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Eduardo Sequeiros de Sousa Nunes

Justiça social na tributação do consumo: a fixação das


taxas do imposto sobre o valor acrescentado

Trabalho científico relativo à disciplina de impostos sobre o


consumo, ministrada no Curso de Mestrado em Direito
Tributário, pelo Professor Tiago João Lopes Gonçalves de
Azevedo

Janeiro de 2018



SUMÁRIO

ABREVIATURAS .................................................................................................................................. I
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 1
2. JUSTIÇA SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ............................... 2
2.1. DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS ........................................................................................... 3
3. TRIBUTAÇÃO DO CONSUMO EM PORTUGAL .......................................................................... 4
4. IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO ......................................................................... 7
4.1. PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES ................................................................................................. 7
4.2. EFEITOS DISTRIBUTIVOS DA TRIBUTAÇÃO DO CONSUMO ........................................... 10
4.3. FIXAÇÃO DAS TAXAS DO IVA EM PORTUGAL .................................................................. 12
5. CONCLUSÃO .................................................................................................................................. 15
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................. 16



ABREVIATURAS

CEE – Comunidade Económica Europeia


CIVA – Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado
CIEC – Código dos Impostos Especiais de Consumo
CRP – Constituição da República Portuguesa
FMI – Fundo Monetário Internacional
IVA – Imposto sobre o valor acrescentado
IABA – Imposto sobre o álcool, as bebidas alcoólicas e as bebidas adicionadas de açúcar ou
outros edulcorantes
ISP – Imposto sobre produtos petrolíferos e energéticos
ISR – Imposto sobre o rendimento das pessoas singulares
ISV – Imposto sobre veículos
IT – Imposto sobre o tabaco
IUC – Imposto único de circulação
OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico
PIB – Produto Interno Bruto

I

1. INTRODUÇÃO

Recentemente Portugal atingiu o menor grau de desigualdade social de sua história1.


Sinal evidente de que o Estado português avança em comunhão com o propósito
constitucional de construir uma sociedade mais justa. Nessa tarefa, utiliza o sistema fiscal
como um de seus instrumentos.
No artigo 104º da Constituição, elege as três bases clássicas de imposição fiscal, o
rendimento, o patrimônio e o consumo, determinando que esta última molde “a estrutura do
consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social”.
Consideradas as receitas fiscais em Portugal no ano de 2016, o IVA, principal exação
sobre o consumo, correspondeu a 37,48% da arrecadação total2, o que ressalta a sua especial
importância dentre os demais impostos e a sua potencial proeminência na realização dos
objetivos da diminuição das desigualdades sociais.
A relevância da graduação das taxas do IVA na redistribuição da riqueza é pontuada
por Vasques (2017, p.296):

A fixação da estrutura e valor das taxas de imposto constitui um dos mais


importantes pontos na concepção de um qualquer sistema de IVA. Seja pelo efeito
que produz nas decisões dos agentes económicos, seja pelo relevo que tem na
redistribuição da riqueza, seja pelo seu impacto nos custos administrativos do seu
sistema, a decisão quanto ao nível e quanto ao número de taxas de IVA a aplicar
reveste imensa delicadeza técnica e política.

Atento a essa premissa, este trabalho tem por meta verificar se as taxas estabelecidas
para o IVA cumprem, no seu âmbito de atuação, a finalidade constitucional do Estado
português de realizar a justiça social.
Para atingir esse fim o presente trabalho está dividido em quatro partes. Na primeira
serão descritas as principais disposições constitucionais relativas à promoção da justiça social,
de forma a averiguar a amplitude e a importância com que foi concebida. A segunda tem por
finalidade descrever como foi esquematizada a tributação do consumo na legislação
infraconstituicional. Prossegue-se, então, com o estudo do IVA verificando seus princípios
estruturantes, seus possíveis efeitos distributivos, as determinações comunitárias relativas às
taxas e seus reflexos no ordenamento lusitano. Por último, a conclusão contém um breve
resumo do que foi apresentado e os resultados inferidos pelo autor.


1
Conforme reportado pelo Observatório das Desigualdades do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de
Lisboa em https://observatorio-das-desigualdades.com/2017/12/06/reducao-da-desigualdade-e-da-pobreza/, acessado em 11/12/2017.
2
Informações coletadas na Base de Dados de Portugal Contemporâneo (PORDATA), acessado em 12/01/2018, em
https://www.pordata.pt/Portugal/Receitas+fiscais+do+Estado+total+e+por+alguns+tipos+de+impostos-2765.

1

2. JUSTIÇA SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA

Antes de verificar a posição reservada à Justiça Social no ordenamento constitucional,


importante fazer rápida incursão na matéria para melhor delinear o seu conceito.
Um dos teóricos contemporâneos que melhor trabalhou a noção de justiça social, John
Rawls, definiu três pontos essenciais para a sua realização (RAWLS, 1999).
Primeiro, a cada pessoa deve ser garantido o mesmo direito ao mais amplo sistema de
liberdades básicas compatíveis com um sistema similar de liberdades para as demais pessoas.
Isto é, todos devem ter acesso aos mesmos direitos e liberdades fundamentais. Segundo, todos
devem ter acesso igualitário às oportunidades disponíveis em determinada sociedade
(principle of fair opportunity). Terceiro, a desigual distribuição de bens é permitida somente
em benefício dos mais necessitados (difference principle).
Como se pode perceber, a ideia de justiça social não se presta a estabelecer uma justiça
no plano do indivíduo. A preocupação é a de concretizá-la no âmbito da sociedade. Como
bem coloca Catarino (2013, p. 33):

A justiça social não coloca o acento tónico no plano individual, nem olha para os
indivíduos como tal, mas como componentes do jogo ou todo social [...] A haver
necessidade de sacrifar uma das posições, o plano social tem clara prevalência. Há
portanto uma diferença de grau quando passamos do plano das relações inter-
individuais para o das relações sociais.

Nessa linha, a Justiça Social objetiva compensar desigualdades no funcionamento da


sociedade por meio do acesso igualitário a direitos e liberdades fundamentais, bem como a
iguais oportunidades, permitindo que todos os indivíduos se desenvolvam no campo
económico e cultural, de forma a criar uma maior homogeneidade no corpo social. Opera,
ainda, na realocação dos recursos existentes de maneira desigual, privilegiando os mais
necessitados.
Cabe, então, ao Estado Social, para que efetivamente possa promover a Justiça Social,
assegurar que as desigualdades entre os integrantes de sua população sejam paulatinamente
reduzidas por meio da expansão de direitos e liberdades, da garantia de igualdade de
oportunidades e da distribuição dos recursos financeiros na função inversa da capacidade
económica dos indivíduos, não se concentrando somente no desenvolvimento económico do
país e no estéril aumento de seu PIB.

2

2.1. DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS

Produto do processo que culminou com a revolução de 25 de Abril de 1974, a CRP,


apesar das revisões que atenuaram a carga ideológica socialista da redação original3, manteve
como um de seus princípios fundamentais a construção de uma sociedade mais justa.
Conforme bem colocam Canotilho e Moreira (2007, p.33):

Desapareceu sem dúvida a diretriz socialista que informava a constituição


económica, mas não se estabeleceu uma orientação anti-socialista, tendo-se mantido
numerosas indicações constitucionais adversas ao domínio da economia pelo capital
oligárquico.

A relevância do princípio do Estado Social pode ser confirmada pelos inúmeros


dispositivos ao longo do texto constitucional que demonstram a firme intenção de realizar a
justiça social.
Assim sendo, a “construção de uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 1º), redação
introduzida na segunda revisão constitucional, não é uma fórmula vazia de conteúdo.
O Estado de direito democrático que visa a “realização da democracia económica,
social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa” (art. 2º) consagra a
perspectiva de realização da democracia em todas as suas vertentes (CANOTILHO;
MOREIRA, 2007).
Tal magnitude conferida à justiça social levou o poder constituinte originário a elevar,
ao nível de tarefa fundamental do Estado, a promoção do bem-estar, da qualidade de vida do
povo, e da igualdade real entre os portugueses (art. 9º, letra “d”).
Na Parte I, relativa aos direitos e deveres fundamentais, densifica essa linha mestra ao
garantir a todos o direito à segurança social (art. 63º); ao assegurar o direito,
independentemente da condição económica do cidadão, de protecção da saúde (art. 64º); ao
declarar o direito à habitação para todos (art. 65º); ao proteger a instituição familiar (art. 67º);
ao resguardar o direito à segurança económica na terceira idade (art. 72º); e ao contribuir para
a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais por meio da democratização da
educação e da cultura (art. 73º).
Na Parte II, dedicada à organização económica, prioriza o aumento do bem-estar
social e económico, especialmente para os mais desfavorecidos, e da justiça social, corrigindo
as desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento (art. 81º). Determina, como
objetivos, nos planos de desenvolvimento económico e social, a justa repartição individual e


3
Desde a sua promulgação em 1976, a Constituição foi objeto de sete revisões. As alterações mencionadas ocorreram especialmente na
primeira e na segunda revisões constitucionais, levadas a efeito pelas LC nº 1/82 e LC nº 1/89.

3

regional do produto nacional (art. 90º); na política agrícola, a melhoria da situação
económica, social e cultural dos trabalhadores rurais e agrícolas (art. 93º); e, em relação ao
sistema fiscal, a repartição justa dos rendimentos e da riqueza (art. 103º).
Quanto aos impostos, define que a tributação do rendimento das pessoas singulares
será orientado para a diminuição das desigualdades; a do património, de forma a contribuir
para a igualdade dos cidadãos; e a do consumo para adaptar a estrutura do consumo à
evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social, onerando os
consumos de luxo (art. 104º).
Logo, resta inequívoca a orientação da Carta Magna portuguesa para dignificar o ser
humano, com a redução das desigualdades sociais existentes. O vocabulário utilizado
demonstra grande inquietação com a correção das desigualdes e marca de forma específica
essa prioridade, sendo patente a grande ênfase outorgada pela Carta lusa à justiça social.
Nesse sentido, a conclusão de Otero (2010, p.49): “Em suma, a Constituição de 1976
permite observar todas as condições para ser possível a edificação de um genuíno Estado de
direitos humanos [...]”.
Descritas as disposições constitucionais, será, então, apurado como foi concebida a
tributação do consumo em Portugal.

3. TRIBUTAÇÃO DO CONSUMO EM PORTUGAL

Com o objetivo de obter um panorama geral sobre a tributação do consumo, torna-se


necessário abordar os impostos que compõem a carga fiscal desta base de imposição, que
obedece, de forma geral, aos ditames da União Europeia tanto no que se refere ao IVA quanto
aos impostos especiais de consumo.
O IVA é o principal imposto a onerar o consumo e, conforme já mencionado, o mais
importante no que tange ao volume de arrecadação fiscal. Sua disciplina está estabelecida no
CIVA, aprovado pelo Decreto-Lei nº 394-B/1984.
Grava de forma geral as transmissões de bens e as prestações de serviço efetuadas no
território nacional, a título oneroso, as importações e as operações intracomunitárias efetuadas
no território nacional (art. 1º do CIVA). Incide em todas as fases do circuito económico
(imposto plurifásico): produtores, grossistas, retalhistas e prestadores de serviço, chegando ao
consumidor por meio da repercussão legal obrigatória de seus valores.
Quanto à sua incidência subjetiva, são sujeitos passivos as pessoas singulares ou
coletivas que, de um modo independente e com habitualidade, exerçam atividades de

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produção, comércio ou prestação de serviços, importação de bens e operações
intracomunitárias (art. 2º do CIVA).
O facto gerador é, para a transmissão dos bens, o momento em que estes são postos à
disposição do adquirente; para a prestação de serviços, o momento de sua realização; para as
importações, o momento determinado pelas disposições aplicáveis aos direitos aduaneiros
(art. 7º, 1 do CIVA).
É um imposto não cumulativo no sentido de que em cada fase do circuito económico o
imposto suportado a montante pelo agente económico é subtraído do imposto que onera a
operação por ele efetuada a jusante.
Nas palavras de Nabais (2015, p. 545-546):

[...] o montante da dívida de cada sujeito passivo é apurado através do chamado


método de dedução imposto do imposto, do crédito do imposto ou método indirecto
subtractivo, nos termos do qual esse montante nos é dado pela diferença entre o
montante que resulta da aplicação da taxa ao valor das vendas ou prestações de
serviços, durante detrminado período, e o montante do imposto suportado nas
aquisições efetuadas durante o mesmo período.

Visa, assim, alcançar o consumo, o que só corre quando o bem ou o serviço é prestado
para um consumidor final – o contribuinte de fato, verdadeiro onerado pelo imposto – que não
utilizará o bem ou o serviço para produzir outro serviço ou bem a ser ofertado a terceiros.
Incidindo sobre determinados produtos, os impostos especiais de consumo atendem ao
objetivo de harmonizar a tributação no âmbito do Direito comunitário, o que decorreu,
inicialmente, da Directiva nº 92/12/CEE, para os produtos petrolíferos e energéticos, álcool e
bebidas alcóolicas, e o tabaco manufacturado. Esses impostos especiais estão reunidos no
CIEC, aprovado pelo Decreto-Lei nº 73/2010, e são três: IABA, ISP e IT, todos de caráter
monofásico.
Além da natureza arrecadatória, os impostos especiais de consumo possuem
finalidades extrafiscais em virtude de os produtos por eles onerados provocarem elevados
custos sociais e económicos nos domínios da saúde pública e do meio ambiente. Surgem,
assim, como meio de dissuadir o seu consumo pelo aumento da carga tributária.
Nos termos do artigo 66º do CIEC, o IABA incide sobre a cerveja, os vinhos, outras
bebidas fermentadas, os produtos intermédios e as bebidas espirituosas, genericamente
designadas por bebidas alcoólicas, e sobre o álcool etílico, genericamente designado por
álcool.

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O ISP incide sobre gasolinas, gasóleos, petróleos, fuelóleos, e quaisquer outros
produtos destinados ao uso como carburantes ou combustíveis (com exceção da turfa), e
eletricidade (art. 88º do CIEC).
Sobre cigarros, charutos, cigarrilhas e quaisquer outros produtos de tabaco, incide o
IT, nos termos do artigo 101º do CIEC.
São sujeitos passivos o depositário autorizado e o destinatário registado. No caso de
fornecimento de eletricidade ao consumidor final, os comercializadores, definidos em
legislação própria, os comercializadores para a mobilidade elétrica, os produtores que vendam
eletricidade directamente aos consumidores finais, os autoprodutores e os consumidores que
comprem eletricidade através de operações em mercados organizados. No fornecimento de
gás natural ao consumidor final, os comercializadores definidos em legislação própria (art. 4º
do CIEC).
Para os impostos especiais de consumo o facto gerador é a produção, a importação, a
entrada no território nacional de produtos oriundos de outro Estado comunitário, e nos casos
específicos da eletricidade e do gás natural, o momento do fornecimento ao consumidor final
por comercializadores definidos em legislação própria (art. 7ºdo CIEC) .
Disciplinado em apartado do CIEC, o ISV foi regulado no Código do Imposto sobre
Veículos, aprovado pela Lei nº 22-A/2007, e incide sobre veículos automóveis ligeiros de
passageiros, de mercadorias e de utilização mista, automóveis de passageiros com mais de
3500 kg, autocaravanas, motociclos triciclos e quadriciclos. Excetuam-se os veículos
elétricos, movidos a energias renováveis não combustíveis ou não motorizados, as
ambulâncias e automóveis ligeiros de mercadorias, de caixa aberta, sem caixa ou de caixa
fechada que não apresentem cabina integrada na carroçaria, com peso bruto de 3500 kg, sem
tração às quatro rodas (art. 2º).
Conforme o artigo 3º, os sujeitos passivos são os operadores registados, os operadores
reconhecidos e os particulares que procedam a introdução no consumo desses veículos,
mesmo que de modo irregular.
O facto gerador é o fabrico, a montagem, a admissão ou a importação desses veículos
em território nacional, quando estejam obrigados à matrícula em Portugal.
Como se pode perceber, o facto gerador do IVA é distinto do facto gerador dos
impostos especiais de consumo, inclusive no que concerne ao momento de incidência, o que
resulta numa sobreposição do imposto geral (IVA) com os impostos especiais (IABA, ISP, IT
e ISV). Dessa forma, o IVA incide sobre o valor da mercadoria acrescido do valor do imposto

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especial de consumo incidente sobre o mesmo produto, fato que é criticado por constituir uma
triutação dobrada sobre um mesmo fato económico de consumo.
A dicussão sobre a incidência do IVA sobre o ISV já foi objeto de apreciação pelo
Tribunal de Justiça da União Européia no Processo C-106/10, em que a Lidl & Companhia se
opunha à Fazenda Pública de Portugal. Em Acórdão de 28/07/2011 foi decidido o cabimento
dessa dupla incidência nos seguintes termos:

Um imposto como o imposto sobre veículos em causa no processo principal, cujo


facto gerador está directamente ligado à entrega de um veículo abrangido pelo
âmbito de aplicação deste imposto e que é pago pelo fornecedor desse veículo,
integra-se no conceito de «impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos»,
na acepção do artigo 78º , primeiro parágrafo, alínea a), da Directiva 2006/112/CE
do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto
sobre o valor acrescentado, e deve, em aplicação desta disposição, ser incluído no
valor tributável em imposto sobre o valor acrescentado da entrega do referido
veículo.

Conhecido o cenário global da tributação do consumo, importa aprofundar a


investigação sobre o IVA.

4. IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO

A implantação do IVA em Portugal obedeceu a importantes fatores internos e


externos. Internamente havia a necessidade de substituição do imposto de transacções que se
mostrava incapaz de atender a modernização da económia e a urgente elevação dos custos
estatais, não se prestando a onerar o importante segmento da prestação de serviços.
No domínio externo, a pressão exercida pelo FMI ao indicar o IVA como caminho
para a reforma da tributação indirecta, e o processo de adesão à CEE que obrigava à
adaptação ao sistema fiscal comunitário.
Esse panorama culminou com a promulgação do Decreto-Lei nº 394-B/84, de 26 de
dezembro, que aprovou o CIVA.

4.1. PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES

Princípios jurídicos ocupam uma posição central no estudo do Direito. Com elevado
grau de abstração, eles dão unidade ao ordenamento porque orientam a construção de um
sistema legal tendencialmente harmônico. Conhecê-los permite ao intérprete resolver
situações complexas e supostamente contraditórias.
No intuito de aceder a esses instrumentos de interpretação, serão analisados, segundo a
doutrina de Vasques (2017, p. 105-127), os princípios estruturantes do IVA, quais sejam:
neutralidade, igualdade, tributação no destino e proibição do abuso.

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Importante ressaltar que os princípios ora estudados devem ser entendidos e aplicados
não apenas internamente, mas também no âmbito da União Européia, visto que o IVA
implantado em Portugal atende requisitos uniformes no universo comunitário. Assim, os
princípios da neutralidade, da legalidade e da proibição do abuso têm sua lógica aplicável
tanto às operações intracomunitárias como às operações internas.
Quanto ao princípio da tributação no destino, este tem valia na tributação
intracomunitária visto que, nas operações internas, a tributação ocorre na origem mas, se
ocorresse no destino, a sua administração continuaria a cargo do fisco lusitano, sem ocasionar
maiores problemas.
Vasques (2017, p. 105) aponta a neutralidade como o princípio dominante no âmbito
do IVA:

O discurso em torno do IVA tem tradicionalmente apontado a neutralidade como seu


princípio estruturante, marginalizando quaisquer outros princípios materiais de
direito.

Segundo o princípio da neutralidade, o imposto não deve interferir nas decisões dos
agentes económicos: para os produtores e prestadores de serviços, quanto à definição da
atividade e o modo de a exercer; para os consumidores, na liberdade de definir o que
consumir. Com essa prerrogativa de escolha, seriam alcançadas a eficiência económica e a
perfeita alocação dos recursos existentes no mercado.
Considerando o setor produtivo, a neutralidade é garantida pelo sistema de dedução do
IVA que incide sobre o custo dos diversos elementos formadores do preço (não
cumulatividade) que, assim, não se incorporam ao valor final da atividade exercida. Esse
sistema impede que haja, em cada etapa do circuito económico, uma incidência do IVA sobre
o custo de produção majorado pelo próprio IVA incidente sobre os fatores de produção
(incidência em cascata), permitindo que esse imposto se desloque pelas diversas etapas sem
efeito cumulativo, onerando somente o consumidor.
Da ótica consumista, a imposição do IVA deve atingir a maior quantidade possível de
produtos e serviços, a uma taxa uniforme, de maneria que não os onere desigualmente e não
se torne um fator importante a orientar a decisão do que será consumido.
Inicialmente o princípio da neutralidade foi reconhecido como uma projeção do
princípio da igualdade de tratamento em termos de IVA. A igualdade estaria presente se todo
o conjunto de produtos e serviços fosse tributado, com a mesma taxa, isto é, se fosse atendido
o princípio da neutralidade.

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No entanto, a igualdade tem conteúdo próprio e perpassa de forma transversal todo o
universo jurídico. Vasques (2017, p.112) entende que:

[...] a neutralidade veda a discriminação entre operadores económicos, valendo aí


onde está o mercado, a igualdade veda o tratamento discriminatório de quaisquer
sujeitos a que a lei se dirija.

Logo, o princípio da igualdade tem campo de aplicação mais amplo, não se prestando
somente para resguardar a livre concorrência.
O princípio da tributação no destino se contrapõe ao da tributação na origem.
Segundo o princípio da tributação na origem, são onerados bens e serviços produzidos
em determinada jurisdição independentemente do destino, o que resulta em encargos idênticos
nas operações internas e nas exportações. Por conseguinte, as importações estão afastadas da
imposição.
Quando adotado o princípio do destino, a incidência ocorre na jurisdição onde bens e
serviços são consumidos, sem que se considere a procedência. Bens e serviços importados ou
produzidos localmente suportam igual ônus e as exportações restam desoneradas.
Originalmente a União Européia tencionava adotar a tributação na origem pois
reproduziria no panorama comunitário a sistemática da tributação característica de um estado
unitário, solução mais adequada para a integração económica pretendida. No entanto, a
neutralidade só seria garantida se as taxas de IVA das diferentes jurisdições fossem iguais ou
razoavelmente próximas. Caso contrário, as exportações tenderiam a se deslocar para a
jurisdição com menores taxas.
Na ausência de harmonização, foi adotado na União Européia o princípio da tributação
no destino que, conforme Vasques (2017, p.121):

[...] permite aproximar a tributação do consumidor final e da jurisdição onde se


situa, dando cumprimento ao princípio da capacidade contributiva. Afinal, numa
qualquer transacção económica não é o vendedor mas o comprador a pessoa que
manifesta força económica através do gasto que faz com a aquisição de bens ou
serviços. O princípio do destino mostra-se, pois, indispensável para concretizar o
programa de igualdade da fiscalidade indirecta.

Na esfera privada há uma autorização tácita que permite que se faça tudo o que o
ordenamento legal não proíbe. No entanto, em determinados casos, a correção formal esconde
tentativas de obter o que legalmente não seria possível. Atende-se a norma, desrespeitando o
seu “espírito”, isto é, maculando o que se busca proteger.
O princípio da proibição do abuso age em socorro à essas situações. Traça um limite à
autonomia privada. Logo, embora seja lícito aos contribuintes de IVA optar por caminhos que

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minimizem a tributação, não podem alcançar resultado que se “revele manifestamente
chocante face ao espírito da lei e face aos objetivos que fundamentam todo o sistema”4.
Por vezes com origem em planeamento fiscal, operações ou modelos de negócio
artificiosos são adotados obedecendo formalmente a lei, faltando-lhes, porém, verdadeiro
substrato económico. Seu principal objetivo não se relaciona ao produto das transações
simuladas, mas à redução do ônus tributário. Conforme o princípio da proibição do abuso,
essas operações devem ser desconsideradas no que tange aos efeitos mitigadores da
tributação.
Importante ressaltar que os princípios da legalidade e da proibição do abuso são
comuns a vários ramos do direito.

Já a tributação no destino e a neutralidade têm uma ligação visceral com o IVA, e por
objetivo quase exclusivo a regulação do mercado por meio da eliminação de obstáculos à
iniciativa privada e à livre concorrência, não expandindo suas preocupações para a órbita da
Justiça Social.

4.2. EFEITOS DISTRIBUTIVOS DA TRIBUTAÇÃO DO CONSUMO

Sob o ponto de vista económico, os impostos, quando classificados em relação à renda


dos contribuintes podem ser regressivos ou progressivos.
Conforme Salvador (2012, p. 3):

Um tributo é regressivo à medida que tem uma relação inversa com o nível de renda
do contribuinte. A regressão ocorre porque prejudica mais os contribuintes de menor
poder aquisitivo. O inverso ocorre quando o imposto é progressivo, pois aumenta a
participação do contribuinte à medida que cresce sua renda, “o que lhe imprime o
caráter de progressividade e de justiça fiscal: arcam com maior ônus da tributação os
indivíduos em melhores condições de suportá- la, ou seja, aqueles que obtêm
maiores rendimentos”.

Os impostos indirectos, que permitem a transferência do ônus a terceiros – como é o


caso do IVA – são regressivos por onerarem na mesma proporção um determinado item de
consumo, independentemente da renda de quem os consome. Na explicação de Salvador
(2012, p. 4):

Como o consumo é proporcionalmente decrescente em relação à renda conforme ela


aumenta, prejudicando mais os contribuintes de menor poder aquisitivo. O resultado
é uma carga tributária regressiva, significando que o Estado brasileiro é financiado
pelas classes de menor poder aquisitivo e pelos trabalhadores, com a população de
baixa renda suportando uma elevada tributação indireta.


4
Vasques (2017, p. 122)

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Estudo organizado pela OCDE analisa o comportamento da tributação sobre o
consumo e contesta a suposta regressividade do IVA (OECD, 2014, p. 47):

[...] VAT systems are regressive when measured as a percentage of current income,
but are generally either proportional or slightly progressive when measured as a
percentage of expenditure.

Dessa forma, quando medido em função do gasto (consumo) dos indivíduos, o IVA
não seria regressivo.
No entanto, no caso das parcelas mais pobres da população, o referido estudo entende
que a renda seria o melhor critério a utilizar (OECD, 2014, p. 35-36), concluindo que:

Assuming diminishing marginal utility of consumption, a proportional tax will still


have a greater negative impact on the welfare of the poor than of the rich. At the
extreme, it may reduce the consumption of necessities by the poor, but just the
consumption of luxuries by the rich.

Considerando que os efeitos distributivos visam atender os mais necessitados, o estudo


da OCDE corrobora o entendimento majoritário da doutrina de que o IVA é um imposto de
caráter regressivo.
Esse também é a interpretação de Canotilho e Moreira (1984, p. 467):

Note-se que os impostos de consumo, sendo pagos todos independentemente da


condição económica e social de cada um, gravam mais fortemente os titulares de
menores rendimentos do que os mais ricos, pois é maior o peso relativo do consumo
no rendimento dos primeiros.

Numa leitura jurídico-tributária, a progressividade e a regressividade assumem


definições distintas das que lhes confere o domínio económico. Impostos são regressivos
quando a variação da proporção ou da taxa for descendente na medida em que aumenta a
matéria tributável. Isto é, quanto maior o valor do que se tributa, menor será a taxa que o
onera. Já os impostos progressivos são aqueles em que a variação da taxa aplicável é
ascendente em função da matéria tributável (NABAIS, 2015, p. 95-96). Exemplo mais
significativo é o do IRS em que a taxa aplicável sobe na medida em que cresce o rendimento
tributável.
Conforme consta da Constituição lusa (art. 104º, 1), a progressividade é instrumento
utilizado na tributação da renda pessoal para diminuir as desigualdades sociais.
Ocorre que, sob o ponto de vista fiscal, não há como aplicar a progressividade ao IVA.
A progressividade remete ao sujeito, ao contribuinte de direito. O IVA grava o objeto, bem
ou serviço consumido, e onera o contribuinte de fato.

11

Além de ser inexequível sob o ponto de vista da administração tributária, impor uma
taxa maior a determinado produto ou serviço em função de seu valor económico ofenderia o
mencionado princípio da neutralidade, ocasionando distorções no mercado.
No entanto, na seara dos impostos sobre o consumo, há o princípio da seletividade.
No magistério de Greco (2013, p. 3632):

Seletividade de um imposto é um tipo de diferenciação na sua dimensão. Em geral, a


seletividade se dá pela previsão de alíquotas distintas (nas ad valorem percentuais
diferentes, nas específicas montantes diferentes). Isto implica num imposto mais
oneroso em alguns casos do que em outros. Trata-se de graduar o imposto,
selecionar hipóteses e com isto se afastar da ideia de uniformidade do tributo.

Esse parece ser o comando constitucional (art. 104º, 4) ao determinar que o imposto
sobre o consumo promova a adaptação da estrutura do consumo à evolução das necessidades
do desenvolvimento económico e da justiça social e onere os consumos de luxo. Prescreve,
assim, que se gradue a carga tributária conforme a essencialidade do produto ou do serviço.
Por meio da seletividade, é possível efetuar uma distribuição mais justa da imposição
tributária sobre o consumo. Com certeza, não o será com a exatidão obtida no imposto de
renda das pessoas singulares, em que se acede de forma directa à capacidade económica
específica do contribuinte.
Contudo, no uso da seletividade, essa tentativa não de todo perfeita, repousa uma
possibilidade de utilizar o IVA como instrumento de diminuição das desigualdades sociais.

4.3. FIXAÇÃO DAS TAXAS DO IVA EM PORTUGAL

Conforme já mencionado, o IVA foi implantado em Portugal seguindo as diretrizes


comuns aplicáveis à comunidade europeia e, portanto, deve obedecer ao ordenamento
comunitário no que tange à fixação das taxas.
O Relatório Neumark, apresentado em 1962, recomendava a adoção do IVA a uma
taxa única em detrimento de várias taxas. Dentre as vantagens apontadas, a igualdade
tributária, a neutralidade económica e os menores custos de gestão indicavam que seria a
melhor opção num espaço económico formado por um grande número de estados.
No entanto, a realidade económica desses estados, com consideráveis diferenças de
desenvolvimento, não permitiu a adoção de uma taxa uniforme.
Em termos gerais, a atual Directiva comunitária5 prevê a adoção de uma taxa normal e
de até duas taxas reduzidas.


5
Directiva 2006/112/CE e alterações posteriores.

12

A taxa normal de IVA deve corresponder a uma percentagem do valor tributável, não
inferior a 15% e idêntica para bens e serviços (arts. 96º e 97º).
Os Estados-Membros podem adotar até duas taxas com percentual reduzido em
relação à taxa normal, não podendo assumir valor inferior a 5%, aplicáveis tão somente a bens
e serviços das categorias previstas em lista anexa (arts. 98º e 99º). Constam dessa relação, por
exemplo, produtos alimentares, produtos farmacêuticos, equipamento médico, entradas em
espaços culturais e competições esportivas, alojamento em hotéis e serviços de restauração.
Importante observar que entre os contemplados com a possibilidade de taxas
reduzidas, há bens e serviços que atendem necessidades essenciais (alimentos,
medicamentos), mas também outros relacionados a políticas econômicas e sociais.
Figuram ao lado desse regime geral um conjunto de disposições específicas e
temporárias que atendem situações particulares de determinados países e produtos, bem como
casos excepcionais anteriores à constituição do mercado único, prevendo, assim, o uso
limitado de taxas zero ou inferiores à 5%.
Resta claro, ainda, que não é permitida a adoção de taxas agravadas, isto é, taxas de
valor superior à taxa normal fixada.
Relevante, ainda, verificar os casos de isenção.
Isenção é a dispensa legal de pagamento de tributo. Nessas situações há a ocorrência
de facto gerador, isto é, embora determinado facto esteja abrangido na previsão legal abstrata
como passível de gerar tributação, a lei dispensa o seu pagamento.
Vasques (2017, p. 316) assim se refere à isenção no âmbito comunitário:

[...] encontramos na Directiva IVA um conjunto de isenções internas que são


motivadas por razões de ordem económica e social [...] Por outro lado, encontramos
na Directiva IVA um conjunto de isenções internas que se explicam por razões
técnicas [...]

No artigo 132º da Directiva IVA, constam as isenções com forte componente social e
caráter distributivo (saúde, assitência social, educação, cultura, etc). As isenções devidas a
razões técnicas estão listadas no artigo 135º e têm como justificativa dificuldades práticas de
aplicação (serviços financeiros, operações imobiliárias e jogos de azar).
Considerando a estrutura e os níveis das taxas do IVA adotadas na União Europeia,
surge uma constrição a comando constitucional em virtude da impossibilidade de onerar, por
meio de taxa agravada, os consumos de luxo, nos termos do artigo 104º. Este fato não passou
pela percuciente análise de Nabais (2015, p. 437):

13

[...] teria sido, a nosso ver , mais avisado, ter eliminado da Constituição essa
referência à oneração dos consumos de luxo, evitando assim colocar o legislador na
situação de incumprimento da referida imposição constitucional[...]

Nos termos do artigo 18º do CIVA, foi fixada a taxa normal em 23%, com duas taxas
reduzidas de 6% e 13%. Em relação às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, foram
estabelecidas taxas diferenciadas. Nos Açores, taxa normal de 18%, e reduzidas de 4% e 9%;
em Madeira 22%, 5% e 12%.
Ressalte-se que o tratamento diferenciado das regiões insulares consta de forma
expressa no artigo 105º, 2 da Directiva atual:

Portugal pode aplicar, às operações efectuadas nas Regiões Autónomas dos Açores e
da Madeira e às importações efectuadas directamente nestas regiões, taxas de
montante inferior às aplicadas no Continente.

Bens e serviços sujeitos a taxas reduzidas constam das Listas I e II, anexas ao CIVA.
Na Lista I, à qual se aplica a menor das taxas, abrange produtos alimentares essenciais, livros
e jornais, produtos farmacêuticos, aparelhos e utensílios para portadores de deficiência,
serviços e produtos ligados à produção agrícola e aquíquola, dentre outros. Na Lista II, sujeita
à taxa de 13%, 12% ou 9%, encontram-se, por exemplo, produtos alimentícios de maior valor
agregado, gasóleo agrícola, utensílios e alfaias agrícolas, entradas para espetáculos culturais e
instrumentos musicais.
O capítulo II do CIVA (arts. 9º ao 15º) contém o regime das isenções que, em termos
gerais, acompanha o sistema traçado na Directiva comunitária, muitas vezes repetindo com
exatidão os seus dispositivos. Alcança, assim, produtos e serviços de caráter eminentemente
social (serviços médicos. transmissão de órgãos, sangue e leite humanos; transporte de
doentes ou feridos; serviços ligados à assistência social; serviços educativos, culturais e
desportivos) e, por impossibilidade técnica, serviços financeiros, operações imobiliárias e
jogos de azar.
A aplicação de taxas inferiores às Regiões Autónomas demonstra a clara intenção de
diminuir a carga tributária local, de forma a promover a correção das desigualdes derivadas da
insularidade dessas áreas.
Embora esteja vedada a utilização da seletividade por meio da adoção de taxas
agravadas, houve a sua implementação por meio das taxas reduzidas e da isenção.
Produtos e atividades essenciais foram gravadas com menor ônus, ou mesmo
isentadas, de forma a privilegiar o consumo das classes mais necessitadas, buscando alcançar,
mesmo que de forma imperfeita, uma distribuição da carga fiscal mais justa, onerando com
maior rigor os economicamente mais afortunados.

14

5. CONCLUSÃO

No intuito de descobrir se as taxas de IVA adotadas em Portugal foram fixadas de


forma a atender a finalidade constitucional de diminuição das desigualdades sociais, este
estudo inicia com o levantamento das principais disposições constituicionais relativas à
justiça social.
Desse levantamento, resta clara a elevada carga valorativa concedida à correção das
desigualdades e à promoção da justiça social na Constituição portuguesa.
Prosseguindo a pesquisa, apurou-se como foi tratada a tributação do consumo na
legislação infraconstitucional. Verificou-se que o IVA é o principal imposto a onerar o
consumo e incide, de forma geral, sobre todas as transmissões de bens e prestações de serviço
realizadas em território nacional, alcançando todas as fases do circuito económico. Os
impostos especiais de consumo IABA, ISP, IT e ISV completam a tributação sobre o
consumo, são monofásicos e oneram bens também sujeitos ao IVA.
Visto o sistema de imposição fiscal sobre o consumo, o estudo se volta para o IVA,
iniciando com os seus princípios estruturantes, dentre os quais se destaca o princípio da
neutralidade que busca proteger a iniciativa privada e a livre concorrência.
No que tange aos efeitos distributivos do IVA, apesar da discussão se estes seriam
progressivos ou regressivos, é pacífico que em relação a parcela mais pobre da população o
seu efeito é regressivo. podendo ser utilizada a seletividade – onerar os bens e serviços
essenciais com menor intensidade que o consumo de luxo – para efetuar uma distribuição
mais justa da carga tributária e, assim, contribuir para uma maior justiça social.
Por fim, verificou-se que a legislação do IVA, sob influência do direito comunitário,
limita a liberdade de fixação de taxas, impedindo, inclusive, a ordem constitucional de onerar
com taxas agravadas os consumos de luxo. No entanto, apesar das restriçoes, foi adotada a
seletividade por meio da fixação de duas taxas reduzidas, e criou-se a isenção para bens e
serviços essenciais e de caráter social.
A partir da análise das informações obtidas nesta pesquisa, foi possível concluir que,
mesmo limitado pelas disposições comunitárias, o IVA foi desenhado de forma a onerar
diferenciadamente o consumo da população mais necessitada, garantindo uma maior
capacidade de consumo com a renda auferida.
Nesse sentido, dentro das possibilidades existentes, as taxas estabelecidas para o IVA
cumprem, no seu âmbito de atuação, a finalidade constitucional do Estado português de
realizar a justiça social.

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BIBLIOGRAFIA

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anotada. v.1. 2ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1984.
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anotada. v.1. 4ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007.
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v.1. Princípios gerais e fiscalidade interna. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2013. p. 17-49.
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VASQUES, Sérgio. O Imposto sobre o Valor Acrescentado. Coimbra: Almedina, 2017.

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