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passos-a-frente

Publicado em NOVA ESCOLA 29 de Outubro | 2018

Artigo

A BNCC e a Educação Física na


escola: passos à frente?
Há pontos positivos na Base, mas também contradições sérias, que precisam
ser analisadas com critério pelo professor do componente

BNCC propõe a integração de duas tendências divergentes na Educação Física: a cultural e a


construtivista. Ilustração: Rita Mayumi/Nova Escola

As concepções teóricas sobre o ensino da Educação Física nas últimas décadas passaram por
importante transformação e a repetição mecânica de exercícios, a ausência de crítica e reflexão na
realização das práticas corporais, a alienação política pedagógica e o baixo status desse componente
curricular foram bastante questionados. Em função disso, esperava-se que a BNCC trouxesse para as
aulas de Educação Física um enfoque mais claro, que dialogasse de forma mais objetiva e possível
sobre o ensino desse componente na escola. Mas não é o que acontece.

Para tematizar as práticas corporais em suas diversas formas de codificação e significação social, a
Base propõe a integração de duas tendências divergentes no ensino de Educação Física: uma cultural e
outra de base construtivista. A primeira tendência reconhece que o movimento humano está sempre
inserido no âmbito da cultura e tem como principal objetivo o trabalho com as práticas corporais,
abordadas como fenômeno cultural dinâmico, diversificado, pluridimensional, singular e contraditório.
A segunda, de base construtivista, influenciada pela tipologia dos conteúdos proposta por César Coll,
que entende a imersão na cultura como necessária, mas não suficiente para a prática corporal dos
alunos, propõe o desenvolvimento de competências e habilidades específicas para cada segmento de
escolaridade.

Nas duas primeiras versões do documento, percebe-se claramente a influência da abordagem cultural
da Educação Física escolar, seu posicionamento político pedagógico e a sua articulação à área de
Linguagens. Já na versão final, ao introduzir as competências e habilidades específicas da Educação
Física, a Base apresenta um discurso mais alinhado às teorias da psicologia do desenvolvimento,
concentrando-se na proposição das habilidades essenciais que todos os alunos devem desenvolver a
cada etapa da Educação Básica. Porém, a primeira ideia se opõe à segunda.

É importante destacar que o esforço de anos para que a Educação Física não seja mais tratada como
uma prática meramente recreativa, voltada ao desenvolvimento da aptidão física e desportiva, está
presente no texto da BNCC. O desafio maior é o que fazer com tantos conteúdos propostos. Por mais
que o próprio documento afirme que os critérios de organização das habilidades na BNCC não devam
ser tomados como modelo obrigatório para o desenho dos currículos, a impressão que se tem é que
há um excesso de objetos de conhecimento e habilidades para o escasso tempo didático (duas aulas
semanais) disponível na realidade escolar brasileira.

Outra idiossincrasia do documento é o que a BNCC chama de “progressão do conhecimento” na


unidade temática de jogos e brincadeiras. Há a mudança de brincadeiras populares do contexto
regional para brincadeiras populares do Brasil, sem que ocorra uma explicação sobre o que faz as
primeiras serem consideradas menos complexas do que as outras. Nessa mesma unidade temática, o
documento se posiciona favorável à valorização do jogo com um fim em si. Na Educação Física Escolar,
predomina o entendimento de que os alunos constroem conhecimento de forma relativamente
natural e espontânea ao participar de práticas sociais como os jogos e as brincadeiras. No entanto,
planejar e utilizar estratégias para resolver desafios é uma habilidade que não ocorre
espontaneamente e com a mesma intensidade em todos os alunos. Portanto, o jogo em si não
oportuniza as mesmas habilidades para todos. É necessário que exista intencionalidade na ação do
professor.

Essas são apenas algumas das incoerências que podem ser observadas em uma leitura mais crítica e
minuciosa do documento. Mas o maior desafio da BNCC de Educação Física, na minha opinião, ainda é
ter um marco teórico coerente e conseguir aproximar do professor que está no “chão da quadra” uma
concepção que ainda está muito distante da realidade desse componente na escola.

Marcos Santos Mourão (Marcola) é professor de Educação Física do Ensino Fundamental da Escola da Vila, professor do Centro
de Formação da Escola da Vila e selecionador do Prêmio Educador Nota Dez

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