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RECREAÇÃO

E LAZER
PROFESSOR
Me. Oldrey Patrick Bittencourt Gabriel
RECREAÇÃO E LAZER

NEAD
Núcleo de Educação a Distância
Av. Guedner, 1610, Bloco 4
Jd. Aclimação - Cep 87050-900 Maringá - Paraná
www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360

C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância;


BITTENCOURT GABRIEL, Oldrey Patrick.
Recreação e Lazer. Oldrey Patrick Bittencourt Gabriel.
Maringá - PR.:UniCesumar, 2016. Reimpressão - 2018
639 p.
“Graduação em Educação Física - EaD”.
1. Recreação. 2. Lazer. 3. Educação. 4. EaD. I. Título.
ISBN 978-85-459-0837-1
CDD - 22ª Ed. 701.1
CIP - NBR 12899 - AACR/2

DIREÇÃO UNICESUMAR
Reitor Wilson de Matos Silva, Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho, Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor
Kendrick de Matos Silva, Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin, Presidente da Mantenedora Cláudio
Ferdinandi.

NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James Prestes, Tiago Stachon, Diretoria de Graduação e Pós-graduação Kátia
Coelho, Diretoria de Permanência Leonardo Spaine, Diretoria de Design Educacional Débora Leite, Head de Produção
de Conteúdos Celso Luiz Braga de Souza Filho, Head de Curadoria e Inovação Tania Cristiane Yoshie Fukushima,
Gerência de Produção de Conteúdo Diogo Ribeiro Garcia, Gerência de Projetos Especiais Daniel Fuverki Hey, Gerência
de Processos Acadêmicos Taessa Penha Shiraishi Vieira, Gerência de Curadoria Carolina Abdalla Normann de Freitas,
Supervisão de Produção de Conteúdo Nádila Toledo.

Coordenador(a) de Contéudo Mara Cecilia Rafael Lopes, Projeto Gráfico José Jhonny Coelho,
Editoração Lucas Pinna, Designer Educacional Agnaldo Ventura, Ana Claudia Salvadego, Qualidade
Textual Hellyery Agda, Revisão Textual Helen Braga do Prado; Ludiane Aparecida de Souza, Ilustração
Bruno Pardinho, Fotos Shutterstock.

2
Wilson Matos da Silva
Reitor da Unicesumar

Viver e trabalhar em uma sociedade global é um grande desafio


para todos os cidadãos. A busca por tecnologia, informação,
conhecimento de qualidade, novas habilidades para liderança
e solução de problemas com eficiência tornou-se uma questão
de sobrevivência no mundo do trabalho.
Cada um de nós tem uma grande responsabilidade: as escolhas
que fizermos por nós e pelos nossos fará grande diferença no
futuro.
Com essa visão, o Centro Universitário Cesumar assume o
compromisso de democratizar o conhecimento por meio de
alta tecnologia e contribuir para o futuro dos brasileiros.
No cumprimento de sua missão – “promover a educação de
qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando
profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento
de uma sociedade justa e solidária” –, o Centro Universitário
Cesumar busca a integração do ensino-pesquisa-extensão com
as demandas institucionais e sociais; a realização de uma prática
acadêmica que contribua para o desenvolvimento da consciência
social e política e, por fim, a democratização do conhecimento
acadêmico com a articulação e a integração com a sociedade.
Diante disso, o Centro Universitário Cesumar almeja ser
reconhecida como uma instituição universitária de referência
regional e nacional pela qualidade e compromisso do corpo docente;
aquisição de competências institucionais para o desenvolvimento
de linhas de pesquisa; consolidação da extensão universitária;
qualidade da oferta dos ensinos presencial e a distância; bem-
estar e satisfação da comunidade interna; qualidade da gestão
acadêmica e administrativa; compromisso social de inclusão;
processos de cooperação e parceria com o mundo do trabalho,
como também pelo compromisso e relacionamento permanente
com os egressos, incentivando a educação continuada.
boas-vindas

Willian V. K. de Matos Silva


Pró-Reitor da Unicesumar EaD

Prezado(a) Acadêmico(a), bem-vindo(a) à Comunidade do


Conhecimento.
Essa é a característica principal pela qual a Unicesumar tem
sido conhecida pelos nossos alunos, professores e pela nossa
sociedade. Porém, é importante destacar aqui que não estamos
falando mais daquele conhecimento estático, repetitivo, local
e elitizado, mas de um conhecimento dinâmico, renovável em
minutos, atemporal, global, democratizado, transformado
pelas tecnologias digitais e virtuais.
De fato, as tecnologias de informação e comunicação têm nos
aproximado cada vez mais de pessoas, lugares, informações,
da educação por meio da conectividade via internet, do acesso
wireless em diferentes lugares e da mobilidade dos celulares.
As redes sociais, os sites, blogs e os tablets aceleraram a informação
e a produção do conhecimento, que não reconhece mais fuso
horário e atravessa oceanos em segundos.
A apropriação dessa nova forma de conhecer transformou-se hoje
em um dos principais fatores de agregação de valor, de superação
das desigualdades, propagação de trabalho qualificado e de bem-
estar.
Logo, como agente social, convido você a saber cada vez mais, a
conhecer, entender, selecionar e usar a tecnologia que temos e que
está disponível.
Da mesma forma que a imprensa de Gutenberg modificou toda
uma cultura e forma de conhecer, as tecnologias atuais e suas
novas ferramentas, equipamentos e aplicações estão mudando
a nossa cultura e transformando a todos nós. Então, priorizar o
conhecimento hoje, por meio da Educação a Distância (EAD),
significa possibilitar o contato com ambientes cativantes, ricos
em informações e interatividade. É um processo desafiador, que
ao mesmo tempo abrirá as portas para melhores oportunidades.
Como já disse Sócrates, “a vida sem desafios não vale a pena ser
vivida”. É isso que a EAD da Unicesumar se propõe a fazer.
boas-vindas

Kátia Solange Coelho


Janes Fidélis Tomelin Diretoria de Graduação
Pró-Reitor de Ensino de EAD
e Pós-graduação

Débora do Nascimento Leite Leonardo Spaine


Diretoria de Design Educacional Diretoria de Permanência

Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando


um processo de transformação, pois quando investimos
em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos
transformamos e, consequentemente, transformamos também
a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos?
Criando oportunidades e/ou estabelecendo mudanças capazes
de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os
desafios que surgem no mundo contemporâneo.
O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de
Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este
processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam
juntos, na transformação do mundo”.
Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica e encontram-se
integrados à proposta pedagógica, contribuindo no processo educacional,
complementando sua formação profissional, desenvolvendo competências
e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade,
de maneira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais
têm como principal objetivo “provocar uma aproximação entre você e
o conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento da autonomia
em busca dos conhecimentos necessários para a sua formação pessoal
e profissional.
Portanto, nossa distância nesse processo de crescimento e construção do
conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos
pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou
seja, acesse regularmente o AVA – Ambiente Virtual de Aprendizagem,
interaja nos fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das
discussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores
e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-
lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com
tranquilidade e segurança sua trajetória acadêmica.
EDUCAÇÃO FÍSICA

Professor Mestre
Oldrey Patrick Bittencourt Gabriel
Mestre em Educação Física na
área de Pedagogia do Movimen-
to, Corporeidade e Lazer pela
UNIMEP - Universidade Meto-
dista de Piracicaba (2004). Espe-
cialista em Educação Física pela
UEM - Universidade Estadual de
Maringá na área de Lazer e Qua-
lidade de Vida (2003). Graduado
em Educação Física pela UEM -
Universidade Estadual de Marin-
9
autores

gá (2000) e Bacharel em Teologia


pelo STAGS - Seminário Teológico
Reverendo Antonio de Godoy So-
brinho (2009). Atualmente é pro-
fessor da UNICESUMAR - Centro
Universitário de Maringá, atuan-
do principalmente nos cursos de
Educação Física, Teologia e Admi-
nistração, com ênfase nas seguin-
tes áreas: ciência política, políti-
cas públicas, lazer, psicologia do

10
EDUCAÇÃO FÍSICA

esporte e educação física escolar.


Para informações mais detalha-
das sobre sua atuação profis-
sional, pesquisas e publicações,
acesse seu currículo disponível
no endereço a seguir:
<http://lattes.cnpq.
br/4353021635497581>.

11
apresentação

Recreação e Lazer
Oldrey Patrick Bittencourt Gabriel
Cara(o) aluna(o), é com muita
alegria que apresento a você o li-
vro da disciplina Recreação e La-
zer. Quando ingressei no curso de
Educação Física, movido, princi-
palmente, pelo interesse em lazer
e recreação, devido ao meu envol-
vimento desde a adolescência com
acampamentos e outras atividades
de lazer, não imaginava a riqueza
que permeava esta temática. A pai-
xão fomentou um desejo de conhe-
cer e me aprofundar nas discussões
sobre esta área tão essencial para a
vida humana.
É muito comum que aqueles que
ingressam no curso de Educação
Física esperem que as disciplinas
sejam mais “práticas” e menos “te-
óricas”. Coloco estes dois termos
entre aspas, pois acredito que estas
duas esferas do conhecimento são
indissociáveis. Quando as separa-
mos, o teórico torna-se, na verdade,
um discurso vazio, pois perde a sua
dimensão real, prática. Já o prático
torna-se uma espécie de “tarefismo”,
ou seja, um fazer pelo fazer, mera
técnica, apenas aplicações de re-
ceitas, sem nenhuma reflexão mais
aprofundada.
Talvez com esta disciplina não seja
diferente. Muitos, quem sabe, es-
peram que ela seja uma oficina na
qual se ensine jogos, brinquedos,
brincadeiras e, de preferência, mais
o como fazer do que o porquê. Ob-
viamente que estas atividades são
extremamente importantes ao(à)
futuro(a) professor(a), e devem ser
tratadas com a mesma seriedade e
profundidade. Contudo é de suma
importância que compreendamos
como o lazer surge no modelo de
sociedade em que vivemos e como
ele pode ser compreendido à luz do
que denominamos teoria do lazer.
O ideal é que a vida como um todo,
e não apenas a vida acadêmica, se
desenvolva num movimento de
ação, reflexão e nova ação, e assim
sucessivamente. Precisamos com-
preender o porquê fazemos o que
fazemos e como se deu esta cons-
trução tão complexa que é a vida da
humanidade nas suas mais variadas
facetas; e uma dessas nuanças da
vida humana é justamente o lazer.
Por isso, em nossa primeira uni-
dade, priorizei as reflexões em tor-
no de um conceito operacional de
lazer, que permita situar a articular
nossa temática principal aos con-
ceitos de cultura, tempo e atitude na
contemporaneidade. Destas discus-
sões iniciais e basilares, para nossos
estudos, emergem discussões como
o processo de surgimento de uma
15
classe ociosa, como ela ostenta tal
posição e como isso se relaciona
com as barreiras ao lazer, que gera-
ram movimentos de reivindicação
ao longo da história, como o de luta
pelo “direito à preguiça”.
Na Unidade II, proponho que re-
flitamos sobre a relação do lazer
com o trabalho e as demais obri-
gações sociais. Estas relações são
fundamentais para a compreensão
do lazer em toda a sua comple-
xidade, pois no lazer e no traba-
lho corre o mesmo sangue social.
Neste contexto, surge a figura do
animador sociocultural, que pode
atender inúmeras demandas e ide-
ologias, bem como apresentar va-
16
riadas características.
Na unidade seguinte passamos a
discutir o duplo processo educativo
no lazer. Tema de grande relevân-
cia para a formação de qualquer
educador, pois, em geral, estamos
condicionados a pensar na escola
como formadora apenas de valores
para o mundo do trabalho e pouco
para o mundo do lazer. Contudo
ambos são importantes e relevan-
tes socialmente. Ao analisarmos o
lazer como espaço/tempo privile-
giado para o lúdico, somos, ime-
diatamente, remetidos à necessida-
de de repensar a sua relação com
a cultura de maneira mais ampla
e também com nossos modelos e
17
culturas, por isso a nossa reflexão
sobre estas relações.
Outra temática que está muito pre-
sente nas discussões da Educação
Física é a qualidade de vida, razão
pela qual dedico a Unidade IV à
aproximação entre lazer e qualida-
de de vida à luz dos conceitos que
tratei nas unidades anteriores. Nes-
ta aproximação emergem muitos
outros temas, mas, devido à impos-
sibilidade de discutirmos todos ele
nesta fase, elegemos a corporeidade
e a questão dos espaços e equipa-
mentos específicos e não-específi-
cos de lazer para nossas discussões
sobre lazer e qualidade de vida.
Por fim, em nossa última unidade,
18
apresento uma proposta de elabo-
ração de um repertório de ativi-
dades em recreação e lazer. Com
isso, entendo que a relação teoria e
prática pode ser garantida na me-
dida que temos um pano de fundo
conceitual profundo sobre o lazer,
prevenindo a tentação de simples-
mente reproduzirmos atividades
por meio de receitas prontas, sem
nenhum senso crítico e embasa-
mento do a ação profissional. A
construção de um repertório pes-
soal de atividades é fundamental
para a atuação profissional, e será
mais eficaz na medida que repre-
sente uma compreensão aprofun-
dada das peculiaridades de faixas
19
etárias e ambientes que demandem
ações específicas.
Portanto, caro(a) acadêmico(a),
espero que este material contribua
na sua formação, e que você avance
cada vez mais nas suas reflexões e
ações profissionais. Há muitos ou-
tros assuntos que poderiam ser tra-
tados aqui, mas elenquei aqueles
que considero fundamentais para
este momento de sua formação aca-
dêmica. São inúmeras as possibi-
lidades de aprofundamento neste
universo de conhecimento, que vão
desde a leitura de bons livros, como
por exemplo os utilizados neste ma-
terial, como o contato com outras

20
instituições de ensino que se dedi-
cam a pesquisas no campo do lazer,
inclusive com reconhecidos pro-
gramas de pós-graduação - tanto
latu sensu quanto strictu sensu /
mestrado e doutorado -, e, ainda, a
participação em eventos (congres-
sos, simpósios, encontros, semanas
acadêmicas etc.) relacionadas ao
lazer e à recreação. Não deixe de
se aprofundar nesta temática. Ela
não está relacionada apenas à sua
vida profissional, mas à sua vida
pessoal e daqueles que você ama
e quer bem. Sucesso e paz em sua
jornada!

21
s u m ário

UNIDADE I
INTRODUÇÃO AO LAZER
E À RECREAÇÃO
36 Um Conceito Operacion
al de Lazer
50 Lazer, Cultura, Tempo e
Atitude
71 A Classe Ociosa, a Emu
lação Pecuniária e Bar
reiras ao Lazer
87 O Direito ao Trabalho e
o Direito à Preguiça
124 Referências
127 Gabarito

22
s u má rio

UNIDADE II
LAZER, RECREAÇÃO,
TRABALHO E OBRIGAÇÕES
142 Lazer, Trabalho e
Obrigações
175 Lazer, Animação Socio-
cultural e Recreação
235 Referências
239 Gabarito
s u m ário

UNIDADE III
LAZER, LÚDICO E EDUCAÇÃO
256 Lazer e o Duplo Proces
so Educativo
273 Lazer Como Espaço para
o Lúdico
289 A Cultura, o Lúdico e a
Escola
308 Considerações finais
365 Referências
370 Gabarito

24
s u m ário

UNIDADE IV
LAZER E QUALIDADE DE VIDA
388 Conceitos, Valores
e Parâmetros em Lazer
e Qualidade de Vida
413 Qualidade de Vida, Cor
poreidade e Lazer
453 Lazer, Espaço e Equipa
mentos
515 Referências
522 Gabarito

25
RECREAÇÃO E LAZER

s u m ário

UNIDADE V
REPERTÓRIO DE ATIVIDADES
EM RECREAÇÃO E LAZER
538 Considerações
Gerais sobre Repertório
de Atividades em
Recreação e Lazer
562 Exemplo de Repertório de
Atividades em Recreação e
Lazer
621 Referências
625 Gabarito
635 Conclusão geral
26
EDUCAÇÃO FÍSICA

27
INTRODUÇÃO AO LAZER
E À RECREAÇÃO

Professor Me. Oldrey Patrick Bittencourt Gabriel

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-
se os tópicos que você
estudará nesta unidade:
• Conceito operacional de
lazer
• Lazer, cultura, tempo e
atitude
• Classe ociosa, emulação
pecuniária e barreiras ao
lazer
unidade

I
• O direito ao trabalho e o
direito à preguiça

Objetivos de
Aprendizagem
• Descrever o processo de
construção de um conceito
operacional de lazer na
sociedade contemporânea.
• Articular os conceitos lazer,
cultura, tempo e atitude
para a compreensão do
lazer e da recreação na
unidade

contemporaneidade.
• Definir e descrever o
surgimento do conceito de
classe ociosa, sua relação
com a emulação pecuniária
e as barreiras ao lazer.
• Apresentar o processo de
desenvolvimento histórico
de reivindicação pelo
direito ao trabalho em
concomitância com a busca
pelo direito à preguiça.
INTRODUÇÃO

Caro(a) aluno(a), iniciaremos nossos


estudos com o objetivo principal de esta-
belecer uma série de elementos teóricos
que proporcionem um entendimento so-
bre a teoria do lazer e algumas interlocu-
ções já realizadas com a recreação.
O foco principal de construção e se-
leção dos conceitos a serem abordados
inicialmente são as contribuições de
certos aspectos que a teoria pode tra-
zer para a ação profissional do(a) pro-
fessor(a) de Educação Física na escola e
em outros ambientes.
A relevância desta unidade é o desta-
que de aspectos que considero impor-
EDUCAÇÃO FÍSICA

tantes para a compreensão das relações


entre o lazer e o trabalho, historicamente
situados no modo de produção capitalis-
ta, visto que é o sistema no qual estamos
inseridos, com todas as particularida-
des de uma sociedade contemporânea. É
importante para essa compreensão que
apresentemos um conceito operacional
de lazer, que perpassará todas as nossas
discussões neste livro.
A articulação do conceito operacional
de lazer com a cultura, num sentido mais
amplo, necessariamente, passa pela com-
preensão da atitude no tempo disponível.
Este tempo ganhou, ao longo da história,
uma possibilidade de status social, pois,
em muito, casos, só é possível desfrutar
de mais tempo livre com uma condição
econômica mais abastada ou tendo al-
33
RECREAÇÃO E LAZER

guém que trabalhe para você. Por isso


nossa discussão sobre a emulação pecu-
niária às barreiras ao lazer.
Historicamente a luta pelo trabalho
esteve atrelada à luta pelo lazer, por isso
é de suma importância a compreensão
dos fundamentos históricos que possibi-
litam o emergir do lazer como fenômeno
tal qual o conhecemos hoje. Esses funda-
mentos históricos não podem ser esgota-
dos neste momento, haja visto que se tra-
ta de estudos introdutórios sobre o lazer
e a recreação, mas vale o destaque para os
movimentos que conquistaram uma série
de direitos às classes menos favorecidas.
Esperamos que todas as ideias apre-
sentadas contribuam para este primeiro
contato com o lazer e a recreação.
Bons estudos!
34
RECREAÇÃO E LAZER

Um Conceito
Operacional
de Lazer
Para formar uma base de análise
ao lazer e a recreação e sua relação
com as possibilidades de atuação
profissional do(a) professor(a) de
Educação Física, é necessário esta-
belecer, primeiramente, uma dis-
cussão acerca do lazer, pois a opção
36
EDUCAÇÃO FÍSICA

por uma compreensão específica


deste tema determinará toda a tra-
jetória de raciocínio.
Serão destacados conceitos relati-
vos ao lazer baseado em nosso foco
de estudo, pois acredito que este
tema, enquanto área de pesquisa e
atuação, permite várias abordagens.
É muito importante reafirmar que as
bases para a compreensão do lazer
estão nas relações que se estabele-
cem no chamado mundo do traba-
lho e na questão do tempo (cotidia-
no), tendo como pano de fundo o
modo de produção capitalista.
Em primeiro lugar, acredito na
necessidade de estabelecer o con-
ceito que será base a todas as refe-
rências feitas neste estudo do lazer,
37
RECREAÇÃO E LAZER

pois conforme Marcellino (2002, p.


21) “a incorporação do tema ‘lazer’
ao vocabulário comum é relativa-
mente recente e marcada por dife-
renças acentuadas quanto ao seu
significado”, situação esta que acre-
dito gerar muitas confusões quan-
do se busca estabelecer uma abor-
dagem e relações com outras esferas
da dinâmica social, como a recrea-
ção, mais especificamente no âmbi-
to da Educação Física.
Até mesmo a tentativa acadêmi-
ca de estabelecer uma definição de
lazer torna-se tarefa complexa na
medida que não consegue abarcar
todas as variáveis da vida. Entre-
tanto, enfatizo a contribuição de
determinados teóricos, no sentido
38
EDUCAÇÃO FÍSICA

de deflagrar e desenvolver as dis-


cussões acadêmicas sobre a temáti-
ca. Um exemplo dessa tentativa é o
conceito de lazer estabelecido por
Dumazedier (1975, p. 34):
[...] conjunto de ocupações às
quais o indivíduo pode entre-
gar-se de livre vontade, seja para
repousar, seja para divertir-se,
recrear-se e entreter-se ou ain-
da para desenvolver sua forma-
ção desinteressada, sua partici-
pação social voluntária, ou sua
livre capacidade criadora, após
livrar-se ou desembaraçar-se
das obrigações profissionais, fa-
miliares e sociais.
Apesar de fomentar outras discus-
sões para o desenvolvimento concei-
39
RECREAÇÃO E LAZER

tual de lazer, é possível estabelecer


críticas pertinentes a esta conceitua-
ção. Uma delas é feita por Faleiros
(1980, p. 61) ao destacar que o con-
ceito estabelecido por Dumazedier
esbarra numa visão funcionalista
e, ao tentar conceituar o lazer, não
dá conta de toda a dinâmica social,
sendo uma ferramenta que supre de-
terminadas necessidades, mas cria
muitas outras. O conceito de lazer
de Dumazedier é identificado, por-
tanto, da seguinte maneira:
[...] um invólucro vazio para ser
preenchido com as atividades que
são desenvolvidas em função de
determinadas necessidades, des-
de que realizadas distintamente
de certas obrigações institucio-
40
EDUCAÇÃO FÍSICA

nalizadas. Esse conceito de la-


zer histórico parece buscar o seu
conteúdo organizando no mun-
do da aparência (FALEIROS, p.
61, 1980).
Deste modo, me aproprio de um
conceito operacional de lazer e não
propriamente de uma definição de
lazer, mesmo que este conceito seja
transitório. Este conceito, do lazer
historicamente situado, é apresenta-
do por Marcellino (2001, p. 15-17)
da seguinte forma:
1- Cultura vivenciada (praticada,
fruída ou conhecida) no tempo dis-
ponível das obrigações profissio-
nais, escolares, familiares, sociais,
combinando os aspectos tempo e
atitude. Falo do concreto da so-
41
RECREAÇÃO E LAZER

ciedade contemporânea – como é,


e não do devir, como deveria ser
- inclusive de uma sociedade que
eu próprio considere mais justa.
Quando me refiro à cultura, não
estou reduzindo o lazer a um úni-
co conteúdo, considerando-o a
partir de uma visão parcial, como
geralmente ocorre quando se uti-
liza a palavra cultura, quase sem-
pre restringindo-a aos conteúdos
artísticos. Aqui abordo os diver-
sos conteúdos culturais. E, final-
mente, quando vivenciada, não
estou restringindo o lazer à práti-
ca de uma atividade, mas também
ao conhecimento e à assistência
que essas atividades podem ense-
jar, e até mesmo à possibilidade do
42
EDUCAÇÃO FÍSICA

ócio, desde que visto como opção,


e não com a esfera das obrigações,
no nosso caso, fundamentalmen-
te, a obrigação profissional.
2- O lazer gerado historicamente
e dele podendo emergir, de modo
dialético, valores questionadores
da sociedade de um modo geral, e
sobre ele também sendo exercidas
influências da estrutura social vi-
gente. A relação que se estabelece
entre lazer e sociedade é dialética,
ou seja, a mesma sociedade que o
gerou, e exerce influências sobre
o seu desenvolvimento, também
pode ser por ele questionada, na
vivência de seus valores. No nos-
so caso específico, é o próprio sis-
tema econômico [...] que gerou a
43
RECREAÇÃO E LAZER

possibilidade de lazer que temos,


sendo constantemente adaptado,
até mesmo pelos valores vivencia-
dos no próprio lazer.
3- Um tempo que pode ser privi-
legiado para vivências de valores
que contribuam para mudanças de
ordem moral e cultural, necessá-
rias para solapar a estrutura social
vigente. A vivência desses valores
pode se dar de uma perspectiva de
reprodução da estrutura vigente
ou da sua denúncia e do seu anún-
cio - por meio da vivência de va-
lores diferentes dos dominantes -,
imaginar e querer vivenciar uma
sociedade diferenciada.
4- Portador de um duplo aspec-
to educativo – veículo e objeto de
44
EDUCAÇÃO FÍSICA

educação, considerando-se, assim,


não apenas suas possibilidades de
descanso e divertimento, mas de
desenvolvimento pessoal e social.
E aqui não se está negando o des-
canso e o divertimento, mas sim-
plesmente enfatizando a dimen-
são menos considerada do lazer, a
de desenvolvimento que o seu vi-
venciar pode ensejar.
A citação apresentada, ao contrário
do que pode parecer, pela sua den-
sidade conceitual, descomplica uma
série de questões ao estabelecer um
arcabouço, um esqueleto, uma es-
trutura básica para situarmos qual-
quer outra discussão que se deseja
fazer em torno do lazer.
Portanto, nela considero estarem
45
RECREAÇÃO E LAZER

presentes os principais elementos


que caracterizam o lazer sob uma
determinada visão de mundo, e
que nos auxiliam na compreensão
do nosso papel enquanto professo-
res(as) de Educação Física dentro e
fora da escola.
Lembre-se que, como destaca o
autor, não se trata de um conceito
fechado sobre o lazer, mas é aber-
to e, portanto, dinâmico, na medida
que deve pressupor um constante
processo de diálogo, inerente à pró-
pria dialética. É o que ele denomina
de conceito operacional, pois visa a
intervenção, a operacionalização de
reflexões e ações em torno do lazer.

46
EDUCAÇÃO FÍSICA

SAIBA MAIS

Os primeiros trabalhos sobre


a questão do lazer produzidos
no Brasil são marcados, na sua
maioria, pela falta de “auten-
ticidade”, principalmente se
for levada em conta a legiti-
midade da ligação com a rea-
lidade social concreta. O que
se verifica, em grande núme-
ro, é a simples “filiação” a esta
ou aquela corrente de pensa-
mento, tomando como critério
a análise dos argumentos dos
seus autores, pertencentes a
sociedades altamente desen-
volvidas tecnologicamente, ou
portadoras de sólida tradição
47
RECREAÇÃO E LAZER

cultural. A Universidade brasi-


leira iniciou, significativamen-
te, suas investigações sobre o
assunto somente a partir da
década de 70. Entre os anos
80 e 90 cresceu, de forma con-
siderável, o número de teses
defendidas nesse campo, prin-
cipalmente relacionadas à edu-
cação e à produção cultural.
Sugiro a todos aqueles que
têm interesse em conectar-se
a uma comunidade em torno
do lazer e em conhecer os tra-
balhos atuais, que participem
do ENAREL - Encontro Nacional
de Recreação e Lazer que ocor-
re anualmente em diferentes
48
EDUCAÇÃO FÍSICA

regiões do país com o objetivo


de difundir os estudos de atu-
ação no lazer e recreação.
Fonte: adaptado de Marcelli-
no (2000, p. 5).

49
Lazer, Cultura,
Tempo e Atitude
A compreensão do lazer, a partir do
conceito operacional apresentado
anteriormente, está atrelada ao en-
tendimento do conceito de cultura
em um sentido mais amplo. Por-
tanto, a cultura deve ser entendida
como um “conjunto de modos de fa-
zer, ser, interagir e representar que,
EDUCAÇÃO FÍSICA

produzidos socialmente, envolvem


simbolização e, por sua vez, defi-
nem o modo pelo qual a vida social
se desenvolve” (MACEDO, 1982,
1984, p. 35). Além da estreita liga-
ção com o trabalho, o lazer possui,
portanto, uma relação determinante
com as outras esferas de obrigações
humanas, pois todas elas são parte
da mesma cultura.
Com relação ao aspecto tempo-
ral, há a necessidade de situar-se no
aqui e agora, e não em projeções fu-
turas. Isso não significa que não de-
vemos buscar uma perspectiva ideal
de mundo e lutar para o triunfo des-
te ideal. Significa, sim, que a busca
das explicações, reflexões e análises
da sociedade são baseadas em fatos
51
RECREAÇÃO E LAZER

materiais, concretos e não em supo-


sições e conjecturas sobrenaturais.
Esta historicidade, para a análi-
se e entendimento do lazer na so-
ciedade contemporânea, deve le-
var em conta as relações advindas
do trabalho no modo de produção
capitalista. É necessário destacar
este aspecto, pois uma discussão
que não situe o lazer historicamen-
te pode caminhar para rumos di-
vergentes de análise da temática. É
necessário, ainda, destacar que não
há uma oposição entre o lazer e o
trabalho, mas uma dependência.
O desaparecimento de um sig-
nificaria a extinção do outro, pois
é justamente a dinâmica do traba-
lho nas sociedades capitalistas que
52
EDUCAÇÃO FÍSICA

permite a compreensão do lazer da


forma como o conceito operacional
o descreve.
Analisar o lazer num modo de
produção escravista ou feudal pos-
sibilitaria entendimentos diferentes
do que seria o lazer hodierno, vis-
to que as relações estabelecidas en-
tre os seres humanos seriam outras,
bem como as relações com o tempo,
o que, consequentemente, determi-
nariam outras atitudes diante desta
estrutura temporal.
Até o século XVII, a vida huma-
na, com exceção de uma restrita eli-
te de privilegiados, tinha suas razões
primárias em elementos básicos da
vida econômica. A alimentação, ves-
timenta e moradia eram o que ha-
53
RECREAÇÃO E LAZER

via de mais essencial à vida huma-


na. Galbraith (1982, p. 2) descreve a
provisão destas necessidades da se-
guinte forma:
[...] e tudo provinha da terra. O
alimento, é claro. E da mesma for-
ma, as peles de animais, a lã e as
fibras vegetais. E as casas, naquela
época, vinham da floresta próxi-
ma, da pedreira ou da olaria. Até o
advento da Revolução Industrial,
e em muitos países muito tempo
depois dela, toda a economia era
uma economia agrícola.
A Revolução Industrial, como afir-
ma Galbraith (1982), constituiu-se
em um conjunto de transformações,
que a partir da metade do século
XVIII, passou a alterar, primeira-
54
EDUCAÇÃO FÍSICA

mente, a vida da Europa ocidental


e, de forma acelerada, espalhou-se
por todo o mundo. Estas transfor-
mações estão ligadas principalmen-
te à substituição do trabalho arte-
sanal, que utilizava basicamente as
mãos e ferramentas, pelo trabalho
assalariado, com o predomínio do
uso de máquinas.

55
RECREAÇÃO E LAZER

Desta forma, podemos perceber


dois estágios distintos para análise,
mas que ocorrem de forma contí-
nua, ou que, segundo Marcellino
(2003, p. 20-21), são contemporâ-
neos e representativos de dois esti-
los de vida diferentes.
1º) [...] sociedade tradicional,
marcadamente rural, e mesmo
nos setores urbanos pré-indus-
triais, não havia separação entre as
várias esferas da vida do homem.
[...] O binômio trabalho/lazer não
era caracterizado e as ações se de-
senrolavam como na representa-
ção de uma peça teatral, com os
“atores” atuando de forma inte-
grada e linear, dominando toda a
história de seus personagens; 2º)
56
EDUCAÇÃO FÍSICA

Na sociedade moderna, marcada-


mente urbana, a industrialização
acentuou a divisão social do tra-
balho, que se torna cada vez mais
especializado e fragmentado, obe-
decendo ao ritmo da máquina e
a um tempo mecânico, afastando
os indivíduos da convivência nos
grupos primários e despersona-
lizando as relações. [...] Caracte-
riza-se o binômio trabalho/lazer
e as ações se desenvolvem como
na gravação de um filme, onde os
“atores” participam de cenas es-
tanques, sem conhecer a história
de seus personagens, cenas essas
frequentemente interrompidas
para serem retomadas em sequên-
cias totalmente diferenciadas.
57
RECREAÇÃO E LAZER

Marcellino (2003) afirma, ainda,


que a industrialização é o divisor de
águas entre os dois estágios (socie-
dade tradicional e moderna). Este
processo de mudança gera modifi-
cações significativas no comporta-
mento das pessoas, bem como no
meio-ambiente.
Esta quebra espaço-temporal, ad-
vinda de um novo modo de produ-
ção, gerou novas atitudes por parte
dos trabalhadores, pois as relações
com as várias obrigações sociais tam-
bém foram transformadas. Destaco
que houve uma ruptura, por exem-
plo, do tempo/espaço de trabalho.
Até então o locus de trabalho estava
intimamente ligado à festa, ao lúdi-
co, ao prazer. Ao passar por esta ci-
58
EDUCAÇÃO FÍSICA

são, a alegria e o lúdico, que estavam


presentes na mesma esfera, passam
a existir como possibilidades em es-
paços/tempos diferentes.
Cria-se uma pequena janela tem-
poral em que poderiam ser reali-
zadas atividades virtuosas, diferen-
tes das pesadas e alienantes cargas
do trabalho industrial. É “a partir
do momento que marca o início da
transição do estágio tradicional para
o moderno que se verifica a ruptura
entre a vida como um todo e o lazer,
fazendo com que este adquira sig-
nificação própria” (MARCELLINO,
2003, p. 20).
Ainda, acerca da gênese do lazer
em sua concretude histórica, o au-
tor afirma que:
59
RECREAÇÃO E LAZER

[...] a gestação do fenômeno lazer,


como esfera própria e concreta,
dá-se, paradoxalmente, a partir
da Revolução Industrial, com os
avanços tecnológicos que acen-
tuam a divisão do trabalho e a
alienação do homem do seu pro-
cesso e do seu produto. O lazer
é resultado dessa nova situação
histórica – o progresso tecnológi-
co, que permitiu maior produti-
vidade com menos tempo de tra-
balho. Nesse aspecto, surge como
resposta às reivindicações sociais
pela distribuição do tempo libe-
rado de trabalho, ainda que, num
primeiro momento, essa partilha
fosse encarada apenas como des-
canso, ou seja, recuperação da
60
EDUCAÇÃO FÍSICA

força de trabalho (MARCELLI-


NO, 2003, p. 14).
Para Marcellino (2003, p. 11), a de-
terioração da qualidade e do signi-
ficado da vida, a problemática das
relações sociais, movidas pela lógi-
ca da produtividade e acumulando
os indivíduos em “fábricas, bancos,
grandes edifícios de escritórios e
ruas, onde a funcionalidade imedia-
ta constitui a maior preocupação”
gera o afastamento de si próprio, do
outro e da natureza, ocasionando,
por exemplo, as várias formas de
violência urbana.
Neste sentido, há a atribuição de
uma grande importância ao que é
produtivo (gerador de bens de con-
sumo ou mercadorias). Deixam-se
61
RECREAÇÃO E LAZER

oculto os resultados que este tipo de


produtividade acarreta para a ex-
pressividade humana. As pessoas,
neste contexto, são apenas engrena-
gens na lógica produção/consumo.
A lógica deste processo está basea-
da em valores imediatistas e utilita-
ristas. Trabalha-se para consumir e
consome-se para trabalhar, e, assim,
sustenta-se o mercado de produção.
Na perspectiva de um lazer que
seja instrumento de dominação,
reduzindo ou extinguindo o con-
flito social - visto como reforço e
não como reação à alienação do ho-
mem contemporâneo, e mais ainda
como uma fonte de grandes rendas
por meio da indústria do lazer, de
forma a alimentar o mercado - po-
62
EDUCAÇÃO FÍSICA

demos notar os altos graus de im-


posição advindos de uma urgente
necessidade do sistema econômico,
ou seja, seus membros além de pro-
dutores, têm que se tornar também
os consumidores.
Outras características que devem
ser consideradas no processo gesta-
cional do lazer é a redução do aspec-
to tempo de trabalho, nascido das
reivindicações sociais, e a progres-
siva redução do tempo dedicado a
outras obrigações, tais como fami-
liares, sociais, religiosas e políticas.
Além do aspecto tempo, houve uma
progressiva redução da dominação
destas instituições sociais no que diz
respeito à atitude, não que tenham
se extinguido.
63
RECREAÇÃO E LAZER

O lazer da sociedade industrial e


pós-industrial não é, portanto, o mes-
mo lazer dos gregos da antiguidade,
mas um lazer gerado dialeticamen-
te no modo de produção capitalista
e dele dependente. Ao mesmo tem-
po que este lazer foi gerado por uma
certa dinâmica do modo de produ-
ção capitalista, ele é o locus privile-
giado para geração de valores ques-
tionadores dessa própria sociedade.
O trabalho industrial privou a pos-
sibilidade de entretenimento, da pre-
sença do lúdico no ambiente de tra-
balho, como era possível, por vezes,
no trabalho rural, no qual as necessi-
dades e anseios poderiam ser supri-
dos até mesmo em meio à lida diária,
numa dinâmica social mais humana.
64
EDUCAÇÃO FÍSICA

Camargo (1986, p. 144) faz a seguin-


te observação sobre esta transição:
[...] nas danças tradicionais, em
quase todas as culturas, os ges-
tos do trabalho na terra, na ma-
deira, com os companheiros, são
incorporados e estilizados, de-
monstrando a ligação efetiva e
lúdica. Isso é impossível na linha
de montagem, onde a menor dis-
tração de um elemento prejudi-
ca a produtividade dos demais.
A própria organização do espaço
de trabalho inibe qualquer tenta-
ção de diversão e entretenimen-
to. Enfim, as longas jornadas de
trabalho no início da industria-
lização, apenas deixavam tempo
para o sono.
65
RECREAÇÃO E LAZER

O processo de industrialização re-


presentou, efetivamente, uma que-
bra temporal que, com as novas ati-
tudes e necessidades, criaram um
novo padrão de vida. A exploração,
via longas jornadas de trabalho, im-
pelia ao trabalhador, num primei-
ro momento, a mera necessidade de
descanso, no tempo liberado do tra-
balho. Entretanto, neste tempo não
era possível vivenciar qualquer ou-
tra possibilidade além da recupera-
ção para a próxima jornada.
A busca por um modo de vida me-
lhor, com o advento da Revolução
Industrial, exigia uma dedicação
exclusiva à vida nas fábricas. Este
tipo de trabalho preservou apenas
a característica de longas jornadas
66
EDUCAÇÃO FÍSICA

nos períodos de safras, inerentes


ao trabalho rural, no qual a grande
maioria dos trabalhadores estavam
inseridos. Entretanto, uma carac-
terística que era fundamental para
um trabalho mais humano havia
sido perdida:
[...] o contato com a natureza, com
os animais, com a família. Ainda
hoje, a linha de montagem, im-
placável, não obedece a um ritmo
natural de trabalho e repouso. O
relógio de ponto marca o início
dos turnos. Os gestos exigidos
são artificiais, repetitivos. A única
pausa, para a refeição, não respei-
ta os limites de cada um; é coleti-
va e determinada pelas necessida-
des da produção. Mais: rompe-se
67
considerações finais

a relação entre tempo de trabalho


e produto do trabalho. O traba-
lho passou a ser fragmentado, de
difícil compreensão, dada a sua
complexidade tecnológica. [...] a
um tempo natural, humano, uno,
integral, do campo, a indústria
opôs um tempo artificial, aliena-
do da produção, que não se inte-
gra nem à dinâmica familiar [...]
(CAMARGO, 1986, p. 144).
Uma reivindicação dos trabalhado-
res, em virtude do nascimento de
um tempo artificial que determinou
a realização de atividades lúdicas
compartimentalizadas e imprimiu
nestas uma característica do próprio
trabalho alienado (veja mais sobre
isso na Leitura Complementar), foi
68
considerações finais

a tentativa da redução da jornada de


trabalho.
Esta reivindicação nasceu devi-
do a ausência de um tempo de la-
zer na lógica de racionalização do
tempo instituída pelo capitalismo.
Nos primórdios da industrialização
“trabalhava-se cinco mil horas por
ano, o que significava jornada diária
de dezesseis horas, de segunda a do-
mingo, quase todos os dias do ano”
(CAMARGO, 1986, p. 145).
De acordo com Camargo (1986),
aos dez anos de idade se dava início
a vida útil de um ser humano para
o trabalho, tendo fim apenas com a
morte do trabalhador. Neste sentido,
o capitalismo emergente preservava
os traços do feudalismo ao sustentar
69
RECREAÇÃO E LAZER

o ócio aristocrata por meio de uma


dinâmica de trabalho caracteristi-
camente escravo, características que
ainda são preservadas, de forma de-
senvolvida nos tempos modernos.

70
EDUCAÇÃO FÍSICA

A Classe Ociosa, a Emulação


Pecuniária e Barreiras ao
Lazer

O filósofo, com estudos em sociolo-


gia, Thorstein Veblen, num texto es-
crito em 1899, realizou uma análi-
se econômica da sociedade sob uma
perspectiva sociológica. Seu obje-
tivo principal foi o de provar que a
71
RECREAÇÃO E LAZER

classe ociosa surge pela emulação


pecuniária, ou seja, pela competi-
ção ou a demonstração de força por
meio do dinheiro. Apesar de não fa-
zer uso especificamente do termo
lazer, Veblen (1965) aborda alguns
conceitos que contribuem para a
compreensão do lazer na sociedade
capitalista.
Dentre os vários conceitos que esta
obra traz como contribuição à teo-
ria do lazer, destaco a sua conside-
ração de que ao longo da história, o
ser humano procurou demonstrar o
seu poder por meio de alguns meios.
Dentre eles a força física (proeza);
a pecúnia (dinheiro); o ócio e con-
sumo conspícuo (ostentatório); e o
ócio e consumo vicário.
72
EDUCAÇÃO FÍSICA

O ócio e consumo conspícuo se-


riam uma demonstração notável do
poder por meio da própria possi-
bilidade que o indivíduo possui de
desfrutar do tempo disponível e das
possibilidades de aquisição por in-
termédio do poder financeiro. Já o
ócio e consumo vicário seriam uma
demonstração notável das possibili-
dades do ócio e do consumo baseado
em uma capacidade, ou poder alheio.
Neste sentido, a sustentação da
vivência e consumo no lazer estaria
relacionada à capacidade que deter-
minado indivíduo ou grupo social
possui de manter uma massa de tra-
balhadores ao seu dispor para rea-
lizar um trabalho que lhe sustente e
que, consequentemente, seja favo-
73
RECREAÇÃO E LAZER

rável ao ócio e ao consumo. A tese


de Veblen (1965, p. 14) consiste em
afirmar que:
[...] pessoas acima da linha da mera
subsistência nesta época, e em to-
das as épocas anteriores, não apro-
veitam o excesso que a sociedade
lhes deu visando primordialmen-
te a propósitos úteis. Não buscam
elas expandir suas próprias vidas,
viver com mais sabedoria, mais
inteligência e mais compreensão,
mas buscam impressionar as ou-
tras pessoas pelo fato de serem
possuidoras desse excesso.
Os processos e maneiras para ge-
rar estas impressões são denomi-
nados por este autor de “consumo
conspícuo”. A característica básica
74
EDUCAÇÃO FÍSICA

desta dinâmica é o dispêndio de


dinheiro, tempo e esforço, quase
de todo inutilmente, na busca de
expandir o ego.
Um clássico exemplo dessa dinâ-
mica de consumo conspícuo na so-
ciedade industrial foi o automóvel. A
escolha de um carro deixou de lado
as questões exclusivamente funcio-
nais, pois passou a ter fundamen-
tos na manutenção ou aumento do
prestígio diante da comunidade.
De acordo com a obra A teoria da
classe ociosa, de Veblen (1965), as
pessoas superiores, geralmente com
o maior poder financeiro, dominam
seus inferiores em pecúnia mediante
gastos supérfluos. Já as menos favo-
recidas buscam, de todas as formas,
75
RECREAÇÃO E LAZER

alcançar o nível social dos primeiros,


esgotando todas as suas energias e
posses. A descrição da classe ociosa
é feita da seguinte forma, pelo autor:
[...] compreende as classes nobres
e as classes sacerdotais e gran-
de parte de seus agregados. [...]
Estas ocupações não-industriais
das classes altas são em linhas
gerais de quatro espécies – ocu-
pações governamentais, guerrei-
ras, religiosas e esportivas. [...]
Estas quatro formas de ativida-
de dominam o esquema de vida
das classes altas - reis ou chefes –,
estas são as únicas formas de ati-
vidades permitidas pelo costume
ou pelo bom senso da comunida-
de. Na verdade, quando o esque-
76
EDUCAÇÃO FÍSICA

ma é definido já nitidamente, até


mesmo os esportes não se consi-
deram atividade legítima para os
membros da classe mais alta (VE-
BLEN, 1965, p. 20-21).
Outro aspecto importante destacado
por Veblen (1965) é que as caracte-
rísticas das atividades ou funções in-
dustriais se desenvolveram de tarefas
que, primitivamente, nas sociedades
bárbaras, cabiam às mulheres. Este
fato revela a valorização social, tendo
como parâmetro principal o conceito
laboral atrelado ao gênero masculino,
pois até mesmo em sociedades indus-
trializadas, as atividades antes relega-
das ao gênero feminino passam a ser
desempenhadas pelos trabalhadores
de ambos os gêneros, que sustentam
77
RECREAÇÃO E LAZER

a possibilidade de ócio de uma classe


supostamente mais elevada.
REFLITA

Você já parou para analisar a


quantidade de bens e serviços
que consumimos que são “ne-
cessidades desnecessárias”?
Qual o impacto disso nas re-
lações humanas?

Para Veblen (1965, p. 37), a diferen-


ça primária da distinção entre classe
ociosa e classe trabalhadora é “[...] o
trabalho feminino e o trabalho mas-
culino, existente nos primeiros es-
tágios do barbarismo”. Destaco, por
meio deste raciocínio, uma das face-
tas ligadas às barreiras para o lazer.
78
EDUCAÇÃO FÍSICA

Estas barreiras seriam os entraves


que inibiriam determinada parte da
população para a vivência do lazer.
Dentre estas barreiras estão presen-
tes as de caráter econômico, de faixa
etária, de instrução, aquelas de acesso
aos espaços e equipamentos, e ainda
as relacionadas à violência e à questão
do gênero. Com relação aos espaços e
equipamentos de lazer, vale destacar o
seu aspecto de sacralização e, ainda, as
dificuldades para utilização por parte
dos deficientes físicos, por exemplo.
Na sociedade contemporânea ain-
da podemos perceber uma dificulda-
de maior por parte das mulheres para
usufruírem do lazer, fator gerado prin-
cipalmente pela dupla jornada de tra-
balho. Elas, além de ter de exercer deter-
79
RECREAÇÃO E LAZER

minada profissão, têm, em sua grande


maioria, de realizar as tarefas, ainda,
caracterizadas na sociedade contem-
porânea como sendo apenas para mu-
lheres: as tarefas domésticas. Portanto,
acentua-se, ainda, as diferenças histó-
ricas com relação aos gêneros.
Há, além destas explicações, outras
dinâmicas envolvidas que podem dar
sustentação ao entendimento des-
tas barreiras que limitam o acesso às
atividades de lazer de maneira tanto
quantitativa quanto qualitativamen-
te. O fator econômico é considerado,
hodiernamente, o mais determinan-
te para o acesso ao lazer. As pesqui-
sas realizadas sobre este tema, apesar
de muito restritas, demonstram, de
acordo com Marcellino (2000), que o
80
EDUCAÇÃO FÍSICA

acesso à recreação - atividades relacio-


nadas aos conteúdos culturais do la-
zer - é realizado preponderantemente
por jovens, com instrução e condições
acima da média da população.
O fator econômico é determinante
desde a distribuição do tempo dis-
ponível entre as classes sociais, até
as oportunidades de acesso à Esco-
la, e contribui para uma apropria-
ção desigual do lazer. São as barrei-
ras interclasses sociais (Marcellino,
2000, p. 23).
Com relação ao surgimento desta
classe ociosa, Veblen (1965) afirma
que os valores e costumes culturais
das sociedades/comunidades, em bai-
xo estágio de desenvolvimento, apon-
tam para um desenvolvimento gra-
81
RECREAÇÃO E LAZER

dativo da classe ociosa, no período de


transição da selvageria primitiva para
o barbarismo. A característica desta
transição seria uma mudança da pas-
sividade nas relações sociais passando
a uma relação de lutas, de guerra.
O surgimento da classe ociosa seria,
deste modo, uma conjunção temporal
ao início da propriedade privada. Esta
interposição presente no processo de
desenvolvimento cultural seria neces-
sária em virtude das duas instituições
terem origem por meio do mesmo
conjunto de forças econômicas.
“Onde quer que se encontre a ins-
tituição da propriedade privada,
mesmo sob forma muito embrio-
nária, o processo econômico tem
o caráter de uma luta entre os ho-
82
EDUCAÇÃO FÍSICA

mens pela posse de bens” (VE-


BLEN, 1965, p. 38)
ao contrário da economia clássica que
considera apenas a luta pela subsistência.
Uma questão que poderia surgir é
quanto ao motivo pelo qual os mem-
bros de uma determinada sociedade
sucumbem à pressão de ostentar de-
terminadas proezas, posses e o ócio,
com as possibilidades a eles relaciona-
das. Destaco, dentre outros argumen-
tos utilizados pelo autor, o de caráter
psicossocial, com relação à emulação:
[...] somente os indivíduos de tem-
peramento excepcional conse-
guem, diante da desaprovação da
comunidade conservar em última
análise a própria estima. Aparen-
83
RECREAÇÃO E LAZER

temente, existem exceções a esta


regra, especialmente entre pessoas
de fortes convicções religiosas;
mas estas exceções aparentes não
se podem considerar como exce-
ções reais, porque tais pessoas se
apoiam usualmente na aprovação
presumível de alguma testemunha
sobrenatural de suas ações (VE-
BLEN, 1965, p. 43).
Portanto, é uma construção sociocul-
tural de fundo econômico que pos-
sibilitou o surgimento de uma classe
ociosa imprimindo uma outra dinâ-
mica à vida social. Veblen (1965) de-
monstra um certo pessimismo ao afir-
mar que a forma como a sociedade se
desenvolveu e onde ela chegou não
suprem as necessidades individuais,
84
EDUCAÇÃO FÍSICA

pois a base destas necessidades estão


no desejo, que por sua vez, está conta-
minado com a necessidade de se im-
por e sobressair sobre outrem.
Portanto, as explicações da econo-
mia clássica para a busca por satisfa-
ção de subsistência ou de conforto fí-
sico são insuficientes para explicar a
justificativa de políticas voltadas ao
progresso. A busca pela honra e pelo
reconhecimento torna-se uma luta
constante. Neste processo, a compa-
ração geraria um mal enorme à hu-
manidade e, neste contexto, seria
praticamente impossível atingir uma
realização definitiva e plena.
Portanto, a reflexão sobre uma classe
privilegiada com o ócio ou atividades
de lazer revela que apesar de um fun-
85
RECREAÇÃO E LAZER

do econômico por detrás das ações,


esta não se justifica por si só, mas pela
possibilidade que tais recursos têm de
obter e conservar a consideração de
outros membros da comunidade. A
riqueza possuída deve ser patenteada,
sendo exposta aos olhos alheios, pois
sem uma demonstração aos outros,
não seria possível a atribuição de va-
lor, consideração e, consequentemen-
te, de uma possível elevação do status
social de quem a possui.

86
EDUCAÇÃO FÍSICA

O Direito ao Trabalho
e o Direito à Preguiça
Na obra O direito à preguiça, pu-
blicada originalmente em forma de
panfleto revolucionário em 1880,
Paul Lafargue demonstra inquie-
tação pelo fato de os trabalhadores
87
RECREAÇÃO E LAZER

perceberem que sustentam o ócio


de uma classe privilegiada que os
explora, mas que ao lutar pelos seus
direitos ao trabalho, sem se darem
conta, estão perdendo direitos ao
tempo disponível. Lutam tanto pelo
trabalho, que se esqueceram da im-
portância de usufruírem das benes-
ses do lazer, com as possibilidades de
desfrutar das virtudes daquilo que
Lafargue, intencionalmente, deno-
mina preguiça, como forma de cri-
ticar um dos setes pecados capitais.
Lafargue deixa claro que os traba-
lhadores de sua época não tinham
possibilidades de acesso aos mesmos
direitos e privilégios da “preguiça”
de seus patrões, mas que deveriam
se atentar para tal exploração, desi-
88
EDUCAÇÃO FÍSICA

gualdade e injustiça.
Para Matos (2003, p. 8), Lafargue
manifesta seu pioneirismo, princi-
palmente, ao tratar do processo de
libertação do operariado (proletá-
rio) não apenas num processo de
luta pela extinção do capital e de
seus detentores, mas em “permitir
ao operário livrar-se de sua alma,
que é o princípio redobrado de sua
própria sujeição”.
A obra principal de Paul Lafargue
consiste em uma apresentação pa-
radoxal e polêmica da alienação no
modo de produção capitalista. Pu-
blicada no Jornal Socialista L’Égali-
té, em uma sequência de artigos, de
16 de junho a 4 de agosto de 1880,
foi editada em conjunto em 1881, re-
89
RECREAÇÃO E LAZER

vista e concluída no cárcere de Sain-


te-Pélagie em 1883. Segundo Chaui
(1999, p. 16), “O Direito à Preguiça
teve sucesso sem precedentes, com-
parável apenas ao Manifesto Comu-
nista, tendo sido traduzido para o
russo antes mesmo deste último”.
O direito à Preguiça, para Matos
(2003, p. 7), pode ser classificado
como um manifesto filosófico por
seu tom interpelativo e mobiliza-
dor, pois:
[...] antecipando Walter Benjamin,
procede à genealogia da religião
capitalista, sua ética protestante
que exige abnegação ao trabalho,
prometendo ascese mundana na
produção de mercadorias. ‘Uma
estranha loucura’, escreve Lafar-
90
EDUCAÇÃO FÍSICA

gue, ‘dominou as classes operárias


das nações onde reina a civiliza-
ção capitalista’. Essa loucura traz
como consequência misérias in-
dividuais e sociais que há séculos
torturam a triste humanidade.
A crítica à sociedade moderna é o
elemento precursor da obra de La-
fargue. A tirania do mercado e do
trabalho alienado são confrontados
pelo autor a partir das necessidades
de uma vida que encontre sentido
em valores de autonomia e liberda-
de. A busca da transformação do
cotidiano é evidente em sua lingua-
gem retórica, objetivando atingir o
âmago das emoções do leitor, com
uma variedade de sentimentos, ad-
vindos de suas descrições da socie-
91
RECREAÇÃO E LAZER

dade. Como afirma Chaui (1999, p.


31), Lafargue:
[...] não apenas sabe que a oralida-
de é essencial num panfleto revo-
lucionário, mas sabe também que
poderá obter um efeito de gran-
des proporções se constituí-lo de
maneira retórica, operando em
seu campo com muitas gamas e
tonalidades de emoções, a fim de
comover e persuadir.
Essa preocupação com a retórica
textual é expressa de imediato com
a escolha do título da série de pan-
fletos. O título original do panfleto
foi: O Direito à Preguiça. Refutação
da Religião de 1848. A escolha do
termo “preguiça”, segundo Chaui
(1999), não foi acidental. Ao con-
92
EDUCAÇÃO FÍSICA

trário, teve uma intenção clara de


reportar-se incisivamente às ques-
tões religiosas. Tal escolha “[...] não
é uma irreverência ‘materialista’ de
um ateu empedernido e sim a crí-
tica materialista do trabalho assala-
riado ou do trabalho alienado, pois
este é o objeto de O Direito à Pre-
guiça” (CHAUI, 1999, p. 30). Lafar-
gue, inteligentemente, constrói sua
retórica em forma de incisiva paró-
dia aos sermões religiosos, seguindo
suas regras.
Ao escolher e propor como um
direito um pecado capital, o autor
visa diretamente ao que denomi-
na “religião do trabalho”, o credo
da burguesia (não só francesa)
para dominar as mãos, os cora-
93
RECREAÇÃO E LAZER

ções e as mentes do proletariado,


em nome da nova figura assumi-
da por Deus, o Progresso. Esta es-
colha é duplamente consistente.
Em primeiro lugar, é consistente
com as obras de Lafargue nesse
período, quando se ocupa com
a origem das religiões, da crença
num deus pessoal transcendente,
na alma e sua imortalidade, na
vida futura de salvação ou dana-
ção. Por que a burguesia crê em
Deus e na imortalidade da alma?,
indaga ele em vários escritos.
Por que dessa crença ela chega às
ideias de justiça, caridade e bem?
Porque, responde ele, a burguesia
tolerou e patrocinou o desenvol-
vimento das ciências da nature-
94
EDUCAÇÃO FÍSICA

za (pois isso era necessário para


o capital), mas não tolera e sim
reprime toda tentativa de conhe-
cimento científico da realidade
social (pois sabe que tal conheci-
mento a desmascara e enfraque-
ce) (CHAUI, 1999, p. 24).
A ideia de Progresso como um deus
é desenvolvida em A religião do Ca-
pital, também de autoria de Lafar-
gue, sempre de forma irreverente e
contundente. A obra deixa eviden-
te uma busca de rompimento com a
realidade calcada na exploração da
e na aceitação desta dominação por
parte dos trabalhadores, que bus-
cam cada vez mais trabalhar e servir
à realidade criada pelo capital.
Neste sentido, Matos (2003, p.
95
RECREAÇÃO E LAZER

13) afirma que Lafargue foi um dos


pioneiros a “romper com o caráter
sadomasoquista da civilização con-
temporânea”. A autora afirma ain-
da que O direito à preguiça é uma
descrição antecipada das realidades
vividas na contemporaneidade, pois
faz uma incisiva crítica à lógica de
mercado, da indústria, ciência e téc-
nica, afirmando que sua ética é anti-
-humana e que, portanto, sua moral
precisa ser negada e substituída por
outra na qual o ser humano esteja
efetivamente no controle.
Segundo Chaui (1999, p. 33), as
obras de maior influência para La-
fargue foram: Manuscritos Econô-
micos de 1844 e o primeiro volume
de O Capital, ambos de seu sogro
96
EDUCAÇÃO FÍSICA

Karl Marx. O pressuposto principal


de O direito à preguiça, segundo a
autora, é o “significado do trabalho
no modo de produção capitalista,
isto é, a divisão social do trabalho e
a luta de classes”.
Neste sentido, De Masi (2001, p.
29) afirma que Lafargue não esta-
belece uma apologia à preguiça que
vai contra o trabalho, defendendo
“o direito ao ócio como única forma
de equilíbrio existencial [...]”. A for-
ma utilizada pelo autor é a contra-
posição a “[...] outros direitos, então
defendidos para os operários: o di-
reito ao trabalho, reivindicado pelos
revolucionários de 1848 [...]”. Este é
um dos pontos de severas críticas à
obra de Domenico De Masi: a uti-
97
RECREAÇÃO E LAZER

lização e/ou tradução indevida de


termos que originalmente expressa-
vam uma clara intencionalidade do
autor. Neste sentido, ao referir-se ao
“Direito ao ócio”, entendo que deva
permanecer a terminologia original
do autor, “Direito à preguiça”, pela
sua clara intencionalidade.
A crítica a este mundo dominado
por injustiças sociais é descrita por
Lafargue, por meio de um humor
contundente. Ao descrever o capita-
lismo como uma nova forma de re-
ligião, apresenta operários embru-
tecidos pelos dogmas do trabalho,
os quais produzem sua própria des-
truição. Reivindica uma nova redis-
tribuição do tempo para que se pos-
sa desfrutar de outras virtudes que
98
EDUCAÇÃO FÍSICA

a vida oferece, pois, devido a uma


dinâmica de trabalho exploradora
e desmedida, os trabalhadores são
privados desse usufruto.
A inspiração para esta recupera-
ção das virtudes da preguiça é encon-
trada por Lafargue, segundo Matos
(2003, p. 12), “nas tradições grega e
romana - a skolé e o ótium”.
Platão e Aristóteles, esses pensa-
dores gigantes [...], queriam que
os cidadãos de suas Repúblicas
ideais vivessem na maior ociosi-
dade, pois, acrescentava Xenofon-
te, ‘o trabalho tira todo o tempo
e com ele não há nenhum tem-
po livre para a República e para
os amigos’. Segundo Plutarco, o
grande título de Licurgo, ‘o mais
99
RECREAÇÃO E LAZER

sábio dos homens, para admira-


ção da posteridade, era ter con-
cedido a ociosidade aos cidadãos
da República, proibindo-os de
exercer qualquer trabalho’.
Obviamente, a ociosidade destes ci-
dadãos da República era sustentada
pelo trabalho escravo de uma outra
classe. Por isso, a historicidade é fa-
tor sempre presente nos textos de
Lafargue, que se preocupa em sa-
lientar aquilo que considera como
determinante no desenvolvimento
da sociedade: a economia capitalista.
Esta economia, ao imprimir o ritmo
frenético da produção industrial,
reduzia os operários a praticamen-
te nada. De Masi (2001, p. 30) apre-
senta um quadro com basicamente
100
EDUCAÇÃO FÍSICA

três tipos de indivíduos que compu-


nham a sociedade na qual Lafargue
elaborava seu texto:
[...] de um lado a classe dos operá-
rios, cada vez mais imprensados
pelos ritmos da produção indus-
trial, dilacerados na própria car-
ne e com os nervos arrebentados,
obrigados ao ‘papel de máquina
fornecedora de trabalho sem tré-
gua nem remissão’, intelectual-
mente degradados e fisicamente
deformados pelo esforço e absti-
nência a eles impostos. De outro
lado estava a classe dos capitalistas
‘condenados ao ócio e ao prazer
forçado, à improdutividade e ao
superconsumo’. No meio havia a
estupidez astuta dos mexeriquei-
101
RECREAÇÃO E LAZER

ros encarregados do desperdício


vistoso dos ricos.
Este quadro delineia parte do quadro
que levava Lafargue a utilizar um tom
de indignação em seu discurso, pois
não aceitava que a preguiça dos ricos
fosse garantida pelo trabalho des-
medido dos pobres, num regime de
trabalho, em média, de quinze horas
por dia, de forma insalubre. Chaui
(1999, p. 16) afirma que O Direito à
Preguiça é um retrato da organização
social burguesa, que almejava atingir
a consciência mais profunda do pro-
letariado enquanto classe social. Por-
tanto, “é a crítica da ideologia do tra-
balho, isto é, a exposição das causas
e da forma do trabalho na economia,
ou o trabalho assalariado”.
102
EDUCAÇÃO FÍSICA

REFLITA

Quando você ouve a palavra


preguiça, ela lhe soa mais posi-
tivamente ou negativamente?
Não é interessante que Paul
Lafargue tenha optado pelo
uso de um termo tão contro-
verso para defender o lazer
para classe proletária?

A obra O Direito à Preguiça é, por-


tanto, uma tentativa de recuperar
uma esfera da dinâmica humana que
havia sido perdida pelos trabalhado-
res contemporâneos a Paul Lafargue.
A busca por mais dignidade no tra-
balho havia posto de lado uma ou-
tra esfera da vida humana que, para
103
RECREAÇÃO E LAZER

o autor, era tão importante quanto o


próprio trabalho, sob uma perspecti-
va diferente da que os trabalhadores
vinham experimentando.
Neste sentido, esta obra é de grande
relevância para a compreensão do la-
zer como um direito social, inclusive
garantido pelo Artigo 6º da Consti-
tuição brasileira de 1988. Toda tenta-
tiva de usurpar os direitos dos traba-
lhadores a uma melhor qualidade de
vida, com dignidade e justiça ganha
resistência na compreensão histórica
de luta pelo direito à preguiça, ou di-
reito ao ócio, ou de forma mais am-
pla, como considero neste texto, di-
reito ao lazer.

104
considerações finais

Caro(a) aluno(a), procurei, nas pri-


meiras reflexões deste estudo, abor-
dar alguns conceitos que considero
necessários para a compreensão do
lazer e da recreação, situando-os his-
toricamente. Entendo que existam
outros aspectos relativos ao lazer que
não foram discutidos, no entanto,
justifica-se pelo próprio objetivo do
estudo que exige o entendimento do
lazer sob uma ótica específica.
O conceito operacional de lazer
adotado em nossas discussões aju-
da-nos a situar os debates em torno
do tema. Há outros conceitos de la-
zer, e a opção por um deles, obvia-
mente, demonstra uma certa visão
de mundo e um projeto de socie-
dade da qual o lazer faz parte e tem
105
considerações finais

grande relevância.
A existência de uma classe ocio-
sa e os embates em torno das jor-
nadas de trabalho sempre estarão
presentes em sociedades que têm
como base a exploração do trabalho
alheio. Neste sentido, a atuação dos
diferentes profissionais no lazer re-
quer um entendimento do seu pa-
pel ou como legitimador, distrator,
crítico, ou transformador de uma
determinada realidade da qual o la-
zer faz parte, mas que é entendido,
apenas, como uma parte da cultura
mais ampla da sociedade.
As lutas históricas para a melhoria
da qualidade de vida do trabalhador,
da qual O Direito à Preguiça faz par-
te, devem sempre ser compreendi-
106
considerações finais

das à luz da forma como a sociedade


está estruturada. Certamente haverá
grupos que vão desejar manter seu
status quo, porque isto lhes convém.
Como educadores, mais especifica-
mente como professores, devemos
entender nosso papel neste processo
de conscientização, que, apesar de es-
tar nas mais diferentes áreas da vida,
estão galgadas na mesma infraestru-
tura concebida historicamente.
Portanto, nestas reflexões iniciais,
deve ficar claro o potencial transfor-
mador que o lazer possui. Para mui-
tos, ele pode ser considerado uma
área de menor relevância. Contudo,
não é isso o que percebemos quan-
do nos aprofundamos na teoria do
lazer. O mesmo sangue que corre no
107
considerações finais

mundo do trabalho é o que corre no


lazer e, neste sentido, a mesma im-
portância que se dá ao trabalho deve
ser dada ao lazer.

108
atividades de estudo

1. Em vez de definir o lazer, Mar-


cellino (2001) apresenta um
conceito operacional de lazer
e não especificamente de uma
definição. Apresente os qua-
tro elementos fundamen-
tais deste conceito opera-
cional de lazer.
2. No contexto industrial há uma
redução significativa da possi-
bilidade de divertimento du-
rante o tempo de trabalho. O
lúdico no ambiente de traba-
lho dá lugar à pressão da pro-
dução e ao paulatino processo
de alienação e desumaniza-
ção. Não mais o instrumento
serve ao ser humano, mas o
109
atividades de estudo

ser humano serve à máquina.


Assim, de que forma Camar-
go (1986) descreve a transi-
ção do trabalho rural para o
trabalho industrial?
3. O filósofo Thorstein Veblen
publicou em 1899 uma análi-
se econômica da sociedade,
sob uma perspectiva socio-
lógica com vistas a demons-
trar que a “classe ociosa” nas-
ce pela emulação pecuniária.
Ao longo da história, o ser hu-
mano procurou demonstrar o
seu poder por meio de alguns
meios, tais como a força física
(proeza), a pecúnia (dinheiro),
o ócio e consumo conspícuo
(ostentatório), e o ócio e consu-
110
atividades de estudo

mo vicário. Defina emulação


pecuniária, ócio e consumo
conspícuo, e ócio e consumo
vicário.
4. Paul Lafargue escreveu em
1880 uma série de artigos que
deu origem à sua obra O di-
reito à Preguiça, que ganhou
status de um manifesto filo-
sófico por seu caráter inter-
pelativo e mobilizador. Qual
a razão para Paul Lafargue
escolher o termo “preguiça”
para compor o título de sua
principal obra?
5. Por que o trabalho alienado é
caracterizado como desuma-
nizante?
111
LEITURA
COMPLEMENTAR

O que é o trabalho
alienado?
Para entendê-lo, é preciso, pri-
meiro, lembrar que, para Marx
e Lafargue, o trabalho, em si
mesmo, é uma das dimensões
da vida humana que revela nos-
sa humanidade, pois é por ele
que dominamos as forças da
natureza e é por ele que satis-
fazemos nossas necessidades
vitais básicas e é nele que ex-
teriorizamos nossa capacida-

112
LEITURA
COMPLEMENTAR

de inventiva e criadora – o tra-


balho exterioriza numa obra a
interioridade do criador. Ou,
numa linguagem vinda da filo-
sofia de Hegel, o trabalho ob-
jetiva o subjetivo, o sujeito se
reconhece como produtor do
objeto. Para que o trabalho
se torne alienado, isto é, para
que oculte, em vez de revelar,
a essência dos seres humanos
e para que o trabalhador não
se reconheça como produtor
das obras, é preciso que a divi-
113
LEITURA
COMPLEMENTAR

são social do trabalho, imposta


historicamente pelo capitalis-
mo, desconsidere as aptidões
e capacidades dos indivíduos,
suas necessidades fundamen-
tais e suas aspirações criado-
ras e os force a trabalhar para
os outros como se estivessem
trabalhando para a sociedade
e para si mesmos. Em outras
palavras, sob os efeitos da di-
visão social do trabalho e da
luta de classes, o trabalhador
individual pertence a uma clas-
114
LEITURA
COMPLEMENTAR

se social - a classe dos traba-


lhadores -, que, para sobrevi-
ver se vê obrigada a trabalhar
para uma outra classe social
- a burguesia -, vendendo sua
força de trabalho no mercado.
Ao fazê-lo, o trabalhador aliena
para um outro (o burguês) sua
força de trabalho que, ao ser
vendida e comprada, se torna
uma mercadoria destinada a
produzir mercadorias. Reduzi-
do à condição de mercadoria
que produz mercadorias, o tra-
115
LEITURA
COMPLEMENTAR

balho não realiza nenhuma ca-


pacidade humana do próprio
trabalhador, mas cumpre as
exigências impostas pelo mer-
cado capitalista.
[...] Em suma, não as percebe
como objetivação de sua sub-
jetividade humana, mas como
algo que parece não depender
de trabalho algum para existir
- o produto aparece como ou-
tro que o produtor. Além dis-
so, as condições impostas pelo

116
LEITURA
COMPLEMENTAR

mercado de trabalho são tais


que os trabalhadores vendem
sua força de trabalho por um
preço muito inferior ao traba-
lho que realizam e por isso se
empobrecem à medida que
vão produzindo riqueza .
Fonte: Chaui (1999, p. 33-35).

117
RECREAÇÃO E LAZER

O direito à preguiça
Paul Lagargue
Editora: Hucitec/Unesp
Sinopse: o Direito à Pre-
guiça (em francês, Le Droit à la Pa-
resse) foi um panfleto revolucioná-
rio que trata das questões relativas
ao trabalho na sociedade capitalista
urbano-industrial e da luta por me-
lhores condições de trabalho, princi-
palmente no que tange às jornadas
excessivas. Na época em que foi es-
crito, as jornadas de trabalho tinham
em média 12 horas e poderiam ex-
ceder em muito este tempo. O dog-
ma de que o trabalho dignifica o ho-
118
EDUCAÇÃO FÍSICA

mem é criticado de forma severa por


Lafargue. A santificação do trabalho
e a demonização da preguiça (ócio)
é algo destrutivo ao ser humano na
opinião do autor. Com este panfle-
to, muitas conquistas trabalhistas
são alcançadas ao redor do mundo.
Comentário: para as discussões
em torno do lazer esta é uma obra
clássica e fundamental. Nelas estão
expostas as bases que justificam a
luta pelo lazer como um direito so-
cial. Qualquer ação política em tor-
no do lazer requer o conhecimento
desta obra como elementos reve-
lador de um período histórico mar-
cado por profunda exploração e
desumanização do trabalho e, con-
sequentemente, do lazer.
119
RECREAÇÃO E LAZER

Por meio deste documentário é


possível compreender como e por-
que a Revolução Industrial foi na
deflagrada na Inglaterra. A compre-
ensão deste momento histórico é
significativa para o entendimento
de como o trabalho foi se estrutu-
rando no modo de produção capi-
talista e, consequente, gerando o
que conhecemos hoje como lazer.
Documentário BBC - Revolução
Industrial na Inglaterra
Para saber mais, acesse o site dis-
ponível em: <https://www.youtu-
be.com/watch?v=RZLSYKmWrjw>.

120
EDUCAÇÃO FÍSICA

Tempos Modernos
Ano: 1936
Sinopse: Chaplin traba-
lha em uma fábrica e em
virtude de um tipo de trabalho
repetitivo, extenuante e pratica-
mente escravo sucumbe a um co-
lapso nervoso. Em virtude deste
quadro, é internado em um hos-
pício. Ao retornar à “vida normal”
encontra a fábrica fechada. Tem
contato, então, com uma jovem
que realiza furtos para sobrevi-
ver. Chaplin se envolve numa con-
fusão em uma manifestação e é
tomado como o líder comunista
121
RECREAÇÃO E LAZER

por ter levantado uma bandeira


vermelha, dando a entender que
ele estava liderando uma greve e
acaba sendo preso. Após ser sol-
to, consegue um emprego numa
outra fábrica, mas logo os operá-
rios entram em greve novamen-
te e ele se envolve novamente
em confusão. É preso novamen-
te, por acertar, sem querer, uma
pedra na cabeça de um policial.
A jovem que conhecera nas ruas
consegue trabalho como dançari-
na num salão de música e conse-
gue um emprego de garçom para
Chaplin. Mas novamente as con-
fusões voltam a acontecer. Então
os dois seguem, numa estrada,
rumo a mais aventuras emocio-
122
EDUCAÇÃO FÍSICA

nantes e divertidas para eles.


Comentário: este é filme é um
marco ao retratar de forma cô-
mica a alienação no mundo do
trabalho. Para as discussões no
campo do lazer e recreação é um
ótimo retrato de como o trabalho
na sociedade urbano-industrial
se estruturou e suas implicações
para o tempo livre.

123
referências

CAMARGO, L. O. L. O que é lazer.


São Paulo: Círculo do Livro, 1986.
CHAUI, M. S. Cultura de democra-
cia: o discurso competente e outras
falas. 7. ed. São Paulo: Cortez, 1997.
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P. O direito à preguiça. São Paulo: Hu-
citec/Unesp, 1999.
DE MASI, D. (org.). A economia do
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DUMAZEDIER, J. Questionamento
teórico do lazer: Porto Alegre: Cen-
tro de estudos do Lazer e Recreação/
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FALEIROS, M.I.L. Repensando o la-
zer. In: Perspectivas, n. 3, p. 51-65,
1980.
124
referências

GALBRAITH, J. K. A era das incer-


tezas. São Paulo: Pioneira, 1982.
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MACEDO, C. C. Algumas observa-
ções sobre a cultura do povo. In: VAL-
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ra do povo. 2. ed. São Paulo: EDUC.
1982.
MARCELLINO, N. C. Estudos do la-
zer: uma introdução. 2. ed. Campinas:
Autores Associados, 2000.
______. (org.) O lazer na empresa: al-
guns dos múltiplos olhares possíveis.
In: ______. Lazer & Empresa: múlti-
plos olhares. Campinas: Papirus, 2001.
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125
referências

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pinas: Papirus, 2002.
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Campinas: Papirus, 2003.
MATOS, O. A dignidade da preguiça,
a dignidade humana (prefácio). In:
LAFARGUE, P. O direito à preguiça.
São Paulo: Claridade, 2003.
VEBLEN, T. A teoria da classe ocio-
sa: um estudo econômico das institui-
ções. São Paulo: Pioneira, 1965.

126
gabarito gabarito

1.
• Cultura vivenciada (praticada,
fruída ou conhecida) no tem-
po disponível das obrigações
profissionais, escolares, fami-
liares, sociais, combinando os
aspectos tempo e atitude.
• O lazer gerado historicamen-
te e dele podendo emergir, de
modo dialético, valores ques-
tionadores da sociedade de
um modo geral, e sobre ele
também sendo exercidas in-
fluências da estrutura social
vigente.
• Tempo privilegiado para vivên-
cias de valores que contribuam
127
gabarito

para mudanças de ordem mo-


ral e cultural, necessárias para
solapar a estrutura social vi-
gente.
• Portador de um duplo aspec-
to educativo – veículo e obje-
to de educação, consideran-
do-se, assim, não apenas suas
possibilidades de descanso e
divertimento, mas de desen-
volvimento pessoal e social.
2. Ele afirma que no ambiente
rural era possível, apesar de
toda dureza inerente ao traba-
lho, conciliar elementos lúdi-
cos, como as danças tradicio-
nais, com os gestos do trabalho
128
gabarito

na terra, na madeira, com os


companheiros. Este eram in-
corporados e estilizados, de-
monstrando a ligação efetiva
e lúdica. Na linha de monta-
gem da Era Industrial isso não
seria mais possível, pois a me-
nor distração de um elemen-
to prejudica a produtividade
dos demais, além de ser um
perigo para o indivíduo e seus
companheiros de trabalho. A
organização do espaço indus-
trial dificulta a diversão e en-
tretenimento, além do que, no
início do processo de indus-
trialização, com as longas jor-
129
gabarito

nadas de trabalho, só restava


tempo para o descanso, e não
para divertimento e desenvol-
vimento pessoal e social.
3. Emulação pecuniária é a com-
petição ou a demonstração de
força por meio do dinheiro.
O ócio e consumo conspícuo
são demonstrações de poder
por meio da fruição do tempo
disponível e das possibilida-
des de aquisição neste tempo
por meio do poder financeiro.
O ócio e consumo vicário são
demonstrações de possibili-
dades do ócio e do consumo
baseados em uma capacida-
130
gabarito

de, ou poder alheio, ou seja,


a vivência e consumo no lazer
estaria relacionada à capaci-
dade que determinado indiví-
duo ou grupo social possui de
manter uma massa de traba-
lhadores ao seu dispor para
realizar um trabalho que lhe
sustente e, consequentemen-
te, este seja favorável ao ócio
e ao consumo.
4. A escolha do termo preguiça
reporta-se às questões reli-
giosas. Lafargue constrói sua
retórica em forma de incisi-
va paródia aos sermões reli-
giosos, seguindo suas regras.
131
gabarito

Preguiça é um dos sete peca-


dos capitais e o que ele obje-
tivou foi um ataque ao “credo
da burguesia”, ao que denomi-
na “religião do trabalho”, cujo
o deus seria o Progresso. Ao
descrever o capitalismo como
uma nova forma de religião,
apresenta operários embru-
tecidos pelos dogmas do tra-
balho, os quais produzem sua
própria destruição. Reivindica
uma nova redistribuição do
tempo para que se possa des-
frutar de outras virtudes que
a vida oferece e que, devido a
uma dinâmica de trabalho ex-
132
gabarito

ploradora e desmedida, priva


os trabalhadores deste usu-
fruto. A preguiça seria o que
hoje denominamos de lazer,
com suas possibilidades de
descanso, divertimento e de-
senvolvimento.
5. No trabalho não alienado, o
sujeito se reconhece como
produtor do objeto. No traba-
lho alienado, a essência do ser
humano é ocultada, e o traba-
lhador não se reconhece como
produtor das obras. A divisão
social do trabalho desconsidera
as aptidões e capacidades dos
indivíduos, suas necessidades
133
gabarito

fundamentais e suas aspira-


ções criadoras. O trabalhador
individual não é mais subjeti-
vo, humano, pertencente a ele
mesmo, mas a uma outra clas-
se, a quem vende sua força de
trabalho no mercado. Quando
o trabalhador aliena para um
outro (o burguês) sua força de
trabalho, se torna uma mer-
cadoria destinada a produzir
mercadorias, portanto desu-
manizado, coisificado.

134
UNIDADE
II
LAZER, RECREAÇÃO,
TRABALHO E OBRIGAÇÕES

Professor Me. Oldrey Patrick Bittencourt Gabriel

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os
tópicos que você estudará
nesta unidade:
• Lazer, trabalho e obrigações
• Lazer, animação
sociocultural e recreação
unidade

II

Objetivos de
Aprendizagem
• Esclarecer as relações entre
lazer, trabalho e as demais
obrigações humanas na
sociedade atual.
• Compreender o surgimento
do animador sociocultural
no processo de
desenvolvimento histórico
do lazer e do trabalho.
INTRODUÇÃO

Prezado(a) aluno(a),
Em nossa segunda unidade, buscare-
mos compreender um pouco mais sobre
a relação do lazer como mundo do traba-
lho, bem como com as demais obrigações
sociais. Além disso, é necessária a com-
preensão de como se dá o surgimento do
animador sociocultural neste processo de
desenvolvimento do lazer até caracterizar-
-se na sociedade contemporânea. O tema
do profissional do lazer, ou animador so-
ciocultural, como adotaremos em nossas
discussões, será abordado especificamente
em nossa última unidade, mas se faz ne-
cessária, neste momento a abordagem para
fins de compreensão do desenvolvimento
EDUCAÇÃO FÍSICA

histórico do lazer.
Não é possível lançar as bases para uma
real compreensão do lazer sem que estabe-
leçamos uma relação com o mundo do tra-
balho. O mesmo sangue social que corre no
trabalho corre no lazer. Qualquer alteração
em um, certamente afetará o outro. O que
se deseja é que o profissional que atue em
qualquer campo do lazer tenha uma base
consistente para compreender e perceber o
potencial transformador que possui o lazer.
Tido por muitos como “coisa não séria”, o
lazer tem, em si, brechas que podem ques-
tionar modelos sociais desumanizadores e
fomentar ações de mudança.
A compreensão do lazer deve ser feita
também na relação com demais obrigações
sociais. Assim como o trabalho tem rela-
ção direta com o lazer, há também uma re-
lação direta entre as obrigações religiosas,
139
NTRODUÇÃO

sociais, político-partidárias e familiares na


determinação do que acontece no tempo
disponível, pois tais obrigações também
são geradoras de valores.
Esperamos que, com as reflexões pro-
postas nesta unidade, você seja instigado a,
ao menos, questionar a realidade na qual
está inserido(a), analisando e verificando
se cada um dos argumentos apresentados
são coerentes diante das suas vivências pes-
soais. Caso você esteja vislumbrando uma
atuação no campo do lazer, estas reflexões
certamente propiciarão uma formação di-
ferenciada como animador sociocultural.
Bons estudos!
RECREAÇÃO E LAZER

Lazer, Trabalho e
Obrigações
Tratar do lazer é abordar necessaria-
mente o tempo de trabalho e as obri-
gações religiosas, sociais, político-
-partidárias e familiares, conforme
Marcellino (2000, p. 7-9). Lembre-
-se de que as obrigações estudantis
142
EDUCAÇÃO FÍSICA

são uma categoria de trabalho. Com


relação à questão das obrigações so-
ciais, vale destacar que:
[...] para se caracterizar uma de-
terminada prática social como
obrigação é necessário analisá-las
a partir dos aspectos tempo e ati-
tude. As obrigações religiosas, por
exemplo, podem ser caracteriza-
das desta forma ao estarem pre-
sas a um tempo pré-determinado
e uma atitude que está de acordo
com um anseio intrínseco do in-
divíduo. A religião, neste sentido,
pode ser caracterizada como la-
zer desde que não seja obrigatória
e esteja respondendo a ao menos
um dos conteúdos do lazer (MAR-
CELLINO, 2000, p. 17-19).
143
RECREAÇÃO E LAZER

As lutas para reivindicação de


novas jornadas de trabalho, bem
como para a humanização deste,
foram marcadas pelo sofrimen-
to em todo o mundo. Camargo
(1986) descreve o processo his-
tórico de reivindicação aos direi-
tos trabalhistas afirmando que as
primeiras lutas foram sangrentas,
pois havia uma constante repres-
são policial às manifestações. Na
Europa, na metade do século XIX,
foram conquistados os primeiros
resultados das reivindicações tra-
balhistas. Com a chegada de traba-
lhadores europeus já treinados no
Brasil, formando uma nova cultu-
ra do trabalho em solo brasileiro,
herdou-se, também, a consciência
144
EDUCAÇÃO FÍSICA

de classe “com consciência sobre


os rumos da luta pela redução da
jornada de trabalho” (Camargo
1986, p. 146).
Para se ter uma ideia da fragilida-
de que permeia as discussões sobre a
redução da jornada de trabalho, é ne-
cessário perceber, por exemplo, que
no Brasil a industrialização ocorreu
aceleradamente no fim do século XIX.
Em 1901 houve a primeira grande gre-
ve brasileira, reivindicando uma jor-
nada de trabalho de onze horas, em
São Paulo. Em 1902, no Rio de Janei-
ro, e em 1905, em Sorocaba, tiveram
greves que reivindicavam redução das
jornadas vigentes de quinze a dezes-
seis horas. Em 1903, no Rio de Janei-
ro, consegue-se a redução da jornada
145
RECREAÇÃO E LAZER

diária para nove horas e meia.


Embora as lutas para redução
das jornadas de trabalho datem
do início do século, é a partir de
1930 que se passou a cuidar en-
tre nós, de maneira sistemática,
da elaboração de leis sociais, pro-
tetoras do trabalho, incluindo o
aumento do tempo liberado diá-
rio, nos fins de semana e nos fins
de ano (férias). Essas leis foram
uma conquista dos movimen-
tos de trabalhadores, apesar da
propaganda estadonovista que-
rer camuflar a situação (MAR-
CELLINO, 2003, p. 35).
Em 1891, ocorreu o Congresso In-
ternacional do Trabalhadores, em
146
EDUCAÇÃO FÍSICA

Bruxelas, cuja a síntese foi a luta


em direção à jornada diária de tra-
balho de oito horas. Este congresso
impulsionou os congressos operá-
rios em todo o mundo. No Brasil,
o primeiro congresso foi em 1892,
constando a luta pela jornada de
trabalho de oito horas. Faltava ain-
da um amadurecimento para tais
discussões e ações efetivas.
Apenas em 1907, com um número
de 3.258 empresas e 150.841 funcio-
nários, ocorre a grande greve brasilei-
ra, em primeiro de maio, nas princi-
pais capitais do país e nas cidades de
Sorocaba, Santos e Campinas. A par-
tir deste momento, paulatinamente,
as conquistas pela redução da jorna-
da de trabalho vão sendo conquista-
147
RECREAÇÃO E LAZER

das (CAMARGO, 1986).


Várias manifestações repressivas
ocorrem, subsidiadas pelo capital. A
concepção dos detentores do capital,
os grandes industriais, era que o tem-
po de lazer poderia desvirtuar mais a
sociedade. Em 1917, por exemplo, o
parecer ao primeiro projeto de lei que
regulamentava a jornada de trabalho
de oito horas, foi tachado de “anárqui-
co, subversivo e imoral” (CAMAR-
GO, 1986, p. 147). Em 1917 ocorre a
segunda grande greve nacional, rei-
vindicando o final de semana de lazer,
com os sábados à tarde e domingos li-
vres para tal.
Portanto, os argumentos apresen-
tados reforçam a ideia de que o lazer
possui íntima relação com o trabalho
148
EDUCAÇÃO FÍSICA

e que o processo de redução da jorna-


da deste favoreceu o desenvolvimento
do lazer. Entretanto, é necessário des-
tacar que não é apenas na relação com
o trabalho que o lazer se desenvolve.
Na medida que o tempo dedicado às
obrigações cotidianas diminuem, ten-
de a crescer o seu tempo e as possibi-
lidades para seu desenvolvimento.
A recíproca é inversamente ver-
dadeira. Um aumento no tempo de
trabalho e/ou das obrigações coti-
dianas, por necessidade, ambição ou
qualquer outra razão, tende a privar
o ser humano de uma possibilidade
de vivência de valores inerentes ao
próprio lazer.
Um problema enfrentado prin-
cipalmente nas sociedades me-
149
RECREAÇÃO E LAZER

nos desenvolvidas e com proble-


mas sociais emergenciais, como é
o caso do Brasil, é o de considerar
determinadas atividades cotidia-
nas como de primeira necessida-
de e outras como facultativas, ou
desnecessárias. Marcellino (2003)
afirma que, em muitos momentos,
as atividades de lazer são tratadas
como sobremesa ou modismo e
que, para superar esta concepção, o
assunto deve ser tratado com serie-
dade, no sentido de compreender
seu significado e importância para
a vida humana. Na esteira destas
considerações, Marcellino (2003,
p. 17) propõe considerá-lo “não
como simples fator de amenização
ou alegria para a vida, mas como
150
EDUCAÇÃO FÍSICA

questão mesmo de sobrevivência


humana, ou melhor, de sobrevi-
vência do humano no homem”.
Outro aspecto relevante para con-
siderarmos acerca do lazer, além do
seu significado, são os valores atri-
buídos a ele. Os mais frequentes são
divertimento e descanso, gerando,
desta forma, atitudes negativas com
relação ao lazer. Por vezes o lazer é
considerado como vazio de signifi-
cados por poder ter como caracterís-
tica a possibilidade de ócio. Outras
vezes não se trata o lazer com a de-
vida seriedade, pois a possibilidade
de divertimento é considerada como
coisa para matar o tempo.
Com relação à existência e carac-
terização do lazer na sociedade ur-
151
RECREAÇÃO E LAZER

bano-industrial, é necessário desta-


car que para que ele exista é condição
sine qua non que as obrigações di-
árias cessem, ou seja, o tempo para
a concretização e caracterização do
lazer é o tempo fora das obrigações
do trabalho diário. Há um caráter
liberatório no lazer, resultado de li-
vre escolha.
Há um relativo caráter desin-
teressado que caracteriza o lazer,
sem fins econômicos, por exem-
plo. O lazer tem como funções o
descanso (físico e mental), o di-
vertimento (quebra da rotina co-
tidiana obrigatória) e o desenvol-
vimento (pessoal e social). “Nas
atividades de lazer busca-se, as-
sim, um estado de satisfação
152
EDUCAÇÃO FÍSICA

pessoal que engloba toda a per-


sonalidade do indivíduo” (MAR-
CELLINO, 2003, p. 26).
Com relação ao tempo de trabalho
e ao tempo de não trabalho (tempo li-
berado), precisamos enfatizar que esta
dicotomia deve ser analisada especi-
ficamente no mundo urbano-indus-
trial. Um outro problema relacionado
à aquisição de mais tempo disponível
para o ser humano é a questão de não
estarem preparados para usufruírem
deste tempo, por estarem condiciona-
dos às dinâmicas alienantes do mun-
do do trabalho, passam a desconhe-
cer a si mesmos, seus gostos, anseios
e virtudes. Ou ainda, por possuírem
uma renda insuficiente para seu sus-
tento, passam a realizar trabalhos in-
153
RECREAÇÃO E LAZER

formais para prover a subsistência de


si e da família.
Neste sentido, Friedmann
(1964) afirma que o processo de
industrialização exerce no traba-
lhador uma ação múltipla gera-
dora de variados fenômenos so-
ciais. Em muitos casos, segundo
o autor, o trabalho rotineiro e en-
fadonho gera uma compensação
oposta fora do trabalho e por ve-
zes aumenta o sentimento de apa-
tia: contudo o tempo fora do tra-
balho passa a relacionar-se a uma
possibilidade ou de compensação
dos males do trabalho ou de vi-
vência de valores de transforma-
ção social. No primeiro caso des-
tacamos a seguinte afirmação:
154
EDUCAÇÃO FÍSICA

[...] seu tempo fora do trabalho


vê-se ameaçado por uma fadi-
ga, amiúde mais psíquica do que
física, que pesa, até destruí-la,
sobre a capacidade que tem de
divertir-se e mesmo de recupe-
rar-se. Sejam agressivas ou de-
pressivas, as reações afastam o
trabalhador das promessas de
uma vida de lazer ao mesmo
tempo divertida e enriquece-
dora, orientada em um nível de
cultura mais elevado. Seu papel
de consumidor padronizado
dos produtos do sistema, de que
constitui uma engrenagem, au-
menta seu bem-estar material,
porém não faz senão acentuar
nele o desequilíbrio, as tensões
155
RECREAÇÃO E LAZER

entre a vida de trabalho e a exis-


tência fora do trabalho (FRIED-
MANN, 1964, p. 166).
Portanto, além do problema de rei-
vindicação de tempo fora do traba-
lho, há o sério problema da qualida-
de deste, dedicado às atividades nele
vivenciadas. Mais uma vez, confor-
me afirma Friedmann (1964), as ca-
racterísticas de um trabalho em mi-
galhas são impressas nas atividades
de lazer. A alienação de um é ca-
racterizada no outro. Bosi (1978, p.
35) expressa essa questão de forma
pertinente ao afirmar que “[...] se
no trabalho e no lazer corre o mes-
mo sangue social, é de esperar que a
alienação de um gere a evasão e pro-
cessos compensatórios em outro”.
156
EDUCAÇÃO FÍSICA

Além da preocupação, que há dé-


cadas é fomentada, acerca de polí-
ticas de redistribuição do tempo,
das quais destaca-se a militância de
Paul Lafargue e Bertrand Russell, o
problema da qualidade de tempo no
lazer é outra séria questão a ser re-
fletida, pois conforme adverte Mar-
cellino (2003, p. 36),
[...] está em jogo uma série de
forças que visam o controle do
tempo dos dominados e seu
aproveitamento na produção.
Afinal, ‘tempo é dinheiro’, e no
sistema de produção vigente,
‘dinheiro é poder’.

157
RECREAÇÃO E LAZER

Portanto, muito mais do que reivin-


dicar mais tempo para o usufruto do
lazer e suas possibilidades, se fazem
necessárias ações educativas que, con-
forme o conceito operacional de lazer
adotado para este estudo, eduquem
pelo e para o lazer. Educar pelo lazer
seria o modo como as atividades de
lazer poderiam desenvolver pessoal e
socialmente seus praticantes, sem ne-
cessariamente instrumentalizá-lo. Já
educar para o lazer seria a implementa-
ção de ações educativas que conscienti-
zassem a população de que o lazer não
precisa estar atrelado à indústria cul-
tural para que dê prazer e que há sim a
necessidade de transcendência de um
grau conformista para um grau crítico
e criativo (DUMAZEDIER, 1980b).
158
EDUCAÇÃO FÍSICA

Esta superação pode ocorrer em meio


a vivência e atitude favorável na forma
de se conhecer, vivenciar e refletir so-
bre os conteúdos culturais presentes
nas atividades de lazer que, conforme
Dumazedier (1980a, p. 110), podem ser
classificadas de acordo com a predomi-
nância maior dentre cinco interesses. O
interesse pode ser compreendido como
“o conhecimento que está enraizado na
sensibilidade, na cultura vivida”.
Para Dumazedier, há cinco catego-
rias distintas quanto ao conteúdo das
atividades: interesses físicos, os práti-
cos ou manuais, os artísticos, os inte-
lectuais e os sociais. Camargo (1986)
apresenta a categoria do conteúdo tu-
rístico. Vejamos o que engloba cada um
desses conteúdos culturais do lazer.
159
RECREAÇÃO E LAZER

Os conteúdos Físico-esportivos es-


tão relacionados às manifestações do
lazer associadas ao movimento ou ao
exercício físico. Eles podem assumir
íntima relação com a arte, como nas
danças ou no jogo de capoeira. To-
davia lembre-se: o que determinará a
classificação de um determinado con-
teúdo cultural do lazer é a prevalência
de suas características sobre outras que
sejam de outros conteúdos. Como nos
casos citados, por vezes, pode não ser
tão simples realizar esta classificação,
pois, o aspecto estético, por exemplo,
pode ser muito evidente, o que o clas-
sificaria dentro dos conteúdos artísti-
cos do lazer. É o caso também de al-
gumas ginásticas, como por exemplo,
a Ginástica para Todos.
160
EDUCAÇÃO FÍSICA

SAIBA MAIS

A Ginástica para todos, an-


teriormente cunhada como
GG (Ginástica Geral), é uma
modalidade bastante abran-
gente, valendo-se das vá-
rias propostas de Ginástica
(Artística, Rítmica, Aeróbica,
Trampolim, Acrobática, den-
tre outras), além de variadas
possibilidades de manifesta-
ções corporais. Estas podem
ser diversos tipos de danças e
expressões folclóricas, apre-
sentados por meio de coreo-
grafias musicadas em grupos,
com propostas livres e cria-
tivas, sempre fundamenta-

161
RECREAÇÃO E LAZER

das nos elementos gímnicos,


oportunizando a expressão
dos aspectos multiculturais de
quem as desenvolve e, princi-
palmente, sem qualquer tipo
de limitação para a sua prá-
tica, seja quanto às possibili-
dades de execução, sexo ou
idade.
Fonte: adaptado de Centro
esportivo virtual ([2017], on-
-line)1.

Outra característica dos conteúdos fí-


sico-esportivos é o favorecimento de
novas relações com a natureza e su-
peração dos limites do próprio corpo.
Neste sentido há uma proximidade
162
EDUCAÇÃO FÍSICA

grande com os conteúdos turísticos


do lazer ou com os sociais, por exem-
plo. Os esportes de aventura, as cami-
nhadas, os clubes de corrida, desde
que permaneçam fora das obrigações
sociais, carregam essas característi-
cas, e neles há, portanto, as possibili-
dades de participação de intervenção
do professor de Educação Física.
O segundo conteúdo cultural do
lazer são os práticos ou manuais. Sua
principal característica é a prevalên-
cia da capacidade de manipulação,
de transformação de objetos ou ma-
teriais, ou para lidar com a natureza
ou como resistência ao consumismo
e a massificação da indústria. Repro-
duz situações das sociedades tradi-
cionais, por exemplo, o artesanato,
163
RECREAÇÃO E LAZER

bricolagem, cultivo de plantas e cria-


ção de animais. Estas ações podem
atribuir ao que seria o lazer uma ca-
racterística de “semi-lazer”, pois é
possível que tais manifestações, por
mais prazerosas que sejam, ganhem,
ora ou outra, conotação de trabalho
ou de obrigações.
O terceiro conteúdo cultural do la-
zer são os artísticos, nos quais há a
prevalência do imaginário e do esté-
tico, uma busca pela beleza e encan-
tamento, no qual está presente, por
exemplo, um alto grau de contem-
plação. Os sentimentos e as emoções,
portanto, têm grande preponderân-
cia, neste conteúdo, atrelado às mani-
festações artísticas; como exemplos,
destacamos as festas tradicionais, es-
164
EDUCAÇÃO FÍSICA

petáculos, literatura de ficção, música


e artes plásticas.
Os conteúdos intelectuais do lazer
são aqueles em que há um anseio pelo
contato com o real, com informações
objetivas e racionais. Podem estar re-
lacionados tanto a interesses delimi-
tados apenas na esfera do lazer quan-
to ligados ao trabalho e às obrigações.
Pode parecer ambiguidade, e pode ser,
mas o que delimita são, como já dis-
cutido, os aspectos tempo e atitude.
Os interesses intelectuais estão in-
timamente ligados ao conhecimento
vivido, experimentado. Acessar docu-
mentários em áreas de interesses liga-
das ao mundo real, realizar um curso
sem o caráter obrigatório, ler um li-
vro por interesse pessoal, são exem-
165
RECREAÇÃO E LAZER

plos destes interesses.


Os interesses sociais são a quinta ca-
tegoria de classificação dos conteúdos
culturais do lazer. Os interesses destes
conteúdos estão relacionados à busca
por relacionamentos, contatos face a
face, ligadas ao repouso, divertimen-
to e informação. Um questionamento
que sempre nasce deste conteúdo cul-
tural do lazer é com relação às rela-
ções virtuais. O questionamento seria
se elas caracterizariam os interesses
sociais, mesmo não havendo contato
físico. Acredito que sim. Elas caracte-
rizam os interesses sociais, pois assim
como o contato presencial, real, há so-
ciabilidade espontânea e organizada.
Os encontros familiares podem
ser uma categoria de semilazer, pois
166
EDUCAÇÃO FÍSICA

como mencionamos anteriormente,


apesar do aspecto tempo e atitude
característicos do lazer, podem es-
tar presentes as obrigações sociais.
Exemplos destes interesses são os
tradicionais happy hours, encontros
para cafés, associações das mais di-
versas e em muitos casos cultos reli-
giosos de caráter congregacional.

REFLITA

Você já parou para pensar que


os clubes de corrida, ou o tra-
dicional futebol dos finais de
semana estejam mais asso-
ciados a interesses sociais do
que aos físico-esportivos?
167
RECREAÇÃO E LAZER

O último conteúdo cultural do lazer,


classificado sempre a partir do aspec-
to tempo e atitude, são os de interesses
turísticos, nos quais há uma quebra da
rotina temporal e/ou espacial e o con-
tato com novas situações, paisagens e
culturas. Excursões, passeios e viagens
são exemplos destes interesses. É bom
lembrar que não me refiro apenas à
execução ou vivência. Neste caso, o
planejamento, com todo seu grau de
expectativa e excitação, e o rememo-
rar a vivência, por meio de fotos, víde-
os ou numa reunião de amigos, tem o
mesmo grau de importância quanto a
vivência em si.
Alcançar a tão almejada qualida-
de de vida requer um equilíbrio entre
cada um destes interesses, conforme
168
EDUCAÇÃO FÍSICA

o tempo e atitudes individuais, numa


perspectiva dos três “D’s” do lazer:
descanso (físico e/ou mental); diver-
timento (quebra da rotina); desen-
volvimento (pessoal e/ou social). São
opções prazerosas pela atividade, nas
quais a pessoa pode realizar obser-
vando, fazendo, ou conhecendo algo,
pois todas elas caracterizam a possi-
bilidade de fruição.
Vale destacar que as categorias pas-
sividade e atividade no lazer não es-
tão associadas ao grau de movimento
relacionado a um determinado con-
teúdo cultural. A prática e consumo
estão ligados à atitude e aos níveis de
participação que podem ser: elemen-
tar (conformista); médio (crítico); ou
superior ou inventivo (criativo). Pas-
169
RECREAÇÃO E LAZER

sividade ou atividade estão relaciona-


das, portanto, a estes três níveis apre-
sentados.
REFLITA

A criança, enquanto produtora


de cultura, necessita de espaço
para essa criação. Impossibilitada
torna-se consumidora passiva.
(Nelson Carvalho Marcellino).

Entretanto, há a necessidade de que


as pessoas que estão em atitude fa-
vorável ao lazer se conscientizem
de todas as possibilidades presentes
neste tempo/espaço. A informação
170
EDUCAÇÃO FÍSICA

é o primeiro mecanismo para que a


conscientização aconteça de modo
satisfatório, de forma que as ativi-
dades, ou a opção pelo ócio, envolva
o indivíduo em sua complexidade.
Nesse sentido, as atividades de lazer
devem conceber o ser humano de
maneira integral.
Para tanto, é necessário que os in-
divíduos conheçam as atividades
que satisfaçam os vários interesses,
sejam estimulados a participar e re-
cebam um mínimo de orientação
que lhes permita a opção caracte-
rizadora do lazer. A escolha só será
possível se houver conhecimento
das várias alternativas que o lazer
oferece (Marcellino, 2003, p. 43).
O processo educativo pelo e para o
171
RECREAÇÃO E LAZER

lazer deve ser considerado, acima de


tudo, como uma atitude política en-
tendida em seu sentido mais amplo
e não apenas como ligação político-
-partidária, como atitude que lida
com as diferentes relações de poder e
as consequências advindas dessas re-
lações. Além disso, o lazer, enquanto
espaço político, educativo e, por que
não, ideológico, pode ser considerado
como espaço de resistência ao consu-
mismo imposto pela lógica do mer-
cado dos dias atuais.
O cuidado destacado pelo autor
com relação às práticas concretas do
lazer se refere às apropriações as quais
o lazer está submetido. Por vezes o la-
zer é submetido a interesses governa-
mentais, por exemplo, sendo por eles
172
EDUCAÇÃO FÍSICA

explorado, devido a seu alto potencial


educativo.
O lazer é um modelo cultural
de prática social que interfere no
desenvolvimento pessoal e social
dos indivíduos. Essa é a chamada
educação informal, numa socie-
dade que, não apenas através da
escola ou da família, mas também
dos seus pontos de encontro, das
informações difusas de tevê, jor-
nais, outdoors, cinema bate-pa-
pos, se converte numa sociedade
educativa (CAMARGO, 1986, p.
165-166).
Além disso, em oposição a uma dinâ-
mica de resistência possível no lazer,
há o perigo da utilização da agradável
força do esporte e lazer, por exemplo
173
RECREAÇÃO E LAZER

“para a atenuação de conflitos sociais


e, por que não dizer, para forjar um
sentimento de identidade comum”
(VALE, 1988, p. 49), sentimento este
que produz uma barreira que impede
a percepção das reais desigualdades

174
EDUCAÇÃO FÍSICA

Lazer, Animação Sociocultural


e Recreação
A atuação dos voluntários ou profis-
sionais envolvidos com o lazer deve
estar permeada de uma consciência
do potencial e dos perigos que en-
volvem o lazer, aparentemente tidas
como atividades inocentes. Portan-
175
RECREAÇÃO E LAZER

to, a atuação no campo do lazer é,


antes de mais nada, uma ação edu-
cativa, tão importante e necessária
quanto a educação formal. Além
deste entendimento do animador só-
cio-cultural, do recreador, ou qual-
quer outra denominação que se dê
ao indivíduo que esteja envolvido
com estímulo e organização de prá-
ticas de lazer, destacamos a seguinte
afirmação sobre seu papel:
[...] aproxima-se em muito do pa-
pel exercido pelos intelectuais na
mudança intelectual e moral pro-
posta na obra do pensador Anto-
nio Gramsci. Esse autor pode ser
situado como um dos principais
responsáveis, senão o principal,
pelo resgate do valor da atuação
176
EDUCAÇÃO FÍSICA

no plano cultural. Suas reflexões,


calcadas sobretudo nas experiên-
cias vividas – sempre foi um mi-
litante cultural – são, via de regra,
consolidadas em diretrizes para o
estabelecimento de uma política
cultural. Os objetivos da política
cultural proposta por Gramsci si-
tuam-se em duas frentes interliga-
das: uma de derrubada da ideologia
dominante, e outra de reconstru-
ção. Em síntese, o que se busca em
ambas as frentes é a renovação de-
mocrática e humanista da cultura
e da sociedade. E para tanto o autor
prega a necessidade da mudança
intelectual e moral, ou, em outras
palavras, uma Revolução Cultural
(MARCELLINO, 2003, p. 75).
177
RECREAÇÃO E LAZER

O lazer, enquanto campo de edu-


cação não formal, é ainda um locus
privilegiado para uma vivência cul-
tural de forma lúdica. Esta ludicida-
de é que tende a livrar o indivíduo
de suas máscaras, necessárias a algu-
mas práticas sociais cotidianas. Ain-
da com relação ao potencial educa-
tivo advindo do lazer, destaco que,
além das possibilidades de aprendi-
zado, é um campo de exercício da
participação social com caracterís-
ticas lúdicas.
A esse processo se denomina edu-
cação não-formal ou animação
cultural, ou ainda, animação so-
ciocultural. Seu objetivo é mos-
trar que o exercício de atividades
voluntárias, desinteressadas, pra-
178
EDUCAÇÃO FÍSICA

zerosas e libertatórias pode ser


o momento para uma abertura
a uma vida cultural intensa, di-
versificada e equilibrada com as
obrigações profissionais, fami-
liares, religiosas e políticas (CA-
MARGO, 1986, p. 167).
A animação sociocultural é entendi-
da por Marcellino (1996, p. 61-62)
como
[...] atividade desenvolvida por
profissionais ou amadores que do-
minem pelo menos um setor cul-
tural e que tenham como caracte-
rística adicional uma consciência
social que os impila a querer di-
fundir esse seu bem cultural”.
A formação destes agentes deve ser
alicerçada em competência técnica,
179
RECREAÇÃO E LAZER

vontade social e compromisso po-


lítico, na concepção que já desta-
camos, , sendo um elo entre o pa-
trimônio cultural e cultura diária,
atuando como elemento de diálogo
entre ambas.
A recreação, ou seja, as atividades
de lazer, conforme Bruhns (1997, p.
39), tem um alto componente lúdico
que está associado “à improvisação
livre e fantasias sem controle”. Con-
forme Caillois (1990), esta concep-
ção de lúdico, associada ao termo
paedia, refere-se a atividades livres,
sem obrigatoriedade, num tempo e
espaço específicos, sem expectativa
ou previsão de resultados, a não ser
a própria satisfação associada à sua
prática, improdutiva, mas associa-
180
EDUCAÇÃO FÍSICA

das e fundamentadas em determi-


nadas regras. O papel educativo do
animador sociocultural, nessa pers-
pectiva, seria menos o de liderar prá-
ticas de lazer e mais o de mostrar as
infinitas possibilidades de partici-
pação social e de autorealização por
meio do lazer perante a vida.
Caberia ao animador motivar os in-
divíduos para a criação e o desenvol-
vimento de práticas dentro do bairro,
da escola e/ou da empresa, destacan-
do as possibilidades de mobilização
para eventos de lazer, por exemplo,
advindos da própria mobilização da
comunidade, mesmo com recursos
materiais escassos e com a mão de
obra dos próprios beneficiários, con-
forme sugere Camargo (1986).
181
RECREAÇÃO E LAZER

Parker (1978, p. 10), ao apresentar


seu entendimento sobre o lazer, des-
taca o papel de organizações e ins-
tituições que gerenciariam as prá-
ticas de lazer, sob uma concepção
moralista no sentido de amenizar
os conflitos advindos de interesses
divergentes, o que me parece desca-
racterizar a própria possibilidade de
diferentes atitudes advindas do la-
zer. Eis seu entendimento:
[...] o lazer é o tempo livre de tra-
balho e de outras obrigações, e
também engloba atividades que
se caracterizam por um sentimen-
to de (relativa) liberdade. Como
sucede com outros aspectos da
vida e da estrutura social, o lazer
é uma experiência dos indivídu-
182
EDUCAÇÃO FÍSICA

os, um atributo do grupo ou de


outra atividade social, e possui
organizações e instituições rele-
vantes que procuram atender às
necessidades de lazer, reconciliar
interesses conflitantes e imple-
mentar as políticas sociais.
É possível perceber que uma real re-
volução cultural que envolva, den-
tre outros aspectos, a questão do la-
zer deve levar em conta o processo
de institucionalização da cultura, de
forma geral. A desapropriação pro-
gressiva das práticas instituciona-
lizadas, pela própria ação popular,
pode ser considerada uma forma de
resistência. O que se deve priorizar,
no entanto, é que estas manifestações
possibilitem uma crítica ao próprio
183
RECREAÇÃO E LAZER

mundo do trabalho de onde este la-


zer, de forma dialética, emerge.
Com relação a um processo de mu-
dança que facilite a instauração de
uma nova ordem no plano cultural,
podemos destacar que a sociedade
contemporânea se encontra em um
momento histórico adequado para
sua efetivação, pois conforme Mar-
cellino (2003, p. 80-81), há um “[...]
apelo dos novos valores que se ve-
rifica atualmente, valores esses tam-
bém gerados na prática do lazer”.
Na sequência de sua argumentação,
afirma que mesmo com as barrei-
ras existentes na sociedade contem-
porânea, que possam impedir esta
revolução cultural, há uma grande
reivindicação com relação à dinâ-
184
EDUCAÇÃO FÍSICA

mica do lazer em suas mais varia-


das dimensões, principalmente no
ambiente urbano. Para que haja um
real entendimento e valorização do
lazer, enquanto um dos elementos
do processo de humanização, deve
ocorrer uma contribuição
[...] através da promoção de ativi-
dades e da adoção de medidas que
facilitem a participação popular,
para o entendimento e valoriza-
ção do lazer no senso comum.
Para isso, além de tempo e espaço
disponíveis, a ação cultural dos
animadores é básica. É preciso
que esses profissionais ou ama-
dores, engajados em grupos ou
organizações, distingam os alia-
dos a quem devem se associar e
185
RECREAÇÃO E LAZER

os obstáculos a serem transpostos


na sua tarefa pedagógica. Do seu
engajamento, quase sempre mar-
cado pela incerteza dos resultados
a serem obtidos, dependerá a efe-
tivação do lazer como elemento
de mudança ou de acomodação,
como fator de humanização ou
simples bem de consumo (MAR-
CELLINO, 2003, p. 80-81).
Este apelo a uma mudança, princi-
palmente no que diz respeito ao la-
zer, é fruto da percepção que o mun-
do do trabalho em si não dá conta de
explicar a existência humana e que
já não a satisfaz suficientemente. O
conformismo e o problema da insa-
tisfação no trabalho geram proble-
mas sociais latentes; um exemplo na
186
EDUCAÇÃO FÍSICA

sociedade contemporânea seriam


as torcidas de futebol, que passam a
agir de forma violenta sem ao menos
terem consciência das razões, quan-
do, na realidade, a causa pode estar
justamente numa insatisfação social,
relacionada, por exemplo, ao traba-
lho, uma espécie de catarse. Este é
apenas um exemplo da evasão que o
“trabalho em migalhas” pode gerar
à dinâmica social.

187
RECREAÇÃO E LAZER

REFLITA

Já notou como em certas parti-


das esportivas, as pessoas, tanto
praticantes quanto espectado-
res, têm descargas emocionais
que podem estar associadas à
violência? Você já associou isso
à catarse?
Com relação à evasão, podemos per-
ceber que o trabalho na sociedade
capitalista ocidental moderna não
está propiciando, de forma geral, a
possibilidade de expressão, satisfa-
ção e sustento. Neste sentido, per-
cebemos a seguinte observação de
Friedmann (1964, p. 169-170):
188
EDUCAÇÃO FÍSICA

[...] toda evasão, na opinião dos psi-


cólogos, constitui um comporta-
mento mais ou menos neurótico,
acompanhado, sob diversas formas,
de recalque, de separação com rela-
ção a uma parte do real, de frustra-
ção e, às vezes, mesmo de tendências
agressivas. [...] Todavia, há diver-
sas formas de evasão no lazer [...].
O homem ‘alienado’, na civilização
técnica do capitalismo, é infeliz: ‘ao
consumir diversão, procura repri-
mir a consciência de sua infelicida-
de. Empenha-se em ganhar tempo
e, em seguida, se inquieta em matar
o tempo que ganhou’. A insatisfação
do trabalho em migalhas constitui,
em nossa opinião, um dos princi-
pais aspectos desta alienação.
189
RECREAÇÃO E LAZER

A privação desta humanização ex-


pressiva do/no trabalho tem, por-
tanto, impresso características gera-
doras de patologias. Estas patologias
são demonstradas grandemente pe-
las reações negativas fora do espa-
ço/tempo de emprego. Por vezes a
violência urbana é um exemplo cla-
ro destas patologias.
O homem perdeu um locus pri-
vilegiado de manifestação e, neste
sentido, almeja por um reencontro
consigo mesmo, com o outro e com
a natureza, por meio de uma outra
possibilidade que seja diferente da-
quela vivenciada pelo trabalho as-
salariado e alienado. O lazer torna-
-se, neste sentido, um espaço/tempo
privilegiado para que o trabalhador
190
EDUCAÇÃO FÍSICA

perceba que existem meios de resis-


tir ao processo em curso, que o leva,
cada dia mais, a descaracterizar suas
mais inerentes virtudes.
Este trabalho, de forma geral, não
permite a expressão e produção cul-
tural do ser humano. A máquina, a
produção em série e outros meios
inerentes ao trabalho industrial fa-
zem com que o trabalhador se limi-
te a executar uma tarefa previamen-
te solicitada, sem necessariamente
questioná-la ou criar sobre ela. Res-
salto que não é apenas no trabalho
industrial que isto acontece, pois há
características do trabalho alienado
até mesmo em profissões que apa-
rentemente permitem ações críticas
e criativas, como por exemplo, as li-
191
RECREAÇÃO E LAZER

gadas às produções intelectuais, ar-


tísticas, dentre outras.
Em um texto, denominado de
“Elogio ao Lazer”, original de 1932,
o autor britânico Bertrand Russell
afirma que o ser humano já traba-
lhou em demasia, afirma que “a
crença de que o trabalho é virtuoso
é imensa e nociva e que o necessá-
rio a ser pregado nos países indus-
triais modernos é muito diferente
de toda a pregação passada” (RUS-
SELL, 1977, p. 9).
A proposta de Russell (1977) é de
uma jornada de trabalho de quatro
horas, o que acabaria com o pro-
blema do desemprego. A ciência e a
máquina representariam a redenção
da humanidade. Sua principal preo-
192
EDUCAÇÃO FÍSICA

cupação é a de moralização social.


Neste sentido, faz as seguintes afir-
mações:
[...] é parte essencial de qualquer
sistema social que adote essa jor-
nada de quatro horas, que a educa-
ção seja mais eficiente e que tenha
como objetivo, em parte, ensejar o
gosto que permita às pessoas des-
frutar o lazer de modo inteligen-
te. [...] Pelo menos um por cento
deverá dedicar o tempo não em-
pregado no serviço profissional
a tarefas de importância pública
e, visto que não dependerá disso
para ganhar a vida, sua originali-
dade será livre, [...]. De todas as
qualidades morais de que o mun-
do mais precisa é a índole e ela é
193
RECREAÇÃO E LAZER

consequência de conforto e segu-


rança para todos; em lugar disso,
optamos pelo trabalho excessivo
a cargo de uns e pela miséria e
pela fome de outros (RUSSELL,
1977, p. 22-24).
Por mais que a proposta de Russell
pareça sensata e humana, há que se
perceber a observação de um ser hu-
mano parcial. O lazer não pode ser
considerado como única fonte de
realização humana. A forma como
o trabalho se caracterizou na socie-
dade moderna deve ser repensada,
para que as compensações ou eva-
sões deem lugar a uma consciência
crítica e criativa frente às várias pos-
sibilidades de realização humana.
A abordagem feita por Russell
194
EDUCAÇÃO FÍSICA

(1977) acerca do lazer e do trabalho,


analisa-os como se fossem indepen-
dentes um do outro, e “[...] faz com
que não seja levado em conta que a
alienação em um dos campos venha
a gerar atitudes de evasão ou com-
pensação no outro” (MARCELLI-
NO, 2003, p. 27-28). Sua proposta
é uma proposta de mudança, mas
que demonstra pequenos traços de
uma visão funcionalista, sendo que
esta pode ser caracterizada da se-
guinte forma:
[...] a visão funcionalista da rela-
ção trabalho/lazer não considera
a ordem causal no tempo – a não
ser no sentido da recuperação de
forças – que encontramos já na
“Crítica da Razão Pura” de Kant,
195
RECREAÇÃO E LAZER

onde ele demonstra que o tem-


po anterior determina o seguinte
(MARCELLINO, 2003, p. 27-28).
Portanto, um problema sumário
para o entendimento do lazer pas-
sa pela questão da cosmovisão ado-
tada pelo autor. De acordo com os
autores apresentados e seus ques-
tionamentos e conclusões, percebo
que certas abordagens podem levar
a conclusões opostas acerca do la-
zer. Esta possibilidade de uma lei-
tura enviesada fica evidente em De
Masi (2001).
O sociólogo italiano do trabalho,
Domenico De Masi, utiliza duas
obras de matrizes teóricas opostas
para justificar sua tese de que o ócio
deve ser utilizado como forma de ge-
196
EDUCAÇÃO FÍSICA

rar criatividade, mas com vistas ao


mundo do trabalho, historicamente
situado no modo de produção capi-
talista, numa expressão denomina-
da de “Ócio Criativo”.
Ao apresentar na íntegra os textos
já mencionados de Bertrand Russell
e Paul Lafargue, o faz como se a vi-
são de mundo dos dois autores fosse
a mesma que a sua. Além deste pro-
blema, realiza uma tradução livre
que não leva em conta, por exemplo,
a intenção de Paul Lafargue ao es-
colher o vocábulo “preguiça” e não
o “ócio” para fazer parte do título de
sua obra.
Ao tentar justificar sua tese, de
que estamos próximos a uma civi-
lização do lazer - que já havia sido
197
RECREAÇÃO E LAZER

apresentada e defendida por outros


autores - e que esta sociedade “pós-
-industrial” precisa de uma inversão
de rota, afirma que:
[...] pela primeira vez, após a ci-
vilização grega, o trabalho não
representa mais a categoria geral
que explica o papel dos indivídu-
os e da coletividade. Pela primeira
vez, depois da Atenas de Péricles,
são o tempo livre e a capacidade
de valorizá-lo que determinam
o nosso destino não só cultural
como também econômico (DE
MASI, 2001, p. 12).
Para defender sua tese o autor uti-
liza integralmente os textos de Paul
Lafargue e Bertrand Russell, sem si-
tuar a militância político/ideológica
198
EDUCAÇÃO FÍSICA

de cada autor. Neste sentido, deixa de


perceber e destacar a íntima relação
do trabalho gerado historicamente
na sociedade capitalista e o lazer ad-
vindo desta mesma sociedade. Não
destaca a íntima relação entre eles,
afirmando, apenas, que ambos es-
tão sofrendo um processo de fusão
e que dentro em breve a sociedade
passará a desfrutar de uma civiliza-
ção do ócio.
O ócio descrito por De Masi é
um ócio diferente da forma como
se apresenta contemporanea-
mente. Este ócio estaria a servi-
ço do trabalho e vice-versa. Viver
os valores possíveis do ócio seria
vivenciar os próprios valores do
mundo do trabalho.
199
RECREAÇÃO E LAZER

Acredito que esta atitude “profética”,


além de já ter sido utilizada por outros
autores, é perigosa, ao propor o estabe-
lecimento de uma nova dinâmica em
substituição à existente. Além do mais,
deixa de levar em conta que há outros
agravantes que impedem com que
toda a população usufrua deste mode-
lo de sociedade. Há um problema do
desemprego estrutural, por exemplo,
e neste sentido a miserável população
nesta situação não poderia desfrutar
de um “ócio criativo”, por já viver uma
ociosidade (imposta), extremamente
criativa por sinal, que a impele a mo-
ver possibilidades acima de suas forças
para gerar meios de sobrevivência.

200
EDUCAÇÃO FÍSICA

Desta forma, retomo a conside-


ração sobre o conceito operacional
de lazer adotado neste estudo, que
destaca a necessidade de entendi-
mento do lazer em sua concretude
histórica e tal qual se encontra es-
truturado na sociedade contempo-
rânea, não como será, mas como é.
Analisar o tema lazer em qualquer
sociedade deve merecer o destaque
de entendimento de todos os fato-
res que envolvem e se destacam na
estruturação e desenvolvimento da
sociedade em questão.
Entendo que apesar de muito se
falar sobre o lazer e de este estar
previsto como um direito ao cida-
dão brasileiro, as ações via políticas
públicas a esta área estão aquém do
201
RECREAÇÃO E LAZER

que poderiam estar, se comparadas


a outras esferas da vida social. E o
mais preocupante é que o estabele-
cimento de um quadro hierárqui-
co de formalização de políticas para
outras áreas deixa o lazer, por vezes
em segundo plano.
Entretanto, mesmo quando elabo-
radas políticas, estas tendem a per-
manecer no papel, esperando pela
boa vontade dos executivos muni-
cipais. E como afirma Marcellino
(1996, p. 2):
[...] é preciso considerar que as pro-
postas de trabalho não podem ficar
restritas à elaboração de documen-
tos, muitos deles até com ‘boas in-
tenções’, mas que acabam se trans-
formando em discursos vazios [...].
202
EDUCAÇÃO FÍSICA

SAIBA MAIS

De acordo com a Constituição


Federal de 1988, no Art. 6º, os
direitos sociais do cidadão bra-
sileiros são: “educação, saúde,
alimentação, trabalho, mora-
dia, transporte, lazer, seguran-
ça, previdência social, proteção
à maternidade e à infância e
assistência aos desamparados.
Para manter-se atualizado sobre
a alterações via emendas cons-
titucionais, acesse o link dispo-
nível em: <http://www2.camara.
leg.br/atividade-legislativa/legis-
lacao/Constituicoes_Brasileiras/
constituicao1988.html>
Fonte: o autor.
203
RECREAÇÃO E LAZER

Destaco estas questões relativas às


ações no âmbito do lazer, de cunho
político, pois há a necessidade de
mudanças de ordem social que pro-
piciem uma nova dinâmica à vida
social. Creio que estas dinâmicas se
concretizariam de forma satisfató-
ria somente com um destaque para
as políticas governamentais de la-
zer que, como já salientamos, não se
desvinculam das políticas de traba-
lho e emprego. É necessário eviden-
ciar, portanto, que:
[...] falar em política de lazer sig-
nifica falar não só de uma políti-
ca de atividades - que na maioria
das vezes acabam por se consti-
tuir em eventos isolados -, e não
em política de animação como
204
EDUCAÇÃO FÍSICA

processo; significa falar em redu-


ção de jornada de trabalho - sem
redução de salários -, e, portan-
to, numa política de reordena-
ção do tempo, numa política de
transporte urbano, que abran-
ja os espaços e os equipamentos
de lazer - incluindo a moradia e
seu entorno; e, finalmente, numa
política de formação de quadros,
profissionais e voluntários, para
trabalharem de forma eficiente
e atualizada. Resumindo: o lazer
tem sua especificidade, inclusive
como política pública, mas não
pode ser tratado de forma isolada
de outras questões sociais (MAR-
CELLINO, 2001, p. 58).
É evidente, novamente, o vínculo
205
RECREAÇÃO E LAZER

do lazer com outras esferas sociais.


Não é necessário afirmar que vamos
chegar a uma civilização do ócio, ou
do lazer, para que este seja devida-
mente valorizado. O necessário é o
estabelecimento de ações (políticas)
que valorizem e respeitem o ser hu-
mano em todas as suas possibilida-
des de manifestações sociais.
A valorização de uma esfera so-
cial não deve se tornar outra esfe-
ra com menor valor ou desprovida
de valor, mas considerar que existe
um ser humano que influencia e é
influenciado por estas questões so-
ciais, sendo uno, e não fragmentado,
nas suas vivências e manifestações.

206
considerações finais

Espero que ao longo da leitura desta


Unidade, você tenha percebido que
há um alto grau de complexidade
no lazer. Se você achava que o lazer
e a recreação estavam associados
apenas a jogos e brincadeiras deve
ter percebido quão grande foram as
lutas históricas para poder usufruir
dos valores do lazer: descanso, di-
vertimento e desenvolvimento. Por-
tanto, lazer também é coisa séria!
Vimos que o trabalho em migalhas,
fragmentado, alienado, tem reflexo
direto no lazer, pois eles são dois lados
da mesma moeda. A mudança do tra-
balho influencia diretamente no lazer
e a mudança do lazer diretamente no
trabalho - cuja estrutura deflagra os
riscos de evasão e compensação.
207
considerações finais

As obrigações na sociedade con-


temporânea influenciam e são in-
fluenciadas pelas práticas de lazer,
ou simplesmente recreação. A re-
creação age como um elemento que
pode despertar pessoas de um estado
de conformismo diante de uma rea-
lidade que lhes rouba a humanidade.
Neste sentido, as obrigações influen-
ciam diretamente no lazer e são por
ele influenciadas.
Sob o ponto de vista da relação la-
zer, recreação, educação e Educação
Física, é necessário pensar no desen-
volvimento do trabalho na sociedade
capitalista ocidental, urbano-indus-
trial, mais especificamente na orga-
nização e ações de redistribuição de
tempo à classe trabalhadora (ao pro-
208
considerações finais

letariado), e nas possibilidades de vi-


vências fora do tempo de trabalho e
das obrigações sociais.
Neste sentido faz-se necessário
aprofundar as discussões em torno
do entendimento das temáticas lazer,
lúdico e educação, tendo como cená-
rio o trabalho estruturado no modo
de produção capitalista. Para isso, é
fundamental o papel do animador
sociocultural, pelo seu caráter edu-
cativo e potencialmente revolucioná-
rio. Obviamente não devemos jamais
perder a visão do todo, e para que isto
não ocorra, é necessário o desenvol-
vimento de uma atitude filosófica, en-
tendida como uma reflexão que vá às
raízes de diferentes temas, de forma
rigorosa, com vistas à compreensão
209
considerações finais

de aspectos mais variados da comple-


xidade social, transcendendo a super-
ficialidade, um dos grandes maus do
nosso tempo.

210
atividades de estudo

1. As discussões em torno da re-


dução da jornada de trabalho
estão intimamente ligadas ao
processo de industrialização.
No Brasil, por exemplo, a in-
dustrialização ocorreu acelera-
damente no fim do século XIX.
Com isso, houve em 1901 a pri-
meira grande greve brasileira,
cujo o objetivo era o estabeleci-
mento de uma jornada de tra-
balho de onze horas diárias, em
São Paulo. Em 1902 no Rio de
Janeiro e em 1905 em Soroca-
ba, tiveram greves que reivin-
dicavam redução das jornadas
vigentes de quinze a dezesseis
horas. Em 1903, no Rio de Ja-

211
atividades de estudo

neiro, consegue-se a redução


da jornada diária para nove ho-
ras e meia. Sendo assim, esta-
beleça uma relação entres os
dados apresentados e o lazer.
2. É comum ouvirmos expressões
como “o trabalho dignifica o ho-
mem” ou “cabeça vazia oficina do
diabo”, “tempo é dinheiro”, “deus
ajuda quem cedo madruga” etc.
São declarações que expres-
sam uma certa visão de mundo
sobre o trabalho e o lazer, mas
que podem ter como propósito
legitimar uma ideologia para a
manutenção de um determina-
do estado no qual se encontra a
sociedade. Como geralmente
é encarado o lazer nesta pers-
212
atividades de estudo

pectiva? Como superar esta


concepção?
3. Além de um processo de reivin-
dicação por melhores condições
de trabalho associadas, entre
outros fatores, diretamente a
jornadas de trabalho, bem como
ao cuidado com as obrigações
no tempo livre de trabalho, ou
seja, no tempo liberado, quais
ações são necessárias para
que o lazer seja vivenciado de
maneira adequada? Explique
brevemente estas ações.
4. A superação de uma dimensão
conformista do lazer pode ocor-

213
atividades de estudo

rer por meio de uma vivência


e de atitudes favoráveis na for-
ma de se conhecer, vivenciar e
refletir sobre os conteúdos cul-
turais presentes nas atividades
de lazer. Sobre esses conteúdos
culturais, Dumazedier (1980a)
apresenta cinco interesses, ou
conteúdos culturais, e Camargo
(1986) complementa com mais
um. Explique o que são estes
conteúdos culturais do lazer
e apresente quais são estas
classificações.
5. Sabemos que para a ação em
animação sociocultural é fun-
damental o conhecimento dos
interesses e o estímulo e oferta
a diferentes vivências associa-
214
atividades de estudo

das aos conteúdos culturais do


lazer. Neste sentido, escreva
brevemente cada um dos seis
conteúdos culturais do lazer.
6. O lazer possui uma íntima rela-
ção com as questões de cunho
político, pois há a necessidade de
mudanças de ordem social que
propiciem uma nova dinâmica à
vida social. Para que estas mo-
dificações ocorram, é necessá-
rio um vínculo com as políticas
de trabalho e emprego. Discor-
ra sobre esta especificidade
do lazer enquanto política pú-
blica e sua relação com estas
outras políticas, com base em
Marcellino (2001).
215
LEITURA
COMPLEMENTAR

UM DOGMA DESASTROSO
“Sejamos preguiçosos em
tudo, exceto em amar e em
beber, exceto em sermos pre-
guiçosos”.
Uma estranha loucura se apos-
sou das classes operárias das
nações onde reina a civilização
capitalista. Esta loucura arras-
ta consigo misérias individuais
e sociais que há dois séculos
torturam a triste humanidade.
Esta loucura é o amor ao tra-
balho, a paixão moribunda do
216
LEITURA
COMPLEMENTAR

trabalho, levado até ao esgota-


mento das forças vitais do in-
divíduo e da sua progenitora.
Em vez de reagir contra esta
aberração mental, os padres,
os economistas, os moralistas
sacrossantificaram o trabalho.
Homens cegos e limitados, qui-
seram ser mais sábios do que
o seu Deus; homens fracos e
desprezíveis, quiseram reabili-
tar aquilo que o seu Deus amal-
diçoara. Eu, que não confesso
ser cristão, economista e mo-

217
LEITURA
COMPLEMENTAR

ralista, recuso admitir os seus


juízos como os do seu Deus;
recuso admitir os sermões da
sua moral religiosa, econômi-
ca, livre-pensadora, face às ter-
ríveis conseqüências do traba-
lho na sociedade capitalista.
Na sociedade capitalista, o tra-
balho é a causa de toda a de-
generescência intelectual, de
toda a deformação orgânica.
Comparem o puro-sangue das
cavalariças de Rothschild, ser-
vido por uma criadagem de bí-
218
LEITURA
COMPLEMENTAR

manos, com a pesada besta das


quintas normandas que lavra
a terra, carrega o estrume, que
põe no celeiro a colheita dos
cereais. Olhem para o nobre
selvagem, que os missionários
do comércio e os comercian-
tes da religião ainda não cor-
romperam com o cristianismo,
com a sífilis e o dogma do traba-
lho, e olhem em seguida para
os nossos miseráveis criados
de máquina. Quando, na nos-
sa Europa civilizada, se quer

219
LEITURA
COMPLEMENTAR

encontrar um traço de beleza


nativa do homem, é preciso ir
procurá-lo nas nações onde os
preconceitos econômicos ain-
da não desenraizaram o ódio
ao trabalho. A Espanha, que in-
felizmente degenera, ainda se
pode gabar de possuir menos
fábricas do que nós prisões e
casernas; mas o artista regozi-
ja-se ao admirar o ousado An-
daluz, moreno como as casta-
nhas, direito e flexível como
uma haste de aço; e o coração

220
LEITURA
COMPLEMENTAR

do homem sobressalta-se ao
ouvir o mendigo, soberbamen-
te envolvido na sua capa es-
buracada, chamar amigo aos
duques de Ossuna. Para o Es-
panhol, em cujo país o animal
primitivo não está atrofiado,
o trabalho é a pior das escra-
vaturas Os Gregos da grande
época também só tinham des-
prezo pelo trabalho: só aos es-
cravos era permitido trabalhar,
o homem livre só conhecia os
exercícios físicos e os jogos

221
LEITURA
COMPLEMENTAR

da inteligência. Também era a


época em que se caminhava e
se respirava num povo de Aris-
tóteles, de Fídias, de Aristófa-
nes; era a época em que um
punhado de bravos esmaga-
va em Maratona as hordas da
Ásia que Alexandre ia dentro
em breve conquistar. Os filóso-
fos da antigüidade ensinavam
o desprezo pelo trabalho, essa
degradação do homem livre;
os poetas cantavam a pregui-
ça, esse presente dos Deuses:

222
LEITURA
COMPLEMENTAR

O Meliboe, Deus nobis hoec otia


fecit (Ó Melibeu, um Deus deu-
-nos esta ociosidade).
Cristo pregou a preguiça no seu
sermão na montanha: “Con-
templai o crescimento dos lí-
rios dos campos, eles não tra-
balham nem fiam e, todavia,
digo-vos, Salomão, em toda a
sua glória, não se vestiu com
maior brilho.” (4) Jeová, o deus
barbudo e rebarbativo, deu
aos seus adoradores o exem-
plo supremo da preguiça ideal;
223
LEITURA
COMPLEMENTAR

depois de seis dias de trabalho,


repousou para a eternidade.
Em contrapartida, quais são
as raças para quem o trabalho
é uma necessidade orgânica?
Os “Auvergnats”; os Escoceses,
esses “Auvergnats” das ilhas
britânicas; os Galegos, esses
“Auvergnats” da Espanha; os
Pomeranianos, esses “Auverg-
nats” da Alemanha; os Chine-
ses, esses “Auvergnats” da Ásia.
Na nossa sociedade, quais são
as classes que amam o traba-
224
LEITURA
COMPLEMENTAR

lho pelo trabalho? Os campo-


neses proprietários, os peque-
nos burgueses, uns curvados
sobre as suas terras, os outros
retidos pelo hábito nas suas lo-
jas, mexem-se como a toupei-
ra na sua galeria subterrânea e
nunca se endireitam para olhar
com vagar para a natureza.
E, no entanto, o proletariado,
a grande classe que engloba
todos os produtores das na-
ções civilizadas, a classe que,
ao emancipar-se, emancipa-
225
LEITURA
COMPLEMENTAR

rá a humanidade do trabalho
servil e fará do animal huma-
no um ser livre, o proletaria-
do, traindo os seus instintos,
esquecendo-se da sua missão
histórica, deixou-se perverter
pelo dogma do trabalho. Rude
e terrível foi a sua punição. To-
das as misérias individuais e
sociais mereceram da sua pai-
xão pelo trabalho.
Fonte: Lafargue (2003, p. 21-23).

226
EDUCAÇÃO FÍSICA

Elogio ao Ócio
Bertrand Russell
Editora: Sextante
Sinopse: nesta clás-
sica obra, Bertrand Russell vis-
lumbra de forma irônica um fu-
turo em que muitos poderiam
fruir do ócio de maneira pra-
zerosa, sem pesos advindos
de uma moral do trabalho. Na
sua abordagem, brinca com
um passado em que isso era
privilégio de poucos, garanti-
do pela exploração de muitos,
a massa proletária. No mun-
do que ele intui e antecipa, as
227
RECREAÇÃO E LAZER

máquinas garantiriam que todos


pudessem se ver livres da fadi-
ga brutal, por isso a importância
do desenvolvimento tecnológico.
Sua proposta é de uma jornada
de trabalho de quatro horas, e as
demais seriam dedicadas ao des-
canso, desenvolvimento e diver-
timento, pelas quais o ser huma-
no seria mais criativo e feliz.
Comentário: esta obra é funda-
mental para as reflexões sobre a
possibilidade de uma organiza-
ção social que rompa com a san-
tificação do trabalho, tal qual se
encontra estruturado na socieda-
de contemporânea e, em muitos
casos, bem como com a conse-
quente demonização do ócio. A
228
defesa de uma sociedade que
usufrua do ócio passa pela dis-
cussão do lazer e da necessida-
de de se educar pelo e para o
lazer. Como fazer isto é um de-
safio aos profissionais envolvi-
dos nesta área, não como me-
ros reprodutores, mas como
criadores e recriadores de mo-
dus vivendis.

229
Para aqueles que desejam co-
nhecer mais e saber das pesqui-
sas recentes ligadas ao campo
do lazer, recreação e animação
sociocultural, sugerimos o aces-
so periódico Licere - Revista do
Programa de Pós-Graduação
Interdisciplinar em Estudos do
Lazer/UFMG. A Revista é publi-
cada desde 1999, o que propicia
um conhecimento amplo sobre
os principais assuntos discuti-
dos no campo do lazer.
Para saber mais, acesse o link
disponível em: <https://seer.
ufmg.br/index.php/licere>.
230
Clube da Luta
Ano: 1999
Sinopse: o filme foi
inspirado no ro-
mance de mesmo
nome de Chuck Palahniuk, de
1996. O enredo é protagoniza-
do por um “homem comum”,
sem nome apresentado, que
vive uma vida medíocre e des-
contente com seu trabalho.
Como trabalhador de clas-
se média alta, com um bom
emprego, sente-se enredado
pelo sistema, e afirma diaria-
mente que sente-se a cópia, da
231
cópia, da cópia. Uma instabili-
dade financeira leva-o a uma
angústia profunda que defla-
gra crises psicológicas e insô-
nia. Diante de uma profunda
crise de identidade, forma en-
tão um clube de combate jun-
tamente com um vendedor de
sabonetes.
Comentário: o filme é uma
severa crítica ao capitalismo,
mais especificamente sobre a
vertente do consumismo, que
faz com que as coisas não per-
tençam mais às pessoas, mas
as pessoas às coisas. As crises
de identidade de grande parte
da população levou à criação
232
de grupo de ajuda mútua no
qual se buscava o alívio para
as crises advindas de um coti-
diano maçante. O personagem
de Edward Norton empreende
uma fuga da realidade que con-
sidera sem sentido e fingida,
e para isso começa a desape-
gar-se de tudo que considera
de valor. A busca pela quebra
da alienação ao modo de pro-
dução capitalista que leva ao
consumismo (trabalhar para
consumir, consumir para tra-
balhar) leva-o ao outro extremo
do que vivia até então. É pos-
sível estabelecer um paralelo
entre os valores alienantes de
233
um tipo de trabalho no modo
de produção capitalista e o ris-
co da evasão do real que a re-
creação poderia proporcionar.
Os dois extremos são perigo-
sos. Mas a vivência de valores
distintos do mundo do trabalho
pode, num movimento dialéti-
co, proporcionar um equilíbrio
e uma genuína transformação
e quebra de um estilo de vida
alienado.

234
referências

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popular: leituras operárias. Petrópo-
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1
Em: <http://cev.org.br/biblioteca/
ginastica-geral-gg/>. Acesso em: 26
mai. 2017.

238
gabarito

1. Os dados apresentados sobre


o processo de industrialização
e as manifestações reivindican-
do a redução da jornada de tra-
balho reforçam a ideia de que
o lazer possui íntima relação
com o trabalho e que o proces-
so de redução de sua jornada
favoreceu o seu desenvolvi-
mento. Contudo, não é apenas
na relação com o trabalho que
o lazer se desenvolve, pois se o
tempo dedicado às obrigações
cotidianas diminuírem, o tem-
po disponível tende a crescer,
bem como as possibilidades de
desenvolvimento do lazer. O
inverso também é verdadeiro.
239
gabarito

Um aumento no tempo de tra-


balho e/ou das obrigações co-
tidianas, por necessidade, am-
bição ou qualquer outra razão,
tende a privar o ser humano de
uma possibilidade de vivência
de valores inerentes ao próprio
lazer.
2. Em virtude de muitas socie-
dades, inclusive a brasileira,
passarem por um processo de
desenvolvimento em vários âm-
bitos, com sérios problemas so-
cioeconômicos, determinadas
atividades humanas passam a
ser consideradas de primeira
necessidade, e outras como fa-
cultativas, ou desnecessárias.
240
gabarito

Neste sentido, o lazer pode ser


tratado como sobremesa, mo-
dismo, algo sem tanta impor-
tância, quando colocado ao
lado daquilo que se considera
urgente. Para superar esta con-
cepção, o lazer deve ser tratado
com seriedade, no sentido de
compreender seu significado e
importância para a vida huma-
na, considerando-o não como
simples recriação da força de
trabalho, como compensação
para as mazelas laborais, mas
como um tema essencial à vida
humana.
3. Mais do que reivindicar mais
tempo para o usufruto do lazer
241
gabarito

e suas possibilidades, se fazem


necessárias ações educativas
que, conforme o conceito ope-
racional de lazer, eduque pelo
e para o lazer. Educar pelo lazer
seria o modo como as ativida-
des de lazer poderiam desen-
volver seus praticantes pessoal
e socialmente, sem, necessa-
riamente, instrumentalizá-lo.
Já educar para o lazer seria a
implementação de ações edu-
cativas que conscientizassem a
população de que o lazer não
precisa estar atrelado à indús-
tria cultural para que dê pra-
zer e que há sim a necessidade
de transcendência de um nível
242
gabarito

conformista para um nível crí-


tico e criativo.
4. O interesse pode ser com-
preendido como “o conheci-
mento que está enraizado na
sensibilidade, na cultura vivi-
da” (DUMAZEDIER, 1980a, p.
110). Dumazedier categoriza
os conteúdos das atividades
em interesses físicos-esporti-
vos, práticos ou manuais, artís-
ticos, intelectuais e os sociais.
Camargo apresenta a categoria
do conteúdo turístico.
5. Conteúdos físico-esportivos:
estão relacionados às manifes-
tações do lazer associadas ao
movimento ou ao exercício físi-
243
gabarito

co. Eles podem assumir íntima


relação com a arte, como, nas
danças ou no jogo de capoeira.
Por meio dos conteúdos físico-
-esportivos há o favorecimento
de novas relações com a natu-
reza e superação dos limites do
próprio corpo.
Conteúdos práticos ou ma-
nuais: há prevalência da ca-
pacidade de manipulação, de
transformação de objetos ou
materiais, ou para lidar com
a natureza ou como resistên-
cia ao consumismo e a massi-
ficação da indústria. Reproduz
situações das sociedades tra-
dicionais, como o artesanato,
244
gabarito

bricolagem, cultivo de plantas


e criação de animais.
Conteúdos artísticos: há a pre-
valência do imaginário e do es-
tético, uma busca pela beleza
e encantamento, no qual está
presente, por exemplo, um
alto grau de contemplação. Os
sentimentos e as emoções têm
grande preponderância neste
conteúdo atrelado às manifes-
tações artísticas.
Conteúdos intelectuais: há um
anseio pelo contato com o real,
informações objetivas e racio-
nais. Podem estar relacionados
a interesses delimitados ape-
nas na esfera do lazer quanto
245
gabarito

ligados ao trabalho e às obri-


gações. Estão intimamente li-
gados ao conhecimento vivido,
experimentado.
Conteúdos sociais: estão rela-
cionados à busca por relacio-
namento, contatos face a face,
ligadas ao repouso, divertimen-
to e informação. Os encontros
familiares podem ser uma cate-
goria de semilazer, pois podem
estar presentes no campo das
obrigações sociais.
Conteúdos turísticos: há uma
quebra da rotina temporal e/ou
espacial e o contato com novas
situações, paisagens e culturas.
O planejamento e o rememorar
246
gabarito

a vivência, são tão importantes


quanto a vivência in loco deste
conteúdo.
6. Políticas de lazer e não ape-
nas políticas de atividades, pois
em muitos casos acabam sendo
apenas o evento pelo evento. As
políticas de lazer devem ser con-
sideradas com base no proces-
so e não apenas num produto
a ser ofertado. Por isso a íntima
relação com as políticas de re-
dução da jornada de trabalho,
obviamente sem redução de
salário. Em outras palavras, es-
tamos tratando de uma políticas
de reordenação do tempo, de
transporte urbano, de espaços
247
gabarito

e equipamentos de lazer, de
moradia e de formação de quad-
ros, profissionais e voluntários,
para trabalharem de forma efi-
ciente e atualizada. Portanto,
o lazer tem sua especificidade,
como política pública, mas não
pode ser tratado de forma iso-
lada de outros direitos sociais,
garantidos pela Art. 6º da Con-
stituição Federal de 1988.

248
UNIDADE
III
LAZER, LÚDICO E
EDUCAÇÃO

Professora Doutora Vânia de Fátima Matias de Souza


Professor Doutor Amauri Aparecido Bássoli de Oliveira

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os
tópicos que você estudará
nesta unidade:
• Lazer e o duplo processo
educativo
• Lazer como espaço para o
lúdico
• A cultura, o lúdico e a escola
unidade

III

Objetivos de Aprendizagem
• Compreender o duplo
processo educativo
presente no lazer.
• Analisar o lazer como lócus
privilegiado para o lúdico.
• Estabelecer relações entre a
cultura, o lazer e a escola.
INTRODUÇÃO

Estimado(a) aluno(a),
Os temas desta unidade são de suma
importância para o processo formativo
do(a) licenciado(a), pois, em muitos mo-
mentos, ele é fonte de grandes mal-en-
tendidos. A relação lazer, lúdico e edu-
cação necessariamente passa pela busca
de uma compreensão mais aprofunda-
da sobre os temas. O lazer, como já assu-
mimos em nosso conceito operacional,
é cultura. Neste sentido, a relação entre
lazer, lúdico e educação ocorre sob esta
perspectiva.
A compreensão de educação, como ve-
remos, também deve transcender a visão
limitada de que ela ocorre apenas de ma-
EDUCAÇÃO FÍSICA

neira formal, em instituições concebidas


para este fim. Compreendemos a edu-
cação, assim como cultura em seu sen-
tido mais amplo. Quando o lúdico entra
nos debates, há uma riqueza enorme nas
discussões, mas também o aumento do
risco das más compreensões, principal-
mente no que diz respeito à instrumen-
talização do lúdico no campo educacio-
nal. Além disso, por mais contraditório
que seja, há aqueles que concebem como
lazer atividades no tempo de trabalho e
obrigações. Daí a necessidade de discus-
são sobre a presença do lazer na escola e
como se dá esta relação à luz das teorias
do lazer.
Compreender que o lazer tem um du-
plo processo educativo, como veículo e
objeto da educação, e entender como isto
ocorre nos ajuda a prevenir uma série de
253
RECREAÇÃO E LAZER

incongruências entre a reflexão e a ação


tão necessárias ao lazer. Certamente to-
das as nossas discussões, não apenas nes-
ta unidade, expressam uma certa visão
de mundo (cosmovisão) que não devem
ser tomadas como doutrinas ou dogmas,
pois quer no campo da filosofia, quer da
ciência principalmente, o que se almeja
é que os conceitos sejam debatidos e su-
perados, caso sejam inconsistentes.
Por fim, devemos refletir sobre a rela-
ção cultura, lúdico e escola. Como uma
matriz curricular deve ser concebida? À
luz das exigências do mundo do trabalho
ou levando-se em consideração o lúdi-
co tão relevante para a infância? As res-
postas a perguntas como estas norteiam
nossas ações e as fundamentam rumo a
uma práxis pedagógica.
Boas reflexões!
254
RECREAÇÃO E LAZER

Lazer e o Duplo Processo


Educativo
O lazer está intimamente ligado à
educação, como já mencionamos
anteriormente. Ora ele atua como
veículo da educação, ora como ob-
jeto da educação. Isto é denominado
na teoria do lazer de duplo processo
educativo do lazer. Entendamos do
que se trata.
256
EDUCAÇÃO FÍSICA

O lazer como veículo de educa-


ção leva em conta sua potenciali-
dade de desenvolvimento pessoal
e social nos indivíduos. Neste sen-
tido, Marcellino (2000, p. 50-51)
considera que ele cumpre objetivos
consumatórios e instrumentais.
Os objetivos consumatórios estão
ligados ao relaxamento, à contem-
plação e ao prazer que tais práticas
propiciam. Pode parecer um “nada
fazer”, mas, ao contrário, como ve-
ículo educativo, carrega um imen-
so potencial de descoberta, tanto
pessoal, quanto do mundo à nossa
volta. Então, desfrutar desses mo-
mentos como veículo educativo,
pode fomentar momentos de pro-
funda crítica e criatividade.
257
RECREAÇÃO E LAZER

REFLITA

A velocidade é o ritmo das má-


quinas. Mas nós não somos má-
quinas. Somos seres da natureza
[...]. E a natureza é sempre va-
garosa. É perigoso introduzir a
pressa num corpo que tem suas
raízes na lentidão da natureza.
(Rubem Alves).

Já os objetivos instrumentais são


aqueles associados à realidade con-
creta e sua compreensão. Há um de-
senvolvimento pessoal e social envol-
vido nestas práticas. A sensibilidade,
em vários aspectos, é estimulada pelas
258
EDUCAÇÃO FÍSICA

atividades recreativas, tanto no cresci-


mento das questões mais intrínsecas
de crescimento intelectual, físico, es-
tético etc. quanto nas oportunidades
para conhecer pessoas. Quando nos
referimos a conhecer, estamos nos re-
ferindo também ao aprofundamento
dos relacionamentos que um dia já
iniciamos, mas que permanecem, por
algum motivo, na superficialidade.
O lazer como objeto da educação,
que compõe o segundo pilar do du-
plo processo educativo, é o lazer ensi-
nado. Ora, você poderia se perguntar:
“mas precisamos mesmo ensinar as
pessoas sobre o lazer?”. Pense comi-
go! Se nossa sociedade está estrutura-
da sobre uma lógica capitalista, como
vimos nas unidades anteriores, o tem-
259
RECREAÇÃO E LAZER

po disponível para as atividades de la-


zer ou, simplesmente, recreação pode
servir apenas a uma dimensão muito
restrita. Se não há uma abordagem do
lazer como objeto, seja na educação
formal, seja na educação não formal,
corre-se o risco de o lazer ser entendi-
do apenas como “recriação”, ou seja,
recriar, recuperar a força de trabalho
para que ele volte com todo ânimo ao
ambiente da produção.
Enfim, para que haja a fruição do
lazer é muito importante que se dis-
cuta e se ensine sobre ele. Se como
educadores desejamos que haja uma
superação da dimensão conformista
para uma dimensão crítica e criativa,
necessitamos ensinar nossos alunos
as diferentes possibilidades no tempo
260
EDUCAÇÃO FÍSICA

disponível. Imagine como seria se nós


tivéssemos disciplinas que tocassem
nestas questões. Que seus conteúdos
não apenas visassem ao ambiente de
trabalho. Será que não é por isso que
disciplinas como artes e educação fí-
sica pareçam mais leves do que outras
como matemática, português etc.?
Não estou afirmando que estas não
possam ter abordagens que não ne-
cessariamente estejam associadas ao
mundo do trabalho, mas que levam
em conta o lazer.
Cabe aqui outra pergunta impor-
tante. Que disciplina, no contexto da
educação formal, deveria ter em seus
conteúdos o lazer como objeto? Talvez
a resposta, sem uma breve reflexão,
possa levar às disciplinas que já men-
261
RECREAÇÃO E LAZER

cionamos. Até porque, pense comigo,


que outra matriz curricular de gradu-
ação tem a disciplina recreação e la-
zer, ou outra com nome semelhante?
Sim, há disciplinas que contemplam
jogos, brinquedos, brincadeiras etc.,
mas, em geral, têm uma visão de ins-
trumentalização do jogo, do brinque-
do e da brincadeira. Eles não são vis-
tos como um fim em si mesmo, mas
como meios para levar a algo. Exem-
plo: jogos matemáticos; gincana de
língua portuguesa; torneio de futsal
etc. Vejam, estamos tratando de edu-
cação para o lazer, ou o lazer como
objeto. Quem ensina ou deve ensinar
como usufruir do tempo disponível?
Todas as disciplinas escolares po-
dem tratar do lazer como objeto. Não
262
EDUCAÇÃO FÍSICA

há a necessidade que matrizes con-


templem conteúdos voltados apenas
para o mundo do trabalho e apenas
ao mundo do lazer, pois eles não são
dicotômicos, mas compõem a mes-
ma dinâmica da vida, estruturada nos
moldes atuais. Claro que isto pode ser
uma questão mais da abordagem do
professor em sala de aula do que uma
previsão em programas de disciplina,
se é que eles deveriam existir.

263
RECREAÇÃO E LAZER

SAIBA MAIS

Depois de já ter revolucionado os


moldes tradicionais de ensino na
Escola da Ponte, o professor portu-
guês José Pacheco, hoje um estudio-
so da realidade brasileira, aposta na
mudança de mentalidade dos pro-
fessores e no apoio dos governos
para haver inovação em educação.
Segundo o educador, é preciso que
as iniciativas isoladas que ele tem
visto pelo país sejam registradas,
avaliadas e incentivadas para não
serem perdidas. Mais que isso: os
professores devem se dispor a mu-
dar para adotar uma postura mais
descentralizada, aberta à reflexão,

264
EDUCAÇÃO FÍSICA

ao diálogo e à diversidade.
Pacheco se tornou mundialmente
conhecido por revolucionar uma
escola pública portuguesa, a Ponte,
utilizando uma metodologia ousa-
da: ele acabou com turmas, salas de
aula, disciplinas e passou a ensinar
conforme a motivação dos alunos.
Lá, são os próprios estudantes que
se organizam em grupos hetero-
gêneos para estudar os assuntos
que lhes interessam, são autôno-
mos para pesquisar, apresentar os
resultados para os colegas e, quan-
do se sentem prontos, avisam que
podem ser avaliados.
Fonte: Gomes (2012, on-line)1.

265
RECREAÇÃO E LAZER

É óbvio que os conteúdos devem


considerar tanto o mundo do traba-
lho quanto o do lazer. Porém pouco
se discute o brincar, por mera frui-
ção, na matemática, na língua portu-
guesa, na biologia etc. Pior, às vezes
o prazer associado a essas discipli-
nas é esquecido, quando não, extin-
to. Não estou propondo uma apolo-
gia ao hedonismo, uma das grandes
marcas da modernidade líquida, que
coloca como parâmetro valorativo o
prazer acima de tudo, ou seja, se dá
prazer é bom, e se tira é ruim. Sabe-
mos que aprender, por vezes, rou-
ba o prazer imediato. Contudo me
proporciona um outro tipo de pra-
zer, posterior ao momento do esfor-
ço de passar horas a fio em cima dos
266
EDUCAÇÃO FÍSICA

cadernos, livros e computador.


Nossa alma é lúdica. Na criança,
esta ludicidade é muito mais evidente,
pois ainda não foi furtada. No adul-
to, talvez vá se perdendo esta caracte-
rística, pois somos ensinados de que
“isto é coisa de criança e isto é coisa de
gente grande”. Como afirma Huizinga
(2012), no prefácio de sua obra, além
de homo sapiens e homo faber, somos
homo ludens: “já há muitos anos que
vem crescendo em mim a convicção
de que é no jogo e pelo jogo que a ci-
vilização surge e se desenvolve”.
O termo escola deriva do grego scho-
lé, que significa tempo livre. Imagine
como seriam as nossas escolas se fôs-
semos ensinados e estimulados a va-
lorizarmos os potenciais de descanso,
267
RECREAÇÃO E LAZER

divertimento e desenvolvimento do
lazer. Pense além, se pelos conteúdos
compartilhados, e não apenas minis-
trados ou expostos, pudéssemos as-
sociá-los além do dia da prova ou do
vestibular, mas à vida, de forma não
fragmentada. Pense na associação da
escola com os conteúdos culturais do
lazer: físico-esportivos, intelectuais,
práticos ou manuais, artísticos, sociais
e turísticos. Acredito que, certamente,
a escola ganharia outra “ânima”, seria
mais animada.
A tarefa não é tão simples, porém
nenhuma tarefa de vanguarda, prin-
cipalmente com relação à educação, o
é. Sempre é um desafio, mas é daque-
les que vale a pena. Marcellino (2000,
p. 51), diante deste esforço, faz o se-
268
EDUCAÇÃO FÍSICA

guinte questionamento:
como educar para o lazer con-
ciliando a transmissão do que é
desejável em termos de valores,
funções, conteúdos, etc., com
suas características de livre es-
colha e expressão?
Porque pode parecer contraditório
que se eduque para algo que pressupõe
uma atitude favorável e espontânea,
sem um caráter obrigatório. Contudo
é justamente nesta problemática que
está a resposta. Quanto mais infor-
mações, diálogo, crítica e criatividade
sobre o lazer, muito mais provável que
o indivíduo tenha autonomia em seu
tempo disponível. Como Marcellino
(2000) responde à sua própria provo-
cação, haverá mais autenticidade, fa-
269
RECREAÇÃO E LAZER

vorecendo a escolha diante de alter-


nativas variadas.
A própria passagem de níveis ele-
mentares para superiores teria
condições de se concretizar mais
rapidamente, através da ação edu-
cativa para o lazer somada à sua
vivência, do que se dependesse
unicamente da participação nas
atividades, ou seja, se se restrin-
gisse à educação pelo lazer (MAR-
CELLINO, 2000, p. 51).
Como vivemos em um contexto em
que praticamente tudo é comercia-
lizado, não seria diferente com o la-
zer, sendo que a tendência do modo
de produção contemporâneo é criar
cada vez mais “necessidades desneces-
sárias”. A mídia tem a capacidade de
270
EDUCAÇÃO FÍSICA

ditar certos modismos que reforçam


o bombardeio de produtos, nas mais
variadas esferas da indústria, inclusi-
ve da indústria cultural. Educar para
o lazer, portanto, pressupõe a possi-
bilidade de superação de uma homo-
geneização, e favorecimento de uma
autonomia por meio de uma critici-
dade e criatividade pessoal e coletiva.
Quando se fala em coletividade, pres-
supõe-se a articulação para o debate
e formulações de políticas públicas
que envolvam, inclusive, a melhoria
de quadros e equipamentos de lazer -
isso ajudaria a superar parte das bar-
reiras já apresentadas, ou ao menos
uma delas, a de caráter financeiro.

271
RECREAÇÃO E LAZER

REFLITA

Você já pensou quantas pessoas


usufruem de seu tempo dispo-
nível sem nunca terem realizado
uma reflexão sobre ele? Condi-
cionados, programados sem con-
seguir projetar um outro cenário
e outras possibilidades.

272
EDUCAÇÃO FÍSICA

Lazer Como Espaço


para o Lúdico

Homo sapiens, homo faber, homo


ludens. Como definir a humanidade
por meio destas três categorias? Ou
mais, como elas convivem entre si?
Um ser humano que pensa, racioci-
na, produz conhecimento e trabalha,
273
RECREAÇÃO E LAZER

transforma este conhecimento em


cultura, fabrica objetos, tecnologia,
mas que tem dentro de si uma ne-
cessidade de brincar, de jogar. Nes-
te sentido, como afirma Huizinga
(2012), a humanidade extrapola sua
dimensão racional, haja visto que o
jogo é irracional: e o autor além, ao
afirmar que as mais importantes ati-
vidades arquetípicas da humanidade
são caracterizadas pelo jogo.
As crianças e os animais brincam
porque gostam de brincar, e é pre-
cisamente em tal fato que reside sua
liberdade. Seja como for, para o in-
divíduo adulto e responsável o jogo
é uma função que facilmente pode-
ria ser dispensada, é algo supérfluo.
Só se torna uma necessidade urgen-
274
EDUCAÇÃO FÍSICA

te na medida em que o prazer por


ele provocado o transforma numa
necessidade. É possível, em qual-
quer momento, adiar ou suspender
o jogo. Jamais é imposto pela neces-
sidade física ou dever moral e nunca
constitui uma tarefa, sendo sempre
praticado nas ‘horas de ócio’ (HUI-
ZINGA, 2012, p. 11).
O sapiens, o faber e o ludens estão pre-
sentes em nossa natureza humana, no
entanto o mais difícil é fazer com que
estas três esferas se manifestem con-
comitantemente. Pensar e fazer, não
como realidades dicotômicas. Traba-
lhar e divertir-se talvez sejam realida-
des mais difíceis ainda de conciliar,
não que seja impossível, mas na for-
ma como a nossa sociedade se estru-
275
RECREAÇÃO E LAZER

turou, parece cada vez mais complica-


do esta harmonização. Poucos têm o
privilégio de considerar seu trabalho
como uma fonte perene de diversão e
satisfação, de prazer, mas ainda assim,
há um caráter de obrigatoriedade se a
atividade está na categoria trabalho.
O homo faber, de acordo com Ca-
margo (1998), está envolto por disci-
plina, tensão e produtividade. As pos-
turas no ambiente de trabalho foram
criadas para atender às demandas no
trabalho. Apesar de hoje termos as
normas regulamentares do trabalho,
que inclusive tratam da questão er-
gonômica, as posturas e atitudes são
artificiais, assume-se um papel em
determinado tempo e ambiente para
o cumprimento de determinada de-
276
EDUCAÇÃO FÍSICA

manda, exigência. Há uma heterono-


mia e não autonomia, ou seja, as re-
gras são impostas externamente e não
partindo do próprio sujeito.
A tensão do homo faber pode estar
relacionada a prazos, perigos, metas,
responsabilidades etc., ou seja, o me-
lhor é aquele que produz mais e me-
lhor. Como afirma Han (2015, p. 23),
“a sociedade do século XXI não é mais
a sociedade disciplinar, mas uma so-
ciedade de desempenho”. Atualmente,
temos uma mudança em espaços de
trabalho, que demandam mais cria-
tividade do que meramente trabalho
braçal; não importa tanto a disciplina,
desde que haja uma performance es-
perada. Em algumas empresas produ-
toras de softwares, por exemplo, o tra-
277
RECREAÇÃO E LAZER

balho parece ter se aproximado mais


da arte do que apenas de uma mera
execução de função. Por isso, o am-
biente pode ser decorado de acordo
com o gosto de cada um, os horários
são flexíveis, a diversão está mais pre-
sente, mas ainda assim caracteriza-se
uma obrigação, não há tanta ênfase na
disciplina, no padrão, mas uma alta
exigência no desempenho. Ainda há
prazos, metas, exigências e a pressão
certamente ocorrerá se a concorrente
ameaçar roubar uma fatia no mercado.

278
EDUCAÇÃO FÍSICA

SAIBA MAIS

Há uma discussão pelo mundo


afora sobre a “sociedade do cansa-
ço”. Seu formulador principal, é um
coreano que ensina filosofia em
Berlim, Byung-Chul Han, cujo livro
com o mesmo título acaba de ser
lançado no Brasil (Vozes 2015). O
pensamento nem sempre é claro e,
por vezes discutível, como quando
se afirma que “cansaço fundamen-
tal” é dotado de uma capacidade
especial de “inspirar e fazer surgir
o espírito” (cf. Byung-Chul Han, p.
73). Independentemente das teo-
rizações, vivemos numa sociedade
do cansaço. No Brasil além do can-
saço sofremos um desânimo e um
279
RECREAÇÃO E LAZER

abatimento atroz.
Consideremos, em primeiro lugar,
a sociedade do cansaço. Efetiva-
mente, a aceleração do processo
histórico e a multiplicação de sons,
de mensagens, o exagero de estí-
mulos e comunicações, especial-
mente pelo marketing comercial,
pelos celulares com todos os seus
aplicativos, a superinformação que
nos chega pelas mídias sociais, nos
produzem, dizem estes autores,
doenças neuronais: causam de-
pressão, dificuldade de atenção e
uma síndrome de hiperatividade.
Fonte: Boff (2016, on-line)2.

280
EDUCAÇÃO FÍSICA

O homo ludens tem como carac-


terística principal, como vimos ini-
cialmente na definição de Huizinga
(2012), a liberdade, por isso a rotina,
a disciplina, as posturas artificiais,
entram em choque com essa essência
de divertimento, que tende ao relaxa-
mento, à improdutividade, de acordo
com as exigências do mundo do tra-
balho. O homo ludens está mais pró-
ximo de sua essência natural, pois ele
é espontâneo.
Se observarmos o crescimento de
uma criança, veremos que o homo
ludens vem primeiro. O bebê, na
sua primeira infância, é totalmen-
te e apenas ludens. Ele exercita seus
sentidos, sua voz, procura esticar
seus membros, em resumo, ex-
281
RECREAÇÃO E LAZER

primir-se. O homo faber pouco a


pouco emerge desse homo ludens,
seja espontaneamente da própria
brincadeira e dos objetos externos
à própria brincadeira [...] seja quan-
do, induzida pelos pais, a criança
assimila a noção de “dever”. Assim,
do ponto de vista da ontogênese,
da nossa história individual, sem
dúvida o ludens vem antes do fa-
ber (CAMARGO, 1998, p. 23).
Neste sentido, a obra Homo Ludens:
o jogo como elemento da cultura, de
Johan Huizinga, publicada em 1938,
é desenvolvida com as inter-relações
entre o jogo e as variadas esferas da
vida humana: direito, guerra, conhe-
cimento, poesia, filosofia e arte. Isto
demonstra a concepção de que o jogo
282
EDUCAÇÃO FÍSICA

tem papel essencial em nossa essên-


cia humana. Muito do que se busca
compreender, ainda hoje, sobre o ser
humano poderia encontrar sua res-
posta nesta perspectiva ontológica
do ser humano.
Huizinga (2012) afirma em suas re-
flexões que a festa também possui um
alto grau de ludicidade. Na festa, as-
sim como no jogo, o cotidiano é que-
brado, a alegria é um dos elementos
marcantes e a liberdade está presen-
te. Neste sentido, ao refletirmos so-
bre a relação lazer, lúdico e educação,
é de suma importância que as festas
sejam objeto de ensino, não apenas
como elemento folclórico, mas como
vivência e lócus de ludicidade.
Contudo, diante das nossas refle-
283
RECREAÇÃO E LAZER

xões, cabe, ainda, explicitar a pergun-


ta que se apresenta no pano de fundo
das nossas abordagens iniciais sobre
o lúdico: “o lúdico não se manifesta
apenas no lazer?” Espero que tenha
ficado evidente que não. Porém, o la-
zer é o lócus privilegiado para a ma-
nifestação do lúdico. Se você retornar
ao conceito operacional de lazer que
estabelecemos no início dos nossos
estudos perceberá que há muita pro-
ximidade entre o lazer e o lúdico.
O lazer como cultura vivenciada no
tempo disponível, assim como o lúdi-
co, tem como recompensa a satisfa-
ção provocada pela própria situação.
Estar envolto pelo ambiente do lazer,
no entanto, pressupõe a possibilidade
de opção pela atividade ou pelo ócio
284
EDUCAÇÃO FÍSICA

(MARCELLINO, 2001). Neste senti-


do, como fica o lúdico no ócio, ou seja,
na opção pelo nada fazer. Diante dis-
so, o que podemos afirmar é que há o
“D” do descanso dos valores do lazer,
que não necessariamente pressupõe
ludicidade. Não necessariamente de-
senvolvimento e divertimento.
É possível, como vimos, que haja
ludicidade no ambiente do trabalho
e das obrigações. Contudo, ao cessar
o prazer, não se tem a liberdade de in-
terromper a atividade. Neste sentido,
como já caracterizamos, o ambiente
escolar hodierno, como um espaço
de trabalho e obrigações, estabelece
uma interdependência com o lazer.

285
RECREAÇÃO E LAZER

REFLITA

Como você se sente no seu espa-


ço de obrigações (profissionais,
educacionais sociais, familiares,
religiosas, político-partidárias)?
Você conseguiria atribuir um va-
lor de zero a dez à sua ludicidade
nestas esferas?

Por que é que o trabalho em nossa


sociedade se estruturou desta forma?
Por que o prazer fica relegado a uma
pequena faixa de tempo e as obriga-
ções a uma grande parcela? Por isso,
ao educar para o lúdico, implicita-
mente ocorre uma denúncia da di-
cotomia “prazer/realidade”. Não de-
286
EDUCAÇÃO FÍSICA

veria ser assim, mas a forma como


o trabalho é concebido no modo de
produção capitalista exige um aban-
dono da essência e a impõe padrões
que podem até garantir segurança,
mas roubam a liberdade; podem até
garantir o sustento material, mas não
sustentam o essencial, ou seja, tende
a usurpar a nossa humanidade.
Este “furto do lúdico”, conforme
denomina Marcellino (2002), acaba
ocorrendo cada vez mais cedo na in-
fância. Quando Camargo (1998) afir-
ma que o faber emerge do ludens, é
necessário salientar que não necessa-
riamente isso deva significar a impo-
sição de um sobre o outro, ou pior, a
morte de um pelo sufocar do outro.
As rotinas de obrigações das crian-
287
RECREAÇÃO E LAZER

ças que, além das obrigações esco-


lares, são compelidas a se dedicar a
inúmeras outras atividades, priva-as
de uma vivência genuína do lúdico,
como um espaço de liberdade, cria-
tividade e alegria. Novamente é im-
portante frisar que o lúdico não está
restrito a uma esfera específica, mas
é no lazer que encontra seu espaço/
tempo privilegiado.

288
EDUCAÇÃO FÍSICA

A Cultura, o Lúdico
e a Escola

Como estamos nos situando no uni-


verso da recreação e do lazer, nesta
unidade mais especificamente na re-
lação lazer, lúdico e educação, per-
cebemos até aqui que o universo do
lazer, principalmente sob a ótica da
289
RECREAÇÃO E LAZER

educação, possui inúmeras possibili-


dades de abordagens, e seria impos-
sível um estudo exaustivo neste mo-
mento. Contudo, cabe ainda ressaltar,
neste momento de nossa caminhada
por este universo do lúdico, alguns as-
pectos que já pontuamos na primei-
ra unidade quando estabelecemos o
conceito operacional de lazer.
Como já percebemos, o brincar
está permeado por um aspecto sim-
bólico de profunda importância na
produção cultural humana. Além
disso, brincar faz parte do proces-
so de inserção cultural, “se expressa
como linguagem e como processo de
elaboração de significados e sentidos
coletivos, contextualizados e enrai-
zados no universo social que o legi-
290
EDUCAÇÃO FÍSICA

tima” (ISAYAMA; GOMES, 2008,


p. 160). Por meio do brincar, seja de
forma espontânea ou não, somos in-
seridos nas relações sociais desde a
mais tenra infância. Portanto, a cul-
tura, entendida num sentido mais
amplo como aquilo que é produzido
pela ação humana, em contraposi-
ção àquilo que é meramente natural,
é apresentada à criança por meio de
uma certa linguagem, ou seja, há um
processo de enculturação ao qual a
criança responde e no qual estamos
inseridos e somos reinseridos ao lon-
go de nossas vidas.

291
RECREAÇÃO E LAZER

REFLITA

Você teve uma infância cheia de


brincadeiras? Quais foram as
mais marcantes? Já refletiu sobre
os valores que estas brincadeiras
formaram em você?!

O brincar, como elemento significati-


vo e representativo de diferentes cul-
turas, perpassa diferentes momentos
históricos e diferentes delimitações
geográficas. Uma brincadeira entre-
cruza histórias, tempos e espaços.
Debortoli (2004, p. 20) afirma que:
[...] não se brinca apenas com um
objeto, brinca-se com uma me-
292
EDUCAÇÃO FÍSICA

mória coletiva que muitas vezes


transcende quem brinca e o pró-
prio momento da brincadeira: ob-
jetos, tempos, substâncias, regiões,
épocas, cidades, países, estações
do ano, rituais, aos mais amplos e
ricos contextos humanos. Prefiro
dizer que toda brincadeira consis-
te num jogo, no sentido mais ple-
no da construção de regras e ins-
tauração de uma dinâmica coletiva
de significação de suas relações.
O risco da modernidade que se exa-
cerba cada vez mais naquilo que po-
demos denominar, na contempora-
neidade, de modernidade líquida, é
que a criança como sujeito da ação e
produção cultural é deixada de lado
para se tornar uma mera consumi-
293
RECREAÇÃO E LAZER

dora de produtos culturais. Como


afirma Marcellino (2000, p. 40), “é
através dessas atividades tão carac-
terísticas da infância, e que cada vez
mais vêm sendo negadas à próprias
crianças, que se forma a base de uma
participação crítica e criativa”. Como
consequência, podemos perceber
cada vez mais uma redução na capa-
cidade imaginativa, criativa e comu-
nicativa na adolescência, juventude e
até mesmo na fase adulta.
E não faltam estudos tentando de-
tectar ‘cientificamente’ as causas
para esse efeito. Entre aquelas são
apontadas a ‘massificação’, o ‘des-
respeito aos dialetos das classes
menos favorecidas’, a ‘imposição
da linguagem oficial’ etc. Sem dei-
294
EDUCAÇÃO FÍSICA

xar de levar em conta esses fato-


res, penso que a ‘pobreza’ de expe-
riência de vida humana, e nela, à
restrição do lúdico. E essa ‘pobre-
za’ não é exclusivamente de classes
sociais. Nesse aspecto todos somos
pobres. É nesse sentido que enten-
do as crianças, consideradas por
Korczak, como vítimas ‘da misé-
ria’, ou ‘do excesso’ (MARCELLI-
NO, 2002, p. 57).
Apesar de ainda termos muita misé-
ria em nosso país e no mundo, expe-
rimentamos nos últimos anos uma
significativa redução da quantidade
de miseráveis e uma melhoria signi-
ficativa na qualidade de vida. Contu-
do, mesmo a positividade traz consi-
go alguns perigos, pois como afirma
295
RECREAÇÃO E LAZER

Han (2015, p. 14), contemplamos


um paulatino desaparecimento da
alteridade, que é reflexo de uma épo-
ca pobre de negatividades. O autor
considera que os adoecimentos neu-
ronais do século XXI não têm mais
uma dialética da negatividade, mas
da positividade -“são estados patoló-
gicos devidos a um exagero de posi-
tividade”-: (2015, p. 14). Em sua tra-
jetória de raciocínio, Han considera
que a carência faz com que as pessoas
busquem a absorção e a assimilação,
mas com a superabundância surge o
problema da rejeição e da expulsão.
A padronização deixa o ser humano
vulnerável, pois “o igual não leva à
formação de anticorpos. Num siste-
ma dominado pelo igual não faz sen-
296
EDUCAÇÃO FÍSICA

tido fortalecer os mecanismos de de-


fesa” (HAN, 2015, p. 16).
A civilização do consumo corre o
risco da padronização e sua conse-
quente vulnerabilização. Além disso,
a competição econômica cria um pa-
drão de ser humano feliz. Cada vez
mais podemos ter indivíduos passi-
vos, meros consumidores dos pro-
dutos culturais e cada vez menos
produtores e exercitadores de sua
criatividade. Um exemplo deste pro-
cesso são os lançamentos constantes
de jogos virtuais tanto para consoles
quanto para smartphones e tablets;
as babás virtuais, denominadas assim
por alguns. Como afirmam Dallari e
Korczack (1986, p. 64), parece haver
um desejo, evidente ou não, de que “a
297
RECREAÇÃO E LAZER

criança não incomode, mesmo que


sua alegria seja apenas aparente”. Nes-
te contexto, como concluem os auto-
res, há uma padronização da própria
alegria, que mata a espontaneidade
e consequentemente a felicidade au-
têntica que emana genuinamente de
seu interior.
A manifestação cultural lúdica
não está apenas no brinquedo e no
brincar, segundo Oliveira (2007).
No brincar há uma experiência lú-
dica, mas que transcende este meio.
A manifestação cultural lúdica nas-
ce e se evidencia com os componen-
tes alegria, riso, entusiasmo, prazer
e divertimento, expressos pelos par-
ticipantes em determinado contex-
to cultural e social; por isso a íntima
298
EDUCAÇÃO FÍSICA

relação entre a cultura, em sentido


amplo, e a ludicidade.
Como mencionamos, um dos pro-
blemas que não é recente em nossa
sociedade, mas que vem se exacer-
bando com o passar do tempo, é o
mero consumo do brinquedo, o que
gera uma indústria cultural volta-
da para a criança, mas que arrefece
um movimento cultural da criança,
como, o do fazer o brinquedo. Oli-
veira (1986, p. 35) afirma que “o hábi-
to de crianças fazerem seus próprios
brinquedos perdeu muito terreno
para a prática consumista de com-
prar pronto”. Em alguns casos, quan-
do o ímpeto da curiosidade irrompe
nas crianças, são tolhidas pelos adul-
tos em nome da preservação do caro
299
RECREAÇÃO E LAZER

brinquedo comprado. Percebemos


em algumas crianças mais novas um
interesse maior pela embalagem do
que pelo próprio brinquedo, pois o
que está em jogo é a descoberta e a
construção da realidade cuja liberda-
de de exploração é necessária.

300
EDUCAÇÃO FÍSICA

SAIBA MAIS

Um jardim de infância norueguês de-


cidiueliminartodososbrinquedosdas
salas. O resultado foi crianças muito
mais criativas para brincar e criar.
Ascriançastinhamadisposiçãoapenas
caixas de papelão, mantas, tecidos, as
almofadas do sofá, mesas e cadeiras.
No lado de fora, apenas os aparelhos
do playground e a natureza.
Logodepoisdamudançaobservou-se
que as crianças usaram mais a ima-
ginação para criar adereços que pre-
cisavam durante as brincadeiras. As
agulhas se transformaram em espa-
das, caixas de papelão eram barcos e
folhas eram dinheiro.
Outro ponto foi que os conflitos entre
301
RECREAÇÃO E LAZER

ascriançasreduziramesetornoumais
fácil para todas as crianças brincarem.
Afinal,setudoeraimaginado,ninguém
era dono de nada.
O projeto foi tão bem sucedido que a
creche vai provavelmente continuar a
terperíodoslivresdebrinquedo.Espe-
cialmente do lado de fora das classes.
Ascriançasnãoreclamaramdaexperi-
êncianemexpressaramsaudadesdo
brinquedo, segundo a diretora.
Fonte: Catraquinha (2015, on-line)3.

A liberdade tem sido um proble-


ma para o desenvolvimento da crian-
ça em muitos casos. Perceba que o
ambiente doméstico não é projetado
ou concebido adequadamente para
302
EDUCAÇÃO FÍSICA

a exploração infantil. Tudo deve es-


tar no seu devido lugar, em nome da
ordem doméstica. Como afirma Oli-
veira (1986), os elementos naturais
(terra, areia, madeira, folhas, pedras
etc.) são vistos como representantes
do caos, de uma desordem para o
mundo adulto. Mesmo os brinque-
dos industrializados, que poderiam
oferecer um rico potencial de peças
para remontagem, podem ser cerce-
ados em nome de sua preservação.
“A situação de quebra do brinquedo
pode implicar, além disso, uma pena-
lização da criança: um castigo, o fato
de ficar sem brinquedo ou uma sur-
ra”(OLIVEIRA, 1986, p. 34).
O brincar, como processo criativo,
vinculado ao fenômeno da curiosi-
303
RECREAÇÃO E LAZER

dade (SANTIN, 1994) faz com que


expressemos algo genuinamente hu-
mano em nosso contato com a na-
tureza e seus elementos. Valorizar o
brinquedo como transcendência ao
consumo e como forma de expressão
cultural, é valorizar a própria huma-
nidade, atribuindo ao brinquedo um
papel fundamental para o desenvol-
vimento humano ligado à criativida-
de, à geração do novo. O brinquedo
pode se tornar um elemento para o
exercício dialético, ou seja, uma rea-
lidade posta pode ser negada e dela
surgir uma nova realidade. Este é o
espiral do conhecimento, essencial
ao desenvolvimento humano, que
necessita de um espaço de liberdade
para a produção cultural, não apenas
304
EDUCAÇÃO FÍSICA

para seu consumo.


Além da imposição do universo
do adulto sobre a cosmovisão infan-
til, há o perigo, pelo poupar de tem-
po, ao recorrer ao brinquedo pronto,
do que Roland Barthes (1980) deno-
mina de “aburguesamento do brin-
quedo”. A indústria, ao conceber os
brinquedos, recorre hodiernamente,
muito menos ao papel, à madeira, ao
ferro etc. e mais a elementos sintéti-
cos, principalmente os diferentes ti-
pos de plásticos. Barthes (1980, p. 42)
afirma que:
[..] o aburguesamento do brinque-
do não se reconhece só pelas suas
formas, sempre funcionais, mas
também pela sua substância. Os
brinquedos vulgares são feitos de
305
RECREAÇÃO E LAZER

uma matéria ingrata, produtos de


uma química e não de uma natu-
reza. Atualmente muitos são mol-
dados em massas complicadas: a
matéria plástica tem assim uma
aparência simultaneamente gros-
seira e higiênica, ela mata o pra-
zer, a suavidade, a humanidade do
tato. [...] O brinquedo é doravan-
te químico, de substância e de cor;
a própria matéria-prima de que é
constituído leva a uma cinestesia
da utilização e não do prazer.
A concepção dos brinquedos indus-
trializados é realizada por adultos,
bem como sua confecção, sua pro-
moção - em grande parte pela mí-
dia voltada ao público infantil - e, em
muitos casos, a aquisição também é
306
EDUCAÇÃO FÍSICA

realizada pelo adulto. Isso é uma mera


imposição cultural do adulto à crian-
ça, que além de reforçar a lógica do
adulto em miniatura, cria consumi-
dores dentro da lógica do modo de
produção capitalista. Barthes (1980,
p. 36) adverte que mesmo o brinque-
do artesanal e semi-industrial pode
entrar nesta lógica consumista. “Im-
porta analisar como esses produtos
do divertimento, criados num siste-
ma específico de relações entre pro-
dução, venda e consumo, encerram
[...] significados expressivos”.
Esta lógica da indústria cultural faz
com que produtos sejam adaptados
ao consumo massificado e no qual ela
mesma determina este consumo. Um
dos problemas gerados pela indústria
307
considerações finais

cultural ao massificar seus processos


é gerar a falsa sensação no consu-
midor de que é ele quem está no co-
mando, sujeito do processo, quando
na verdade não passa de um objeto.
A lógica da mass media, termo que
pode substituir indústria cultural em
determinados contextos, é que não
são as massas o fiel da balança, mas
a própria indústria cultural (ADOR-
NO, 1971).
Na medida em que nesse processo
a indústria cultural inegavelmente
especula sobre o estado de consci-
ência e inconsciência de milhões
de pessoas às quais ela se dirige, as
massas não são, então, o fator pri-
meiro, mas um elemento secun-
dário, um elemento de cálculo;
308
considerações finais

acessório da maquinaria. O con-


sumidor não é rei, como a indús-
tria cultural gostaria de fazer crer
[...]. As massas não são a medida
mas a ideologia da indústria cul-
tural, ainda que esta última não
possa existir sem a elas se adaptar
(ADORNO, 1971, p. 288).
Percebemos, portanto, que o furto do
lúdico, como denomina Marcellino
(2002), pode estar relacionado tam-
bém à grande indústria de massa,
voltada especificamente para o pú-
blico infantil. A lógica da indústria e,
consequentemente, do comércio e a
venda com vista ao lucro, obviamen-
te, deixam em segundo plano aspec-
tos como conteúdo se seus produtos,
apesar de todas as leis em torno do
309
RECREAÇÃO E LAZER

comércio em território nacional - já


insuficientes na dinâmica do comér-
cio globalizado.
A lógica da indústria cultural é a
do sempre igual, mas com roupagens
diferentes, para que sempre se consu-
ma o igual na essência, mas diferen-
te na estética, gerando um status, por
se ter o mais novo produto do mer-
cado. “Toda práxis da indústria cul-
tural transfere, sem mais, a motiva-
ção do lucro às criações espirituais”
(ADORNO, 1971, p. 288). A ideolo-
gia da indústria cultural, neste sen-
tido, não promove uma autonomia,
consciência, mas um conformismo,
por meio do qual não há possibilida-
de de confrontação ou transforma-
ção da ordem estabelecida.
310
EDUCAÇÃO FÍSICA

Como conclui Adorno (1971, p.


294), “a construção ideológica da in-
dústria cultural não visa uma vida
feliz, mesmo que discurssem assim,
nem mesmo à uma nova arte da res-
ponsabilidade moral”, mas a uma
conformidade aos interesses dos po-
derosos. Há uma falsa satisfação ge-

311
RECREAÇÃO E LAZER

rada, que pode durar pouco tempo,


concebida de forma a compensar um
vazio existencial, que pode até gerar
uma “sensação confortável de que
o mundo está em ordem” mas que
“frustra-as na própria felicidade que
ela ilusoriamente lhes propicia”. Isso
impede a construção da autonomia
de indivíduos que pensem e ajam
conscientemente, e, por consequên-
cia, sejam mais contentes, com uma
vida mais significativa.
Cada vez mais vemos um au-
mento nas barreiras para que, prin-
cipalmente, as crianças deixem de
ser meras consumidoras de cultu-
ra e passem a ser produtoras. Vale
observar que, principalmente em
grandes cidades, umas das barrei-
312
EDUCAÇÃO FÍSICA

ras é a limitação de espaço, em pri-


meiro lugar, mas que pode estar di-
retamente atrelada ao fator tempo.
Discutiremos mais detidamente
esta questão na próxima unidade.
Outra barreira à produção cultu-
ral, como já mencionamos, ainda é,
infelizmente, a exploração da mão de
obra infantil, que reduziu nos últimos
anos no Brasil, mas que ainda está
presente em nossa sociedade. Pior do
que isso, ainda é possível encontrar
famílias inteiras em regime de traba-
lho escravo. Como falar em conhe-
cimento, apreensão cultural? Como
tratar de uma criticidade das vivên-
cias e imposições da indústria cul-
tural? Como estimular uma criação,
criatividade, produção cultural, in-
313
RECREAÇÃO E LAZER

dependente da faixa etária? Portanto,


como qualquer assunto que envolva
o ser humano em sociedade, é neces-
sário conceber o problema da cultu-
ra, do lúdico e, consequentemente,
da educação numa perspectiva mais
ampla, atrelada a várias outras esfe-
ras que compõem o rico mosaico da
vida em sociedade.
O furto do lúdico ocorre, como
salienta Marcellino (2002), não ape-
nas pelas privações de espaço/tempo,
mas também pela bem-intenciona-
da transformação de elementos que
no lazer são potencialmente lúdicos
para meios de aquisição de conheci-
mento no processo educativo, em ati-
vidade utilitária. A lógica da fruição,
se é que ela tem uma lógica, racio-
314
EDUCAÇÃO FÍSICA

nalmente concebida, é a preparação


para o futuro, a formação de um in-
divíduo produtivo, que é justamente
a lógica burguesa, pois a aprendiza-
gem é necessária à vida adulta, à ne-
gação do ócio: negócio. O jogo, nes-
ta dinâmica utilitária, funcionalista,
é instrumentalizado para treinar, ou
adestrar, partindo do pressuposto de
315
RECREAÇÃO E LAZER

que sempre deseja ser “gente grande”,


quando na verdade, ao que tudo in-
dica, a criança é estimulada a crescer
e o adulto deseja reviver a infância.
O brinquedo como um elemento
cultural significativo, dotado de uma
linguagem específica que tem em si,
potencialmente, a capacidade lúdica,
corre o risco de se tornar um “mi-
crocosmo adulto”. Nesta perspectiva,
torna-se mais um elemento de utili-
tarismo dominante, como uma im-
posição da cultura adulta à infância.
Com isso, corre-se o risco de uma
padronização da infância, da cultura
infantil, essencialmente lúdica, acei-
tando tacitamente uma heteronomia
adulta. “Brinquedos/mercadorias,
brinquedos/álibis da convivência in-
316
EDUCAÇÃO FÍSICA

válida, para a mera demonstração de


uma falsa felicidade adulta” (MAR-
CELLINO, 2002, p. 69).
Quando a criança se encontra no
patamar de mera consumidora da
cultura adulta, e neste caso não es-
tamos apenas nos referindo à indús-
tria cultural, mas a qualquer meio de
imposição cultural à criança, de for-
ma geral, caracteriza-se a visão fun-
cionalista e instrumental do brincar.
Quando o brincar, como elemento
cultural, se torna passivo, não há es-
paço para a criatividade, mas à mera
reprodução em conformidade à uma
realidade imposta. É óbvio que o
adulto pode preservar a rica cultura
produzida pelas gerações anteriores
e transmitir às gerações mais novas,
317
RECREAÇÃO E LAZER

isto é educação, e é um dever. Con-


tudo, devemos lutar para que as bar-
reiras que impedem as crianças de
transcenderem o mero dado sejam
superadas e haja efetivamente uma
produção cultural da criança, e não
apenas para a criança. Como afirma
Oliveira (2007, p. 132), a referência,
de maneira geral, é de “manutenção
da ordem social vigente a ser aceita
de forma submissa e acrítica”. Nesta
lógica, não há luta pela alegria, ludi-
cidade, prazer, “vivência temporária
do não-real, do não-usual e da fan-
tasia – elementos centrais do brin-
car e que permeiam as atividades de
lazer”, pois eles são justamente bre-
chas que podem vir a solapar a or-
dem social vigente.
318
EDUCAÇÃO FÍSICA

E a escola? Como fica diante deste


confronto entre uma cultura imposta
e a necessidade uma produção cultu-
ral genuína? Ela está, e nisto conside-
remos professores, alunos, coordena-
dores, diretores etc., em meio a uma
disputa; diante de exigências para a
formação do mercado de trabalho,
do mundo do negócio, e da educação
para o lazer, para brincar, para a o lú-
dico. Como afirma Snyders (1988, p.
196):
[...] o drama da escola é que muitos
alunos recorrem a ela em busca de
como se desenvolver em uma dire-
ção que os atrai, mas a orientação
imposta consegue com frequência
restringir até mesmo a força de de-
sejar. A escola, lugar onde se edu-
319
RECREAÇÃO E LAZER

cam os futuros trabalhadores – ou


lugar onde se renuncia educá-los?
O medo de tornar (ou continuar)
se renuncia a educá-los? O medo
de formar (ou continuar) trabalha-
dor, pequeno empregado substitui
o medo do inferno – e quase não se
progride em direção a alegria.
Apesar de não ser o objeto específico
de nossa discussão, estes questiona-
mentos nos levam a outros bem mais
profundos, reflexões que permeiam
a filosofia da educação. A primeira é
justamente sobre qual seria a voca-
ção, o chamado da escola, para Sny-
ders (1993), é construir pontes entre
as pessoas e a cultura esta é arte de
todos os envolvidos na educação: a
do pontífice, do construtor de pontes
320
EDUCAÇÃO FÍSICA

- construir caminhos para que pas-


semos juntos de um lugar a outro no
conhecimento. A educação é “local
de apropriação cultural, superação
rumo à alegria cultural através da vi-
vência de certas condições de comu-
nicação, de adaptação e de apoio de
pessoa a pessoa”. Conclui sua reflexão
reportando-se à posição freudiana de
que a escola tem a missão de “integrar
o mais secreto, o mais inquietante do
afetivo com o discernimento racio-
nal” (SNYDERS, 1993, p. 90; 95).
Quando olhamos para o século
XXI, com sua riqueza e diversidade
midiática, percebemos que o desafio
não é tão simples assim. Quantas pon-
tes estão construídas. Lindas pontes,
mas que levam a lugares questioná-
321
RECREAÇÃO E LAZER

veis, e pior, sem opções. Tornam as


pessoas ovelhas de rebanho, em vez
de de cabritos monteses. Permitam
analogia, mas pensem em quantos
adultos infelizes que foram crianças
cheias de vida, que aos poucos foram
sendo domesticadas, padronizadas,
arrebanhadas e, como ovelhas de um
rebanho, tiveram suas identidades
furtadas. Tinham potencial para ex-
plorar as grandes montanhas do co-
nhecimento, mas foram vítimas dos
medos que tolheram os ímpetos da
curiosidade infantil, dos sonhos, da
essência lúdica. A única forma de
um aluno não se distrair ou se enfa-
dar com a escola é se alegrando nela
e com ela.
[...] a escola preenche duas fun-
322
EDUCAÇÃO FÍSICA

ções: preparar o futuro e assegu-


rar ao aluno as alegrias presentes
durante esses longuíssimos anos
de escolaridade que a nossa civi-
lização conquistou para ele (SNY-
DERS, 1993, p. 27).
Isto é tão sério e relevante para os dias
atuais que autores como Diamandis e
Kotler (2012) veem que a ludicidade,
a diversão, e por que não dizer a ale-

323
RECREAÇÃO E LAZER

gria, já não seriam suficientes diante


de uma competição pela atenção de
nossas crianças e jovens. A cultura
tecnológica e a produção midiática
se tornaram adversários em muitos
casos para a escola tradicional, com
recursos limitados à lousa e giz.
Em meio à internet, videogames e
aqueles 500 canais de TV a cabo,
a competição pela atenção das
crianças tornou-se implacável. Se
o tédio é a causa número um da
evasão escolar, então o nosso sis-
tema educacional novo precisa
ser eficaz, escalonável e altamente
divertido. Na verdade, altamente
divertido pode não ser suficiente.
Se quisermos realmente preparar
nossas crianças para o futuro, o
324
EDUCAÇÃO FÍSICA

aprendizado precisa se tornar vi-


ciador (DIAMANDIS; KOTLER,
2012, p. 224).
Como já dissemos, não é apenas a
preparação para o futuro, mas um
equilíbrio entre a cultura acumulada
ao longo do tempo, a alegria do co-
nhecimento presente e a esperança
criativa para o futuro. Contudo o que
chama mais atenção na citação ante-
rior é que a diversão tão propalada em
alguns círculos educacionais como
a panaceia para a crise educacional
pode não ser suficiente, pois, segun-
do os autores, não se trata apenas de
ser divertido, mas viciante, como os
grandes concorrentes da educação
conseguiram fazer, por meio de seus
produtos.
325
RECREAÇÃO E LAZER

O risco de não nos conscientizar-


mos desta situação e não refletirmos
para encontrarmos soluções que li-
dem com a cultura, sem necessaria-
mente instrumentalizar o lúdico, é
cedermos a um pacto da mediocri-
dade: o professor finge que ensina e o
aluno finge que aprende. Para que não
haja aborrecimentos diante da neces-
sidade imposta da presença nos ban-
cos escolares, os alunos resignam-se
para evitar problemas maiores e cum-
prem o papel que se espera. Estarão,
como afirma Snyders (1988, p. 189),
“muito felizes se puderem eliminar
o desagradável de algumas compen-
sações recreativas, se puderem criar
uma atmosfera ‘simpática’ com um
professor ‘simpático’”. Ainda de acor-
326
EDUCAÇÃO FÍSICA

do com o autor, mesmo que isto não


tenha nenhum significado efetivo,
ainda que isto não responda a ne-
nhum de seus problemas, não os
‘alimente’ realmente e permane-
çam a cem léguas de tudo aquilo
que há de importante em sua vida
e na cultura elaborada ao menos
o tempo exigido naquela cultura
imposta (Snyders, 1988, p 189),
Com exigências produtivas segundo
a lógica do adulto, que em sua maio-
ria está associada à lógica do modo de
produção vigente, pode ser que hora
ou outra consigam desfrutar de um
pouco de diversão em meio ao tédio.
A escola necessita, portanto, funda-
mentar sua práxis em conteúdos que
sejam significativos e tenham liga-
327
RECREAÇÃO E LAZER

ção com a cultura na qual os sujeitos


estejam inseridos. Neste sentido, no
mínimo, seria necessária uma anam-
nese para que o professor conhecesse
a realidade de seu alunado e gerasse
algo que propiciasse maior aproxi-
mação e vínculo entre ambos. Com
isso, uma produção coletiva diante
dos diferentes conteúdos, dos quais
os brinquedos, jogos e brincadeiras
fazem parte, seria viável e natural, e
por que não dizer, divertida, lúdica,
sem necessariamente uma instru-
mentalização do lúdico.
A escola deveria ser um lugar de
alegria para os alunos e também
para os professores. [...] Eu gosta-
ria que o trabalho dos alunos na
escola fosse vivido de modo bas-
328
EDUCAÇÃO FÍSICA

tante diferente: as obrigações, ine-


vitáveis tanto num caso como no
outro, não representam aqui con-
dições de produtividade e de lucro,
mas etapas em direção à alegria –
a menos que se chegue ao extre-
mo de dizer que o trabalho escolar
poderia ser o exemplo precursor
do que será o trabalho adulto livre
(SNYDERS, 1993, p. 33).
É claro que estamos tratando espe-
cificamente do lazer da criança e do
direito à alegria, para além das obri-
gações, principalmente a escolar,
mas vale lembrar que a alegria que se
tem no lazer deve instigar o questio-
namento do porque não seria assim
também na escola. A alegria na es-
cola traria consigo prazer pelo pre-
329
RECREAÇÃO E LAZER

sente em ser o que é, com as vanta-


gens e desvantagens da faixa etária,
vislumbrando as ricas possibilidades
do devir, sem necessariamente per-
der o espírito lúdico da infância, mas
também sem necessariamente infan-
tilizar o adulto. “Felicidade por cres-
cer e continuar a viver seu passado
infantil sem amargura” (SNYDERS,
1993, p. 60).
Boas perguntas para fazermos a
nossos alunos seriam se eles conside-
ram a escola um local de alegria ou
tristeza; quais momentos em que há
alegria na escola; se há na escola adul-
tos que brincam; entre outras. Isso
nos levaria, como professores(as), a
refletir sobre estratégias para tornar
a escola cada vez mais alegre. Vale
330
EDUCAÇÃO FÍSICA

lembrar que a escola tem seu papel


específico e não deve abrir mão do
oferecimento da cultura às novas ge-
rações, pensando o que aqueles con-
teúdos podem gerar para uma vida
plena, íntegra e com sentido.
Um risco que podemos correr é
querer igualar o tempo das obriga-
ções escolares ao lazer. A escola ne-
cessita reencontrar sua própria ale-
gria, a alegria da curiosidade, da
descoberta, do acesso ao conheci-
mento de forma autônoma e respon-
sável. A alegria pode estar na própria
condição gregária do ser humano e
nas trocas de experiências, no com-
partilhar, nas coproduções, nas co-
operações, mais do que nas com-
petições. Condições que, por vezes,
331
RECREAÇÃO E LAZER

são subtraídas de nossos alunos em


nome de um discurso de disciplina e
organização: uma sala de aula orga-
nizada, alunos enfileirados, copian-
do a matéria do quadro e sonhando
com o momento de mais liberdade.
O fato é que não é tão simples do-
sar a alegria sem abdicar do papel de
educador, independentemente se está
na escola ou não, pois mesmo no la-
zer, não há apenas o aspecto da “cur-
tição”, do fruir, mas há necessidade de
dedicação e disciplina. A alegria ver-
dadeira requer certo rigor, não é um
“deixe rolar”, “deixe acontecer”. A ale-
gria duradoura está baseada em dis-
ciplina. Estas relações precisam estar
claras para os educadores, pois, por
vezes, em nome da alegria, as aulas
332
EDUCAÇÃO FÍSICA

perdem seus objetivos e se confun-


dem com o próprio lazer, num tem-
po reservado a um tipo de obriga-
ções, inerente a própria vida. O lazer
pode até ocorrer na escola, mas fora
do tempo das obrigações, utilizando
sua estrutura como um equipamen-
to não específico de lazer.
Não podemos deixar de salientar
que, em muitos momentos, a esco-
la se torna um ambiente hostil, difí-
cil de suportar, se colocada ao lado
dos momentos livres de lazer. Nes-
tes momentos não há as pressões de
atingir metas, passar por avaliações,
lidar com obrigações de atividades
por vezes em sentido, cuja pergun-
ta por vezes é: onde aplico isso em
minha vida? O lazer, que ocorre na
333
RECREAÇÃO E LAZER

extra escolaridade, como denomina


Snyders (1993, p. 37), é, de maneira
geral, uma atividade opcional.
[...] muitas das atividades da vida
extra escolar (esporte, música) se
orientam para fins próximos, es-
tão pouco preocupados em pre-
parar para ao futuro e não pesam
portanto como preocupações dis-
tantes, mesmo quando o resultado
é medíocre.
Neste sentido é que está posto o gran-
de desafio de resgatar a alegria na es-
cola e da escola, sem que ela se con-
funda com o próprio lazer, seja em
que disciplina for.
O aluno corre o perigo de sentir-se
vencido pela escola (“eles” são mais
fortes, tenho que ir à escola), enquan-
334
EDUCAÇÃO FÍSICA

to meu problema, minha tarefa e meu


tormento são estudar como a alegria
escolar pode levar a melhorar sobre as
alegrias da cultura inicial e da cultura
do lazer (SNYDERS, 1993, p. 50).
Este incômodo demonstrado de-
veria ser o de todo professor com-
prometido com o ser humano, em
primeiro lugar, e que contribui com
a humanidade por meio de um meio
tão relevante e precioso como a edu-
cação formal. O aluno deve ser mo-
tivado a gostar da fase que está vi-
vendo, a fruir de tudo que ela pode
oferecer e não apenas esperar que a
alegria esteja no futuro. Aprender a
equilibrar as disciplinas e obrigações
com o prazer de estar descobrindo,
como um sujeito do processo e não
335
RECREAÇÃO E LAZER

como um mero objeto.


O adulto amará a juventude não só
pelo que ela promete ser, mas pelo que
ela já é, ou seja, um período que me-
rece ser vivido, ao invés de um mero
tempo de exercícios, nos dois sentidos
da palavra (SNYDERS, 1993, p. 30).
A escola não será um lugar de pro-
jeções futurísticas apenas, mas de vi-
vência do lúdico sem negociar seus
objetivos e valores. Um espaço/tem-
po em que, de forma lúdica, alegre,
pela própria essência do descobrir, do
aprender e do produzir conhecimen-
to ocorra uma dinâmica de apreen-
são e produção cultural pelos alunos
sujeitos do processo.

336
considerações finais

Caro(a) aluno(a), a compreensão das


relações entre lazer, lúdico e educa-
ção é de suma importância para a
formação profissional em Educação
Física. Ter claro os potenciais edu-
cativos do lazer, quer como veícu-
lo, quer como objeto, deflagra uma
série de reflexões necessárias à atu-
ação profissional. Além disso, o la-
zer como lócus privilegiado para o
lúdico estabelece uma relação natu-
ral com a infância e a necessidade
de garantia do direito à alegria nesta
faixa etária.
Como pudemos perceber, os de-
bates que afloram destas relações são
amplos e variados; um rico campo de
pesquisa e reflexões. Possivelmente
esta tenha sido, para muitos, a primei-
337
considerações finais

ra oportunidade de reflexão acerca


do potencial que o lazer possui para o
desenvolvimento do ser humano em
suas múltiplas facetas.
O lazer, enquanto veículo de educa-
ção, carrega uma infinidade de conte-
údos culturais que devem levar seus
participantes a um processo de au-
toconhecimento, em primeiro lugar,
mas que não ocorre sem o conheci-
mento do outro e do ambiente que o
cerca. Destas relações emergem ou-
tros temas, como, por exemplo, a éti-
ca. Perceba como se tornam ricas as
reflexões sobre o ser humano em suas
múltiplas facetas.
Quando estabelecemos a relação com
a infância, o mesmo processo é defla-
grado. Infância, lazer e direito à alegria
338
considerações finais

nos remetem ao processo de constru-


ção histórica do modelo de criança em
diferentes épocas e o que isto reflete no
aspecto da ludicidade e no lazer.
Todos estes aspectos devem manter
clara a concepção de que a educação
possui uma complexidade e impor-
tância muito grande para a vida hu-
mana. Portanto, independente de ser-
mos educadores nos modelos formais
ou não formais, nossa responsabilida-
de é de cada dia mais, paulatinamente,
aumentarmos nosso repertório, nos-
so conhecimento nas mais diferen-
tes áreas do conhecimento, para uma
compreensão cada vez maior do ser
humano. Esta aprendizagem cumula-
tiva deve redundar numa ação cons-
ciente, engajada e não alienada.
339
LEITURA
COMPLEMENTAR

É BRINCANDO QUE SE APREN-


DE...
No meu tempo parte da ale-
gria de brincar estava na ale-
gria de construir o brinquedo.
Fiz caminhõezinhos, carros de
rolemã, caleidoscópios, pe-
riscópios, aviões, canhões de
bambu, corrupios, arcos e fle-
chas, cataventos, instrumen-
tos musicais, um telégrafo, te-
lefones, um projetor de cinema
com caixa de sapato e lente fei-
ta com lâmpada cheia d’água,
pernas de pau, balanços, gan-
340
LEITURA
COMPLEMENTAR

gorras, matracas de caixas de


fósforo, papagaios, artefatos
detonadores de cabeças de
pau de fósforo, estilingues.
Fazendo estilingues desenvolvi
as virtudes necessárias à pes-
quisa: só se conseguia uma
forquilha perfeita de jabotica-
beira depois de longa pesqui-
sa. Pesquisava forquilhas - as
mesmas que inspiraram Sal-
vador Dali - exercendo minhas
funções de ´controle de quali-
dade´ - arte que alguns anun-
ciam como nova mas que exis-
341
LEITURA
COMPLEMENTAR

tiu desde a criação do mundo:


Deus ia fazendo, testando e di-
zendo, alegre, que tinha ficado
muito bom. Eu ia comparando
a infinidade de ganchos que se
encontravam nas jaboticabei-
ras com o gancho ideal, perfei-
to, simétrico, que existia em mi-
nha cabeça. Pois ´controle de
qualidade´ é isso: comparar o
´produto´ real com o modelo
ideal. As crianças já nascem sa-
bendo o essencial. Na escola,
esquecem.
Os grandes, morrendo de in-
342
LEITURA
COMPLEMENTAR

veja mas sem coragem para


brincar, brincavam fazendo
brinquedos. As mães faziam
bonecas de pano, arte mara-
vilhosa hoje só cultivada por
poucas artistas. As mães mo-
dernas são de outro tipo, sem-
pre muito ocupadas, corren-
do prá lá e prá cá, motoristas,
levando as crianças para aula
de balê, aula de judô, aula de
inglês, aula de equitação, aula
de computação - não lhes so-
bra tempo para fazer brin-
quedos para os filhos. ( Será
343
LEITURA
COMPLEMENTAR

que as crianças de hoje sabem


que os brinquedos podem ser
fabricados por eles?). Hoje,
quando a menina quer bone-
ca, a mãe não faz a boneca:
compra uma boneca pronta
que faz xixi, engatinha, chora,
fala quando a gente aperta
um botão, e é logo esquecida
no armário dos brinquedos.
Pobres brinquedos prontos!
Vindo já prontos, eles nos
roubam a alegria de fazê-los.
Brinquedo que se faz é arte,
tem a cara da gente. Brinque-
344
LEITURA
COMPLEMENTAR

do pronto não tem a cara de


ninguém. São todos iguais. Só
servem para o tráfico de in-
veja que move pais e filhos,
como esse tal ´bichinho vir-
tual...´
Fiquei com vontade de fazer
um sinuquinha. Naquele tem-
po não havia para se comprar.
Mesmo que houvesse não
adiantava: a gente era pobre.
Como tudo o que vale a pena
nesse mundo, a fabricação co-
meçava com um ato intelectu-
al: pensamento: quem deseja
345
LEITURA
COMPLEMENTAR

pensa. O pensamento nasce


no desejo. Era preciso, antes
de construir o sinuquinha de
verdade, construir o sinuqui-
nha de mentira, na cabeça.
Essa é a função da imaginação.
Antes de Piaget eu já sabia os
essenciais do construtivismo:
meu conhecimento começava
com uma construção mental
do objeto. Diga-se, de passa-
gem, que o homem vem pra-
ticando o construtivismo des-
de o período da pedra lascada.
Piaget não descobriu nada: ele
346
LEITURA
COMPLEMENTAR

só descreveu aquilo que os


homens (e mesmo alguns ani-
mais) sempre souberam.
[...]
Deliciei-me com uma estoria
do ´Pato Donald´. O professor
Pardal, cientista, resolveu dar
como presente de aniversário
ao Huguinho, Zezinho e Lui-
zinho, brinquedos perfeitos.
Fabricou uma pipa que voava
sempre, mesmo sem vento.
Um pião que rodava sempre,
mesmo que fosse lançado do
jeito errado. E um taco de bei-
347
LEITURA
COMPLEMENTAR

sebol que sempre acertava na


bola, mesmo que o jogador
não estivesse olhando para ela.
Mas a alegria foi de curta dura-
ção. Que graça há em se em-
pinar uma pipa, se não existe
a luta com o vento? Que graça
há em fazer rodar um pião se
qualquer pessoa, mesmo uma
que nunca tenha visto um pião,
o faz rodar? Que graça há em
ter um taco que joga sozinho?
Os brinquedos perfeitos foram
logo para o monte lixo e os me-
ninos voltaram aos desafios e
348
LEITURA
COMPLEMENTAR

alegrias dos brinquedos anti-


gos.
Todo brinquedo bom apre-
senta um desafio. A gente olha
para ele e ele nos convida para
medir forças. Aconteceu comi-
go, faz pouco tempo: abri uma
gaveta e um pião que estava lá,
largado, fazia tempo, me desa-
fiou: ´ - Veja se você pode co-
migo!´ Foi o início de um longo
processo de medição de for-
ças, no qual fui derrotado mui-
tas vezes. É preciso que haja a
possibilidade de ser derrotado
349
LEITURA
COMPLEMENTAR

pelo brinquedo para que haja


desafio e alegria. A alegria vem
quando a gente ganha. No brin-
quedo a gente exercita o que
Nietzsche denominou ´vonta-
de de poder´.
Brinquedo é qualquer desafio
que a gente aceita pelo simples
prazer do desafio - sem nenhu-
ma utilidade. São muitos os de-
safios. Alguns são desafios que
tem a ver com a habilidade e a
força física: salto com vara, en-
caçapar a bola de sinuca; enfiar
o pino do bilboquê no buraco
350
LEITURA
COMPLEMENTAR

da bola de madeira. Outros


tem a ver com nossa capacida-
de para resolver problemas ló-
gicos, como o xadrez, a dama,
a quina. Já os quebra-cabeças
são desafios à nossa paciência
e à nossa capacidade de reco-
nhecer padrões.
É brincando que a gente se
educa e aprende. Cada pro-
fessor deve ser um ´magister
ludi´, como no livro do Her-
mann Hesse. Alguns, ao ouvir
isso, me acusam de querer tor-
nar a educação uma coisa fácil.
351
LEITURA
COMPLEMENTAR

Essas são pessoas que nunca


brincaram e não sabem o que
é o brinquedo. Quem brinca
sabe que a alegria se encon-
tra precisamente no desafio
e na dificuldade. Letras, pala-
vras, números, formas, bichos,
plantas, objetos (ah! o fascí-
nio dos objetos!), estrelas, rios,
mares, máquinas, ferramen-
tas, comidas, músicas - todos
são desafios que olham para
nós e nos dizem: ´Veja se você
pode comigo!´ Professor bom
não é aquele que dá uma aula
352
LEITURA
COMPLEMENTAR

perfeita, explicando a matéria.


Professor bom é aquele que
transforma a matéria em brin-
quedo e instiga o aluno a brin-
car. Depois de cativar o aluno,
não há quem o segure.
Fonte: Alves (2014, on-line)4.

353
atividades de estudo

1. O lazer, como veículo de edu-


cação, tem em si uma poten-
cialidade de desenvolvimento
pessoal e social dos indivídu-
os. À luz desta afirmação, Mar-
cellino (2000) considera que
ele cumpre objetivos consu-
matórios e instrumentais. Dis-
corra sobre cada um destes
dois objetivos.
2. Além ser veículo de educa-
ção, o lazer também deve ser
objeto de educação, tanto da
educação formal (que ocorre
de forma sistematizada, privi-
legiadamente na escola) quan-
to da educação não formal (de

354
atividades de estudo

forma não sistematizada, que


ocorre fora das instituições
dedicadas ao ensino). Neste
sentido, explique o lazer en-
quanto objeto da educação.
3. As classificações homo sa-
piens, o homo faber e o homo
ludens estão presentes em
nossa natureza humana. Elas
estão emaranhadas e manifes-
tam elementos fundamentais
da essência do ser humano. A
dosagem de cada uma dessas
facetas determina os valores

355
atividades de estudo

que cada indivíduo e socieda-


de priorizará. Neste sentido,
exponha elementos funda-
mentais para a compreen-
são do homo ludens.
4. Podemos perceber que há
grande embasamento legal
para que se assegure o direito
das crianças de vivenciar sua
essência lúdica. A criança é
um cidadão, com suas singula-
ridades, bem como com suas
pluralidades. O lazer é um des-
ses direitos garantidos por lei.
Contudo, infelizmente, ainda
é visto como não tão urgente,
diante de outros direitos so-
ciais mais urgentes. Discorra
sobre esta problemática da
356
atividades de estudo

privação ao lazer e ao brin-


car apontando ao menos
uma solução para sua supe-
ração.
5. A criança encontra meios de
expressão simbólica de expe-
riências e desejos por meio
do lúdico, segundo Marcellino
(2002). O lúdico, nesse senti-
do, é a linguagem inerente ao
brincar que não está restrito
ao universo infantil, mas de-
veria contagiar o lazer em to-
das as etapas da vida. Vigotsky
(1984), Piaget (1983), Winnicott
(1975), Friedmann (1996) en-
tre outros autores, ao investi-
garem o universo do brincar,
voltaram-se necessariamen-
357
atividades de estudo

te ao universo infantil. Assim,


explique a relação essencial
entre a criança e o brincar.

358
EDUCAÇÃO FÍSICA

Lazer e Educação
Nelson Carvalho Mar-
cellino
Editora: Papirus
Sinopse: o livro é fru-
to da dissertação de mestrado do
autor na área de Filosofia da edu-
cação. Ele busca verificar as re-
lações entre o lazer, a escola e o
processo educativo, com vistas a
uma alternativa pedagógica. O au-
tor realiza uma reflexão filosófica
sobre o lazer como elemento pe-
dagógico de significação, propon-
do fundamentos para a pedagogia
da animação. Analisa a relevância
359
RECREAÇÃO E LAZER

do papel da escola na relação com


lazer, ora como instrumento, ora
como objeto da educação. Analisa
os mal entendidos sobre os temas
lazer e educação; discorre sobre o
duplo aspecto educativo do lazer;
os equívocos na relação lazer e es-
cola; e por fim, propõe elementos
para o que denomina “Pedagogia
da Animação”.
Comentário: a obra é de profun-
da relevância para os estudos do
lazer de forma geral e mais espe-
cificamente para a relação lazer e
escola. O autor é profícuo nos es-
critos sobre o tema, sendo um dos
mais respeitados nesta temática.

360
Brincante
Ano: 2014
Sinopse: Brincante
é um documentá-
rio de sobre Antônio Nóbrega,
um artista mambembe de um
teatro itinerante. Seus espe-
táculos, que percorrem todo
Brasil, são compostos por fan-
toches, truques, música, dança
e teatro. As apresentações são
de teor lúdico infantil, apesar
de críticas sagazes ao mundo
adulto. Não há uma distinção
entre o que costumeiramente
361
denomina-se de cultura eru-
dita e cultura popular, pois no
documentário ambas estão
amalgamadas.

Instituto Brincante
O Instituto Brincante, busca res-
gatar, conhecer, assimilar e recriar
manifestações artísticas brasilei-
ras, numa perspectiva da nossa
rica diversidade cultural. Pesqui-
sa e reelabora da cultura brasilei-
ra, com vistas a propiciar novos
valores e modos de ser que pro-
piciem ao indivíduo novas manei-
ras de pensar e viver a socieda-
362
de contemporânea. Sua Missão
é: promover o enriquecimento
humano por meio do estudo e
da pesquisa da arte e da cultura
brasileiras, formando e capaci-
tando jovens, crianças, artistas e
educadores e contribuindo para
ampliar sua consciência cultural
e social. Sua Visão é: ser reconhe-
cido pelos seus mantenedores e
pelo público em geral como um
centro de referência irradiador
da cultura brasileira e formador
de intérpretes e educadores.
Para conhecer mais, acesse o link
disponível em: <http://www.insti-
tutobrincante.org.br/>.
363
Escola da Ponte
A Escola da Ponte é, nas palavras
de Rubem Alves, “a escola que
sempre sonhei sem imaginar que
pudesse existir”, título de um livro
sobre ela, publicado pela Papirus
Editora. O modelo pedagógico da
escola rompe com os modelos
tradicionais. O espaço é partilha-
do por todos, não há separação
de turmas, não há sinais sonoros,
não há competição, mas muita
cooperação. É um espaço de jogo,
divertido, mas com regras, cons-
truídas coletivamente.
Para conhecer mais, acesse o link
disponível em: <http://www.esco-
ladaponte.pt/>.
364
referências

ADORNO, T. W. A indústria cultural.


In: COHN, G. Comunicação e indús-
tria cultural. São Paulo: Companhia
Editora Nacional/EDUSP, 1971.
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aprender: o resgate do jogo infantil. São
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jardim-de-infancia-da-noruega-reti-
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-foi-criancas-mais-criativas/>. Acesso
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cando-que-se-aprende#.WS10C-
-vyuUl>. Acesso em: 30 maio. 2017.

369
gabarito

1. Os objetivos consumatórios
estão ligados ao relaxamento,
à contemplação, e ao prazer
que determinadas práticas
proporcionam. Em muitos ca-
sos, a aparência é de que não
se está fazendo nada, mas
quando atrelado a um pro-
cesso educativo de educação
“para” e não “pelo”, é justificá-
vel e necessária a fruição des-
tes momentos, que poderá
favorecer então um ambiente
de educação sim “pelo” lazer,
aliás com grande potencial
educativo.
Os objetivos instrumentais são
aqueles associados à realidade
concreta e sua compreensão.
370
gabarito

Há um desenvolvimento pes-
soal e social envolvidos nestas
práticas. A sensibilidade, em
vários aspectos, é estimulada
pelas atividades recreativas.
Tanto um crescimento das
questões mais intrínsecas de
crescimento intelectual, físi-
co, estético etc., quanto opor-
tunidades para novos relacio-
namentos estreitamentos de
outros.
2. Este lazer é ensinado. Isto é
necessário pois a sociedade
capitalista restringe o tempo
para a fruição em virtude da
mudança da dinâmica no mun-
do do trabalho, que se torna,
de maneira geral, alienado,
371
gabarito

tornando também o lazer alie-


nado. Se o lazer não for ensi-
nado, seja na educação formal
ou na educação não formal,
há o risco de ser entendido
apenas como “recriação”, ou
seja, recriar, recuperar a força
de trabalho para que ele volte
com todo ânimo ao ambiente
da produção. Portanto, para
que haja a fruição do lazer, é
fundamental que se discuta e
se ensine sobre ele, ocorrendo
uma superação da dimensão
conformista para uma dimen-
são crítica e criativa, atrelada
ao tempo disponível.
3. O Homo Ludens extrapola a
dimensão do pensar e do fa-
372
gabarito

zer de maneira pragmática e


funcionalista, pois o jogo em
si é irracional. Huizinga (2012)
chega a afirmar que as ati-
vidades arquetípicas da hu-
manidade são caracterizadas
pelo jogo, pois tanto crianças
quanto animais brincam por
brincar, como expressão de
sua liberdade. O homo ludens
não está sujeito a imposições,
brinca, joga, quando deseja
pelo mero prazer de brincar. O
jogo nesta dimensão jamais é
imposto. O homo ludens tem
como característica principal a
liberdade. A rotina, a disciplina,
as posturas artificiais, entram
em choque com esta essência
373
gabarito

de divertimento. Ele tende ao


relaxamento, à improdutivida-
de, conforme as exigências do
mundo do trabalho. O homo
ludens está mais próximo de
sua essência natural, pois é
espontâneo. Segundo Camar-
go (1998), o homo ludens está
manifesto grandemente nas
crianças, mas, paulatinamen-
te, vai dando espaço ao faber
na própria brincadeira, bem
como pelo ensino do dever
por parte dos adultos. Neste
sentido, o jogo tem papel es-
sencial em nossa essência hu-
mana. Muito do que se bus-
ca compreender ainda hoje
sobre o ser humano poderia
374
gabarito

encontrar sua resposta nesta


perspectiva ontológica lúdica
do ser humano.
4. Para superar a problemáti-
ca apresentada é fundamen-
tal que as crianças tenham
garantido acesso a um lócus
(tempo/espaço) para a vivên-
cia do lúdico. Neste lócus, deve
ser estimular a criatividade, a
produção cultural e não ape-
nas o consumo e a reprodu-
ção da cultura do adulto. Não
devemos focar apenas na for-
mação para o futuro, mas na
realidade presente, na criança
como um sujeito presente. A
criança corre o risco de que o
universo das obrigações prive,
375
gabarito

paulatina e sorrateiramente,
a vivência do lúdico, por isso
ações que priorizam o lúdi-
co devem ser a marca funda-
mental da infância, com a vi-
vência dos jogos, brinquedos
e brincadeiras. As barreiras
ao lazer, que são peculiares
a cada fase da vida, e as con-
dições econômicas, sociais e
culturais, também devem ser
superadas por meio de ações
políticas que garantam efeti-
vamente os direitos de todo
cidadão. Na infância, apesar
de todo respaldo legal, ainda
há crianças que têm respon-
sabilidades no orçamento fa-
miliar e/ou são responsáveis
376
gabarito

pelo trabalho doméstico de


maneira exacerbada. Mesmo
nas famílias mais abastadas,
há o exagero das obrigações
cada vez mais precoces, como,
nas aulas particulares, esco-
linhas das mais variadas or-
dens e nos compromissos so-
ciais junto a seus pais, que por
tantas vezes são enfadonhos
e impõe uma inércia que não
é inerente à infância e que faz
parte do processo paulatino
de morte do lúdico. Esta pri-
vação ao direito à alegria ine-
rente à infância por meio do
lúdico tem gerado um quadro
de enfermidade às mais va-
riadas, que poderiam ser pre-
377
gabarito

venidas e curadas por ações


simples de priorização do lú-
dico na infância.
5. Nas brincadeiras, as crianças
vivenciam experiências que
nenhuma outra esfera social
favorece, como o cultivo do
imaginário, da fantasia e do
não-real. Nas brincadeiras, as
crianças sonham acordadas,
momentos em que surgem
as aspirações e os desejos,
criando um mundo mágico,
alegre, espontâneo e inten-
so. Por isso, o futuro enche-se
de esperança e de possibili-
dades de superação do ime-
diato, que pode ser infeliz.
Na brincadeira, tanto para a
378
gabarito

criança quanto para o adulto,


renascem elementos que pa-
reciam impossíveis, mas que
voltam a alimentar a vida em
sua riqueza de possibilidades.
Winnicott (1975) afirma que o
brincar conduz à experiência
cultural e constitui seu fun-
damento. A criatividade tem
terreno fértil na brincadeira,
pois não tem limites impostos
pelos padrões comuns na so-
ciedade e, como se sabe, todo
conhecimento novo requer o
rompimento com o que já está
posto, num exercício constan-
te de descoberta e superação.
Walter Benjamim (2009) afir-
ma que o brincar significa li-
379
gabarito

bertação, pois no brinquedo,


instrumento para o brincar, há
a predominância da imitação.
Brincar significa libertar-se
dos horrores do mundo por
meio da reprodução miniatu-
rizada. As crianças, rodeadas
por um mundo de gigantes,
criam para si, enquanto brin-
cam, um pequeno mundo pró-
prio, protegido por leis de sua
própria cultura.

380
UNIDADE
IV
LAZER E QUALIDADE
DE VIDA

Professor Me. Oldrey Patrick Bittencourt Gabriel

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os
tópicos que você estudará
nesta unidade:
• Conceitos, valores e
parâmetros em lazer e
qualidade de vida
• Qualidade de vida,
corporeidade e lazer
• Lazer, espaço e
equipamentos
unidade

IV
Objetivos de
Aprendizagem
• Fundamentar as discussões
entre lazer e qualidade de
vida à luz dos conceitos
básicos da temática.
• Estabelecer uma relação
entre a corporeidade e
lazer com vistas à melhoria
da qualidade de vida.
• Compreender de que
forma os espaços e
equipamentos específicos
e não-específicos de lazer
interferem na qualidade de
vida.
INTRODUÇÃO

Prezado(a) aluno(a),
Uma expressão que ganhou muita no-
toriedade nos últimos anos é “qualidade de
vida”. Como veremos, existem várias defini-
ções e concepções em torno desta expressão.
Ela, necessariamente, passou a ser discutida
no ambiente acadêmico. Como a Educação
Física bebe em várias ciências (Biologia, Quí-
mica, Física, Psicologia etc.), bem como na
filosofia, vários subtemas emergem quando
trata-se da discussão sobre qualidade de vida.
Um deles, impreterivelmente, é a relação la-
zer e qualidade de vida.
Devido à amplitude do tema, apresenta-
remos forma introdutória, sob uma pers-
EDUCAÇÃO FÍSICA

pectiva geral mas também na relação com


a Educação Física, os principais elementos
conceituais que possibilitam a aproximação
entre as temáticas lazer e qualidade de vida.
Dentro destas discussões, vários elementos
acabam emergindo de maneira mais eviden-
te, e um deles é a questão da corporeidade. É
comum escutarmos de alunos, ao discutir-
mos epistemologia da Educação Física, que
o objeto de estudo desta área é o corpo. Bem,
do que estamos falando? Que concepção de
corpo é esta? O que levou a uma ampliação
do conceito de corpo, comumente utiliza-
do, para a expressão corporeidade. Por isso,
além de um compreender a corporeidade
em si, buscaremos associá-la ao lazer a partir
de um conceito específico de qualidade de
vida.
385
RECREAÇÃO E LAZER

Não seria possível oferecer os elementos


fundamentais para a discussão proposta para
esta unidade sem passarmos pela discussão
sobre espaço, equipamentos e natureza. A
valorização dos espaços, bem como a cria-
ção e animação dos equipamentos especí-
ficos e não-específicos de lazer, são prepon-
derantes para a vivência do lazer de maneira
adequada. Um diálogo permanente entre os
animadores e os legisladores possibilita uma
significativa melhora na qualidade de vida
associada ao lazer e aos espaços, bem como
à preservação do meio ambiente. Além dis-
so, há um campo amplo de atuação junto à
natureza, e não é diferente à Educação Física,
que pode e deve atuar neste campo de ma-
neira coerente, consciente e responsável.

386
RECREAÇÃO E LAZER

Conceitos, Valores e Parâmetros


em Lazer e Qualidade de Vida

Uma das expressões muito presente


em nosso vocabulário neste início
de século XXI é qualidade de vida.
Como vários outros termos, há di-
ferentes conceitos por trás desta ex-
388
EDUCAÇÃO FÍSICA

pressão, que podem variar de acor-


do com cada autor e a abordagem
escolhida. Em nosso caso, estamos
tratando da questão do lazer dentro
da perspectiva da formação de pro-
fessores(as) para a educação básica,
mais especificamente na discussão
com o lazer e a recreação.

REFLITA

Quando você ouve a expressão


“qualidade de vida” o que vem à
sua mente? Em geral você cos-
tuma ouvir esta expressão asso-
ciada a quais fatores?
389
RECREAÇÃO E LAZER

A expressão qualidade de vida pode


ser nova, mas o conceito deste ter-
mo já está presente na história da
humanidade há muito tempo, ape-
nas ganhando uma nova roupagem
em meio às novas características e
demandas da sociedade contempo-
rânea. Aliás, para cada cultura, seja
ela em nível micro ou macro, há um
fator subjetivo por trás do termo
qualidade de vida. Se já é um desa-
fio situar a questão da qualidade de
vida pelos variados entendimentos
que a expressão pode ter, imagine
atrelá-lo às diversas compreensões e
conceituações sobre ele. Como afir-
ma Rosário (2001. p. 158):
nos habituaram, não há muito, à
expressão ‘qualidade de vida’, que
390
EDUCAÇÃO FÍSICA

assume aos olhos de cada obser-


vador os contornos desenhados
pela sua sensibilidade, sua cul-
tura, seus meios econômicos e,
quantas vezes, por alienações e
frustrações.
Neste sentido, os paradigmas de
qualidade de vida parecem estar as-
sociados à forma como cada grupo
encontra-se organizado, à sua rela-
ção com o meio em que está inseri-
do e de acordo sua evolução no tem-
po, ou seja, a qualidade de vida está
situada historicamente, no tempo e
no espaço.
A anseio humano de buscar cada
vez mais melhorar suas condições
de vida, o que alguns denominam de
progresso, outros evolução, ou ain-
391
RECREAÇÃO E LAZER

da, desenvolvimento, tem para mui-


tos antropólogos do século XIX, se-
gundo Dawsey (2001, p. 29), a ideia
do “quanto mais, melhor”. Cotudo,
como ele mesmo salienta, talvez a
questão central não esteja no quanto,
ou seja, numa questão quantitativa,
mas esteja no aspecto qualitativo.
Este desejo do ser humano de me-
lhorar suas condições de vida, ou
buscar a boa vida, como os gregos da
antiguidade denominavam, também
está atrelada a um aspecto quantita-
tivo, principalmente no que diz res-
peito à longevidade. Nahas (2001, p.
197) considera que “sempre foi uma
aspiração humana viver por mui-
tos anos, com a melhor condição de
saúde e autonomia possíveis até os
392
EDUCAÇÃO FÍSICA

últimos dias”. E, com o desenvolvi-


mento da ciência, principalmente
no último século, tem sido possível
atingir este objetivo, pois o conheci-
mento gerado pela ciência promove
melhorias em questões como sanea-
mento, higiene, tratamento da água,
conservação de alimentos, produção
de medicamentos, conscientização
sobre o consumo de certos alimen-
tos, atendimento de saúde e mudan-
ças no estilo de vida de forma geral.
A expressão “qualidade de vida”
aparece significativamente nos es-
critos da década de 1980, mas ainda
estavam atrelados, de forma geral, às
questões relativas à pobreza, exclu-
são e desigualdade social em esfera
mundial. A necessidade premente
393
RECREAÇÃO E LAZER

por ações governamentais de com-


bate à miséria, à mortalidade infan-
til e à desigualdade social de forma
geral fomentou pesquisas com vistas
a diagnosticar o quadro mundial da-
quilo que passou a ser denominado
de qualidade de vida. Contudo, este
termo não recebeu, a priori, uma
clara definição, e assim que a mídia
passou a utilizá-lo, foi incorporado
de forma polissêmica, como desta-
cam Guimarães e Martins (2004).
Ao ser utilizado pelo senso comum,
para o termo qualidade de vida, uma
década depois da intensificação das
pesquisas, temos o seguinte quadro:
Na década de 1990 essa polisse-
mia já permite vários usos para
o termo: fala-se em qualidade de
394
EDUCAÇÃO FÍSICA

vida quando se debate o proble-


ma da cidadania, de como ela é
afetada pela pobreza e pela misé-
ria, nesse caso em sintonia com o
mote das pesquisas e programas
humanitários. Fala-se de quali-
dade de vida quando se discute os

395
RECREAÇÃO E LAZER

serviços e os equipamentos que


uma cidade ou província dispo-
nibiliza aos seus habitantes. Rela-
ciona-se o tema à vida saudável,
qualidade de alimentação e nutri-
ção, acesso de determinado gru-
po ou sociedade a certos bens de
consumo ou, mesmo, a espaços e
produtos destinados ao lazer, ao
turismo ou ao consumo de bens
culturais (GUIMARÃES; MAR-
TINS, 2004, p. 192).

396
EDUCAÇÃO FÍSICA

No senso comum, a expressão quali-


dade de vida ficou associada às me-
lhorias ou “alto padrão de bem-estar
na vida das pessoas, sejam elas de
ordem econômica, social ou emo-
cional” (ALMEIDA; GUTIERREZ;
MARQUES, 2012, p. 15). Contudo,
ainda não há um único significado à
expressão, que sempre parece estar
associada a determinados fatores,
sempre associados a uma perspecti-
va de melhoria da vida.
O final da primeira década dos
anos 2000 já incorporara o discur-
so da qualidade de vida de manei-
ra polissêmica, mas com um apelo
significativo às questões da saúde e
do estilo de vida, tanto no ambiente
de trabalho quanto fora dele. Ques-
397
RECREAÇÃO E LAZER

tões como ergonomia e segurança


no trabalho ganharam ênfase nas
pesquisas e atuação profissional de
várias áreas, principalmente na área
da saúde. Programas como o “Agi-
ta São Paulo”, implantação de ATI´s
(Academias da Terceira Idade) em
espaço públicos, incentivos por meio
da mídia para romper o sedentaris-
mo, ações contra o tabagismo, entre
tantas outras ações que poderíamos
citar, demonstram as preocupações
com o bem-estar para além do am-
biente de trabalho, e, mais do que
isso, atrelou-se o discurso da quali-
dade de vida e saúde às questões de
moradia, educação, política, violên-
cia, lazer, convivência longevidade e
satisfação (SIMÕES, 2001).
398
EDUCAÇÃO FÍSICA

Tudo isso reforça a ideia da polis-


semia, ou seja, a quantidade tão va-
riável de significados para a mesma
expressão. Buscando superar este
problema, Betti (2002) buscou rea-
lizar uma análise semântica, inician-
do pelo termo qualidade. Na sua in-
cursão espaço temporal buscou um
respaldo filosófico para a análise e
concluiu que a evolução do termo
culminou com o sentido daquilo que
determinado objeto tem de caracte-
rísticas, mas que não necessariamen-
te revela sua essência, qualidades e
probabilidades. Seria uma forma de
pautar um aspecto valorativo, ou
seja, seria possível dizer se algo é
bom ou ruim, pautando-se pela qua-
lidade. Contudo, o problema é que
399
RECREAÇÃO E LAZER

o aspecto da qualidade, portanto, é


extremamente subjetivo, pois aqui-
lo que é considerado bom para uns
pode não ser para outros e vice-ver-
sa. Porém, ainda assim, como afirma
Simões (2001, p. 169) “qualidade é a
palavra presente na contemporanei-
dade, que pode ser articulada com a
ideia de condição, de função, de ati-
tude, de posição ou ter outro senti-
do em consequência da abrangência
que esse tema possui”, o que mantém
o risco de polissemia quando atrela-
do ao termo vida.
Então, qualidade de vida está re-
cheada de um aspecto subjetivo que
pode sofrer modificações ao longo
da vida de cada pessoa. Fatores que
hoje podemos associar a uma me-
400
EDUCAÇÃO FÍSICA

lhor qualidade de vida podem não


ser tão mais significativos daqui al-
guns anos.
Existe, porém, consenso em torno
da ideia de que são múltiplos os fato-
res que determinam a qualidade de
vida de pessoas ou comunidades. A
combinação desses fatores que mol-
dam e diferenciam o cotidiano do
ser humano, resulta numa rede de
fenômenos e situações que, abstra-
tamente, pode ser chamada de qua-
lidade de vida. Em geral, associam-
-se a essa expressão fatores como:
estado de saúde, longevidade, satis-
fação no trabalho, salário, lazer, re-
lações familiares, disposição, prazer
e até espiritualidade. Num sentido
mais amplo, qualidade de vida pode
401
RECREAÇÃO E LAZER

ser uma medida da própria dignida-


de humana, pois pressupõe o aten-
dimento das necessidades humanas
fundamentais (NAHAS, 2001, p. 5).
Cada ser humano possui indivi-
dualidade, características, interes-
ses, aspirações, idiossincrasias. Por-
tanto, os modelos de qualidade de
vida tendem a ser os mais diversos.
Contudo, vale lembrar, como já dis-
cutimos em outros momentos, que
somos bombardeados pela indús-
tria cultural a consumirmos deter-
minados produtos, tendendo a levar
a uma homogeneização dos gostos,
aquilo que é comumente denomina-
do de moda, ou modismos. Assim,
esta indução para as preferências
coletivizadas tornam os parâmetros
402
EDUCAÇÃO FÍSICA

Figura 1 - Zygmunt Bauman

para análise de qualidade vida mui-


to transitórios e fugidios, caracterís-
tica da modernidade líquida.
Na modernidade líquida - para
muitos sinônimo de pós-moderni-
dade - a questão da identidade, ou
seja, a essência do sujeito e da subje-
tividade, obviamente é a vida de um
sujeito, ou de vários, se tratada na
coletividade, é vulnerável, e arrisco
a dizer, em alguns casos, inexisten-
403
DESCRIÇÃO DE IMAGENS

PÁGINA 111 – Figura 1 - Zygmunt Bauman

INÍCIO DESCRIÇÃO – Na imagem temos


Zygmunt Bauman. Um homem idoso, com
cabelos brancos e roupa social. Ele está com
um aparelho auditivo na orelha esquerda e
sinaliza com a mão esquerda um gesto. Ele
está de perfil ao lado direito com imagem
desfocada atrás dele. FIM DESCRIÇÃO.
RECREAÇÃO E LAZER

te. As identidades adotam um me-


canismo parasitário, onde o hospe-
deiro oferece os parâmetros. Como
afirma Bauman (2005, p. 57-58):
[...] estamos agora passando da
fase “sólida” da modernidade
para a fase “fluida”. E os “fluidos”
são assim chamados porque não
conseguem manter a forma por
muito tempo e, a menos que se-
jam derramados num recipiente
apertado, continuam mudando
de forma sob a influência até mes-
mo das menores forças. [...] Auto-
ridades hoje respeitadas amanhã
serão ridicularizadas, ignoradas
ou desprezadas; celebridades se-
rão esquecidas; ídolos formado-
res de tendências só serão lem-
404
EDUCAÇÃO FÍSICA

brados nos quizz shows da TV;


novidades consideradas precio-
sas serão atiradas nos depósitos
de lixo; causas eternas serão des-
cartadas por outras com a mes-
ma pretensão de eternidade [...]
carreiras vitalícias promissoras
mostrarão ser becos sem saída.
Como salienta Bauman (2005), o
valor do carpe diem, de cultivar,
aproveitar o dia, que em muitos ca-
sos tem como motivo outra expres-
são latina, tempus fugit, no sentido
de que o tempo foge, escorre pelos
vãos dos dedos, é uma reação à fal-
ta de valores ou ao discurso de que
eles existem, mas que demonstram
não durarem muito tempo. Neste
contexto, como afirmar os valores
405
RECREAÇÃO E LAZER

atrelados à subjetividade da quali-


dade? Quais as grandes preocupa-
ções da humanidade neste início de
século XXI? Exacerba-se o indivi-
dualismo ou estamos percebendo
que precisamos reconstruir o senso
de coletividade? É possível tratar de
qualidade apenas do ponto de vista
individual? Individualismo, hedo-
nismo, relativismo, consumismo,
relações virtuais permitem uma
volta às grandes utopias relacio-
nadas a valores como justiça, paz,
igualdade, liberdade, fraternidade,
amor, entre tantos outros?

406
EDUCAÇÃO FÍSICA

SAIBA MAIS

Podemos dizer que a modernida-


de líquida é a época atual em que
vivemos. É o conjunto de relações
e instituições, além de sua lógica de
operações, que se impõe e que dão
base para a contemporaneidade. É
uma época de liquidez, de fluidez,
de volatilidade, de incerteza e inse-
gurança. É nesta época que toda a
fixidez e todos os referenciais mo-
rais da época anterior, denominada
pelo autor como modernidade sóli-
da, são retiradas de palco para dar
espaço à lógica do agora, do consu-
mo, do gozo e da artificialidade.
Antes de Bauman criar o conceito
de modernidade líquida, já Marx
407
RECREAÇÃO E LAZER

e Engels caracterizavam a moder-


nidade como o processo histórico
que derretia todas as instituições de
outras épocas, como a família, a co-
munidade tradicional (culturalmente
peculiar e fechada para forasteiros)
e a religião (vide a secularização dos
Estados-nação no século XX). O obje-
tivo do derretimento proposto pela
modernidade era questionar cada
ponto da vida, descartando a irracio-
nalidade e a falta de justificativa plau-
sível que cada objeto de crítica conti-
nha, mas mantendo ou realocando
no projeto racional e iluminista suas
características ainda aproveitáveis.
Fonte: Siqueira (2013, on-line)1.
408
EDUCAÇÃO FÍSICA

Vale destacar que, em 1990, a ONU


- Organização das Nações Unidas
criou um comitê para diagnosticar
a desigualdade social mundial, e o
parâmetro criado foi denominado
de IDH - Índice de Desenvolvimen-
to Humano. O IDH lida principal-
mente com aspectos ligados à edu-
cação, expectativa de vida e renda.
São considerados neste índice, tam-
bém, aspectos particulares de cada
grupo. Nahas (2001, p. 6-7) destaca
a importância de outros indicado-
res como mortalidade, morbidade,
desemprego, desnutrição e obesida-
de, e distingue alguns parâmetros
fundamentais para o diagnóstico da
qualidade de vida: 1. Parâmetros
Socioambientais: moradia, trans-
409
RECREAÇÃO E LAZER

porte, segurança, assistência médi-


ca, condições de trabalho e remu-
neração, educação, opções de lazer,
meio ambiente etc. 2. Parâmetros
individuais: hereditariedade e es-
tilo de vida (hábitos alimentares,
controle de stress, atividade física
habitual, relacionamentos e com-
portamento preventivo).
Podemos perceber quão comple-
xo é diagnosticar e avaliar a quali-
dade de vida, tanto pela questão da
variedade e imprecisão de conceitos,
quanto pela complexidade dos ele-
mentos associados. Não que devamos
abandonar este intuito na busca pela
melhoria da vida, mas é necessário
ter a clareza de que, como bem aler-
ta Moreira (2001, p. 16), o conceito
410
EDUCAÇÃO FÍSICA

atual de qualidade de vida, de forma


geral, precisa ser entendido em sua
complexidade, pois corre-se o risco,
por exemplo, de valorizar apenas a
quantidade de anos a mais, “mesmo
que isso possa significar indiferença,
mais exacerbação de competitivida-
de. Portanto, é necessário saber ver,
saber perceber, saber conceber e sa-
ber pensar”. Ou ainda, como desta-
ca Simões (2001, p. 176), focarmos
demasiadamente nas riquezas mate-
riais, desconsiderando as ações hu-
manas e o meio no qual estes estão
inseridos. Além disso,
“condicionar as oportunidades de
conhecer e escolher um repertório
de valores pertencentes à socieda-
de em que o indivíduo está presen-
411
RECREAÇÃO E LAZER

te é um outro dado que restringe a


proposta de qualidade de vida”,
pois rouba a possibilidade de auto-
nomia, e legitima uma alienação, um
pertencimento ao outro, uma hete-
ronomia que solapa a possibilidade
de uma vida plena e com significado.

412
EDUCAÇÃO FÍSICA

Qualidade de Vida,
Corporeidade e Lazer

Quando tratamos da questão da auto-


nomia, seja em que esfera for, não es-
tamos considerando que o indivíduo
poderá criar suas próprias regras e vi-
ver como bem entender, pois isto cer-
413
RECREAÇÃO E LAZER

tamente feriria a de outrem. Porém o


que estamos destacando é uma atitu-
de ativa, crítica, reflexiva e não apenas
conformista, consumista. Sabemos
que o consumo é importante, aliás vi-
tal, o problema é sua exacerbação que
redunda em alienação, em um fazer
por fazer, comprar por comprar, e no
fim das contas, em uma vida infeliz,
sem significado.
Como vimos, tanto o lazer quanto
a qualidade de vida podem sofrer a
polissemia, o risco de muitos signifi-
cados. Portanto, associar este dois te-
mas requer cuidados que devem estar
presentes em qualquer processo refle-
xivo, acadêmico ou não. Como desta-
ca Pimentel (2003, p. 79), “o lazer não
fugiu dos discursos sobre a qualidade
414
EDUCAÇÃO FÍSICA

de vida, visto ser um tempo de recom-


posição do ser humano”. Obviamente
esta é uma visão funcionalista do la-
zer, pois o vê apenas como forma de
recuperação da força, em muitos ca-
sos à força de trabalho que sustenta o
modo de produção, ou seja, “recria-
ção”, recreação. Voltamos a destacar
que o lazer não pode ser tratado iso-
ladamente de outras esferas da vida,
pois é “parcialmente enganoso enten-
der o lazer como uma promoção do
bem-estar porque o lazer também pre-
cisa de qualidade para ocorrer” (PI-
MENTEL, 2003, p. 79). Ele promove
o bem-estar, mas requer uma atitude
positiva, ativa, atrelada a outras esfe-
ras da vida.
Esta atitude ativa requer que os ani-
415
RECREAÇÃO E LAZER

madores socioculturais, agentes de


cultura, recreadores, “lazerólogos”, ou
qual for o termo que se utilize para os
envolvidos com a práxis do lazer - en-
tendida como teoria e prática indisso-
ciadas -, embasem suas ações em três
elementos fundamentais (DUMAZE-
DIER, 2014. p. 257-258):
1. A atitude ativa implica ao me-
nos periodicamente, uma partici-
pação consciente e voluntária na
vida social. Opõe-se ao isolamen-
to e ao recolhimento social ao que
Durkheim chama de “anomia”. [...]
Essa participação diz respeito à fa-
mília, à empresa, ao sindicato, à
vida civil, a todos os grupos e mo-
dos de vida.
2. Ao menos periodicamente, a
416
EDUCAÇÃO FÍSICA

atitude ativa implica uma parti-


cipação consciente e voluntária
na vida cultural. Opõe-se à sub-
missão às práticas rotineiras, às
imagens estereotipadas e às ideias
preconcebidas de determinado
meio social. [...]
3. Finalmente a atitude ativa exi-
ge sempre um progresso pessoal
livre pela busca, na utilização do
tempo livre, de um equilíbrio, na
medida do possível pessoal, entre
o repouso, a distração e o desen-
volvimento contínuo e harmonio-
so da personalidade.
O caráter ativo, caracterizado pela
participação na vida social e cultural
e pelo progresso pessoal livre, e mar-
cado pelas possibilidades de descan-
417
RECREAÇÃO E LAZER

so, divertimento e desenvolvimento,


está intimamente ligado à autonomia.
No entanto, em muitos momentos,
há a tendência, na perspectiva do que
a ciência moderna favoreceu, de uma
supervalorização do racional em de-
trimento do existencial. Como desta-
cam Moreira e Simões (2008, p. 177),
no pensamento cartesiano “fica deter-
minado que o pensar prevalece sobre
a existência”. A atividade, neste sen-
tido, pode ficar relegada à dicotomia
corpo/alma, razão/emoção etc.
Nahas (2001, p. 208), por exemplo,
ao atrelar a qualidade de vida ao que
denomina de “lazer ativo”, sugere que
haja envolvimento de amigos, família,
que privilegie-se o contato com a na-
tureza e atividades em que haja prazer
418
EDUCAÇÃO FÍSICA

da realização. Afirma que: a prática


de atividades físicas é, antes de tudo
um direito de cada pessoa e deve ser
garantido pelas instituições em geral -
escolas, universidades, empresas, clu-
bes e associações de bairro, sejam pú-
blicas ou privadas (NAHAS, 2001, p.
208). Apesar de concordarmos com
esta abordagem, devemos salientar
que uma interpretação errônea pode
levar a crer que lazer ativo é todo aque-
le em que há atividade ou exercício fí-
sico. A caracterização de ativo ou pas-
sivo para o lazer está mais ligada a um
padrão de autonomia e, por que não
dizer, de integralidade na ação viven-
ciada, em que não é apenas a razão;
mente, emoção de um lado e corpo
do outro. Para Dumazedier (2014, p.
419
RECREAÇÃO E LAZER

257), “a atividade de lazer em si mes-


ma não é passiva ou ativa, mas o será
pela atitude que o indivíduo assumir
com relação às atividades decorrentes
do próprio lazer”.
Discutir a relação lazer e qualidade
de vida requer que superemos a ten-
dência de a realizarmos apenas pelo
olhar biológico, mas construindo um
consistente alicerce cultural. Desta
forma, o referencial das ciências hu-
manas é fundamental para esta apro-
ximação. “Daí a consequência ime-
diata de tornar a relação corpo/lazer
mediada pela reponsabilidade uma
das grandes questões das ciências hu-
manas” (MOREIRA; SIMÕES, 2008,
p. 183). O lazer em aproximação com
a qualidade de vida necessita se re-
420
EDUCAÇÃO FÍSICA

aproximar, como defendem os au-


tores, do conceito de corporeidade,
substituindo a concepção de corpo,
que está permeada pela visão dualis-
ta. Mais ainda, lidar com a corporei-
dade não como mero conceito, mas
como um modo de crescimento, su-
peração e autonomia.
Compreender qualidade de vida
requer o entendimento sobre os fe-
nômenos corporeidade e motrici-
dade: primeiro, a corporeidade, no
sentido de superações conceitu-
ais históricas, como, por exemplo,
as velhas dicotomias presentes no
mundo Ocidental desde a Grécia
antiga e reforçadas quando do sur-
gimento das ciências estruturadas;
segundo, a motricidade, para mos-
421
RECREAÇÃO E LAZER

trar, provavelmente, a necessidade


de incorporá-la ao ato educativo, ao
lado da já consagrada taxionomia
da aprendizagem psicossociocog-
nitiva (MOREIRA, 2001, p. 23).
Uma vivência corporal com qualidade
requer que voltemos a compreender e
valorizar o corpo não numa perspecti-
va meramente funcional, mas existen-
cial. O conceito de qualidade de vida,
sob a ótica do lazer, e mais especifica-
mente na relação com seus conteúdos
físico-esportivos, precisam dialogar
e revisar o conceito de corpo e quem
sabe assumir a perspectiva mais am-
pla e holística da corporeidade. Qua-
lidade de vida associada à perspectiva
da corporeidade, sob a ótica do lazer,
deve transcender a mera busca por
422
EDUCAÇÃO FÍSICA

um bom funcionamento orgânico. O


lazer não pode, mesmo com o discur-
so da melhoria da qualidade de vida,
assumir a responsabilidade de mera-
mente preparar o corpo para interes-
ses que explorem seu potencial.
O modo de vida ocidental se de-
senvolveu pautado por princípios que
acabavam colocando o corpo numa
posição relegada a outros valores. Por-
tanto, não poder-se-ia falar em cor-
poreidade numa perspectiva dualista
cuja raiz encontra-se no pensamento
platônico que teve sua influência so-
bre o cristianismo. Contudo, vale sa-
lientar que, mesmo para Platão, este
dualismo psicofísico não significava
desprezo ao corpo, mas, paulatina-
mente, abre caminho à construção de
423
RECREAÇÃO E LAZER

uma concepção medieval do corpo


como cárcere da alma, fonte de todos
os pecados e que, por isso mesmo, de-
veria ser punido.

Figura 2 - Platão

424
DESCRIÇÃO DE IMAGENS

PÁGINA 116 – Figura 2 - Platão

INÍCIO DESCRIÇÃO – Temos na imagem


Platão. Em foto de uma estátua temos a
representação de um homem sentado com
roupas de época (túnica) e com barba e
bigode. FIM DA DESCRIÇÃO.
EDUCAÇÃO FÍSICA

No cristianismo medieval, ao cor-


po o lugar do pecado e da perdição
do ser humano, deveria ser o me-
nos ativo possível. Qualidade de
vida, aqui, era sinônimo de renún-
cia aos desejos do corpo ou, em úl-
tima análise, à vida. O importante
era preparar uma vida com quali-
dade no futuro, vida essa desprovi-
da de corpo (MOREIRA; SIMÕES,
2008, p. 177).
Compartilhamos da concepção de
que a história não pode ser entendi-
da como uma sucessão de fatos no
tempo, mas o modo como os seres
humanos, sob condições específicas,
formulam seus métodos e maneiras
de existir socialmente. Este modo de
vida está presente em outras esferas
425
RECREAÇÃO E LAZER

como a econômica, política e cultu-


ral, sendo que as realidades podem
ser meramente reproduzidas (o que
é mais cômodo) ou acrescidas de no-
vos significados (CHAUI, 1987). As
ações no e pelo corpo são, antes de
mais nada, localizadas no tempo e no
espaço. Os acontecimentos diários
fazem com que o corpo seja entendi-
do dia a dia de uma maneira diferen-
te, pois a história e a cultura o fazem
possuir uma dinâmica tal qual a so-
cial. Entender o corpo historicamente
situado na sociedade capitalista oci-
dental é buscar desvendar o processo
que o determinou como produto his-
tórico e cultural. É entendê-lo como
resultado de mudanças sociais que
determinaram o modo de atribuição
426
EDUCAÇÃO FÍSICA

de significados a este corpo.


As linhas de pensamento filosófi-
co que compõem, de forma geral, o
pensamento popular da sociedade
contemporânea - principalmente as
ideias advindas do platonismo, cris-
tianismo e cartesianismo que tende-
ram a dicotomizar ou até tricotomi-
zar a forma de entender o ser humano
e a realidade em geral - tornaram o
entendimento do corpo estanque.
Por vários séculos o pensamento em
nossa civilização nutre-se do dua-
lismo psicofísico, ou corpo-espírito,
em suas diferentes versões. Entretan-
to, como nos afirma Medina (1998),
mesmo os monismos que reduzem a
substância corpórea à espiritual, ou
vice-versa, encontram dificuldades
427
RECREAÇÃO E LAZER

em se afirmar por meio da palavra.


Nas ciências humanas, a divisão
cartesiana redundou em intermi-
nável confusão acerca da relação
entre mente e cérebro; e, na física,
tornou extremamente difícil aos
fundadores da teoria quântica in-
terpretar suas observações dos fe-
nômenos atômicos. Segundo Hei-
senberg, que se debateu com o
problema durante anos, ‘essa divi-
são penetrou profundamente no
espírito humano nos três séculos
que se seguiram a Descartes, e leva-
rá muito tempo para que seja subs-
tituída por uma atitude realmente
diferente em face do problema da
realidade’ (MEDINA, 1998, p. 54).
Considerado o “pai da filosofia mo-
428
EDUCAÇÃO FÍSICA

derna”, Descartes deu grande impor-


tância ao método e ao valor do co-
nhecimento. Até então (Antiguidade
e Idade Média), o valor investigativo
era essencialmente ontológico, volta-
do para a razão última das coisas. O
pensamento cartesiano introduz uma
nova forma de ver a realidade, numa
colocação crítica e gnosiológica, sendo
o primeiro ponto investigativo o valor
do conhecimento humano (MON-
DIN, 1981).
A principal influência de Descartes
na visão de mundo foi, principalmen-
te, o reforço do pensar dicotomizado
da realidade. Ao introduzir a noção de
que a investigação filosófica não deve
iniciar-se pelas coisas, mas pela men-
te humana, dissemina a concepção de
429
RECREAÇÃO E LAZER

Figura 3 - René Descartes

dualidade da realidade, na qual o mun-


do das coisas seria um e o mundo da
mente/conhecimento seria outro. A
ideia do cogito, ergo sum (penso logo
existo) atribui, na concepção carte-
430
DESCRIÇÃO DE IMAGENS

PÁGINA 118 – Figura 3 - René Descartes

INÍCIO DESCRIÇÃO – Temos na imagem René


Descartes, um homem em pintura preto e
branco com trajes sociais em perfil ao lado
direito olhando para frente. Cabelos longos,
bigode e sobrancelhas arqueadas. FIM DA
DESCRIÇÃO.
EDUCAÇÃO FÍSICA

siana, a ideia de substância ao pensa-


mento. Neste sentido, o pensamento
seria algo existente por si só, indepen-
dentemente da realidade corpórea. O
existir por si só dá ao pensamento o
caráter de substancialidade.
A compreensão da vida com base na
concepção cartesiana permeia-se da
falsa possibilidade de se tratar de as-
suntos relativos ao corpo, separados
da alma, bem como do espírito. En-
tretanto, uma reflexão ou investiga-
ção que envolva o ser humano deve
entendê-lo como uno, numa dinâmi-
ca social, histórica e cultural comple-
xa. Daolio (2000, p. 44) adverte que:
[...] no fundo, corpo, alma, socie-
dade, tudo se mistura. Os fatos que
nos interessam não são fatos espe-
431
RECREAÇÃO E LAZER

ciais de tal ou qual parte da men-


talidade; são fatos de uma ordem
muito complexa, a mais complexa
que se possa imaginar. São aqueles
para os quais proponho a denomi-
nação de fenômenos de totalidade,
em que não apenas o grupo toma
parte, como ainda, pelo grupo, to-
das as personalidades, todos os in-
divíduos na sua integridade moral,
social, mental e, sobretudo, corpo-
ral e material.
A construção histórica e cultural do
corpo não deve ser compreendida
separada de toda dinâmica social. O
princípio da totalidade é de suma im-
portância ao se traçar um possível
olhar rumo a uma intervenção que
tenha como foco um interesse físico-
432
EDUCAÇÃO FÍSICA

-esportivo, ou a busca de um entendi-


mento ou ressignificação do corpo, o
que possivelmente reorientaria todas
as práticas educativas que envolvem o
corpo, sejam elas no âmbito da educa-
ção escolar, no lazer ou em outra esfe-
ra da sociedade.
Um projeto de mudança social e
ressignificação do corpo passa pela
compreensão do ser humano inte-
gralmente, como força de produção -
como parte dos meios de produção -,
movimentado pelo trabalho humano
e responsável pela existência de toda
a riqueza. Entretanto, nos últimos sé-
culos, o que se percebe é um alienar
deste corpo juntamente com a estru-
turação capitalista do trabalho. O cor-
po do trabalhador tornou-se “coisa”,
433
RECREAÇÃO E LAZER

objeto para determinado fim: o lucro.


Eu me refiro ao corpo humano
que, nos últimos séculos, foi objeto
de uma terrível operação de disci-
plina; poderíamos dizer, inclusive,
que a liberdade do espírito, a liber-
dade do intelecto foi adquirida ao
preço da não liberdade do corpo
humano, cujo preço envolve um
processo no qual o corpo foi cada
vez mais forçado dentro de relações
que não lhe são adequadas. Poderí-
amos dizer mesmo que, nesse sen-
tido, o corpo humano é a verdadei-
ra vítima desse processo histórico
(KAMPER, 1998, p. 21-22).
O entendimento do corpo como for-
ça de trabalho desatrelado do espíri-
to e da alma, com suas possibilida-
434
EDUCAÇÃO FÍSICA

des consideradas sublimes, tornou o


ser humano integralmente escravo de
um sistema produtivo. Esta escravi-
dão por completo evidencia o caráter
de unicidade do ser humano, pois se
pela exploração e alienação o corpo
adquiriu significado de máquina, a
própria mente, considerada parte se-
parada do corpo, alienou-se da mes-
ma forma, produzindo ideias para
sustentar o capitalismo. O que até en-
tão caracterizava-se pela escravidão
do corpo, determinou a escravidão
da mente, sem tréguas, em um cons-
tante produzir, ou no que denomina-
ria de “ócio criativo”, com base em De
Masi (2001, p. 11) - sociólogo italiano
do trabalho -, pois “a sociedade pós-
-industrial decididamente privilegia
435
RECREAÇÃO E LAZER

a produção de bens imateriais (servi-


ços, informações, símbolos, valores e
estética) e os produtores de ideias”.
O questionamento sobre o porquê da
busca pela liberdade, autonomia ou
ressignificação corporal está explícita
na própria luta pela vida.
No fundo a luta de todos nós deve ser
uma luta por mais vida, uma luta dos
corpos por sua libertação. Nesta pers-
pectiva, o nosso senso crítico deve es-
tar atento para todas as dimensões do
humano, quer a nível de nossa própria
subjetividade e intersubjetividade, quer
a nível das infraestruturas que condi-
cionam com os conflitos e contradi-
ções situados historicamente, que nos
impedem de crescer enquanto seres
humanos (MEDINA, 1998, p. 108).
436
EDUCAÇÃO FÍSICA

O desenvolvimento humano, portan-


to, passa pela possibilidade que temos,
primeiramente como espécie, de nos
situarmos historicamente, compre-
endermos nossas teorias, revisá-las,
imprimir-lhes subjetividades, e agir
dentro de um padrão ético de respei-
to à vida e à liberdade. Agir de acor-
do com nossa própria concepção de
corpo é criticar nossas ações diárias
sobre ele, entendendo os porquês de
cada atitude e ação. É, ainda, perceber
para onde tais ações nos levam como
indivíduos que vivem e convivem.
Diante das considerações realiza-
das é possível perceber que a concep-
ção de qualidade de vida pode correr
o risco de ser determinada pela lógica
da máquina, que por não adoecerem,
437
RECREAÇÃO E LAZER

não serem passionais, não oferecem


risco de abstinência ao trabalho e não
lutam por direitos melhores. A lógica
do capital não facilita a relação quali-
dade de vida, corporeidade e lazer na
medida em que o lazer passa a ser pen-
sado como meio para a qualidade de
vida, que está embasada em uma lógi-
ca produtivista. Neste sentido, como
afirmam Moreira e Simões (2008, p.
175), “em muitas oportunidades, o la-
zer associa-se a uma recuperação da
força produtiva e não necessariamen-
te a uma vida qualitativa”.
Com a expansão da classe média e
a estruturação da indústria e do co-
mércio, não se altera a concepção de
qualidade de vida para a sociedade,
há a solidificação do conceito como
438
EDUCAÇÃO FÍSICA

sinônimo de aumento de capital, de


acúmulo de bens materiais, além da
obtenção de maior lucro em menor
tempo. O projeto e o processo são de
aceleração, de velocidade, exigindo
dos menos favorecidos uma única
ação: ter força de trabalho para ter
produtividade com qualidade (SI-
MÕES, 2001, p. 171).
A sociedade do negócio (negação do
ócio) e a exigência para o aumento
da produção extrapola o ambiente da
empresa e se alastra por toda a vida,
chegando até as vias do desempenho
nos relacionamentos e no lazer. Re-
gras, prazos, metas, sanções, menos
desperdício de tempo, ditam o parâ-
metro do é a qualidade total. Con-
tudo, construir um conceito claro de
439
RECREAÇÃO E LAZER

qualidade de vida associada à corpo-


reidade e ao lazer requer a recupera-
ção do processo de normatização do
corpo para determinados fins e a sua
superação para um referencial mais
humano. Além disso, não há como
apenas realizar este exercício se esta
compreensão não chegar às bases do
processo educativo, principalmente
da educação formal, mas não apenas
nele. Por isso, a educação para e pelo o
lazer ganha fundamental significado
de transcendência de um modelo que
corre o risco de parametrizar a quali-
dade pela produção e desempenho.
Como afirmam Moreira e Simões
(2008, p. 182), a reconstrução do con-
ceito de corpo, associado à qualida-
de de vida e lazer requer o retorno às
440
EDUCAÇÃO FÍSICA

coisas simples da vida, como “andar


mais descalço”, “nadar mais em rios”,
“apreciar mais entardeceres”, “viajar
mais leve”, “viver o dia a dia com me-
nos medos imaginários”. A constru-
ção da corporeidade requer a incorpo-
ração de “signos, símbolos, prazeres,
necessidades, através de atos ousados
ou através de recuos necessários sem
achar que um nega o outro”. O ser hu-
mano é a própria corporeidade, mas
esta talvez tenha sido perdida diante
de tantos desequilíbrios da vida em
nome de valores que vão de encontro
à própria vida e, consequentemen-
te, ao próprio conceito de qualidade
de vida, como, por exemplo, o outro,
a natureza, nós mesmos, com nossas
virtudes, defeitos e carências.
441
RECREAÇÃO E LAZER

O lazer atrelado a esta perspectiva


da corporeidade não necessitaria de
“es” como destaca Marcellino (2001,
p. 50): “chega de ‘lazer e’. Vamos falar
de lazer e pronto. A felicidade, o pra-
zer não precisam de justificativas”. Isto
é um retorno ao que de mais humano
podemos ter. O prazer pela própria
vida, a gratidão por estar vivo e dian-
te de infinitas possibilidades. O lazer
quando atrelado à qualidade de vida
pode correr o risco de perder sua pró-
pria essência em nome de uma justi-
ficativa da sociedade administrada
racionalmente, que contribuiu para
a fragmentação da essência humana,
em um mundo de racionalidade exa-
cerbada e pouca existencialidade. Esta
corporeidade no lazer é a superação,
442
EDUCAÇÃO FÍSICA

transcendência que vai ao encontro


do humano e da natureza e com isto
encontra a si mesmo.

REFLITA

De que forma podemos perce-


ber em nossa sociedade um dis-
tanciamento do ser humano de
si mesmo? Quais os principais
fatores, na sua percepção, que
favorecem este desequilíbrio?
Há caminhos de um reequilíbrio
deste quadro?
Portanto, nossos paradigmas de
qualidade de vida precisam ser revis-
tos constantemente, pois aqueles que
443
RECREAÇÃO E LAZER

construímos até agora em nossa his-


tória dão conta de certos aspectos,
talvez considerados mais importan-
tes, ou mais urgentes por aqueles que
os arquitetam, mas que não dão conta
da vida em toda a sua complexidade.
Por mais contraditório que isto pare-
ça, pois temos mais qualidade do que
nossos ancestrais sob certos aspectos,
“nós, que olhamos a conquista do ‘nos-
so’ modelo de qualidade de vida como
o saboroso fruto da liberdade que os
tempos modernos nos trouxeram”
(ROSÁRIO, 2001, p. 158), podemos
ainda assim nos encontrarmos vazios,
infelizes e sem perspectivas diante de
um universo de possibilidades. Con-
tudo é certo que, como conclui Rosá-
rio (2001, p. 167):
444
EDUCAÇÃO FÍSICA

os horizontes que vamos criando


condicionam as formas da quali-
dade de vida a que aspiramos; por-
que somos puxados pelo futuro,
porque necessitamos experimen-
tar o novo e porque, instintivamen-
te, perseguimos mais o melhor do
que o bom.
Não devemos ser pessimistas, avança-
mos muito em nossa história. O prazer
é sim fundamental em nossa perspec-
tiva de melhoria de qualidade de vida.
O cuidado deve ser com o hedonismo,
como prazer a qualquer custo, exacer-
bado, que em muitos casos relega o
cuidado com a própria saúde. Por ou-
tro lado, a negação do prazer também
é perigosa, pois priva o ser humano de
experiências enriquecedoras na sua
445
RECREAÇÃO E LAZER

existência. Um exemplo é a alimenta-


ção, que por mais que seja saudável e
apresente aspectos nutricionais exigi-
dos para uma saúde positiva, não será
consumida por muito tempo se não
for palatável. Isto também se aplica à
atividade física, como salienta Nahas
(2001, p. 208): “as pessoas podem es-
tar bem informadas e até terem uma
atitude favorável, mas não escolherão
um estilo de vida ativo se isso não es-
tiver associado ao prazer”.
A construção de um estilo de vida
positivo, ou com qualidade, por mais
polissêmica que seja a relação deste
termo quando associado à vida hu-
mana, está concatenado com a cons-
cientização do indivíduo na vida so-
cial e nos condicionamentos aos quais
446
EDUCAÇÃO FÍSICA

foi sendo submetido ao longo de sua


existência. A atitude do indivíduo deve
estar galgada na autonomia conscien-
te do sujeito, em sua integralidade,
não apenas no racional, mas também
nele. Não pode ficar resumida a ati-
tudes mecânicas, automatizadas, mas
num esforço de busca pelo conheci-
mento constante que, no caso do la-
zer, como destaca Dumazedier (2014,
p. 264), pressupõe um grande esfor-
ço de auto educação por meio do qual
cada um estará atento à necessidade
de equilíbrio “atividades de recupe-
ração, recreação e desenvolvimento”,
conforme as diferentes demandas do
dia a dia.
Essa escolha levará o indivíduo a es-
tabelecer uma hierarquia nas suas
447
RECREAÇÃO E LAZER

atividades físicas, manuais, intelec-


tuais e sociais e em todas as opor-
tunidades a fortalecer a autonomia
e a estrutura de sua personalidade,
procurando ao mesmo tempo al-
cançar uma melhoria na sua par-
ticipação consciente e voluntária
na vida da sociedade (DUMAZE-
DIER, 2014. p. 263).
E vale destacar ainda que:
[...] em todos os campos do lazer,
as atitudes ativas deveriam ser ob-
servadas e analisadas sem dogma-
tismo. O conjunto dessas atitudes
ativas contribuiria para formar em
cada grupo e para cada indivíduo
um estilo de vida. O estilo de vida
poderia ser definido como o modo
pessoal pelo qual cada indivíduo
448
EDUCAÇÃO FÍSICA

ajeita sua vida cotidiana. [...] a in-


dividualidade de inúmeros traba-
lhadores têm mais oportunidades
de afirmar-se nas atividades livres e
cada vez menos no trabalho como
atualmente é concebido. Recorren-
do a essas atividades, o indivíduo
terá tempo e oportunidade para en-
contrar e desenvolver o estilo de sua
própria vida, mesmo com relação
ao trabalho. A procura e a realiza-
ção de um estilo de vida conferem
ao lazer seu mais alto significado
(DUMAZEDIER, 2014. p. 263).
Lazer, corporeidade e qualidade de
vida têm, portanto, uma relação fun-
damental. Qualidade de vida pressu-
põe o fruir de uma vida boa, do prazer,
do bem-estar, da alegria, de justiça,
449
RECREAÇÃO E LAZER

de conceber novos sonhos e projetos,


pessoais e coletivos, enfim, valores
tão prementes à humanidade. O lazer,
atrelado aos seus conteúdos físico-es-
portivos, por exemplo, tem um alto
potencial de propiciação de momen-
tos felizes e, portanto, no aumento da
qualidade de vida, e mais, na oportu-
nidade de conscientização da existên-
cia, por meio de um reencontro com
o próprio corpo, bem como com o do
outro, na perspectiva da corporeida-
de, conforme definida anteriormen-
te. O lazer, como almeja Dumazedier
(2014), poderá significar rompimen-
to de imposições, de repressões, ad-
vindas das obrigações, tantas vezes
exacerbadas na vida, bem como um
reavaliar do cotidiano, vivências, pre-
450
EDUCAÇÃO FÍSICA

conceitos, ideias prontas que impe-


dem um exercício de esperança e da
criatividade, tão favorecidas pelo es-
pírito lúdico.

SAIBA MAIS

O corpo somos nós em nossa exis-


tência humana. Ele se constitui a
todo o momento sob influência de
pessoas, do mundo e de nós mes-
mos. Nossa corporeidade faz-se na
diversidade dos sentidos e significa-
dos ao longo da história. Nós, seres
humanos presentes, somos sujeitos
de nosso discurso, em contato com
um mundo complexo. Somos cor-

451
RECREAÇÃO E LAZER

pos-sujeitos, vividos, que conside-


ramos as possibilidades corporais
e nos relacionamos com as mais
diversas experiências significativas,
em busca permanente da auto-su-
peração. A nossa corporeidade vai
sendo configurada nos momentos
de apreensão do mundo por meio
dos hábitos os quais vão sendo in-
corporados.
Fonte: Martins (2008, p. 33).

452
EDUCAÇÃO FÍSICA

Lazer, Espaço e
Equipamentos

Um elemento fundamental a se levar


em conta na relação lazer e qualidade
de vida, que em alguns momentos de
nossas discussões já tangenciamos, é
a questão do espaço urbano e da na-
453
RECREAÇÃO E LAZER

tureza. Não há como conceber a pos-


sibilidade de constante melhoria na
qualidade de vida e suas possíveis re-
lações sem tratarmos, mesmo que in-
trodutoriamente, deste aspecto cultu-
ral tão relevante para o ser humano.
As sociedades humanas foram aos
poucos se organizando de forma a che-
garem num estágio de sedentarismo,
de assentamento em determinado es-
paço. As características de meros co-
letores e caçadores do que a natureza
lhes oferecia foram cedendo espaço ao
desenvolvimento das técnicas de cul-
tivo e criação de animais para a sub-
sistência. Com o passar do tempo, as
grandes aglomerações e assentamen-
tos foram dando origem às cidades,
impulsionadas, posteriormente, por
454
EDUCAÇÃO FÍSICA

vários fatores, como os entroncamen-


tos de rotas de comércio, por exemplo.
Este processo significou uma grande
mudança para a vida em sociedade,
com muitas vantagens, mas também
muitos desafios.
O tipo de cultura produzida, até
então, pela humanidade deu lugar a
novas formas de produções pelo ser
humano por meio do trabalho com-
preendido num sentido amplo. Tudo
aquilo que o ser humano produz na
sua relação com a natureza, compre-
endendo que os demais seres huma-
nos são parte desta natureza, é expres-
são de sua cultura. A qualidade de
vida, portanto, situada em diferentes
momentos históricos e em diferentes
espaços de convivência, é também a
455
RECREAÇÃO E LAZER

expressão da cultura de um povo.


Com o passar do tempo, portan-
to, o ser humano modifica o espaço
no qual está inserido como uma for-
ma, em princípio, de melhorar seu
modo de vida. Contudo, nem sem-
pre este processo ocorreu e ocorre de
maneira ordenada, utilizando-se de
elementos racionais, podendo cons-
tituir, a médio e longo prazo, caos
para a convivência dos seres huma-
nos entre si, bem como com a fauna
e a flora circundante. Basta fazermos
uma breve avaliação de alguns gran-
des centros urbanos que cresceram
desordenadamente, sem um plane-
jamento, e perceber os efeitos negati-
vos causados por esse processo. Vale
lembrar que, hoje, os efeitos já não se
456
EDUCAÇÃO FÍSICA

limitam a consequências locais, pois


são de ordem planetária, como é o
caso do superaquecimento global.
É interessante perceber que efeitos
globais têm início nas ações individu-
ais que vão se avolumando por meio
das relações comunitárias até ganha-
rem tais dimensões. Esta modificação
do espaço pelo ser humano se dá por
meio das técnicas mais elementares,
desenvolvidas para adequar o meio à
sua volta e garantir os elementos fun-
damentais à sua vida. Para Santini
(1993, p. 34):
com a experiência de seu corpo, o
homem organiza seu espaço, ade-
quando-o às suas necessidades
biopsicossociais [...] este espaço,
organizado e animado, constituído
457
RECREAÇÃO E LAZER

de um meio físico, estético e psico-


lógico é o meio ambiente.
Note que a questão da corporeida-
de volta à tona e está na base das
experiências de organização espa-
cial como elemento fundamental
da vida em sociedade.
Diante destas considerações, po-
demos inferir que qualquer processo
que deseje subjugar o outro terá no
domínio do corpo um elemento ba-
silar ao seu intento. Como destaca De
Pellegrin (1999), a ocupação do espa-
ço na sociedade hodierna está profun-
damente atrelada a questões de poder.
Diante disso, a corporeidade que está
na base desta organização espacial, de
acordo com Santini (1993), ganha um
significado político profundo, pois
458
EDUCAÇÃO FÍSICA

dominar o corpo é ter poder também


sobre o espaço, e este, por sua vez, pos-
sui grande valor na sociedade capita-
lista contemporânea.
O crescimento desordenado, a es-
peculação imobiliária, enfim, uma
série de fatores vem contribuindo
para que o quadro das nossas cida-
des não seja dos mais promissores,
quer na defesa de espaços, quer em
termos da paisagem urbana, quan-
do se fala da contemplação esté-
tica. Em nome da economia e da
funcionalidade, muito se tem fei-
to “enfeiando” a paisagem urbana
(MARCELLINO, 2008. p. 16).
A relação do espaço com o tem-
po constitui um elemento basilar na
compreensão a que o ser humano foi
459
RECREAÇÃO E LAZER

impelido ao longo de sua organização


em sociedade. Segundo De Pellegrin
(1999), tempo e espaço acabam por se
confundir em alguns momentos, pois
por meio do tempo o espaço é cons-
tituído, e nesse espaço descortina-se
novos momentos históricos, sendo
elementos de referências fundamen-
tais para a vida humana. Podemos
caracterizar esta dinâmica como um
processo dialético que leva a um mo-
vimento pendular da história, num
diálogo constante entre tempo e espa-
ço, tendo o ser humano o anseio por
uma vida mais digna como mediador
deste processo.
O processo de urbanização, como
já mencionamos, tem seus bônus,
mas também ônus. Há consequências
460
EDUCAÇÃO FÍSICA

danosas nos crescimentos desordena-


dos das cidades, que hodiernamen-
te são potencializadas, como salienta
Marcellino (2008, p. 17), pela “ação
predatória, motivada pelos interesses
imediatistas” que, invariavelmente,
geram sérios problemas “que afetam a
qualidade de vida e o lazer das popu-
lações, contribuindo com a violência
e a falta de segurança, inclusive”.
Tratando-se especificamente dos
espaços destinados ao lazer, deve ser
realizada, para a profunda compreen-
são da problemática e implementação
de ações criativas, uma análise que
leve em conta outros elementos que
compõem a vida na cidade, como a
distribuição populacional, por exem-
plo, que influencia diretamente na
461
RECREAÇÃO E LAZER

questão do transporte urbano e pos-


sui uma relação direta com conser-
vação das áreas verdes, que por sua
vez influencia em desequilíbrios am-
bientais, como proliferação de pragas
e diminuição da qualidade do ar. En-
fim, os elementos estão concatenados
e, portanto, influem diretamente nas
relações humanas, que poderiam ser
potencializadas por espaços urbanos
adequados ao lazer.

462
EDUCAÇÃO FÍSICA

REFLITA

Como são os espaços de lazer em


sua comunidade? Você acredita
que sua comunidade consegue
fruir do tempo livre de uma ma-
neira adequada tendo espaços
para tais vivências?

Estes desequilíbrios podem gerar, por


exemplo, aglomeração de pessoas em
determinados espaços, enquanto em
outros não há aproveitamento ade-
quado, isso ocorre ou pelo bombarde-
ar da indústria cultural, insegurança
de determinados ambientes, concen-
tração populacional em determinadas
463
RECREAÇÃO E LAZER

regiões ou pela comodidade do trans-


porte que fornece o deslocamento a
certos ambientes de convívio. Porém,
como salienta De Pelegrin (1999), a
aglomeração satura as potencialida-
des de determinados equipamentos
de lazer, pois ele não se torna convi-
dativo e limita sua utilização.
Neste sentido, ao falarmos em de-
mocratização do espaço e dos equi-
pamentos de lazer, devemos levar em
consideração que “para a efetivação
das características do lazer é necessá-
rio, antes de tudo, que ao tempo dis-
ponível corresponda um espaço dis-
ponível” (MARCELLINO, 2008. p.
15). No cotidiano, fora dos períodos
de feriados, férias e recessos, este es-
paço é justamente o espaço da cidade,
464
EDUCAÇÃO FÍSICA

espaço destinado ao convívio.


Quando nos referimos a equipa-
mentos de lazer, que podem estar in-
seridos no espaço urbano ou não, nos
respaldamos na classificação de Re-
quixa (1980) que diferencia equipa-
mentos específicos de equipamentos
não-específicos de lazer.
Como equipamento não-específi-
co entende os que, em sua origem,
não foram construídos para a prá-
tica das atividades de lazer, mas que
depois tiveram sua destinação es-
pecífica alterada, de forma parcial
ou total, criando-se espaços para
aquelas atividades. O autor coloca
que hoje os espaços das cidades pre-
cisam ser aproveitados de modo a
se tornarem polivalentes. Entre es-
465
RECREAÇÃO E LAZER

ses equipamentos não-específicos


estão: o lar, a rua, o bar, a escola,
etc. Já os equipamentos específicos
são construídos com essa finalida-
de, podendo ser classificados pelo
tamanho, atendimento aos conte-
údos culturais, ou outros critérios
(REXIA, 1980 apud MARCELLI-
NO, 2008. p. 15).
O lazer do brasileiro ocorre, prepon-
derantemente, nos lares e, portanto, é
o principal equipamento não-especí-
fico. Contudo, cabe novamente ava-
liarmos a qualidade destas oportu-
nidades neste equipamento. Quando
tratamos das barreiras para o lazer,
consideramos as de classe social, eco-
nômica e de gênero. Se visualizarmos
rapidamente a dinâmica em muitos
466
EDUCAÇÃO FÍSICA

lares da nossa sociedade, poderemos


notar que no tempo disponível há
muito pouco que se possa fazer em
um espaço pequeno, e que, em muitos
casos, está saturado pelas demandas
das obrigações domésticas. Quando
cessam as obrigações, faltam oportu-
nidade no espaço restrito, como jo-
gos (de mesa, de tabuleiro, virtuais
etc.), leitura (infelizmente ainda uma
minoria em nosso país), convivência
virtual e o consumo de programas de
televisão, em geral dos canais abertos.
Atrelados a este equipamento não-
-específico estão as calçadas, ruas e
praças. Contudo, a violência de for-
ma geral, tem sido um fator limitador
no uso desses equipamentos. As brin-
cadeiras infantis realizadas nas ruas
467
RECREAÇÃO E LAZER

(queimada, betes, futebol, pipa, boli-


nha de gude etc.) são cada vez mais
raras, mais ainda, as festas populares
que mobilizavam os bairros pratica-
mente desapareceram. As praças ra-
ramente são ocupadas para ativida-
des espontâneas de lazer. As que são
ocupadas, em geral, possuem equipa-
mentos específicos tais como quadras
esportivas, pistas de skate e mesas para
jogos. Ainda assim, como salienta De
Pellegrin (1999, p. 154):
[..] os equipamentos de lazer que
atendem aos interesses físico-es-
portivos obedecem, via de regra,
aos padrões dos esportes mais tra-
dicionais e das regras oficiais des-
ses esportes. Isso pode restringir o
uso do espaço àquelas modalidades
468
EDUCAÇÃO FÍSICA

tradicionais e, ainda que elas sejam


praticadas, haverá barreiras arqui-
tetônicas para certas faixas etárias
e pessoas portadoras de necessida-
des especiais, por exemplo.
Também cada vez mais raros são os
coretos e palcos com programações
periódicas. Em alguns casos ainda
prevalecem as ferinhas que comer-
cializam uma variedade de produtos,
que apesar de não serem classificadas,
a priori, como ações de um conteúdo
do lazer, favorecem, por exemplo, a vi-
vência dos interesses sociais do lazer.
Os bares também estão nesta cate-
goria, mas abarcando, ainda hoje, um
alto grau de preconceito. Estes espa-
ços de convívio apresentam soluções
a fim de superar certos tabus por meio
469
RECREAÇÃO E LAZER

de variadas atividades culturais que


envolvem artes, esportes, entre ou-
tras. No entanto, como salienta Mar-
cellino (2008, p. 18), “os tradicionais
‘botequins’, onde se ‘jogava conversa
fora’, são substituídos, nas áreas ‘no-
bres’ pelas lanchonetes, onde o consu-
mo rápido desestimula a convivência”,
mas ainda assim são alternativas para
vivência de certos conteúdos/interes-
ses culturais do lazer, mas favorecem
mais o social e em alguns casos parte
dos artísticos.
Entre os equipamentos não-especí-
ficos de lazer também estão as escolas.
Elas têm em si um grande potencial
para o estímulo à vivência do lazer.
Contudo, muitas possuem alguns im-
peditivos, como, por exemplo, o seu
470
EDUCAÇÃO FÍSICA

funcionamento em três turnos ou ain-


da o receio pela depredação o espaço.
Mesmo assim, seriam possíveis ações
que favorecessem o acesso da comu-
nidade à vivência de certas práticas
neste espaço, promovendo o convívio
social, atividades práticas ou manu-
ais, utilizando as quadras e gramados
para vivência dos conteúdos físico-es-
portivos, outra ação seria a abertura
à utilização das bibliotecas como for-
ma de incentivo à leitura, “contação
de histórias”, ou ainda o compartilhar
do conhecimento transmitido produ-
zido pelos docentes e discentes, pales-
tras e exposições artísticas, mostras de
talentos da comunidade, enfim, ações
que promovam também os conteúdos
artísticos. E os conteúdos turísticos?
471
RECREAÇÃO E LAZER

Ficariam de fora? Como este conteú-


do tem como principal característica
a quebra da rotina espaço/temporal,
iniciativas com acantonamentos que
promovam intercâmbio escolares po-
deriam também atender a este con-
teúdo cultural do lazer. Percebam a
riqueza possibilidades que as escolas
oferecem mesmo não sendo um equi-
pamento específico de lazer.
As escolas contam com grandes
possibilidades para o lazer, em ter-
mos de espaço, nos vários campos
de interesse: quadras, pátios, audi-
tórios, salas, etc. Deve-se conside-
rar, ainda, seus períodos de ociosi-
dade, em férias e fins de semana, e a
existência de vínculos com a comu-
nidade próxima. No entanto, a tão
472
EDUCAÇÃO FÍSICA

propalada “abertura comunitária”


desses equipamentos não vem se
verificando, talvez pelo temor dos
riscos de depredação. Já tive opor-
tunidade de desenvolver atividades
de lazer em escolas, em trabalhos
comunitários e, ao contrário do que
se possa imaginar à primeira vista,
uma ação bem realizada nesse sen-
tido, só contribui para aumentar o
respeito das pessoas pelo equipa-
mento, uma vez que, à medida que
o utilizam, vão desenvolvendo sen-
timentos positivos, passando a co-
laborar na sua conservação. No en-
tanto, o que se verifica, na maioria
das vezes, é a ‘abertura’ desses equi-
pamentos apenas para ‘festas’, cujo
objetivo principal é a arrecadação
473
RECREAÇÃO E LAZER

de fundos para a sua manutenção


(MARCELLINO, 2008. p. 18).
Este é um grande desafio para todos
aqueles envolvidos com o lazer, prin-
cipalmente os que também estão li-
gados à educação formal. Por isso a
relevância de discutirmos estas ques-
tões num curso de licenciatura, pois
teremos a oportunidade de realizar a
ação de dentro para fora deste equipa-
mento, mas não de maneira unilate-
ral. Esta construção do lazer na esco-
la deve trilha um caminho biunívoco,
uma via de mão dupla, em parceria
com os membros da comunidade, re-
alizando um diagnóstico sobre seus
anseios e construindo por meio da
estratégia da ação comunitária a ação
devida.
474
EDUCAÇÃO FÍSICA

Infelizmente, esta utilização e cons-


trução coletiva pode esbarrar em uma
série de fatores, alguns já pontuados
anteriormente. Numa sociedade que
cada vez mais se estrutura em torno da
lógica neoliberal, há uma gradativa ten-
dência de sucateamento do público e
uma valorização do privado, tornando
mais difíceis as alternativas de partici-
pação popular na construção do lazer.
Esta democratização dos espaços de la-
zer não pode estar pautada apenas pela
construção de mais espaços e equipa-
mentos específicos ou não. É de suma
importância que além da preservação
do patrimônio público existente haja
um cuidado para não supervalorizar
determinados equipamentos, tornan-
do-o inacessível em vez de favorecer
475
RECREAÇÃO E LAZER

sua utilização e, portanto, subutilizado


e até inutilizável. Como bem salienta
Marcellino (2008, p. 19):
[...] a ação democratizadora precisa
abranger a conservação dos equi-
pamentos já existentes, sua divul-
gação, ‘dessacralização’, e incentivo
à utilização, através de políticas es-
pecíficas, e a preservação do patri-
mônio ambiental urbano.

476
EDUCAÇÃO FÍSICA

SAIBA MAIS

As praças, um dos mais característi-


cos exemplos de espaços livres, são
unidades urbanísticas fundamen-
tais para a vida urbana, configuran-
do-se como locais para a prática de
lazer passivo e ativo, além de servi-
rem ao encontro e à convivência das
pessoas e às atividades culturais e
cívicas. Têm presença marcante na
composição das cidades, levando-se
em consideração sua diversidade e
seu uso pela população, represen-
tando importantes elementos, tan-
to históricos como culturais. Marx
(1980) refere-se à praça como lo-
gradouro público por excelência,
que deve sua existência, sobretudo,
477
RECREAÇÃO E LAZER

aos adros de nossas igrejas, tendo


surgido entre nós para reunião de
gente e atividades diversas, diante
de capelas ou igrejas.
No século XIX e até meados do sé-
culo XX, as praças tinham grande
importância para a vida citadina,
funcionando como local de lazer e
sendo o centro dos acontecimen-
tos e novidades que ocorriam na
cidade.
Fonte: Silva, Lopes e Lopes (2011,
p. 199).

Uma luta popular fundamental é


contra a lógica da privatização de de-
terminados espaços. Por mais que se
478
EDUCAÇÃO FÍSICA

justifique que os serviços privados se-


jam de maior qualidade do que o pú-
blico, deve-se lutar para que também o
público seja oferecido com a qualida-
de necessária e seja gratuito. Com isso
percebemos que a luta pelo direito ao
lazer, previsto em nossa constituição,
requer uma conscientização política e
a percepção dos jogos de poderes que
estão por trás de ações aparentemente
tão inocentes como são as que envol-
vem o lazer.
O lazer situado hodiernamente no
modo de produção capitalista pode
ficar relegado ao aspecto do consumo
de bens e serviços, podendo ser exa-
cerbado em uma lógica consumista,
na qual, em muitos momentos, acre-
dita-se que para ser feliz é necessário
479
RECREAÇÃO E LAZER

consumir aquilo que está associado


pela mídia como elemento de felici-
dade. Não se percebe que esta lógica
da satisfação associada meramente
ao consumo é fugidia. Vale salientar
novamente que não estamos execran-
do o consumo necessário à vida em
sociedade, mas apenas salientando o
perigo de atribuir ao consumo - em
nosso caso específico o do lazer - a
única possibilidade de sua vivência,
quando, na verdade, pode não ser a
mais sadia, pois pouco envolve a au-
tonomia e participação do sujeito na
planejamento, vivência e rememora-
ção da experiência fruída. A privati-
zação de espaços pode tornar o lazer
mais uma mercadoria inacessível a
uma boa parte de população, o que vai
480
EDUCAÇÃO FÍSICA

de encontro a uma política de demo-


cratização dos espaços urbanos, mais
especificamente dos espaços de lazer.
Vale destacar, diante das discussões
já realizadas, que consideramos espaço
urbano na perspectiva da definição sin-
tetizada por De Pellegrin (2004, p. 73):
[..] termo genérico que diz respei-
to aos lugares em que se desenvol-
vem ações, atividades, projetos e
programas de lazer de modo geral.
Em contexto restrito, é possível en-
contrar a expressão espaço de la-
zer sendo usada para designar um
lugar específico ou para caracteri-
zar determinado equipamento. Do
ponto de vista mais amplo, espaço
de lazer refere-se a um dos aspectos
de uma política de lazer. Diz respei-
481
RECREAÇÃO E LAZER

to a como se organizam os diferen-


tes equipamentos em uma cidade,
como são distribuídos, que tipo de
possibilidades oferecem. Refere-se,
também, aos espaços potenciais
(vazios urbanos e áreas verdes, por
exemplo), aqueles que podem vir a
transformar-se concretamente em
equipamento de lazer. Em suma, a
expressão espaço de lazer diz res-
peito a toda a rede de equipamen-
tos de lazer, vazios urbanos e áreas
verdes de uma cidade.
O que desejamos com estas discus-
sões é enfatizar que sem uma reflexão
sobre os espaços urbanos, com suas
construções, áreas verdes e espaços
vazios, fica inviável um aprofunda-
mento nos aspectos que envolvem a
482
EDUCAÇÃO FÍSICA

relação lazer e qualidade de vida. Esta


relação também está conectada com
o duplo processo educativo de acesso
ao conhecimento - já discutido ante-
riormente -, a crítica ao percebido e à
novas proposições, alternativas para a
constante melhoria dos espaços e das
possibilidades de usos desses espaços.
Ao apresentar sua síntese sobre es-
paço urbano, De Pellegrin (2004) fala
sobre os vazios. Um risco que corre-
mos ao tratar de espaços e equipamen-
tos de lazer é visualizarmos apenas as
construções e quando muito as áreas
verdes, preservadas e zeladas pela ad-
ministração pública, como parques,
hortos, jardins e praças. Contudo, os
espaços vazios também têm um papel
preponderante nestas reflexões, pois
483
RECREAÇÃO E LAZER

tanto os espaços construídos quanto


os vazios têm sua importância para a
qualidade de vida dos indivíduos. Se-
ria sufocante, como em alguns casos
é, viver em espaço em que pouco va-
zio há e que, por conta disso, a convi-
vência fica prejudicada.
No espaço vazio, os três “Ds” do la-
zer também podem ser vivenciados
e, na verdade, precisam dele para sua
consecução. Descanso, divertimen-
to e desenvolvimento pessoal e social
estão associados intimamente a esses
espaços. Como afirma De Pellegrin
(1999, p. 152), numa dimensão sub-
jetiva, o espaço vazio “[...] é um palco
para a imaginação, para o questiona-
mento e para o conflito; permite ao
ser humano pensar sobre seu presen-
484
EDUCAÇÃO FÍSICA

te, mas também em situações futuras,


esperadas, desejadas ou imaginadas”.
Quanto maior o vazio, mais auto per-
cepção existencial é fomentada; basta
você se colocar diante da imensidão
do mar e olhar para o horizonte, ou
contemplar um céu estrelado, ou su-
bir no alto de uma montanha para se
dar conta da pequenez, fragilidade e
efemeridade da vida humana. Porém
ao mesmo tempo, apesar desta delica-
deza e fugacidade, é possível que uma
atitude de humildade e gratidão bro-
te em nossos corações. Por isso a im-
portância do vazio e mais, - nele e por
meio dele nos damos conta da nos-
sa correria, do que vale mais a pena,
do que é feita a nossa alma e de toda
nossa potencialidade. Numa socieda-
485
RECREAÇÃO E LAZER

de tão barulhenta, talvez o que falte


é justamente o silêncio, tantas vezes
amedrontador, não apenas externo,
mas interno. Os espaços vazios nos
mostram que tudo pode ser transfor-
mado, inclusive as nossas vidas.

486
EDUCAÇÃO FÍSICA

A discussão e valorização dos espa-


ços vazios é tão importante para o
espaço urbano, e consequentemente
para o lazer, pois ele fomenta a con-
vivência, a lidar com conflitos pesso-
ais e interpessoais e as possibilidades
de soluções criativas para os dilemas
dos seres humanos. Como destaca
De Pellegrin (1999), a vida na cidade
é uma vida de “cheios” que dominam
o espaço; e nessa disputa entre cheios
e vazios parece que há uma tendência
de quanto mais cheio o externo, mais
vazio o interno e quanto mais vazio o
externo, maior a possibilidade de or-
denação do mundo interior.
É muito interessante perceber como
a criatividade é estimulada no vazio.
Apesar de, em grande parte, os vazios
487
RECREAÇÃO E LAZER

urbanos serem utilizados com os con-


teúdos físico-esportivos do lazer, pre-
ponderantemente pelos “campinhos”
de futebol, há outras ações ligadas, por
exemplo, aos conteúdos práticos ou
manuais. Hortas comunitárias mobi-
lizam um grande grupo em torno do
vazio e a sua apropriação gera um vín-
culo criativo não apenas para aquele
empreendimento, mas para a vida.
A utilização dos espaços ainda é, de
forma geral, precária em nossa socie-
dade, principalmente dos equipamen-
tos não-específicos. Porém quais ações
poderiam ser deflagradas no sentido
de solucionar essas deficiências? Mar-
cellino (2008, p. 18-19) apresenta três
pontos fundamentais na busca de me-
lhoria da utilização de equipamentos
488
EDUCAÇÃO FÍSICA

não-específicos de lazer e sua conse-


quente democratização:
1- a necessidade de desenvolvimen-
to de uma política habitacional,
que considere, entre outros aspec-
tos, também o espaço para o lazer
- o que não é fácil num país como
o nosso, com alto déficit habitacio-
nal, e que deve estimular alterna-
tivas criativas em termos de áreas
coletivas;
2- a consideração da necessidade
da utilização dos equipamentos
para o lazer, através de uma políti-
ca de animação;
3- a preservação de espaços urba-
nizados “vazios”.
Portanto, uma ocupação adequada
dos espaços, que redunde em quali-
489
RECREAÇÃO E LAZER

dade de vida para a população, con-


templando os vários direitos afetos ao
espaço urbano, requer uma raciona-
lização de processos que sejam con-
substanciados em leis e que expressem
a visão administrativa - começando
pelos municípios - de uma política de
valorização e humanização do espa-
ço urbano. Neste processo deve estar
implícita a necessidade não apenas de
criar os espaços e conservá-los, bem
como seus equipamentos, mas tam-
bém de dar “alma”, animá-los, e neste
sentido os papéis, tanto do volunta-
riado quanto dos profissionais espe-
cializados, são fundamentais.

490
considerações finais

Estimado(a) aluno(a),
Mais uma vez percebemos a rique-
za das inter-relações da temática la-
zer ao realizarmos algumas incursões
pela qualidade de vida. Apesar das di-
ferentes abordagens conceituais rela-
cionadas à qualidade de vida, é pos-
sível eleger em diferentes campos de
atuações focos específicos que juntos
componham o atendimento às dife-
rentes necessidades humanas para
que a qualidade da vida humana seja
cada vez melhor.
Com relação ao lazer, há inúme-
ras possibilidades de aproximações
à qualidade de vida. A corporeidade
parece ser a mais específica quando
analisamos o lazer pela perspectiva
da Educação Física. Porém, cada área
491
considerações finais

de conhecimento poderá focar suas


reflexões e intervenções à luz do seu
arcabouço teórico. Contudo, a teoria
do lazer aparece como uma possibili-
dade de agregar diferentes áreas para
discussões ora multi, ora inter e, quem
sabe, transdisciplinares.
A questão dos espaços e equipamen-
tos associados ao lazer e à qualidade
de vida é outro assunto urgente, que
deve ser discutido numa perspectiva,
no mínimo, multidisciplinar, pois uma
vez ocupados, o processo de reversão e
replanejamento destes espaços se tor-
na ainda mais complicado. O planeja-
mento dos espaços urbanos, levando
em consideração inclusive os vazios,
como vimos, necessita de uma reflexão
sobre a utilização de equipamentos es-
492
considerações finais

pecíficos e não-específicos de lazer.


Todas estas discussões, obviamen-
te, passam pelas diferentes cosmovi-
sões, principalmente de caráter po-
lítico. Portanto, é impossível realizar
tais reflexões sem que, posteriormen-
te, haja propostas de intervenções via
políticas públicas, quer seja de lazer,
quer seja de urbanização. Contudo, o
ideal é que estas propostas nasçam de
discussões de diferentes áreas, com a
aproximação da comunidade com a
qual estamos lidando. Eis aí um grande
desafio para os profissionais do lazer
advindo de diferentes áreas do conhe-
cimento, que como educadores(as),
contribuamos de maneira consisten-
te, por meio da nossa ação/reflexão,
jamais desvinculadas.
493
LEITURA
COMPLEMENTAR

Companheiros no cotidiano
lúdico: os animais e a
natureza
Os netos com quem estive nas-
cem e crescem na cidade, mas
tanto quanto possível mantêm
contato com os animais e com
a natureza. Não há casa que
não tenha cão ou pássaro. Na
residência do sr. Benedito, Ti-
noco é o cachorro mais velho;
não é tão brincalhão quanto
Rex, mais novo, e atentíssimo
a qualquer acontecimento em
torno da casa. Bastante “serele-
494
LEITURA
COMPLEMENTAR

pe”, às vezes, é mantido preso,


o que o contraria muito, pro-
vocando reação inconforma-
da por meio de insistentes lati-
dos. Na casa de dona Betânia,
as atenções maiores se voltam
para o papagaio, a quem ensi-
nou a falar e até cantar. Quan-
do não está de muita prosa, a
própria Betânia canta alguma
coisa para ele, sem interrom-
per o trabalho que estiver rea-
lizando: “Meu louro!/ Que caça,
meu louro?/ É o rei que vá à
praça,/Meu louro.”
495
LEITURA
COMPLEMENTAR

Na casa de dona Jacira, está


Princesa, cadelinha dócil com
as crianças e presença obriga-
tória nas brincadeiras de ca-
sinha. “A gente pega na mão
dela”, conta Roberta, “e ela
anda!”. Já na casa da dona Ro-
salina, Rambo e Luana formam
o casal de cachorros, enquan-
to na casa de dona Alda é Cas-
cão o guarda e amigo de seus
netos. Só não gosta de muita
proximidade humana quando
está dedicado a um de seus
hábitos prediletos. Jerry avisa:
496
LEITURA
COMPLEMENTAR

! se você chegar perto quan-


do ele está comendo osso, ele
morde!”
Junto com os animais, as crian-
ças desfrutam também de um
contato tão estreito quanto
possível com a natureza. Nada
parecido, é fácil entender, com
seus avós, que cresceram em
zonas rurais, tento rios como
vizinhos e alegres corridas com
cabritos em noites de lua cheia.
Mas, pelo menos, podem pisar
na terra, existente no quintal,
na escola, no passeio ou em
497
LEITURA
COMPLEMENTAR

terrenos baldios. Nas árvores,


encontram companhia sempre
disposta a qualquer aventura
- limoeiro, mangueira, mamo-
eiro, mexeriqueira, laranjeira,
bambu, abacateiro, além das
existentes das ruas, a exemplo
da sibipiruna. Servem como
abrigo do sol, instigam o desa-
fio de serem escaladas e, além
de tudo, são pontos escolhi-
dos por alguns netos, segundo
me disseram, para se proteger
da chuva. Ao que pude alcan-
çar, banhos de chuva são mui-
498
LEITURA
COMPLEMENTAR

to apreciados por eles, embo-


ra nem tanto pelo avós. A areia
existente em certas casas, à es-
pera de futura reforma ou me-
lhoria, se acomoda às caçam-
bas de pequeninos caminhões,
vira bolinho nas brincadeiras
de casinha, transforma-se em
platarforma fofa para acolher
escorregões ou saltos e serve
de munição nas guerras, que
são desencadeadas sob míni-
mo pretexto. Pedrinhas, pau-
zinhos e gravetos felizmente
são lembrados neste instante,
499
LEITURA
COMPLEMENTAR

são usados em outros, menos


contundentes, como quando
Danila faz o “quintal inteiro de
casinha”.
Soube por Jerry que a escola
pública onde estuda mantém
canteiros para que os alunos
de cada classe se incumbam de
semear e cuidar de um jardim.
Cultivar plantas é uma das ati-
vidades prediletas de Jerry. A
avó, orgulhosa desta habilida-
de do neto, reservou-lhe um
pequeno espaço, que o me-
nino cerca de muito esmero.
500
LEITURA
COMPLEMENTAR

Com a terra e algumas mudas,


formou seu pequeno jardim.
Vai olhá-lo diariamente, rega-o
três vezes por semana e, como
todo bom jardineiro, gaba-se
de que as plantas não morrem
em suas mãos. Lá estão: cri-
sântemos, azaléias, folhagens,
maçã, espadas-de-são-jorge,
violetas, uma planta que “tem
lá na pracinha” e outra dada
por seu amigo, por enquanto
sem nome definido. Retribui
a gentileza oferecendo outras
mudas a ele, de sorte que pos-
501
LEITURA
COMPLEMENTAR

sa também entre eles florescer


duradoura amizade.
Em tempos de inverno, a fo-
gueira é sempre uma alegria
nos quintais, nos passeios ou
nos terrenos vazios. Em torno
dela, inúmeras brincadeiras
acontecem: esconde-esconde,
rela-rela, lanterna, “Bom-Bril”,
pé-na-lata, mamãe da rua...
Com o calor do fogo, tempera-
do pela brisa fria, tendo o céu,
a lua e as estrelas a animar as
brincadeiras, quem há de ficar
em casa? É assim que, assisti-
502
LEITURA
COMPLEMENTAR

dos às vezes pelos mais velhos,


meninos e meninas, de mãos
dadas com os elementos natu-
rais, transformam os espaços
da rua em terrenos de festa,
quase todos os dias.
Fonte: Oliveira (1997).

503
atividades de estudo

1. A expressão qualidade de
vida pode ser nova, mas o con-
ceito por trás deste termo já
está presente na história da
humanidade há muito tempo,
apenas ganhando uma nova
roupagem em meio às novas
características e demandas
das diferentes sociedades.
Neste sentido, o que significa
a polissemia relativa à quali-
dade de vida? Exemplifique-
-a.
2. O lazer é, sem dúvida, promo-
tor do bem-estar, mas requer
uma atitude positiva, ativa,
atrelada a outras esferas da
vida. Além disso, não pode ser
504
atividades de estudo

tratado isoladamente, alheio a


outras esferas da vida. A atitu-
de ativa requer dos animado-
res socioculturais que teoria e
prática estejam indissociadas.
Neste sentido, Dumazedier
(2014) destaca três elementos
fundamentais para que haja
genuinamente esta atitude
ativa no lazer. Apresente-os
e descreva-os.
3. Para a Educação Física, um
elemento fundamental ao dis-
cutir-se qualidade de vida as-
sociada ao lazer é a questão
da corporeidade. A vivência
corporal com qualidade re-
quer que voltemos a com-
preender e valorizar o corpo,
505
atividades de estudo

não numa perspectiva mera-


mente funcional, mas existen-
cial. O conceito de qualidade
de vida, sob a ótica do lazer,
e mais especificamente na re-
lação com seus conteúdos fí-
sico-esportivos, precisam dia-
logar e revisar o conceito de
corpo e quem sabe assumir a
perspectiva mais ampla e ho-
lística da corporeidade. Segun-
do Moreira e Simões (2008), o
que seria necessário para a
reconstrução do conceito de
corpo, distorcido ao longo
do desenvolvimento da his-
tória da humanidade, atre-
lado à qualidade de vida e
ao lazer?
506
atividades de estudo

4. Ao associarmos lazer e qua-


lidade de vida, numa pers-
pectiva mais ampla, necessa-
riamente, devemos discutir a
questão do espaço urbano.
Não há como conceber a pos-
sibilidade de constante melho-
ria na qualidade de vida sem
abordarmos as consequên-
cias da má distribuição do es-
paço. Neste sentido, discorra
sobre os aspectos negativos
de um desordenado proces-
so de urbanização e suas po-
tenciais consequências para
o ser humano e, consequen-
temente, para o lazer.
5. Ao tratarmos da questão do
processo de urbanização as-
507
atividades de estudo

sociada ao lazer, necessaria-


mente, devemos compreen-
der os equipamentos de lazer.
Requixa (1980) distingue duas
categorias de equipamentos
de lazer. Apresente e descre-
va a classificação deste autor
e cite exemplos de equipa-
mentos nas duas categorias.

508
EDUCAÇÃO FÍSICA

Qualidade de Vida:
complexidade e edu-
cação
Wagner Wey Moreira
(org.)
Editora: Papirus
Sinopse: o livro trata de alguns
dos principais desafios com re-
lação à qualidade de vida para o
século XXI. Relaciona a qualidade
de vida com temas como: cultura,
lazer, motricidade, beleza estáti-
ca, ambiente, escola, portadores
de necessidades especiais, infân-
cia, adolescência, juventude, ida-
de adulta, além de ricas discus-
509
RECREAÇÃO E LAZER

sões adjacentes a estas relações


temáticas.
Comentário: para o(a) profes-
sor(a) de Educação Física, esta é
uma obra fundamental para in-
troduzir os debates sobre temas
que certamente estarão presen-
tes no labor diário com cultura
corporal de movimento, numa
perspectiva educacional.

510
Terra: existe um futuro?
Neste documentário do Dis-
covery Channel, a temática é
o aquecimento global e seus
efeitos destrutivos, tanto no
presente como no futuro, caso
ações imediatas não sejam to-
madas. Com o auxílio da com-
putação gráfica, cenários são
criados como um prognóstico
das ações presentes. Contu-
do, há indicações de caminhos
para a reversão deste quadro.
Caso nada seja feito, catástro-
fes cada vez maiores surgirão,
bem como uma convulsão so-
511
cial diante da escassez de re-
cursos naturais.
Para saber mais, acesse o link
disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=ZeD7e-
BWwYSw>.

512
A era da estupidez
Ano: 2009
Sinopse: o filme par-
te de uma questão
fundamental: “Por
que não salvamos o planeta
enquanto ainda tivemos chan-
ce?”. Esta é a pergunta de um
arquivista que vive no alto de
uma torre no Ártico derretido.
Seu papel é zelar pelo conhe-
cimento produzido pela hu-
manidade. Várias histórias são
narradas paralelamente. Uma
delas é a de um homem que re-
flete sobre a indústria de com-
513
bustíveis fósseis e o desperdí-
cio e ajudou a resgatar Nova
Orleans, depois do furacão Ka-
trina. Outra é a de um empre-
sário indiano planeja uma em-
presa aérea para pessoas de
baixa renda. Crianças iraquia-
nas relatam a fuga. Enfim, his-
tórias que sintetizam a estu-
pidez humana que pode levar
o planeta à total destruição se
nada for feito.

514
referências

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G. L.; MARQUES, R. Qualidade de
vida: definição, conceitos e interfa-
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Referências On-Line
1
Em: <http://colunastortas.com.
br/2013/07/22/modernidade-liqui-
da-o-que-e/>. Acesso em: 31 maio.
2017.

521
gabarito

1. A expressão qualidade de vida


se destaca na década de 80,
atrelada mundialmente, de for-
ma geral, à pobreza, exclusão e
desigualdade social. Contudo,
não houve uma clara definição
e, desta forma, a mídia passou
a utilizá-la de maneira polissê-
mica, ou seja, com variados e
diferentes significados. Na dé-
cada de 90 a qualidade de vida
atrelou-se ao problema da ci-
dadania, à pobreza e à miséria,
aos serviços e equipamentos
que uma cidade ou província
disponibiliza aos seus habitan-
tes, à vida saudável, qualida-
de de alimentação e nutrição,
acesso de determinado grupo
522
gabarito

ou sociedade a certos bens de


consumo ou, mesmo, a espa-
ços e produtos destinados ao
lazer, ao turismo ou ao consu-
mo de bens culturais. No sen-
so comum, a expressão qua-
lidade de vida ficou associada
às melhorias ou alto padrão de
bem-estar na vida das pessoas,
sejam de ordem econômica,
social ou emocional. No final
da primeira década dos anos
2000, a qualidade de vida atre-
la-se mais diretamente à saú-
de e ao estilo de vida, tanto no
ambiente de trabalho quanto
fora dele.
2. A atitude ativa no lazer, segun-
do Dumazedier (2014), requer
523
gabarito

que: 1) haja uma participação


consciente e voluntária na vida
social (família, empresa, sindi-
cato, vida civil etc.), e não uma
anomia, ou seja, um isolamento
e recolhimento social; 2) ocorra
uma participação consciente e
voluntária na vida cultural, em
oposição à submissão às práti-
cas rotineiras, às imagens este-
reotipadas e às ideias precon-
cebidas de determinado meio
social; e 3) exista um constan-
te progresso pessoal livre pela
busca, na utilização do tempo
livre, de um equilíbrio, na me-
dida do possível pessoal, entre
o repouso, a distração e o de-
senvolvimento contínuo e har-
524
gabarito

monioso da personalidade.
3. Moreira e Simões (2008) con-
sideram que uma legítima re-
construção do conceito de cor-
po, associada à qualidade de
vida e lazer, exige um retorno às
coisas simples da vida, como o
retorno ao contato direto com
a natureza: o solo, os rios, os la-
gos, o céu, a chuva, animais de
forma geral, bem como outros
seres humanos, de maneira
mais estrita. E mais, “viver o dia-
-a-dia com menos medos imagi-
nários”. A construção da corpo-
reidade requer a incorporação
de “signos, símbolos, prazeres,
necessidades, através de atos
ousados ou através de recuos
525
gabarito

necessários sem achar que um


nega o outro”. O ser humano
é a própria corporeidade, mas
que talvez tenha sido perdida
diante de tantos desequilíbrios
da vida em nome de valores
que vão de encontro à própria
vida e, consequentemente, ao
próprio conceito de qualidade
de vida, como por exemplo, o
outro, a natureza, nós mesmos,
com nossas virtudes, defeitos e
carências.
4. O processo de urbanização
traz consequências danosas,
principalmente quando ocor-
re de maneira desordenada.
Atualmente, os interesses ime-
diatistas, como por exemplo
526
gabarito

do mercado imobiliário, geram


sérios problemas que afetam
a qualidade de vida e o lazer,
gerando mais violência e falta
de segurança. Com relação aos
espaços destinados ao lazer, é
necessário um entendimento
da problemática num sentido
mais amplo e a implementação
de ações criativas, baseadas
numa análise que leve em con-
ta outros elementos que com-
põem a vida na cidade, como
distribuição populacional, di-
retamente ligada à questão do
transporte urbano, com rela-
ção direta na conservação das
áreas verdes, que por sua vez
influencia em desequilíbrios
527
gabarito

ambientais, como proliferação


de pragas e diminuição da qua-
lidade do ar. A má distribuição
do espaço causa aglomeração
de pessoas em determinados
lugares, enquanto que em ou-
tros não há aproveitamento
adequado, o que satura as po-
tencialidades de determinados
equipamentos de lazer, pois ele
não se torna convidativo e limi-
ta sua utilização. A democrati-
zação do espaço e dos equipa-
mentos de lazer está associada
diretamente ao tempo e ao es-
paço disponível, condições sine
qua non que o lazer ocorra.
5. Segundo Requixa (1980),
equipamentos de lazer podem
528
gabarito

ser classificados em específi-


cos e não-específicos. Os equi-
pamentos específicos são pro-
jetados e edificados para uma
finalidade específica, e sua clas-
sificação está atrelada ao tama-
nho, atendimento aos conteú-
dos culturais, ou outros critérios
mais específicos. Os exemplos
são: quadras de esportes, pis-
tas de skate, bibliotecas, tea-
tros, hortas comunitárias. Os
equipamentos não-específicos
são aqueles que não foram con-
cebidos para a prática das ati-
vidades de lazer, mas que por
algum motivo passam a ser uti-
lizados, no tempo disponível,
para um determinado interes-
529
gabarito

se do lazer. Exemplos; lar, bar,


escola, rua, galpões abandona-
dos etc. Sempre é importante
salientar que o que caracteriza-
rá a utilização do equipamento
para o lazer é o aspecto tempo
e atitude.

530
UNIDADE
V
unidade

REPERTÓRIO DE ATIVIDADES
EM RECREAÇÃO E LAZER

Professora Doutora Vânia de Fátima Matias de Souza


Professor Doutor Amauri Aparecido Bássoli de Oliveira

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os
tópicos que você estudará
nesta unidade:
• Considerações gerais sobre
repertório de atividades em
recreação e lazer
• Exemplo de repertório de
atividades em recreação e
lazer
unidade

Objetivos de
Aprendizagem
• Apresentar considerações
fundamentais sobre um
repertório de atividades em
recreação e lazer.
• Propor um modelo de
repertório de atividades em
recreação e lazer.
INTRODUÇÃO

Caro(a) aluno(a),
Chegamos à nossa última unidade. Mui-
tos acadêmicos, ao ingressarem no curso
de Educação Física e se depararem com
as disciplinas que cursarão, podem pen-
sar que a disciplina Recreação e Lazer se
resume ao ensino de um rol de atividades
para aplicação em diferentes ambientes e
para grupos etários, de maneira mais téc-
nica. Contudo, como você percebeu, há
uma vasta base teórica no campo do lazer
e da recreação, grande parte dela atrelada
às pesquisas realizadas pelos programas de
pós-graduação strictu sensu (mestrado e
doutorado) ligados à Educação Física.
EDUCAÇÃO FÍSICA

Entretanto, além desta base teórica,


como já dissemos, o que desejamos é que
haja uma práxis pedagógica, conquista-
da por meio da aproximação da teoria e
da prática de maneira indissociável. Pois
como salientamos, teoria sem prática é
“discurso vazio” e prática sem teoria é “ta-
refismo”. Neste sentido, o profissional em
recreação e lazer deverá ser muito dinâmi-
co, pois poderá atuar em muitos ambientes
e com diferentes faixas etárias. A literatura
apresenta muitas exigências ao animador
sociocultural. Apresentamos, nesta unida-
de, um exemplo, diante de tantas possibili-
dades, de como compor um repertório de
atividades. Os “manuais” de atividades são
sempre um risco, pois podem transformar-
-se em meros receituários. O que irá dife-
renciar sua utilização é quem os utilizarão e
535
RECREAÇÃO E LAZER

de que maneira o fará. Qual sua formação?


Qual seu nível de reflexão? Qual sua capa-
cidade de criação e de recriação de ativi-
dades diante de diferentes contextos. Não
podemos infantilizar o adulto, nem sequer
“adultizar” a criança, erro que muitos pro-
fissionais acabam cometendo.
Esperamos que o exemplo apresentado,
baseado na experiência de um grupo espe-
cífico de pesquisa em lazer, seja um estímu-
lo à composição de seu próprio repertório.
Este exercício, além de terapêutico, pois
nos remete a vivências lúdicas ao longo da
nossa história, é também um registro his-
tórico cultural de diferentes contextos Bra-
sil afora, e, quem sabe, além-fronteiras.
Divirta-se! Recrie-se!

536
RECREAÇÃO E LAZER

Considerações Gerais Sobre


Repertório de Atividades em
Recreação e Lazer
A necessidade de tratar da questão
do repertório de atividade em re-
creação e lazer justifica-se por dois
motivos opostos: de um lado a de-
pendência exacerbada dos manu-
ais, utilizados de maneira acrítica;
538
EDUCAÇÃO FÍSICA

e do outro o desprezo pela elabo-


ração de um repertório. O que de-
sejamos é justificar essa necessida-
de com base em tudo aquilo que
discutimos até aqui, a expressão de
uma cosmovisão em torno da temá-
tica lazer e recreação, encontrando,
portanto, um equilíbrio entre estas
duas posições antagônicas.
Em primeiro lugar, há o perigo do
animador sociocultural alicerçar a
sua atuação nos manuais, ou no que,
costumeiramente, denominamos de
“receituário”. O problema de tratar o
repertório como um livro de receitas
é que sem uma capacidade de com-
preensão profunda sobre as ativida-
des corre-se uma série de riscos, como
por exemplo infantilizar o adulto ou
539
considerações finais

tratar a criança como um adulto em


miniatura. Portanto, o cuidado é para
não passar a ideia de que o animador
é apenas um reprodutor, sem emba-
samento ou reflexão. O risco dos ma-
nuais é arrefecer a criatividade.
Por outro lado, há o risco de des-
prezar a elaboração de um repertó-
rio, por medo de que os animadores
criem uma dependência e caiam no
primeiro erro descrito anteriormen-
te. No entanto, a elaboração de um
repertório pode ser realizada à luz de
toda teoria do lazer, bem como outras
referências, como, por exemplo das
teorias do desenvolvimento humano,
da psicomotricidade, da neurociência
etc., podendo subsidiar a compreen-
são de grupos de interesses, ambien-
540
considerações finais

tes e equipamentos. Sempre devemos


salientar o cuidado de não instrumen-
talizar os jogos, brinquedos e brinca-
deiras, pois, como já mencionamos, a
justificativa para o lazer é a alegria, o
prazer e a felicidade proporcionada, e
ponto final.
Como afirma Marcellino (2013, p.
9), para se manter uma ideia de um
repertório coerente com toda teoria
do lazer, devemos entender que toda
atividade pode e deve passar um cons-
tante processo de reinterpretação. A
experiência profissional e pessoal é o
que norteará tais ações, “embasada em
teoria, confrontada na ação do coti-
diano, e acompanhada do necessário
exercício de reflexão constante”.
Uma das experiências com re-
541
RECREAÇÃO E LAZER

pertório de atividades que conside-


ro melhor sucedida é a encabeçada
pelo Prof. Nelson Carvalho Marcelli-
no na liderança do GPL - Grupo de
Pesquisas em Lazer (GPL), da Facul-
dade de Educação Física (Facef) da
Universidade Metodista de Piracica-
ba (Unimep), grupo do qual fiz parte
de 2002 a 2005. Com pesquisadores
de diferentes áreas e níveis acadêmi-
cos, e com diversificadas experiên-
cias pessoais e profissionais, o GPL
conseguiu atrelar a teoria do lazer e
o exercício profissional em diferen-
tes ambientes e com diferentes faixas
etárias. Esta experiência favorece a
práxis, pois além da vivência das ati-
vidades socioculturais há um proces-
so de crítica, reflexão e de recriação
542
EDUCAÇÃO FÍSICA

das atividades.
Em 2002, Marcellino organizou
o Repertório de atividades de recre-
ação e lazer: para hotéis, acampa-
mentos, clubes, prefeituras e outros,
obra que já conta com várias edi-
ções. A experiência foi tão bem-
-sucedida que em 2007 organizou
Lazer e recreação: repertório de
atividades por ambientes, que em
2010 ganhou o volume dois, com a
participação de diferentes autores.
Por fim, diante do sucesso das pu-
blicações, lançou em 2013 Lazer e
recreação: repertório de atividades
por fases da vida. Um dado interes-
sante é que, sem realizar um juí-
zo de valor, cada uma destas obras
apresenta uma vasta lista de livros
543
RECREAÇÃO E LAZER

e alguns sites a serem consultados


que também apresentam repertó-
rios de atividades que podem ser
aplicados ao lazer e à recreação.
As fichas que compõem as obras
supracitadas são frutos das vivên-
cias e experiências de muitos anos
de profissionais que estão engaja-
dos no processo de ação/reflexão/
nova ação, característico do proces-
so dialético necessário para a for-
mação e desenvolvimento do co-
nhecimento que gera uma mudança
constante na atuação profissional.
Como salienta (Marcellino, 2013),
a proposta de um repertório é que
haja autonomia de cada animador
no sentido de analisar e conhecer as
fichas e as experiências de cada au-
544
EDUCAÇÃO FÍSICA

tor, vivenciar as atividades para que


isto redunde na construção de um
repertório pessoal de atividades. O
processo de elaboração das fichas é
fundamental para o exercício pro-
fissional do animador, pois o tira de
uma zona de conforto, de um con-
formismo, que certamente redunda-
rá num mero consumismo das ati-
vidades pelos participantes, indo de
encontro com toda teoria debatida
até aqui.
O modelo de fichas utilizadas nas
obras organizadas por Marcellino são
muito simples e muito eficazes. São
compostas pelos seguintes campos:
1. Nome da atividade;
2. Conceito;
3. Descrição detalhada;
545
RECREAÇÃO E LAZER

4. Recursos necessários (instala-


ções, materiais, humanos);
5. Montagem;
6. Funcionamento;
7. Possibilidades de utilização (oca-
siões, ambientes etc.);
8. Possibilidades (necessidades) de
adaptação;
9. Experiências já desenvolvidas;
10. Outras observações.
Considero que esses dez elemen-
tos possibilitam além do registro
dos elementos fundamentais para o
compartilhar das atividades com di-
ferentes grupos, uma abertura para
a recriação em diferentes ocasiões,
ambientes, com diferentes equipa-
mentos, materiais e recursos huma-
546
EDUCAÇÃO FÍSICA

no. As experiências já desenvolvidas


dão um toque pessoal, que todo ani-
mador deve registrar, como um di-
ário de bordo, que certamente sus-
citarão considerações e observações
importantíssimas.
Além dos campos presentes nas
fichas, as obras mencionadas estão
organizadas, basicamente, em duas
categorias: ambientes e fases da vida.
Considero que estes dois parâmetros
combinados cobrem inúmeras pos-
sibilidades de atuação profissional
do animador, além de situá-lo quan-
to a viabilidade das vivências. Volto
a frisar que, além destes parâmetros,
os conteúdos sociais das atividades
- práticos ou manuais, físico-espor-
tivos, intelectuais, artísticos e turís-
547
RECREAÇÃO E LAZER

ticos - são balizadores interessantes


para a classificação das atividades.
Contudo, há em diferentes atividades
a combinação de vários interesses,
concomitantemente, ora com preva-
lência de um ou outro - além do ca-
ráter subjetivo de adesão à atividade,
que o colocaria dentro de certa clas-
sificação para uns -, ora em outra ca-
tegoria para outro, pois estamos tra-

548
EDUCAÇÃO FÍSICA

tando da atitude nas vivências.


Não podemos esquecer também que
conhecimento, criticidade e criativi-
dade sempre devem estar como pano
de fundo das atividades. O descanso,
divertimento e desenvolvimento pes-
soal e social também pautam a ati-
tude no lazer, por isso é importante
que o animador não obrigue a parti-
cipação, pois para ser lazer deve ser
voluntária, tendo em vista que pode
haver a opção pelo descanso no tem-
po livre. A insistência e obrigação
mata o espírito do lazer.
Acreditamos, tendo em vista os
conteúdos do lazer, que o ideal
seria que cada pessoa praticasse
atividades que abrangessem os
vários grupos de interesses, pro-
549
RECREAÇÃO E LAZER

curando, dessa forma, exercitar,


no tempo disponível, o corpo, a
imaginação, o raciocínio, a habi-
lidade manual, o relacionamento
social, o intercâmbio cultural e a
quebra da rotina, quando, onde,
com quem e da maneira que qui-
sesse. No entanto, o que se veri-
fica é que as pessoas geralmen-
te restringem suas atividades de
lazer a um campo específico de
interesse. E geralmente o fazem
não por opção, mas por não te-
rem tomado contato com outros
conteúdos. Nesse sentido, o pa-
pel da ação do animador socio-
cultural é fundamental, procu-
rando diversificar ao máximo as
atividades oferecidas, em termos
550
EDUCAÇÃO FÍSICA

de conteúdos. (MARCELLINO,
2013, p. 10-11).
Portanto, a diversificação e a con-
textualização, frutos da criatividade,
exigem um contato direto com as vi-
vências e histórias de cada animador.
Além disso, a ideia de um repertório
auxilia aqueles que desejam se envol-
ver com diferentes grupos e ambientes
tendo como base os diversos conteú-
dos culturais do lazer. Um voluntá-
rio, por exemplo, pode ser desafiado a
participar da animação de determina-
do grupo em determinado ambiente
e, motivado por um profissional com
maiores competências e conhecimen-
tos, sentir-se instigado a se aprofundar
nos estudos sobre determinado conte-
údo. Este tipo de experiência deflagra
551
RECREAÇÃO E LAZER

o processo dialético de recriação com


base em diferentes experiências, bem
como um possível despertar de atua-
ção profissional.
A ideia de um repertório serve
como auxílio e não como funda-
mento da atuação profissional para
formação e atuação profissional de
animadores socioculturais, tanto vo-
luntários quanto profissionais, com
formação superior ou não. Auxilia
cursos de formação em diferentes
áreas, em nível superior ou não, a te-
rem um referencial para a aplicação
contextualizada, conforme o interes-
se mais evidente em cada formação,
ligado ao campo do lazer.
Outro aspecto importante, e que
vale a pena ressaltar, é que du-
552
EDUCAÇÃO FÍSICA

rante todo processo de elabora-


ção de nossas fichas, procura-
mos levar em conta que o lazer,
como esfera de manifestação
humana, é pleno de possibilida-
des. A sorte/azar, a competição,
a imitação, a vertigem, como
nos lembra Caillois (1990) são
componentes do jogo (MAR-
CELLINO, 2002, p. 11).
Um repertório de atividades em
recreação e lazer não deve ser con-
cebido de maneira abstrata. Cada
profissional deve iniciar seu pro-
cesso de elaboração de um rol de
atividades olhando para sua pró-
pria história, relembrando suas
vivências em diferentes contextos
e registrando suas experiências e
553
RECREAÇÃO E LAZER

percepções sobre determinadas


atividades. Repertórios prontos,
como os sugeridos anteriormente
e referendados nesta obra, servem
como norteadores e inspiradores
para novas experiências, por meio
do referencial que cada um cons-
trói ao longo de seu processo for-
mativo, sempre cotejado pela crí-
tica e criatividade. Os repertórios,
como salienta Marcellino (2002,
p. 12-13; 16) devem “passar pelo
crivo profissional, com as devidas
e necessárias adequações”. A vida
do animador, tanto pessoal quan-
to profissional, é o que pauta a ali-
mentação, atualização e revisão de
um repertório. Os diferentes re-
pertórios disponíveis, com os mais
554
EDUCAÇÃO FÍSICA

variados fins e embasamentos teó-


ricos, não devem passar pelo juí-
zo de valor, mas servir como meio
de inspiração, de busca por novas
experiências, que devem receber
a impressão pessoal de cada novo
animador, numa nova experiência
por meio da convivência.

REFLITA

Dediquealgunsminutospararelem-
brar as principais atividades de seu
repertórioemdiferentesfasesdavida
(Infância,adolescência,juventudeetc.).
Registreestasatividadesesenãolem-
brardedetalhesdasbrincadeiras,pro-
cure recuperar suas características.
555
RECREAÇÃO E LAZER

Os parâmetros seguidos como


exemplos são das obras de referên-
cia apresentadas em nosso mate-
rial, mas é necessário salientar que
não ansiamos por impô-las a quem
quer que seja. Pelo contrário, o ob-
jetivo é ter um bom ponto de par-
tida para que cada um, conforme
sua necessidade e percepção, crie
seus parâmetros, classificações, fi-
chas e outras formas de registro.
Uma das possibilidades de elabo-
ração de um repertório de ativida-
des é a classificação das atividades
a partir de faixas etárias, ou como
denomina Marcellino (2013), por
fases da vida. O objetivo deste parâ-
metro é que o animador que traba-
lhará com diferentes faixas etárias
556
EDUCAÇÃO FÍSICA

considere as peculiaridades de cada


fase da vida para que as atividades
atendam a interesses específicos
(MARCELLINO, 2013, p. 9-10).
Trataremos do repertório de ati-
vidades de recreação e lazer em di-
ferentes fases da vida apenas a tí-
tulo de exemplo, pois, se fizermos
isso, unindo-o aos diferentes am-
bientes, praticamente teríamos que
reproduzir obras de grande enver-
gadura para tratar de cada possibi-
lidade específica. Nas fases da vida,
apresentamos, também, um exem-
plo de ficha de atividade para cada
uma das quatro fases para que fique
evidente como se aplicam os dife-
rentes elementos que a compõe.
Como sugestão para a elaboração
557
RECREAÇÃO E LAZER

do repertório, a partir de diferen-


tes parâmetros, é importante que
haja considerações gerais sobre ele.
Por exemplo, no caso das crianças,
o que deveria ser considerado de
mais importante para a faixa etária?
Suas necessidades, a forma como
lida com a frustrações, capacidades
etc. Da mesma forma com a pré-a-
dolescência, adolescência, juven-
tude, idade adulta e terceira idade.
Obviamente que o objetivo não é
apresentar um tratado sobre o de-
senvolvimento humano, mas situ-
armo-nos a partir das nossas neces-
sidades imediatas ao intermediar a
vivência das atividades.
Estas considerações cabem tam-
bém aos diferentes ambientes. Cada
558
EDUCAÇÃO FÍSICA

um deles traz em si necessidades e


possibilidades específicas, que de-
mandam do animador a capacida-
de de permanente renovação do seu
repertório conforme as suas vivên-
cias são enriquecidas ao longo do
tempo. Deve ser levado em conta
que os profissionais de diferentes
formações terão à sua disposição
diferentes espaços, equipamentos
e relações socioculturais (MAR-
CELLINO, 2007, p. 9).
Como já construímos um bom
referencial teórico e, certamente,
esta será uma faixa etária atingida
grandemente por nossa atuação
profissional, utilizaremos a infân-
cia como exemplo de composição
de um repertório básico de ativi-
559
RECREAÇÃO E LAZER

dades. São dois elementos bási-


cos: a) Referencial teórico sobre o
parâmetro adotado; b) Fichas de
atividades. Quanto ao referencial,
pode ser apresentado em forma de
texto, mas ainda assim sugerimos,
para constante revisão e consulta,
que haja uma síntese, como a apre-
sentada a seguir, com base no texto
introdutório Considerações sobre
o lazer na infância, (SILVA; MAR-
CELLINO, 2013, p. 15-22) da obra
Lazer e recreação: repertório de
atividades por fases da vida (MAR-
CELLINO, 2013), e um exemplo
de atividade para criança sugeri-
da por Silva e Marcellino (2013, p.
26). Sugerimos que o referencial e
as fichas sejam registradas em fo-
560
EDUCAÇÃO FÍSICA

lhas separadas, procurando arqui-


vá-las em pastas que facilitem a
manipulação e o acréscimo de no-
vas atividades ao repertório, bem
como a alteração de informações
das atividades já registradas neste.

561
RECREAÇÃO E LAZER

Exemplo de Repertório
de Atividades em
Recreação e Lazer
562
EDUCAÇÃO FÍSICA

EXEMPLO DE ESTRUTURA DE
REPERTÓRIO INFANTIL
Principais considerações sobre a in-
fância e lazer
1. A criança se situa entre o na-
tural e o social, ou seja, ela pre-
cisa ser vista não apenas como
organismo em movimento,
mas como ser enraizado “em
um tempo e um espaço, alguém
que interage com estas cate-
gorias, que influencia o meio
onde vive e é influenciado por
ele” (PERROTTI, 1982, p. 12).
2. É preciso destacar a necessidade
de questionar a pretensa dispo-
563
RECREAÇÃO E LAZER

nibilidade de tempo na infância


e sua fruição livre e espontânea.
3. Ao considerar o uso concreto
do tempo na infância, uma das
primeiras observações que se fa-
zem necessárias é deixar de en-
tendê-lo apenas como o tempo
do brinquedo, do lúdico, do la-
zer.
4. A criança deve ser considerada
como um ser do presente e não
somente do devir.
5. As crianças, como seres brin-
cantes e jogadores, não são pro-
dutivas e têm no prazer o princí-
pio determinante de suas vidas,
o que não interessa para a nossa
sociedade.
564
EDUCAÇÃO FÍSICA

6. Variando de acordo com a es-


trutura social, a formação do
caráter social muda de acordo
com o momento histórico, e é
inserida na infância, podendo
ser estimulada ou frustrada na
vida adulta.
7. A socialização das crianças pre-
destinadas ao sucesso, pela situ-
ação de classe, começa cada vez
mais precocemente.
8. Falta espaço, motivação e orien-
tação para atividades grupais e
práticas criativas.
9. O animador tem grande res-
ponsabilidade como estimula-
dor das crianças como produto-
ras de cultura e como mediador
565
RECREAÇÃO E LAZER

entre a produção cultural e as


crianças.
10. Por meio do prazer, o brincar
possibilita às crianças a vivência
de sua faixa etária, e ainda con-
tribui, de modo significativo,
para sua formação como seres
realmente humanos, participan-
tes da cultura da sociedade em
que vivem, e não meros indiví-
duos requeridos pelos padrões
de “produtividade social”.
11. O que caracteriza o jogo é me-
nos o que se busca do que o modo
como se brinca, o estado de espí-
rito com que se brinca (BROU-
GÈRE, 2002, p. 21).
12. Não estimular ou reforçar este-
reótipos ou preconceitos relati-
566
EDUCAÇÃO FÍSICA

vos às questões de gênero e lazer,


que cercam o desenvolvimento
das atividades.
13. O lúdico não deve ser conside-
rado como “coisa não séria”.
14. Jogar significa colocar algo em
jogo e, assim, colocar-se em jogo.
O animador deve superar atitu-
des autoritárias, portanto.
15. Os jogos podem ser classifi-
cados em quatro componentes,
segundo Caillois (1990): com-
petição (agon), acaso (alea),
imitação ou disfarce (mimicry)
e vertigem (inlix).
16. Os quatro componentes do jogo
se situam numa linha de duas ex-
tremidades: paedia (divertimen-
567
RECREAÇÃO E LAZER

to, improvisação livre, fantasia


sem controle) e ludus (convenções
aceitas, barreiras imposta, parce-
las de esforço, empenho).
17. O brinquedo é suporte para
brincadeira.
18. A brincadeira está mais próxi-
ma da paidea.
19. O jogo está mais vinculado ao
ludus.
20. Os esportes se caracterizam
como jogos (ludus) codificados
e federados.
21. Não existe uma criança, mas vá-
rias, com repertórios variados,
um ser concreto e não abstrato.

568
EDUCAÇÃO FÍSICA

Ficha de atividade de recreação la-


zer para crianças
FICHA Nº ___
Nome da atividade: Cabanagem ou
“brincando de cabana”
• Conceito: atividade, para grandes
e pequenos grupos, que pretende
resgatar a prática de construir ca-
banas e suas possibilidades lúdicas.
569
RECREAÇÃO E LAZER

• Descrição detalhada: após sele-


cionar o material, o grupo se or-
ganiza para confeccionar cabanas.
• Recursos necessários (instala-
ções, materiais, humanos):
• espaço com paredes ou apoios
para as cabanas;
• lençóis ou tecidos de diferentes
tamanhos;
• barbante;
• tesouras;
• caixas de papelão;
• retalhos;
• objetos e materiais diversifi-
cados, conforme o interesse do
grupo;
• dois animadores.
• Montagem: é bastante interessan-
570
EDUCAÇÃO FÍSICA

te convidar os participantes para


a escolha e a preparação dos ma-
teriais.
• Funcionamento: os animadores
orientam a confecção das cabanas.
• Possibilidades de utilização (oca-
siões, ambientes etc.): pode ser
utilizada em diferentes espaços de
atuação - clubes, acampamentos,
colônias de férias - com crianças
e adolescentes. Algumas adapta-
ções tornam possível a atividade
com adultos.
• Possibilidades (necessidades) de
adaptação: se realizada em espaços
abertos, procurar utilizar também
recursos naturais, geralmente en-
contrado no solo (galhos, flores,
tronco de árvores etc.).
571
RECREAÇÃO E LAZER

• Experiências já desenvolvidas: vi-


venciada pela primeira vez em curso
de formação de professores (adul-
tos e posteriormente adaptada para
outros locais, como escolas e colô-
nias de férias).
• Outras observações: é possível
agregar esta atividade a outras,
como, por exemplo: contação de
histórias (crianças) ou jogos de
estratégia (adolescentes), fazendo
uso do espaço da cabana. O “brin-
car de casinha” foi outra possibili-
dade explorada pelas crianças.
Atenção!
Os parâmetros podem variar e ao lon-
go do tempo agregarem mais infor-
mações. Na obra de Marcellino (2013)
572
EDUCAÇÃO FÍSICA

há apenas quatro divisões nas fases da


vida, mas nada impede que, conforme
a necessidade, o animador realize mais
subdivisões das faixas etárias. Ainda a
título de exemplo, apresentamos mais
três fichas que apresentam atividades
voltadas para jovens (STOPPA; DEL-
GADO, 2013, p. 72), adultos (AL-
VES; ISAYAMA, 2013, p. 131) e ido-
sos (BARBOSA; CAMPAGNA, 2013,
p. 174), respectivamente.
573
RECREAÇÃO E LAZER

EXEMPLO DE FICHA DE ATIVI-


DADE PARA JUVENTUDE
FICHA Nº ___
Nome da atividade: Caça ao tesouro
• Conceito: equipes têm de “caçar”
as pistas espalhadas pelo espaço
574
EDUCAÇÃO FÍSICA

que está sendo realizada a ativi-


dade para poder achar o tesouro
ao final da última pista.
• Descrição detalhada: a resolução
de cada pista leva ao local da ou-
tra pista. As pistas podem ser fei-
tas das mais variadas maneiras. O
objetivo é achar o tesouro que está
escondido e, assim, vencer ativi-
dade.
• Recursos necessários (instala-
ções, materiais, humanos):
• cartolina;
• papel sulfite;
• uma animador por equipe;
• uma caneta por equipe;
• uma lanterna por equipe;
• um coordenador da caça;
575
RECREAÇÃO E LAZER

• uma lanterna para o coordena-


dor.
• Montagem: as pistas, previamen-
te preparadas e numeradas pelos
animadores, são também por eles
escondidas. Um pedaço de carto-
lina é dobrado ao meio: na fren-
te consta o número da pista, e, na
parte interna, a pista a ser deci-
frada. A pista número um é dada
em mãos, ao mesmo tempo, para
as equipes, que a resolvem e vão à
procura da segunda pista, a qual
estará escondida no local aponta-
do na primeira pista decifrada por
eles, e assim sucessivamente.
• Funcionamento: as equipes ca-
çam as pistas, acompanhadas pe-
los animadores. Cada pista resol-
576
EDUCAÇÃO FÍSICA

vida leva a equipe ao local da outra


pista. É importante que a equipe
permaneça unida. Vence aquela
que encontrar o tesouro, passando
por todas as pistas, que possuem
uma sequência.
• Possibilidades de utilização (oca-
siões, ambientes etc.): de prefe-
rência em local externo e amplo,
em qualquer horário (dia ou noi-
te). Se a atividade foi feita em lo-
cal fechado, as pistas não terão
que ser encontradas, apenas deci-
fradas, uma após a outra.
• Possibilidades (necessidades) de
adaptação: as pistas devem ter
grau de dificuldade médio ou alto
para não desanimar os participan-
tes.
577
RECREAÇÃO E LAZER

• Experiências já desenvolvidas:
em hotéis, day camps, e com alu-
nos dos cursos de Educação Física
e Turismo.
• Outras observações: o número
de participantes de cada equipe
não deve ultrapassar 12, dando
condições a todos de tomar parte
da atividade. Devem se espalhar
as pistas por locais previamen-
te observados, sendo importante
que os participantes já conheçam
o espaço da atividade. A ordem
dos locais deve ser alternada para
não provocar congestionamento
das equipes no mesmo lugar e na
mesma hora.

578
EDUCAÇÃO FÍSICA

EXEMPLO DE FICHA DE ATIVI-


DADE PARA ADULTOS
FICHA Nº ___
Nome da atividade: Guerrilha
• Conceito: brincadeira noturna
cujo objetivo é achar a bandeira e
579
RECREAÇÃO E LAZER

descobrir a senha do time adver-


sário.
• Descrição detalhada: divide-se o
grupo em duas equipes. Elas de-
vem combinar uma senha secre-
ta e esconder sua bandeira. Cada
participante deve ter uma fita co-
lada no braço. Ao sinal do anima-
dor, cada participante deve ten-
tar encontrar a bandeira da outra
equipe e descobrir sua senha.
• Recursos necessários (instala-
ções, materiais, humanos):
• duas bandeiras;
• fita crepe colorida (duas cores);
• duas lanternas;
• dois animadores.
• Montagem: os animadores de-
580
EDUCAÇÃO FÍSICA

vem dividir o grande grupo em


duas equipes; pode-se fazer a di-
visão das equipes de acordo com
o critério dos participantes. Feita
a divisão, cada participante deve
ter uma fita colada no braço, com
a cor correspondente à sua equipe.
Os animadores explicam o jogo.
• Funcionamento: após a monta-
gem, cada equipe deve combinar
uma senha e esconder sua ban-
deira; os participantes devem se
espalhar pelo espaço, tentando
achar a bandeira da outra equipe,
individualmente ou em pequenos
grupos. Quando cruzarem com
alguém pelo caminho, os partici-
pantes devem dizer as senhas se-
cretas; se for a mesma senha, sig-
581
RECREAÇÃO E LAZER

nifica que são da mesma equipe e


continuam à procura da bandeira
da equipe adversária; se as senhas
forem diferentes, significa que
são adversários; nesse caso, um
deve tirar a fita do braço do outro,
e quem perder a fita está fora do
jogo. Ganha a equipe que desco-
brir a senha do outro e encontrar
a bandeira da outra equipe.
• Possibilidades de utilização (oca-
siões, ambientes etc.): acampa-
mentos, gincanas, encontros etc.
• Possibilidades (necessidades) de
adaptação: não há limite de ida-
de, desde que as crianças menores
sejam acompanhadas por adultos
ou crianças maiores.
• Experiências já desenvolvidas:
582
EDUCAÇÃO FÍSICA

acampamentos com adultos em


Nova Odessa (SP).
• Outras observações: as lanternas
devem estar com os animadores,
caso seja necessário interferir du-
rante o jogo.

583
RECREAÇÃO E LAZER

EXEMPLO DE FICHA DE ATIVI-


DADE PARA IDOSOS
FICHA Nº ___
Nome da atividade: Passa arco
• Conceito: atividade de interação
e cooperação entre os participan-
tes.
584
EDUCAÇÃO FÍSICA

• Descrição detalhada: um arco


(bambolê) deverá ir de uma ponta
a outra da coluna sem que os par-
ticipantes toquem as mãos nele.
• Recursos necessários (instala-
ções, materiais, humanos):
• arcos (bambolês);
• animador sociocultural.
• Montagem: os idosos deverão se
dispor em colunas com as mãos
dadas. O arco será colocado nos
ombros do primeiro participan-
te da coluna sem que se inicie a
brincadeira.
• Funcionamento: mantendo as
mãos dadas, os participantes de-
verão passar o arco do primeiro
ao último companheiro da colu-
na sem tocar as mãos nele e sem
585
RECREAÇÃO E LAZER

deixá-lo cair. O animador dará o


sinal de início.
• Possibilidades de utilização (oca-
siões, ambientes etc.): esta ati-
vidade é adequada para diversas
ocasiões e pode ser realizada tam-
bém com pessoas mais jovens.
• Possibilidades (necessidades) de
adaptação: os participantes po-
dem utilizar algum incremento
que dificulte um pouco mais os
movimentos, como chapéus, por
exemplo, ou até mesmo ficar sen-
tados.
• Experiências já desenvolvidas:
vivência já realizada com grupos
de convivência e outros grupos de
idosos.
586
EDUCAÇÃO FÍSICA

Quanto aos demais parâmetros uti-


lizados para a composição de um
repertório de atividades em recrea-
ção e lazer, à luz das obras elabora-
das por Nelson Carvalho Marcellino
juntamente ao GPL, há a utiliza-
ção dos ambientes como elementos
classificadores das atividades. Não
descreveremos cada um deles, mas
a mesma lógica aplicada às fases da
vida cabe a cada um dos ambien-
tes. Primeiro as considerações teó-
ricas sobre os ambientes e depois as
fichas de atividades para cada am-
biente no mesmo modelo proposto.
Os elementos apresentados nos dois
volumes do repertório por ambien-
tes (MARCELLINO, 2007; MAR-
CELLINO, 2010) são: Acampamen-
587
RECREAÇÃO E LAZER

to de Férias; Brinquedotecas; Clubes;


Colônias de Férias; Ambientes Es-
colares (pátios e salas de aula); Fes-
tas; Meio Ambiente; Meio Aquático
(piscinas); Quadras Esportivas; Co-
munidades; Biblioteca; Condomí-
nios; Cruzeiros Marítimos (navios);
Empresas; Esportes Radicais; Gru-
pos Religiosos; Hospitais; Hotéis;
Ônibus; e Spas.
Portanto, são inúmeras as possibi-
lidades e parâmetros para a elabo-
ração de um repertório de ativida-
des. O importante é levar em conta
as considerações feitas inicialmente
e rememorar as experiências pesso-
ais desde a infância do animador até
o momento em que está vivendo,
deixando fluir a criatividade para
588
EDUCAÇÃO FÍSICA

inventar e reinventar atividades. O


espírito lúdico de cada um deve vir
livremente à tona, como uma for-
ma de expressão e manifestação hu-
mana que, no compartilhar, ganha
novas nuances e expande a possibi-
lidade de participação e imersão cul-
tural para diferentes faixas etárias e
em diferentes ambientes, propician-
do vivências ricas que, espontanea-
mente, gerem a todos os envolvidos
prazer e felicidade.

589
RECREAÇÃO E LAZER

SAIBA MAIS

A riqueza dos jogos e brinca-


deiras da nossa cultura brasi-
leira está ligada diretamente à
nossa miscigenação e o reper-
tório que cada grupo trouxe
de sua cultura específica. Um
elemento muito marcante na
cultura de brincadeiras, brin-
quedos e jogos brasileiros é
a presença de elementos da
cultura indígena. Para saber
um pouco mais, sugerimos a
leitura do Livro Jogos e Culturas
indígenas: possibilidades para a
educação intercultural na esco-
la, disponibilizado pelo Minis-
tério do Esporte em seu site
590
EDUCAÇÃO FÍSICA

<http://www2.esporte.gov.
br/arquivos/snelis/esporte-
Lazer/cedes/jogosCultura-
sIndigenas.pdf>.
Ainda para saber mais so-
bre tais elementos e sua in-
fluência, acesse: <https://
brasileirinhos.wordpress.
com/2016/04/19/brinque-
dos-e-brincadeiras-da-nos-
sa-cultura-indigena/>.
Fonte: o autor.

591
RECREAÇÃO E LAZER

Prezado(a) aluno(a),
Pudemos perceber que os campos
para atuação profissional em recreação
e lazer são vastos. Contudo, isso pode ge-
rar uma superficialidade perigosa para
atuação do animador sociocultural. Os
perfis deste animador também são ca-
racterizados de diferentes formas, por
diferentes autores, e o que determinará
sua construção é a autonomia do profis-
sional diante dos diferentes contextos e
desafios. Esta atuação requer, necessa-
riamente, uma construção consciente
de um repertório básico de atividades
com embasamento para diferentes pú-
blicos e contextos, levando-se em conta
suas especificidades.
Portanto, como pudemos perceber,
atuação profissional consistente no
592
EDUCAÇÃO FÍSICA

campo do lazer não pode ser mera-


mente técnica. Obviamente que, assim
como em diferentes áreas, há técnicas
específicas envolvidas. Contudo, o que
diferenciará os diferentes animadores
socioculturais são as habilidades para
associar toda uma base teórica à sua
intervenção em diferentes situações.
Isto sim resgata um bom sentido para
a recreação, mais no sentido do profis-
sionais recriarem as atividades, con-
forme diferentes demandas.
A composição de um repertório ao
longo da trajetória não apenas profis-
sional, mas também de vida, é de uma
riqueza espetacular. Resgatar ativida-
des da infância, sistematizá-las, refle-
tir sobre cada uma delas, recriá-las,
reinventá-las, enfim, exercer uma
593
RECREAÇÃO E LAZER

ação crítica e criativa sobre elas, enri-


quece sobremaneira as possibilidades
de atuação no lazer.
Um profissional capacitado no cam-
po do lazer, assim como em outras
áreas, sempre está buscando novos
conhecimentos e experiências. A par-
tir dos diferentes conteúdos culturais
do lazer podemos estabelecer o nosso
“check-list” periódico, tanto do ponto
de vista pessoal quanto profissional. O
mesmo valor que atribuirmos ao tra-
balho devemos atribuir ao lazer. Este
equilíbrio é um grande desafio tan-
to para nós profissionais quanto para
aqueles a quem servimos com nossos
conhecimentos e intervenções. Que
consigamos encontrar este equilíbrio
para uma vida cada vez melhor.
594
LEITURA
COMPLEMENTAR

Saberes e competências na
formação de educadores e
educadoras
1. Competências referentes ao
comprometimento com os
valores inspiradores da socie-
dade democrática
• Não basta ter animação – A
alegria precisa estar aliada à
competência político-demo-
crática; precisa ter clareza de
seus fins. Não pode ser ingê-
nua. [...].
• Não basta ter bom senso – O
595
LEITURA
COMPLEMENTAR

bom senso supõe que haja


apenas um senso – o “bom”.
No entanto, a modernidade
nos ensinou que o senso é
plural, que a educação e o la-
zer são lugares de conflitos,
que não há como desqualifi-
car a posição do outro. É pre-
ciso, por isso, ter disponibi-
lidade para o diálogo. Saber
escutar. [...].
• Não basta ter talento – O ta-
lento é indispensável ao exer-
cício de qualquer vivência
que busca qualidade, mas,
596
LEITURA
COMPLEMENTAR

na ótica da qualidade lúdica,


precisa ser aliado à reflexão e
aos princípios da ética demo-
crática: dignidade humana,
justiça, respeito mútuo, par-
ticipação, responsabilidade,
solidariedade. [...]
2. Competências referentes à
compreensão do nosso papel
social na educação para o lazer
• Não basta ter intuição – A
intuição implica, em última
análise, ouvir a própria cons-
ciência, arriscando-se a ir de

597
LEITURA
COMPLEMENTAR

encontro à sua própria ra-


zão. Não há como abandonar
o senso crítico e desenvolver
reflexões contínuas sobre
os saberes e as experiências
construídas. É preciso discu-
tir os próprios valores, os dos
outros e os do contexto social
histórico. Daí a importância
da pesquisa e da reflexão fi-
losófica para a apreensão da
realidade. [...]
• Não basta ter cultura – De que
sentido de cultura falamos?
Da “alta” cultura? Da “cultu-
598
LEITURA
COMPLEMENTAR

ra de massa”? Da “cultura po-


pular”? Precisamos saber um
pouco mais sobre as refe-
rências culturais dos nossos
contextos educativos; com-
preender as relações entre o
processo educativo vivido na
escola, em outros contextos
educativos e o contexto socio-
cultural mais amplo em que
estão inseridas essas práticas
educativas; promover uma
prática educativa que leve
em conta as características
dos educandos, de seu meio
599
LEITURA
COMPLEMENTAR

social, seus temas e necessi-


dades do mundo contempo-
râneo; motivar a formação
de grupos de interesses cul-
turais no lazer, criando con-
dições para a diversificação
e a democratização de múlti-
plas vivências de conteúdos
culturais, ampliando possibi-
lidades para os sonhos, as ex-
periências, as apropriações e
as recriações de saberes. O
lazer é um dos lugares dos

600
LEITURA
COMPLEMENTAR

nossos projetos e aventuras,


momento de nos expandir-
mos em todo tipo de expres-
são e de viver a unidade entre
o que sentimos, pensamos e
fazemos.
3. Competências referentes
ao domínio dos conteúdos a
serem socializados, de seus
significados em diferentes
contextos e articulações in-
terdisciplinares
• Não basta saber conteúdos –
Não basta que o educador e

601
LEITURA
COMPLEMENTAR

a educadora tenham conhe-


cimentos sobre lazer. É pre-
ciso que saibam mobilizá-los,
transformando-os em ação.
O domínio de conhecimen-
tos específicos no campo do
lazer deve ser articulado com
questões envolvidas com a vi-
vência do lazer e a identifica-
ção de alternativas de resolu-
ção de dificuldades surgidas
nessas concretizações. A am-
pliação e o aprofundamento
de conhecimento são, pois,
traços definidores da relação
602
LEITURA
COMPLEMENTAR

entre lazer, educação e socia-


lização para a cidadania. Falo
do conhecimento não como
produto acabado e fecha-
do em si mesmo, mas como
aquele que instiga a busca de
novos conhecimentos, por
isso é crítico e criativo, cien-
te de sua história e integrado
à realidade, que é multiface-
tada. O lazer como campo de
experiências interdisciplina-
res é um espaço de conver-
gência de projetos e ações de
especialistas e educadores
603
LEITURA
COMPLEMENTAR

de diferentes áreas: adminis-


tradores, artistas, técnicos,
pesquisadores, líderes comu-
nitários e outros que se con-
gregam nas buscas lúdicas.
Juntos, ensinam, aprendem,
criam e recriam ações e sabe-
res, fortalecendo parcerias,
otimizando intervenções.
• Não basta ter experiência –
As experiências vividas preci-
sam ser potencializadas com
o desenvolvimento da cria-
tividade, da curiosidade, da
busca do novo. Neste senti-
604
LEITURA
COMPLEMENTAR

do, é fundamental a busca da


autonomia dos educandos
nas tomadas de decisões so-
bre a eleição dos conteúdos,
abordagem metodológica,
criação de diferentes tempos
e espaços de vivência lúdica,
mobilização de recursos múl-
tiplos desvelados nas intera-
ções culturais lúdicas, não se
esquecendo da importância
da riqueza das diferentes ex-
periências dos educadores,
educadoras e educandos os
sujeitos têm experiências di-
605
LEITURA
COMPLEMENTAR

ferenciadas. Na educação
pelo e para o lazer, é impor-
tante valorizar a história do
outro – o que traz – e a recria-
ção cultural coletiva. Além dis-
so, não dá para pensar que a
educação pelo e para o lazer
ocorre na prática – errando
e acertando. O saber expe-
riencial precisa ser alimenta-
do com outros saberes, que
podem servir de apoio para
novas reinvenções e de tro-
cas de experiências que for-
talecem lideranças e equipes
606
LEITURA
COMPLEMENTAR

interdisciplinares.
4. Competências referentes ao
domínio do conhecimento pe-
dagógico, ao conhecimento
de processos de investigação
que possibilitem o aperfeiço-
amento da prática pedagó-
gica e ao gerenciamento do
próprio desenvolvimento de
ações educativas lúdicas
• Não basta ter o domínio técni-
co – A educação pelo e para o
lazer não pode ocorrer alheia
à formação moral fundada

607
LEITURA
COMPLEMENTAR

na ética lúdica e no gosto es-


tético, bem como no conhe-
cimento de processos de in-
vestigação que possibilitem
o aperfeiçoamento da práti-
ca pedagógica; não pode ser
alheia à participação coletiva
e cooperativa na elaboração,
gestão, desenvolvimento e
avaliação dos projetos edu-
cativos. Nas atividades lúdi-
cas, os sujeitos brincantes são
parceiros, cúmplices e corr-
responsáveis pelo jogo – de-
les nascem as formas de orga-
608
LEITURA
COMPLEMENTAR

nização dos riscos, as táticas,


as técnicas de superação dos
limites e de expressão de di-
ferentes formas estéticas do
conteúdo cultural experien-
ciado. Eles constroem meca-
nismos lógicos de uso de es-
paço e tempo, expandindo-se
neles e ampliando-os como
espaços de liberdade.

Fonte: Pinto (2001, p. 67-69).

609
atividades de estudo

1. O profissional que atua no


campo do lazer possui uma
série de nomenclaturas. Ora é
denominado de monitor, ora
de recreador, agente cultural,
orientador social, entre tantas
outras denominações. Esta
variedade de termos pode re-
velar uma falta de identidade
profissional. Animador socio-
cultural é o termo que adota-
mos em nossos estudos. Nes-
te sentido, destaque alguns
elementos essenciais para a
compreensão desta nomen-
clatura dada ao profissional
que atua no campo do lazer.
2. A ação do animador sociocul-
tural deve prezar por um pro-
610
atividades de estudo

fissionalismo que demonstre


o valor da sua atuação. Para
que esta ação seja efetiva, Du-
mazedier (s.d.) classifica dife-
rentes níveis do animador, de
acordo com seu grau de espe-
cialização. Pina (1995) apre-
senta uma síntese desta es-
trutura piramidal apresentada
por Dumazedier. Descreva
como seria esta estrutura pi-
ramidal e teça algumas con-
siderações relevantes sobre
a questão da especialização
profissional.
3. Sem dúvida alguma a atuação
no lazer, seja ligada apenas a
um dos seus conteúdos cultu-
rais ou a todos eles, traz uma
611
atividades de estudo

grande satisfação. Contudo,


um grande risco ao animador
sociocultural é optar por uma
atuação específica no campo
do lazer baseada em suas ex-
periências de prazer com o la-
zer. Neste sentido, destaque
alguns alertas para a opção
neste campo de atuação pro-
fissional.
4. O animador sociocultural tem
um rico campo de atuação,
com inúmeras possibilidades
e oportunidades, mas que re-
quer uma consciência das es-
pecificidades e alcance da sua
ação. Com relação à possibili-
dade de atuação neste campo
profissional, quem pode atu-
612
atividades de estudo

ar e como deve ser o proces-


so formativo?
5. A melhoria constante na for-
mação profissional para o la-
zer redundará na melhoria da
atuação profissional, levando-
-se em consideração o duplo
processo educativo (educação
pelo e para o lazer). Portanto,
estamos tratando da forma-
ção de educadores que este-
jam comprometidos com a
transformação social com vis-
tas à justiça, igualdade e qua-
lidade de vida. Pinto (2001, p.
67-69), nesta ótica, sintetiza
saberes e competências e con-
sidera preponderantes para o
processo formativo do educa-
613
atividades de estudo

dor, que devem embasar tam-


bém atuação do animador so-
ciocultural. Apresente quais
são estes elementos e sua
importância para o anima-
dor.

614
EDUCAÇÃO FÍSICA

Lazer e Recreação:
repertório de ativi-
dades por fases da
vida.
Nelson Carvalho
Marcellino (org.)
Editora: Papirus.
Sinopse: a obra foi organizada
pelo professor Dr. Nelson Car-
valho Marcellino. Os professo-
res que elaboraram as fichas
são pesquisadores e atuantes
em diferentes áreas do lazer.
O objetivo da obra é compar-
tilhar repertório de atividades
de recreação e lazer para pro-
615
RECREAÇÃO E LAZER

fissionais de diferentes áreas, não


como um receituário, mas como
um estímulo ao registro das ati-
vidades vivenciados por cada um
em diferentes contextos e faixas
etárias distintas. A obra contém
atividades de lazer e recreação
a partir de um modelo de fichas
que estimula novas experiências
com as atividades propostas.

616
Tarja Branca: a re-
volução que faltava
Ano: 2014
Sinopse: o título
do filme já é uma
brincadeira ao opôr-se aos re-
médios de tarja preta. O obje-
tivo é apresentar a importân-
cia do brincar não apenas para
a infância, mas para qualquer
idade. Defende a necessida-
de urgente da ludicidade dian-
te de uma realidade cada vez
mais opressora e estressante.
Este estresse não está associa-
do apenas à vida adulta, mas
617
também às crianças, com uma
carga cada vez maior de obri-
gações e sem tempo e espaço
para o compartilhar de brinca-
deiras que correm o risco de se
perderem.
Comentário: este documen-
tário é obrigatório a qualquer
educador, não apenas aos que
lidam diretamente com anima-
ção sociocultural, pois trata de
um tema de extrema relevân-
cia para os dias atuais. A refle-
xão sobre o brincar não deveria
ficar relegada apenas à infân-
cia, mas à própria reflexão so-
bre o Homo Ludens, obra de
Johan Huizinga, cuja leitura cer-
618
tamente enriqueceria as refle-
xões sobre esta temática.

Para compor seu repertório e


saber um pouco mais sobre
ações educacionais lúdicas, in-
dicamos alguns sites que irão
ajudar você a recuperar algu-
mas atividades talvez já viven-
ciadas, e conhecer outras mui-
to interessantes.
Escola Oficina Lúdica: <http://
www.escolaoficinaludica.com.
br/>.

619
Jogos.com.br: <http://www.
ojogos.com.br/>.
Sociedade Ibero Americana de
Jogos Cooperativos: <http://jo-
goscooperativos.com.br/>.
Associação brasileira de brin-
quedotecas: <http://brinque-
doteca.net.br/>.
Rei da Derivada: <http://www.
reidaderivada.com/>.
Sumaê - Somas com Cha-
péu: <http://www.summaeh.
com/>.

620
referências referências

ALVES, C.; ISAYAMA, H. F. Conside-


rações sobre o lazer na idade adulta.
In: ______. (org.). Lazer e recreação:
repertório de atividades por fases da
vida. 3. ed. Campinas: Papirus, 2013.
BARBOSA, F.S.; CAMPAGNA, J. A
animação sociocultural e o segmen-
to idoso: reflexões e sugestões. In:
______. (org.). Lazer e recreação: re-
pertório de atividades por fases da
vida. 3. ed. Campinas: Papirus, 2013.
BROUGÈRE, G. A criança e a cultu-
ra lúdica. In: KISHIMOTO, T. M. O
Brincar e suas teorias. São Paulo: Pio-
neira Thomson Learning, 2002.
CALLOIS, R. Os jogos e o homens.
Lisboa: Cotovia, 1990.
621
referências

MARCELLINO, N. C. (org.). Reper-


tório de atividades de recreação e la-
zer: para hotéis, acampamentos, clu-
bes prefeituras e outros. Campinas:
Papirus, 2002.
______. (org.). Lazer e recreação: re-
pertório de atividades por ambientes.
Campinas: Papirus, 2007.
______. (org.). Lazer e recreação: re-
pertório de atividades por ambientes.
Campinas: Papirus, 2010. v. 2.
______. (org.). Lazer e recreação: re-
pertório de atividades por fases da
vida. 3. ed. Campinas: Papirus, 2013.
PERROTTI, E. A criança e a produção
cultural. In: ZILBERMAN, R. (org.).
A produção cultural para a criança.
622
referências

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p. 9-27.
PINA, L. W. Multiplicidade de profis-
sionais e de funções. In: MARCELLI-
NO, N. C. Lazer: formação e atuação
profissional. Campinas: Papirus, 1995.
PINTO, L. M. S. M. Formação de edu-
cadores e educadoras para o lazer: sa-
beres e competências. Revista Brasi-
leira de Ciências do Esporte. v. 22, n.
3, maio. 2001. p. 53-71.
SILVA, D. A. M.; MARCELLINO, N.
C. Considerações sobre o lazer na in-
fância. In: ______. (org.). Lazer e re-
creação: repertório de atividades por
fases da vida. 3. ed. Campinas: Papi-
rus, 2013.
623
referências

STOPPA. E. A. S.; DELGADO, M. A


juventude e o lazer. In: ______. (org.).
Lazer e recreação: repertório de ativi-
dades por fases da vida. 3. ed. Campi-
nas: Papirus, 2013.

624
gabarito gabarito

1. Entre vários elementos que


são relevantes para a com-
preensão do que é o animador
sociocultural, podemos desta-
car que o conceito de animação
vem de ânima, que no grego é
alma, o que ao atrelar-se ao la-
zer indica aquilo que dá emo-
ção, sentimento, e, mais estri-
tamente, está ligado ao prazer.
A animação sociocultural tem
uma ligação educacional direta
com o lazer, em seu duplo pro-
cesso educativo, cujo objetivo é
propiciar uma fundamentação
social e política para que ocor-
ram mudanças tanto na cultura,
quanto na sociedade. Ela busca
contribuir para a cidadania, em
625
gabarito

busca de uma melhor qualida-


de de vida, com vistas a uma
transformação social, para tor-
nar a nossa realidade mais jus-
ta e humanizada. A animação
sociocultural visa revalorizar a
cultura por meio de uma par-
ticipação real e criativa, e não
simplesmente uma reprodu-
ção e um consumo cultural.
2. O animador sociocultural
constantemente especializa-se
aprofundando seus conheci-
mentos a partir dos conteúdos
culturais do lazer. A atuação
profissional geralmente inicia
a partir do interesse por um
dos conteúdos culturais do la-
zer, contudo deve ampliar para
626
gabarito

os demais, para que a atuação


não seja obtusa. Conhecimen-
tos, experiências e formação
são fundamentais para uma
atuação cada vez mais consis-
tente. Na estrutura piramidal,
baseada na especialização e ex-
periência, quanto mais acima
da pirâmide, maiores a forma-
ção, conhecimento e experiên-
cias mais abrangentes (amplos
e diversificados). No vértice, es-
tão os animadores de compe-
tência geral, profissionais, que
dominam a área e suas interfa-
ces, que, segundo Pina (1995),
poderiam atuar como gestores
e/ou consultores. O meio des-
sa estrutura seria formado por
627
gabarito

animadores profissionais de
competência específica, domi-
nando pelo menos um dos seis
conteúdos culturais do lazer.
Pina (1995) divide este meio
da pirâmide em duas catego-
rias: as funções especializadas
(mais abaixo) e as funções poli-
valentes (mais acima). Na base
da estrutura piramidal de atua-
ção profissional, está o volun-
tariado, essencial para que a
difusão esteja atrelada à parti-
cipação cultural. É necessário a
preparação e capacitação des-
tes animadores voluntários.
3. Um dos riscos é de se torna-
rem bobos da corte. A vulne-
rabilidade profissional, por in-
628
gabarito

competência e/ou por busca de


destaque leva muitos a perde-
rem suas identidades, sendo
sempre simpáticos, e muitas
vezes sem graça e inoportunos.
O prazer no trabalho com o la-
zer, naturalmente, gera o bom
humor e não a alegria forçada
como uma fantasia que se ves-
te para desempenhar um papel,
pois não há como ter um pro-
fissional da animação sociocul-
tural carrancudo o tempo todo.
Quanto mais competência e se-
riedade profissional maior será
a leveza advinda da tranquilida-
de e prazer de estar fazendo o
que dignamente se faz. A opção
por trabalhar com o lazer por te-
629
gabarito

rem vivenciado o prazer em seus


períodos de lazer pode não ser
a mesma ao atuarem profissio-
nalmente, podendo, em geral,
gerar frustração. Para o anima-
dor sociocultural, o lazer do ou-
tro é o seu tempo de trabalho,
com as pressões inerentes às
exigências envolvidas. Stoppa
e Isayama (1999) alertam sobre
esta questão ao afirmarem que
fins de semana e férias são pe-
ríodos de trabalho para o ani-
mador, o que limita suas op-
ções de lazer. Salientam, ainda,
que o relacionamento familiar é
prejudicado, pelo mesmo moti-
vo anterior. Há ainda, do ponto
de vista das instituições de la-
630
gabarito

zer, um desgaste no relaciona-


mento com os demais amigos
e colegas de trabalho, gerado
pela falta de divisão clara entre
os momentos de trabalho e de
lazer, confundindo situações e
espaços ora de trabalho, ora de
lazer.
4. O lazer é um campo multidis-
ciplinar, assim como a atuação
profissional nele, possibilitan-
do a concretização de propos-
tas interdisciplinares, por meio
da participação de profissionais
com diferentes formações. Há
profissionais sem uma forma-
ção em nível superior, mas que
podem ficar limitados a deter-
minadas ações, pois há profis-
631
gabarito

sões, como no caso da Educação


Física, que são regulamenta-
das. Os profissionais com for-
mação superior terão seu cam-
po específico de atuação como
nas artes, práticas físico-espor-
tivas, conteúdos intelectuais
do lazer etc., mas poderão am-
pliar seu leque para outras es-
feras. O importante é que, in-
dependentemente de qual seja
o campo de atuação dentro do
lazer, se acredite na necessi-
dade de formação específica e
aprofundada sobre este fenô-
meno. As competências e habi-
lidades exigem um constante
aperfeiçoamento profissional,
cuja base deve estar galgada
632
gabarito

nos fundamentos de formação


profissionais, sejam por meio
de um curso superior ou não.
5. A primeira competência, se-
gundo Pinto (2001), é o com-
prometimento com os valores
inspiradores da sociedade de-
mocrática. A segunda é a com-
preensão do papel social na edu-
cação para o lazer. A penúltima
competência, segundo o autor,
é o domínio dos conteúdos a
serem socializados, de seus sig-
nificados em diferentes contex-
tos e articulações interdiscipli-
nares. E, por fim, o domínio do
conhecimento pedagógico, de
processos de investigação que
possibilitem o aperfeiçoamen-
633
gabarito

to da prática pedagógica e o ge-


renciamento do próprio desen-
volvimento de ações educativas
lúdicas. Estes quatro elemen-
tos são basilares para atuação
profissional em qualquer cam-
po da educação, pois indicam
competências que são dinâmi-
cas. Não basta a formação em
determinado conteúdo, com re-
ceitas meramente técnicas, que
apesar de importantes, podem
gerar um imobilismo profissio-
nal. Com tais competências, o
profissional deverá aprender
a fazer a leitura dos diferentes
momentos históricos e criar e
recriar constantemente seu re-
pertório.
634
EDUCAÇÃO FÍSICA

Conclusão geral

Chegamos ao final de mais uma eta-


pa da sua jornada acadêmica, caro(a)
aluno(a). Nosso desejo é que as refle-
xões propostas neste material tenham
contribuído para seu enriquecimento
pessoal e instigado você a continuar
suas leituras sobre o tema principal
abordado neste material, bem como
outros que emergirão durante seus
estudos.
É certo que não seria possível esgo-
tar toda complexidade das discussões
sobre recreação e lazer em poucas
unidades, mas, sem dúvida, os funda-
635
conclusão geral

mentos destas temáticas foram lança-


dos, e o que definirá sua eficácia será
sua busca pela práxis pedagógica. Esta
é caracterizada por um constante mo-
vimento de ação, reflexão, nova ação.
Este espiral do conhecimento jamais
acabará, pois o ser humano é dinâmi-
co. Como afirmou o filósofo Heráclito
(535 a.C. - 475 a.C.), “ninguém pode
entrar duas vezes no mesmo rio, pois
quando nele se entra novamente, não
se encontra as mesmas águas, e o pró-
prio ser já se modificou”.
Portanto, quer tratando de as-
pectos mais conceituais e históri-
cos do lazer, atrelados ao mundo
no trabalho na sociedade capitalis-
ta, quer dialogando com o lúdico,
educação, qualidade de vida, bem
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conclusão geral

como justificando a necessidade de


um repertório básico de atividades
para o animador sociocultural, es-
peramos ter instigado você a lan-
çar um olhar diferente para o lazer.
Como você percebeu, a estrutura-
ção do tempo e das atividades reali-
zadas nestes recortes temporais de-
terminam uma série de dinâmicas
pessoais e sociais, e, neste sentido,
caracterizam as diferentes formas
como a sociedades se organizam.
Como educadores, a compreen-
são destas dinâmicas lançam desafios
importantíssimos, não apenas para
o trabalho no tempo livre, mas tam-
bém na forma como organizamos, se-
lecionamos e trabalhamos diferentes
conteúdos. Você aluno(a) tem papel
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conclusão geral

fundamental para discussão das ri-


quíssimas possibilidades ligadas ao
descanso, divertimento e desenvolvi-
mentos pessoal e social.
Que sua jornada acadêmica conti-
nue, cada vez mais, cheia de significa-
do! Carpe Diem! Tempus Fugit!

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