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O CONCEITO DE AMBIENTE EM ENRIQUE LEFF

EVELIN CUNHA BIONDO1

Resumo: Enrique Leff vem provocando diálogos profícuos e constitutivos dentro do campo ambiental,
por meio de uma abordagem inovadora, apontando a relevância da discussão epistemológica para a
resolução da crise ambiental. Ele não só nos apresenta o conceito de ambiente inscrito dentro de sua
epistemologia ambiental, mas também reflete sobre outros posicionamentos teóricos acerca do
ambiente, trazendo contrapontos à sua teoria que compreende, dentre outros conceitos, os de saber
ambiental, racionalidade ambiental, complexidade ambiental e diálogo de saberes. Sendo assim, é
objetivo deste artigo apresentar e analisar as concepções de ambiente desenvolvidas em Leff (2001,
2002, 2009, 2010 e 2012). Para isto, recorreu-se à pesquisa bibliográfica através da leitura,
comparação e análises de argumentos presentes ao longo das obras selecionadas de Leff,
publicadas originalmente no decorrer de três décadas, findando, neste texto, em uma sistematização
de sua abordagem sobre o conceito de ambiente. Justifica-se a pertinência do debate, pois para Leff
(2002) é preciso estudar os efeitos da problemática ambiental sobre as transformações
metodológicas, as transferências conceituais e a circulação terminológica entre as diferentes
disciplinas que participam na explicação e no diagnóstico das transformações socioambientais, assim
como a forma que estes paradigmas produzem e assimilam um conceito de meio ou de ambiente.
Cabe também à ciência geográfica parte nesse estudo, já que um dos grandes problemas das
relações múltiplas que se estabelecem entre a Geografia e a questão ambiental parece-nos ser a
construção e a concepção epistemológica do conceito de ambiente. É necessário aprofundarmos o
conhecimento de como se faz Geografia, promovendo um adensamento dos referenciais teóricos,
metodológicos e de técnicas utilizadas nesta construção no que se refere ao ambiente que, muitas
vezes, beiram a imprecisão conceitual em sua relação interna ao debate geográfico. Vale ressaltar
que argumentar por precisão conceitual não é o mesmo que advogar por um pensamento único.
Pensamos que a obra de Enrique Leff e esta análise aqui proposta podem trazer contribuições para
uma compreensão mais objetiva e sistemática dos conceitos e teorias da Geografia, especificamente
no que se refere ao conceito de ambiente, pois a crise ambiental que problematiza os paradigmas
estabelecidos do conhecimento, demanda um processo de reconstrução do saber, principalmente em
um momento em que no Brasil há a progressiva tentativa de deslegitimar o conhecimento científico.
Por fim, é possível observar que, à medida que o autor desenvolve sua trajetória e que vai
sistematizando seu corpus teórico, surgem premissas que, aliadas à caracterização por negação,
delineiam a compreensão do significado de ambiente.

Palavras-chave: Enrique Leff; ambiente; epistemologia ambiental; Geografia.

Abstract: Enrique Leff has been provoking meaningful and constitutive dialogues within the
environmental field through an innovative approach that points out the relevance of the
epistemological discussion to solve the environmental crisis. He not only presents us the concept of
environment within his environmental epistemology, but he also reflects about other theoretical
assumptions on the environment, bringing up counterpoints to his theory that includes, among other
concepts, those of environmental knowledge, environmental rationality, environmental complexity and

1 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio


Grande do Sul – UFRGS. Docente do Colégio de Aplicação – CAP/ UFRGS. E-mail de contato:
evelinb@gmail.com
the dialogues between knowledge. Thus, this paper aims to present and analyze the environmental
concepts developed by Leff (2001, 2002, 2009, 2010 and 2012). For this purpose, we have made use
of the bibliographical research via the reading, comparison and analyses of the arguments along Leff’s
selected works, originally published over the course of three decades, which culminates in the
systematization of his understandings of environment in this text. Leff (2002) states that it is necessary
to study the impact of environmental problems upon methodological transformations, conceptual
transfers and the terminological interchange between the various disciplines that participate in the
explanation and diagnosis of socio-environmental transformations, as well as the way these
paradigms produce and assimilate a concept of the milieu or environment, which justifies the
relevance of this debate. It is also the task of the Geographical Science to join this study, since one of
the great problems of the multiple relations that are established between Geography and the
environmental issue seems to be the development and the epistemological conceptualization of the
concept of environment. It is necessary to deepen the understanding of how Geography is made, by
promoting the expansion of the theoretical, methodological and technical references used in this
construction, with regard to the notion of environment that often borders the conceptual inaccuracy in
its inner relation to the geographical debate. It is worth mentioning that arguing for conceptual
precision is not the same as defending a common thought. We think that the work of Enrique Leff and
the analysis herein presented can contribute to a more objective and systematic understanding of the
concepts and theories of Geography, specifically the concept of environment; because the
environmental crisis that questions the established paradigms of knowledge requires a process of
reconstruction of knowledge (particularly in a time in which in Brazil there’s the progressive attempt to
de-legitimate scientific knowledge). Finally, it is possible to note that, as the author develops his
trajectory and systematizes his theoretical corpus, there are premises that combined with the
characterization by denial, define the comprehension of the meaning of environment.

Key-words: Enrique Leff; environment; environmental epistemology; Geography

1 – Introdução

Enrique Leff Zimmermann vem provocando diálogos profícuos e constitutivos


dentro do campo ambiental, por meio de uma abordagem inovadora, apontando a
relevância da discussão epistemológica para a resolução da crise ambiental. Ele não
só nos apresenta o conceito de ambiente inscrito dentro de sua epistemologia
ambiental, mas também reflete sobre outros posicionamentos teóricos acerca do
ambiente, trazendo contrapontos à sua teoria que compreende, dentre outros
conceitos, os de saber ambiental, racionalidade ambiental, complexidade ambiental
e diálogo de saberes.
O autor mexicano é um dos principais pensadores da temática ambiental,
amplamente conhecido na América Latina, trabalhando nos campos da Filosofia e da
Epistemologia Ambiental, da Ecologia Política e da Economia Ecológica, bem como
da Educação e da formação ambiental. É doutor em Economia do Desenvolvimento
(1975, Universidade de Paris – Sorbonne) e possui formação inicial em Engenharia
Química (1968, Universidade Nacional Autônoma do México – UNAM), o que
também demarca sua capacidade de trânsito entre as ciências naturais e sociais.
Atualmente é pesquisador do Instituto de Investigaciones Sociales (IIS) e professor
da Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da UNAN. Além disso, foi coordenador
da Rede de Formação Ambiental da América Latina e Caribe do Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) entre 1986 e 2008.
É objetivo deste artigo apresentar e analisar as concepções de ambiente
desenvolvidas em Leff (2001, 2002, 2009, 2010 e 2012)2. Para isto, recorreu-se à
pesquisa bibliográfica através da leitura, comparação e análises de argumentos
presentes ao longo das obras selecionadas, publicadas originalmente no decorrer de
três décadas, findando, neste texto, em uma breve sistematização de sua
abordagem sobre o conceito de ambiente.
Justifica-se a pertinência do debate, pois para Leff (2002) é preciso estudar os
efeitos que a problemática ambiental tem sobre as transformações metodológicas,
nas transferências conceituais e na circulação terminológica entre as diferentes
disciplinas que participam na explicação e no diagnóstico das transformações
ambientais, assim como é necessário refletir sobre a forma que estes paradigmas
produzem e assimilam um conceito de meio ou de ambiente. Sendo assim, é
possível compreender que

2 Vale destacar que todas as referências utilizadas são traduções para a Língua Portuguesa. Faz-
se importante esse ponto, visto que, como bem alerta o autor, a Língua Portuguesa não
contempla o debate feito em Língua Espanhola entre sostenible e sostentable, por exemplo.
Contudo, outros termos se fazem por tradução idêntica como em ambiente e medio ambiente.
Atento a estas diferenças, Leff ou mantém o termo em espanhol ou faz ressalvas, solicitando a
leitura atenta na tradução para essas especificidades. Pensamos que, apesar de usar os textos
traduzidos, isto não trouxe prejuízos à argumentação exposta neste artigo.
A problemática ambiental não é percebida só a partir de diferentes posições
teóricas, visões políticas e interesses sociais entre diferentes grupos sociais.
Estas diferenças traduzem-se no sentido dos conceitos, nos discursos
teóricos e práticos que atravessam a temática do meio ambiente e do
desenvolvimento sustentável. […] Estas concepções transferiram-se tanto
no discurso político e acadêmico como por ativistas dos movimentos sociais.
(LEFF, 2009, p. 329)

Se aceitamos que as concepções de mundo a partir dos conceitos revelam-se


não só na esfera teórica, mas também na prática, é preciso compreender como se
constroem esses conceitos. Nesta mesma linha argumentativa, acompanhamos o
autor ao expor que

A concepção do mundo não emerge de categorias a priori do pensamento;


se os conceitos (espaço, tempo) indicam as condições de possibilidade do
ser, da coisa, do mundo, temos que entender as condições dos seres das
coisas que têm nos levado a instaurar as concepções do mundo que
construíram o mundo. Dessa forma, o ambiente não poderia ser concebido
como uma intuição, mas sim como um conceito que abre a possibilidade do
ser como construção social. Se as formas de conhecimento através das
quais chegamos a apreender o real estão sujeitas a certas formas
“humanas” de entendimento (a espacialidade e a temporalidade dos
fenômenos das coisas), devemos ver como se constroem as categorias
conceituais e as ideologias teóricas que internalizam o interesse social nas
formas de entendimento da realidade. (LEFF, 2002, p.196)

Posto isso, cabe também à ciência geográfica parte nesse estudo, já que um
dos grandes problemas das relações múltiplas que se estabelecem entre a
Geografia e a questão ambiental parece-nos ser a construção e a concepção
epistemológica do conceito de ambiente. Na mesma linha, Leff (2002, p.217)
defende que “A crise ambiental não é crise ecológica, mas crise da razão. Os
problemas ambientais são, fundamentalmente, problemas do conhecimento.” Ou
seja, é necessário aprofundarmos o conhecimento de como se faz Geografia,
promovendo um adensamento dos referenciais teóricos, metodológicos e de
técnicas utilizadas nesta construção no que se refere ao ambiente que, muitas
vezes, beiram a imprecisão conceitual também na sua relação interna ao que
corresponde o debate geográfico. Vale ressaltar que argumentar por precisão
conceitual não é o mesmo que advogar por um pensamento único.
Pensamos que a obra de Enrique Leff e esta análise aqui proposta podem
trazer contribuições para uma compreensão mais objetiva e sistemática dos
conceitos e teorias da Geografia, especificamente no que se refere ao conceito de
ambiente. A crise ambiental que problematiza os paradigmas estabelecidos do
conhecimento, demanda um processo de reconstrução do saber, principalmente em
um momento em que no Brasil há a progressiva tentativa de deslegitimar o
conhecimento científico.

2 – Raízes epistemológicas para a criação do conceito de ambiente

A partir das obras, fica evidente que o conceito de ambiente para Leff se faz a
partir de um sentido ampliado. Dessa forma, nos perguntamos qual seria a maneira
mais adequada de expormos o seu pensamento e ainda assim atender ao objetivo
aqui proposto. Então, nossa preocupação não foi traçar uma linha temporal para a
evolução de seu pensamento, visto que ele é permeado por premissas necessárias
para armar seu raciocínio. Não nos parece coerente com o objetivo - analisar as
concepções de ambiente desenvolvidas pelo autor – apresentar estas contribuições
de forma linear. Foi também escolha de Leff agrupar seus textos por temáticas,
sendo assim, as suas publicações contêm, na mesma obra, capítulos com
diferenças de mais de duas décadas entre suas divulgações. À vista disso,
adotamos a perspectiva presente em Leff (2010) que aborda as raízes
epistemológicas para a criação do conceito de ambiente. Para isso, sistematizamos
esta interpretação nos três seguintes pontos:

a) O ambiente como externalidade do sistema econômico

Em diálogo constante com a economia, principalmente nos textos mais


antigos, o autor interpreta que nas abordagens economicistas o ambiente surge
como um custo a mais de produção, aparecendo como um fator que limita a
capacidade produtiva e o crescimento econômico a curto e médio prazo. Tal reflexão
é presente e constante ao longo das obras analisadas. Justifica este raciocínio
alertando que os desafios que o ambiente coloca

[…] ao invés de gerar uma refundamentação da teoria da produção, foram


abordados mediante a incorporação de uma “dimensão ambiental” nas
funções de produção, e na integração de variáveis socioambientais às
metas econômicas através de ajustes na teoria econômica convencional e
nas práticas de planificação do desenvolvimento. (LEFF, 2009 p. 177-178).

Ou seja, inclui-se o ambiente como variável, atribuindo-lhe valores para


incorporar esta dimensão ambiental ao sistema econômico. Sendo assim, Leff (2001,
2009, 2010) aponta que, para a economia, o ambiente é uma externalidade. Para
ele,

Quando a problemática ambiental se manifesta e se questiona o


crescimento econômico e a própria economia por sua interferência e
responsabilidade na degradação ambiental, a economia responde afirmando
que “o ambiente é uma externalidade do sistema econômico”. (LEFF, 2010
p. 258)

Com essa internalização ao que é externo no sistema econômico,


incorporando-o parcialmente, surge a noção do ambiente “[…] como o espaço de
articulação entre sociedade e natureza, situação a que teria nos levado a disjunção
entre o objeto e o sujeito do conhecimento, […]” (LEFF, 2010, p. 258). É neste
momento que o autor vislumbra uma virada epistemológica, configurando o ambiente
como potencial produtivo (2001, 2002, 2009, 2010), a partir de um novo paradigma
produtivo em contraponto às visões economicistas 3. Estes seriam panoramas
opostos e irreconciliáveis, pois

3 É sintoma do propósito – integrar a economia ao ambiente - “[…] à elaboração de novos conceitos


na planificação e gestão de recursos naturais […]. Iniciou-se também elaboração de novos
instrumentos de planificação dos pontos inventários e contas do patrimônio natural e cultural em
indicadores ambientais que permitam avaliar a contribuição dos processos ecológicos, culturais
tecnológicos e econômicos ofertas sustentada de recursos […] (LEFF, 2009, p. 312). A Geografia
não passou alheia a esta demanda. Surgem subcampos desta ciência para pensar a incorporação
O princípio de incomensurabilidade dos diferentes processos que
caracterizam o sistema socioambiental tem um sentido mais amplo e
concreto na perspectiva de novo paradigma produtivo. O ambiente aparece,
assim, como um sistema produtivo, fundado nas estruturas funcionais dos
ecossistemas e suas condições de estabilidade e produtividade. (LEFF,
2009, p. 195)

Sendo então potencialidade, o ambiente emerge do que é periférico dentro da


racionalidade4 econômica, pois

O ambiente é justamente esse campo de externalidades que permaneceu


marginalizado, desterrado e anatematizado do território do matematizável e
quantificável pela racionalidade econômica. A globalização e
complexificação do ambiente leva à necessidade de gerar novas
perspectivas epistemológicas e metodológicas, capazes de pensar a
interdependência entre estes processos físicos, biológicos e sociais, e
correspondem a diferentes ordens ontológicas e esferas de racionalidade,
para apreender sua causalidade múltipla e suas relações estruturais dentro
de sistemas ambientais complexos. (LEFF, 2001 p. 170)

Mais do que reconhecer esta exterioridade ou a potencialidade, é necessário


conceber novas perspectivas que evidenciem a mutualidade de processos que
conformam e explicam o conceito de ambiente. Aponta, então, para a segunda raiz
epistemológica que abordaremos.

b) O ambiente como externalidade ao logocentrismo da ciência

Se o primeiro ponto refere-se ao problema do ambiente em relação à


racionalidade econômica vigente, o segundo diz respeito à racionalidade teórica. O
autor, pensando sobre a constituição das ciências modernas formadas em torno de

dessa externalidade, vide a demanda acerca da gestão e planejamento ambiental e todo seu
ferramental técnico instrumental.
4 Para o autor, a racionalidade ambiental só é possível a partir da articulação de quatro níveis de
racionalidades: a racionalidade substantiva, a racionalidade ambiental teórica, a racionalidade
ambiental técnica ou instrumental e a racionalidade ambiental cultural. A racionalidade econômica
tem seus princípios diametralmente opostos à racionalidade ambiental. Para maior detalhamento,
ver Leff (2002).
um objeto-núcleo de conhecimento, vê que a busca de unidade e objetividade
acabou por fraturar o conhecimento. Esta fragmentação do conhecimento em áreas,
acabou por gerar as “ciências ambientais”, bem como constituiu um espaço de
exclusão ocupado pelo ambiente no universo destas formações centradas. Desta
forma, sua tese central é de que “O ambiente nunca chega a se internalizar em um
paradigma científico ou em um sistema de conhecimento. (LEFF, 2012, p.27).
Para defender esta centralidade, argumenta que no momento de constituição
da ciência moderna foi possível pensar em “[…] uma concepção meramente
empírica e funcional do ambiente, como meio ou entorno de uma população, da
economia da Sociedade.” (LEFF, 2010, p. 259). Tal concepção gerou, a partir dos
anos 1960 (com o movimento contracultural, com a ascensão de questões
ambientais e em contraposição a empiria e ao positivismo na ciência), uma transição
do ambiente como meio ou entorno para o ambiente enquanto

[…] “espaço” de articulação entre sociedade e natureza, entre ciências


sociais e ciências naturais. Seu ponto de demarcação fundamental foi a
distinção entre o objeto real e o objeto de conhecimento, como um princípio
epistemológico para enfrentar as concepções empiristas e positivistas do
conhecimento, assim como a vontade metodológica de reintegrar o
conhecimento fragmentado mediante a correspondência entre o
pensamento holístico e uma realidade complexa. (LEFF, 2012, p. 29)

Contudo, apesar dessa transcendência do conceito, Leff discorda destas


abordagens pois

[…] o ambiente não é o espaço de articulação das ciências já constituídas,


como se fosse o meio que se plasma entre duas formações teóricas
centradas ou o entorno de seus núcleos teóricos. O ambiente não é um
objeto perdido no processo de diferenciação e especificação das ciências,
reintegrável pelo interdisciplinar nos conhecimentos existentes; não é o
conhecimento positivo que viria completar paradigmas científicos que
esqueceram a natureza, ignoraram as relações ecológicas e a
complexidade ambiental. Por isso as ciências ambientais não existem. O
ambiente é um saber que questiona o conhecimento. O ambiente não é um
simples objeto de conhecimento ou um problema técnico. O ambiente
emerge da ordem do não pensado pelas ciências, mas também do efeito do
conhecimento que tem desconhecido e negado a natureza e que hoje se
manifesta como uma crise ambiental. (2012, p. 30)
Desta maneira, “[…] o ambiente não poderia ser um campo interdisciplinar
constituído pela confluência de algumas “ciências ambientais” emergentes para
abordar as relações sociedade-natureza.” (LEFF, 2012, p. 39). Ao contrário, para Leff
não existem as “ciências ambientais”. Ou seja, o ambiente não é o objeto unificador
das ciências (centradas em seus objetos autônomos), justamente por não ser objeto.
Conclui que “[…] o propósito de internalizar a “dimensão ambiental” nos paradigmas
do conhecimento se propõe como um confronto de racionalidades e tradições, com
um diálogo aberto à outridade, à diferença e à alteridade.” (LEFF, 2002, p. 161).
Então, ultrapassando esta concepção empírica e funcional, o autor aspira que “O
ambiente constitui um campo de externalidade e complementaridade das ciências.
Em torno de cada objeto de conhecimento constrói-se um saber ambiental que
problematiza e transforma seus paradigmas de conhecimento.” (LEFF, 2001, p. 160).
Avança, ao crer que “[…] O ambiente deixa de ser um objeto de conhecimento para
se converter em fonte de pensamentos, de sensações e de sentidos.” (LEFF, 2012,
p. 130).

A presença dessa argumentação se faz constante ao longo das obras. Sendo


assim, passa a definir o ambiente em relação a racionalidade teórica como: a “[…]
falta insaciável de conhecimento onde se aninha o desejo e saber que gera uma
tendência interminável para produção de conhecimentos, a fim de fundamentar uma
nova racionalidade social sobre princípios de sustentabilidade, justiça e democracia.”
(LEFF, 2001, p. 225); “[…] a falta de conhecimento que nos impele ao saber”. (LEFF,
2002, p. 205); ou em “[…] um campo de externalidade logocentrismo da ciência,
como o “outro” das teorias científicas constituídas.” (LEFF, 2010, p. 259-260); e, por
fim, “[…] como o Outro da racionalidade realmente existente e dominante;
problematiza as ciências para transformá-las a partir de um saber ambiental que lhes
é “externo.” (LEFF, 2012, p. 30)

c) O ambiente como identidade própria do pensamento latino-americano


Por fim, Leff (2001, 2009, 2010, 2012) é categórico ao afirmar que estas
novas perspectivas – incluindo a que ele apresenta – que cercam conceito de
ambiente só poderiam partir do Sul, da América Latina. Para corroborar à
argumentação, Leff (2001) aponta que os países do Norte e do Sul 5 adotam
diferentes significados. Em geral, os países no Norte adotam uma perspectiva
naturalista ou ecológica para o ambiente enquanto que os do Sul caminham para a
incorporação dos processos sociais que determinam a problemática ambiental. É o
que o autor demonstra a seguir:

Contudo, a conceitualização do ambiente, sobretudo no âmbito latino-


americano, ultrapassou a visão conservacionista referente aos problemas
derivados da contaminação destrutiva dos recursos, para abrir uma
perspectiva de desenvolvimento, na qual ambiente adquire um significado
mais amplo, tanto na concepção de sua gênese histórica, quanto na sua
caracterização como um potencial produtivo em um sistema de recursos.
(LEFF, 2009, p. 175)

Avança demonstrando que os grupos que se mobilizam em favor deste


conceito de ambiente mais rico e complexo não centraram-se somente na academia,
pois

Estas concepções transferiram-se tanto no discurso político e acadêmico


como por ativistas dos movimentos sociais. Contudo, na América Latina foi-
se construindo o conceito de ambiente, que se diferencia das visões
ecologistas e das soluções tecnológicas da problemática dos recursos
naturais. O ambiente é concebido como um sistema complexo que articula
os diferentes processos de ordem física, biológica, cultural, ideológica,
política e econômica, os quais confluem e definem um potencial produtivo
para um desenvolvimento sustentável, e um novo conceito que gera uma
nova racionalidade social: uma racionalidade ambiental. (LEFF, 2009, p.
329)

5 Como anteriormente apontado, o autor mantém as noções originais do momento da publicação de


seus textos, sendo assim, percebe-se a variação da utilização, com o mesmo propósito, das
noções de terceiro mundo, subdesenvolvido, sul – e o norte em oposição, findando na utilização
do termo periférico.
Neste ponto, podemos inferir que somente é possível pensar tais perspectivas
a partir do Sul, já que “O conceito de ambiente como potencial é tipicamente e
propriamente latino-americano.”(LEFF, 2010, p. 262). Sendo

Assim, no contexto dos discursos da descolonização do conhecimento, a


externalidade e a radicalidade do conceito epistemológico de ambiente
oferece um ponto de apoio para a desconstrução da racionalidade
insustentável da modernidade e para a construção de uma racionalidade
alternativa […] (LEFF, 2010, p. 263).

E é, portanto, da radicalidade assumida pelo conceito de ambiente (como


potencialidade e de saberes culturais), que gera um saber ambiental, que nasce e se
reivindica o pensamento ambiental latino-americano.

3 – Considerações finais

Expusemos as três premissas que o autor, em diálogo com seu sistema


teórico, propõe para o conceito de ambiente. Leff (2001), ao refletir sobre seu
legado, aponta que seus capítulos formam um caleidoscópio no qual o conceito de
ambiente vai adquirir novas luzes e matizes, onde os reflexos de cada tema sobre os
outros vão delineando novas vertentes e abrindo novos campos de aplicação. Dessa
maneira, compreendemos que uma citação, mesmo que contextualizada, não traria
a complexidade do conceito de ambiente assumida em Leff. Portanto, reafirmamos a
posição metodológica aqui exposta, que pretende abordar a construção de seu
conceito através de premissas. Compreendemos que os trechos elencados lidos em
conjunto, exprimem o conceito de ambiente em Enrique Leff. Para corroborar
trazemos a seguinte definição

O ambiente não é apenas o mundo “de fora”, o entorno do ser e do


ente, ou que fica fora de um sistema. O ambiente é um saber sobre
a natureza externalizada, sobre as identidades desterritorializadas;
sobre o real negado saber se subjugados pela razão totalitária, o
logos unificador, a lei universal, a globalidade homogeneizante e a
ecologia generalizada. O ambiente é objetividade e subjetividade,
exterioridade e interioridade, falta em ser e falta de saber, que não
preenche nenhum conhecimento objetivo, um método sistêmico e
uma doutrina totalitária. O ambiente não apenas é um objeto
complexo, mas é integrado pelas identidades múltiplas que
configuram uma nova racionalidade que acolhe a diferentes
racionalidades e imaginários culturais e que inaugura diferentes
mundos de vida. (LEFF, 2010, p. 205)

Nos trechos utilizados, vemos a constante necessidade do autor pontuar o


que o ambiente não é, ou seja, o ambiente passa também por uma caracterização
pela negação. Pensamos que a justificação para tal necessidade advenha da grande
imprecisão conceitual assumida nos debates sobre o ambiente ao longo das últimas
cinco décadas e a intensa necessidade política de Leff em negar as visões de
mundo apresentadas em outras definições. É, inclusive, uma ruptura conceitual ao
que usualmente e historicamente se pensa sobre o ambiente. É, portanto, no
processo de negação que se dá a diferenciação - e não a definição - com as demais
definições e a demarcação de diferente concepção de mundo. É, portanto, inerente
ao conceito de ambiente presente em Enrique Leff sua radicalidade e potencialidade
através de um pensamento a partir do sul, que está fora da racionalidade econômica
e do logocentrismo da razão moderna.
Novamente, cabe ponderar que os textos aqui apresentados foram
originalmente escritos entre 1986 e 2008. Em quase três décadas, são esperadas
pequenas mudanças de abordagem e aprofundamento teórico dentro da obra. O
mundo mudou e surgiram novos conceitos e situações que irromperam neste campo.
É o que presenciamos nestas cinco obras analisadas. Leff passa a desenvolver um
rigoroso ferramental teórico, criando e ressignificando termos e conceitos. Seu texto
inicial estava “[…] inscrito dentro do discurso do ecodesenvolvimento, do
ambientalismo nascente, e da gestão ecológica; […]” (LEFF, 2009, p.9) e então
foram se somando conceitos de sustentabilidades, desenvolvimento sustentável,
como sinais de uma construção, findando em sua epistemologia ambiental ampla e
em diálogo constante com o saber ambiental e com a racionalidade ambiental.
Assim, principalmente em seus textos iniciais, é possível encontrar a maior gama de
referências e terminologias a meio, meio físico, meio ambiente, socioambiental,
ambiente e a tantos outros correlatos sem a precisão e a coerência teórica que
assume ao expandir suas pesquisas, que orbitam em sua epistemologia ambiental.
Inclusive termos utilizados como sinônimos , como ambiente e socioambiental. É de
se destacar o esforço teórico para diferencias a noção de meio a de ambiente. Para
o autor referir-se a meio ambiente – a partir de suas premissas – é incoerente. Para
que assim, então, o ambiente apareça como conceito basilar na construção de seu
sistema teórico.

Referências

LEFF, E. As aventuras da epistemologia ambiental: da articulação das ciências ao


diálogo de saberes. São Paulo: Cortez, 2012.

LEFF, E. Discursos sustentáveis. São Paulo: Cortez, 2010.

LEFF, E. Epistemologia ambiental. São Paulo: Cortez, 2002.

LEFF, E. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Rio de


Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.

LEFF, E. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder.


P
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