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18/05/2018 Editora Fórum - Plataform Fórum de Conhecimento Juridico

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Fórum de Direito Urbano e Ambiental - FDUA
Belo Horizonte, ano 16, n. 96, nov./dez. 2017
Outorga onerosa do direito de construir: fundamentos principiológicos,
natureza jurídica e disciplina normativa

Alexandre Levin

Resumo: A outorga onerosa do direito de construir é um dos


instrumentos de que dispõe o Município para cumprir sua função de
organizar o espaço urbano (CF, art. 182, caput). Embora seja instituto
utilizado já há algum tempo por grandes Municípios brasileiros, ainda
há questionamentos a respeito de sua aplicação, especialmente em
virtude de dúvidas existentes sobre os princípios jurídicos que o
fundamentam. Com efeito, não há como compreender a outorga
onerosa sem conhecer suas finalidades legais. Trata-se de
instrumento do chamado urbanismo concertado, fundamentado na
justa distribuição dos benefícios decorrentes da atividade urbanística
(Lei nº 10.257/2001, art. 2º, inc. IX) e na diretriz que impõe a
recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha
resultado a valorização de imóveis urbanos (Lei nº 10.257/2001, art.
2º, inc. XI). Assim, não se trata, conforme abordado neste estudo, de
mera fonte de arrecadação de recursos pelo poder público local.
Aliás, a utilização do instituto para fins fiscais vai de encontro às
diretrizes legais que incidem sobre a sua aplicação. A leitura das
regras gerais que disciplinam a outorga onerosa, constantes do
Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), deve ser feita, portanto,
tendo por base os princípios jurídicos que servem de fundamento
para sua utilização. Só assim o uso dessa ferramenta será legítimo e
contribuirá para alcançar os objetivos da política urbana municipal.

Palavras-chave: Direito de construir. Estatuto da Cidade.


Instrumentos jurídicos. Outorga onerosa. Urbanismo concertado.

Sumário: 1 Considerações iniciais – 2 Outorga onerosa como


instrumento do urbanismo concertado – 3 Regras para a aplicação do
instituto – 4 Natureza jurídica da outorga – 5 Outorga onerosa e plano
diretor – 6 Coeficiente básico único – 7 Conclusão – Referências

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1 Considerações iniciais

O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) foi editado há mais de quinze anos. Mas
não parece. Essa afirmação chega mesmo a surpreender. Quase duas décadas
após a sua edição, a aplicação de seus preceitos legais ainda é bastante restrita.
São poucos os Municípios brasileiros que fazem uso dos instrumentos jurídicos por
ele previstos.

Muitos desses institutos ainda causam perplexidade aos agentes públicos


responsáveis pela organização do espaço urbano. Há pouquíssima jurisprudência a
respeito, e a doutrina é escassa.

Não obstante, os graves problemas urbanísticos que afligem nossas cidades ainda
estão longe de uma real solução. A população dos grandes e médios Municípios
brasileiros, que cresceu de maneira exponencial nas últimas décadas, sofre com a
falta de moradia, com a ausência de áreas de lazer, com a distância excessiva entre
as áreas residenciais e os locais de trabalho, com as dificuldades de circulação,
com a falta de saneamento básico.

O Poder Público – especialmente o municipal, que é o principal executor da política


urbana (CF, art. 182, caput) – enfrenta diversas dificuldades de ordem financeira e
operacional que o impedem de solucionar ou ao menos equacionar essas questões.
Os Municípios brasileiros, no mais das vezes, não contam com os recursos
orçamentários indispensáveis para fazer frente aos desafios impostos pela
desordem do espaço urbano. O tamanho das dificuldades é inversamente
proporcional ao montante disponível pela Administração para enfrentá-las.

O expressivo déficit habitacional, as enormes deficiências no transporte público, a


inadequação do sistema viário são questões que demandam a aplicação de um
volume expressivo de recursos, e as limitações orçamentárias constituem um
obstáculo para que soluções satisfatórias a esses problemas sejam alcançadas.

A questão agravou-se nos últimos anos, diante da crise fiscal pela qual vêm
passando os Municípios brasileiros. Há falta de recursos até mesmo para o custeio
da máquina pública, que dirá para os investimentos em infraestrutura urbana, que
são, no mais das vezes, bastante vultosos.

Mas há outra dificuldade que deve ser levada em conta na busca de soluções para
esses problemas: a necessidade de recuperação dos investimentos do Poder
Público de que tenha resultado a valorização dos imóveis urbanos situados nas
áreas sujeitas a processos de readequação urbanística.

Deveras, a transformação do espaço urbano em decorrência da construção de


obras públicas valoriza a região objeto da ação estatal e eleva os preços de
mercado dos imóveis ali localizados. Dessa forma, os seus proprietários acabam
especialmente beneficiados pelos investimentos realizados pela Administração
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Pública. Em outras palavras, a aplicação de recursos públicos provoca a valorização


extraordinária dos imóveis privados situados no perímetro em que são realizadas as
obras de readequação urbana. O processo é, a toda evidência, contrário ao
princípio da isonomia, constitucionalmente assegurado (CF, art. 5º, caput).

A discussão não é nova, e o ordenamento jurídico pátrio prevê instrumentos que


visam recuperar a valorização imobiliária reflexa,1 como a contribuição de melhoria
(CF, art. 145, III; Código Tributário Nacional, arts. 81 e 82; e Decreto-Lei nº 195/67)
e a desapropriação por zona (Decreto-Lei nº 3.365/41, art. 4º).2

Ocorre que os meios tradicionais de que dispõe a Administração Pública para


reaver os montantes aplicados em processos de reestruturação urbana não se
mostraram eficientes. A contribuição de melhoria é tributo que dificilmente pode ser
cobrado sem esbarrar em inconstitucionalidades as mais diversas, especialmente
em vista da má redação dos dispositivos do Código Tributário Nacional que o
regulam (arts. 81 e 82).3 Por sua vez, a desapropriação por zona encontra
obstáculos de ordem financeira, pois o Poder Público muitas vezes não conta nem
mesmo com os recursos necessários para efetivar as desapropriações destinadas à
realização dos melhoramentos urbanísticos. Assim, a destinação de recursos para a
expropriação das áreas contíguas – ainda que destinadas a posterior revenda –
dificilmente ocorrerá.

Em resumo, os processos de readequação do espaço urbano, essenciais para o


pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, encontram dois obstáculos
importantes: a ausência de recursos públicos e a valorização reflexa extraordinária
dos imóveis privados localizados nas áreas sujeitas à revitalização urbanística. Ou
seja, ou faltam recursos, ou a aplicação dos escassos montantes existentes
provocam a valorização extraordinária e desigual dos imóveis localizados na área
sujeita à revitalização.

Os instrumentos de parcerias público-privadas para fins de urbanização constituem


respostas a esses problemas. A sua aplicação possibilita, ao mesmo tempo,
equacionar a questão da falta de recursos públicos e distribuir de forma justa os
benefícios decorrentes da atividade urbanística (Lei nº 10.257/2001, art. 2º, inc. IX).
Em vez de buscar, depois de concluídas as obras, a recuperação do investimento
realizado, a Administração utiliza, de antemão, recursos de seus parceiros privados,
a impedir que a aplicação de montantes provenientes do erário sejam a causa da
valorização reflexa extraordinária dos imóveis particulares situados na área urbana
beneficiada com a intervenção.

São vários os instrumentos de concertação público-privada previstos no


ordenamento pátrio, todos eles fundamentados em instrumentos similares criados
pelo direito de outros países, como a França e a Espanha.4

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O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) prevê alguns desses instrumentos, como


a operação urbana consorciada (arts. 32 a 34), a transferência do direito de
construir (art. 4º, inc. V, e art. 35) e o consórcio imobiliário (art. 46). Há outros
instrumentos previstos em outras leis, como a concessão urbanística, prevista no
atual Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo (Lei Municipal nº
16.050/2014) e regulada pela Lei nº 14.917/2009 do mesmo Município.5

A outorga onerosa do direito de construir também é um desses instrumentos. Sua


natureza e as regras que a regulam serão abordadas a seguir.

2 Outorga onerosa como instrumento do urbanismo concertado

A aplicação da outorga onerosa ainda causa certa perplexidade para alguns. Afinal,
como pode a Administração Pública municipal permitir a construção de edifícios
mais altos, com coeficientes de aproveitamento6 maiores do que aqueles
determinados pela lei de zoneamento, em razão do simples pagamento de
determinada quantia pelo interessado? Ora, isso não significa um estímulo à
especulação imobiliária e ao processo de verticalização das cidades brasileiras, já
bastante acentuado?7 Por outro lado, como negar que o instrumento não constitui
apenas mais uma forma de alimentar a sanha arrecadatória do Estado? Quer dizer
que, se o proprietário pagar, ele pode construir acima dos limites impostos pelo
plano diretor municipal? E, ainda, como pode o Poder Público permitir a utilização
do imóvel com finalidade diversa da prevista em lei a partir do simples pagamento
do valor da outorga de alteração de uso?

Esses questionamentos têm sua razão de ser, porque muitas vezes o instrumento,
assim como outros institutos previstos na legislação urbanística, é utilizado de forma
distorcida, sem respeito às finalidades legais para as quais foi criado.

De fato, a outorga onerosa não pode funcionar como mais um meio de arrecadação
pelo Estado e também não pode ser aplicada sem limites, sob pena de resultar em
verticalização excessiva e incompatível com a infraestrutura urbana local.8

O problema não está apenas entre nós. Na França, por exemplo, há fortes críticas a
respeito do uso que se fez da outorga onerosa, instrumento criado naquele país
como uma tentativa de repartição da mais-valia gerada pelas regulamentações
urbanísticas. Com efeito, a edição de um plano urbano, que fixa diferentes
coeficientes de aproveitamento para imóveis situados na mesma região da cidade,
acaba por gerar a valorização extraordinária dos imóveis com taxa de edificação
maior, em detrimento daqueles situados em áreas com menores índices
construtivos. Para combater tal disparidade, foi criado pela lei francesa o plafond
legal de densité (PLD).9

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Explica Grégory Kalflèche que o PLD era o coeficiente edificável do terreno, tendo
por base a sua superfície total. Criado por lei em 1975, o instrumento possibilitava
ao poder público o recebimento de uma quantia caso o interessado desejasse
construir acima do PLD. Ou seja, a Administração recebia determinado valor, de
acordo com o número de metros quadrados construídos acima do índice prefixado.
O instrumento destinava-se a combater a densificação das áreas centrais das
cidades, desestimulando a construção de edifícios muito altos nessas regiões. O
pagamento desses valores também servia para fazer com que os proprietários
participassem da implantação de equipamentos públicos, cuja construção se fazia
necessária justamente para fazer frente ao aumento de densidade construtiva e
populacional da área.10

Todavia, o mesmo autor francês noticia que o PLD foi transformado em um mero
instrumento arrecadatório. Nas palavras do autor, a ideia inicial de justa distribuição
das mais-valias não prosperou, e o instituto foi transformado em mera fonte de
receita para o poder público.11

Ocorre que, assim como no Direito francês, os reais objetivos da outorga onerosa,
tal como previsto na legislação brasileira, são a justa distribuição dos benefícios
e ônus decorrentes do processo de urbanização e a recuperação dos
investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de
imóveis urbanos, duas diretrizes da política urbana previstas no Estatuto da
Cidade (art. 2º, incisos IX e XI).12 O instrumento não pode ser utilizado, portanto,
como mera fonte arrecadatória. A tentação é grande, tendo em vista a grave crise
fiscal enfrentada pelos Municípios brasileiros, mas a outorga não pode ser utilizada
apenas como mais uma fonte de receita. Caso contrário, poderá resultar em sérios
prejuízos para a ordenação urbanística de nossas cidades, visto que quanto mais
potencial construtivo vendido maior a arrecadação, o que, certamente, estimula a
verticalização descontrolada do espaço urbano.

Mas antes de abordarmos suas finalidades, vamos nos atentar para as origens do
instituto, o que nos ajudará a melhor compreendê-lo.

A outorga onerosa do direito de construir, também conhecida pela doutrina como


solo criado, é decorrência direta da aplicação de um método do urbanismo
denominado urbanismo concertado.

Trata-se de um método de organização do espaço urbano caracterizado pela ação


conjunta, concertada, entre o Poder Público e a iniciativa privada. A Administração
Pública deixa de ser a única responsável pelo planejamento, execução e
financiamento da reforma urbana e passa a atuar em conjunto com os proprietários
e demais particulares interessados em efetivar o processo de (re)urbanização.

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Antonio Carceller Fernandez explica que a expressão urbanismo concertado


deve ser compreendida dentro do conceito de administração concertada. Nos
dizeres do autor, essa concepção teve origem na planificação econômica francesa,
como uma terceira via, a superar as opções que dominavam a sociedade na
segunda metade do século XX: o capitalismo e o socialismo. Trata-se de um
sistema no qual as decisões do Poder Público harmonizam-se com as dos sujeitos
econômicos, visando alcançar resultados ótimos. A Administração, sem abdicar de
suas funções nem renunciar aos seus poderes, busca o concurso voluntário, a livre
adesão dos particulares, a partir da convicção de que somente desse modo serão
alcançados os objetivos traçados. Intenta-se obter a colaboração da iniciativa
privada para complementar ou substituir uma gestão pública impotente para fazer
frente por si só às necessidades da sociedade.13

Por sua vez, o conceito de administração concertada, ou administração


consensual, foi criado a partir do desenvolvimento de uma nova concepção do
exercício da função administrativa.

De acordo com a doutrina administrativista que se debruça sobre o tema, o


processo que leva às decisões da Administração deixou de ser marcado pela
unilateralidade e passou a ser caracterizado pela consensualidade. O Poder Público
não mais impõe sua vontade à sociedade: passa a decidir em conjunto com os
diversos setores que a compõem. A imperatividade estatal dá lugar à concertação
de interesses públicos e privados.14

Pois bem. O Direito brasileiro abraçou o urbanismo de concertação. Há previsão


legal, como visto, de diversos instrumentos próprios desse método urbanístico.
Inclusive, uma das diretrizes da política urbana previstas no Estatuto da Cidade é
justamente a cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os
demais setores da sociedade no processo de urbanização, em
atendimento ao interesse social (Lei nº 10.257/2001, art. 2º, inc. III).

A outorga onerosa é uma dessas ferramentas do urbanismo concertado, e está


expressamente prevista no art. 4º, inc. V, n, do mesmo diploma legal como um dos
instrumentos de política urbana à disposição do Poder Público no exercício de sua
função urbanística.15 Há duas modalidades de outorga previstas no dispositivo: a
outorga onerosa do direito de construir e a outorga onerosa de alteração de uso.

Nas duas espécies de outorga está presente o elemento fundamental da


administração consensual: a concertação entre o Poder Público e o setor privado,
realizada com o intuito de alcançar os objetivos traçados pela lei, em prol do
interesse de toda a coletividade.

A seguir, abordar-se-ão as regras que definem a aplicação do instrumento, previstas


nos arts. 28 a 31 da Lei nº 10.257/2001.

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3 Regras para a aplicação do instituto

O art. 28 do Estatuto da Cidade prevê que o plano diretor poderá fixar áreas
nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente
de aproveitamento básico adotado, mediante contrapartida a ser prestada
pelo beneficiário.

Em outras palavras, o plano diretor, principal instrumento legal da política urbana


municipal (CF, art. 182, §1º), pode definir determinadas áreas em que seja possível
construir acima dos limites de edificação traçados pelo mesmo plano diretor ou pela
lei de zoneamento local.16

Como é sabido, a lei que institui o plano diretor impõe diferentes coeficientes de
aproveitamento17 para as diversas áreas em que se divide o território municipal,
com o intuito de promover a adequada ocupação do espaço urbano. Há coeficientes
de aproveitamento mínimo, que indicam o mínimo de edificação presente em cada
lote da cidade, e coeficientes máximos, acima dos quais não se pode construir.

A fixação desses índices deve obediência ao princípio que veda o parcelamento


do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à
infraestrutura urbana (art. 2º, VI, c, da Lei nº 10.257/2001). Nas regiões da
cidade dotadas de melhor infraestrutura (viária, de transporte público, de
saneamento básico, de distribuição de água e energia elétrica, de iluminação), o
plano fixa coeficientes de aproveitamento mínimos e máximos maiores, a fim de
estimular o adensamento populacional. Em sentido contrário, para as áreas
carentes de infraestrutura ou destinadas à preservação ambiental o plano prescreve
coeficientes de aproveitamento menores, a fim de desestimular a ocupação.18

Vai nessa direção o dispositivo do Estatuto da Cidade que prevê que o plano
diretor definirá os limites máximos a serem atingidos pelos coeficientes
de aproveitamento, considerando a proporcionalidade entre a
infraestrutura existente e o aumento da densidade esperado em cada área
(art. 28, §3º).

O proprietário de imóvel urbano localizado em cada uma dessas áreas deve


respeitar o respectivo índice de aproveitamento mínimo, sob pena de sofrer a
aplicação do instrumento do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios,
seguida do IPTU progressivo e da desapropriação com pagamento de títulos da
dívida pública (CF, art. 182, §4º, e Lei nº 10.257/2001, arts. 5º a 8º).

Por outro lado, está o titular do domínio proibido de construir acima do limite
representado pelo coeficiente de aproveitamento máximo, sob pena de interdição e
até demolição do imóvel.
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Pois bem.

Entre esses dois limites – coeficientes de aproveitamento mínimo e máximo –


podem ser fixados pelo plano diretor coeficientes de aproveitamento básico para
cada uma das áreas em que se pretende utilizar a outorga onerosa. Para construir
até o coeficiente básico, o proprietário nada paga ao Município. No caso de
pretender edificar entre o coeficiente básico e o máximo, o titular do domínio deve
pagar pelo direito de construir.

O plano diretor e a lei municipal podem prever, ainda, áreas da cidade em que seja
possível a utilização do imóvel para fins diversos daqueles definidos pela lei de
zoneamento local, desde que o interessado arque com a contrapartida definida
legalmente (Lei nº 10.257/2001, art. 29). Deve-se ter o cuidado para não permitir
usos absolutamente incompatíveis, como a instalação de um parque industrial em
uma área estritamente residencial. Lembre-se que uma das diretrizes da política
urbana é justamente aquela que determina seja evitada a proximidade de usos
incompatíveis ou inconvenientes (Lei nº 10.257/2001, art. 2º, inc. VI, b).

3.1 Cálculo do preço da outorga

A fórmula de cálculo do preço da outorga deve ser determinada pela lei municipal
específica que regula a aplicação do instrumento (Lei nº 10.257/2001, art. 30). A
fixação por lei evita que os princípios da igualdade e da legalidade (CF, art. 37,
caput) sejam desrespeitados, já que os interessados saberão de antemão os
valores a serem pagos pelo direito de construir acima do coeficiente de
aproveitamento básico ou de alterar o uso do imóvel. Evita-se a fixação do preço
público caso a caso, para que ninguém seja favorecido ou prejudicado em razão da
ausência de critérios gerais e abstratos para o cálculo.

O Estatuto da Cidade não prevê critérios gerais para o cálculo do preço da outorga.
A lei municipal que regular o instrumento deverá definir a fórmula de cálculo (Lei nº
10.257/2001, art. 30, inc. I), levando em consideração as características de cada
uma das áreas em que a ferramenta será aplicada. O valor a ser pago não pode ser
tão alto que afaste eventuais interessados e nem tão baixo que frustre os objetivos
do instituto.19

No Município de São Paulo, a contrapartida financeira à outorga onerosa de


potencial é calculada de acordo com a seguinte equação:

C = (At / Ac) x V x Fs x Fp, onde: C – contrapartida financeira relativa a cada


m² de potencial construtivo adicional; At – área de terreno em m²; Ac – área
construída computável total pretendida no empreendimento em m²; V – valor
do m² do terreno constante do Cadastro de Valor de Terreno para fins de

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Outorga Onerosa, conforme Quadro 14 anexo; Fs – fator de interesse social,


entre 0 (zero) e 1 (um), conforme Quadro 5 anexo; Fp – fator de planejamento
entre 0 (zero) e 1,3 (um e três décimos), conforme Quadro 6 anexo. (Lei nº
16.050/2014 – Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, art. 117).

Percebe-se que a lei local determinou sejam levados em conta, para o cálculo da
outorga, além da área do terreno e da área que se pretende construir, valores de
metro quadrado já previamente fixados em tabela constante de quadro anexo à lei.
A prefixação desses valores traz segurança ao empreendedor, pois torna possível
conhecer, de antemão, o valor que será pago pela outorga, que é fixado de acordo
com a localização do terreno. Não é necessário pesquisar, caso a caso, o preço de
mercado do metro quadrado para aquela área – o valor já está previsto para cada
setor da cidade. Se a pesquisa do preço do metro quadrado fosse realizada a cada
pedido de outorga, certamente haveria disparidades e questionamentos quanto ao
método de pesquisa empregado. O risco à isonomia seria evidente: preços de
outorga diferentes para empreendimentos localizados na mesma área da cidade.

A prefixação do valor do metro quadrado utilizável para o cálculo da outorga em um


quadro anexo do Plano Diretor do Município de São Paulo demonstra com clareza a
disparidade dos valores dos imóveis nas diferentes regiões da cidade. Há regiões
em que o preço do metro quadrado – para fins do cálculo da outorga – gira em torno
de R$100,00 (cem reais), e outras em que o preço chega próximo a R$40.000,00
(quarenta mil reais). A diferença entre os montantes também permite ser estimulada
a verticalização em determinadas áreas e desestimulada em outras, a depender da
infraestrutura urbanística instalada no local. A regra vai ao encontro da diretriz do
Estatuto da Cidade que prevê sejam evitados o parcelamento do solo, a
edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à
infraestrutura urbana (Lei nº 10.257/2001, art. 2º, inc. VI, c).

O fator de interesse social presente na fórmula de cálculo da outorga, conforme


consta da legislação paulistana, existe para estimular a construção de habitações
de interesse social, escolas, hospitais, equipamentos culturais e instituições de
esporte e lazer. As edificações destinadas a tais usos pagarão outorga em valor
menor ou não pagarão outorga alguma para construir até o coeficiente máximo da
área em que se situam. Da mesma forma, o fator de planejamento tem o objetivo de
tornar mais cara a outorga em bairros já saturados e menos cara a outorga em
áreas menos desenvolvidas, estimulando a construção nesses locais. A regra
prestigia, em especial, um dos princípios da política urbana constantes do Estatuto
da Cidade: o planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição
espacial da população e das atividades econômicas do Município e do
território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as
distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio
ambiente (Lei nº 10.257/2001, art. 2º, inc. IV).

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No mesmo sentido, o art. 119 do Plano Diretor Estratégico do Município de São


Paulo (Lei Municipal nº 16.050/2014) prevê que:

De acordo com o art. 31 da Lei nº 14.933, de 5 de junho de 2009, que instituiu


a Política de Mudança do Clima no Município de São Paulo, lei específica
deverá estabelecer fator de redução da contrapartida financeira à outorga
onerosa para empreendimentos que adotem tecnologias e procedimentos
construtivos sustentáveis, considerando, entre outros: I – o uso de energias
renováveis, eficiência energética e cogeração de energia; II – a utilização de
equipamentos, tecnologias ou medidas que resultem redução significativa das
emissões de gases de efeito estufa ou ampliem a capacidade de sua absorção
ou armazenamento; III – o uso racional e o reúso da água; IV – a utilização de
materiais de construção sustentáveis.

O dispositivo, claramente, visa estimular edificações que adotem padrões


construtivos sustentáveis, em atenção à outra diretriz da política urbana: a adoção
de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão
urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e
econômica do Município e do território sob sua área de influência (Lei nº
10.257/2001, art. 2º, inc. VII).

Interessante observar que, pelo texto da Lei nº 10.257/2001, a contrapartida a ser


paga pelo interessado em obter a outorga não será, necessariamente, financeira.

Com efeito, o art. 28, caput, do Estatuto da Cidade prevê que poderá ser prestada
contrapartida pelo beneficiário, mas não impõe seja ela paga obrigatoriamente em
dinheiro. No mesmo sentido, o art. 30 da lei federal prescreve que a lei municipal
específica que estabelecer as condições para a outorga onerosa deve definir: I – a
fórmula de cálculo para a cobrança; II – os casos passíveis de isenção do
pagamento da outorga; III – a contrapartida do beneficiário. Depreende-se
do dispositivo que, na hipótese de contrapartida financeira, deverá ser definida a
fórmula de cálculo para a cobrança (inc. I), mas que outras formas de contrapartida
também poderão ser fixadas legalmente (inc. III).20

Nada impede, entretanto, que a lei que institui o plano diretor municipal prescreva a
obrigatoriedade do pagamento da outorga em dinheiro. É o caso do plano diretor do
Município de São Paulo, que determina que o potencial construtivo adicional seja
outorgado mediante contrapartida financeira (Lei nº 16.050/2014 do Município de
São Paulo, art. 115).21

3.2 Aplicação dos recursos auferidos com a outorga onerosa

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Nos moldes do art. 31 do Estatuto da Cidade, os recursos auferidos com a adoção


da outorga onerosa devem ser aplicados com as finalidades previstas nos incisos I
a IX do art. 26 do mesmo diploma, que correspondem aos mesmos objetivos que
servem de norte para a aplicação do direito de preempção. São eles: I –
regularização fundiária; II – execução de programas e projetos
habitacionais de interesse social; III – constituição de reserva fundiária;
IV – ordenamento e direcionamento da expansão urbana; V –
implantação de equipamentos urbanos e comunitários; VI – criação de
espaços públicos de lazer e áreas verdes; VII – criação de unidades de
conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental; VIII –
proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico.22

Neste ponto reside a diferença fundamental entre a outorga onerosa e a operação


urbana consorciada. Os recursos pagos pelos interessados em participar da
operação consorciada devem ser aplicados exclusivamente na área da operação
(Lei nº 10.257/2001, art. 33, §1º). Já os montantes pagos a título de outorga
onerosa podem ser utilizados para melhorias urbanísticas em outras regiões da
cidade e não somente na área em que se localiza o imóvel de propriedade do
beneficiário.

4 Natureza jurídica da outorga

Há divergência doutrinária quanto à natureza da outorga onerosa do direito de


construir. Há autores que lhe atribuem natureza tributária,23 e outros que afirmam
tratar-se de preço público, pois a aquisição do benefício (maior potencial
construtivo, alteração de uso) não é compulsória.24

Para nós, a outorga onerosa tem natureza de preço público. É esse, inclusive, o
entendimento do Supremo Tribunal Federal, manifestado no julgamento do Recurso
Extraordinário nº 226.942-7/SC (1ª Turma, Rel. Ministro Menezes Direito, DJ de
15.5.2009) e do Recurso Extraordinário nº 387.047-5/SC (Tribunal Pleno, Rel. Min.
Eros Roberto Grau, DJ de 2.5.2008).

Os argumentos apresentados pelo Min. Eros Roberto Grau na decisão proferida no


RE nº 387.047/SC são inatacáveis. Como muito bem aponta o relator, o beneficiário
que paga a outorga para construir acima dos limites impostos pelo coeficiente de
aproveitamento básico não está a cumprir uma obrigação. A prestação, no caso,
afasta um obstáculo ao exercício do direito de edificar além do índice básico, ou
seja, trata-se de um ônus e não de uma obrigação. Como não há, na hipótese,
obrigação, não se trata de tributo.

Vale transcrever a ementa do acórdão proferido no RE nº 387.047/SC:

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EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. LEI N. 3.338/89 DO MUNICÍPIO


DE FLORIANÓPOLIS/SC. SOLO CRIADO. NÃO CONFIGURAÇÃO COMO
TRIBUTO. OUTORGA ONEROSA DO DIREITO DE CRIAR SOLO.
DISTINÇÃO ENTRE ÔNUS, DEVER E OBRIGAÇÃO. FUNÇÃO SOCIAL DA
PROPRIEDADE. ARTIGOS 182 E 170, III DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1.
SOLO CRIADO Solo criado é o solo artificialmente criado pelo homem [sobre
ou sob o solo natural], resultado da construção praticada em volume superior
ao permitido nos limites de um coeficiente único de aproveitamento. 2.
OUTORGA ONEROSA DO DIREITO DE CRIAR SOLO. PRESTAÇÃO DE
DAR CUJA SATISFAÇÃO AFASTA OBSTÁCULO AO EXERCÍCIO, POR
QUEM A PRESTA, DE DETERMINADA FACULDADE. ATO NECESSÁRIO.
ÔNUS. Não há, na hipótese, obrigação. Não se trata de tributo. Não
se trata de imposto. Faculdade atribuível ao proprietário de imóvel,
mercê da qual se lhe permite o exercício do direito de construir
acima do coeficiente único de aproveitamento adotado em
determinada área, desde que satisfeita prestação de dar que
consubstancia ônus. Onde não há obrigação não pode haver tributo.
Distinção entre ônus, dever e obrigação e entre ato devido e ato
necessário. 3. ÔNUS DO PROPRIETÁRIO DE IMÓVEL URBANO.
Instrumento próprio à política de desenvolvimento urbano, cuja execução
incumbe ao Poder Público municipal, nos termos do disposto no artigo 182 da
Constituição do Brasil. Instrumento voltado à correção de distorções que o
crescimento urbano desordenado acarreta, à promoção do pleno
desenvolvimento das funções da cidade e a dar concreção ao princípio da
função social da propriedade [art. 170, III da CB]. 4. Recurso extraordinário
conhecido, mas não provido. [Grifo nosso]

O acórdão proferido no RE nº 226.942-7, rel. o Min. Menezes Direito, segue na


mesma direção. Afirma o aresto que a outorga onerosa não é tributo e sim uma
forma de compensação financeira pelo ônus causado em decorrência da
sobrecarga da aglomeração urbana.

Ainda no entender do relator, o solo criado existe dentro de um plano contratual,


e com isso não há como qualificar de tributo essa parcela.

Com efeito. O interessado que paga para obter o direito de construir acima do
coeficiente de aproveitamento básico não está a cumprir uma obrigação tributária e
sim cumprindo o ônus necessário para o exercício de um direito. Não há
compulsoriedade, como no tributo, e sim faculdade do interessado na aquisição do
direito. Ele paga somente se quiser edificar acima do índice básico ou alterar a uso
do imóvel, nos termos da lei municipal que regula a outorga.25

Como se trata de preço público, o valor da outorga poderia, em princípio, ser fixado
por decreto.26 Ocorre que, como visto, o Estatuto da Cidade exige que a lei
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municipal específica que regule o instrumento preveja expressamente a fórmula


de cálculo para cobrança; os casos passíveis de isenção; e a contrapartida
do beneficiário. Assim, ainda que se trate de preço público, o cálculo do montante
a ser pago pelo interessado deve estar previsto em lei. A Lei nº 10.257/2001 é
norma geral de direito urbano, editada com base no art. 24, inc. I, da Constituição
Federal; seus dispositivos, portanto, são de observância obrigatória pelos
Municípios, que não podem, assim, regular o preço da outorga por decreto.

A previsão de outorga onerosa do direito de construir por lei municipal não


representa qualquer desrespeito ao direito de propriedade, consagrado no art. 5º,
inc. XXII, da Constituição Federal. Afinal, edificar até o limite imposto pelo
coeficiente básico continua livre do pagamento da outorga onerosa. O pagamento
pelo potencial construtivo excedente é opcional e está fundamentado no princípio da
função social da propriedade, também previsto constitucionalmente (CF, art. 5º, inc.
XXIII). O proprietário tem o direito de usar, gozar e dispor de seu imóvel como
melhor lhe aprouver, mas não pode ignorar as prescrições do plano diretor que
limitam essa utilização, em prol do interesse coletivo (CF, art. 182, §2º). Ou seja, o
uso da propriedade imobiliária deve atender, ao mesmo tempo, ao interesse
individual e ao interesse de toda a coletividade na adequada organização do espaço
urbano.27

5 Outorga onerosa e plano diretor

Há um ponto que precisa ficar bem destacado.

As áreas nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente
de aproveitamento básico, mediante pagamento de outorga, devem estar fixadas no
plano diretor municipal (Lei nº 10.257/2001, art. 28).

O preceito está plenamente de acordo com o que determina o art. 182, §1º, da
Constituição Federal. De acordo com esse dispositivo, o plano diretor, aprovado
pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil
habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de
expansão urbana.

O dispositivo constitucional consagra o princípio da reserva de plano.28 Esse


princípio promove o plano diretor à categoria de principal instrumento da política de
desenvolvimento e de expansão urbana.29

O texto constitucional é expresso ao determinar que as exigências fundamentais de


ordenação da cidade devem estar definidas na lei que institui o plano (CF, art.182,
§2º). A finalidade da norma constitucional é evitar que leis municipais esparsas
regulamentem – cada qual a seu modo – a organização do espaço urbano, em
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evidente prejuízo ao planejamento urbano local, que deve ser único para todo o
território.

Assim, da lei que institui o plano diretor municipal deve constar a possibilidade de
ser utilizado o instrumento da outorga onerosa do direito de construir e de alteração
de uso, bem como as áreas em que poderão ser aplicados.

Afinal, a edificação do imóvel acima do coeficiente básico e com usos diversos do


previsto na lei de zoneamento constituem exceções aos limites impostos pelos
índices e usos definidos pelo próprio plano diretor para todo o território urbano.
Tanto as regras gerais válidas para toda a zona urbana como as normas válidas
para regiões específicas do território devem estar previstas no plano diretor
municipal, que concentra em seu texto as orientações fundamentais de como deve
ocorrer o crescimento urbano.

Note, por fim, ser possível que o próprio plano diretor municipal regule por completo
a utilização da outorga onerosa. O Estatuto da Cidade prevê que lei municipal
específica estabelecerá as condições a serem observadas para a outorga
onerosa do direito de construir e de alteração de uso (art. 30), mas nada
impede que o plano já contenha todas as regras acerca da aplicação do instrumento
– fórmula de cálculo para a cobrança; casos de isenção; contrapartida do
beneficiário, entre outras –, como faz o plano diretor estratégico do Município de
São Paulo (Lei nº 16.050/2014, arts. 115/120).

Ora, o plano diretor não pode ser aprovado sem que o seu texto seja debatido em
audiências públicas, que devem contar com a ampla participação da população
local (Lei nº 10.257/2001, art. 40, §4º). Sua edição, portanto, depende do
cumprimento de requisitos não exigíveis para a criação da lei específica indicada no
art. 30 do Estatuto da Cidade. Assim, logicamente, se a outorga onerosa pode ser
regulada por lei específica, não há óbice que o seja pelo plano diretor, de forma
integral, já que esse é o diploma fundamental da política urbana municipal.

6 Coeficiente básico único

O Estatuto da Cidade permite seja fixado pelo plano diretor coeficiente de


aproveitamento básico único para toda a zona urbana ou diferenciado para
áreas específicas dentro da zona urbana (art. 28, §2º).

A fixação de coeficiente básico único evita a disparidade de preços entre


propriedades urbanas. Isso porque o valor do imóvel está diretamente relacionado
com o seu potencial construtivo: lotes com um coeficiente de aproveitamento maior
valem mais. A adoção de um coeficiente básico unificado impede que a aprovação
de um novo plano diretor promova a valorização extraordinária de determinados
imóveis em detrimento de outros, o que significaria um tratamento desigual e
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injustificado por parte da lei. Podem variar os coeficientes mínimos e máximos – em


função da infraestrutura urbana existente em cada área da cidade –, mas ficará a
critério de cada proprietário arcar com o preço devido pela construção com base em
coeficiente de aproveitamento que se situe entre o básico (único) e o máximo
(variável). Na adoção do coeficiente básico único, o ponto de partida é o mesmo
para todos os proprietários: aquele que quiser construir acima desse índice pagará
o preço pela outorga.

A medida prestigia, portanto, os princípios da isonomia (CF, art. 5º, caput) e da


justa distribuição de benefícios e ônus da atividade urbanística (Lei nº 10.257/2001,
art. 2º, inc. IX).

7 Conclusão

A outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso é instrumento que,


ao mesmo tempo, viabiliza a utilização de recursos privados no processo de
urbanização, em atenção à diretriz da cooperação entre o governo e a iniciativa
privada no processo de urbanização (art. 2º, III, da Lei nº 10.257/2001), e promove a
justa distribuição dos benefícios decorrentes da atividade urbanística (art. 2º, IX),
posto que a valorização decorrente do aumento do potencial construtivo e a
utilização mais intensa da infraestrutura instalada são compensadas pelos
proprietários por meio dos valores pagos a título de solo criado.

Além disso, o instrumento permite que as melhorias na ordem urbanística sejam


financiadas justamente por aqueles diretamente beneficiados pelo processo de
readequação urbana: os proprietários de imóveis urbanos. Torna-se, assim,
desnecessário o processo de recuperação dos investimentos do Poder Público de
que tenha resultado a mais-valia imobiliária (art. 2º, XI, da Lei nº 10.257/2001), já
que são os próprios particulares que arcam com os custos da reestruturação do
espaço urbano.

Conclui-se que as perplexidades que a previsão do instituto ainda causa são


injustificadas. Se utilizada de acordo com os princípios jurídicos que regem a
política urbana, a outorga onerosa pode contribuir, e muito, para o exercício da
função urbanística estatal, em especial diante da insuficiência de recursos públicos
para fazer frente aos graves problemas que assolam as cidades brasileiras.

Abstract: The onerous concession of the right to build is one of the


instruments available to the municipality to fulfill its function of
organization in urban space (article 182, caption). Although large

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Brazilian municipalities have used it for some time, there are still some
issues about its application, especially due to doubts regarding the
legal principles in which it is founded. In fact, there is no way to
understand this onerous concession without learning its legal
purposes. This is an instrument of the so-called concerted urbanism
(town planning). It is based on the fair distribution of benefits resulting
from urban activities (Law 10.257/2001, article 2, ninth) and on the
guideline that requires the payback of the investments made by public
authorities, that is, the ones that have resulted in a valuation of urban
properties (Law 10.257/2001, article 2, paragraph XI). Thus, it is not,
as addressed in this study, a mere source of fundraising for local
public authorities. In fact, the use of the institute for tax purposes
doesn’t meet the legal guidelines that would apply. Therefore, a
reading of the general rules that govern an onerous grant, contained in
the City Statute (Law 10.257/2001), should be made, based on the
legal principles that serve as the basis for its use. Only then, the use
of this instrument will be legitimate and will contribute to the
achievement of objectives of municipal urban policy.

Keywords: Concerted urbanism. Legal instruments. Onerous


concession. Right to build. Statute of the City.

Referências

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perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002.

1 A expressão é utilizada por Diogo de Figueiredo Moreira Neto. O autor, em obra


pioneira sobre Direito Urbanístico, afirma que tanto do ponto de vista jusfilosófico
quanto pela ótica juspositivista é legítima e gratuita a valorização reflexa decorrente
de obra privada. No entanto, quando derivada da execução de obra pública, a
valorização reflexa deve ter outro tratamento, pois o proveito de qualquer
investimento realizado com o produto do esforço coletivo também deve ser coletivo.
Nesse sentido, “o proveito acessório, produto do esforço coletivo, não pode aceder
gratuita, mas onerosamente, ao imóvel privado” (MOREIRA NETO, 1977, p. 139-
141).

2 Há controvérsia doutrinária sobre a possibilidade de aplicação do instituto da


desapropriação por zona. Kiyoshi Harada, por exemplo, defende a
inconstitucionalidade do art. 4º do DL nº 3.365/41. Afirma o autor que a
desapropriação não pode ser utilizada fora das hipóteses constitucionais (interesse
público, interesse social, reforma agrária, interesse urbanístico), sob pena de
contrariedade a direitos e garantias fundamentais. De outra parte, afirma que a
desapropriação para posterior revenda representa uma atividade especulativa por
parte do Poder Público, que não encontra amparo no sistema vigente e é contrária
ao interesse público primário (HARADA, 2007, p. 78-86). Em sentido oposto,
Adilson Abreu Dallari defende a constitucionalidade do instituto, pois entende ser
“perfeitamente legítima a absorção de mais-valia pelo Poder Público quando
decorrente de obra por ele realizada, com base no princípio que veda o
enriquecimento sem causa e no antiquíssimo princípio da equidade”. Recorda o
autor, ainda, que a desapropriação por zona não esgota sua finalidade na obtenção
de recursos para o erário; pode ser utilizada, entre outros fins, para a reserva de
área para futura ampliação da obra pública (DALLARI, 1981, p. 80-93). Adotamos a
posição de Adilson Abreu Dallari neste particular: para nós, o instituto da
desapropriação por zona encontra amparo no princípio da justa distribuição dos

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benefícios decorrentes da atividade urbanística (art. 2º, IX, Lei nº 10.257/2001), que,
por sua vez, decorre do princípio da isonomia (art. 5º da CF). Sobre o tema, ver
LEVIN, 2015.

3 Nas palavras de Geraldo Ataliba, “as normas gerais vigentes (arts. 81 e 82 do


CTN) estabelecem tantos requisitos para aplicação da c.m. que a tornam de
impossível aplicação, além de deformá-la, descaracterizando-a. São nitidamente
inconstitucionais e, pois, não obrigatórias para Estados e Municípios, que têm direito
de instituir seus tributos sem serem peiados por lei complementar, em casos, como
o da c.m., nos quais a dicção constitucional foi suficiente para delinear a
competência” (ATALIBA, 2010, p. 179). Na mesma direção, Regina Helena Costa
afirma que “os arts. 81 e 82 do Código Tributário Nacional, a pretexto de
estabelecerem normas gerais acerca dessa espécie tributária, traçam um
procedimento demasiadamente complexo para sua instituição, especialmente
considerando a deficiente infraestrutura administrativa da grande maioria dos
municípios brasileiros” (COSTA, 2003, p. 113-114).

4 A operação urbana consorciada, por exemplo, é fundamentada em um instituto do


Direito francês denominado zone d´aménagement concerté (ZAC), que é
atualmente regido pelos arts. L 311-1 a L 311-8 (parte legislativa) e R 311-1 a R 311-
12 (parte regulamentar) do Código de Urbanismo Francês. As ZAC podem ser
compreendidas como as zonas no interior das quais a Administração Pública
intervém para realizar, diretamente, ou por via de concessão, a (re)ordenação
urbanística e a implantação de equipamentos urbanos. A lei francesa permite,
ainda, a alienação dos lotes resultantes da operação urbana, previamente
adquiridos pela Administração ou pelo concessionário, a fim de que sejam
recuperadas as despesas realizadas com a ação urbanística, em respeito ao
princípio da recuperação dos investimentos públicos de que tenha resultado a
valorização dos imóveis urbanos. A operação consorciada guarda semelhanças,
ainda, com o sistema de cooperación (cooperação), previsto pelo Direito espanhol
(art. 131 do Texto Refundido da Lei Espanhola de Solo e Ordenação Urbana de
1976). Nesse sistema, os proprietários de imóveis localizados no perímetro da
operação aportam os terrenos de cessão obrigatória e arcam com os custos da
execução do plano urbanístico. Explica Tomás-Ramón Fernández que o plano é
executado pela Administração Pública, que assume a responsabilidade pela
execução das obras de urbanização, contratando-as com terceiros ou realizando-as
por meio de uma sociedade urbanizadora. É o Poder Público também que distribui
as cotas de urbanização correspondentes a cada proprietário, podendo exigir
antecipadamente os gastos a realizar com toda a operação (FERNÁNDEZ, 2011, p.
173, tradução livre). Assim como a operação urbana consorciada e a outorga
onerosa do direito de construir, o sistema de cooperación fundamenta-se nos
princípios da cooperação entre governo e iniciativa privada no processo de
urbanização, da justa distribuição dos benefícios e ônus da atividade urbanística e

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da recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a


valorização de imóveis urbanos.

5 Definimos a concessão urbanística como uma espécie de contrato


administrativo de concessão por meio do qual o Poder Público municipal
delega a empresa ou a consórcios de empresas a execução de obras de
reurbanização, por sua conta e risco, em determinada área da cidade,
com a remuneração pelos investimentos realizados a ser obtida com a
exploração dos imóveis resultantes do empreendimento, com a
possibilidade de previsão de outras receitas alternativas (LEVIN, 2012).

6 O Estatuto da Cidade define coeficiente de aproveitamento como a relação entre


a área edificável e a área do terreno (art. 28, §1º).

7 O problema já aflige as grandes cidades brasileiras há décadas. Em texto escrito


em 1983, Eros Roberto Grau já alertava sobre as pressões que sofre o Poder
Público para promover a alteração das leis de zoneamento, “sempre com o fim de
que sejam ampliados os coeficientes de aproveitamento”. Nas palavras do autor, “a
ampliação dos coeficientes de aproveitamento implica sistematicamente o
acréscimo da demanda de equipamentos por parte da comunidade que vai ocupar
os locais relativamente aos quais ocorreu tal ampliação: meios de circulação,
equipamentos de água, esgoto, transportes públicos, áreas de lazer, áreas de
estacionamento etc.”. Daí, conclui, o desenvolvimento da noção de solo criado, que
implica no pagamento de uma contrapartida pelo proprietário em razão do aumento
dos índices construtivos (GRAU, 1983, p. 56).

8 Vale lembrar que duas das diretrizes da política urbana são ordenação e
controle do uso do solo de forma a evitar o parcelamento do solo, a
edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à
infraestrutura urbana (Lei nº 10.257/2001, art. 2º, inc. VI, c).

9 Explica Raquel Rolnik que a inspiração para a instituição da outorga onerosa no


Brasil foi o plafond legal de densité, que, em 1975, era instituído para toda a
França. Ressalta a autora que, naquele país, “a legislação proposta pelo Ministério
do Equipamento visava corrigir a enorme distorção existente entre os altíssimos
preços dos terrenos liberados para a construção de prédios altos e os preços baixos
num bairro vizinho onde os limites para a construção eram rígidos. A lei francesa
definiu então o coeficiente 1 para Paris e 1,5 para o resto da França” (ROLNIK,
2002, p. 201).

10 KALFLÈCHE, 2012, p. 35.

11 KALFLÈCHE, 2012, p. 36.

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12 Marco Aurélio Greco explica que, “se o particular pretende extrair de um imóvel
uma utilidade excepcional (construindo acima de um parâmetro), o plus de serviços
e infraestrutura gerados por essa ação encontram na ação do particular a causa do
seu surgimento e por ele devem ser recompostos” (GRECO, 1981, p. 19).

13 FERNANDEZ, 1981, p. 278, tradução livre.

14 Nas palavras de Fernando Dias Menezes de Almeida, um dos vetores da


evolução do Direito Administrativo, na democracia, é “a substituição dos
mecanismos de imposição unilateral –
tradicionalmente ditos de ‘império’ – por mecanismos de consenso, ou seja,
mecanismos que propiciem o acordo entre os sujeitos envolvidos na ação
administrativa, tanto os governantes, como os governados, sobre as bases da
ordem a que estarão submetidos, respeitando-se os limites da legalidade”
(ALMEIDA, 2012, p. 337).

15 José Nilo de Castro lembra a importância que teve o documento denominado


Carta de Embu para a introdução do conceito de solo criado na legislação
brasileira (CASTRO, 2010, p. 464). Esse documento, subscrito em 12.12.1976 por
vários juristas, arquitetos, urbanistas e economistas, lançou as bases para o
delineamento legislativo do instrumento. A redação da Carta é a seguinte:
“Considerando que, no território de uma cidade, certos locais são mais favoráveis à
implantação de diferentes tipos de atividades urbanas; Considerando que a
competição por esses locais tende a elevar o preço dos terrenos e a aumentar a
densidade das áreas construídas; Considerando que a moderna tecnologia da
construção civil permite intensificar a utilização dos terrenos, multiplicando o número
de pavimentos pela ocupação do espaço aéreo ou do subsolo; Considerando que
esta intensificação sobrecarrega toda a infraestrutura urbana, a saber, a capacidade
das vias, das redes de água, esgoto e energia elétrica, bem assim a dos
equipamentos sociais, tais como, escolas, áreas verdes etc.; Considerando que
essa tecnologia vem ao encontro dos desejos de multiplicar a utilização dos locais
de maior demanda, e, por assim dizer, permite a criação de solo novo, ou seja, de
áreas adicionais utilizáveis, não apoiadas diretamente sobre solo natural;
Considerando que a legislação de uso do solo procura limitar este adensamento,
diferenciadamente para cada zona, no interesse da comunidade; Considerando que
um dos efeitos colaterais dessa legislação é o de valorizar diferentemente os
imóveis, em conseqüência de sua capacidade legal de comportar área edificada,
gerando situações de injustiça; Considerando que o direito de propriedade,
assegurado na Constituição, é condicionado pelo princípio da função social da
propriedade, não devendo, assim, exceder determinada extensão de uso e
disposição, cujo volume é definido segundo a relevância do interesse social;
Admite-se que, assim como o loteador é obrigado a entregar ao poder público
áreas destinadas ao sistema viário, equipamentos públicos e lazer, igualmente, o

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criador de solo deverá oferecer à coletividade as compensações necessárias ao


reequilíbrio urbano reclamado pela criação do solo adicional, e Conclui-se que: 1.
É constitucional a fixação, pelo município, de um coeficiente único de edificação
para todos os terrenos urbanos. 1.1 A fixação desse coeficiente não interfere com a
competência municipal para estabelecer índices diversos de utilização dos terrenos,
tal como já se faz, mediante legislação de zoneamento. 1.2 Toda edificação acima
do coeficiente único é considerada solo criado, quer envolva ocupação de espaço
aéreo, quer a de subsolo. 2. É constitucional exigir, na forma da lei municipal, como
condição de criação de solo, que o interessado entregue ao poder público áreas
proporcionais ao solo criado; quando impossível a oferta destas áreas, por
inexistentes ou por não atenderem às condições legais para tanto requeridas, é
admissível sua substituição pelo equivalente econômico. 2.1 O proprietário de
imóvel sujeito a limitações administrativas, que impeçam a plena utilização do
coeficiente único de edificação, poderá alienar a parcela não utilizável do direito de
construir. 2.2 No caso do imóvel tombado, o proprietário poderá alienar o direito de
construir correspondente à área edificada ou ao coeficiente único de edificação”.
Percebe-se que o documento também lançou as bases para outro instrumento de
política urbana – a transferência do direito de construir, prevista no art. 35 do
Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001). Com efeito, o dispositivo permite que lei
municipal específica, baseada no plano diretor, autorize a transferência de potencial
construtivo de um imóvel para o outro do mesmo titular ou a alienação desse
potencial para terceiros interessados, no caso de imposição de restrições à
propriedade privada pelo poder público, como o tombamento, por exemplo. O
instrumento, assim como a outorga onerosa do direito de construir, tem fundamento
no princípio da justa distribuição dos ônus decorrentes da atividade urbanística – o
proprietário do imóvel tombado não deve arcar sozinho com os ônus do
tombamento, o qual, ao proteger o patrimônio cultural, beneficia toda a coletividade.

16 Há Municípios que definem o plano diretor e o zoneamento urbano em diplomas


legais distintos, como é o caso do Município de São Paulo, que editou a Lei nº
16.050/2014 (Plano Diretor Estratégico) e a Lei nº 16.402/2016 (lei de zoneamento).
Isso não significa dizer que são independentes. O Plano Diretor é o instrumento
básico da política de desenvolvimento urbano (CF, art. 182, §1º), e todas as leis
municipais reguladoras de matéria urbanística devem ser editadas de acordo com
os seus preceitos. Nesse sentido, decisão do Supremo Tribunal Federal proferida no
Recurso Extraordinário nº 607.940/DF, DJ de 26.2.2016, Rel. Ministro Teori
Zavascki. No julgamento, foi aprovada tese com repercussão geral no sentido de
que os Municípios com mais de vinte mil habitantes e o Distrito Federal
podem legislar sobre programas e projetos específicos de ordenamento
do espaço urbano por meio de leis que sejam compatíveis com as
diretrizes fixadas no plano diretor. Em outras palavras, de acordo com o STF,
podem ser editadas leis específicas que criam programas de ocupação urbanística

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que não estejam incluídos no plano diretor, desde que esses diplomas estejam de
acordo com as diretrizes gerais contidas no plano.

17 O próprio Estatuto da Cidade define coeficiente de aproveitamento como a


relação entre a área edificável e a área do terreno (art. 28, §1º).

18 Lucia Valle Figueiredo ressalta que a venda do potencial adicional de construção


deve ser realizada em área que comporte a edificação, ou seja, o cálculo do limite
construtivo máximo deve ser realizado com base na proporcionalidade entre o
adensamento da área e a infraestrutura urbanística existente. Para a autora, faz-se
necessária, portanto, a elaboração de estudos preliminares que levem em conta
essa proporção (FIGUEIREDO, 2005, p. 124).

19 Floriano de Azevedo Marques Neto afirma que vários podem ser os critérios
utilizados pelo Poder Público, indo desde a fixação de uma parcela do
valor venal do imóvel até uma estimativa de mercado do potencial
econômico atribuível ao “solo criado” (MARQUES NETO, 2010, p. 241).

20 Na mesma direção, Floriano de Azevedo Marques Neto afirma que a outorga


onerosa pode estar condicionada não ao pagamento em dinheiro, mas à
doação de áreas em outra região ou ao compromisso de efetivar
investimentos em infraestrutura urbana na mesma zona ou em outras
áreas da cidade (MARQUES NETO, 2010, p. 241).

21 Lei nº 16.050/2014 do Município de São Paulo, art. 115, caput: “A Prefeitura


poderá outorgar onerosamente o direito de construir correspondente ao potencial
construtivo adicional mediante contrapartida financeira a ser prestada pelos
beneficiários, nos termos dos arts. 28 a 31 e seguintes do Estatuto da Cidade, e de
acordo com os critérios e procedimentos estabelecidos nesta lei”.

22 O Plano Diretor do Município de São Paulo (Lei nº 16.050/2014) determina que


os recursos auferidos com as contrapartidas financeiras oriundas da
outorga onerosa de potencial construtivo adicional serão destinados ao
Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano – FUNDURB (art. 115,
parágrafo único). A criação de um fundo específico contribui para evitar que os
recursos auferidos com o pagamento da outorga sejam desviados para outros fins,
que não sejam relacionados à ordenação urbanística. Diogenes Gasparini, nesse
sentido, ressalta que a aplicação dos recursos decorrentes da venda de direitos de
construir ou da alteração de uso do solo para fins diversos dos elencados no
Estatuto da Cidade é ilegal – o autor cita como aplicação ilegítima dos recursos o
uso para pagamento da remuneração de servidores públicos (GASPARINI, 2002, p.
178).

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23 É o caso de José dos Santos Carvalho Filho. Para o autor, “inexiste propriamente
negócio jurídico que possa dar lugar a preço público, de modo que a contrapartida
tem natureza tributária, mais especificamente a de taxa, em virtude do exercício do
poder de polícia fiscalizatório pelo governo municipal” (CARVALHO FILHO, 2006, p.
207.)

24 Esse é o entendimento de Floriano Azevedo Marques Neto (2010). No mesmo


sentido, Diogenes Gasparini explica que o pagamento de contrapartida pela outorga
do direito de construir ou de alteração de uso tem a natureza de obrigação
contratual e, no caso de a contrapartida ser em dinheiro, sua natureza é
de preço público (GASPARINI, 2002, p. 178).

25 O Plano Diretor do Município de São Paulo (Lei nº 16.050/2014) traz uma


definição sobre o conceito de potencial construtivo adicional. O art. 116 do diploma
municipal prevê que o potencial construtivo adicional é bem jurídico
dominical, de titularidade da Prefeitura, com funções urbanísticas e
socioambientais. Assim, a outorga onerosa representaria o pagamento pelo uso
privativo do bem público dominical pelo particular interessado em edificar acima do
coeficiente básico de aproveitamento. O conceito de potencial construtivo adicional
apresentado pelo diploma municipal não nos parece correto do ponto de vista
científico. De fato, conforme explica Hubert Charles, o argumento segundo o qual o
direito de construir acima do limite máximo (na França, tal limite é denominado
plafond legal de densité) equivaleria ao confisco do próprio direito pela
coletividade, para ser em seguida revendido ao proprietário do solo mediante um
preço, é infundado (CHARLES, 1993, p. 9, tradução livre). Não se trata de
coletivização da mais-valia do direito de construir, posto que a administração não
pode se opor à pretendida revenda, na medida em que não se torna proprietária de
um bem público. Ou seja, o potencial adicional não se torna bem público em razão
da previsão legal de sua existência. Permanece nas mãos do proprietário do
terreno, mas somente pode ser exercido mediante o pagamento de uma
contrapartida financeira, que é um ônus a ser cumprido pelo interessado.

26 A doutrina tradicionalmente aponta essa diferença entre a taxa e a tarifa: a taxa,


em razão de sua natureza tributária, deve ser instituída por lei, ao passo que o
preço público pode ser fixado em decreto. Por todos, MEIRELLES, 2013, p. 166.

27 De acordo com Georges Louis Hage Humbert, permanece a liberdade do titular


do domínio de utilizar a propriedade, mas o exercício do direito de propriedade
sofre certo temperamento, pois que o antes absoluto interesse individual
submete-se, em alguma medida, ao atendimento da função social
especificada na lei, sob pena de aplicação da sanção cabível (HUMBERT,
2009, p. 104).

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28 Victor Carvalho Pinto ensina que o princípio da reserva de plano consiste “na
exigência de que as medidas que possam a vir afetar a transformação do território
constem dos planos urbanísticos, como condição para que possam ser executadas”.
Para o autor, o princípio da reserva do plano urbanístico impede que intervenções
urbanísticas planejadas convivam com ações não planejadas, o que seria prejudicial
para o planejamento urbano globalmente considerado. Através da imposição da
previsão das ações urbanísticas na lei que institui o plano diretor, permite-se que
tais ações sejam “decididas após cuidadosa ponderação das alternativas e
avaliação de seus efeitos” (PINTO, 2005, p. 217-220).

29 Nesse sentido, o Estatuto da Cidade determina que muitos dos instrumentos


urbanísticos indicados em seu texto somente serão aplicados se sua instituição for
prevista pelo plano diretor municipal. Entre eles, pode-se citar: a) o parcelamento,
edificação ou utilização compulsórios de imóveis urbanos (Lei nº10.257/2001, art.
5º), inclusive no que se refere à delimitação das áreas urbanas onde poderá ser
aplicado o instrumento, considerando a existência de infraestrutura e de demanda
para utilização (art. 42, I); b) o direito de preempção (art. 42, II c/c art. 25); c) a
outorga onerosa do direito de construir e do direito de alteração do uso (art. 42, II
c/c arts. 28 a 31); d) a transferência do direito de construir (art. 42, II, c/c art. 35); e
e) as operações urbanas consorciadas (art. 42, II, c/c arts. 32 a 34). A maior parte
desses instrumentos (parcelamento, edificação e utilização compulsórios; direito de
preempção; transferência do direito de construir; operação urbana consorciada)
depende, ainda, de lei municipal específica (baseada no plano diretor) que os
instituam.

Como citar este conteúdo na versão digital:

Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico
publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:

LEVIN, Alexandre. Outorga onerosa do direito de construir: fundamentos principiológicos, natureza jurídica
e disciplina normativa. Fórum de Direito Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 16, n.
96, nov./dez. 2017. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/PDI0006.aspx?pdiCntd=249233>. Acesso
em: 18 maio 2018.

Como citar este conteúdo na versão impressa:

Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico
publicado em periódico impresso deve ser citado da seguinte forma:

LEVIN, Alexandre. Outorga onerosa do direito de construir: fundamentos principiológicos, natureza jurídica
e disciplina normativa. Fórum de Direito Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 16, n.
96, p. 9-20, nov./dez. 2017.

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