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TERESINA, PI
2009
FICHA CATALOGRÁFICA
Serviço de Processamento Técnico da Universidade Federal do Piauí
Biblioteca Comunitária Jornalista Carlos Castello Branco
CDD: 981.22
DEDICATÓRIA
Este trabalho analisa a família teresinense na década de 1950, tendo como pretexto o
discurso católico. A cidade, nesse período, era marcada por conflitos. De um lado, a
forte presença e influência da Igreja Católica nos aspectos sociais, educacionais e
culturais, e por outro, a intensificação na urbe de novidades modernas, que interferiram
diretamente no consumo cultural da família e nas identidades de gênero. Dessa forma, o
principal objetivo desta pesquisa é localizar e analisar a tensão entre as prescrições
católicas face aos consumos culturais, que eram plurais e não homogêneos, como
desejava a norma eclesiástica. Do ponto de vista teórico, esta pesquisa trabalha com
quatro conceitos: produto e consumo cultural; gênero e memória. Estas categorias foram
fundamentais para análises das fontes constituídas por jornais, crônicas, romances,
entrevistas, propagandas e documentos oficiais.
This work examines the family teresinense in the 1950s, using the Catholic speech as a
pretext. The city at that time was marked by conflict. On the one hand, the strong
presence and influence of the Catholic Church in social, educational and cultural
aspects, and on the other hand, the intensification in the city of modern news, which
interfere directly in the cultural consumption of family and identities of gender. Thus,
the main objective of this research is to locate and analyze the tension between the
Catholic requirements in the face of cultural consumption, which were varied and not
homogeneous, it wanted the standard church. From the theoretical point of view, this
research works with four concepts: product and cultural consumption, gender and
memory. These categories are fundamental for analysis of sources formed by
newspapers, chronicles, novels, interviews, advertising, and official documents.
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 10
4 A MOCIDADE ................................................................................................................. 69
4.1 Borboleteando ou a arte de flertar na P.II (Praça Pedro II) ............................................ 69
4.2 Muito além de “Evas” e “Marias”: representações femininas em Teresina ................... 72
4.3 Tertúlias no Clube dos Diários ....................................................................................... 80
4.4 As influências dos meios de comunicação: o star sytem e as revistas incidindo no
comportamento dos jovens .................................................................................................. 84
4.5 Os namoros: de olhos e de bolinação ............................................................................. 93
4.6 Noivados: relâmpagos .................................................................................................... 95
4.7 Futebol: prática machacaz? .......................................................................................... 108
1 INTRODUÇÃO
1
OLIVEIRA, Ângela Maria Soares de. Relações familiares em Teresina: múltiplas representações
(1940-1950). Teresina, 2006. 109 p. Monografia (conclusão de curso). Departamento de História e
Geografia, Universidade Estadual do Piauí.
2
Sobre essa afirmação ver FARIA, Sheila de Castro. História da Família e demográfica histórica. In:
CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e
metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p. 241-258.
3
SHORTER, Edward. A formação da família moderna. Lisboa, Portugal: Terramar, 1975. O autor
afirmou que a mola propulsora para a transformação de família tradicional para família moderna foi o
capitalismo, tendo com base de sustentação o surto do sentimento, este estava constituído em três áreas,
primeira, na escolha do parceiro (balizado não mais em relações de parentesco, ou fatores econômicos,
mas, em função do amor romântico), segundo, nas relações mãe-bebê (o surgimento do amor materno),
terceira, o sentimento em relação ao lar, este ligado a privacidade e intimidade entre casal e filhos, um
abrigo cheio de amor entre seus membros, neste item o autor definiu como domesticidade. Dessa forma,
é a partir destes três sentimentos é que nasceu a família moderna ou nuclear.
4
FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala. 45 ed. Rio de Janeiro: Record, 2001. Referência
obrigatória para os trabalhos que discutem a família.
5
IBIDEM.
6
COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica e norma familiar. Rio de Janeiro: Graal, 1979. Constitui o
primeiro livro publicado no Brasil ambientado na teoria de normalização de Michel Foucault sobre a
família, tendo por base os discursos médicos como sendo responsáveis pelo controle e ordenamento
familiar, no final do século XIX e início do XX, quando a família se modernizava, sendo prescrito como
único modelo válido e civilizador – a família burguesa – nuclear
7
ALMEIDA, Maria Suely Kofes et all. Colcha em retalhos: estudos sobre família no Brasil. São Paulo,
1982. Pesquisa que foi resultado da análise interdisciplinar nas ciências sociais; D´INCAO, Maria
Ângela (Org.). Amor e família no Brasil. São Paulo: Contexto, 1989. O livro tem como mote a noção de
amor romântico e as transformações nas relações familiares no Brasil.
11
características? Quais os meios que a Igreja utilizava para veicular essa prescrição? As
representações católicas durante o período em estudo eram as mesmas para os papéis
masculinos e femininos? De que forma, a Igreja Católica reagiu diante das pesquisas
realizadas sobre planejamento familiar, no período pós-guerras? Como os jovens casais
que contraíram matrimônio, no período em estudo, assimilaram o discurso católico
acerca da família? Podemos perceber conflitos entre as prescrições evangelizadoras de
um lado, e de outro, o consumo cultural que era feito daquelas prescrições?
Do ponto de vista teórico, esta pesquisa trabalhará com quatro conceitos, os
dois primeiros são de Certeau, produto e consumo cultural. O terceiro é gênero e o
quarto diz respeito, à memória.
O primeiro conceito diz respeito a produto cultural9, neste trabalho,
percebido como fala institucional, que, por meio de ordem, impõe uma concepção de
pensamento, portanto, produto cultural, será utilizado como sinônimo de estratégia,
prescrição ou norma.
A segunda variável diz respeito ao consumo cultural10, o consumo dos bens
culturais nunca é passivo, pelo contrário, é astucioso, disperso, “a norma é ao mesmo
tempo exercida e burlada”, tornando possível uma re-significação do produto cultural
que foi “imposto”. Portanto, neste estudo, consumo cultural terá como sinônimo táticas,
usos culturais, de forma que, ao usarmos, no decorrer do texto estas palavras, todas
remeterão ao mesmo significado. O consumo cultural não ocorre de forma homogênea
como a norma tentava impor, mas, através da dispersão, da pluralidade.
O terceiro conceito utilizado é gênero, enquanto categoria útil de análise
11
histórica , pois percebe o feminino e masculino como construções históricas e
culturais, portanto, plurais, e não como pares binários, por exemplo, de um lado,
dominação, do outro, submissão, justificando a diferença entre sexos a partir do
determinismo biológico, “o conceito pretende se referir ao modo como as características
9
Segundo CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. 5. ed. Tradução de
Ephram Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 2000, esses produtos culturais ou estratégias prescritivas visam
“criar lugares segundo modelos abstratos [...] capazes de produzir, mapear e impor” p.92.
10
O consumo dos bens culturais é ativo e plural, os homens comuns praticam a norma utilizando as
artes de fazer. Ver CERTEAU, Michel de. A cultura no plural. Campinas: Papirus, 1996 e CERTEAU,
2000.
11
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise história. Educação & Realidade. Porto Alegre.
vol.20, n.2, jul/dez. 1995, p. 71-99.
13
sexuais são compreendidas e representadas, ou, então, como são trazidas para a prática
social e tornadas parte do processo histórico12”.
Scott enfatiza que o conceito de gênero, desconstrói essa lógica binária da
representação do masculino e feminino, no entanto, “não é negada a biologia, mas
enfatizada, deliberadamente, a construção social e histórica, produzidas sobre as
características biológicas13”.
A partir da perspectiva relacional, que destaca os perfis de comportamentos
femininos e masculinos, se definindo um em função do outro, pois não podem ser
entendidas separadamente, pois são categorias historicamente construídas, ou seja, o
feminino e o masculino são ao mesmo tempo categorias vazias, porque não podem ser
fixas e transbordantes, porque podem ter espaço para a alteridade, ou seja, para as
múltiplas possibilidades.
A desconstrução binária que Scott enfatiza é um conceito pós-estruturalista
fundamentada em Michel Foucault14, o que nos convida a “duvidar” de tudo o que nos
parece natural, fixo, dado como essência, “sempre foi assim, desde que o mundo é
mundo”, como aquele que identificava a maternidade como essência natural a todas as
mulheres, ser mãe estaria inscrita em sua condição feminina, cuidar da casa, das
crianças e do esposo seria sua missão. A partir deste discurso, a mulher era identificada
ao espaço privado, enquanto que ao homem cabia prover a família, sendo que seu
espaço naturalizado era o ambiente público. A Igreja Católica se apropriou deste
discurso construído historicamente, para justificar suas prescrições em torno dos papéis
femininos e masculinos. O conceito de gênero supera a dicotomia ou determinismo
biológico nas relações de diferenciação entre os sexos.
O quarto conceito utilizado diz respeito à memória enquanto fenômeno
individual e social. É ao mesmo tempo fonte e fenômeno histórico. Utilizaremos, neste
trabalho, o conceito de memória na perspectiva Michel Pollak15, que analisa a memória
a partir de sua relação com a identidade social enfatizando seu caráter fluido e plural
relacionando-a com identidade, pois ambas têm caráter flexíveis.
12
LOURO, Guacira Lopes. A emergência do gênero. In: ________ Gênero, sexualidade e educação:
uma perspectiva pós-estruturalista. 7.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. p. 22 Gênero é um conceito que
lança uma perspectiva de análise histórica não só das mulheres, mas, também dos homens.
13
IBIDEM, p. 22
14
FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 5 ed., Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1997.
15
POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos, vol. 5, n.10, 1992. p.200-212.
14
Trabalhar com memórias significa ter consciência de que nós humanos não
nos lembramos de tudo o que ocorreu conosco, nos diferentes ambientes, seja no
familiar, escolar, social, público ou privado, é impossível “rememorarmos” tudo. Dessa
forma, quem trabalha com esse artefato precisa estar atento a sua característica de
seletividade, o que envolve também o esquecimento. Estes fatores nem sempre estão
relacionados com nossos desejos e intenções declarados, fazem parte da condição do ser
humano.
Quanto à metodologia, as fontes levantadas foram fontes hemerográficas,
tais como: O Dominical, O Dia, Folha da Manhã, Jornal do Comércio, Diário Oficial.
As fontes documentais são exemplificadas pelas Encíclicas Papais, o Manual das Filhas
de Maria; as crônicas; romances e as memórias. Como fontes não verbais utilizamos, as
imagens fotográficas e as propagandas veiculadas nos jornais pesquisados, nos sites e
principalmente nas revistas Seleções Readers Digest, Revista do Rádio e Vida
Doméstica. Além de fontes orais, recolhidas através das trajetórias de vida dos oito
entrevistados, sendo cinco mulheres e três homens.
Analisamos as fotografias e as propagandas aliadas a uma perspectiva
proposta por Ana Maria Mauad16, que afirma que elas podem representar, tanto uma
imagem-documento, quanto uma imagem-monumento. Procuramos perceber, nesta
pesquisa, apenas a característica de imagem-documento, pois essas fotografas e
propagandas informam sobre pessoas, lugares e diversos aspectos, materializados na
moda, nas condições de vida, na saúde, na higiene, contribuindo para a “veiculação de
novos comportamentos17”, já que possuem um imenso poder de comunicar e de induzir
a novos consumos.
Localizamos as fontes em instituições, como Arquivo Público do Estado do
Piauí, Centro Cultural Paulo VI e Arquidiocese de Teresina; em bibliotecas particulares,
como a do Monsenhor Luis Soares e a do Pe. Raimundo José; bibliotecas públicas,
como a Cromwell de Carvalho e a Francisco Montojos, do Centro Federal de Educação
Tecnológica. Pesquisamos, também, através da Internet, a rede mundial de
computadores.
Oito sujeitos narraram suas memórias, em forma de trajetórias de vida, os
quais, a partir das senhoras, passamos a apresentar.
16
MAUAD, Ana Maria. Através da imagem: fotografia e história interfaces. Tempo. Rio de Janeiro, vol.
1, n.º 2, 1996. p. 73-98
17
IBIDEM, p.83.
15
18
BASSANEZI, Carla. Mulheres nos anos dourados. In: DEL PRIORE, Mary (org). História das
Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2000. p. 607-639.
_______________. Revistas femininas e o ideal de felicidade conjugal (1945-1960). Cadernos Pagu, n.º
1. Campinas: UNICAMP, 1993. p. 111-147.
19
AZZI, Riolando. Família, mulher e sexualidade na Igreja do Brasil (1930-1964). In: MARCILIO, Maria
Luiza (org). Família, mulher, sexualidade e Igreja na História do Brasil. São Paulo: Edições Loyola,
1993. p.101-134.
20
CARDOSO, Elizângela Barbosa. Múltiplas e singulares: história e memória de estudantes
universitárias em Teresina (1930-1970). Teresina: FCMC, 2003.
17
mãe e esposa, enquanto aos homens cabiam o sustento da casa e o espaço púbico. As
prescrições, em forma de conselhos, veiculadas nessas publicações influenciaram as
mulheres de classe média, o que corroborava o pensamento católico acerca do feminino
e do masculino como categorias fixas e idéia “dominante” na sociedade.
Azzi analisa algumas das transformações pelas quais passaram a família e a
mulher na vida urbana e como a Igreja reagiu de forma conservadora, a partir do
desenvolvimento dos meios de comunicação social e de sua influência no lar,
oportunidades de lazer, descobertas de novos métodos anticoncepcionais, a preocupação
com o planejamento familiar, o que propiciava uma “maior liberdade feminina”, no
tocante à sexualidade, podendo controlar e planejar o número de filhos, e usufruir de
oportunidades de trabalho e de estudos.
Cardoso nos revela pontos de reflexões importantes sobre a cidade e os
investimentos familiares na escolarização das mulheres da classe média em Teresina,
que resultaram na profissionalização almejada, durante os chamados “anos dourados”.
Embora as trajetórias e caminhos percorridos tenham sido singulares, considerando o
período em que ocorreram, ficam demonstradas as possibilidades históricas de sua
existência.
O trabalho está estruturado em quatro capítulos. No primeiro, Teresina nos
anos dourados, apresentamos a cidade de Teresina na década de 1950, uma cidade
centenária com ares provincianos, mas que apresentava aspectos modernos, que
apontavam para padrões de consumo, que sinalizavam para a quebra de práticas
tradicionais e para a vivência de padrões morais questionadas pelos católicos.
Analisamos, também, a forma como a Igreja atuava na cidade, no sentido de tutelar a
população, avaliando sua influência no campo educacional, social e cultural. Da mesma
forma mostramos as mudanças que estavam ocorrendo no período, complexificando o
cenário urbano.
„problema‟ dos menores abandonados, que de infância desvalida passaram a ser caso de
polícia. No último tópico, analisamos as transformações que ocorreram no corpo das
crianças, ao se transformavam em adolescentes, bem como suas trajetórias educacionais
nesta nova fase da vida.
No terceiro capítulo intitulado A Mocidade, apresentamos os lugares de
sociabilidades que os jovens freqüentavam, como, por exemplo, praças, cinemas,
quermesses. Clube dos Diários, nos quais nasceram compromissos que se configuraram
em casamentos. Problematizamos as regras do namoro, a duração do noivado, as
influências das revistas (Vida Doméstica, Revista do Rádio e Seleções do Reader’s
Digest) e do cinema no comportamento dos jovens, percebidos também através das
modas, dos produtos de beleza e higiene pessoal consumidos. Analisamos, também, os
modelos femininos e masculinos socialmente prescritos e culturalmente consumidos,
seus respectivos valores dominantes e os usos plurais em relação ao corpo e
sexualidade.
No quarto capítulo intitulado Relações familiares, estudamos as relações
familiares, delineando as diferenças e desigualdades nos papéis de gênero no interior do
casamento. Discutimos o paradigma da “rainha do lar” propagado no período, assim
como também questões relacionadas ao controle de natalidade, os embates em torno da
indissolubilidade do matrimônio. Finalizando, apontamos mudanças nas relações
familiares, a partir da inserção da mulher da classe média no mercado de trabalho e do
seu ingresso no ensino superior.
19
1
DOBAL, Hindemburgo. Roteiro sentimental e pitoresco de Teresina. In:______: obra completa II. 2
ed. Teresina: PLUG, 2007. p. 12.
2
A CIDADE de Teresina. O Dominical, Teresina, p.6, 14 de jan. de 1951.
20
3
NASCIMENTO, Francisco Alcides do. Cajuína e cristalina: as transformações espaciais vistas pelos
cronistas que atuaram nos jornais de Teresina entre 1950 e 1970. Revista Brasileira de História. São
Paulo, v. 27, p. 195-214, nº 53, 2007.
4
MARTINS, Gilberto. Guia de Teresina. Teresina: Gráfica do IBGE, 1959, p.15-6
21
difícil imaginar que a convivência entre católicos, protestantes e espíritas estava longe
de ser harmônica e pacífica.5
No ano de 1952, a capital do Piauí completou cem anos de fundação, alguns
poucos cronistas de olhares atentos sobre a cidade, mostravam-se ressentidos com os
trabalhos da Comissão do Centenário, que tentara „maquiar‟ a cidade para a festa do
centenário. Expressavam seu desabafo lembrando que a cidade precisava de obras de
infraestrutura e saneamento, eliminação da imagem de cidade esburacada, cheia de lixo
e lama tanto no inverno como na seca6.
Para as festividades de comemoração do Centenário de Teresina, foram
organizadas subcomissões encarregadas das festas religiosas, organizadas pelos padres
Hermínio Davis e Joaquim Chaves; a parte cultural ficou a cargo dos senhores Des.
Cromwell Barbosa de Carvalho, Prof. Antillhon Ribeiro Soares e Sr. Joel de Oliveira.
Essas subcomissões organizaram missas, festas e recepções de caráter cívico e religioso,
que ocorreram, na cidade, em agosto de 1952. A seguir a foto do arco decorativo alusivo
ao centenário de história da capital piauiense (1852-1952), montado na Praça Pedro II,
ao fundo do arco decorativo estava o Quartel Geral de Polícia.
Fonte 1: Arco decorativo alusivo ao Centenário (1952). In: FERNANDES, João Claudino. Teresina: 1852-2002.
Teresina: Halley, 2002. p. 13.
5
DOBAL, 2007, p.25.
6
POBRE Teresina. Jornal do Comércio, Teresina, p.4, 20 de jan. de 1952.
22
popularmente conhecida por Elvira Pagã. A imprensa noticiou sua vinda, “Elvira Pagã:
a mais cara atriz de revistas do Brasil estreará no próximo dia 26 na 1ª Feira de
Amostras do Piauí7”, depois, o silêncio permaneceu na imprensa, na maioria dos
jornais, com a exceção do jornal A Luta. Essa cantora de rádio costumava apresentar seu
show com trajes reduzidos, o que provocou o clero piauiense, o qual chegou a proibir a
entrada de Elvira Pagã em terras piauienses8.
A Igreja Católica, usando de sua força e prestigio na cidade, conseguiu fazer
com que o contrato assinado para a apresentação da artista Elvira Pagã, na Feira de
Amostras do Centenário fosse cancelado. A Igreja não admitia o nu artístico, de acordo
com o discurso católico esta arte iria contra a moral das famílias. Como aquela
instituição, além de fazer parte das comemorações do Centenário, possuía uma enorme
influência na cidade, vetou a vinda da artista Elvira Pagã, embora o poder de proibir
qualquer apresentação pública fosse atribuição da Delegacia de Trânsito e Costumes da
capital,
7
ELVIRA Pagã. O Dia, Teresina,p.2, 20 de jul. de 1952.
8
A IGREJA condena vinda de Elvira Pagã. A Luta. Teresina, p.1, 20 de jul. de 1952.
9
O CASO Elvira. A Luta. Teresina, p.3, 26 de jul. de 1952.
23
participou de inúmeros filmes, com destaque para Carnaval de Fogo (1949), no qual
afrontava a moral cristã, no teatro de rebolado e nas chanchadas.
Para alguns Elvira Olivieri Cozzolino era considerada ousada para a época,
atribuem a ela o fato de ter inaugurado o uso do biquíni entre as mulheres no Brasil. Fez
shows por todo o Brasil, na década de 1950, e no exterior era conhecida como The
Original Bikini Girl e The Brazilian Buzz Bomb10.
As décadas de 1940 e 1950 representaram o auge da era do rádio no Brasil,
com programas de auditórios, radionovelas, momento que foram editadas algumas
revistas sobre o rádio, como por exemplo, a Revista do Rádio.
10
Sobre a vida da atriz ELVIRA Pagã. Disponível em:
http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20080525090716AAUJdYw>. Acesso em: 04 de jun. de
2008.
11
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico: população,
habitação; censos econômicos: agrícola, industrial, comercial e de serviços. Rio de Janeiro, 1950.
24
12
COELHO, Celso Barros. Entrevista concedida a Ângela Maria Soares de Oliveira. Teresina, 21 de
junho de 2008.
13
PROTESTANTISMO. O Dominical, Teresina, p.2, 18 de jul. de 1948, p.2.
14
EMPOSSADO um novo Pastor da Igreja Presbiteriana de Teresina. Jornal do Comércio, Teresina,
p.1, 16 de mar. de 1952.
25
15
O ESPIRITISMO: inimigo novo. O Dominical, Teresina, p. 4, 17 de maio de 1952.
16
Funcionava no bairro Piçarra, nasceu da iniciativa da União dos Moços Católicos em parceria com o
Estado.
17
COMO se deve combater o espiritismo. O Dominical, Teresina, p.1, 17 de dez. de 1950.
18
OLIVEIRA, Marylu Alves de. A Cruzada antivermelha - democracia, Deus e Terra contra a força
comunista: representações, apropriações e práticas anticomunistas no Piauí na década de 1960. Teresina:
Universidade Federal do Piauí, 2008. p. 264 (Dissertação de Mestrado)
26
discurso católico como ponto central da vida em sociedade. Diante disso a estratégia da
Igreja Católica foi reforçar e divulgar o discurso no qual a família era representada
como a célula mater da sociedade, da religião e do Estado. O perfeito funcionamento da
religião e do Estado dependeria da boa saúde da família.
19
A FAMÍLIA. O Dominical, Teresina, p.1, 08 de jan. de 1956.
20
Livro que constitui a síntese do pensamento católico acerca da família. BRUCCULERI, Pe. Ângelo S.
J. A família cristã. Tradução feita por Luis Leal Ferreira, Rio de Janeiro: Agir, 1948. (Coleção Servir,
vol. 1)
21
FAMÍLIA, a base de transformação social. O Dominical, Teresina, p.4, 17 de out. de 1954.
27
22
JUIZ de menores de Teresina. O Dominical, Teresina, p.3, 08 de mar. de 1959. (grifo nosso)
23
NEGROMONTE, Padre Álvaro. Máquinas de corrupção infantil. O Dominical, Teresina, p.1-4, 06 de
jul. de 1952.
28
filmes, os espetáculo teatrais, que poderiam ser vistos e lidos pelas crianças e jovens,
como também sua divulgação nos meios de comunicação.
A imprensa teresinense noticiava com muita ênfase, a instalação da Legião
da Decência em Teresina, que contava com a colaboração de boa parte da sociedade,
como também de administradores do poder público estadual, o que demonstrava que
quanto mais pessoas importantes da sociedade comparecessem à solenidade, mais
prestigio ela teria:
24
SERÁ instalada oficialmente nesta capital a Legião da Decência. Jornal do Comércio, Teresina, p.1,
05 de jan. de 1950.
29
Lourdes, o Pão dos Pobres de Santo Antônio e o Centro Social N. S. de Fátima, todos
em Teresina, da mesma forma funcionavam, também, em quase todas as Paróquias as
Escolas de Corte e Costura, os Clubes de Mães, as Organizações Operárias e as
Conferências Vicentinas25.
A ASA organizava curso de formação de casais para a classe média, que
morava no centro da cidade, como também para as famílias que moravam nas áreas
periféricas. O curso era destinado aos noivos, e tinham por finalidade dar instruções
religiosas sobre como deveria ser a educação religiosa, moral e profissional feminina.
Nesses cursos, o trabalho feminino era valorizado, desde que fossem atividades
realizadas no próprio lar, como por exemplo, as de costureiras ou bordadeiras, através
das quais a mulher auxiliava seu esposo no sustento da casa. Mas preferencialmente,
deveriam ser verdadeiras rainhas do lar, dedicando-se aos filhos, ao marido e à casa.
Os conteúdos dos cursos versavam sobre “ornamento do lar, higiene e
enfermagem, bordado a mão, corte e costura, culinária26”, requisitos essenciais a todas
as mulheres que iriam casar. Elas deveriam também ter noções de economia doméstica,
saber organizar seu lar, deixá-lo harmonioso, ter noções de puericultura, para cuidar
melhor da higiene e saúde dos filhos, item bastante importante, pois, no período em
estudo, a mortalidade infantil era muito alta.
No tocante à assistência materno-infantil existia, na cidade, além dos dois
postos de puericultura localizados nos bairros Vermelha e Vila Operária, o Posto Nossa
Senhora de Lourdes, com Clube das Mães, e o Posto Santo Antônio na Paróquia de
Nossa Senhora das Dores, a participação da instituição católica era bem aceita, visto que
nas áreas suburbanas, onde as taxas de mortalidade infantil eram altíssimas, essa
assistência caritativa e instrucional, para as mães no cuidado com os bebês, foi
significativa.
Quanto ao setor cultural e educacional, os trabalhos da Arquidiocese
também se destacavam, seja através da fundação da Sociedade Piauiense de Cultura,
uma das responsáveis pelo funcionamento da Faculdade de Filosofia do Piauí. Havia
ainda, sob a responsabilidade direta ou indireta da Arquidiocese, vários
estabelecimentos de ensino, dentre eles, podemos citar: o Seminário, o Colégio São
Francisco de Sales, o Colégio Sagrado Coração de Jesus, o Patronato Dom Barreto e o
Educandário N. S. do Amparo. A manutenção do jornal O Dominical, com uma tiragem
25
MARTINS, 1959, p. 50.
26
A ASA encerra mais um curso de formação familiar. O Dominical, Teresina, p.1, 02 de nov. de 1958.
30
de 1.800 exemplares também era uma importante atividade cultural desenvolvida pela
Arquidiocese27.
O Patronato Dom Barreto foi fundado em 1944, dirigido pelas Irmãs
Missionárias, localizava-se à Rua Benjamin Constant, 1575, proporcionando educação
religiosa, moral, profissional e social para moças teresinenses, através de cursos, como
Primário, Profissional de Bordado, Flores, Corte e Costura, Arte Culinária e
Horticultura, além de cursos particulares de Desenho e Pinturas, e de Datilografia.
Assim como o Colégio das Irmãs, o Patronato Dom Barreto era destinado à formação
das moças de elite. O Patronato tinha por objetivos dois pilares fundamentais,
“a educação religiosa e moral das jovens e a formação doméstica e profissional [através
de uma] aprendizagem de economia doméstica, puericultura, higiene alimentar,
corte/costura e bordado28” considerados pelo discurso católico como alicerces de uma
formação integral para a função de dona de casa.
Os cursos oferecidos pelo Patronato Dom Barreto, na década de 1950, à
população feminina eram os seguintes: Jardim da Infância, que funcionava anexo ao
Patronato, o Curso Primário e o Curso de Admissão ao Ginásio, Profissional e Curso de
Alfabetização, único que não era pago. Para atender as classes pobres, foi fundado
também um curso gratuito à tarde, porém com a mesma eficiência de ensino, havendo
apenas a exigência no uniforme,29 todos os cursos enfatizavam a educação feminina
para o lar.
A educação feminina nos colégios católicos, seja internato, externato ou
semi-internato, utilizavam-se de um importante instrumento com o objetivo de manter
as jovens dentro dos padrões religiosos e morais desejados pelo discurso católico: a
Associação das Filhas de Maria, existente nas paróquias e nos educandários
confessionais, através da qual as jovens se comprometiam em manter a virgindade até o
casamento, assim como usufruir de uma educação voltada para formação de rainha do
lar, concentrada em atividades manuais, de economia e de prendas domésticas.
Em Teresina a Pia União das Filhas de Maria, criada em 190930, era outra
estratégia de ação católica, que desempenhava importante papel na formação cristã das
mulheres. As Filhas de Maria deveriam ter comportamento assisado31, terem modéstia,
27
MARTINS, 1959, p. 50.
28
ESTATUTO do Patronato Dom Barreto. Diário Oficial, Teresina, p.2-3, 16 de mar. de 1953.
29
PATRONATO Dom Barreto, O Dominical, Teresina, p.4, 25 de jan. de 1959.
30
JUBILEU de ouro da Pia União Filhas de Maria. O Dominical, p.4, Teresina, 09 de jun. de 1959.
31
Ajuizado
31
decoro, enfim, seguir o modelo da Virgem Maria. A principal virtude para uma moça de
família, ensejada pela moral cristã, era a restrição aos impulsos da sexualidade, sendo a
pureza o seu principal ornato,
32
A PUREZA. O Dominical, p.5, Teresina, 28 de jul. de 1950.
33
Item que trataremos no 3º capítulo que trata da mocidade.
34
HOBSBAWN, Eric. A era dos extremos - O breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Cia das Letras.
2001. p. 253-282.
32
Ferreira dos Santos35, os anos 1950 “não deveriam terminar”, a identidade nacional,
associada ao futebol, era inventada a partir do refrão “com o brasileiro não há quem
possa”, marchinha que consagrou a primeira vitória da seleção brasileira de futebol,
como campeão mundial, na Suécia.
O Brasil estava sendo atravessado pela onda desenvolvimentista promovida
pelo Governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira (1956-1961), que deu início à
implantação da indústria automobilística, com a bandeira de modernização do país.
Quando JK assumiu a presidência da República, em 1956, prometeu modernizar o
Brasil, ao estabelecer o Plano de Metas “50 em 5”, implementado na política de
desenvolvimento industrial. Abriram-se, então, as portas para o capital estrangeiro,
ampliando a participação do Estado e dos investimentos privados na economia do país.
Segundo Paul Singer36, a partir de 1956, no Brasil houve uma expansão do
capitalismo monopolista (multinacional e estatal), quando o então presidente da
República acelerou o processo de industrialização do país, especialmente, a partir da
implantação da indústria automobilística, “a aceleração industrial entre 1957 e 1962 foi
de 11,9 em média por ano37”.
Em 1958, a fábrica alemã Volkswagen liberou a primeira propaganda do
Fusca, na Revista Manchete, carro fabricado no grande ABC Paulista. A camioneta ou
perua modelo DKW Vemag saiu pelas ruas com metade das peças feitas no Brasil.
Também foram lançados, no país, naquele ano, o rádio a pilha e o primeiro barbeador
elétrico38. O desenvolvimentismo no governo JK, além de transformar o cenário
econômico nacional, trouxe novas estradas, construiu novas hidroelétricas, desenvolveu
e acelerou a indústria automobilística.
Os anos dourados do Brasil foram também o período das Revistas de Teatro,
que, em 1958, passavam a ser Teatro Rebolado das vedetes, especialmente as de Carlos
Machado e de Walter Pinto. Uma das trinta peças apresentadas, naquele ano, era Que
pedaço de mau caminho. Havia também as chanchadas, que eram filmes populares de
comédia e muitas danças sensuais com mulheres bonitas, carnaval e piadas.
35
SANTOS, Joaquim Ferreira dos Santos. Feliz 1958: o ano que não devia terminar. 2 ed. Rio de Janeiro:
Record, 1998, p.9
36
SINGER, Paul. Interpretação do Brasil: uma experiência histórica de desenvolvimento. In: PIERUCCI,
Antônio Flavio de Oliveira et al. O Brasil republicano: economia e cultura (1930-1964). 3. ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. p. 209-245. (História Geral da Civilização Brasileira)
37
IBIDEM, p.225.
38
SANTOS, op.cit, p. 20
33
“Os rádios haviam descoberto uma dupla vocação: primeiro criar mitos,
depois penetrar e divulgar com estardalhaço os detalhes palpitantes de suas vidas
privadas39”, na década de 1950, através de Mexericos da Candinha, o povo sabia das
principais informações ou detalhes da vida pessoal e amorosa de seus ídolos. Esta era
uma coluna de notas-fofocas lançada na Revista do Rádio, no ano de 1958.
Foto 3: Revista do Rádio, n.º 495, p.51, 14 de mar. de 1959. Foto 4: Revista do Rádio, n.º 495, p.13, 14 de
mar. de 1959.
39
SEVCENKO, Nicolau. A Capital irradiante: técnica, ritmos e ritos do Rio. _________ (org). História
da vida privada no Brasil: 3. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p.591.
40
OSCAR FILHO. Jockey Clube. Folha da Manhã, Teresina, p.5, 07 de ago. de 1959.
34
Foto 5: O Dia, Teresina, p.5, 06 de dez. de 1953 Foto 6: O Dia, Teresina, p.4, 22 de Ago. de 1957.
41
JÓQUEI Clube do Piauí. O Dominical, Teresina, p.4, 14 de set. de 1952.
42
PACHECO, Álvaro. Eis que a cidade cresce. O Dominical, Teresina, p.2, 20 de fev. de 1958.
43
TERRENO nos “Noivos”. O Dia, Teresina, p.6, 13 de jul. de 1958.
35
Foto 7: Seleções do Reader’s Digest, nº 148, p.195, Maio, 1954. Foto 8: Seleções, nº 148, p.176, 1954.
44
MODERNAS camionetes DKW em Teresina. O Dia, Teresina, p.6, 29 de nov. de 1956.
45
Sobre esse assunto ver MELO, João Manuel C. de. ; NOVAIS, Fernando A. Capitalismo tardio e
sociabilidade moderna. In: NOVAIS, Fernando (coordenador Geral da coleção); SCHWARCZ, Lilia M.
(organizadora do volume). História da Vida Privada no Brasil 4: contrastes da intimidade
contemporânea, São Paulo: Cia das Letras, 1998. p. 561-618.
46
TITO FILHO, José de Arimathéa. Crônicas. Teresina: Gráfica Júnior, 1990, p.9.
36
47
TITO FILHO, José de Arimathéa. Memorial da cidade verde. Teresina: COMEPI, 1978, p.32.
48
AEROPORTO de Teresina. Folha da Manhã, Teresina, p.6, 05 de jul. de 1959.
49
ABREU, Irlane Gonçalves de. Teresina revisitada: lembranças de Teresina. SCIENTIA ET SPES:
Revista do ICF, vol. 1, nº 2. Teresina: ICF, 2002, p.208
50
ABREU, 1996, p.58
37
51
CARVALHO, Afonso Ligório Pires de. Outros tempos. Brasília: Thesarus, 2002, p.54.
52
TERESINA, cidade erma. Jornal do Comércio, Teresina, p.3, 31 de jan. de 1952.
53
INDICADOR profissional. Jornal do Comércio, Teresina, p.6, 13 de jul. de 1952.
54
ROSEMBERG, Fúlvia, A LBA, o Projeto Casulo e a Doutrina de Segurança Nacional. In: FREITAS,
Marcos Cezar de Freitas (org.). História Social da Infância no Brasil. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2006.
p.151
38
55
FREITAS, Pedro de Almendra. Mensagem apresentada a Assembléia Legislativa do Estado
referente ao ano de 1952. Teresina: Gráfica O Dia, 1953. p. 91
56
IBIDEM, p. 70
57
PEREIRA, André Ricardo. A criança no Estado Novo: uma leitura na longa duração. Revista
Brasileira de História. vol. 19, n.º 38, 1999. p. 171
39
58
FREITAS, 1953. p. 72.
59
TERESINA, cemitério de crianças. O Dominical, Teresina, p.1, 29 de out. de 1959.
40
1
BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Tradução Waltensir Dutra,
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
2
LIMA, Santa Cruz. Mães solteiras. O Dia, Teresina, p.5, 08 de mar. de 1959.
41
3
ESPOSA e mãe. O Dominical, Teresina, p. 3, 25 de dez. de 1949.
4
IDEM.
5
BADINTER, 1985, p.13-4
6
IBIDEM, p.15
7
ATIROU o filho no Rio Poti: a mãe desnaturada confessa o horroroso infanticídio. Folha da Manhã,
Teresina, p.6, 16 de fev. de 1958.
42
8
RECÉM nascido encontrado na Praça João Luiz Ferreira. Folha da Manhã, Teresina, p.6, 21 de jul. de
1959.
9
CRIANÇA devorada pelos cães – Infanticídio. Folha da Manhã, Teresina, p.4, 08 de jan. de 1959.
43
Foto 10: Seleções do Reader’s Digest, p.178, nº 148, maio de 1954 Foto 11: Seleções, p.179, maio de 1954
10
VACINA o bebê! Agora, antes que seja tarde. Jornal do Comércio, Teresina, p.3, 17 de out. de 1952.
44
11
VACINA o bebê! Agora, antes que seja tarde. Jornal do Comércio, Teresina, p.3, 17 de out. de 1952.
12
SEMANA da criança. Jornal do Comércio, Teresina, p.4, 17 de out. de 1952.
13
PROTEJA o futuro do seu bebê em seu primeiro ano de vida. Jornal do Comércio, Teresina, p.2, 05
de jan. de 1952.
45
Foto 12: SEUS filhos estão imunizados? Jornal do Comércio, Teresina, p.3, 07 de set. de 1950.
14
SEUS filhos estão imunizados? Jornal do Comércio, Teresina, p.3, 07 de set. de 1950.
46
15
AS MOÇAS de branco: você as conhece? Jornal do Comércio, Teresina, p.2, 17 de out. de 1952.
(grifo nosso)
16
DOS HÁBITOS adquiridos na infância dependerá o caráter do seu filho. Jornal do Comércio,
Teresina, p.4, 06 de out. de 1951.
17
IDEM.
18
COMO cuidar do bebê. Jornal do Comércio, Teresina, p.2, 23 de nov. de 1952.
47
percebidos, criados e cuidados, desde os mais diversos aspectos, como, por exemplo, a
alimentação, a saúde, o bem-estar, o tomar banho, o dormir. O discurso médico
prescrevia novas e modernas formas de se perceber o corpo do infante como frágil,
necessitando, pois, de cuidados especiais.
19
PIO XI. Divini Illius Magistri. Educação Cristã da Juventude. Roma, 31 de dez. de 1929. Disponível
em<http://www.vatican.va/holy_father/pius_xi/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_31121929_divini-
illius-magistri_po.html>. Acesso em: 30 de jun. de 2008.
20
IDEM.
21
Retornaremos a esse assunto no último tópico neste capítulo quando mencionaremos as trajetórias
educacionais dos adolescentes.
48
22
LOURO, Guacira Lopes. A construção escolar das diferenças. In: ___________. Gênero, sexualidade
e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. 7. ed. Petrópolis, 2004. p. 57-87.
23
SILVA, Iracema Santos Rocha da. Entrevista concedida a Ângela Maria Soares de Oliveira.
Teresina, 18 de junho de 2008.
24
CASTELO BRANCO, Teresa de Albuquerque Vilarinho. Entrevista concedida a Ângela Maria
Soares de Oliveira. Teresina em 12 de junho de 2008. (Grifo nosso)
25
PERROT, Michelle. O Corpo. In: __________. Minha história das mulheres. Tradução Ângela M. S.
Correa. São Paulo: Contexto, 2007, p.43
49
ser esposa, mãe, dona de casa. Corroborando tal afirmação, dona Teresa Castelo Branco
nos informou que, aos seis anos, aprendeu a bordar.
26
CASTELO BRANCO, 2008.
27
CARVALHO, O. G. Rego de. Ficção reunida. 4. ed. Teresina: Corisco, 2003. p. 50
50
Nas memórias de José Arimathéa Tito Filho, sua infância também foi
marcada por muitos banhos no rio Parnaíba e por brincadeiras influenciadas pelos
filmes de caubói e de aventura a que assistiu, no cine Royal29.
José Nazareno Araújo, também, nos relata sobre sua infância, ora jogando
futebol na Praça da Igreja Sebastião Martins, em Floriano, ora empinando papagaio,
denominado por ele de surur e/ou tomando banho no riacho, chamado Japim, onde
passava as tardes brincando, depois de ter frequentado a escola, no turno da manhã30.
As praças também eram locais de lazer da meninada, especialmente quando
foi instalado um parque infantil, na Praça João Luiz. Faltavam, porém, parques e outras
áreas de diversões para as crianças, nos bairros mais populosos da cidade, como:
Vermelha, Piçarra, Matadouro, Vila Operária, Porenquanto31.
Nas praças as crianças, além de jogar futebol, também brincavam de imitar
cenas vistas nos filmes de caubói, conforme nos informa Afonso Ligório Pires de
Carvalho,
“Mulher não freqüentava a sessão”. Não era somente o cinema que estava
proibida às meninas. O rio era outro local marcado pela diferença de gênero, pelo
menos, para meninas da classe média. Não era recomendado às meninas os banhos de
28
ABREU, 2002. p. 210.
29
TITO FILHO, José de Arimathéa. Teresina meu amor. 4. ed. Teresina: COMEPI, 2002.
30
ARAUJO, José Nazareno Entrevista concedida a Ângela Maria Soares de Oliveira. Teresina, 22 de
fevereiro de 2008.
31
PARQUES Infantis. Folha da Manhã, Teresina, p.5, 13 de mar. de 1959.
32
CARVALHO, 2002. p.85-6
51
rio, pois o local era considerado espaço de promiscuidade, embora fosse um local
freqüentado por mulheres como as lavadeiras, que ali exerciam um trabalho. Era, no rio
também que as classes menos favorecidas tomavam banho, pois o serviço de água
encanada constituía privilégio de poucos. Mas, de modo geral, tomar banho de rio era
uma prática interdita ao sexo feminino33.
Essas diferenças de gênero expressas nas brincadeiras começavam a se
diluir no final da década de 1950. O brinquedo que favorecia ou sugeria a igualdade
entre o feminino e o masculino era a bicicleta, que, em meados da década de 1930,
período em que se passou a infância da senhora Iracema Silva, andar de bicicleta era
proibido. Em 1958, quando começava a se ampliar, nas lojas da cidade, a venda da
bicicleta, percebemos o quanto esta promoveu a aproximação entre os sexos:
33
CASTELO BRANCO, 2008.
34
ABREU, 1996, p. 58
35
IDEM
52
38
FRIEDAN apud BADINTER, 1985, p. 326
39
CÓDIGO de Menores. Decreto n.º 17.943 A, de 12 de outubro de 1927. Consolida as leis de
assistência e proteção a menores. Rio de Janeiro. Disponível em
<http://www.ciespi.org.br/base_legis/baselegis_view.php?id=76 > Acesso em: 15 de fev. de 2009.
40
VITORINO, José. O problema dos menores abandonados. O Dia, Teresina, p.4, 06 de maio de 1956.
41
TÓPICOS e Notícias. O Dia, Teresina, p.4, 06 de maio de 1956.
42
SILVA, Francisco Cunha e. Menores abandonados. O Dia, Teresina, p.6, 13 de jul. de 1958.
54
E sob esta percepção, o Juiz Heli Ferreira Sobral fixou a Portaria sobre
menores vadios e a mendicância, definindo as formas de repreensão e, principalmente,
de detenção disciplinar.
Como os menores resistiam quanto a “receber instruções ou a se entregar a
trabalho proveitoso e útil, vagam pelas ruas, praticando a mendicância44”, observamos
diferentes imagens quanto à representação da infância. A imagem daquela que se estava
tentando disciplinar com trabalho era totalmente diferente da imagem da infância da
classe média, por exemplo, em que as crianças passavam o tempo estudando e
brincando despreocupadamente. No entanto, para as crianças que viviam pelas ruas, era
prescrito que elas trabalhassem, assim como também eram interditadas as brincadeiras
que faziam nas ruas, pois eram consideradas ilícitas pelas autoridades, como por
exemplo, “tomando trazeiros de veículos ou praticando o „Foot-Ball‟ na via pública ou
jogando dados nas calçadas45”, as crianças que fossem encontradas nas ruas „praticando‟
essas brincadeiras seriam levados à detenção e apresentada ao Juiz de Menores, que
tomaria as “providências cabíveis”.
As fontes policiais, veiculadas na imprensa reafirmavam a imagem dos
menores abandonados, tal como eram representados pelo judiciário. Observem-se os
relatos a seguir:
Menor transviado
Sádicos
43
OS MENORES vadios e a mendicância. Folha da Manhã, Teresina, p.4, 29 de jan. 1959.
44
IDEM.
45
Isto é o que fixava o 1º parágrafo da Portaria sobre os menores vadios e a mendicância, deliberada em
Teresina pelo Juiz de Menores de Teresina – Heli Ferreira Sobral. OS MENORES vadios e a
mendicância. Folha da Manhã, Teresina, p.4, 29 de jan. de 1959.
46
MENOR transviado. Coluna Na Ronda das Ruas. Folha da Manhã, Teresina, p.5, 20 de ago. de 1959.
55
- Não acha nosso filho muito grande para esses cachos? [...] minha
mãe nada respondeu [...] iremos aqui perto, falou meu pai [quando
retornaram], papai tentou fazê-la sorrir, dizendo que eu ficara até
bonito assim de cabelo curto [...] só depois de alguns dias pôde
conformar-se e vestir-me e a pentear-me como um homenzinho48
49
CARVALHO, 2003, p. 51.
50
IBIDEM, p. 70-1
51
IBIDEM, p. 51
57
revelar sua fraqueza. Por isso, Ulisses, para não ser excluído do grupo, fingia gostar do
cigarro, embora a fumaça lhe causasse tonturas e mal-estar.
A aproximação com o sexo oposto ocorria nas festas realizadas nas escolas,
como, por exemplo, nas comemorações ou festas nos educandários. Em outubro, havia
o aniversário do Liceu Piauiense, bem como a eleição para a rainha dos estudantes,
daquele colégio. A aproximação entre meninos e meninas também ocorria nos desfiles
comemorativo do feriado de 7 de setembro, inicialmente, nos treinos, que começavam
ainda no mês de agosto, no qual, os alunos do Liceu Piauiense52, do Colégio das Irmãs,
do Diocesano e da Escola Industrial, desfilavam pelas ruas e avenidas da cidade53.
Outra forma de aproximação entre os alunos, desta vez dos colégios de
orientação católica, como o Colégio das Irmãs e o Colégio Diocesano, era através das
procissões, o que constituía raras oportunidades, que deveriam ser aproveitadas ao
máximo:
52
Colégio Estadual, como era chamado no período em estudo.
53
ABREU, 2002.
54
IBIDEM, p. 217
55
CARVALHO, 2003, p. 63.
58
56
CERTAS coisas que sua filha deve saber. Seleções do Reader’s Digest n. º 148, p. 103, maio de 1954.
59
temporada na fazenda de sua tia, na cidade de Porto, onde teve sua primeira aventura
amorosa. Dentro do mato, amou uma negra velha57.
Sobre educação sexual, a Igreja se pronunciou a partir de um discurso do
Papa Pio XII, dirigido aos pais de família, no qual alertava os pais sobre os perigos da
iniciação sexual, que os jovens estavam tendo acesso através de leituras, em revistas ou
romances.
Para a Igreja se alguém tivesse que instruir os filhos sobre educação sexual,
teria que ser os próprios pais e não a escola ou revistas em geral. Em síntese, a fase
específica da vida na qual as crianças passam da infância à adolescência é marcada por
mudanças de hábitos e comportamento, bem como pela inserção em grupos ou ainda
nas maneiras de se vestir, além de transformações significativas no corpo – o despertar
da sexualidade.
57
TITO FILHO, José de Arimathéa. Crônicas. Teresina: Gráfica Júnior, 1990. p. 43
58
RELAÇÕES entre a família e o Estado – iniciação sexual. O Dominical, Teresina, p.4, 04 de nov. de
1951.
59
PIO XI. Divini Illius Magistri. Educação Cristã da Juventude. Roma, 31 de dez. de 1929. Disponível
em <http://www.vatican.va/holy_father/pius_xi/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_31121929_divini-
illius-magistri_po.html>. Acesso em: 30 de jun. de 2008. (Grifo nosso)
60
solução seria a adoção das mesmas estratégias do inimigo, e para isso, o ideal seria
conhecer as suas armas e saber manuseá-las ao seu favor. A difusão de boas leituras e a
promoção de espetáculos verdadeiramente educativos, criando teatros e cinematógrafos
onde as virtudes cristãs fossem valorizadas e propagadas60. É com esse intuito que a
União dos Moços Católicos de Teresina mantinha um programa radiofônico intitulado
Avante Mocidade, tendo, posteriormente, iniciado uma campanha de quase dois anos
para a construção do Cine São Tarcísio, onde seriam exibidos filmes condizentes com
os princípios católicos. Após a publicação da encíclica Divini Illius Magistri, a Igreja
Católica centrou seu discurso na formação educacional de crianças e, principalmente
dos jovens.
A seguir, passamos a apresentar algumas trajetórias escolares na
adolescência.
Marize Marques Martins de Araujo nasceu em 1932, na cidade de Floriano.
Aos 11 anos de idade migrou para o Ceará para estudar o 5º ano ginasial no Internato
das Irmãs Dorotéia, escola de caráter confessional, onde passou 8 anos como aluna
interna de 1943 a 1951, concluindo o Curso Normal aos 19 anos, mas nunca chegou a
exercer o magistério. Parte de sua infância e toda sua adolescência foram vividas, ou
melhor, moldadas, dentro dos padrões morais cristãos. Retornou à sua cidade natal
apenas em 1952.
No Internato das Irmãs Dorotéias, o ensino era permeado pelas doutrinas
católicas expressas nas práticas diárias das internas, nos controles dos horários e das
atividades, que eram rigorosas.
60
PIO XI. Divini Illius Magistri. Educação Cristã da Juventude. Roma, 31 de dez. de 1929. Disponível
em <http://www.vatican.va/holy_father/pius_xi/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_31121929_divini-
illius-magistri_po.html>. Acesso em: 30 de jun. de 2008.
61
ARAÚJO, Marize Marques Martins de. Entrevista concedida a Ângela Maria Soares de Oliveira.
Teresina, 22 de fevereiro de 2008.
61
década de 30 e início da década de 40, “chegou a conclusão de que a melhor coisa que
poderia fazer era botar os filhos para estudar62”, o que demarcava uma mudança na
perspectiva sociocultural sobre a infância e a importância dada à escolarização63, como
procedimento para constituição da individualização da criança, visto que os filhos do
primeiro casamento não estudaram, somente os do segundo casamento.
Em 1946, depois que a irmã mais velha de Teresa Castelo Branco concluiu
o ginásio na cidade de Floriano. Para prosseguir nos estudos, partiu para Teresina, para
fazer o Curso Normal, levando a irmã Dona Teresa, em sua companhia.
Ao chegar a Teresina, começaram a estudar no Colégio Sagrado Coração de
Jesus – Colégio das Irmãs, que funcionava em regime de internato, semi-internato e
externato. Inicialmente era para ser interna na escola64, mas seu pai, além de manter as
duas filhas em outra cidade para estudar, tinha que custear também as suas despesas, em
uma pensão, pois não possuíam parentes para acomodá-las na cidade enquanto
estudavam, “nós morávamos em uma pensão de pessoas conhecidas nossas [...] era uma
pensão só de moças, era muito animado, ficávamos na frente da pensão conversando65”.
Em dezembro de 1949 retornou a Amarante66, dando oportunidade para suas
irmãs mais novas fazerem o mesmo percurso educacional. Voltando a sua cidade natal,
não conseguiu trabalhar no magistério. Contudo o rumo de sua história mudaria em
julho de 195067.
Iracema Santos Rocha da Silva nasceu em 1927, na cidade de Floriano. Em
1932, por falta de escolas na cidade, toda a família migrou de Floriano para a cidade de
Teresina, em razão de seu irmão mais velho, Antônio Santos Rocha precisar prosseguir
seus estudos. Em 1935, Iracema, então com 7 anos, iniciava o primário no Colégio das
Irmãs, na modalidade de externato, onde permaneceu até concluir o Curso Normal, aos
19 anos, em dezembro de 1946.
V.G.F.N nasceu na cidade de Parnaíba, em 27 de julho de 1926. Quarta filha
de uma família de dez irmãos, foi a primeira das filhas a ter a oportunidade de estudar,
62
CASTELO BRANCO, 2008.
63
Segundo ARIÈS, ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro:
LTC, 1981. Infância e escola são duas invenções modernas.
64
Era regime de internato e de externato. A princípio era para eu ficar no regime de internato, mas, então
ficava muito caro para o meu pai manter. CASTELO BRANCO, 2008.
65
IDEM.
66
Em 1949 eu fui embora, por questões financeiras, voltei para Amarante para ver se conseguia um
concurso, um emprego de professora. Quando eu fui para lá, vieram outras duas irmãs estudar aqui em
Teresina. CASTELO BRANCO, 2008.
67
Quando então retornava a Teresina para casar-se com o uemeceista e vicentino José Ferreira Castelo
Branco.
62
pois, “naquele tempo, não era obrigado a moça estudar, minhas irmãs, mais velhas não
estudaram68”. Para seu pai, não havia necessidade de investir nos estudos da mulher,
pois, seu “destino natural” era o lar. E para isso, não precisaria de diplomas, somente
possuir prendas domésticas, ou seja, saber fazer trabalhos manuais para melhor
desempenho de sua função social tradicional: esposa, mãe e dona de casa.
Eu não fazia nada de arte, eu não era para bordar ou costurar, não
gostava de trabalhos manuais, eu era só para estudar, fui a primeira da
família a estudar, fui a primeira que fez ginásio e pedagógico. Naquele
tempo, não era obrigado a moça estudar, minhas irmãs mais velhas
não estudaram [...] eu tinha uma prima professora [ela] disse para meu
pai „se você não pagar, eu pago o colégio para V. G. F N‟, e assim
ficou combinado com meus pais. No entanto, fiz as provas para
estudar no Colégio Nossa Senhora das Graças, ai eu tirei o primeiro
lugar, e, então, era dada a chance de estudar um ano de graça, e no
segundo ano, o meu pai já foi entendendo, que eu queria mesmo
estudar 69.
68
V.G.F.N. Entrevista concedida a Ângela Maria Soares de Oliveira. Teresina, 04 de outubro de
2007.
69
IDEM.
70
BASSANEZI, 2000. p. 609.
63
Foto 14: Colégio Sagrado Coração de Jesus na década de 1950 (Fonte: MARTINS, 1959, p.114)
A instrução religiosa que as alunas recebiam era uma espécie de guia a ser
seguido na vida da mulher, a quem, depois de constituir uma família, cabia formar os
filhos de acordo com os princípios cristãos. A função-missão da mulher era transmitir e
preservar os valores e crenças cristãmente recebidos, bem como viver aplicando os
ensinamentos religiosos, para a consolidação do projeto vencedor do cristianismo na
sociedade. Por isso, a ajuda da mulher na preservação „da saúde‟ da Igreja Católica era
fundamental, da mesma forma que na recristianização da sociedade. “O destino de
nossa época está nas mãos da mulher73”.
No entanto, essa rigidez na vigilância e no controle da educação oferecida
pelas Irmãs causava, por vezes, não a resignação, mas, burlas bastante interessantes,
como por exemplo, a construção de paródias e da atribuição de apelidos a professores e
às próprias Irmãs.
Nós as internas
Com as externas
Somos maiorais
Pois na hora da saída
É das internas
Que eles gostam mais
Não precisa ter vergonha
Pode mostrar
O seu joelho
72
CARVALHO, Miriam O. Jales de. Pequena história das alunas internas do Colégio Sagrado
Coração de Jesus: 1937-1944. Teresina, 2002. p.4-5
73
O DESTINO de nossa época está nas mãos da mulher. O Dominical, Teresina, p. 3, 30 de jan. de 1955.
65
74
CARVALHO, Miriam, 2002. p. 6-7.
75
ARAUJO, Jose Nazareno. Entrevista concedida a Ângela Maria Soares de Oliveira. Teresina, 22 de
fevereiro de 2008.
76
Em 1942 o Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, fez uma reforma que alterou as
seriações do Ensino Secundário (Ginásio), antes da reforma o ensino ginasial era de 5 anos, destes 2 anos
eram os estudos complementares, eram determinados pelas carreiras que desejassem seguir, havia o pré-
médico, pré-jurídico. Depois da Reforma, o Ensino Secundário passou a ser de 4 anos. O colegial podia
ser clássico, este se destinava aos estudos humanísticos, como direito e filosofia, dentre outros; e o
científico, para aqueles que iriam para as carreiras médicas e técnicas, como medicina e engenharia. Para
mais informações ver BRITO, Itamar de Sousa. História da Educação no Piauí. Teresina: EDUFPI,
1996.
66
Manoel Paulo Nunes era o filho mais velho de uma família de 11 irmãos.
Em 1938, com apenas 12 anos de idade, migrava para Teresina, onde iniciou o curso
ginasial no Colégio Diocesano, concluindo em 1943. No ano seguinte, iniciava o
Colegial Clássico, no Liceu, e no ano de 1950, tornava-se bacharel em Direito pela
Faculdade de Direito do Piauí - FADI.
Celso Barros Coelho era o filho mais velho de uma família de 7 irmãos. Aos
12 anos, depois que ficou órfão de pai, começou a trabalhar no comércio de sua tia
Arica Leal, permanecendo até os 16 anos, quando então conseguiu uma bolsa de estudos
para o Seminário na cidade de Teresina.
Celso Barros permaneceu no Seminário até 1945, quando então resolveu
não prosseguir mais como seminarista. Contava então, 23 anos. Dessa forma, começava
a conhecer a cidade, pois “enquanto estava no Seminário desconhecia a vida social e a
vida noturna de Teresina. Só depois de 1945 é que pude entrar em contato com a vida
cotidiana da cidade77”, percebia uma urbe que pulsava nas praças, em especial, a Pedro
II, considerada a praça dos namorados, “ninguém que quiser conhecer o mundanismo da
cidade, olhar as moças ou conseguir uma namorada, não poderá deixar de vir a esta
praça78”.
Como ainda não era oficializado o ensino do Seminário, e por ser de caráter
doutrinário e não ginasial, em 1946, Celso Barros refaz todo o curso através de um
exame de todas as matérias do currículo ginasial. As provas foram realizadas no Liceu
Piauiense. Aprovado, iniciava o curso Clássico no Colégio Diocesano. No mesmo
período que fora aluno do Colégio Diocesano também começava sua experiência no
magistério do Colégio Demóstenes Avelino.
A escola, ao separar meninos e meninas, produziu diferenças, distinções,
desigualdades, mecanismos de classificações, hierarquias79. Ela também realçava as
diferenças sociais, pois, durante o período em estudo, ter acesso a escola era privilégio
de poucos, conforme nos confirmou Manoel Paulo Nunes,
lar através do cuidado com crianças, e também da casa, para isso nas escolas
confessionais contavam com as disciplinas de higiene ou puericultura para lhes ensinar
o que deveria saber uma rainha do lar. Eram ensinados, ainda, trabalhos manuais, com
agulhas, para aumentar mais o rol das prendas femininas. Enquanto isso, os homens
estavam presentes nos cursos científicos, de caráter propedêutico, com a preparação
para o vestibular, o que facilitava o acesso aos cursos superiores.
69
4 A MOCIDADE1
[...] foi na Praça Pedro II, onde se costumava rodar à espera do cinema
[que] saímos e nos pusemos a observar as garotas que iam passando à
nossa esquerda, em sentido contrário. Numa dessas vezes senti que
alguém me olhava; procurei descobrir quem era, mas a jovem fugiu e
não pude ver-lhe o rosto [...] a seguir fomos os três para um canto da
praça [...] Conceição procurou meus olhos com os seus, assustada de
um castanho vivo. Amanhã irá as barraquinhas? – Indagou. Disse-lhe
que sim [...] ao voltar para casa, indaguei de mim [...] por que não
1
Neste trabalho não usamos o termo juventude para designar, rapazes e moças, por se tratar de um nome
historicamente utilizado para demarcar os movimentos estudantis de 1960, portanto, uma invenção da
década de 60. Neste trabalho usaremos a palavra mocidade para designar a fase compreendida entre a
infância e a idade adulta.
2
DOBAL, p.16-8.
70
Foto 15: Parte baixo da PII onde moças giravam de um lado e rapazes de outro
(Fonte: Arquivo Público)
3
CARVALHO, 2003. p. 81-3.
4
PACHECO, Álvaro. A praça. Folha da Manhã, Teresina, p.2, 26 de jan. de 1958. (grifo nosso)
71
feira, o sábado e o domingo, nos quais as bandas de música da Polícia Militar ou do 25º
Batalhão de Caçadores tocavam das sete às nove da noite.
No círculo maior, o movimento começava mais cedo, mas a agitação
melhorava apenas às 19 h, momento no qual o passeio de dentro começa a se encher
com as mais society. Não havia moça sem namorado que ficasse em casa e nem moça
sem namorado que deixasse de ariscar conseguir quem sabe, um pretendente naquela
noite5. Os olhares, as conversas, enfim, os flertes estavam no máximo de animação. No
entanto, quando a corneta soava no quartel da Polícia, localizado em frente à Praça
Pedro II, anunciando que eram 21 h, parecia que um vento muito forte tinha passado na
praça, pois, de repente, os vestidos coloridos desapareciam6.
Os flertes ou as paqueras também ocorriam durante os desfiles do 7 de
Setembro, momento no qual se reuniam as principais escolas da cidade, e todos os
jovens se encontravam. No entanto, como a parada ocorria somente uma vez ao ano, as
memórias inventariadas foram unânimes em apontar a Praça Pedro II, como o palco
principal para paquerar que “naquela época era chamado flertar, um ficava olhando para
o outro, os olhos diziam tanto coisa, mesmo de longe, flertar era tão maravilhoso, logo
todos tinham boa visão, como era bom esse tempo7”. Dessa forma, era comum o
namoro iniciar, na Pedro II, através dos flertes. Os romances que nasceram na praça, em
muitos casos, resultaram em casamentos.
“O movimento começa às sete, às oito cresce com a gente que sai dos
cinemas e às nove, termina8”, pois às 21 horas a Usina Elétrica apitava informando que
a cidade ficaria às escuras. Reforçando o recado, o Quartel de Polícia, localizado em
frente à Praça Pedro II, tocava a corneta, era a hora da “onça beber água”. Em nome da
moral e dos bons costumes, era prudente que as moças retornassem as suas casas, visto
que a iluminação na cidade era precária, posto que, dos 208 logradouros, apenas 28
eram iluminados totalmente, e a partir das 21 horas, a Usina era desligada. A moral
sexual feminina era bem demarcada com horário rígido para chegar à casa dos pais.
Quanto aos rapazes, depois que deixavam suas namoradas em casa, desciam
à zona do meretrício da cidade, situada na Rua Paissandu9. As moças que resolvessem
5
PACHECO, Álvaro. A praça. Folha da Manhã, Teresina, p.2, 26 de jan. de 1958.
6
IDEM
7
SILVA, 2008.
8
DOBAL, 2007, p.16-8
9
Para saber mais ver a dissertação de SÁ FILHO, Bernardo Pereira de. Cartografia do prazer: boemia e
prostituição em Teresina (1930-1970). Dissertação, 2006, 161 f. (Programa do Mestrado em História da
Universidade Federal do Piauí).
72
ficar na praça, depois de soado o apito do quartel, passavam a ser mal faladas, no
entanto, as mais atrevidas, ficavam até as dez, na sorveteria, afrontando as orientações
paternas10.
Para conhecer a cidade dos jovens, era preciso respirar os ares da Praça
Pedro II e perceber detidamente detalhes de como sua arquitetura era apropriada pela
juventude. Na prática, eram duas praças, a de cima e a de baixo, que separavam ou
diferenciavam as jovens, na parte de cima ficavam as curicas, as empregadas
domésticas, as ditas mal faladas, na parte de baixo, as moças de família11.
I.
10
DOBAL, 2007, p.16-8
11
SILVA, 2008.
12
DOBAL, op.cit. p.16-8
73
Stuart Hall nos alerta para o fato de que não existem identidades fixas,
essencialista, consideradas naturais, pelo contrário, por ser um fenômeno cultural e
histórico, uma mesma pessoa possui identidades em transformação, fluidas e plurais,
muitas vezes contraditórias18. No entanto, determinadas instituições tentam constituí-
las, instituí-las, ou amarrá-las à fixidez, como na representação de Eva ou Maria.
O Colégio das Irmãs, de formação católica, ensino elitista e, exclusivamente
para moças de famílias abastadas da capital piauiense e cidades do interior do Piauí e
Maranhão, foi idealizado para formar religiosas e /ou esposas “verdadeiramente
cristãs19”. Nesta escola havia uma associação religiosa exclusiva para as moças a Pia
União Filhas de Maria.
Dentre os apostolados da Igreja que destacam o culto à Virgem Maria, havia
a Pia União Filhas de Maria, que teve origem no século XII e ganhou força no Brasil em
fins do século XIX20, quando chegou ao país o Manual de Orientações da Associação
Filhas de Maria, para que os bispos lessem, adotassem e divulgassem em suas dioceses,
como ocorreu em Pernambuco em 1886, pelo bispo diocesano Dom José Pereira da
Silva Barros.21
No Piauí, a Pia União Filhas de Maria iniciou suas atividades em 190922, e
consistia numa associação religiosa, dirigida somente às jovens, para devoção à Maria
Santíssima. As associadas deveriam procurar ter comportamento que se enquadrasse
dentro de rígidos princípios morais e espirituais, conforme preceituado nas normas da
associação. Entre as prescrições, estavam: a prática cotidiana da fé católica, a
preservação da virgindade, a modéstia no comportamento, o que diferenciava, segundo
o discurso católico, uma moça “Filha de Maria” das outras, na sociedade.
Nas reuniões das Filhas de Maria era obrigatório o uso da farda completa,
composto por vestido branco com mangas longas, fita azul, uso do véu, medalha, e uso
de meias compridas, símbolos que identificavam uma “mortificação do corpo”. A
18
HALL, 2004.
19
MANUAL da Pia União Filhas de Maria. Organizado pela Federação das Filhas de Maria do Rio de
Janeiro. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1959. De acordo com o Manual os preceitos cristãos que a
legitimam com essa denominação são os seguintes: virtude, mesmo depois de casada, modéstia, piedade,
obediência aos pais ou qualquer outro superior, assim como “diligência no cumprimento dos deveres
domésticos” p.15
20
IBIDEM, p.12 Esse manual servia de modelo para normalizar todas as Pias Uniões existentes nas
paróquias.
21
SILVA, Maria de Fátima Santana da. A Pia União das Filhas de Maria da cidade de Goiana (1900-
1920). Recife: FASA, 2007 (Dissertação, 117 p., Universidade Católica de Pernambuco). p. 84-5.
22
Durante todo o ano de 1959 a imprensa católica destacou o Jubileu de Ouro da 1ª Turma (1909) da Pia
União Filhas de Maria do CSCJ (BODAS de ouro da Turma de 1909 da Pia União Filhas de Maria do
Colégio Sagrado Coração de Jesus. O Dominical, Teresina, p.2, 26 de jun. de 1959.)
75
Foto 17: Acervo particular de dona Teresa Albuquerque Vilarinho Castelo Branco na Praça
Pedro II, aos 17 anos, vestida com a pesada e calorenta farda do Colégio das Irmãs
No ensino tradicional cristão do Colégio das Irmãs era prescrito que a moça
deveria ser contida, reservada, não assumir hábitos de vaidade que deixasse
transparecer a pretensão de ser bonita e desejada, através do uso de maquiagem, de
23
SILVA, 2008.
76
unhas pintadas ou pela utilização dos cabelos soltos. O cabelo deveria estar preso ou sob
a forma de trança. Michelle Perrot, ao analisar o corpo feminino, conclui que os cabelos
são um símbolo de feminilidade e, que, no imaginário cristão, estão relacionados à
sedução. Por isso, as prescrições cristãs sempre procuram mantê-lo guardado por véus
ou presos, sendo soltos apenas em momentos íntimos em que a sedução poderia se fazer
presente 24.
A vaidade, tão comum às adolescentes, era censurada para as Filhas de
Maria, como também a todas as alunas do Colégio Sagrado Coração de Jesus. O uso de
“pinturas no rosto” era proibido, no entanto, na prática, as alunas faziam uso de astúcias,
como nos informou dona Teresa Castelo Branco: “[...] quando as alunas saiam do
Colégio, tiravam uma bolsinha para se pintar, com batom ou pó25”.
Dona Teresa, em consonância com as prescrições católicas, teve seu corpo
“fabricado, moldado”, com reflexos, até hoje, conforme seu relato, no que diz respeito à
sua forma de vestir:
24
PERROT, Michelle. O corpo. In: _________. Minha história das mulheres. Tradução de Ângela M.S.
Carneiro. São Paulo: Contexto, 2007. p.57
25
CASTELO BRANCO, 2008.
26
IBIDEM.
27
AZZI, 1993, p. 113
77
O Retiro do Colégio das Irmãs não foi, este ano, apenas em Retiro das
Filhas de Maria [...] a vasta capela daquele educandário naqueles três
dias repletos de Filhas de Maria, membros de outras associações
femininas e de grande número de outras jovens católicos [...] foi um
belo espetáculo [...] justamente quando centenas de outras jovens se
entregavam – degradando-se aos licenciosos prazeres do carnaval 30.
28
ARAÚJO, Marize Marques Martins de. Entrevista concedida a Ângela Maria Soares de Oliveira.
Teresina, 22 de fevereiro de 2008.
29
IBIDEM, 2008.
30
O RETIRO das Filhas de Maria. O Dominical, Teresina, p. 4, 26 de fev. de 1950.
78
31
QUEM segue a Maria jamais se desvia. O Dominical, Teresina, p. 4, 29 de maio de 1949.
32
CUNHA, Maria Teresa Santos. Armadinhas da sedução: os romances M. Delly. Belo Horizonte:
Autêntica 1999. p.126
79
33
SILVA, 2008. (grifo nosso)
34
NOSSO dever. O Dominical, Teresina, p.3, 10 de set. de 1950.
35
IDEM.
80
Foto 18: COMO aprender a dançar. Jornal do Comércio, Teresina, p.3, 28 de dez. de 1952.
36
LEIA isto antes de dansar (sic). O Dominical, Teresina, p. 4, 13 de nov. de 1955.
81
Sevcenko afirma que a Primeira Guerra Mundial deu impulso a danças com ritmos
frenéticos37. No Brasil esse ritmo frenético fez nascer as chanchadas e companhias
teatrais, como a Marquise Branca.
Nos relatos dos depoentes também aparecem informações que nos ajudam a
pensar e a entender o universo dos bailes freqüentados pela mocidade, na década de
1950.
Tinha Valsa, tinha Fox, era uma música americana, mas muito lenta
que a gente dançava, era muito boa para dançar, quando a gente se
excedia, dançava de rosto colado. Eram musicas de um ritmo muito
bom, depois surgia a rumba, tinha marchinhas também39.
40
COELHO, 2008.
41
SILVA, 2008. (grifo nosso)
83
lento”, havia todo um protocolo que os rapazes tinham que cumprir para “tirar” a moça
para dançar,
42
ARAUJO, José, 2008.
43
RIBEIRO, Pedro S. Club dos Diários. Teresina: Halley, 2003. p.86-7
44
IBIDEM, p.88.
84
Foto 19: Revista Vida Doméstica, n.º 341, p. 74, ago. de 1946.
45
SEVCENKO, 2004, p.599
46
IBIDEM, p.602.
47
PROUST, Antoine. A família e o individuo. In: __________; VICENT, Gérard. História da Vida
Privada 5: da Primeira Guerra a nossos dias. Tradução Denise Bottman, São Paulo: Companhia das
Letras, 1992. p. 98
85
O cuidado com a cútis, com o corpo, não era privilégio apenas feminino, os
homens também cuidavam da sua aparência, para agradar as conquistas, conseguir um
emprego, mais uma vez, o cinema teve papel fundamental. Segundo Nicolau Sevcenko,
o cinema de Hollywood provocou um impacto tão profundo, mudou comportamentos,
padrões de beleza, de consumo provocando mudanças, possivelmente, nunca antes
experimentadas pela humanidade48. Os produtos indispensáveis da toalete masculina,
passavam a ser: barbeador, sabonete, talco, creme para a barba, loção facial, loção,
brilhantina e loção fixadora. A “aparência atrai”, a publicidade proclamava que os
homens bem barbeados, além de conquistar a pretendente, também ajudava em uma
entrevista de emprego.
Foto 20: Seleções do Reader’s Digest, nº 148, p.205, maio de 1954. Foto 21: Jornal do Comércio, Teresina, p.3,
17 de set. de 1950.
48
SEVCENKO, 2004, p.602
86
sugestão. No início do século XX, ela estava voltada ao espaço público, e sem recorrer a
imagens, a publicidade dizia mais e sugeria menos. Até que ela descobre o universo
privado e passava a modelar o seu cotidiano.
49
PROUST, 1992, p.146-8
50
AZZI, 1993, p.102
87
51
COELHO, 2008.
52
A UMC em marcha: cinema católico. O Dominical, Teresina, p.4, 05 de abr. de 1950.
53
UM CINEMA católico. O Dominical, Teresina, p, 4, 16 de jul. de 1950.
54
PIO XI. Vigilante Cura. Sobre cinema. Roma, 1936. Disponível em:
<http://www.vatican.net/holy_father/pius_xi/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_29061936_vigilanti-
cura_po.html> Acesso em: 08 de fev. de 2008.
88
61
DEL PRIORE, Mary. Da modinha a revolução sexual. In: ___________. História do amor no Brasil.
2. ed. São Paulo: Contexto, 2006. p.283
62
ARAÚJO, José, 2008.
63
O MAU cinema, escola de perversão da mocidade. O Dominical, Teresina, p.3, 20 de mar. de 1955.
64
SILVA, 2008.
91
Foto 22: Dorothy Lamour no papel de princesa da selva no filme The Jungle Princess –
Princesa das selvas 1936), uma história sobre Tarzan65.
A moda era outro filão que acompanhou o cinema e fez a cabeça e os corpos
de homens e mulheres, podemos confirmar isso, nos anúncios e nas matérias das
revistas, divulgados no período. A moda começava a se democratizar, a calça começava
a deixar de ter um sexo correspondente, passava a ser unissex. “A evolução das roupas
traduz a diluição dos papéis e das posições sociais66”, tornando o masculino e o
feminino iguais. Essa mudança nos trajes afetava alguns setores tradicionais da
sociedade, que não concordavam com tais mudanças, assim como também essa moda
chegava a assustar os homens “se a mulher passa a fazer o papel dos homens, quem vai
fazer o papel das mulheres?”
65
Sobre cinemas nos anos dourados consultar.
<http://rcmendonca.spaces.live.com/category/CINEMA/feed.rss>. Acesso em: 28 de jul. de 2008.
66
PROUST, 1992, p.138
67
MULHER vestida de homem. O Dominical, Teresina, p. 3, 21 de nov. de 1948.
92
Foto 23: Folha da Manhã, Teresina, p.4, 16 de fev. de 1958. Foto 24: Folha da Manhã, Teresina, p. 5,
19 de jan. de 1958
68
MODAS imorais. O Dominical, Teresina, p.3, 09 de dez. de 1956.
69
A RESPONSABILIDADE moral da mulher cristã. O Dominical, Teresina, p.2, 04 de dez. de 1955.
93
70
V.G.F.N, 2007.
71
IDEM.
72
TITO FILHO, 2002, p. 56-7
94
Com meu marido, nós não tivemos namoro, pois foi tudo muito
rápido, eu ia sempre para a Igreja de Nossa Senhora do Amparo,
durante a noite no período das quermesses. Nas quermesses, comecei
a receber alguns telegramas, naquela época o rapaz fazia o bilhete e
pedia para alguém entregar para a moça que ele queria namorar. Nesse
período eu tinha sido Rainha dos Estudantes, em 1947, e nos
telegramas, ele, meu marido, dizia que eu seria a eterna rainha dos
estudantes dele, se declarando para mim, e eu não sabia quem era,
pois no período eu namorava outra pessoa. [José Maranhão]
telefonava lá para casa, e dizia: “te vi hoje sorrindo, jogando os
cabelos, conversando com tuas amigas, no relógio da Praça Rio
Branco” foi dessa forma, que ocorreu meu namoro com meu futuro
marido, e um dia ele me ligou e pelo telefone perguntou: “se eu queria
casar com ele?”. Eu disse que queria, mas, antes preciso te conhecer.
Nós marcamos para nos encontrarmos na Igreja da Praça Saraiva, a
matriz, Igreja Nossa Senhora das Dores, isso foi em 13 de abril de
1947. Eu o vi neste dia, e neste mesmo dia, ele disse que à noite iria
me pedir em casamento ao meu pai77.
O noivado não deveria demorar muito, visto que este último requeria
cuidados maiores e especiais, pois era percebido como “uma época perigosíssima”, era
preciso maior vigilância sobre os noivos, incitando-lhes que o melhor a fazer nessa
76
CARVALHO, 2003, p.84
77
SILVA, 2008.
96
época, era se afastar, dos momentos perigosos e tentadores, dessa, forma, os noivos
eram alvo de prescrições diretas e objetivas, como a seguir,
era mais virgem? Ser mulher era fazer muitas perguntas e nem sempre
achar respostas razoáveis82.
82
SANTOS, 1998, p.49
83
TITO FILHO, 2002, p.52 (grifo nosso)
84
SANTOS, op.cit. p. 51
85
LEITE, Cristina. Minha nova Aída. Folha da Manhã, Teresina, p.2, 31 de maio de 1959.
86
SANTOS, op.cit., p. 58
98
87
IBIAPINA, Fontes. Palha de arroz. 4. ed., Teresina: Corisco, 2004. p.138-9.
88
VICENT, Gérard. Segredos de família. In: __________; PROUST, Antoine. História da Vida Privada
5: da Primeira Guerra a nossos dias. Tradução Denise Bottman, São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
p.253
99
89
CARVALHO, 2003, p. 185-7.
90
TITO FILHO, 1990, p.40
100
Moças para casar versus moças para brincar, assim os homens classificavam
as moças de forma binária. No imaginário social, as artistas, em geral, tinham „fama‟ de
serem brinquedinhos masculinos, como demonstrava a crônica a seguir,
91
TITO FILHO, José de Arimathéa. Sermões aos peixes. Rio de Janeiro: Arte Nova S.A, 1975. p.38-9
92
O CASAMENTO do prefeito. O Dia, Teresina, p.4, 17 de jan. de 1954.
101
desapropriados a uma moça de família, por serem desertos ou por ter plantações e muito
mato, serem distantes do centro da cidade e dos olhos da sociedade.
Teresina, na década de 1950, nas memórias dos entrevistados, “praticamente
se limitava da Igreja Nossa Senhora do Amparo à Igreja Nossa Senhora das Dores”, era
o centro histórico, que ficava longe dos bairros, considerados periferia, como:
Vermelha, Porenquanto, Piçarra, Mafuá.
o clube das guabirabas era mais uma criação da política, muito mais
do que uma realidade. Guabiraba era uma fruta, que havia na
periferia da cidade e diziam que as moças iam namorar escondido,
mas, isso era mais uma exploração de adversários políticos, era na
verdade, uma difamação94.
As moças mal faladas eram para passar o tempo, para divertimento, não
eram levadas a sério, o destino delas já estava traçado. Para alguns difamadores elas,
nunca casariam, todavia, segundo Celso Barros Coelho “falava-se mal delas, difamavam
essas moças [entretanto] todas elas se casaram e bem”.
O que queremos mostrar diz respeito não à significação do que foi ou
deixou de ser o clube das guabirabas, segundo o que já foi descrito, mas nos
reportarmos ao modo como a cidade via os comportamentos modernos, pois, na
93
SILVA, 2008.
94
COELHO, 2008. (grifo nosso)
102
Teresina dos anos 1940 e 1950, uma mulher que dirigia seu próprio carro e saía para
passear com seu namorado, era considerado uma “perdida” que, certamente, já havia
perdido a virgindade
Retornando ao noivado, este tinha como regra básica a rapidez, pois um
noivado longo “maculava” a reputação da moça, portanto, pais e a própria sociedade
pressionavam para que os casamentos ocorressem o mais rápido possível. Para alguns
havia prazo estipulado de “seis meses.” Segundo Celso Barros Coelho, o noivado não
poderia demorar muito tempo, e, por isso os pais da noiva entravam logo em ação:
cobravam e estipulavam datas para a organização do casamento, “meu sogro deu prazo
de seis meses para o casamento”, os pais agiam dessa forma, em sinal de prudência,
“prevenção”,
Meu pai não deixava as filhas ficarem noivas muito tempo, fui
noivando e casando logo. Eu o conheci em abril em 1947, em
novembro de 1947 nos casamos. Meu pai tinha certas prevenções, em
não deixar as filhas ficarem noivas muito tempo95.
Nos pedidos de noivado, era comum o pai do noivo fazer o pedido para o
pai da noiva. Quem nos confirma esse costume é o senhor José Araújo, que ficou noivo
de Marize Araújo: “lembro que meu pai passou prontíssimo às 16 h, de paletó e gravata,
para a casa do Dr. Sebastião Martins para fazer o pedido96”.
No noivado de Dona Iracema Silva com José Maranhão, como os pais do
noivo não estavam presentes, ele mesmo fez o pedido ao seu futuro sogro. Este antes de
conceder a permissão, perguntou à filha Iracema, se era realmente o que ela queria,
advertindo de que, mesmo que ela aceitasse, ele, seu pai, faria uma investigação da vida
de José Maranhão. Como este era caixeiro viajante, poucos o conheciam.
José Maranhão foi vestido todo de terno de linho com sapato de duas
cores, elegante, todo nervoso, fumando, ele foi conhecer meus pais e
me pedir em casamento. Meu pai disse que iria fazer um
levantamento, uma investigação da vida dele, e depois disse para mim,
que ele era muito namorador, pois morava perto da zona do
meretrício. Meu pai perguntou para mim, se eu queria mesmo casar.
Eu respondi que sim.
95
SILVA, 2008.
96
ARAÚJO, José, 2008.
103
[...] sei bem que aos 17 anos, imaginava-se poder casar dentro dos três
anos seguintes, mas a vida aí está, com suas duras realidades [mas]
não é preciso desanimar-se, por ventura, não se encontrou ainda, aos
25 anos, a alma irmã por que se anseia. Os que só noivaram aos 25
anos e que desejavam há muito encontrar [alma gêmea] nos momentos
de desânimo que sentiam, e devem confessar que esses anos de espera
os amadureceram [...] do êxito dos esforços feitos durante longos anos
[...] neste sentido o noivado é um coroamento [...], pois as dificuldades
e as tentações não faltaram no caminho que leva ao coração e que as
condições de vida moderna tornam cada vez mais longos98.
97
CHEVERIER, Jacques. Noivado. O Dominical, Teresina, p.3, 14 de jan. de 1951.
98
IDEM.
104
Luz elétrica tinha e não tinha, a luz era só uma tocha fraca, e isso
facilitava meu namoro, aliás, meu noivado, pois, em casa, meu pai não
permitia nada, mas, quando eu saia com meu noivo, eu aprendi, a
saber, o que era beijo nesses escurinhos, pois a luz era bem
fraquinha100.
Não compreendo como os pais deixam suas filhinhas nas trevas dos
cines e nas ruas escuras, entregues a rapazes aventureiros [...] outrora
o amor andava às claras, procurava a luz, [...] os jardins floridos de
rosas e açucenas, enfim era um amor às claras. Hoje o amor não gosta
da luz, procura as trevas. Só anda às escuras pelas ruas solitárias, onde
termina a iluminação elétrica101.
102
CARVALHO, 2003, p.34.
103
BASSANEZI, Carla. Mulheres nos anos dourados. In: DEL PRIORE, Mary (org). História das
Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2000. p. 607-639.
104
SILVA, 2008
105
ESTÁ noiva? Teresina, O Piauí, Teresina, p.4, 10 de jul. de 1952.
106
O CENTRO Singer diplomou ontem a primeira turma de Corte, Costura e Bordados. O Piauí,
Teresina, p.4, 10 de jul. de 1952.
107
IDEM.
106
“promovendo conscientemente, a sua felicidade, o bem estar dos que vivem debaixo de
sua orientação e de seus cuidados”, e aquelas que não possuíam tais prendas, ou se
negavam a possuí-las, estariam relegadas ao insucesso no casamento e seriam infelizes?
No processo da conquista de um bom partido para o casamento, as
mulheres, além de serem prendadas, também se utilizavam de outras técnicas para
seduzir os rapazes, o vestuário ajudava nessa empreitada, especialmente os sutiãs com
enchimento, que aumentavam o busto.
108
SANTOS, 1998, p.52-3. (grifo nosso)
107
Um item que não poder faltar ao retratarmos a mocidade dos anos dourados,
é a referência aos concursos de beleza, e a importância que detinham as misses, na
sociedade teresinense. Consideradas mulheres que expressavam um ideal de beleza,
mostravam que a mulher podia ser sensual, graciosa e bonita sem ser vulgar.
Em 1958, a Miss Distrito Federal, Adalgisa Colombo “inventou truques de
beleza para vencer o Miss Brasil109” em substituição ao pancake, que todas as
candidatas deveriam usar, ela utilizou o óleo Johnson para luzir a sensualidade de suas
pernas, e com isso a ajudou a desenhar a nova mulher brasileira, que explorava sua
sensualidade sem ser vulgar.
Foto 27: Adalgisa Colombo desfilava no Miss Universo (SANTOS, 1998, p.60)
109
SANTOS, 1998, p.9.
108
110
Sobre esse conceito ver SCOTT, 1995.
111
FRANÇA apud BRUNHS, Heloísa Turini. Corpos femininos na relação com a cultura. In: ROMERO,
Eliane (org). Corpo, mulher e sociedade. Campinas, SP: Papirus, 1995. p.93.
112
FUTEBOL feminino. O Dominical. Teresina, p.3, 27 de set. de 1959.
109
113
TITO FILHO, 1975b, p.118
114
FUTEBOL feminino. O Dominical. Teresina, p.3, 27 de set. de 1959.
115
SANTOS, 1998, p.15
110
burlavam tais prescrições e normas. Fugindo aos padrões estabelecidos, mesmo sendo
“moças de famílias”, usavam de diferentes táticas, subvertiam a ordem, para vivenciar
sua mocidade, “fugiam” dos padrões estabelecidos, lendo romances “inapropriados”,
como A carne, livro de estética natural-realista, jogavam futebol, “exploravam” a sua
sensualidade, através do uso de maquiagem, para destacar partes do rosto. Umas
usavam sutiã com enchimento, para seduzir, outras utilizavam métodos
anticoncepcionais, como Tabelinha ou o Diafragma e usavam sua sexualidade sem se
importar com as prescrições sociais, e, algumas, embora pouquíssimas, dirigiam seus
próprios carros, como dona Genu Moraes “meu pai e minha avó Lili me deram 34.700
contos de réis para comprar um carro. Comprei um Coupe Ford americano. Fui à
primeira mulher a dirigir carro em Teresina116”.
116
CORREIA, Maria Genovefa de Aguiar Moraes. Entrevista concedida a Ângela Maria Soares de
Oliveira. Teresina, 25 de julho de 2005.
111
5 RELAÇÕES FAMILIARES
Ser mulher1
Gilka Machado
1
MACHADO, Gilka. Ser mulher. Folha da Manhã, Teresina, p.4, 23 de fev. de 1958. (grifo nosso)
2
BASSANEZI, 2000.
112
profissional, era o magistério, no entanto, ela fez também o Curso de Filosofia e depois
o de Didática, na FAFI. Deveria trabalhar como professora, sem esquecer suas
atribuições enquanto mãe, esposa e dona de casa.
3
EM DEFESA da família: fim primário do matrimônio. O Dominical, Teresina, p.2, 12 de dez. de 1948.
4
AZZI, 1993, p.101. Essas condições propiciaram maior veiculação de revistas e jornais em todo o país.
5
CAES, Andre Luiz. Da espiritualidade familiar ao espírito cívico: a família nas estratégias de
reestruturação da Igreja (1890-1934). Dissertação de Mestrado. Campinas, 1995.
6
Sobre a descoberta da Pílula. Disponível em <http://www.djerassi.com/portugese/interview/index.html>
Acesso em: 05 de jan. de 2008.
7
A pílula passou a ser comercializada somente na década seguinte, 1960.
113
11
MOURA, Judite. Para minhas filhas lerem. O Dominical, Teresina, p.3, 09 de set. de 1951.
12
SILVA, 2008.
13
DIVÓRCIO e romantismo. O Dia, Teresina, p.5, 04 de mar. de 1956.
115
O novo método do parto sem dor tinha como principal objetivo ensinar e
educar a mulher para o trabalho de parto, criando um novo reflexo condicionado para
retirar da „ignorância‟ do medo, através de aula que a gestante começaria a receber a
partir do sexto mês de gravidez. O cronista ainda aconselhava que o ideal seria que
essas aulas fizessem parte do currículo escolar, “de modo a impedir desde a meninice e
14
VICENT, 1992, p. 257.
15
BADINTER, 1985, p. 307.
16
SOARES, Vilmar Ribeiro. A maravilha do parto sem dor. O DIA, Teresina, p.5, 25 de jul. de 1957.
(grifo nosso)
116
[...] revelei o receio de ter outro filho [...] fui e depois, de explicar ao
médico o medo que tinha dos partos, ele me disse: “há um processo
que é muito usado na França, infalível, mas, trabalhoso, porque exige
muita higiene [...] a esponja se usar conforme as prescrições: não terá
filhos” [a] esponja ele próprio a vendia no consultório, era uma
bolinha redonda de onde pendia um cordão forte e comprido. Eu a
usei obedecendo às prescrições, seis anos seguidos com absoluto êxito
e tive a habilidade de esconder do meu marido, para não me
desprestigiar, esse segredo que até beneficia as senhoras que usam.
Sete anos depois engravidei novamente. Íamos para a fazenda, julguei
que não fosse à esponja que me evitasse filhos, e então deixei-a. Logo
no fim de um mês engravidei do Heitorzinho. Aí compreendi o erro de
ter deixado a esponja, mas, era tarde, mais um filho que Deus me
ofereceu, pelo descuido. Daí por diante nunca mais deixei de usar a
esponja e não concebi mais19.
17
SOARES, Vilmar Ribeiro. A maravilha do parto sem dor. O DIA, Teresina, p.5, 25 de jul. de 1957.
18
MENSAGEM de Pio XII aos médicos. Porto Alegre: Edições Paulinas, 1958. p.185.
19
CASTELO BRANCO, (Emilia) Lili. Fases do meu passado. Teresina: APL, 1983. p. 111-2
117
5.2 Os papéis tradicionais de gênero nas relações familiares: a rainha do lar e o provedor
20
V. G. F.N, 2007.
21
VICENT, 1992, p. 252
22
LARRALDE, Luís Valdés; HUERTA, René F. de la. Eu evito filhos, mas queria comungar. Belo
Horizonte: Edições Loyola (s/d), p.9-10
118
23
ROCHA-COUTINHO, Maria Lúcia. Tecendo por trás dos panos: a mulher brasileira nas relações
familiares. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
119
obrigatórios para o interior das casas. O cinema seria uma vitrine onde seriam exibidos
novos materiais, equipamentos de conforto e decoração doméstica24.
Em síntese, o cinema trazia para o mundo o american way of life,
popularizando a racionalização, a funcionalidade, o conforto e as eficiências dos
espaços, principalmente na cozinha, exemplificada, com os armários embutidos,
divulgados ainda em revistas, como a Seleções do Reader’s Digets, onde as
propagandas com as novidades elétricas, exemplificadas pela máquina de lavar,
geladeira, fogões a gás, batedeiras, aspirador de pó, liquidificador, dentre outros,
anunciavam um tempo onde os trabalhos domésticos ganhavam outra dimensão.
Foto 28: Revista Vida Doméstica, p.113, maio de 1957 Foto 29: O Dia, Teresina, p.6, 18 de dez. de 1958.
24
SEVCENKO, 2004, p.602.
120
Foto 30: Seleções Digest, n.º 148, p.30, maio de 1954 Foto 31: O Dia, Teresina, p.5, 06 de dez. de 1953.
Segundo Betty Friedan citada por Badinter, “as americanas, pouco depois de
1945, foram condicionadas a serem mães devotas e mulheres do lar. Edificou-se, em
torno delas, toda uma mística, como se a maternidade fosse algo inato 26” pertencente à
natureza feminina, com um destino biológico a cumprir. Dessa forma, tentou-se
dogmatizar, através destes discursos, a distinção dos papéis masculinos e femininos, no
interior das relações familiares.
25
A LAVAGEM das roupas. Folha da Manhã, Teresina, p.5, 19 de jan. de 1958.
26
FRIEDAN apud Badinter, 1985, p. 326
121
No meio de tanta miséria deixada por uma guerra [...] que será da
família? Como nos salvar deste naufrágio? A tantas perguntas
responde a voz de Pio X: Daí-me mães verdadeiras e salvarei o
mundo! Sim, é elas que o mundo atual precisa [...] valem pela
educação dos filhos, rainhas de seus lares [...] infelizmente não é o que
se encontra hoje em dia. Muitas mães hodiernas não passam de umas
bonecas de salões onde mostram suas principais virtudes: o saber
enfeitar-se e o saber agradar27
Segundo Iracema Santos Rocha da Silva, o ideal era que as mulheres não
cometessem excessos, não deviam nem ser rainhas de seus lares em tempo integral e
nem serem modernas em tempo integral, era preciso dosar, conciliando as tarefas fora e
dentro do lar. As mulheres deviam viver não somente em função do marido, dos filhos,
deveriam também pensar em seu bem-estar, seja através de sua realização profissional,
ou estudando, procurando meios de torná-las possíveis, portanto, sendo modernas sim,
mas tendo tempo, para se dedicarem a sua „higiene mental‟, ou seja, lendo, tendo acesso
a diferentes conhecimentos, outrora, não acessíveis ao feminino. Pensarem na sua
realização profissional, “idealizar um futuro bonançoso”
27
CESAR, Rita Maria de Mello. Mãe. O Dominical, Teresina, p.1, 18 de jul. de 1948.
122
Foto 32: Revista Vida Doméstica, n.º 341, p.87, ago. de 1946.
28
SILVA, Iracema Santos Rocha da. Nada de excessos. O Dominical, Teresina, p. 4, 28 de jun. de 1959.
29
BASSANEZI, Carla. Revistas femininas e o ideal de felicidade conjugal (1945-1964). Cadernos Pagu,
n.º 1. Campinas: UNICAMP, 1993. p. 111-147 Vida Doméstica, Jornal das Moças estas revistas davam
„receitas de felicidade‟ conjugal.
123
“preciso de coragem para calafetar as brechas da tua alma [...] se, porém, amiga, tens o
coração angustiado e a alma sufocada [...] contém-te um pouco que sentirás tua alma
sacudida por um canto suave que se chama resignação34”.
A discriminação, rigidez e desigualdade na divisão dos papéis sexuais
poderiam ser percebidas em relação às tarefas domésticas e aos cuidados com os filhos,
que eram reservados inteiramente às mulheres, não havia redistribuição dessas tarefas
com o homem. Dessa forma, em relação aos papéis de gênero na família, na década de
1950 continuava ainda presente, no inconsciente coletivo, a idéia de que a criação dos
filhos caberia principalmente à mulher, e de que os pais não passavam de colaboradores
nessa tarefa35.
Dona Iracema Rocha nos confirmou a informação anterior sobre a falta de
colaboração paterna nos cuidados e educação das crianças, seja a alimentação, o banho
ou nas atividades escolares. Sobre seu esposo, comentou “nunca me ajudou a vestir e a
dar comida às crianças [...] não ajudava com as fraldas, nem a dar banho [...] e ninguém
cobrava. Isso era normal, pois se sabia que era tarefa de mulher36.
O papel masculino no interior de um lar era essencialmente econômico, sua
função era a de prover a família. Por um lado, os homens se recusavam a participar de
forma efetiva das tarefas cotidianas, mesmo de vivenciar de forma efetiva a dimensão
afetiva da paternidade. Por outro lado, deles não era cobrado uma mudança nas atitudes
diante da família e da criação dos filhos37.
Com o trabalho feminino, houve a liberalização da mulher das teias
domésticas do reinado das panelas, através de uma libertação econômica, tendo acesso
às carreiras antes consideradas masculinas. Elas, aos poucos, poderiam questionar a
função paterna, que era meramente econômica, dessa forma, “estabelecida a igualdade,
os homens pensem, finalmente sob a sugestão insistente das mulheres, em questionar o
papel paterno38”.
Corroborando com a afirmação anterior, as mudanças sociais que estavam
apontando na sociedade demonstravam que o modelo de família hierárquica, proposto
pelo discurso católico, começava a se alterar, como podemos perceber na insatisfação de
um cronista católico, que afirmava que a família estava em crise e estava „deixando‟ seu
34
SILVA, Iracema Santos Rocha da. Para ti. O Dominical, Teresina, p. 4, 23 de mar. de 1958.
35
BADINTER, 1985, p. 286
36
SILVA, 2008.
37
BADINTER, op. cit. p. 287-294
38
IBIDEM, p. 294
125
sentido sagrado, porque o pai estava perdendo o seu lugar de rei e cabeça da sociedade
conjugal39.
Segundo o discurso católico, caberia à mulher resolver essa situação, “o
destino de nossa época está nas mãos de uma mulher40”, ou seja, elas deveriam escolher
entre o lar e o trabalho. Daí porque o discurso, que considerava negativo o trabalho
feminino, passou a argumentar que o lugar da mulher era o lar, cuidando dos filhos e do
marido.
A desigualdade de gênero poderia ainda ser percebida nas sobrecargas das
responsabilidades femininas, especialmente a esposa, que era quem „moldava,
„construía‟ o homem. A carga ou peso que colocaram em seus ombros exigia esforços
de uma super-mulher, essa cobrança, porém, não ocorria com o homem, o cuidado do
mundo a sua volta, não era atribuído ao masculino, como se fazia em relação a „grei
feminina‟,
39
PAULA, Alves de. No dia dos pais. O Dominical, Teresina, p.3, 15 de ago. de 1954.
40
O DESTINO de nossa época está nas mãos da mulher. O Dominical, Teresina, p.3, 30 de jan. de 1955.
41
SILVA, Iracema Santos Rocha da. O lugar da mulher. O Dominical, Teresina, p.3, 15 de jul. de 1958.
42
IDEM.
126
43
BOURDIEU apud CHARTIER, Roger. Diferenças entre os sexos e a dominação simbólica. (nota
crítica). Cadernos Pagu (4) - Fazendo História das Mulheres. Campinas: Núcleo de Estudos de Gênero –
Pagu/Unicamp, 1995, p.40
44
IBIDEM, p.42.
45
CONSELHOS de higiene mental aos pais. Folha da Manhã, Teresina, p.4, 16 de mar. de 1958. (grifo
nosso)
127
5.3 Quase todos contra o divórcio: a dignidade e segurança da mulher „acima‟ de tudo!
século XX, quando liderou campanhas contra a aprovação do divórcio no Brasil, que foi
aprovado somente em 197746. Durante a década de 1950, e a partir das prescrições
colocadas no jornal O Dominical, pudemos perceber como o discurso católico
desenvolveu inúmeros estratégias de ação contra o “cancro” social, desde a defesa da
dignidade da mulher à destruição do lar, para que os filhos não ser tornassem órfãos de
pais vivos47.
O debate sobre a indissolubilidade do casamento no Brasil começou ainda no
final do século XIX, quando houve a implantação da República e idéias liberais
entraram no Brasil. Mas, somente na década de 1950 que foi intensificada, quando o
deputado federal Nelson Carneiro lançou na Câmara o projeto de cunho divorcista nº.
786 de 1951, que buscava regulamentar a dissolução dos laços conjugais, alterando a
Carta Magna, que preconizava a indissolubilidade do vínculo.
Esse projeto não conseguiu passar da Câmara para as discussões no Senado,
mas, em 1953, outra vez, Carneiro lançava outro projeto, o de número 3.099/53.
46
BRASIL. Decreto Lei n.º 6.515, de 26 de dezembro de 1977. Regula os casos de dissolução da
sociedade conjugal e do casamento. Brasília. Disponível em:
<http://www6.senado.gov.br/sicon/ExecutaPesquisaLegislacao.action >. Acesso em 29 de jan. de 2009.
47
O DIVÓRCIO e os filhos. O Dominical, Teresina, p.1, 25 de jan. de 1955.
48
O FRACASSO da campanha divorcista. O Dominical, Teresina, p.1, 07 de set. de 1952.
49
O DIVÓRCIO e a Assembléia. O Dominical, Teresina, p.1-4, 9 de set. de 1951.
50
SANTOS, 1998, p. 52
129
55
EXPULSOU a esposa e o filho de casa. O Dia, Teresina, p.5, 15 de jun. de 1958.
56
ESPANCOU a mulher. Na ronda das ruas. Folha da Manhã, Teresina, p.2, 28 de fev. de 1958.
57
ESPANCOU a mulher. Na ronda das ruas. Folha da Manhã, Teresina, p.2, 15 de abr. de 1958.
58
MATOU a esposa. Na ronda das ruas. Folha da Manhã, Teresina, p.2, 09 de mar. de 1958.
59
Sobre canções enquanto fonte significativa para se acessar as subjetividades dos sentimentos
masculinos e femininos nos anos dourados ver MATOS, Maria Izilda Santos de. Sensibilidades e
subjetividades: cantando dores e amores. In: ___________. Ancora de emoções: corpos, subjetividades e
sensibilidades. Bauru, SP: EDUSC, 2005. p.91-157.
132
através das letras das canções, afinal, eles também sofriam e demonstravam o quanto
eram sensíveis e frágeis.
“Antônio Maria foi o porta-voz especial e sensível das inquietações e
frustrações amorosas de seu tempo e lugar. Cantava e compunha sobre os rompimentos,
descrevendo as experiências das noites passadas entre uísques e samba-canções60”. O
compositor não tinha ressalvas, fazia confissões através das letras que compunha. Com
a temática dor de cotovelo, Antônio Maria deu destaque aos desencontros e desilusões
amorosas que sofreu, cantou o amor e a dor, demonstrando que o homem também sofria
com a saudade de um amor e a dor do abandono. Em 1952, estourou o seu grande
sucesso “Ninguém me ama” na voz de Nora Ney.
Ninguém Me Ama
Antônio Maria
60
MATOS, 2005, p.106
61
Sobre letras e músicas do compositor Antônio Maria. Disponível em: <http://letras.terra.com.br/antonio-
maria/242515>. Acesso em 29 de jan. de 2009.
133
62
Sobre a inserção de mulheres no ensino superior no Piauí, a partir do final dos anos cinqüenta, ver
CARDOSO, 2003.
63
SERÁ reconhecida a Faculdade. Jornal do Comércio, Teresina, p.1, 31 de ago. de 1952.
134
64
FACULDADE de Filosofia do Piauí. Jornal do Comércio, Teresina, p.1, 16 de mar. de 1952. (grifo
nosso)
65
NUNES, 2008.
66
TITO FILHO, 1978, p.55
135
classe média teresinense já era uma realidade, mesmo que de forma singular67.
Entretanto, para outras o ensino normal continuava como „única‟ possibilidade de
escolarização, sendo que, no período em estudo, essa modalidade de ensino ainda era
considerada como educação feminina padrão, conforme constatamos nas fontes
pesquisadas, seja jornais, seja através das trajetórias de vida das entrevistadas.
Nasci numa época em que mulheres ainda eram educadas [de forma],
coatora (sic) e constrangedora da espontaneidade. A educação escolar
para mulheres castrava seus anseios e desejos pessoais. Mulher só
poderia estudar para professora ou enfermeira. Criada para a casa,
para o lar, para as prendas domésticas. Leituras curtas e abreviadas de
romances água-com-açúcar. Não podia nem pensar nem filosofar [...]
era uma sociedade ainda preconceituosa, com respeito aos direitos da
mulher68.
73
NOIVADO. O Dia, Teresina. p.6, 02 de jan. de 1958. (Grifo nosso)
137
74
ELAS. Teresina, O Dominical, p.1, 07 de nov. de 1954. (grifo nosso)
75
ROCHA-COUTINHO, 1994, p.37
76
O GRANDE dilema da mulher moderna: entre a profissão e a família. Teresina, Jornal do Comércio,
p.5, 18 de mar. de 1956.
77
OS ERROS da emancipação feminina. O Dominical, Teresina, p.2, 04 de dezembro de 1955. (Grifo
nosso)
138
78
V.G.F.N, 2007.
79
SILVA, Iracema Santos Rocha da. A vida de todos os dias. O Dominical, Teresina, p.6, 14 de jun. de
1959.
139
oposição ao sexo forte, o homem, do qual era cobrado somente prover a família,
responsabilidade meramente econômica, e nada mais.
Um cronista, se utilizando de um relatório apresentado a sociedade norte-
americana, organizado pela empresa General Electric (GE), percebeu que a
normalização que caracterizava o masculino como ágil e forte e o feminino como frágil,
é uma questão social, cultural e não natural. É construída por discursos, que a qualquer
momentos são desconstruídos, desestruturados, demonstrando que essa divisão não tem
nada de natural, como a crônica a seguir exemplificava.
80
DEZ milhões de mulheres desmentem a fragilidade do sexo. O Dia, Teresina, p.2, 19 de fev. de 1956.
(grifo nosso)
140
Então essa luta minha para estudar Direito foi árdua. Anos depois de
casada, eu disse para meu marido “me deixa fazer Direito, as crianças
já cresceram”, mas, só bem depois de anos de casada, consegui fazer o
vestibular de Direito. Aliás, minhas filhas já iam fazer vestibular em
Fortaleza [pois] elas queriam estudar Agronomia [...] antes de concluir
o curso de Direito, não é que eu não me sentisse feliz, na realidade, eu
não me sentia realizada83.
81
SILVA, 2008.
82
PASSERINI, Luisa. A juventude metáfora da mudança social – dois debates sobre os jovens: a Itália
fascista e os Estados Unidos da década de 1950. In: LEVI, Giovanni; SCHIMIT, Jean Claude. História
dos jovens. Tradução Paulo Neves. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p.349
83
SILVA, 2008.
141
oportunidade de estudar, daí, sentir-se como uma “águia inerte, presa nos pesados
grilhões dos preceitos sociais!84”,
[...] hoje, eu não acho que fui moderna, aliás, eu fui submissa demais,
eu fiz o que quiseram, o que os homens da minha vida exigiam, o que
a sociedade me cobrou e exigia. Apenas algumas coisas que eu fazia
que gostava como ler, estudar, ser professora. Em parte foi submissão,
porque eu fiz aquilo que a sociedade me exigia e custei a fazer o que
eu queria, mas, minha força de vontade me ajudou a vencer todas as
barreiras: fui professora catedrática, fiz o curso de Filosofia, de
Didática, fiz o curso de Direito, fui aprovada no concurso Juiz para a
cidade de Uruçui, fui aprovada no curso de Procurador do Estado,sou
Jornalista Profissional85.
84
MACHADO, Gilka. Ser mulher. Folha da Manhã, Teresina, p.4, 23 de fev. de 1958. (Grifo nosso)
85
SILVA, 2008. (Grifo nosso)
86
FREITAS, Pedro de Almendra. Mensagem apresentada a Assembléia Legislativa do Estado
referente ao ano de 1953. Teresina: Gráfica O Dia, 1954. p.36
142
87
Suponhamos que esse fato foi o pontapé inicial para muitas mulheres pensarem em realizar-se
profissionalmente, meses depois dona Iracema Silva começava a escrever suas crônicas em jornais da
Capital, começava a estudar na FAFI, fazia concursos, e aos poucos sua postura enquanto mulher, mãe e
esposa, começava a transformar-se, o que é visível em suas crônicas.
88
EDUARDO, José. A Professora Regina Gondim. O Dia, Teresina, p.5, 28 de nov. de 1957.
89
IDEM.
90
IDEM.
143
91
SOBRE as mulheres. Folha da Manhã, Teresina, p.5, 24 de jan. de 1959. (grifo nosso)
92
LEITE, Cristina. A mulher jornalista. O Dia, Teresina, p.2, 01 de dez. de 1957.
144
93
IDEM.
94
JOSEPH, MR. Incoerência Moderna. O Dominical, Teresina, p.3-4, 03 de fev. 1952. (grifo nosso).
95
SILVA, Iracema Santos Rocha da. Concursos ou tradição? O Dominical, Teresina, p.2, 13 de dez. de
1959.
145
96
SILVA, 2008.
97
A SAGRADA família. O Dominical, Teresina, p.1, 16 de jan. de 1955.
146
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo central deste trabalho foi analisar a família teresinense, nos anos
dourados, tendo como pretexto o discurso católico, desvendamos algumas trilhas e
vestígios, e chegamos a algumas reflexões possíveis. A década de 1950 foi marcada por
contradições e rupturas. A família era pensada pela ótica católica de forma hierárquica,
sendo que, os papéis sexuais eram bem rígidos e apresentados como naturais, mas, nas
práticas cotidianas, as múltiplas evidências demonstraram que essas relações são
construções culturais. O discurso católico continuava forte e presente na sociedade, mas
o consumo cultural já se mostrava bastante diversificado.
A igreja se oporia, no período em estudo, “às mudanças dos costumes que
iam ocorrendo nessa época, e continuava a apregoar de forma intransigente a
necessidade de manter a mulher dentro dos padrões tradicionais de conduta1”: esposa,
dona de casa e mãe. As convenções e normas sociais enfatizavam e valorizavam o bom
enquadramento dos papéis de gênero tradicionalmente estabelecidos.
Nas representações católicas, o masculino e o feminino eram representados
como identidades fixas e rígidas, estabelecendo a assimetria e rigidez nas diferenças
entre os papéis sexuais, cabendo ao homem prover a casa e ser o único representante da
esfera pública, enquanto à mulher era prescrito o ambiente privado, no recôndito do lar,
com a missão de cuidar da casa, da educação dos filhos e do marido.
Constatamos, a partir das análises hemerográficas e do conteúdo das
entrevistas realizadas, que os meninos e as meninas foram direcionados, desde a mais
tenra idade, à assimetria entre os papéis sexuais. Desde a infância, as crianças já eram
direcionadas para as desigualdades de gênero, exemplificadas na educação diferenciada.
Para as meninas, o curso Normal, de caráter profissional, que as preparavam para ser
dedicadas professoras primárias, que era considerada a formação feminina ideal, pois
além das disciplinas como higiene e puericultura, havia também aquelas destinadas às
atividades manuais, às prendas domésticas. Para os meninos, o primário e ginásio, de
caráter propedêutico com o objetivo de preparar para o vestibular.
As desigualdades de gênero, também, eram percebidas nas próprias
brincadeiras. As meninas, desde cedo, começavam a bordar, a „substituir a mãe‟ no
cuidado dos irmãos mais novos, brincavam de „comidinha‟, práticas que possibilitavam
maior intimidade com sua missão futura: ser rainha do lar. Já os meninos, estes estavam
1
AZZI, 1993, p.11
147
liberados pata tomar banho de rio, jogar futebol, andar de bicicleta. No entanto, no final
da década de 1950, a prática de andar de bicicleta começava a aproximar masculino e
feminino, de forma a quebrar as desigualdades de gênero, pois, antes a prática de
pedalar era interdita às mulheres.
Não apenas a bicicleta estava quebrando as fronteiras de gênero, mas o
futebol também era indicativo de que os preceitos sociais começavam lentamente a
mudar a condição feminina, como também outros esportes, possibilitando a liberação da
representação do corpo feminino da imagem de delicada e frágil.
No período em estudo, houve uma valorização dos diversos discursos na
sociedade para manutenção da dupla moral sexual, na qual restringia a sexualidade
feminina, as moças deveriam se manter virgens até as núpcias, como „anjo na terra‟,
contidas por expressar valores rígidos em relação ao corpo e à sexualidade. Os
preceitos sociais buscavam manter a sexualidade feminina sob controle e vigilância,
devendo as moças andarem sempre acompanhadas, ou por irmãos mais velhos ou
amigas, nunca deveriam andar desacompanhadas. Já ao homem era concedida total
liberdade, pois a virilidade era medida pela quantidade de experiências sexuais que
tinham, pela freqüência a prostíbulos, pela audácia com que se movimentavam na
sociedade2.
O namoro estava se modificando, se antes ele ocorria às claras, agora
preferia a penumbra. No período em estudo, os casais estavam mais próximos e o
cinema facilitava essa aproximação, pois, nas salas de projeções, com pouquíssima
iluminação, o namoro de bolinação era facilitado.
A educação sexual era considerado um tabu pelo discurso católico, nem a
escola, tampouco os professores deveriam ser responsáveis por esse esclarecimento,
cabia aos pais, visto que os jovens tinham acesso a esse tema através das leituras de
romances, gibis ou do cinema, o dever de instruir e educar as sensibilidades da
mocidade.
Palavras como sexo, relações sexuais, virgindade não eram ditas, apareciam
como metáforas, tais como, „não cair na lama‟, „pudor‟, „nódoa repugnante‟, „não errar‟,
„macular o corpo‟, „conservar a pureza do corpo‟, „proteger a inocência‟, „tesouro
inestimável‟, conservar sua „dignidade‟:
2
DEL PRIORE, 2006, p.289.
148
O noivado deveria ser de curta duração para não macular a imagem de boa
moça de família, entretanto, esse compromisso formal com o casamento aproximava
cada vez mais os jovens, possibilitando maior liberdade. Dessa forma, segundo o
discurso católico, era preciso fugir das ocasiões perigosas que o noivado ensejava,
“a aproximação exagerada dos noivos [...] faz com que muitas vezes, durante o namoro
e o noivado, não guardem a castidade e o pudor, elementos indispensáveis para a
felicidade conjugal4”.
A década de 1950, foi marcada por continuidade e rupturas, nos costumes
praticados pelos jovens que começavam a mesclar os padrões de comportamentos
pensados pelos preceitos sociais, com a vivência de algumas práticas que questionavam
os padrões comportamentais tradicionais. Começava o processo de instituição e
vivência de novos modelos, ocasionando uma tensão entre o tradicional e o moderno.
Esses jovens também se utilizaram de táticas para burlar os códigos
sociais, re-significando as prescrições. Algumas moças dirigiram automóveis, prática
considerada como interdita ao seu sexo, liam romances, revistas, assistiam a filmes
considerados deletérios e, principalmente, abriam mão secretamente da virgindade.
Os rapazes, quando pensavam nas moças, as representavam de forma
binária, em tipos singulares e fixos, a moça para casar e a moça para brincar. Como eles
possuíam senso prático, solicitavam as namoradas ou noivas uma prova de amor, e
aquelas que se permitiam tais liberdades eram consideradas fáceis, se tornando mal
faladas, pois os rapazes, enquanto namorados ou noivos, só queriam provar, não tinham
intenção de casar e eram os primeiros a saírem falando delas aos amigos.
A revolução dos costumes começava a apontar, na sociedade, expressada,
por exemplo, nas saias que diminuíram seu comprimento. Estas ainda não eram as mini-
saias da década de 1960, mas já subiam alguns centímetros acima dos joelhos. Assim
também, as blusas encurtavam ou retiravam de vez as mangas, as roupas e tecidos
estavam mais finos, delineavam o corpo com os tecidos quase transparentes e leves. As
pernas estavam à mostra através do short e do uso da calça comprida pelas mulheres
3
A PUREZA. O Dominical, p.5, Teresina, 28 de jul. de 1950. (grifo nosso)
4
FABER, Fernanda. O século XX é assim. Teresina, O Dominical, p.3, 13 de nov. de 1949. (grifo
nosso)
149
você sabe o que é ter um amor, meu senhor, ter loucura por uma
mulher, [...] e por ele quase morrer, e depois encontrar esse amor, nos
150
5
Sobre letras das músicas de Lupicínio Rodrigues. Disponível em:
<http://nervosdeao.lupiciniorodrigues.letrasdemusicas.com.br/>. Acesso em 30 de jan. de 2009. (grifo
nosso)
6
CHARTIER, 1995. p. 37-47.
151
8
SILVA, 2008.
153
REFERÊNCIAS E FONTES
Instituições de Pesquisas
Fontes
Dados censitários
Entrevistas
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ANEXOS