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Princípios

1. CULPA

O princípio da culpa deduz-se da dignidade da pessoa humana [art. 1º CRP] e do princípio da


liberdade [art. 27º CRP], constitucionalmente consagrados. Os significados do princípio da culpa
podem ser de três ordens:
A) Culpa enquanto fundamento da pena
o Critério não unânime: sob este prisma o princípio da culpa torna- se restritivo,
delimitado em face à segurança jurídica e aos fins utilitaristas do Estado.

B) Culpa enquanto factor da determinação da medida da pena


o Critério dominantemente aceite, através da comparação entre comportamentos e
agentes, com referência à culpa.

C) Culpa enquanto princípio da responsabilidade subjectiva ou pessoal


o Significado indiscutível: a construção da responsabilidade penal que rejeita a
imputabilidade, ao agente, de todas as consequências do seu acto ilícito; hoje a
responsabilidade está limitada ao âmbito do domínio da vontade humana [facto que
releva para inimputabilidade].

2. NECESSIDADE DA PENA

O princípio da necessidade da pena [art. 18º/2 CRP] equivale à intervenção mínima do Estado em
matéria penal. Nestes termos, a utilização de meios penais deve ser limitada, ou mesmo
excepcional, só se justificando pela protecção de direitos fundamentais. Assim se obsta à utilização
discricionária das penas pelo poder político, ao serviço de quaisquer fins.
Radica na ideia de contrato social enquanto limite substancial do direito penal: já BECCARIA o
defendia [Dos Delitos e das Penas], relativizando-se o poder público e secundarizando-se os meios
penais na resolução dos problemas sociais.

A intervenção penal do Estado está, assim, subordinada à realização dos fins necessários à
subsistência e desenvolvimento da sociedade. Intervenção essa balizada nos termos seguintes:










• Perante a conduta que viole um mero valor moral sem expressão num bem jurídico [vg
a relação homossexual entre adultos].

• Perante a conduta que possa ser solucionada com recurso a outros meios sociais [vg o
planeamento familiar, em vez da criminalização da interrupção voluntária da gravidez,
ou a educação sexual, em vez da perseguição penal da pornografia adulta].

• Perante a conduta que não é evitável pelo direito penal, cujo papel é antes criminógeno
[vg interrupção voluntária da gravidez clandestina].

3. IGUALDADE PENAL

O princípio da igualdade penal [art. 13º CRP] proscreve a discriminação entre pessoas e subjaz à
ideia de proporcionalidade.
Efectivamente, entre a gravidade do ilícito e a pena deve presidir a ideia de proporcionalidade:
corresponde, de facto, à igualdade que sustenta a medição da pena pela culpa. Implica que factos de
menor danosidade social sejam sancionados com penas mais leves: a um pequeno furto não poderá
jamais corresponder a pena mais elevada do furto qualificado, vg.
A proporcionalidade e a igualdade interligam-se nos termos seguintes: ninguém pode ser punido
menos severamente do que outrem [proporcionalidade] por factos idênticos [igualdade]. Assim,
idêntica necessidade de punir e idêntica culpa justificarão idênticas penas.

4. HUMANIDADE

O princípio da humanidade proclama a rejeição de sanções que atentem o respeito pela pessoa
humana [vg pena de morte, prisão perpétua, tortura e penas degradantes].

5. LEGALIDADE - 1º CP

O princípio da legalidade resulta da articulação das máximas seguintes, sintetizadas numa só [não
pode haver crime, nem pena, que não resulte de uma lei prévia, escrita, estrita e certa]:



• Nullum crimen sine lege [não há crime sem lei]: as sanções penais não podem ser
aplicadas sem que se verifiquem os pressupostos da conduta desviante [crime ou
reveladora de perigosidade social, no caso das medidas de segurança], descritos na lei de
forma exaustiva [art. 29º/3 CRP e 1º/1]. VON LISZT: a lei penal é a “Magna Charta do
criminoso”.
o Provia o Stricta o Certa

• Nulla poena sine lege [não há pena sem lei]: as sanções penais devem ser aplicadas com
base em lei anterior que as preveja [art. 29º/1 CRP e 1º/1].
o Pena: lei proevia
o Medidas de segurança: a medida de segurança vigente ao tempo da aplicação

• Nulla poena sine crimen [não há pena sem crime, e não nullum crimen sine poena, no
nosso país]: as sanções penais não podem ser aplicadas sem que se verifique um caso
para o qual está previamente determinada na lei a aplicação dessa sanção, o crime,
verificados todos os pressupostos.

O princípio da legalidade está historicamente associado ao objectivo de assegurar a liberdade do


cidadão em face do Estado, evitando que a mesma seja arbitrariamente estringida pelo último. O
controlo do poder do Estado não se limita ao tribunal, mas começa pelo próprio legislador,
vinculado a não criar leis penais retroactivas. [art. 29º/4 CRP e 2º].
Este princípio não cobre toda a matéria penal, mas apenas aquela que se traduza na fundamentação
ou no agravamento da responsabilidade do agente [e não na atenuação dessa responsabilidade, ou
na exclusão da ilicitude], segundo FIGUEIREDO DIAS. Explicitaremos esta ideia infra.

Um processo meramente subsuntivo de aplicação da lei penal ao caso real não é viável em absoluto,
antes devendo o intérprete e o aplicador do direito demonstrar e justificar, com recurso a
argumentação, a intenção da lei em ser aplicada ao caso concreto.

Daqui se retira um corolário lógico: proíbe-se a analogia, na assimilação do caso pela lei, sem que
determinados argumentos procedam. Exemplifiquemos: se a lei identificar que só é punível como
violação o acto sexual violento praticado contra uma mulher, a analogia com uma vítima homem
não seria possível, ainda que a igualdade material seja manifesta, dado o sentido histórico dessa
pretensa lei [a possibilidade da gravidez e a menor resistência da vítima mulher].

O mesmo não se diga relativamente à densificação de conceitos indeterminados, como “violência”


ou “grave ameaça”: nesses casos, a utilização de raciocínios analógicos é naturalmente exigível.
Com a aplicação consequente da lei aos casos reais, cria-se no intérprete a imagem de um caso tipo,
modelo simbólico e abstracto do conceito indeterminado a preencher: até que seja pacífico o que
“especial censurabilidade ou perversidade”, vg, significa, no caso de homicídio qualificado [art.
132º]. Frequente é que o intérprete siga apenas a sua intuição e prescinda, assim, de um raciocínio
de tipo analógico.
Conclui-se: a descrição da matéria proibida deve ser exaustiva, objectivamente determinável,
formulando-se tipos legais que orientam o aplicador do direito penal. Conceitos indeterminados,
cláusulas gerais e fórmulas gerais de valor são permitidos, desde que não obstem à
determinabilidade objectiva das condutas a proibir. FIGUEIREDO DIAS defende que o critério
decisivo para aferir do respeito pelo princípio da legalidade, neste âmbito, é aquele que permite
saber se, apesar da indeterminação aceitável dos conceitos, existe ainda assim uma área e um fim de
protecção da norma claramente determinados. Essa área, a existir, permite a coexistência de
conceitos indeterminados e cláusulas gerais com o princípio da legalidade.

Efectivamente, a conformação constitucional mais explícita do direito penal deriva precisamente do


princípio da legalidade, no Estado de Direito. Da leitura conjugada da CRP com a lei penal resulta o
seguinte:

• Só a lei é fonte de direito penal: reserva relativa da AR [art. 165º/1/c) CRP].


o Exigência de lei formal: lei da AR ou por ela autorizada mediante LAL.

• O conteúdo das normas penais exige um elevado grau de determinação na descrição das
condutas e nas consequências previstas [art. 29º/1 e 3 CRP].
• Proíbe-se a analogia e, eventualmente, a interpretação extensiva de normas
incriminadoras [art. 29º/1 e 3º CRP e 1º/3].
• Proibição da retroactividade das normas penais [art. 29º/1 e 3º CRP e 1º/1].
• Princípio da retroactividade das leis penais de conteúdo mais favorável [art. 29º/4 CRP e
2º].

Cumpre reafirmar as principais consequências do princípio da legalidade:

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• Nullum crimen, nulla poena sine lege stricta: reserva de lei

• Nullum crimen, nulla poena sine lege certa: princípio da tipicidade

• Nullum crimen, nulla poena sine lege praevia: proibição da retroactividade

• Nulla poena sine crimen: princípio da conexão

6. NÃO RETROATIVIDADE

Nullum crimen, nulla poena sine lege praevia art. 29º/1 e 3º CRP; e 1º/1 CP]: princípio da não
retroactividade das normas penais que criem ou agravem a responsabilidade penal [proibição de
retroactividade in malem partem], fundamentado nos princípios da culpa e da segurança jurídica.
Assim se garante que o exercício do poder punitivo seja exercido de acordo com critérios e limites
antecipadamente conhecidos e inalteráveis por interesses particulares. Proíbe-se a retroactividade:
• Incriminações

• Agravações da responsabilidade criminal

• Penas

• Pressupostos das medidas de segurança

• Medidas de segurança

• Normas processuais que afectem directamente direitos, liberdades e garantias

Cumpre determinar quando se considera o facto praticado [art. 2º-1], para efeitos de proibição da
retroactividade [tempus delicti]: refere-se ao momento da efectiva prática da acção criminosa ou ao
momento em que se produziria a acção, em caso de omissão [art. 3o]. Decisiva é a conduta [o
momento em que o agente actua ou, no caso da omissão, em que devia ter actuado], não o resultado.
Haverá retroactividade quando a lei em causa for anterior à produção do resultado típico, mas
posterior à prática da acção. Vale para todos os comparticipantes no facto criminoso [autores ou
cúmplices, art. 26º e 27º].
Assim, considera-se não existir qualquer retroactividade no caso de crimes permanentes ou
duradouros [vg sequestro, art. 158º] em que a lei posterior que agrave a incriminação entre em vigor
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antes do término da consumação desse crime: uma parte do crime ocorre no domínio da lei antiga,
enquanto que outra parte ocorre no domínio da lei nova. Nesse caso, o agente não será punido por
todos os crimes que pratique cumulativamente durante esse período de tempo, mas tão-só pelo
crime mais grave, aplicando-se a lei em vigor durante o facto mais grave. O mesmo se diga em
relação a crimes continuados [art. 30º/2]. Conclui-se: FIGUEIREDO DIAS considera que a lei
posterior que agrave o regime legal só pode valer para aqueles elementos típicos do comportamento
verificados após a modificação legislativa.
Hoje a proibição da retroactividade in pejus engloba também os pressupostos das medidas de
segurança [ao contrário da solução dos CP alemão e italiano], embora tal já tenha sido negado por
EDUARDO CORREIA, no passado: entendia-se que não haveria retroactividade se a lei que
modificasse uma medida de segurança fosse contemporânea de um estado de perigosidade já
anterior, necessariamente duradouro. Esta concepção seria coerente se a proibição da
retroactividade se baseasse na culpa [recorde-se que os inimputáveis não são capazes de culpa: tão-
só de perigosidade]. Não procede, todavia: veja-se o disposto no art. 29º/1 e 3º CRP e 1º/2.
Fundamenta-se, sim, na segurança jurídica, como supra já indiciado. Sublinhe-se que também
relativamente às medidas de segurança se fazem sentir exigências de protecção de direitos,
liberdades e garantias das pessoas atingidas.
Neste âmbito, refira-se a posição de MARIA JOÃO ANTUNES que, através da denominada
doutrina diferenciadora, propõe que:

• Para o pressuposto “prática de facto ilícito típico” vale a lei vigente no momento da prática
do facto. Se uma lei posterior menos favorável entrar em vigor, após verificação deste
pressuposto, proíbe-se a retroactividade in pejus.

• Para o pressuposto “fundado receio de que o agente cometa outros factos ilícitos típicos”
poderá valer a lei vigente no momento da formulação deste juízo de perigosidade: a medida
de segurança a aplicar, em concreto, determina-se pela lei vigente neste momento [no
momento do julgamento]. Se, por exemplo, o internamento de um inimputável por anomalia
psíquica for aumentado de 3 para 5 anos [art. 91º/2], antes da execução da pena, entendem
MARIA JOÃO ANTUNES e FIGUEIREDO DIAS que a nova lei prossegue melhor o fim da
medida de segurança, por ser mais recente, ainda que in pejus. Para efeitos deste
pressuposto, já não colhe a proibição da retroactividade in pejus.


FERNANDA PALMA defende a posição inversa: sendo certo que é no julgamento que se avalia a
perigosidade do agente, é o pressuposto “prática de facto ilícito típico” que, aqui, releva. Subjaz
uma ideia de prevenção especial e de protecção da sociedade.

Em processo penal vigora a regra da aplicabilidade imediata da nova lei processual penal [art. 5º/1
CPP], ainda que não englobe as normas que se referem a causas de extinção do procedimento
criminal [vg prazos prescricionais] ou as leis que transformem um crime particular em semipúblico
ou público, ou um crime público em semipúblico.
Pergunta-se se está a jurisprudência também submetida à proibição da retroactividade. Isto é, deverá
admitir-se que uma corrente jurisprudencial estabilizada possa ser alterada contra o agente?
FIGUEIREDO DIAS considera que a aplicação da nova corrente jurisprudencial que passe a
determinar a punição de um facto antes considerado irrelevante, vg, não constitui uma violação
proprio sensu do princípio da legalidade, embora, ainda assim, possa frustrar as expectativas do
agente quanto à irrelevância penal da conduta.

6.1. LEI PENAL MAIS FAVORÁVEL

Como limite à proibição da retroactividade, admite-se a aplicação retroactiva da lei penal mais
favorável [retroactividade in melius ou lex melior diz- se], nos termos dos arts. 29º/4 CRP e 2º/4.
Fundamenta-se na igualdade e na necessidade da pena, surgindo autonomamente como verdadeiro
princípio, e não uma mera excepção ao princípio da legalidade. Aqui cumpre distinguir realidades
diversas:
• Lei posterior desincriminadora/de descriminalização [art. 2º/2]: é natural que tenha
como consequência a extinção da pena e do procedimento criminal sem quaisquer
limitações e de modo imediato. Mesmo após trânsito em julgado, na medida em que onde se
lê “leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido” [art. 29º/4 CRP], “arguido” não é
sinónimo de “caso julgado”. Persiste a qualidade de arguido se o processo for reactivado
[GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA]. Conclui-se: aplica-se mesmo quando a
sentença condenatória já tenha transitado em julgado.
• Lei posterior que converta o crime em contra-ordenação [art. 2º/2 ou 4º]: substitui-se a
pena pela coima correspondente, sendo incorrecto defender-se a extinção em absoluto da
responsabilidade jurídica [vazio legal e absolvição do arguido], segundo FERNANDA

PALMA. FIGUEIREDO DIAS concorda com esta orientação: a aplicação da contra-


ordenação é, afinal, concretamente mais favorável para o agente.
• Lei posterior atenuante da responsabilidade penal [art. 2º/4]: aqui, o “trânsito em
julgado” é um limite expresso à retroactividade in melius, por razões de segurança e de
estabilidade das instituições penais. Ressalvam-se os casos julgados. Para FIGUEIREDO
DIAS é erróneo considerar-se que esta restrição diminui o conteúdo essencial da norma em
causa. Coerentemente, o novo regime processual [art. 371º-A CPP – manda reabrir o
processo, a pedido do condenado] consagra a possibilidade de o condenado requerer a
reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime, concretamente mais
favorável, após trânsito em julgado, mas antes de ter cessado a execução da pena: cinge-se
aos casos de execução de uma pena principal, e não já da pena de substituição. Excepções à
ressalva de casos julgados:
o art. 2º/2
o art. 2º/4, 2a parte; o art. 371º-A CPP
Exemplifiquemos: A pratica um crime ao abrigo de uma moldura penal de 3 a 10 anos. Com
a entrada em vigor de nova lei, a moldura penal é alterada para de 1 a 5 anos, mais
favorável, enfim. A já cumpriu 2 dos 3 anos que lhe foram sentenciados, após trânsito em
julgado. Falta-lhe um ano para cumprir a totalidade da pena.

Se não tivesse sido julgado ou se estivesse a ser julgado – aplicava-se a nova lei,
mais favorável

Como a sentença já transitou em julgado, aplica-se a lei anterior salvo:

o art. 2º/2: seria libertado


o art. 2º/4, 2ª parte: não é o caso
o art. 371º-A CPP: reabertura do processo, a pedido do condenado

• Norma declarada inconstitucional com força obrigatória geral, pelo TC [art. 282º CRP]: o
TC deve reabrir o caso julgado quando a lei inconstitucional seja menos favorável do que a
que anteriormente vigorava [art. 282º/3, 2ª parte]. Se o TC declarar a inconstitucionalidade de
uma lei mais favorável:
o Caso julgado: art. 282º/3, 1ª parte
o Processo pendente: considera FERNANDA PALMA que a norma anterior não é









repristinada e não deve, assim, ser aplicada; subjacente está a ideia de tutela das
expectativas e da confiança dos particulares que confiaram na validade da lei nova,
mais favorável e promulgada pelo PR – sugere-se a sobreposição dos arts 2º e 29º-4
CRP, que se sobrepõem ao art. 282º CRP a este respeito; outros autores resolvem a
questão através da inexistência de responsabilidade, já que não há culpa desses
particulares [art. 17º].

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O crime enquanto ato típico, ilícito, culposo e punível

São pressupostos da responsabilidade penal:

1. Ação

2. Tipicidade

3. Ilicitude

4. Culpa

(5. Punibilidade)

1. Ação

FD defende que não precisamos de discutir aqui os problemas, discutem-se na tipicidade.


FP defende, em contrário, que este primeiro momento de discussão é relevante. Serve uma função
de limitação - decide-se o que merece a pena ser discutido do ponto de vista penal.

Mas o problema da ação só precisa de ser discutido quando duvidoso, caso contrário passamos logo
para a tipicidade.

O conceito material de ação está ligado ao conceito material de crime e às finalidades das penas.

Conceito de ação: comportamento humano voluntário.

Tem de haver um comportamento, o que quer dizer que tem de haver uma projeção no exterior,
porque de acordo com o principio da necessidade da pena só podemos punir se é lesado ou posto em
perigo um bem jurídico (os pensamentos ou emoções só por si não o fazem);

Tem de ser humano: o direito não ordena os animais ou acontecimentos naturais.

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Tem de ser voluntário, porque se o comportamento não for voluntário não haverá culpa porque não
houve escolha.
Interessa ainda na perspetiva da prevenção, pois se o comportamento não é voluntário ele não é
motivável por normas.
• Na coação física já não há ação, porque se usa a força física da pessoa contra a sua vontade
(ex: pegar na mão e fazer a pessoa assinar);
• Na coação psicológica ainda há ação porque ainda há vontade, mesmo que pelo medo, então
ainda vale a pena discutir o problema nesta sede.
• Nas ações passionais há um momento de tensão, o agente pode estar sob uma pressão muito
intensa, mas ainda há ação, ainda podemos discutir o problema.
• Movimentos praticados em estado de inconsciência: podem ser sonambulismo, embriaguez
extrema, desmaios, etc. Nestes casos não há voluntariedade do comportamento, pelo que não
há ação (a regra), exceto se a pessoa voluntariamente se colocou nessa situação, caso em que a
doutrina admite que há ação, podendo-se discutir a relevância penal.

O sonambulismo poderá ser enquadrado na exceção?


• FP diz que se o sonâmbulo sabe que pode atacar alguém e vai dormir com uma arma
por perto poderá ser responsabilizado.
• HM rejeita esta ideia, defendendo que durante o sonambulismo nunca há exceção.

E o estado de hipnose? HM diz que não é um estado de inconsciência, pelo que há


sempre ação.

• Atos inconscientes praticados em estado de consciência (são atos inconscientes, a pessoa não
está a pensar sobre esse comportamento):
Ato reflexo (ex: martelo no joelho): São involuntários, por isso insuscetíveis de
gerar responsabilidade penal
Automatismos (execuções rotineiras): Através de um ato de consciência
deixarão de ser automáticos. Estes são voluntários, há vontade.
Reações instintivas: Para Roxin, havendo intervenção do sistema nervoso
central, vamos responder conforme a nossa personalidade (maior ou menos
medo, …). Então há um substrato mínimo de vontade.

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E a omissão?

São uma não ação, sendo que o CP não estabelece uma equivalência entre crime por ação e por
omissão.
Não é porque não agiu que praticou um crime de omissão, teria de lhe ser exigível - 10º CP. Sendo a
proibição de ação universal, então concluímos que as duas coisas não estão no mesmo plano.

Não há nenhum principio de solidariedade universal com um alcance tal que estabeleça a obrigação
de interferir na liberdade de outrem para lhes evitar lesões. Seria uma amplitude tão vasta, que não
funcionaria numa sociedade regida pelo princípio da liberdade.

O 200º CP parece estabelecer este dever de solidariedade - há realmente alguns deveres de


solidariedade, mas é um crime pouco importante (até 1 ano de prisão) e é uma norma subsidiária
(quando não haja alternativa de intervenção), não se assimilando, p. ex., a um crime de homicídio
(se a pessoa morrer somos apenas punidos por violação do dever de auxílio).
Diversamente, se tem alguém a seu cargo (pai, filho,…) e não presta os cuidados devidos, há aqui
uma equiparação de omissão e da ação pelo 10º CP - porque há uma relação jurídica. Há um dever
jurídico que obriga o agente a evitar a lesão do bem jurídico.

Há doutrina que entende que determinadas omissões não são penalmente relevantes porque não são
humanamente exigíveis, não há capacidade humana de aturar (ex: se vejo um campeonato na TV e
estou em Lisboa, acontecendo o choque em Cascais; se o pai deixa o filho morrer afogado porque
está amordaçado). Só haverá omissão se houver possibilidade fáctica de alterar os acontecimentos.

Em suma: Os comportamentos omissivos não são genericamente punidos. O princípio que vale é o
da responsabilidade quando exista uma posição jurídica que exija que o agente evite dado resultado
- 10º/2. Não basta um dever qualquer, é necessário que exista um dever jurídico que obrigue o
agente. Tradicionalmente aponta-se a lei, o contrato e a ingerência (FP distingue a ingerência -
crime de resultado - do 200º/2 - crime de perigo, norma subsidiária).

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2. Tipicidade

Apela a uma estrutura fundamental de um comportamento que o legislador prevê, descrita num tipo
de crime. Temos de verificar se no caso concreto se pode fazer a recondução a uma estrutura
correspondente a dada formulação do CP.
O que temos de fazer é a comparação entre a estrutura da ação e a norma penal.

Quando não exista qualquer dúvida quanto ao comportamento, nem se levanta a questão.

Se só houver desvaler objetivo da ação/omissão é punido apenas por tentativa, se existir também
desvaler do resultado é punido por crime consumado.

Pressupõe a imputação do resultado ao facto.

Em suma: o comportamento tem de ser ofensivo ou perigoso para determinado bem jurídico. A
tipicidade está preenchida quando o comportamento não é neutral, já é ofensivo de bens jurídicos.

2.1. Objectiva

Relaciona-se com a causalidade entre a acção e o resultado

a) Teoria da conditio sine qua non: se eliminarmos mentalmente a conduta do agente e o


resultado não se mantiver, há imputação objectiva; se o resultado, pelo contrário, se
mantiver, não há imputação objectiva. Esta teoria tem diversas situações para as quais não
encontra solução:

i. Casos de causalidade hipotética: com esta teoria, dar-se-ia relevância às causas


hipotéticas e a doutrina tem considerado que estas não têm relevância, na medida em
que o Direito tem o dever de tutelar o bem jurídico enquanto este se mantiver,
mesmo que esteja condenado (p.e, A ingere um veneno mortal, mas vem a morrer
devido a um disparo de B);

ii. Casos de interrupção do nexo causal: a imputação manter-se-ia, embora a situação


seja imprevisível para o agente (p.e, A alveja B e este é transportado para o hospital.
No caminho, a ambulância despista-se e B vem a morrer devido a esse acidente);
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iii. Casos de características especiais da vítima: a imputação mantém-se, embora o


resultado seja totalmente imprevisível para o agente (p.e, A empurra levemente B,
que morre instantaneamente apenas por sofrer de uma rara doença óssea).

iv. Casos de causas paralelas: existem duas causas que concorrem para a produção do
resultado, embora uma delas bastasse para conseguir a efectivação do mesmo.
Diferem das causas hipotéticas porque, neste caso, todas as causas são efectivas. A
teoria em consideração ajuda a eximir responsabilidades em acções inequivocamente
causais (p.e, A e B colocam ambos, sem conhecimento da intenção um do outro, 4 gr
de cianeto no copo de C. Sendo necessário apenas 4 gr de cianeto para matar uma
pessoa, com 8 gr ingeridos C acaba por morrer) .

v. Casos de causas imprevisíveis ou não habituais: a teoria em causa acabaria por


considerar que existiria imputação em situações onde nunca poderia existir, sequer,
responsabilidade penal por culpa (p.e, A convida B para um passeio de mota e
acabam por ter um acidente).

vi. Casos de intervenção dolosa de outrem: p.e, A fere B que vem a morrer, unicamente,
porque não foi auxiliado por C.

b) Teoria da causalidade adequada: vem restringir a teoria da conditio sine qua non.
Segundo ela, uma conduta que é sine qua non de um resultado é juridicamente relevante
como causa do mesmo resultado sempre que, colocada uma pessoa média no lugar do
agente, antes da prática do facto, seja previsível aquele resultado. Esta teoria vem resolver
os casos de interrupção do nexo causal e das características especiais da vítima, mas
permanece sem solucionar os casos de causalidade hipotética e de causas paralelas. Em
específico, esta teoria tem dois problemas:

i. Não consegue identificar o concreto critério de previsibilidade, deixando nas mãos


do julgador a definição do grau de conhecimento do observador médio. Não
distingue a previsibilidade do resultado abstracto de uma previsibilidade concreta
relacionada com deveres especiais do agente ou capacidades de prognóstico;

ii. Não resolve correctamente casos de diminuição do risco

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c) Teoria do risco: a teoria do risco obriga a uma lógica de dois “patamares” que
têm de se verificar para que haja imputação objectiva:

i. Tem de existir criação ou aumento de um risco proibido;

ii. Esse risco proibido criado ou aumentado tem de se materializar no resultado.

É no âmbito deste “segundo patamar” que se discutem várias questões para se responder à
questão: o risco materializou-se no resultado ou não?

a) Comportamento lícito alternativo

i. Maria Fernanda Palma: basta uma dúvida razoável de que o resultado se


manteria o mesmo ainda que se cumprisse o comportamento lícito alternativo
para que não haja imputação objectiva;

ii. Outra doutrina: só em caso de certeza absoluta de que, caso o agente


tivesse praticado o comportamento lícito alternativo o resultado seria
diferente, é que se pode excluir a imputação objectiva.

b) Esfera de protecção da norma: regras de cuidado cuja violação pode preencher o


tipo

c) Esfera de protecção do tipo

d) Interposição de auto-responsabilidade da vítima: o risco proibido é criado pela


própria vítima, o que provoca uma interrupção da imputação objectiva

e) Causalidade cumulativa: dois contributos concorrem para o mesmo resultado,


mas nenhum deles pode, sozinho, efectivá-lo. Nestes casos, a responsabilidade dos
agentes é analisada autonomamente, segundo critérios de conhecimentos especiais
do agente e de previsibilidade (p.e, A coloca 2gr de cianeto no copo de C; sem saber,
B coloca também 2 gr de cianeto no copo de C. Bastando 4 gr de cianeto para matar
um humano e ingerido C a quantidade necessária, acaba por morrer);

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f) Transferência do risco para esfera alheia: por algum motivo, dá-se uma
transferência do risco para uma esfera jurídica alheia o que faz com que, em caso de
potenciação do risco pelo novo responsável, por violação de deveres graves de
cuidado, se interrompa a imputação objectiva (p.e, A alveja B, que é internado no
hospital aos cuidados do médido C. Dá-se transferência do risco de B para C, sendo
a actuação deste último imputada objectivamente caso viole gravemente os seus
deveres).

2.2. Subjetiva

Prende-se à verificação do dolo ou negligência

Neste âmbito, pretende analisar-se se o agente tinha consciência e conhecimento da


situação objectiva tal como ela se verifica: vai discutir-se a existência de dolo ou de
negligência na conduta do agente.

a) Elemento cognitivo

O art.16/1/1a parte CP apresenta um erro ignorância sobre o facto típico (p.e, A dispara
sobre B, pensando que este se tratava apenas de um boneco). Este erro exclui o dolo e
implica, eventualmente, a punição por negligência (art.16/3 e 15 CP).

Conhecimento dos elementos normativos: o agente tem de representar todos os elementos


normativos para que possa aceder à consciência de ilicitude – os elementos descritivos do
tipo (p.e, mulher no art.168 CP; corpo no art.143 CP) e os elementos normativos, que serão
mais ou menos exigentes consoante o tipo de crime em causa;

Erro sobre a pessoa ou sobre o objecto: a individualidade não é, por regra, elemento do tipo
de crime. Logo, normalmente, não releva. No entanto, nos crimes em que a qualidade da
pessoa é elemento do tipo, este erro é relevante para a qualificação do mesmo;

Erro sobre o processo causal: situações de interrupção do nexo causal da imputação


objectiva. Neste âmbito, importa referir a diferença entre crimes de execução livre – o
modo de os praticar está na total disposição do agente, p.e, o homicídio – e os crimes de
execução vinculada – só podem ser realizadas de uma determinada forma, p.e, a burla.

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O erro sobre o processo causal tem mais relevância nos crimes de execução vinculada, pois
há passos obrigatórios a cumprir; nos crimes de execução livre, a sua relevância é muito
menor, só existindo quando o desvio do processo causal faz com que os riscos do
comportamento se alterem;

Dolo generalis: o agente erra sobre um dos diversos actos em conexão com a acção.
Pressupõe sempre a existência de dois momentos:

i. O agente pensa que produziu um determinado resultado com a sua actuação, o que
de facto não acontece;

ii. Posteriormente, fruto de nova actuação, o resultado vem a produzir-se.

P.e, A dispara sobre B. Julgando-o morto, enterra-o para que o cadáver não seja descoberto.
No entanto, B estava somente moribundo após o tiro e acaba por morrer asfixiado. Como solucionar
esta problemática, em sede de punibilidade?

a) Jackobs: punição por tentativa dolosa no primeiro momento e homicídio


por negligência no segundo momento, em regime de concurso efectivo;

b) Maria Fernanda Palma: concorda com a posição de Jackobs, se os dois


momentos forem efectivos. No caso de haver uma dualidade artificial e os riscos
associados ao segundo momento forem reconduzidos aos do primeiro momento,
defende a punibilidade por dolo (p.e, A agride B na cabeça com uma pá, com o
objectivo de o enterrar no jardim).

Aberractio ictus: é um erro na execução. O agente atinge um objecto diferente do que aquele
que era visado (p.e, A pretende atingir B a tiro, mas atinge C, que caminha ao seu lado,
matando-o).

Como solucionar esta problemática, em sede de punibilidade?

a) Em relação ao objecto que se pretendia atingir, pune-se o agente por


tentativa dolosa;

17




















































b) Em relação ao objecto que foi, de facto, atingido, pune-se o agente por
crime consumado negligente.

Estamos perante um concurso efectivo.

O art.16/1/parte final CP trata de um erro sobre a punibilidade, tal como o art.17 CP. Qual é então a
diferença entre estes dois artigos?

Art.16/1/parte final CP: diz respeito a crimes axiologicamente neutros, ou seja, crimes que o
cidadão comum, sem conhecimentos profundos de lei, não assume como crime. Este artigo exclui o
dolo, mas permite a punição por negligência.

Art.17 CP: diz respeito aos crimes axiologicamente relevantes. Mesmo conhecendo todo o facto
típico, o agente não consegue aceder à consciência da ilicitude. Este artigo exclui a culpa, quando
o erro não é censurável.

b) Elemento volitivo

A) Dolo

(quando o artigo nada disser é crime doloso - artigo 13º CP). O Dolo do tipo corresponde ao
conhecimento e vontade de realização da ação típica

A.1.) Directo - 14º/1 CP

O objecto da vontade do agente coincide com a realização do facto típico

A.2.) Necessário - 14º/2 CP

A realização do facto típico é prevista como consequência necessária de


acção

A.3.) Eventual 14º/3 CP

O agente prevê como possível a realização do facto típico, mas conforma-se


com esta

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B) Negligência

A Negligência do tipo corresponde à violação do dever objetivo de cuidado. Atitude de


descuido ou leviandade perante o direito (perante o bem jurídico protegido pela norma).

B.1.) Consciente - 15º/a) CP

B.2.) Inconsciente - 15º/b) CP

Dolo eventual VS negligência consciente

a) Teorias intelectualistas: o dolo eventual caracteriza-se pela elevada possibilidade, para o


agente, de produção do resultado típico;

Figueiredo Dias: na esteira de Roxin, diz-nos que, para que haja dolo, o agente tem de tomar como
sério o risco de possível lesão do bem jurídico e, mesmo assim, decidir-se pela realização do facto.

Maria Fernanda Palma: se a razão de agir tiver alguma conexão com o resultado produzido, há
dolo eventual; se não, há negligência porque não há sequer uma conformação.

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3. Ilicitude

Quando um comportamento é típico, há um indício de que será também ilícito, mas um


comportamento típico não é necessariamente ilícito. Só podemos ter a certeza nesta fase, em que
verificamos se existem ou não causas de justificação da ilicitude.

Apesar de um comportamento poder ser desvalioso e ofensivo de bens jurídicos, pode haver
situações em que esse desvalor da ação e do resultado podem ser neutralizados porque houve a
afirmação de outro direito ou interesse. E esse desvalor da ação e do resultado que resultam de estar
preenchida a tipicidade são compensados por esse outro valor que é realizado. Assim, havendo uma
causa de justificação, apesar do comportamento ser típico, não é ilícito.

Faz-se um juízo negativo: chegamos a um comportamento ilícito excluindo causas de justificação.


Quando excluo a ilicitude de um comportamento dou um direito inatacável à pessoa, ou outros
agentes nada lhe podem opor.

Causas de exclusão (31º CP):

3.1. Legítima defesa - 32º CP


Requisitos:
A) Conduta do agressor - AGRESSÃO:
A agressão pode ser um ato por ação ou omissão.
Só existe um crime por omissão se a pessoa tiver um dever especial de garante.
Não tem que ser culposa - se for praticada por um inimputável não é culposa, mas isso não
invalida que não possa haver legítima defesa. Continuo a ter o direito de me defender. A ordem
jurídica permite a defesa por legitima defesa de uma agressão praticada por quem não tem
capacidade de entender.
• ATUAL - A agressão atual determina que o ato não esteja terminado
A ação de alguém relativamente a uma agressão eminente.
Não há legitima defesa se o outro agrediu, parou, e depois o segundo agride. Se o ato agressor já
terminou, isto apenas é um contra-ataque, uma reação à primeira agressão. E isto não é legitima
defesa.

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FD segue a linha da doutrina civilista, em que a agressão actual é aquela agressão em curso ou
iminente.

MFP e TC seguem a linha da doutrina alemã dominante, segundo a qual a agressão é actual se se
poder dizer que do ponto de vista objectivo já há um acto de execução de tentativa nos termos do
22º/2.
FD diz que ao tirar a arma do bolso já estamos perante uma agressão iminente, porque quando o
agente dispara a vítima já nada pode fazer para se defender. MFP e TC chegam à mesma conclusão
mas pelo 22º/2/c), sendo este um critério muito mais objectivo.

• ILÍCITA - tem que violar bens e interesses legalmente protegidos.


A legítima defesa putativa não exclui a ilicitude - 16º/1.

B) Conduta do defendente:
• Defesa necessária
Deve ponderar a fuga? Deve ser considerada um meio? Justificava-se agredir, se poderia ter fugido?
É uma questão doutrinária em aberto.
Procurador considera que é de bom senso fugir. Mas é na prática que devemos avaliar a situação

A provocação do agredido deve afastar a hipótese de este depois recorrer à legítima defesa?
Agressão pré-ordenadamente provocada. O provocador não deve poder invocar a legitima defesa.

• Necessidade do meio
Tem que escolher o meio de defesa menos gravoso, caso contrário há excesso de legitima defesa.
Deve atender às características do atacante, ao instrumento de ataque, os sinais de intensidade.

Excesso de legítima defesa - regra geral 33º CP:

Era exigível que aquele indivíduo escolhesse outros meios menos gravosos?

- Nos casos em que não era exigível, o agente não é punido - n.º 2.

- Estão preenchidos os requisitos objetivos, mas há excesso dos meios necessários - o julgador
pode equacionar a atuação especial da pena.
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Mas se o excesso resultar de perturbação, medo ou susto, não censuráveis, não é punível (não se
inclui a cólera, desejo de luta)

1. Agressor tem 2m e a vítima 1.5m - 16º/2 + 16º/3


- Há exclusão do dolo da culpa! !!!

2. Erro + Excesso

2.1. Excesso inconsciente - 16º/2 + 16º/3 - Erro sobre a necessidade do meio


C olha para A no escuro e pensa que ele tem 2m, pelo que não chegará a
lado nenhum apenas com a força física. No entanto A. tem 1.5m.

2.2. Excesso consciente - Aplica-se analogicamente o regime do excesso, porque a


analogia favorável é permitida ( a alternativa seria considerar o facto ilícito e
culposo):

- 33º/1 - Não há exclusão da culpa;

- 33º/2 - Há exclusão da culpa (Nos casos em que o excesso resulta de


perturbação, medo ou susto). MFP não deixa de aplicar a este caso o 16º/3.

MFP defende a existência de um requisito de proporcionalidade que decorre da CRP. A


proporcionalidade a que a professora se refere não é a do CC, é aquilo que TC chama de
proporcionalidade qualitativa, ideia de que só podemos lesar bens fundamentais do agressor,
conexos com a dignidade do agressor, para defender bens da mesma ordem, sendo certo que entre
os bens conexos com a dignidade da pessoa humana não fazemos uma hierarquia (Ex: posso matar
uma pessoa para evitar uma violação), ideia que decorre do princípio da insuportabilidade da
agressão, segundo o qual ninguém é obrigado a suportar certo tipo de agressões conexas com a sua
dignidade, e o princípio da igualdade de bens jurídicos.

3.2. Exercício de um direito


1) Prerrogativas dos órgãos de autoridade. Sempre com respeito pela necessidade e
proporcionalidade. 254º e 255º CPP tem que estar a ser respeitados.
2) Detenção em flagrante delito efetuado por qualquer pessoa - 255º CPP
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3) Ação direta - 336º C. Civil
A) força indispensável
B) na medida do necessário
C) Não sacrifique interesses superiores
4) Direito de correção (responsabilidades parentais)

3.3. Direito de necessidade - 34º CP


Requisitos:
- Perigo atual
- Que ameace interesses juridicamente protegidos
- O meio deve ser adequado para afastar o perigo

Pressupostos:
1. Sensível superioridade do interesse a salvaguardar
2. Não provocação da situação de perigo
3. Razoabilidade ético-jurídica do sacrifício do bem jurídico de terceiro

O bem salvaguardado é superior ao sacrificado. Nunca poderá justificar o homicídio, pois que não
há nunca um bem superior ao sacrificado, que é a vida de uma pessoa. Doutrina tradicional dizia
que neste caso só poderia haver estado de necessidade desculpante, mas a actuação seria sempre
ilícita.

Num caso em que haja 2 náufragos e apenas uma tábua, que só permite que um deles sobreviva.
Pode 1 matar o outro para sobreviver?
Nenhum deles tem o dto de matar o outro, mas pode ser desculpável apesar de ilicito. Por ser apenas
desculpável, então a potencial vítima tem dto de legítima defesa.

Conjunto de alpinistas que fica pendurado numa corda vertical (A, B, C, D). A corda começa a
ceder e só pode suportar 2 deles. A e B podem matar C e D para sobreviver?

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Resposta da doutrina tradicional: Não, o facto será ilícito. Mas será desculpável se o fizerem.
FD: A vida do A e do B é superior à do C e do D, porque a vida destes dois últimos já estaria
irremediavelmente condenada - Portanto haveria direito de necessidade, e exclusão da ilicitude.

3.4. Conflito de deveres - 36º

Pressupostos:
1. Impossibilidade de cumprir os 2
2. Cumprimento do superior (ou de qualquer um, se hierarquicamente iguais)
(10º/2 prevalece sobre o 200º - pai deve salvar primeiro o filho).
Não há responsabilidade penal pelo que se incumbiu, mas tenho o direito de resistência para não
cometer atos ilícitos.

3.5. Consentimento - 38º CP


- Anterior ao início da atividade consentida
- Expresso por qualquer meio
- Livremente revogado até à execução do facto

Consentimento abrange a ação e o resultado.


Se o consentimento não for conhecido do agente, este é punível com a pena aplicável à tentativa.

39º - consentimento presumido

Pressupostos:
1. Disponibilidade do bem jurídico (vida, integridade física essencial - 144º,
dignidade ou personalidade humana. TODOS INDISPONIVEIS)
- Refere-se a interesses jurídicos disponíveis
- Não ofender os bons costumes
- Capacidade para consentir - + de 16 anos e discernimento

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2. Liberdade do consentimento - 38º/3 (16 anos + discernimento necessário) +


38º/2 (consentimento livre)
- Vontade livre, séria e esclarecida - Sem vícios de vontade.

Situações em que os comportamentos praticados com consentimento podem afirmar-se típicos


porque ha violação de bens jurídicos, violação essa que, no entanto, está justificada. Ex: Destruo o
bem de outra pessoa com o seu consentimento.

(Se não violam bens jurídicos nem há tipicidade, pelo que não se chega a esta fase).

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4. Culpa

Haverá culpa quando excluirmos as causas de exclusão da culpa (em sentido amplo).
Os pressupostos da culpa serão a imputabilidade e a consciência da ilicitude, ou seja:
- O agente deve ser imputável (não padecer de anomalia psíquica + 16 anos)
- Liberdade do agente de se autodeterminar
- A conduta deve ser dolosa ou negligente (a negligência só é punível nos casos
expressamente previstos na lei)
- Inexistência de circunstância que tornassem não exigível outro comportamento

FD - Critério do homem médio, fiel ao Dto - como actuaria esse homem nessa situação.
MFP- Mais orientada para o caso concreto do que para um padrão normativo. Atende ao agente em
concreto, ao seu contexto social e cultural, e às oportunidades que teve de entender e se orientar
pelas normas.
- Corrente da ética das emoções: Se estamos perante um forte condicionamento emocional a
nossa capacidade de escolha está limitada?
MFP afasta esta ideia, as emoções não são apenas forças que nos condicionam a liberdade, podem
ser educadas, pelo que as próprias emoções exprimem valores e podem então ser valoradas. Para
excluir a culpa não interessa apenas verificar se a emoção se verificou, mas ainda ponderar se
exprime um valor com o qual o Dto se identifica ou não. MFP vai no sentido de se tentar perceber
se o agente está numa situação concreta de incapacidade de entender o valor exprimido pelo Dto
como um bem.
Por ex, na situação de conflito de deveres em que a mãe tem 2 filhos em perigo e só pode salvar 1, e
não consegue salvar nenhum porque não consegue escolher entre os 2.!
Para MFP esta mãe pode ser desculpada, a incapacidade de escolha dela exprime um valor que é
valorizado pelo Dto, que é o valor da igualdade entre filhos. MFP exige sempre, para que o agente
seja desculpado, que este realize um comportamento que é valioso para o Dto (tem de ter valor
constitucional).

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Depois temos de ver ainda as causas de exclusão da culpa (em sentido estrito), que serão:
4.1. Estado de necessidade desculpante - 35º/1
O agente pratica um facto ilícito mas é indispensável (adequado) para afastar o perigo atual e não
removível de outro modo e não for razoável exigir-lhe outro comportamento.

- Perigo atual + não removível de outro modo


- Vida, integridade fisica, honra ou liberdade (do agente ou de 3º)
- Não ter sido provocada pelo agente
- Sacrifício de valores inferiores ou iguais aos que se salvam. Ou mesmo maiores (mas não
sensivelmente superiores)

4.2. Obediência indevida desculpante - 37º CP


O agente desconhece que com aquela conduta comete um crime.
A culpa é excluída com fundamento numa ordem emanada de legítimo superior hierárquico (quando
o subordinado não sabe que a ordem conduz à prática de um crime).
No caso da camara municipal, o concurso todo bem feito, mas com conluio na elaboração do
caderno de encargos. Alguns envolvidos, administrativamente podem dar o parecer de “concordo”,
mas desconhecem que o concurso estava viciado, porque formalmente estava aparentemente tudo
certo.

Há um erro sobre a ilicitude, há falta de consciência do ilícito. O funcionário age convicto da


regularidade da ordem, e o seu erro só será censurável se fosse evidente a ilicitude no quadro das
circunstâncias. O erro não pode ser censurável.

4.3. Erro sobre as circunstâncias do facto - 16º CP (o excesso de legítima defesa não
censurável, em que há exclusão do dolo da culpa - 33º/2)
Art.º 16º CP - Erro sobre a factualidade típica. Quem age em erro sobre elementos do tipo, não
pratica o ato com dolo. Fica ressalvada a punibilidade a titulo de negligência.
O senhor A corta determinados pinheiros, na convicção de que são seus. Não eram, mas ele
acreditava que sim.

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Enquanto que a legítima defesa afasta a ilicitude, o excesso de legítima defesa atua no domínio da
culpa. Havendo excesso nos meios utilizados e por resultarem de perturbação, medo ou susto
justificável, não é censurável.

4.4. Erro sobre a ilicitude - 17º/1 CP


O agente desconhece que a conduta é ilícita. O erro exclui a culpa quando incide sobre o caráter
ilícito do facto. Erro não censurável!

É difícil fazer a destrinça do 16º. No 16º o erro é sobre os pressupostos fácticos de uma causa
justificativa (é um erro de conhecimento), enquanto o 17º assenta numa deficiência da própria
consciência ética do agente. Falta a perceção do significado do desvalor do comportamento.

Ou seja, consciência do ilícito (desvalor jurídico) VS consciência da punibilidade (desvalor penal).


Predomina a 1ª corrente, a consciência do ilícito.

MFP propõe uma via intermédia: estabelece o critério 16º/1 - erro intelectual; 17º - erro moral. No
17o tem tudo o que precisa para saber que o que está a fazer é ilícito, se actua de outra forma há um
desfasamento entre a concepção do agente e do ordenamento jurídico.

A lógica da professora é a de que o comportamento pode ser axiologicamente pouco relevante e


mesmo assim o agente tem oportunidade de aceder ao problema da ilicitude, mesmo não
conhecendo a proibição. Sendo assim, a proibição não será indispensável para conhecer a ilicitude.
Os critérios serão:
1. A experiência profissional do agente
2. A evidência das normas violadas (o agente pode até não conhecer a norma, mas ela é
evidente)
3. Perigosidade intrínseca dos comportamentos
- Se verificados estes critérios vamos para o 17o e não para o 16o!

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O Erro

A) Erro na execução
- Crime projetado: tentativa;
- Crime consumado: negligência

B) Erro sobre a pessoa ou objeto


A tese preponderante é que o erro é irrelevante quando o objeto atingido é tipicamente
idêntico (quero matar uma pessoa e mato outra)

C) Erro sobre o processo causal


Afasta o dolo, ficando ressalvada a punibilidade da negligência nos termos gerais.

Erro relevante sobre um dos elementos típicos do ilícito - erro sobre as circunstancias de
facto.

D) Erro sobre circunstancia modificativa agravante ou atenuante


Por exemplo, desconhece que a pessoa que matava era descendente.

E) Erro sobre a posição de garante nos crimes de comissão por omissão.


Desconhecia que era pai, e por isso omitiu o dever de cuidado para com o filho.
Afasta o dolo

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5. Punibilidade

- Circunstâncias em que se verificam condições objetivas de punibilidade (ex: insolvência culposa -


tem que ter sido decretada a insolvência);

- Privilegiar soluções de consenso e oportunidade (arquivamento em caso em que esteja prevista a


dispensa de pena, suspensão provisória do processo, …). Só deve ir para julgamento aquilo que é
mais grave.

- Privilegiar a aplicação de penas não privativas da liberdade. Tendo que optar por pena privativa de
liberdade, optar por aplicar a suspensão, se possível.

5.1. Actos preparatórios (mera intenção) - 21º CP: não são, salvo disposição em contrário,
puníveis. A mera decisão de realização de um tipo de ilícito objectivo, independentemente do
começo da realização, não é punível. São excecionalmente puníveris os atos preparatórios previstos
dos crimes: falsificação de moeda, de títulos equiparados, de valores selados e de pesos e medidas;
incêndios, condutas especialmente perigosas; contra a independência e a integridade nacionais,
contra a realização do Estado de direito e ainda dos crimes de organização terrorista.

5.2. Tentativa - 22º CP

A tentativa é, em princípio, punível. Como prática de actos de execução, a tentativa viola já a norma
jurídica de comportamento que está na base do tipo de ilícito consumado. Ela já coloca em
intranquilidade os bens jurídico-penais.

Requisitos:

1) Decisão de cometer um crime


Exige-se que haja dolo dirigido à realização objectiva do facto, pois é pressuposto da
tentativa (art.22/1 CP). O dolo pode assumir qualquer das sus configurações.
Não existe tentativa negligente.

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2) Actos de execução (art.22/2 CP)
Têm de ser realizados actos que não constituam meros actos preparatórios, mas que se
apresentem já como actos de execução. Quando estamos perante um acto de execução?

a) Teorias formais objectivas: a tentativa supõe, pelo menos, a prática de actos que caem já
na alçada de um tipo de ilícito e são portanto abrangidos pelo teor literal da descrição típica.
É considerado como um ponto de vista obrigatório nesta distinção. Consagração legal:
art.22/2/a) CP

O art.22/2/c) CP exige, cumulativamente, uma dupla conexão:

- Conexão de perigo: existe sempre que, entre o último acto parcial questionado e a
realização típica se verifica, segundo o lapso temporal, mas também de acordo com o
sentido, uma relação de iminente implicação;

- Conexão típica: existe quando o acto penetra já no âmbito de protecção do tipo de crime.

3)Não consumação

Limites à punibilidade da tentativa (art.23º CP)

A) Em função da pena aplicável ao crime consumado: em princípio, só é punível a tentativa nos


casos em que ao crime consumado corresponda pena superior a 3 anos de prisão; quando tal não
suceda, a tentativa só será punível se a lei expressamento o declarar.

No caso de tentativa de delitos qualificados, a pena aplicável a que a lei se refere é à pena do delito
qualificado.
Sendo punível a tentativa, a pena que cabe ao agente é a do crime consumado, especialmente
atenuada (art.23º/2 e art.73º CP). Esta atenuação especial é obrigatória.

B) Tentativa impossível (art.23/3 CP): a tentativa continua a ser punível apesar de a realização do
facto estar irremediavelmente destinada a não se consumar, salvo quando a inaptidão dos meios ou
a carência do objecto sejam manifestas.

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Esta inaptidão de meios ou carência de objecto têm de ser manifestas para um observador externo
que observe a cena.

Porque se pune a tentativa impossível? Muito embora a tentativa esteja impossibilitada de produzir
o resultado típico, é suficiente para abalar a confiança comunitária na vigência e na validade da
norma de comportamento. Por isso mesmo, só se admite a impunibilidade da tentativa em que os
meios são manifestamente inaptos ou em que o objecto seja manifestamente inexistente, pois é esta
característica que não permite que se afecte os níveis de confiança da comunidade.

M.Fernanda Palma: a delimitação entre tentativa possível e impossível é relativa, pois tudo o que
é impossível pode ser possível num universo alternativo. Por isso mesmo, a distinção é feita a partir
de graus de possibilidade – só nos casos em que o grau de possibilidade da tentativa constitui
perturbação do ambiente de segurança de bens jurídicos é que se justifica a punibilidade.

Um caso típico de tentativa impossível é a tentativa supersticiosa: tentativa em que o agente tenta
alcançar a finalidade delituosa através de meios sobrenaturais. A inaptidão do meio é claramente
manifesta logo, pelo art.23/3 CP, a tentativa não é punível.

5.3. Desistência - art. 24º CP

A desistência pode, não obstante, deixar de ser punível. Todavia requer que seja o autor imediato
(que domina o facto) que tome essa iniciativa por decisão interna e sem influencia das
condicionantes do contexto. Isto é, a não consumação deriva de uma interrupção interna do
processo executivo do crime.

A desistência é relevante quando:

(i) o abandono voluntário da execução do crime (art. 24º/1/1ª parte);

(ii) evite que o resultado do crime se verifique (art. 24º/1/2ª parte);

(iii) impeça o resultado não compreendido no tipo (art. 24º/1/3ª parte).

É igualmente relevante, mesmo que evitadas por facto independente do desistente, desde que este:
faça esforços sérios e que seriam idóneos a evitar consumação (art. 24º/2).

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A) Tentativa acabada: na tentativa acabada o agente já criou todas as condições da realização


típica integral. Praticou os atos de execução mas evita a consumação, sozinho ou com ajuda de
terceiros (bombeiros, médicos, policias, etc.) mediante atos idóneos e atitude relevante. Neste caso,
é necessário que haja uma intervenção activa destinada a impedir a consumação da realização em
curso (art.24/1/2ª parte). O agente tem de impedir a consumação através de uma actividade própria,
eventualmente com a intervenção de terceiros.
Tem de colocar em movimento uma nova cadeia causal dirigida a impedir a consumação, não
bastando que, no momento desta, o agente já não queira o facto. A não verificação da consumação
tem de ser imputável ao agente – teoria da criação de oportunidades: a não consumação tem de
ser co-imputada à actividade do agente que, por conseguinte, tem que ser idónea para evitar a
consumação daquele facto.
Imagine que o agente se propõe a impedir a consumação, mas esta não ocorre devido a um facto
independente da sua conduta: o agente não é punido se se tiver esforçado seriamente para evitar a
consumação (art.24º/2 CP). E o que é um esforço sério?

• a) Esforço: existe quando criam, da perspectiva do agente, uma oportunidade de salvação


do bem jurídico;

• b) Sério: esforço que existe quando o agente intenta levar a cabo tudo aquilo que
subjectivamente pensa que teria de fazer ou pode fazer para evitar a consumação.

B) Tentativa inacabada: na tentativa inacabada, o agente ainda não criou todas as condições
indispensáveis àquela consumação.Agente não pratica todos os atos de execução, abandonando a
prossecução do crime. Aqui, basta que o agente interrompa a realização típica, nomeadamente, que
abandone a realização (art.24/1/1ª parte CP). Existe abandono da realização sempre que o agente
tenha renunciado à prática de actos (perspectiva objectiva) que, no momento da renúncia, ainda
considerava necessários para a consumação (perspectiva subjectiva).

C) Consumação: art.24/1/3ª parte. Só vale em caso de consumação formal.

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A desistência tem de ser voluntária e vale para todas as formas de tentativa. A desistência voluntária
implica a impunibilidade da tentativa (art.24º/1 CP). Só há desistência se houver, de facto, tentativa.

DESISTÊNCIA NOS CRIMES QUALIFICADOS – P.e.: Furto qualificado (utilização de arma) –


art. 204º/2/f), decide não usar a arma, deitando-a fora, pratica só furto simples, tal desistência é
relevante até à consumação do delito fundamental.

TENTATIVA FRACASSADA (É Punível) – Agente renuncia ao facto criminoso porque crê que a
consumação já não pode ser alcançada. (P.e.: Queria roubar e percebe que a vítima não tem bens,
queria violar e não tem erecção, queria matar e a arma encrava).

EXEMPLOS:

1) “No magic”
Pedro, grande entusiasta da série de livros Harry Potter, resolve matar a sua mulher, Vanessa,
durante o jantar.!
Agarra na varinha mágica que a sua mulher utilizou para preparar a sopa e agita-a na direcção de
Vanessa, convencido de que, com o feitiço poderoso que lhe dirige, ela não terá hipóteses de
sobreviver.!
Infelizmente para Pedro, os seus esforços não surtem qualquer efeito.!

-» O agente queria matar a mulher. Há homicídio ou tentativa de homicídio. Não há imputação


objectiva porque o resultado não se verificou. Mas ele tinha dolo intencional de homicídio porque
queria matar a mulher. Praticou actos de execução? Como saber? Art. 22o/ 2: diz o que são actos de
execução. Para haver, basta que a conduta do agente preencha uma das alíneas do preceito. A
conduta do Pedro não preencheu nenhuma alínea. É a chamada tentativa irreal ou supersticiosa:
não parece sequer haver prática de actos de execução."

2) “André não conta a história”


André convence Margarida de que são parentes, a fim de se introduzir em casa dela para aí a
persuadir de que precisa de ajuda financeira. O seu plano é desaparecer a seguir com o dinheiro da
burla.!
Já em casa dela, no entanto, é desmascarado antes de começar a contar a sua história.!
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-» Crime em causa: burla (art. 217o). O tipo objectivo não está preenchido: ela não chegou a
praticar nenhum acto de patrimonial. É preciso que ele aja com dolo e com a intenção de obter o
enriquecimento ilegítimo (elemento subjectivo especial) para o tipo subjectivo estar preenchido.
In casu está preenchido. Havendo dolo e o elemento subjectivo especial mas não havendo
tipicidade objectiva, temos de ver se houve actos de execução para poder ser punido por tentativa
de burla. Está preenchida alguma das als. do art. 22o/2? A al. a) aplica-se aos crimes de execução
vinculada: crimes em que a execução do crime tem de se dar pelo modo descrito no tipo. O
homicídio é, pelo contrário, é um crime de execução livre: nenhum acto de execução de homicídio
integra a al. a). A burla integra a al. a): é através do erro ou engano que o agente vai levar a que a
vítima tenha um prejuízo patrimonial. A al. b) aplica-se aos crimes de execução livre e à tentativa
acabada dos crimes de execução livre (o agente, segundo o seu plano, já fez tudo o que precisa de
fazer para alcançar o resultado típico). A burla é um crime de execução vinculada por isso
poderíamos ver se houve um acto de execução que preenchesse a alínea a): ele já criou esse erro ou
engano astuciosamente? Ele já enganou a vitima no entanto a doutrina vem entendendo que ainda
não há actos de execução porque não obstante ter criado o erro ou engano, este não é o erro ou
engano através do qual o agente preenche o elemento constitutivo do tipo. Ainda é o acto
preparatório. No segundo momento, em que ele conta a história, entende a doutrina que aí já estaria
a preencher o elemento constitutivo do crime (Roxin, FD, FP) e a praticar actos de execução.

3) “Anita no parque de diversões”!


Tobias encontra Anita, menina de 8 anos, num parque de diversões. Tem intenção de a levar para
um edifício abandonado, de modo a praticar aí actos sexuais de relevo com a mesma.! Tobias
oferece a Anita vários gelados, chocolates e ainda uma viagem no carrossel. No entanto, quando
Tobias, ainda no parque, pede para Anita ir com ele, esta recusa, pois tem dor de barriga, e Tobias,
muito desgostoso, abandona o local.

-» Crime abuso sexual de crianças (171o). Admitindo que ele tem dolo intencional, praticou actos
de execução? Pela al. a) não, pela b) também não. E pela al. c) do art. 22o/2? Há uma espécie de
antecipação da punibilidade na medida em que os actos de execução podem começar antes dos que
estão previstos na al. a) e b). Precisamos de uma interpretação do art. para saber quando começam
os actos de execução (sob pena de dizermos que começou quando ele se levantou da cama).

35

Roxin tem uma ideia geral que os actos começam quando a vítima já está à mercê do agressor e isso
acontecerá quando verificadas duas condições cumulativas:
i) conexão entre esferas: o agente interferiu com a esfera da vítima;

ii) tem de haver uma proximidade temporal. Já há relação entre esferas no nosso caso; no entanto,
ainda não há proximidade temporal para Roxin. A tentativa so começaria quando o agente tivesse
conseguido tirar a criança do parque de diversões (lugar de segurança) e começasse a levá-la para
outro local: aí já estaria à merce do agente.

FD defende o critério da conexão de perigo típico, parecido com a ideia de Roxin: conexão de
perigo verifica-se quando haja uma proximidade temporal e a conexão típica quando haja já uma
interferência no âmbito de protecção da normal. Tenderá a coincidir com o de Roxin. !
Fernanda Palma utiliza um critério diferente: como só podemos punir a tentativa porque o
comportamento do agente já representa um perigo para ao bem jurídico, só verificando-se esse
perigo é que há actos de execução. Ou seja, quando possamos dizer que já houve uma afectação das
condições de segurança do bem jurídico. A tranca B numa sala e depois anuncia que daqui a uma
semana vai violar a B. para Roxin ainda não haveria tentativa de violação porque falta proximidade
temporal; para FP já havia tentativa de violação porque se o bem jurídico é a liberdade sexual
quando ele trancou a B já diminui as condições de segurança do bem jurídico de liberdade. Mas na
maioria dos casos a solução é a mesma.

Se já houvesse tentativa, temos de ver ainda se ela é punível: 23o/1. A regra diz que em geral a
tentativa é punível quando a pena máxima do crime for maior do que 3 anos de prisão. Se não for
esse o caso, a tentativa não é punível só se essa punibilidade estiver expressamente prevista – é o
caso da burla (217o/2).

4) “Borboletas na noite”!
Ernesto bate à porta de Guilherme. O seu plano é seduzi-lo, ter relações sexuais com ele e, durante a
noite, aproveitando o sono de Guilherme, deixar entrar os seus dois companheiros para furtarem a
valiosa colecção de borboletas.

Guilherme deixa Ernesto entrar, mas depois discutem e manda-o embora.

36







-» Crime de furto qualificado (introdução ilegitimamente na habitação). Já havia actos de execução?
Pela al. a) não: não houve introdução ilegítima porque ele autorizou. Pela al. c): para Roxin neste
caso, não obstante ele já ter entrado em casa na vida, ainda não há proximidade temporal. A
tentativa só começaria quando ele já tivesse a dormir e o agente fosse abrir a porta aos outros dois
companheiros. Aí o bem jurídico ficaria à merce do seu agressor; verificar-se a conexão de esferas e
proximidade temporal.

5) “A insustentável leviandade de Bruno - 1”

a) Aldonça está apaixonada por Alberto, homem de 74 anos que considera muito mais maduro que
o seu marido de 35, o brincalhão Bruno. Aldonça prepara uma sopa com veneno, colocando-a, logo
de manhã, no frigorífico, para à noite a servir ao jantar ao seu marido, causando-lhe a morte. À hora
do almoço, o filho do casal repara na sopa e descobre o plano da mãe, chamando a polícia.

-» Crime de homicídio. O resultado morte não se verifica. Ela praticou actos de execução? Pela al.
c), e pelo critério de Roxin não tinha havido actos de execução. A tentativa só começaria quando ela
começasse a levar a sopa ao marido. Só aí haveria proximidade temporal e conexão entre esferas.
Para Fernanda Palma já tinha começado a tentativa. É uma tentativa inacabada porque segundo o
seu plano ela ainda precisa de fazer alguma coisa para o crime se consumar.

b)E se o filho tivesse comido a sopa e morrido?!

-» Não há actos de execução, pelo que não há erro na execução. Havia imputação objectiva: ela
criou o risco e o risco projectou-se no resultado; não havia imputação subjectiva a título doloso
porque ela não tinha dolo em relação ao filho (não se conformou com essa possibilidade). Seria
homicídio negligente do filho. Não há tentativa de homicídio do marido: não praticou actos de
execução.!

Se ela já tivesse praticado actos de execução, tínhamos tentativa de homicídio em relação ao marido
e em relação ao filho tínhamos homicídio negligente (aberratio ictus) – concurso efectivo. Ela
começou a executar o seu facto, no entanto, a sopa errou o alvo: vai acertar no filho em vez de
“acertar” no marido. Aqui ela já praticou actos de execução.!

37


Se ela já ponderasse a possibilidade de o filho chegar a casa primeiro que o marido: já tinha dolo
eventual. É um caso de dolo alternativo: queria acertar num mas conforma-se com a possibilidade
de acertar no outro. Figueiredo Dias: pune-se por homicídio doloso consumado; Fernanda Palma:
pune-se por homicídio doloso consumado em concurso com tentativa de homicídio.

c)A mulher deixa a sopa no frigorífico para servir à noite ao marido; o marido vem mais cedo, come
a sopa e morre.

-» Ainda não havia actos de execução. Há imputação objectiva. Sendo assim, uma vez que ela ainda
não tinha começado a executar o crime doloso mas produziu o resultado, só poderia tê-lo produzido
por negligência. É um caso de erro relevante sobre o processo causal. Seria punida por homicídio
negligente.!

Seria diferente se entendêssemos que ela já tinha praticado actos de execução: aí o erro era
irrelevante. Ela conseguiu matar o marido; foi ela que já tinha começado a executar o crime doloso.!

d) Deixa a sopa panela para o marido se servir mas é o cão do vizinho que come a sopa e morre.

-» Crime de dano em relação ao cão: ela não pode ser punida pelo crime de dano. É um caso de
aberractio ictus. Ela seria punida por tentativa de homicídio em relação ao marido porque não existe
crime de dano negligente.!

e)Se ela deixa a sopa no microondas para o marido se servir.

Temos uma tentativa acabada para Roxin: o agente de acordo com o seu plano já fez tudo aquilo
que necessitava para o consumar o seu crime. Tudo o que ele tem de fazer é esperar que o crime se
consuma. Ela já fez uma tentativa acabada: ela só tem de esperar que o marido se sirva quando
chegar a casa.

A distinção entre tentativa acabada e inacabada é importante para Roxin, não só para a desistência:
quando o agente pratica uma tentativa acabada e depois abandona o processo causal, a tentativa
começa logo quando ele abandona a processo causal mesmo que não haja proximidade temporal e

38

conexão entre esferas. Neste caso, se ela preparasse a sopa para o marido se servir sozinho e ela
ficasse lá a assistir, a tentativa só começaria quando o marido se aproximasse da sopa (era uma
tentativa inacabada mas os actos de execução começariam quando o marido se aproximasse da
sopa); mas se ela tivesse ido embora, a tentativa começaria quando ela foi embora.!

7) “Alberto sem explosão”


Alberto prepara uma bomba que coloca no carro de Bernardo. A bomba seria accionada
automaticamente assim que Bernardo entrasse no carro.!
Mas Alberto e a bomba foram descobertos antes de Bernardo aparecer.!

-» Crime de homicídio: ele tem dolo intencional. Sendo um caso de tentativa acabada, para Roxin, a
tentativa já começou quando ele abandonou o processo causal. Fernanda Palma: quando ele pôs a
bomba no carro começou a tentativa.!
Os actos preparatórios são puníveis (265o) quando o agente puser explosivos; é um caso
excepcional. Não se pune por actos preparatórios e tentativa ao mesmo tempo.

39



Autoria e Comparticipação

Autoria Participação

Cumplicidade (participação secundária)


(art.27 CP) Constitui uma colaboração no facto
do autor e, por conseguinte, a sua punibilidade
supõe a existência de um facto principal
cometido pelo autor.

Na tentativa: a tentativa punível constitui em si


um facto típico e ilícito logo, pela acessoriedade
limitada, o cúmplice é responsável. A pena é
duplamente atenuada pela cumplicidade (art.27/2
CP) e pela tentativa (art.23/2 CP).

Pode existir desistência relevante.

A tentativa de cumplicidade não é punível,


porque o auxílio não se verifica. Logo, não
existe sequer cumplicidade.

Quem dolosamente prestar auxílio moral


(conselho ou influência do agente, desde que
Autoria imediata (ou material) (art.26/1a pt este já esteja previamente decidido à prática do
CP) Roxin: domínio da acção facto - mero fortalecimento de uma decisão já
tomada) ou material (entrega de meios ou
Autor imediato é aquele que executa o facto com instrumentos ao autor, ou mesmo na realização
as suas próprias mãos, preenchendo a totalidade de tarefas, que favoreçam a realização do facto.)
do ilícito. à prática por outrem de facto doloso /
comportamento proíbido. O “homem de trás”,
com a sua conduta, influencia a motivação do
“homem da frente”, sem verdadeiramente o
determinar ao cometimento do crime, ele já tinha
essa ideia apenas tinha dúvidas ou reticências.
Consiste numa atividade acessória, de auxílio ou
colaboração com o autor.

O DOMÍNIO FUNCIONAL DO FACTO, é ele


que permite distinguir o coautor do cúmplice,
pois o cúmplice também pode participar no
acordo e desempenhar uma tarefa durante a fase
de execução do crime, mas não tem o domínio
funcional do facto, i.e, não é fundamental nem
indiispensável (causalidade não essencial),
apenas é um facilitador (subordinada ao
princípio da acessoriedade). É de caráter doloso.

40



Instigação (art.26/4a pt CP)


Trata-se de, dolosamente, determinar outrem à
prática do facto. Instigador é aquele que cria no
executor a decisão de atentar contra o bem
jurídico.
O instigador é punido como autor. O instigador
só vai responder pela medida do seu Dolo, ou
seja, em caso de EXCESSO do instigado, o
Instigador é punido apenas pelo crime que
determinou naquele. Se instigou a crime mais
Autoria mediata (moral ou intelectual) grave e o Instigado praticou um crime menor, o
(art.26/2a pt CP) Roxin: domínio através da Instigador responde apenas pelo facto cometido,
o crime menor.
vontade
Distingue-se do autor mediato na medida em que
Autor mediato é aquele que executa o facto por
o autor imediato tem a capacidade de dizer que
intermédio de outrem. Surgem as figuras do
não, não sendo instrumentalizado, i.e., vigorando
homem de trás e do homem da frente. Há um
o princípio da autoresponsabilidade. O
domínio, por parte do homem de trás, da vontade
instigador é quem comanda o facto, não
do homem da frente.
perdendo o domínio sobre aquele que executa
Para haver autoria mediata o “homem da frente” materialmente o ato criminoso. O dolo do
(i.e. autor imediato) não pode ter uma atuação instigado é pelo menos a título de dolo eventual,
plenamente responsável (que atue com culpa não porque deseje a realização deste mas só
dolosa), tem de atuar sob influencia do “homem porque pretende arrastar aquele para a punição.
de trás” e numa posição subordinada perante
É autor de crime de homicídio na forma tentada
este, só assim se pode considerar que o “homem
p. p. pelas disposições conjugadas dos artigos
de trás” “executou” o facto “por intermédio de
22°/1/2, al. c), 23°, 26°, 131° todos do Código
outrem”, servindo-se do homem da frente como
Penal, quem decidiu e planeou a morte de uma
“instrumento”.
pessoa, contatando outrem para a sua
concretização, que manifestou aceitar, mediante
pagamento de determinada quantia, vindo em
consequência o mandante a entregar-lhe parte
dessa quantia e a dar-lhe indicações relacionadas
com a prática do facto, na convicção e
expectativa dessa efetivação, ainda que esse
outro não viesse a praticar qualquer ato de
execução do facto.

41

Co-autoria (art.26/3a pt CP)


Roxin: Domínio funcional da realização do
crime: todos os co-autores dominam
positivamente o facto próprio, dominando,
negativamente, todo o processo criminoso.

Trata-se de tomar parte directa na execução por


acordo ou em conjunto. Há um co-domínio da
acção total e um domínio total da acção parcial.
Se a acção de um dos co-autores for mais longe
do que o planeado, só responde quem toma parte
na acção, pelo menos com dolo eventual, sem
prejuízo de ficar ressalvada uma punição por
negligência.

A coautoria é conseguida cumulativamente


através de: (i) intervenção direta na fase de
execução do crime (execução conjunta do facto);
(ii) por acordo entre os participantes, e (ii) o
domínio funcional do facto (contributo essencial
e indispensável), Qualquer co-autor é punido na
moldura penal prevista para o facto, decidido e
executado conjuntamente, como se cada um o
houvesse cometido sozinho.

Fica excluído a: (i) autoria paralela: situação de


concurso de ações de dois ou mais agentes para
o mesmo fim, sem que eles conheçam os
contributos uns dos outros, e (ii) a situação em
que um dos agentes planeou e organizou a
prática do facto, mas não intervém na execução
do facto ("cérebro da ação"), constituindo
instigação ou cumplicidade em função do caso.

Autoria Participação

i. Teoria material objectiva: o autor dá a causa e participa, essencialmente; o participante não


dá a causa. Tese usada pela jurisprudência até 1980 e pelo prof. Eduardo Correia:

ii. Teoria do domínio do facto: é autor aquele que pode determinar ir até ao fim ou parar o
processo criminoso. Trata-se de dominar o “se” e o “como” do crime.
O participante não domina o facto, que depende da vontade do autor.
42

As formas de participação estão limitadas pelo princípio da acessoriedade limitada:

• a) Acessoriedade quantitava: só há resposta por parte do participante se o autor iniciar a


execução; enquanto não houver início da execução, não há responsabilidade;

• b) Acessoriedade qualitativa: para que o participante responda, o facto do autor tem de ser
típico e ilícito, não tendo de ser culposo, por força do art.29 CP.

Autoria mediata Instigação

i. Autoria mediata: o autor mediato (homem de trás) realiza o facto por intermédio de
outrem. Esta pessoa (homem da frente) é utilizado para realizar o facto típico. Há uma
instrumentalização do homem da frente; há um domínio da sua vontade por parte do homem
de trás. O homem da frente não é plenamente responsável (p.e, erro do art.16/1 CP;
situações de coacção).

ii. Instigação: também exista a dupla homem da frente e homem de trás. No entanto, neste
caso não há instrumentalização do homem da frente. Há uma realização do facto típico de
forma plenamente responsável.

Excepções apresentadas por Roxin: organizações criminosas e regimes totalitários.

Início da tentativa na comparticipação

a) Na autoria mediata

i. Solução puramente individual: começa com o início da conduta externa de


influência sobre o instrumento

ii. Solução individual modificada (Roxin): inicia-se com o final da actuação do autor
mediato sobre o instrumento

43

iii. Solução global: inicia-se com a intervenção do instrumento e quando este inicia a
execução

b) Na co-autoria

i. Solução global: quando um co-autor pratica, de acordo com a decisão conjunta, o


primeiro acto de execução, devem todos os co-autores ser punidos por tentativa
mesmo que não tenham levado a cabo qualquer acto de execução;

ii. Solução individual: cada co-autor só deve ser punido por tentativa quando a sua
actuação alcança o estádio da execução (F.Dias).

c) Na instigação
Vale, totalmente, a solução global, ou seja, quando o instigado começa a execução.

Desistência na comparticipação

Art.25 CP

44






Concurso de crimes e crime continuado - 30º CP

Crime unitário
(1 Agente → 1 Ação →1 crime)

Agente atua sozinho e leva a cabo uma única ação criminosa, i.e., singularidade de agentes e
unidade de ilícitos.

Concurso de normas
(1 Agente → 1 Ação → Vários Tipos de Crimes)

Concurso de crimes - 30º/1 CP

(Com a sua conduta o agente preenche: (i) mais do que um tipo; (ii) o mesmo tipo mais do que
uma vez)

(1 Agente → 1 Ação ou Várias Ações → Vários Crimes)

A) Aparente, legal ou impuro

Embora preencha formalmente vários tipos de crime, por via de interpretação, conclui- se
que o conteúdo dessa conduta é exclusiva ou absorvida por um dos tipos violados, não
considerando os demais. Em rigor, neste caso não existe concurso de crimes apenas
convergência de normas jurídicas.

1. ESPECIALIDADE: um dos tipos aplicáveis (tipo especial) absorve os elementos


essenciais de um outro tipo (tipo fundamental) acrescendo elementos suplementares ou facto
ou ao agente (homicídio qualificado, art. 132º, em relação ao homícidio, art. 131º; Furto
simples (203º) Vs furto qualificado (204º).
1.1 Relação entre os crimes comuns (base) e os crimes específicos impróprios
[art. 257º - falsificação praticada por funcionário e art. 256º - falsificação de
documento; Peculato (art.o 375º) e furto (art. 203) ou Abuso de confiança (205º)]

1.2 Relação entre o tipo simples e o tipo complexo em que aquele se integre.

45

























[O Roubo (210.º) e os tipos integrantes de: Furto (203.º e ss), Ofensas à integridade
física (143º e ss) e/ou Contra a liberdade pessoal: coação, ameaça, sequestro (153º e
ss).

1.3 Relação entre o tipo penal da lei penal especial e o tipo penal do C. Penal (lei
geral) correspondente

[Corrupção Desportiva Vs Corrupção]

2. CONSUÇÃO PURA: o preenchimento de um tipo legal (mais grave) inclui o


preenchimento de outro tipo legal (menos grave) devendo o grau de de gravidade enquadrar-
se na especificidade do caso em concreto. Por força dos princípios aplica-se o tipo mais
grave. Essas normas não contém necessariamente na sua previsão todos os elementos da
outra, mas de uma forma frequente ou característica, a maneira de praticar o crime na norma
prevalente abrange, consume, absorve, esgota os elementos da norma absorvida. Há também
consunção quando o crime-fim consome ou absorve o crime-meio.
O crime de Dano (art.o 212º CP) só é consumido pelo crime de violência doméstica quando
o arguido destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tomar não utilizável coisa
alheia, apenas com o intuito de assustar, humilhar, diminuir, a pessoa da vítima. Se,
independentemente dessa intenção, houver uma vontade específica do arguido de danificar,
estragar, atentar contra o património da ofendida, então o crime de dano revela autonomia
em relação ao crime de violência doméstica.

O arguido A, em plena estação do metro, ameaça B com uma faca, dizendo-lhe que o mata
se não lhe entregar a carteira e o relógio. A conduta do arguido é subsumível nos tipos dos
arts 153º (ameaças), 154º (coação) e 210º (roubo), sendo apenas este último aplicável.
O crime de roubo consome o crime de sequestro quando este serve estritamente de meio
para a prática daquele; é o que sucede, nomeadamente, quando os arguidos imobilizam a
vítima apenas durante os momentos em que procedem à apropriação das coisas móveis. O
crime de sequestro, pelo tempo em que demorou a prática do roubo, é consumido por
este (concurso aparente).

Quando a privação da liberdade excede a estritamente necessária para a execução do roubo,


o crime de sequestro adquire autonomia, verificando-se um concurso efetivo de crimes.

46































































2.1 CONSUNÇÃO IMPURA.Todavia, pode o crime mais grave ser absorvido pelo
menos grave. Se o meio de realizar o crime de burla simples, a que é aplicável pena
de prisão até 3 anos ou multa (art. 217º), fosse a falsificação de documento agravada,
cuja pena, nos termos do art. 256º, n.º 3, é de prisão de 6 meses a 5 anos ou multa de
60 a 600 dias, dar-se-ia uma situação de consunção impura.

3. SUBSIDARIEDADE: certas normas só se aplicam subsidarieamente, i.e., quando o facto


não é punido por uma norma mais grave não intervenha (e.g. lançamento de projétil contra
veículo, art. 293º e apologia pública de um crime, art. 298º).
3.1 Expressa ou explícita quando a própria lei expressamente condiciona a
aplicação de um tipo legal de crime à aplicação por outro mais grave. Se o meio de
realizar o crime de usurpação de coisa imóvel, a que é aplicável pena de prisão até 2
anos ou multa (art.o 215º CP), for: a coação, cuja pena é até 3 anos ou multa (art.
154º CP), ou, a ofensa à integridade física (art. 143º), com pena de prisão até 3 anos.
Nos termos da parte final do n.º 1 do art.o 215º, deve o agente ser punido ou por
coação ou por ofensa à integridade grave, pois as penas são superiores.

3.2 Implícita quando, através de um raciocínio de interpretação se conclua que,


materialmente, uma norma é subsidiária de outra mais grave. Exemplo: a tentativa
em relação à consumação do respetivo crime, os crimes de perigo (p.e. art. 138º)
relativamente aos correspondentes crimes de dano (art.131º).

4. FACTO POSTERIOR NÃO PUNÍVEL: crimes que visam garantir ou aproveitar a


impunidade de outros crimes, desde que não ocasione um novo dano ao ofendido ou se
diriga a novo bem jurídico (furto de uma coisa e posterior destruição para afastar suspeitas).

47









































B) Efetivo, verdadeiro ou puro

Entre os tipos legais preenchidos pela conduta do agente não existe exclusão por via de
qualquer regras. O concurso efetivo existe quando se comete mais do que um crime, quer
através da mesma conduta quer através de condutas diferentes. Dentro desta espécie de
concurso distingue-se:

1. CONCURSO IDEAL: quando mediante uma só ação é violado diferentes tipos


(concurso dial heterogéneo - utilizando um engenho explosivo o agente provoca
homicídios, ofensas corporais e danos; a mesma conduta, o mesmo facto, pode
constituir vários crimes, desde que lese vários bens jurídicos) ou várias vezes o
mesmo tipo (concurso ideal homogéno (disparando uma metralhadora o agente
provoca vários homicídios).

2. CONCURSO REAL: quando à pluridade de crimes cometidos corresponde uma


pluridade de ações. O concurso real verificar-se-á quando o agente através de várias
ações preenche vários tipos de crime - concurso real heterogéneo ou preenche várias
vezes o mesmo tipo legal de crime - concurso real homogéneo.

Para além da pluralidade de tipos requerida para se concluir a existência de concurso


efetivo, torna-se necessário (embora a lei não o expresse) o recurso o critério da pluralidade
de juízos de censura (manifestado pela pluralidade de resoluções autónomas).

Se o agente como meio de realizar a burla simples (art.o 217.o CP) praticar um crime de
falsificação de documento simples (art.o 256.o/1, al. a) CP), preenche as previsões de
falsificação e de burla do art.o 256o, no 1, al. a), e do art. 217º, nº 1, do mesmo Código,
verificando-se um concurso real ou efetivo de crimes, na medida em que os bens jurídicos
são diversos e autónomos entre si.

48




























































Crime continuado - 30º/2 CP
(Agente → Várias Ações → O(s) mesmo(s) Crime(s))

Quando, através de várias ações criminosas se repete o preenchimento do mesmo tipo legal ou de
tipos que protegem o mesmo bem jurídico.

O procedimento reveste-se de uma uniformidade e aproveita um condicionalismo que propicia a


repetição diminuindo, consideravelmente, a culpa do agente. Todavia, se a repetição da conduta se
deve a factor endógeno (que deriva do próprio agente) já não se verifica a figura de crime
continuado.

Os pressupostos do crime continuado são:

(i) realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários tipos que protejam
fundamentalmente o mesmo bem jurídico);

(ii) homogeneidade da forma de execução;

(iii) unidade de dolo;

(iv) lesão do mesmo bem jurídico, e

(v) persistência de uma situação exterior (que facilita a execução e diminui


consideravelmente a culpa do agente).

Não abrange crimes praticados contra bens eminentemente pessoais

Trata-se de uma “figura estranha e de contornos imprecisos”. Não se tratam de 3 furtos, mas de um
continuado, evitando-se deste modo o rigor da punição dos 3 furtos (concurso).

49













Extinção da responsabilidade penal

Levam a que não possa ser aplicada uma pena. Apesar de estarem presentes todos os elementos
típicos do crime.
A extinção da responsabilidade nao tem a ver com a ação cometida pelo agente, são causas
exteriores.
Fala-se da prescrição do procedimento (não confundir com prescrição das penas).

1) Prescrição
Traduz-se numa renuncia do Estado a punir um crime previsto na legislação interna.
118º prazos de prescrição. Determinam aquilo que vamos ter que começar por ver logo no inicio da
investigação, varia conforme o crime que estamos a investigar. Se vários, temos que ver qual o
prazo mais curto, porque assim não vamos deixar nenhum deles prescrever.

Se concluirmos que não é possível proceder à investigação em tempo útil de um, pq os outros em
concurso pedem diligências várias demoradas, propor ao MP que o processo seja separado. Para não
levarmos com as culpas da prescrição de um.

n.º 2: as atenuantes ou agravantes são tidas em conta.


Se homicidio privilegiado, nós vamos atender à pena máxima do tipo de crime privilegiado e não à
pena aplicável ao crime base (homicídio).

119º regras da contagem dos prazos: corre desde o dia em que o facto se tiver consumado. Mas nem
sempre é assim. Em alguns crimes é fácil saber (homicídio, furto,…) mas noutros já não (crimes
permanentes, desde o dia em que cessar a consumação; nos crimes continuados, desde o dia do
último ato).

A jurisprudencia viu-se confrontada de novo com a velha questão da prescrição do procedimento


criminal quanto a crimes fiscais, associados ao próprio crime de branqueamento.

Reabertura de audiência para aplicação da norma + favorável

Suspensão da prescrição - 120º

50

CASOS PRÁTICOS

Num restaurante em Lisboa, após calorosa discussão, Aníbal, exaltado, puxa da sua arma, para a
qual tinha licença de uso e porte, e dispara em direção de Bruno, com intenção de o matar.

O tiro apenas atingiu Bruno, de raspão, no ombro esquerdo e após ricochete veio a atingir Clotilde
na sua mão direita, quando esta se preparava para iniciar o seu almoço.

Foi chamada uma ambulância que transportou Bruno e Clotilde para o hospital.

Entretanto com a confusão, Rex, o cão do cozinheiro Daniel, devorou a refeição que se destinava a
Fernando e acabou por morrer.

Percebeu-se mais tarde que a comida que Rex ingeriu tinha uma dose mortal do Veneno X que
Daniel, por puro engano, colocara na comida de Fernando, julgando ser uma especiaria.

Entretanto no Hospital, após tratamento médico, Bruno e Clotilde apenas ficaram com escoriações.

Qual a responsabilidade jurídico-penal de Aníbal e Daniel?

Responsabilidade penal de Aníbal.

(Relativamente a Bruno)
Ação: Estamos perante um comportamento humano desencadeado pela vontade, logo suscetível de
valoração jurídico-penal.

Tipicidade Objetiva: Aníbal praticou, sobre Bruno, em autoria imediata (art.o 26.o, 1.a proposição,
do CP) facto (disparo de arma de fogo) que é idóneo a provocar a morte, i.e., preenchendo o tipo
objetivo homicídio – art.o 131.o do CP –, embora apenas tenha acertado, de raspão, no ombro de
Bruno, pelo que aquele não morreu.

Assim, preencheu com este comportamento a previsão dos art.os 22.o, n.os 1 e 2, al. b) e 131.o,
ambos do CP, ou seja, homicídio na forma tentada.

Tipicidade Subjetiva: Aníbal sabia que o seu comportamento era apto a matar (elemento intelectual
do dolo) e teve vontade (intenção) de o fazer (elemento volitivo do dolo), atuando assim com dolo
direto, art.o 14.o, n.o 1 do CP.

51

Ilicitude: Não há nenhuma causa de exclusão de ilicitude.

Culpa: Não há nenhuma causa de exclusão da culpa.

Punibilidade: Aníbal deve ser punido como autor imediato de uma tentativa de Homicídio com dolo
direto, nos termos das disposições conjugadas dos art.os 26.o, 1.a proposição, 14.o, n.o 1, 131.o,
22.o, n.os 1 e 2, al. b) e 23.o, n.o 1, todos do CP.

(Relativamente a Clotilde)
Ação: Estamos perante um comportamento humano desencadeado pela vontade, logo suscetível de
valoração jurídico-penal.

Tipicidade Objetiva: Aníbal praticou em autoria imediata (art.o 26.o, 1.a proposição, do CP) facto
(disparo de arma de fogo) que é idóneo a provocar o ferimento no corpo de Clotilde, preenchendo o
tipo objetivo de ofensa à integridade física simples, art.o 143.o do CP.

Tipicidade Subjetiva: Aníbal ao disparar uma arma num local público, com mais pessoas para além
daquela que queria atingir, o Bruno, representava, no entanto, como realizável poder atingi-las e
feri-las, mas não teve como possível essa situação pois julgava que não ia falhar o seu objetivo,
acertar em Bruno.

Aníbal não procedeu assim com o cuidado que lhe era exigido, pelo que atuou de forma negligente,
segundo o art.o 15.o, al. a) do CP.

Ilicitude: Não há nenhuma causa de exclusão de ilicitude.

Culpa: Não há nenhuma causa de exclusão da culpa.

Punibilidade: Aníbal deve ser punido como autor imediato de um crime de Ofensas à Integridade
Física por Negligência, nos termos das disposições conjugadas dos art.os 26.o, 1.a proposição,
15.o, al. a) e 148.o, n.o 1, todos do CP.

No entanto para haver punibilidade havia necessidade que o ofendido, a Clotilde, apresentasse
queixa, cf. art.o 148.o, n.o 4 conjugado com o art.o 113.o, n.o 1, ambos do CP, para o qual tinha 6
meses de prazo, cf. art.o 115.o, n.o 1 do CP.

52

Responsabilidade penal de Daniel.

Ação: Foi uma ação humana e voluntária, pois Daniel agiu com intenção de preparar a refeição de
Fernando, logo suscetível de valoração jurídico-penal.

Tipicidade Objetiva: Sendo a dose do veneno X mortal, Daniel agiu de modo idóneo a matar o
cliente do restaurante. Este só não morreu devido à intervenção, imprevista, de Rex, que lhe comeu
a refeição.

A atuação de Daniel enquadra-se na previsão dos art.os 26.o, 1.a proposição, 22.o, n.o 2, al. b) e
131.o (ou 132.o, n.o 2, al. i)), todos do CP.

Tipicidade Subjetiva: Daniel encontra-se numa situação de erro-ignorância sobre a factualidade


típica, pois não se apercebeu de ter ministrado (por puro engano) o veneno X (ato idóneo a matar)
na comida de Fernando.

Esta é uma situação de erro do art.o 16.o, n.o 1 do CP, (“erro sobre elementos de facto (...) de um
tipo de crime), que exclui o dolo (do tipo), pois falta o elemento intelectual ou cognitivo do dolo
(saber que a sua conduta é idónea a provocar um crime).

Como a tentativa de consumação de um crime é necessariamente dolosa, não se verifica o


preceituado no art.o 22.o, n.o 1 do CP (pois exige a decisão de querer consumar um crime), logo a
atuação de Daniel não é típica. .0

Quanto ao facto de Rex ter comido a refeição de Fernando e ter morrido, a verdade é que Daniel
matou o seu próprio cão. Este comportamento não é típico, pois o crime de Dano – art.o 212.o do
CP – só se verifica se for alheia a coisa móvel destruída (e com Dolo).

Poderíamos discutir o crime de Maus Tratos a Animais de Companhia – art.o 387.o do CP -, mas
não haveria tipicidade subjetiva, pois a consumação deste crime exige dolo e a atuação de Daniel
(em erro) mesmo que negligente não preencheria o tipo.

53

CASO PRÁTICO II

Abel e Bruno eram ambos excelentes médicos e a direção do hospital ia escolher, dentro de 3 dias,
um deles para ir realizar um estágio de 6 meses nos EUA, que ambos desejavam.

Bruno, devido à chuva abundante que inundava o estacionamento do hospital, caiu e aleijou- se o
que lhe provocava imensas dores nas costas, pelo que Carlos, outro médico do hospital, se
preparava para lhe ministrar um analgésico intravenoso.

Abel, adepto de columbofilia, tinha consigo um medicamento para aves com o qual decidiu encher
uma seringa e conseguiu trocar esta pela seringa que tinha o analgésico que o Carlos ia ministrar ao
Bruno.

Abel sabia que o medicamento para aves ia provocar imensos vómitos, diarreias, náuseas, e outros
problemas que iriam colocar António num estado de saúde que dificilmente a direção do hospital o
ia escolher para ir para estágio nos EUA dentro de duas semanas.

É certo que Abel sabia que a aplicação daquele medicamento para aves em humanos poderia mesmo
provocar a morte mas a ideia de ir para os EUA sobrepunha-se a tudo.

Carlos não desconfiando da troca das seringas, ministrou o medicamento ao Bruno que passado
pouco tempo começou a ter imensos problemas de saúde até que entrou em paragem cardíaca,
sendo necessário uma intervenção cirúrgica para lhe salvar a vida, o que se conseguiu por pouco,
tendo no entanto o Bruno ficado hospitalizado por 3 meses, pelo que a direção do hospital escolheu
Abel e ele lá foi, todo contente, fazer o estágio aos EUA.

Qual a responsabilidade jurídico-penal de Abel e Carlos?

Responsabilidade penal de Abel.

Ação: Estamos perante um comportamento humano desencadeado pela vontade, logo suscetível de
valoração jurídico-penal.

Tipicidade Objetiva: Ao colocar na seringa que Carlos utilizou para injetar em Bruno o
medicamento para aves, sem que Carlos soubesse, e que Abel sabia que poderia provocar a morte
quando utilizado em humanos, este é autor mediato do crime de homicídio na forma tentada (crime
54

que não se consumou por intervenção de terceiros), na medida em que executou o facto por
intermédio de Carlos, instrumentalizando-o por meio de um erro.

Já há atos de execução por parte de Carlos (art.o 22.o, n.o 2, al. b), do CP), pelo que podemos
concluir que há início da tentativa para o autor mediato.

Abel preencheu com o seu comportamento a previsão dos art.os 26.o, 2.a proposição, 131.o, 22.o,
n.os 1 e 2, alínea b), todos do CP, ou seja, homicídio na forma tentada.

Tipicidade Subjetiva: Representando o resultado morte de Bruno como consequência possível da


sua conduta, e conformando-se com tal resultado, Abel tem dolo eventual de homicídio, cf. art.o
14.o, n.o 3 do CP.

Embora nada se refira de que desejaria a morte de Bruno, Abel terá previsto essa circunstância
como decorrência possível da sua ação e conformou-se com essa eventualidade, fazendo prevalecer
uma lógica egoísta de satisfação dos seus interesses (ambicionava vir a ser escolhido para ir para os
EUA em vez de Bruno), em detrimento dos demais bens jurídicos afetados, sendo que conhecia os
efeitos potenciais (causa direta de morte) do uso daquele medicamento em humanos, pelo que atuou
com dolo eventual quanto ao resultado morte de Bruno.

Ilicitude: Não há nenhuma causa de exclusão de ilicitude.

Culpa: Não há nenhuma causa de exclusão da culpa.

Punibilidade: Abel será punido, como autor mediato, com dolo eventual, pelo crime de tentativa de
homicídio simples de Bruno, nos termos das disposições conjugadas dos art.os 26.o, 2.a proposição,
14.o, n.o 3, 131.o, 22.o, n.os 1 e 2, al. b) e 23.o, n.o 1, todos do CP.

Responsabilidade penal de Carlos.

Ação: Foi uma ação humana e voluntária, pois Carlos ministrou o veneno em Bruno, logo suscetível
de valoração jurídico-penal.

Tipicidade Objetiva: Tendo a seringa o medicamento para aves que seria causa de morte de Bruno,
Carlos agiu de modo idóneo a matar o colega. Este só não morreu devido à intervenção de outros
médicos.

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A atuação de Carlos enquadra-se na previsão dos art.os 26.o, 1.a proposição, 22.o, n.o 2, al. b) e
131.o, todos do CP.

Tipicidade Subjetiva: Carlos encontra-se numa situação de erro sobre a factualidade típica (artigo
16.o, n.o 1, do CP), pois não se apercebeu de ter ministrado (pelo engano de Abel) o medicamento
para aves (ato idóneo a matar) em Bruno.

Esta é uma situação de erro do art.o 16.o, n.o 1 do CP, (“erro sobre elementos de facto (...) de um
tipo de crime), que exclui o dolo (do tipo), pois falta o elemento intelectual ou cognitivo do dolo
(saber que a sua conduta leva a um crime).

Assim, Carlos, autor imediato, atua sem dolo do tipo. Logo, não havendo tipicidade não há crime.

56

CASO PRÁTICO III

Abel e Bruno, meliantes da velha guarda, decidiram ir “fazer” uma ourivesaria. Combinaram que
iam atacar a ourivesaria Pechisbeque, que Abel arranjava um carro e Bruno uma arma.

Abel telefonou a Carlos, velho conhecido, e este emprestou-lhe um carro que tinha lá guardado num
armazém.

Bruno dirigiu-se às traseiras de sua casa e foi buscar uma caixa que tinha escondida no canil dos
cães, dentro da qual estava uma caçadeira de canos serrados, companheira de histórias antigas.
Trocaram as matrículas do carro por umas falsas que tinham mandado fazer, muniram-se ainda de
umas abraçadeiras de plástico, de uma fita adesiva, de um martelo e de dois pequenos sacos de
sarapilheira e, no dia combinado, lá foram eles.

Estacionaram a cerca de 20 metros da ourivesaria, esperaram pelas 19h00 e quando perceberam que
a ourivesaria ia fechar atacaram, irromperam pela loja a dentro e enquanto Bruno, empunhando a
caçadeira, ameaçava os donos, um casal na casa dos 50 anos, dizendo que lhes dava um tiro se
gritassem ou tentassem fugir, Abel, com recurso às abraçadeiras, algemou-os com as mãos atrás das
costas e tapou-lhes a boca com fita adesiva, tendo-os jogado ao chão, gritando para estarem quietos.

Após fecharem a porta devidamente, rebentaram as vitrinas de vidro, com recurso ao martelo, e
começaram a encher os sacos com aquilo que lhes parecia mais valioso, fios de ouro, anéis, brincos,
pulseiras, relógios, etc.
Poucos minutos depois, já com os sacos cheios, decidiram ir embora, mas antes tinham que colocar
os donos na casa de banho do estabelecimento, por forma a que aqueles não chamassem a polícia
enquanto eles não estivessem já bem longe. Bruno pegou no homem e jogou-o para dentro do WC,
voltou a pegar na caçadeira e no seu saco e dirigiu-se para a porta da ourivesaria, que abriu,
espreitou para a rua e, como não vinha ninguém, saiu calmamente em direção ao carro.

Na altura que Abel agarrou na mulher para ir pô-la no WC verificou que aquela usava uma saia
curta e que apresentava uns seios fartos e uma pernas bem torneadas pelo que, movido por instinto
libidinoso, rasgou-lhe a blusa e apalpou-lhe os seios, subiu-lhe a saia e, puxando com força, rasgou-
lhe as cuecas e retirou-lhas, fazendo força para que a mulher abrisse as pernas, no que aquela
ofereceu oposição, sendo nessa altura que ouviu uma sirene de um carro da polícia, pelo que de
imediato a jogou para o interior do WC e fechou a porta, pegou no saco cheio de joias e saiu a

57

correr em direção ao carro onde Bruno, já impaciente, o aguardava pronto a arrancar, o que fizeram
a grande velocidade, tendo conseguido concretizar o assalto.

Qual a responsabilidade jurídico-penal dos intervenientes?

ABEL e BRUNO

Em coautoria (26.o, 3.a proposição), com dolo direto (14.o/1), por ação (10.o/1) em concurso
efetivo real (30.o/1) praticaram:
. Detenção de arma proibida – art.o 86.o/1, al. c) da lei 5/2006;

. Falsificação de documento – art.o 256.o/1, al.s a) e e) e n.o 3, conjugado com 255.o, al. a);

. 2 Roubos agravados – art.o 210.o/1/2, al. b) por referência ao art.o 204.o/1, al. a) ou 2, al. a) e art.o

202.o, al.s a) ou b)

. 2 Sequestros – art.o 158.o/1 (autonomizaram-se para além do Roubo)

ABEL

Em autoria imediata (26.o, 1.a proposição), com dolo direto (14.o/1), por ação (10.o/1) em concurso
efetivo real (30.o/1), com os outros 6 crimes, praticou:
. Violação na forma tentada – art.o 164.o/1, al. a), 22.o/1/2, al. c), 23.o/1/2 e 73.o, todos do CP.

CARLOS

Em cumplicidade (art.o 27.o/1), com dolo direto (14.o, n.o 1), prestou auxílio material ao crime de:
- Roubo agravado, p. e p. pelo art.o 210.o, n.o 2, al. b) por referência ao art.o 204.o/1, al. a) ou

204.o/2, al. a) e art.o 202.o, al.s a) ou b),

Pelo que vai ser punido com pena especialmente atenuada (art.o 27.o/2 e 73.o)

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CASO PRÁTICO VII

Artur, já com 40 anos, vivia com o pai e tinha um irmão, Bruno, de 32 anos, que se tinha licenciado
em gestão agrícola e cuidava das imensas terras de lavoura que o pai, já com 80 anos, possuía.

Artur, que não tinha emprego e andava sempre a idealizar negócios que acabavam sempre mal,
esperava que o pai dividisse o imenso património que detinha pelos dois filhos para que assim
pudesse vender algumas das terras e arranjar dinheiro para ir “correr mundo”, mas o pai, teimoso,
dizia que enquanto fosse vivo não havia partilhas e que só quando morresse os filhos ficariam com
o seu património, mas, avisava, sentia-se cheio de saúde pelo que ainda ia viver muitos anos.

Agora que a agricultura “andava pelas ruas da amargura” e que Bruno andava com dificuldades em
manter os negócios da família, o que até já originara problemas pessoais com a esposa e provocara
uma discussão com o pai de ambos, devido a opções de negócio que tinha tomado, Artur decidiu
arriscar, foi ter com o irmão e disse-lhe: “se o pai morresse era a resolução de todos os nossos
problemas”, ao que Bruno respondeu: “pois era”, tendo Artur aproveitado: “porque não o matas?
Dá-lhe um desses venenos para as ervas daninhas e acabas com o nosso sofrimento”.

Bruno respondeu que não, mas Artur voltou à carga com o assunto e quando estava quase
convencido que ia conseguir convencer Bruno a envenenar o pai, aquele veio ter com ele e disse-
lhe; “estive a pensar no assunto e não sou capaz, não consigo matar o pai”.

Artur, furioso, chamou cobarde ao irmão e decidiu: tinha que ser ele a fazê-lo! Assim, passado uns
dias encontrou, no armazém das alfaias, um frasco de veneno e leu no rótulo que apenas uma gota
matava um ser humano, pelo que decidiu misturar 1 ou 2 gotas na sopa do pai. O que Artur não
sabia é que o frasco não tinha veneno, o irmão havia-o gasto e usava agora o frasco para guardar
água destilada, pelo que quando Artur colocou 2 gotas na sopa do pai nada aconteceu, o pai
continuava “rijo que nem um pêro”.

Artur ficou desiludido, “o velho nem com veneno morre, vai viver para sempre”.

No fim de semana seguinte o irmão ia até ao Algarve com a esposa e ele ia ficar sozinho com o pai,
tendo aquele lhe dito que precisava da ajuda dele para apanhar as nozes que estavam nas nogueiras,
pelo que precisava que se levantasse cedo pois havia muitas nozes para apanhar, mas Artur apenas
se levantou perto das 10h00 e quando, muito a contragosto, se dirigiu para a zona das nogueiras
para ir ajudar o pai, deu com ele prostrado no chão, havia caído do cimo de uma árvore, com cerca
de 7 m de altura, e parecia estar inconsciente e Artur, em vez de o ir socorrer, pensou: “olha, vou
fingir que não vi, pode ser que morra”. E morreu.

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Responsabilidade penal de Artur?

No caso sub judice, a responsabilidade penal de Artur será apurada mediante a análise de dois
comportamentos em concreto.
Diz-nos o enunciado que, Artur, após não ter logrado instigar Bruno (seu irmão) a cometer o
homicídio do pai, praticou a ação voluntária e consciente de misturar na sopa do referido pai uma
substância que identificou como sendo veneno, pretendendo matá- lo. Contudo, o pai de Artur e
Bruno não morreu em resultado desta ação.

Do exposto decorre que, Artur, em autoria imediato (art.o 26.o, 1.a proposição do CP), praticou uma
ação (art.o 10.o, n.o 1 do CP) que preenche o tipo objetivo do crime de homicídio qualificado (art.o
131.o do CP; art.o 132.o, n.o 1 e 2, al. a) e i) – relação de parentesco e utilização de veneno), crime
de resultado e de execução livre, na forma tentada. Estamos perante uma tentativa, pois, não se
tendo verificado o resultado típico, há a resolução criminosa e a prática de atos de execução (art.o
22.o, n.o 1, e n.o 2, al. b) do CP)).

A não verificação do resultado típico (interrupção do nexo causal) deveu-se ao facto de Bruno,
irmão de Artur, ter gastado o veneno e reutilizado a garrafa, enchendo-a com água destilada, sem
que Artur desconfiasse de tal “troca”. Consubstanciará tal tentativa uma tentativa impossível? É
certo que o meio utilizado por Artur para a prática do crime (a colocação de água destilada na sopa)
seria sempre inepto a causar o resultado pretendido - a morte do pai.

É imprescindível que procedamos a um juízo de prognose póstuma, segundo os critérios de um


homem médio, para aferir se estamos, de facto, perante uma tentativa impossível (art.o 23.o, n.o 3
do CP). Na presente hipótese é incontornável que, ainda que o meio utilizado fosse de facto incapaz
de produzir o resultado típico, tal ineptidão não é manifesta para a generalidade das pessoas: Artur
acreditava estar a utilizar veneno, e qualquer pessoa (homem médio) julgaria o mesmo. Temos um
frasco com um rótulo que identifica o conteúdo do mesmo como sendo veneno capaz de matar um
ser humano com uma gota. Logo, a tentativa será punível (art.o 22.o, n.o 1, e n.o 2, al. b); art.o 23.o,
n.o 1, 2 e 3; art.o 73.o, todos do CP).

Reportando-nos à tipicidade subjetiva, mais concretamente ao elemento intelectual do dolo,


afirmamos que Artur tinha conhecimento que a sua ação (colocar, na sopa do pai,
60

uma substância que então considerava ser veneno) era ilícita, idónea de provocar a morte –
conhecimento da ação típica do crime a perpetrar. E tinha vontade (elemento volitivo) de matar o
pai (veja-se que, como já referimos, tinha tentado instigar o irmão a fazê-lo), atuando com dolo
direto (art.o 14.o, n.o 1, do CP).

Não existem quaisquer causas de exclusão da ilicitude e da culpa.


No que concerne à não prestação de auxílio ao pai, estamos, também aqui, perante uma conduta
humana e voluntária de Artur, suscetível de ser apreciada à luz do direito. Artur, que se tinha
comprometido a ajudar o pai a apanhar nozes, ao chegar junto da zona das nogueiras, constatou que
o pai se encontrava prostrado no chão junto a uma árvore (tinha caído de uma altura de 7 metros),
aparentando estar inconsciente. Ora, em vez de lhe prestar auxílio, nomeadamente chamando o
INEM, Artur nada faz, esperando, inclusivamente, que a situação fosse suficientemente grave para
causar a morte ao pai.
Deste modo, ao não atuar, Artur omitiu um comportamento que lhe era devido, em razão de um
especial dever de garante: tinha o dever de agir de modo idóneo a evitar o resultado morte. Este
dever jurídico (previsto no n.o 2 do art.o 10.o do CP) deve-se àquela relação de parentesco (pai e
filho). Afirmamos, assim, que Artur consumou um crime de homicídio qualificado comissivo por
omissão (art.o 10.o, n.o 2; art.o 132.o, n.o 1 e 2, al. a), todos do CP).
À semelhança do explanado supra, também aqui o tipo objetivo se encontra preenchido, bem como
o tipo subjetivo (elementos intelectual e volitivo – dolo direto). Também aqui não existem quaisquer
causas de exclusão da ilicitude e da culpa.
Quanto à punibilidade dos crimes praticados por Artur, constatamos existir um concurso aparente
(art.o 30.o, n.o 1 do CP) entre a tentativa de homicídio e o homicídio consumado (relação de
subsidiariedade implícita), pelo que o agente será punido, enquanto autor imediato (art.o 26.o, 1.a
proposição do CP), pela prática de um crime de homicídio qualificado comissivo por omissão com
dolo direto, nos termos dos artigos 10.o, n.o 2; 14.o, n.o 1; 132.o, n.o 1 e 2, al. a), todos do CP.

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CASO PRÁTICO IV

Abel nos últimos dias andava irrascível, e quando soube da detenção de Bruno de Carvalho, ex-
presidente do seu Sporting, ficou possesso e foi “afogar as mágoas” para o café O lagarto onde se
lhe juntaram outros sportinguistas, pelo que as críticas à polícia, ao Benfica, às mulheres, ao mundo
subiram de tom.

Quando foi para casa, Abel estava num estado lastimável e quando a esposa lhe disse isso mesmo
ele explodiu, começou a gritar com ela, a ofendê-la e a agredi-la com bofetadas e pontapés, o que
era usual.

Bruna fugiu para a rua e Abel para a perseguir, caiu e bateu com a cabeça na parede o que o fez
ficar verde de raiva, pelo que pegou na garrafa de cerveja que naquela altura já bebia, partiu-a
contra a parede e empunhando a garrafa pelo gargalo, com a mesma partida pelo meio e a
apresentar farpas de vidro que mais pareciam lâminas ou navalhas afiadas, foi atrás de Bruna para a
rua.

Bruna corria mas a raiva de Abel “dava-lhe asas”, pelo que rapidamente chegou perto dela, altura
em que empunhando o que restava da garrafa com a mão direita disse: “É hoje que eu acabo
contigo, tu tens-me dado azar a mim e ao sporting”, “De hoje não passas”!

César, inspetor da PJ que estava a passar na zona, viu e ouviu aquilo e o cenário pareceu- lhe
familiar, pois havia estado 5 anos na secção de homicídios, em Lisboa, e os homicídios decorrentes
de violência doméstica eram frequentes, pelo que sacou da arma de serviço e gritou alto e bom som:
“Polícia! Pára! Larga a garrafa!”, mas Abel nem ligou, continuou em direção à esposa e quando se
encontrava a cerca de 2 metros dela esgrime a garrafa, bem alto, e faz menção de a espetar nas
costas, altura em que César dispara dois tiros na sua direção e o atinge.

Abel cai redondo, César acerca-se dele e verifica que ainda está vivo, havia-lhe acertado apenas
com um tiro na zona lateral esquerda do abdómen pelo que de imediato tira o seu telemóvel do
bolso e liga para o INEM, pelo 112, nesse momento chega junto a si Bruna, a chorar e com a face
transtornada pelo pânico e abraça-se a ele dizendo: “obrigado, obrigado, matou-o, salvou-me a
vida”, César conforta-a mas informa-a: “ele não morreu, já chamei o INEM para ver se o salvam”,
ao que Bruna retorque: “tomara que morra!”.

Indique a responsabilidade penal dos intervenientes.


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Responsabilidade penal de ABEL


Em autoria imediata (art.o 26.o, 1.a proposição), com dolo direto (art.o 14.o, n.o 1), por ação (art.o
10.o, n.o 1), em concurso efetivo real heterogéneo, praticou:
. Violência doméstica - art.o 152.o, n.o 1, al. a);
. Homicídio qualificado na forma tentada - art.o 132.o, n.o 2, al. b); art.o 22.o, n.o 1 e 2, al. b), art.o
23.o n.o 1 e 2 e art.o 73.o.

Responsabilidade penal de CÉSAR


Em autoria imediata (art.o 26.o, 1.a proposição), com dolo direto (art.o 14.o, n.o 1), por ação (art.o
10.o, n.o 1), praticou:
. Homicídio simples na forma tentada art.o 132.o, n.o 2, al. b); art.o 22.o, n.o 1 e 2, al. b), art.o 23.o
n.o 1 e 2 e art.o 73.o.
Contudo, há aqui uma causa de exclusão da ilicitude: legítima defesa de terceiro -art.o 31.o, n.o 1 e
2, al. a).
A ação de César visou repelir uma agressão (comportamento ativo de Abel que ameaçava, colocava
em perigo o bem jurídico vida de Bruna), atual (iminente, uma vez que Abel se aproximava de
Bruna com a intenção de espetar a garrafa nas costas da mulher – ato de execução) e ilícita (no caso
concreto, ilícito penal, subsumível no crime de homicídio).
Quanto à defesa, esta constituiu o meio necessário (idóneo, adequado e proporcional) para repelir a
agressão: uma ação de César com consequências menos gravosas para a vida e integridade física de
Abel não afastaria o perigo.
Acresce que César atuou com animus defendendi, isto é, com consciência de estar perante uma
agressão e com vontade de a repelir (diz-nos o enunciado que César enquadrou aquela situação
numa de violência doméstica; diz-nos também que, tendo trabalhado na secção de homicídios da PJ,
César sabia que os homicídios decorrentes de violência doméstica eram frequentes).
Sendo César inspetor da PJ, é aqui também aplicável o disposto no art.o 3.o, n.o 2, al. a), do DL n.o
457/99, de 5 de novembro. Diz-nos aquele preceito legal que (e atendendo ao caso concreto), o
recurso a arma de fogo contra pessoas para repelir a agressão atual

ilícita dirigida contra terceiros, se houver perigo iminente de morte ou ofensa grave à integridade
física.

63











Acresce que, César cumpriu com o previsto nos art.os 4.o (advertência) e 6.o (obrigação de
socorro), ambos do mesmo diploma legal.

Deveria, ainda, comunicar o recurso a arma de fogo aos seus superiores hierárquicos (dever de
relato – art.o 7.o do referido DL).

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CASO PRÁTICO V

António e Beto, conhecidos de longa data, foram beber uns copos para o Bar Chove lá fora aqui
dentro só Pinga, e ali estiveram cerca de duas horas a beber cerveja, até que os vapores etílicos
começaram a fazer o seu efeito, começaram a embirrar um com o outro, a aumentar a voz, até que
começaram uma discussão sem nexo mas que foi azedando até ao ponto de se ameaçar mutuamente
dizendo que davam uns murros um no outro, mas aquelas ameaças eram frequentes e toda a gente
sabia que aquilo era só “da boca para fora”.

No entanto, o dono do Bar, o Búfalo, cujo porte físico fazia jus ao nome, agarrou e colocou os dois
na rua, tendo aqueles continuado cá fora a discussão que haviam iniciado no interior do Bar.

A determinada altura da discussão António decide achincalhar Beto e diz-lhe: “és um corno, a tua
namorada anda a dar umas voltas com o Raposo e tu vais para o bar beber copos ...”, ato contínuo,
Beto, possesso, pois a sua honra era uma coisa que prezava acima de tudo, desfere um murro com
tamanha violência na cara de António que o fez cair, e este na queda bateu desamparado com a
cabeça no passeio, em pedra de calçada, vindo a ter morte quase imediata.

Indique a responsabilidade penal dos intervenientes.

Responsabilidade penal de BETO


Em autoria imediata (art.o 26.o, 2.a proposição), com dolo direto (art.o 14.o, n.o 1), por ação (art.o
10.o, n.o 1), praticou:
. Crime de ofensa à integridade física simples (art.o 143.o, n.o 1), agravado pelo resultado (art.o
147.o, n.o 1; art.o 18.o; art.o 15, al. b) – negligência inconsciente no crime de homicídio).

65

CASO PRÁTICO VI

Aníbal e Bento foram à caça no Domingo, tal como faziam habitualmente, mas desta vez foram
para uma Reserva de Caça no Alentejo, para a qual se tinham tornado sócios havia 15 dias, onde
tinham a esperança de caçarem um javali ou um gamo, animais que, sabiam, havia em quantidade
apreciável naquela Reserva.

Quando ali chegaram verificaram que também lá estavam muitos outros caçadores e Aníbal
reconheceu imediatamente Caio, indivíduo que anos antes lhe tinha morto o melhor cão de caça que
alguma vez tivera e que, na sequência disso, quando Aníbal o foi confrontar com a situação, Caio,
que em jovem tinha sido Boxer, deu-lhe uma malha de “criar bicho”.

Desde essa altura que Aníbal sonhara vingar-se de Caio.

Durante a caçada, Bento, que tinha “gatilho fácil”, viu que um dos cães de outro caçador andava a
implicar com o seu Bobi pelo que, quando percebeu que ninguém estava a ver, disparou um tiro e
matou-o.

Algum tempo depois Aníbal viu que Caio estava a caçar a uma curta distância e quando verificou
que aquele fora para uma zona de vegetação mais densa onde apenas se via a sua silhueta disse a
Bento: “olha, vês ali aquele vulto? Está ali um gamo. Consegues acertar-lhe daí?”, Bento de
imediato municiou a espingarda com dois cartuchos de bala- zagalote, apontou e disparou um tiro,
tendo Caio caído morto.

Bento exultou: “espetáculo, logo à primeira!”

Indique a responsabilidade penal dos intervenientes.

Responsabilidade penal de ANÍBAL


Em autoria mediata (art.o 26.o, 2.a proposição), com dolo direto (art.o 14.o, n.o1), por ação (art.o
10.o, n.o 1), praticou um crime de homicídio simples (art.o 131.o).
É o autor moral, atua por intermédio de Bento (aqui homem da frente, instrumento de Aníbal). É
quem tem o domínio da vontade por erro, que provoca em Bento.

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Responsabilidade penal de BENTO


Em autoria imediata (art.o 26.o, 2.a proposição), com dolo direto (art.o 14.o, n.o 1), por ação (art.o
10.o, n.o 1), praticou um crime de maus tratos a animais de companhia (art.o 387.o, n.o 1 e 2).
Quanto ao homicídio de Bento, agiu em erro sobre os elementos de facto, erro este criado por
Aníbal; está excluído o dolo do tipo (elementos intelectual e volitivo); não há negligência; Bento
não é punido.

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Caso prático 1

O Centro de exames XPTO ao receber da Administração, por via despacho ministerial do MAI, a
autorização para realizar exames de condução, submetendo a sua atividade às mesmas normas
regulamentares e instruções técnicas em vigor para os exames realizados pela DGV, passa a
desempenhar de uma atividade compreendida na função pública administrativa do Estado,
realizando exames teóricos e práticos aos candidatos à obtenção de carta de condução, título que, na
sequência dos resultados obtidos nesses exames, era depois emitido pelo Estado.

Face ao exposto, C (Examinador do Centro de Exames) é considerado, para efeitos penais,


Funcionário, ao abrigo do art.o 386.o, n.o 1, al. d) do CP.

Por isso, cometeu, em autoria imediata, art.o 26.o, 1.a proposição, do CP, na forma consumada, por
ação, art.o 10.o, n.o 1, 1.a parte, com dolo direto, art.o 14.o, n.o 1 do CP, um crime de corrupção
passiva para ato ilícito, p. e p. pelo art.o 373.o, n.o 1 do CP.

A e B, cometeram em coautoria (uma vez que, por acordo, se associaram para conseguir que A
conseguisse obter fraudulentamente a carta de condução. A deu o dinheiro e B estabeleceu o
contacto com o examinador, tarefas essenciais) art.o 26.o, 3.a proposição, do CP, na forma
consumada, por ação, art.o 10.o, n.o 1, 1.a parte, com dolo direto, art.o 14.o, n.o 1 do CP,
cometeram um crime de corrupção ativa para ato ilícito, p. e p. pelo art.o 374.o, n.o 1 do CP.

NOTA: A sabe que dá o dinheiro ao B para ele corromper o examinador, ele, A, não age com dolo
de Tráfico de Influências, pois não sabe de nenhuma influência (real) que o B tenha sobre o
examinador, nem sequer pensa, erradamente, que o B tenha uma influência (suposta) sobre o
examinador. A sabe sim que o B com o dinheiro que ele lhe deu vai corromper algum examinador
ou examinadores (poderia ser um no exame teórico e outro no exame prático), logo age com
intenção de corrupção ativa sobre o examinador (funcionário) mas para que essa corrupção se
verifique precisa da colaboração essencial de B, por isso, coautoria, entre A e B, para a prática de
corrupção ativa para ato ilícito.

OBS.: Nos crimes de corrupção (assim como no crime previsto no 372.o do CP), não se pode

aplicar a extensão de tipicidade prevista no artigo 28.o, n.o 1, do Código Penal.

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Os crimes de corrupção passiva e ativa são, formal e materialmente, autónomos e são até puníveis
com molduras penais diferentes.

Trata-se de uma situação de não aplicação do n.o 1 do artigo 28.o do Código Penal por outra ter
sido claramente a intenção da norma incriminadora.

Se não fosse assim, qualquer acordo entre o corruptor e o corrupto (que, não sendo hoje elemento
típico, existe numa grande parte dos casos de corrupção) neutralizaria a opção do legislador de
valorar diferentemente as duas condutas e de criar tipos autónomos a que correspondem também
molduras penais distintas.

Sempre que a solicitação do funcionário fosse aceite pelo seu destinatário ou sempre que a
promessa deste fosse acolhida pelo funcionário estaríamos perante uma situação de coautoria de um
crime de corrupção passiva, o que não corresponde seguramente à opção do legislador.

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Caso prático 2

Sérgio é funcionário, nos termos do art.o 386.o, n.o 1, al. d), parte final, do CP, porque os
Bombeiros são uma Pessoa Coletiva de Utilidade Pública, i.e., uma pessoa coletiva de direito
privado que logrou obter da Administração a declaração de utilidade pública em razão dos fins de
interesse público, geral ou local (da comunidade) que prossegue.

Sérgio comete, em autoria imediata, art.o 26.o, 1.a proposição, do CP, na forma consumada, por
ação, art.o 10.o, n.o 1, 1.a parte, com dolo direto, art.o 14.o, n.o 1 do CP, em concurso efetivo real
de crimes, cf. art.o 30.o, n.o 1 do CP, um crime de peculato (gasóleo), p. e p. pelo art.o 375.o, n.o 1
do CP e um crime de furto de uso de veículo, p. e p. pelo art.o 208.o, n.o 1 do CP.

Para haver procedimento criminal pelo crime de furto de uso do veículo é necessário haver queixa
(pois é um crime semipúblico), cf. art.os 208.o/3, 113.o/1 e 115.o/1, todos do CP.

O Comandante da Corporação dos Bombeiros é o titular do direito de queixa.

Sérgio usou o automóvel ligeiro (e não de combate a incêndios) apenas porque teve uma
acessibilidade física a ele, em razão das suas funções, e não uma especial relação de poder ou de
domínio ou de controlo/supervisão em razão das suas específicas funções.

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Caso prático 3

O agente da Polícia Municipal é funcionário público, logo funcionário para efeitos penais, nos
termos do art.o 386.o, n.o 1, al. a) do CP.

Assim, comete, em autoria imediata, art.o 26.o, 1.a proposição, do CP, na forma consumada, por
ação, art.o 10.o, n.o 1, 1.a parte, com dolo direto, art.o 14.o, n.o 1 do CP, um crime de corrupção
passiva para ato ilícito, p. e p. pelo art.o 373.o, n.o 1 do CP.

O amigo comete, em autoria imediata, art.o 26.o, 1.a proposição, do CP, na forma consumada, por
ação, art.o 10.o, n.o 1, 1.a parte, com dolo direto, art.o 14.o, n.o 1 do CP, um crime de corrupção
ativa para ato ilícito, p. e p. pelo art.o 374.o, n.o 1 do CP.

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Caso prático 4

B é considerado Trabalhador do setor privado, nos termos do art.o 2.o, al. d) da Lei 20/2008, e, por
isso, comete, em autoria imediata, art.o 26.o, 1.a proposição, do CP, na forma consumada, por ação,
art.o 10.o, n.o 1, 1.a parte, com dolo direto, art.o 14.o, n.o 1 do CP, um crime de Corrupção passiva
no sector privado, nos termos do art.o 8.o, n.o 1 e n.o 2 da Lei 20/2008.

A comete, em autoria imediata, art.o 26.o, 1.a proposição, do CP, na forma consumada, por ação,
art.o 10.o, n.o 1, 1.a parte, com dolo direto, art.o 14.o, n.o 1 do CP, um crime de Corrupção ativa no
sector privado, nos termos do art.o 9.o, n.o 1 e n.o 2 da Lei 20/2008

Uma vez que A é o único gerente da sociedade COPIANÇO, Lda. exerce, sozinho, o controlo da
atividade desse ente coletivo, ou seja, é o líder da sociedade, tendo a sua atuação sido levada a cabo
em nome e por interesse da Copianço, Lda., logo, esta vai ser responsabilizada criminalmente, nos
termos do art.o 11.o, n.os 2, al. a), 4 e 7 do CP ex vi do art.o 4.o, conjugado com o art.o 9.o, n.o 1 e
2, ambos da Lei 20/2008.

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Caso prático 5

(Partindo-se do princípio que a alteração do PDM foi um ato ilícito)

A, administrador da construtora, comete, em autoria imediata, art.o 26.o, 1.a proposição, do CP, na
forma consumada, por ação, art.o 10.o, n.o 1, 1.a parte, com dolo direto, art.o 14.o, n.o 1 do CP, um
crime de tráfico de influências, nos termos do art.o 335.o, n.o 2 do CP.

B, pai do Presidente da Câmara, (exerce sobre o filho a sua influência, ascendência (em razão de
relação familiar, pai-filho), comete, em autoria imediata, art.o 26.o, 1.a proposição, do CP, na forma
consumada, por ação, art.o 10.o, n.o 1, 1.a parte, com dolo direto, art.o 14.o, n.o 1 do CP, em
concurso efetivo real, art.o 30.o, n.o 1 do CP, um crime de tráfico de influência, nos termos do art.o
335.o, n.o 1, al. a) do CP e um crime de corrupção ativa para ato ilícito, p. e p. nos art.os 18.o, n.o 1
e 19.o, n.o s 2 e 3 da Lei 34/87, conjugado com o art.o 202.o, al. b) do CP.

C, Presidente da Câmara, é considerado titular de cargo político (membro do órgão representativo


de autarquia local – Câmara Municipal), nos termos do art.o 3.o, n.o 1, al. i) da Lei 34/87, e, por
isso, comete, em autoria imediata, art.o 26.o, 1.a proposição, do CP, na forma consumada, por ação,
art.o 10.o, n.o 1, 1.a parte, com dolo direto, art.o 14.o, n.o 1 do CP, um crime de Corrupção passiva
para ato ilícito no âmbito de cargo político, nos termos dos art.os 17.o, n.o 1 e 19.o, n.o s 2 e 3 da
Lei 34/87, conjugado com o art.o 202.o, al. b) do CP.

A construtora civil “Construir muito e mal, S.A.” vai ser responsabilizada criminalmente por
Tráfico de Influências, nos termos do art.o 11.o, n.os 2, al. a), 4 e 7, conjugado com o art.o 335.o,
n.o 2, todos do CP.

NOTA: A, administrador da construtora, age com dolo de tráfico de influências sobre o Pai do
Presidente da Câmara, pois ele percebe que o Pai tem influência, real, sobre o filho, tal como esse
outro até verbaliza: “considera isso feito, afinal ele é meu filho e a voz do pai tem peso”.

Assim, A é comprador da Influência e o B (pai do Presidente) Traficante da Influência, nos termos


do art.o 335.o/1, al. a) e n.o 2 do CP. E ambos os crimes ficam consumados com o acordo.

Depois quando o B vai sobre o decisor politico e concretiza a influência, o Presidente da Câmara
pratica corrupção passiva e o Pai pratica corrupção ativa pois preenche a tipicidade objetiva do
374.o do CP, pois "quem por si (o próprio B) der a terceiro (construtora) com conhecimento do

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funcionário (do filho Presidente da Câmara) vantagem patrimonial (que advém da construção nos 9
ha) com o fim indicado no 373.o/1 (ato ilícito) pratica corrupção ativa”.

Em concurso efetivo real, 30.o/1 do CP, pois são duas resoluções criminosas distintas e dois bens
jurídicos diferentes (entre Tráfico Influências e Corrupção Ativa).

OBS.: TRÁFICO DE INFLUÊNCIA - O essencial da conduta típica pode resumir-se na seguinte


fórmula: a norma pune aquele que negoceia com terceiro a sua influência sobre uma entidade
pública para vir dela a obter uma decisão ilegal, favorável aos interesses do dito terceiro.

In Comentário ao Conimbricense ao Código Penal

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