação jurisdicional é guiada pela es-
tranha pretensão proprietária dos 12 “lotes” da Quadra B do
Parque Vaca Brava. Contando com o parecer favorável da 8ª
Promotoria de Meio Ambiente e Urbanismo e com a omissão
da 15ª Promotoria de Meio Ambiente do MP-GO, no tocante
ao quantum debeatur, o Município de Goiânia foi condenado a
pagar volumosa verba indenizatória ao autor da ação, que vem
a ser o evicto ou evencido - adquirente vencido que, de má-fé,
sofreu a perda do bem, em decisão judicial fundada na fraude
promovida pelo grileiro na planta do loteamento para forjar a
aquisição dos 12 “lotes” da Quadra B do parque.
A despeito das fortes implicações da evicção e do ob-
jetivo da Teoria da Propriedade Aparente, o Município - pro-
prietário real - foi indevidamente condenado na verba inde-
nizatória. A verdadeira responsável ficou imune, qual seja, a
loteadora Coimbra Bueno & Cia. Ltda. - alienante ou falso
proprietário. Também isento ficou o adquirente de má-fé - os
proprietários dos “lotes”, inequivocamente sabedores do vício
original da alienação.
Em momento anterior à condenação da milionária ver-
ba indenizatória ao grileiro do Parque Vaca Brava, o Município
de Goiânia foi autorizado pelo próprio Poder Judiciário a pro-
mover ações de recuperação da área pública, sendo inclusive
reintegrado à posse e ao domínio de todo o bem demandado, à
montante e à jusante da nascente do córrego Vaca Brava.

162
Por essa razão, com perplexidade, reafirma-se que o
Município - o povo de Goiânia - foi submetido, na calada da
noite, sob o silêncio que acoberta malfeitores, à condenação
de verba indenizatória ao adquirente de má-fé que sofreu a
perda do bem por força de apreensão administrativa e por sen-
tença judicial transitada em julgado.

4.2 DA PRAÇA DO VACA BRAVA


Os entes legitimados do poder público e da sociedade
também estiveram e estão presentes na defesa ativa dos seus
direitos proprietários sobre a praça do Vaca Brava, um bem
público de uso comum do povo de Goiânia.
Neste caso, o Município, através da então SEMMA e a Asso-
ciação de Preservação do Vaca Brava - Parque Sulivan Silves-
tre (APVB) atuaram em litisconsórcio com o MP-GO contra a
alienação ilegal do espaço público e a construção de um arra-
nha-céu na área de nascentes que alimentam o lago do Parque
Vaca Brava.
• Processo administrativo n° 8.676.127, de 5 de junho
de 1995
No processo administrativo supra a SEMMA promoveu
em 13 de junho de 1995, o embargo da construção de um pré-
dio de 27 andares na área da praça do Vaca Brava (v. Apêndi-
1ª Orelha),
ce, infra), bem como requereu à Procuradoria do Patrimônio
Imobiliário (PPI) do Município de Goiânia a anulação do re-
gistro do bem público ilegalmente transferido à EMSA, com
estepe na planta e no memorial descritivo do loteamento do
Setor Bela Vista, atual Bueno, aprovado pelo Decreto n° 19,
de 24 de janeiro de 1951, registrado no CRI da 1ª Zona da Co-
marca sob o n° 15, do livro auxiliar 8b (GOIÂNIA, 1995b)118
O então titular da SEMMA - autor deste livro - proto-
colou cópia integral do referido processo administrativo no

163
MP-GO, no qual requereu providências judiciais pertinen-
tes aos membros do Parquet à propositura de ação anulatória
combinada com reivindicatória do domínio do bem público
demandado.
· Parecer técnico, histórico, ambiental, urbanístico e
jurídico da APVB
Como visto no capítulo 3.3, supra, a APVB exerceu impor-
tante contribuição para o êxito da demanda no Superior Tribu-
nal de Justiça - STJ, por meio de parecer, elaborado pelo autor
deste livro, que demonstrou os aspectos históricos, ambientais,
florísticos, urbanísticos e jurídico-legais da praça do Vaca Bra-
va.ßoram necessários 23 anos e 6 meses, desde 13 de junho
de 1995, quando a SEMMA embargou o espigão na praça do
Parque Vaca Brava, até 18 de dezembro de 2018, quando o STJ
julgou em definitivo a ação civil pública e anulou a escritura de
alienação do bem público, devolvendo-o ao domínio do povo,
seu real proprietário.
o entanto, mesmo vitorioso na demanda, o povo não usufrui
a praça. O espaço reconquistado na justiça permanece usado
como estacionamento. As árvores plantadas pela comunidade
são destruídas pelos carros. O lixo e a degradação se avolu-
mam. A luta em defesa da praça do Vaca Brava continua.
• ACP n° 2003.02584999 3ª Vara da Fazenda Pública
Municipal
Em atendimento ao requerimento protocolado pela SEM-
MA, mencionado no item anterior, a 15ª Promotoria de Justiça
de Goiânia ajuizou a ação civil pública - ACP, supra epigra-
fada, na 3ª Vara dos Feitos Municipais, visando a anulação da
escritura de alienação da praça do Vaca Brava.
A demanda da praça do Vaca Brava, tal como a do par-
que, enfrentou a mesma sorte de intempéries, tropeços, retro-
cessos e lentos avanços na sua tramitação. Os órgãos jurisdi-
cionais do estado de Goiás - o juízo de primeiro grau e

164
PADRONIZAR ESPAÇAMENTO ENTRELINHAS
o tribunal estadual - deram razão aos alienadores da praça,
declarando-a “praça privada” de propriedade da EMSA.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos fatos e fundamentos expostos neste traba-
lho e sumariados no capítulo 4 supra, todas as alienações dos
“lotes” das Quadras A e B do Parque Vaca Brava e da área da
praça do Vaca Brava, refletem ilegalidades e constituem dila-
pidação de bens públicos de uso comum do povo.
Tais bens estão submetidas às implicações da evicção (arts.
447, 474, 475 e 553 do Código Civil). Os dispositivos civilis-
tas determinam que, nos contratos onerosos de compra e ven-
da de imóvel, como a área e os mencionados “lotes”, o alie-
nante dos referidos bens - empresa loteadora Coimbra Bueno
& Cia. Ltda. - está obrigado a resguardar o futuro adquirente
dos riscos da perda do bem, perante terceiro - Município de
Goiânia ou Proprietário Real - por força de decisão judicial
ou de apreensão administrativa, em processos intentados por
qualquer interessado, entes legitimados e agentes tutores da lei
- entidades representativas dos moradores, SEMMA e MP-GO
-, em que fique definitivamente reconhecido que o alienante
não é o legítimo titular do direito que convencionou transmitir.
Na década de 1990, inserido no processo de redemocrati-
zação da sociedade brasileira, o Poder Local, a opinião pública
e a comunidade desenvolveram ações de recuperação do Patri-
mônio Ambiental Urbano. No período do regime do arbítrio,
muitos desmandos e crimes foram praticados por prefeitos
biônicos (não eleitos pelo povo) nas capitais dos Estados e
nas cidades maiores declaradas de segurança nacional, onde
os prefeitos eram nomeados pela Junta Militar que tomou o
poder no Brasil por meio do golpe de estado de 1964.

165
O Brasil viveu a égide da ruptura constitucional, das
leis de exceção como a Lei de Segurança Nacional (LSN) e os
Atos Institucionais 1 a 5 (AI-1 a AI-5). Nesse período, desde
1º de abril de 1964 até a redemocratização do Brasil, que tem
como marco legal a promulgação da Constituição Cidadã, em
5 de outubro de 1988 pelo Congresso Nacional Constituinte,
os prefeitos biônicos - inclusive os de Goiânia - não agiram
de forma diversa. O Patrimônio Urbanístico sofreu verdadeiro
saque, sendo dilapidados os bens ambientais, culturais e histó-
ricos dos cidadãos.
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu as eleições
pelo sufrágio universal, direto e secreto para todos os níveis
das esferas de poder. A conquista do Estado Democrático de
Direito repercutiu sobre a vida nacional em múltiplos aspec-
tos, em especial sobre as questões urbanísticas.
No caso aqui debatido, o terceiro reivindicante do ne-
gócio jurídico sub examine, representado por agentes legiti-
mados do poder público e da comunidade, assumiram o prota-
gonismo determinado pela norma, como titulares do domínio
dos bens públicos de uso comum do povo que, reitere-se à
exaustão, são de natureza inalienável, indisponível, imprescri-
tível e não usucapível.
O parcelamento e alienação ilegal e fraudulenta do par-
que e da praça do Vaca Brava, no Setor Bueno, em Goiânia,
exemplificam caso de negócio jurídico de um bem de uso co-
mum do povo, res extra commercium, realizado em transgres-
são à norma, doutrina e jurisprudência, em face da inexistên-
cia de requisitos subjetivos, objetivos e formais, viciado por
causas anteriores ou contemporâneas à alienação e, por isso,
submetidos à nulidade tanto absoluta como relativa.
O povo, proprietário real dos bens sub examine, não se
omitiu em pleitear o seu domínio proprietário tanto da praça
como do Parque Vaca Brava. Ele se fez representar pela

166
Associação dos Moradores do Setor Bueno e pela Associa-
ção de Preservação do Vaca Brava - Parque Sulivan Silvestre
(APVB).
Os negócios jurídicos de alienação e de concessão de al-
varás de construção em áreas púbicas do parque e da praça do
Vaca Brava, aqui analisados, violam preceitos de ordem públi-
ca e se sujeitam à correção em qualquer tempo. Tais correções
devem ser realizadas, produzindo efeito ex tunc, retroativo à
data da prática da ilegalidade. A toda evidência, tais atos foram
praticados ao alvedrio de nítida e objetiva norma legal, juris-
prudencial e doutrinária pertinentes, ferindo o brio do cidadão
probo e representando um desestímulo à cidadania, em razão
da atuação impune de agentes infratores que esbulham o patri-
mônio público de uso coletivo.
A Teoria da Propriedade Aparente foi indevidamente ma-
nuseada na alienação fraudulenta do Parque Vaca Brava, em
face do princípio nemo plus iuris, estabelecido no art. 1.268,
§ 2º, do CC, segundo o qual, inexistiu sequer a transmissão,
pelo real proprietário, de propriedade não usucapível e destitu-
ída de justo título, em negócio jurídico absolutamente nulo de
pleno direito, assim declarado por sentença judicial transitada
em julgado.
Não incide, no caso, qualquer hipótese de aquisição a non
domino que só ocorre entre terceiro adquirente de boa-fé e ti-
tular aparente da propriedade. Tal não ocorreu, pois, os adqui-
rentes dos bens em tela agiram de má-fé com a intenção dolosa
de falsificar a titularidade do bem para o fim de ludibriar o real
proprietário do bem.
Dessa maneira, com base na jurisprudência e na dou-
trina pesquisada, se pode afirmar que a aplicação da Teoria
da Propriedade Aparente ao caso sub examine representa uma
contradição antagônica ao conceito de propriedade e aos seus
requisitos externos e internos, estabelecidos no art. 1.228 do

167
Digesto Civil c/c arts. 182, 183 e 225 da CF (GOIÁS, 1998;
2004; ROSENVALD, 2014, 2006; AMADO, 2012).
As funções socioambientais da cidade e da propriedade
urbana, instituídas no Estatuto da Cidade - Lei n° 10.257/2001
- conduzem a interpretação conclusiva de que a Teoria da Pro-
priedade Aparente não convalida atos dolosos de alienação de
bens de uso comum do povo, portanto, não se aplica à aliena-
ção do parque e da praça do Vaca Brava, um negócio jurídico
nulo submetido às implicações da evicção! Em consequência,
tal instituto poderá ser manejado para resguardar os direitos
afetados. Daí a necessidade de divulgação de estudos críticos,
como o presente, para evidenciar o mau uso da aplicação da
Teoria da Propriedade Aparente em contrariedade ao instituto
da evicção sobre o direito patrimonial de bens de uso comum
do povo, de maneira a reiterar inequivocamente que a teoria
e seu instituto devem servir ao seu desiderato de proteção da
sociedade.
As complexas questões que envolvem os direitos do
cidadão ao valioso Patrimônio Ambiental Urbano requerem
análise sistemática e integrada da aplicação dos dispositivos
aqui estudados, em harmonia com os comandos constitucio-
nais que incluem o direito proprietário no rol taxativo e pétreo
das garantias individuais (art. 5º, caput, da CF).
A Teoria da Propriedade Aparente resguarda a função
social da propriedade (art. 5º, XXIII) como princípio da ativi-
dade econômica (art. 170, III), em obediência às normas infra-
constitucionais da finalidade socioeconômica e ambiental da
propriedade, estabelecido no art. 1.228 do Código Civil (CC)
que, nos seus parágrafos, veda o uso nocivo da propriedade e
permite a desapropriação por interesse social quando tais im-
perativos são contrariados.
Apesar desse arcabouço legal, as cidades ainda care-
cem de marcos institucionais, normativos e administrativos

168
PADRONIZAR ESPAÇAMENTO
ENTRELINHAS
que sejam capazes de barrar a conduta nociva de agentes pú-
blicos e privados inescrupulosos, aqui denunciada, assegu-
rando aos cidadãos uma cidade verdadeiramente sustentável,
conforme se encontra preconizado nos arts. 182, 183 e 225 da
Carta Política e no art. 2º, I, VIII e XII do Estatuto da Cidade
- Lei nº 10.257/2001.
A cidade sustentável, justa e democrática é a expressão
simultânea do caráter endógeno e exógeno da propriedade ur-
bana, mediante exercício da função socioambiental e dos atri-
butos de uso, gozo e disposição dos bens coletivos e particu-
lares. Trata-se de norma de ordem pública, de interesse social
e urbanístico que constitui fator determinante à promoção da
segurança e do bem-estar dos cidadãos.
O Parque Vaca Brava foi recuperado parcialmente na área
da cabeceira, entre a Rua T-66 e a Avenida T-10, mas, o restan-
te da área, entre as Avenidas T-10 e T-9, permanece submetido
à ganância de milionários usurpadores de área verde pública.
Por sua vez, a praça do Vaca Brava foi inteiramente recu-
perada ao domínio do povo, mas o seu uso real conflita com a
destinação legal de praça e de área de preservação permanente
das minas d’água que abastecem o lago do Parque Vaca Brava.
A grilagem oficializada do Patrimônio Ambiental de
Goiânia é a ponta de um iceberg que evidencia gestão urba-
na contra o cidadão, exclusiva, insustentável. A ponta deste
iceberg é o prejuízo imposto ao povo causado pela alienação
ilegal do seu patrimônio e em seu prejuízo.
O estudo aqui realizado, detalhado nos capítulos 3.6.4
e 3.6.5, supra, evidencia os prejuízos de bilhões de reais ao

169
erário, ao cidadão contribuinte e não contribuinte, causado por
agentes públicos e privados inescrupulosos. A máfia da grila-
gem urbana responde pelas dilapidações da praça e do Parque
parque
Vaca Brava (R$ 1,4 bilhões de reais), do Patrimônio Ambien-
tal do Setor Bueno (R$ 7,28 bilhões de reais) da área verde da
cabeceira e do fundo de vale do córrego Vaca Brava, estabe-
lecidos nas diversas cláusulas do TAC homologado pelo juiz
Geraldo Salvador de Moura, da 2ª Vara dos Feitos Municipais,
em 11 de outubro de 1995, quais sejam, pista de Cooper, lago,
equipamentos comunitários, reflorestamento, projeto paisagís-
tico, rede de drenagem, galeria pluvial, limpeza, despoluição e
esgotamento sanitário.

170
SUPRIMIR APÊNDICE. O SEU CONTEÚDO VAI PARA A 1ª
ORELHA, 2ª ORELHA E ÚLTIMA CAPA

APÊNDICE: REGISTRO FOTOGRÁFICO DA


RECUPERAÇÃO DA PRAÇA E DO PARQUE
VACA BRAVA
Embargo de um prédio na praça do Vaca Brava, em
13/06/1995

O resgate da praça do Vaca Brava: embargo lavrado pelo fiscal de


postura ambiental da Semma, José de Paula (in memoriam), em 13
de junho de 1995, que impediu a construção ilegal de um prédio de
27 andares na praça do Vaca Brava, entre as Avenidas T-3, T-5 e na
Rua T-56, no St. Bueno, em Goiânia-GO

1ª ORELHA

Vídeo: Embargo de prédio na praça do


Vaca Brava em 13.6.95, gravado por Júlio
Cesar Bueno, do Núcleo de Comunicação da
Semma. Leia o QRCode ou acesse o Link:
https://t.co/gN6wIEylpM

172
2ª ORELHA
O Parque Vaca Brava antes e depois da atuação da
SEMMA e da COMUNIDADE (1993-96)

Vista pela Av. T-5 com Rua T-66, em jan. Vista pela Av. T-5 com ua T-66, em
1993: início da implantação da pista de 30/01/2007 (foto do autor): “O mingau
Cooper (“Come-se o mingau quente pela esfriou? Então, come-se o miolo! ”
borda”)

Plantio simultâneo
RECUPERAÇÃO DO PRAÇA deE6,5
DOmil mudas nativas
PARQUE VACA BRAVA
Plantio simultâneo de 6,5 mil mudas nativas

A tradição goiana do mutirão: reflorestamento, em 21 de setembro de 1995,


com o plantio simultâneo de 6.500 árvores nativas por 6.500 crianças. Assista o
ÚLTIMA vídeo Parque Vaca Brava: síntese (entre 20’ 04’’ e 23’ 54’’), que mostra parte da
CAPA luta que recuperou a área verde das mãos de poderosa máfia da grilagem urbana.
Acesse o link https://t.co/kNivvfjUge ou leia o QRCode abaixo.
Vídeo: Recuperação e implantação de
Vídeo: Recuperação e implantação de parques em
parques em Goiânia-GO
Goiânia-GO (1993-96). (1993-1996).
"[...]
“[...]estamos
Goiânia,
estamos recuperando
que foi parar
recuperando um
que foinas parar
mãos nas
umparque
de um
parqueememGoiânia,
arquibilionário
mãos de um que
foto
mora nos Estados Unidos. Isso só é possível graças à
arquibilionário que mora nos Estados
parceria do poder público com a iniciativa privada e
Unidos. Isso [...]”
a comunidade! só é(Osmar
possível graças Junior,
Pires Martins à O prefeito
no de Goiânia
parceria
mutirão dodo poder público
reflorestamento com 21.09.1995
do Vaca Brava, a Darci Accorsi
- em comemoração
iniciativa privadaao Dia
e da comunidade! cumprimenta o secretário
a Árvore).
do Meio Ambiente
[...]" (Osmar Pires Martins Junior, no Osmar Pires no
mutirão do reflorestamento do Vaca descerramento 173 da placa
Brava, 21.09.1995 - em comemoração de inauguração do
Parque Vaca Brava, em
ao Dia da Árvore).
20.09.1996
levar para depois das REFERÊNCIAS

SOBRE O AUTOR
OSMAR PIRES MARTINS
JUNIOR, pesquisador pós-doutor
no Programa de Pós-Graduação
Interdisciplinar em Direitos
Humanos da Universidade Federal
de Goiás – PPGIDH/UFG; doutor
em Ciências Ambientais pelo
Centro de Ciências Ambientais – CIAMB/UFG; mestre em
Ecologia pelo Instituto de Ciências Biológicas – ICB/UFG;
bacharel em Biologia, Agronomia e Direito.
Escritor, membro fundador da Academia Goianiense de
Letras (AGnL), titular da cadeira 29 (Patrono: Attílio Corrêa
Lima). Além deste, é autor, coautor e organizador de outros 21
livros, capítulos de livros e artigos publicados em congressos
internacionais, a seguir listados:
“A literatura genealógica e sua importância para a
identidade cultural do povo brasileiro”. Gyn Letras – Revista
da Academia Goianiense de Letras. Goiânia: Prime, 2019. p.
171-186, 236 p. (Coleção Goiânia em Prosa e Verso 2019);
“A verdadeira história do Vaca Brava e outras não
menos verídicas”. Goiânia: Kelps/Ed. UCG, 2008, 524 p.;
“Arborização Urbana e Qualidade de Vida:
Classificação dos Espaços Livres e Áreas Verdes”. Goiânia:
Kelps/Ed. UFG, 2007, 312 p.;
“Introdução aos Sistemas de Gestão Ambiental: teoria

175
e prática”. Goiânia: Kelps/Ed. UCG, 2005, 244 p.;
“Conversão de Multas Ambientais em prestação de
serviços de preservação, recuperação e melhoria da qualidade
do meio ambiente”. Goiânia: Kelps, 2005, 150 p.;
“Uma cidade ecologicamente correta”. Goiânia: AB,
1996, 224 p.;
“Resgate do Berço Ecológico de Goiânia: atuação
da Semma no período de 1993 a 1996” [CD ROM, dados
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vida... Goiânia: Kelps. 2007. Disponível em: <https://acrobat.
adobe.com/link/track?uri=urn:aaid: scds:US:48cd5cc0-cf50-
32af-86e6-88e491d29a7f>;
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a promoção da função socioambiental da cidade” [dados
eletrônicos: PDF]. Goiânia: Ciamb UFG, 2013, 338 p.,
disponível no Repositório Oficial da Biblioteca da UFG
<http://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/3227>;
“Perícia Ambiental e Assistência Técnica: instrumentos
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Kelps/Ed. PUC-GO, 2010. 440p.;
“Crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio
Cultural”. In: TOCHETTO, D. Perícia Ambiental Criminal. 3.
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Agricultura de Goiás: Análise & Dinâmica. Goiânia: Ed.
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Ciclo de Debates: 10 anos da Lei 12.596. Goiânia: Comissão
de Meio Ambiente e Recursos Hídricos da ALEGO; Kelps. p.
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“Lawfare em debate” [impresso e Ebook / organizador
e coautor, Osmar Pires Martins Junior. Goiânia: Kelps, 480
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DEBATE-Osmar-Martins-Junior-ebook/dp/B086H261JY>;
“Lawfare, an elite weapon for democracy destruction”.
[E-book]. Goiânia: Egress@s, 2020. 418 p., disponível em:
<http://repositorio.bc.ufg.br/handle/ri/19274>;
“Lawfare como ameaça aos direitos humanos” =
Lawfare as a threat to human rights [Ebook] / organizadores,
Helena Esser dos Reis, e Osmar Pires Martins Junior. Dados
eletrônicos. 2. ed. Goiânia: Cegraf UFG, 2021. 539 páginas
em arquivo de computador.pdf (Portable Document Format).
Disponível em: <https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/688/o/
lawfare_como_ameaca_aos_direitos_humanos_ebook.pdf>;
“Vetores de nulidade de processos judiciais por
violação aos princípios de direitos humanos no contexto da
Operação Lava Jato”. In: CORRÊA, MACÊDO FILHA;
MARTINS JUNIOR et al. (Orgs.). Pensar direitos humanos:
o mundo em desalinho na encruzilhada da pandemia da
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lawfare e proteção dos direitos humanos". [PDF] / Lina Martins Rezende y
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EN AMÉRICA LATINAPDF).
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Goiânia, GO:deCegraf
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2021, Libro Campina
de Actas... Grande,
Sarmiento, PB:de Eduepb,
Ministerio Justicia y
Derechos Humanos Argentina.
2022. p. 12-37, 406 p.; p.401-412. 1.582 p.;

“Direitos Humanos: vida, ciência e democracia durante


a pandemia da Covid-19”. [Ebook] / organizadores, Maurides
B. Macêdo Filha, Edwiges C. Carvalho Corrêa, Osmar Pires
Martins Junior... [et al.]. Goiânia: Cegraf UFG, 2022. 346 p.;
“O efeito do combate à corrupção sobre os direitos
humanos no atual contexto brasileiro”. [dados eletrônicos: PDF].
Goiânia: Cegraf UFG, 2022. 576 p.<disponível em:https://files.
cercomp.ufg.br/weby/up/688/o/oefeitocombateacorrupacao.
pdf>
“Família Pires: história e árvore genealógica de
Quintiliano Pires dos Santos, Francisca Vieira de Moraes,
Manoel Pires de Moraes, Genoveva Martins de Souza e
Josefa Sardinha Pires”. 3. ed. / organizadores, Eliomar Pires
Martins, Osmar Pires Martins Junior, e Clélia Aparecida Urias
Rodrigues. Goiânia: Kelps, 2022. 624 p.;
O autor ééFiscal Estadual
estadual Agropecuário
agropecuário aposentadopela
aposentado pela
Agrodefesa. Foi professor universitário de graduação e pós-
graduação, do ensino médio e preparatório ao vestibular.
Exerceu a titularidade das pastas do Meio Ambiente de Goiânia
(1993-1996) e do estado de Goiás (2003-2006). Foi perito
ambiental do Ministério Público do Estado de Goiás – MP/GO
(1997-2002).
Na capital goiana, estruturou a Secretaria do Meio
Ambiente (Semma) e constituiu uma competente e aguerrida

178
equipe técnica multidisciplinar. Instituiu o Sistema de Política
Ambiental Municipal. Desenvolveu os programas de educação
ambiental e de resgate do berço ecológico de Goiânia.
Implantou os parques históricos após recuperá-los da máfia
da grilagem urbana, em parceria com os stakeholders do
setor produtivo e da comunidade. Acesse o link <https://t.co/
kNivvfjUge> ou o QRCode, disponível nonaApêndice,
contracapasupra, e
assista o vídeo documentário “Recuperação e implantação dos
parques de Goiânia 1993-96”.
No mutirão de reflorestamento da nascente do córrego
Vaca Brava, em comemoração ao Dia da Árvore em 1995,
profetizou com 10 meses de antecedência a criação do Parque
Vaca Brava, que veio a ser inaugurado no Dia do Meio
Ambiente de 1996, verbis:
[...] estamos recuperando um parque
em Goiânia!
em Goiânia!Todos
Todos fazendo
fazendo assimassim
com
com as mãos [a multidão ergue os
as mãos [a multidão ergue os braços e
braços e faz o movimento de pega].
faz o movimento
Estamos recuperandode pega]. Estamos
um parque que
recuperando um parque
foi parar nas mãos de um que foi parar
arquibilionário
nas mãos de um quearquibilionário
mora nos Estados que
Unidos e nem se digna a morar no
mora nos Estados Unidos e nem se
nosso país. Isso só é possível graças à
digna a morar
parceria no nosso
do Poder país. Isso
Público com sóa
éiniciativa
possívelprivada
graças àe,parceria
sobretudo,do com
Podera
Comunidade.
Público com aSão vocês os
iniciativa autores
privada e,
desta reconquista. Viva os estudantes,
sobretudo, com a Comunidade. São
a juventude e o povo goianiense! [...]
vocês
(Osmaros Pires
autores desta reconquista.
Martins Junior, em
Viva os estudantes,
21.09.1995) a juventude e o

179
Na Agência Goiana do Meio Ambiente realizou o mapeamento
georreferenciado do Bioma Cerrado em todo o território estadual e
delimitou as áreas prioritárias de preservação. Tais políticas permitiram
realizar o Estudo Integrado de Bacias Hidrográficas (EIBH), extinguir o uso
do carvão nativo e seu contrabando para as siderúrgicas mineiras. As áreas
legalmente protegidas foram ampliadas, sendo implantadas inúmeras
unidades de conservação, como os Parques Estaduais da Serra Dourada na
cidade de Goiás, da Mata Atlântica em Água Limpa, às margens do rio
Paranaíba, do Portal do Araguaia em Nova Crixás, do Vale do Araguaia em
Mozarlândia, do Balbino em Amorinópolis e o p
Parque Ecológico de Mineiros.
Os serviços de conversão de multas viabilizaram a execução de obras
do programa de recuperação de áreas degradadas como a voçoroca Asilo do
Velho em Alexânia e de manejo de resíduos urbanos, a Central de Triagem
e Reciclagem em Cachoeira Dourada, a Central da Triagem de lixo de
Aragarças, o Cetro de Triagem e Reciclagem da cidade de Goiás - uma
obra fundamental para o êxito das edições anuais do Festival Internacional
de Cinema Ambiental, por meio do projeto FICA LIMPO.
As multas ambientais apodreciam nas gavetas da Dívida Ativa da
Fazenda Estadual por falta de cobrança. O ativo ambiental foi recuperado
por meio do instrumento previsto no art. 72 da Lei dos Crimes Ambientais
- Lei n° 9.605/98, qual seja, a conversão das multas ambientais em
prestação de serviços de preservação da qualidade do meio ambiente.
Promoveu-se a integração dos bancos de dados ambientais e tributários,
fazendo retroceder a inadimplência do crédito ambiental, de 99,97% para
70%; por outro lado, a adimplência saltou de 0,03% para 30%. Isto é, em 3
anos, o volume de arrecadação das multas aplicadas em Goiás aumentou
1.000%.
Infelizmente, o quadro de calote ambiental voltou a reinar em Goiás,
graças à atuação da Delegacia Estadual do Meio Ambiente (DEMA) e da
15ª Promotoria de Justiça do MP-GO. Com o intuito de monopolizar para
os órgãos citados o manejo dos acordos de conversão de multas, os
destemidos e corajosos titulares destes órgãos desencadearam feroz
persecução, não contra os agentes que poluem, desmatam e degradam a
natureza, mas contra as pessoas do então presidente e dos técnicos do órgão
do Meio Ambiente que promoveram a recuperação do ativo ambiental.
REFERÊNCIAS

REFERÊNCIAS
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APVB. Ata de reunião da diretoria. Assinam os membros da
ANTUNES,
Diretoria:P.Sirlene
de B. Direito 14. ed.Moema
Ambiental.Miriam
Borba (Presidente), São Paulo:
LimaAtlas,
Silva
2012.(1°Secretaria),
1.192 p. Abelardo Díaz Cánovas (2°Secretário), Marinalva
de Souza Marques (1° Tesoureira), Graça Estrela (Diretora de
APVB.Comunicação) e do Conselho
Ata de reunião Deliberativo:
da diretoria BolívardeGonçalves
da Associação Preservação
Siqueira, Francisco da Cruz Lima e Jane Maria Balestrin.
do Vaca Brava - Parque Sulivan Silvestre. Assinam os membros Goiânia,da
4 set. 2007, 19:00.
Diretoria: Sirlene Borba (Presidente), Miriam Moema Lima Silva
(1°Secretaria), Abelardo Díaz Cánovas (2°Secretário), Marinalva de
BOBBIO, N. A Era dos Direitos. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier,
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Marques (1° Tesoureira), Graça Estrela (Diretora de
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Em apoio à sustentabilidade e à
preservação ambiental, a Editora Kelps declara
que este livro foi impresso com papel produzido
de floresta cultivada em áreas degradadas e que
é inteiramente reciclável.

Este livro foi impresso no papel: Off-set 75g/m2,


composto nas fontes: Times New Roman, Book Antiqua
Fevereiro, 2023.

A revisão final desta obra é de responsabilidade do autor

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