Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Ecos d e J a cq u es D errida
Organização
Paulo Cesar Duque-Estrada
E d it o r a
PUC
RIO Edições Loyola
© Editora PUC-Rio
Rua Marquês de S. Vicente, 225 - Projeto Comunicar
Praça Alceu Amoroso Lima, casa Editora
Gávea - Rio de Janeiro - RJ - CEP 22453-900
Telefax: (21) 3114-1609 / 3114-1610
Site: www.puc-rio.br/editorapucrio
E-mail:edpucrio@ vrc.puc.rio.br
Conselho Editorial
Augusto Sampaio, Cesar Romero Jacob, Danilo Marcondes de Souza Filho,
Maria Clara Lucchetti Bingemer, Fernando Sá, Gisele Cittadino,
José Alberto dos Reis Parise, Miguel Pereira
Revisão de originais
Débora de Castro Barros
© Edições Loyola
Rua 1822, ne 347 - Ipiranga
04216-000 São Paulo, SP
Caixa Postal: 42.335
04218-970 São Paulo, SP
Tel: (11) 6914-1922
Fax: (11) 6163-4275
Site e vendas: www.loyola.com.br
Editorial: loyola@loyola.com.br
Vendas: vendas@loyola.com.br
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou
transmitida porquaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e
gravação) ou arquivada em qualquer sistem ou banco de dados sem permissão
escrita da Editora.
ISBN: 85-15-02953-7
© Edições Loyola, São Paulo, Brasil, 2004
Introdução...................................................................................... ..
Desconstrução e Ética
Geoffrey B ennington.......................................................................... . 9
O Direito da Desconstrução
Rachel N ig ro .........................................................
H orizonte Dissimétrico:
O nde se Desenha a Ética Radical da Desconstrução
1 31
Ana M aria C ontinentino..................................................................
Apêndice n -j
Política e Amizade: uma Discussão com Jacques er ^^
Geoffrey Bennington..............................................
D esconstrução e É tica
Geoffrey Bennington
9
D esconstruçao e Ética
3 Force de loi. Paris: Galilée, 1994. Trad. M ary Quaintance. Force o f law: the “mystical
foundation” o f authority. In: Cardozo Law Review, 11/5-6 (1990), 920-1045. Daqui
p o r diante referido com o FL. N. do T.
10
D esconstruçâo e Ética
11
D esconstruçào e É tica
12
D esconstruçâo e É tica
Uma herança não se junta nunca, ela não é jamais una consigo
mesma. Sua unidade presumida, se existe, não pode consistir
senão na injunção de reafirmar escolhendo. É preciso quer dizer é
preciso filtrar, peneirar, criticar, é preciso escolher entre vários
possíveis que habitam a mesma injunção. E habitam-na de modo
contraditório, em torno de um segredo. Se a legibilidade de um
legado fosse dada, natural, transparente, unívoca, se ela não pe
disse e não desafiasse ao mesmo tempo a interpretação, não se
teria nunca o que herdar. Seríamos afetados por isso como por
um a causa - natural ou genética. Herda-se sempre um segredo -
que diz “leia-me, alguma vez serás capaz”7?
13
D esconstruçâo e Ética
E u m pouco adiante:
Mas se ele adm ira esta tradição, isto significaria que ele é o seu
herdeiro, simplesmente o seu herdeiro? Sim e não, de acordo
com o que se com preenda aqui por herança. Pode-se reconhecer
um autêntico herdeiro naquele que conserva e reproduz, mas
tam bém naquele que respeita a lógica do legado, a ponto de, em
determ inado m om ento, voltá-la contra aqueles que reivindicam
ser os seus detentores, a ponto de pôr a nu, contra seus usur
padores, aquilo mesmo que, na herança, jamais foi visto: a pon
to de trazer à luz, pelo ato inaudito da reflexão, aquilo que nun
ca viu a luz9.
8 Pp. 78-79.
9Admiration de Nelson Mandela, 456. (M inha tradução. N. do T.) Ver também 471
472 e Du droit à la philosophie. Paris: Galilée, 1990. pp. 82 e 449.
14
D esconstruçao e Ética
15
D esconstruçào e Ética
seu dever na m edida em que tende a fechar a ab ertu ra que faz a leita
ra possível e necessária em p rim eiro lu g ar11: e, na verdade, esta lógiCa
pode ser estendida ao conceito de dever em geral - Kant afirma, com0
se sabe, que devo agir não apenas de acordo com o dever, mas a partir
do dever, a bem do dever (de o u tra form a, eu sem pre estaria simples,
m ente im itando aquilo que considero ser um a conduta respeitosa)12
m as a lógica últim a disso é a de que eu devo, de fato, em nome do
dever, agir não apenas tendo em vista o dever, m as a partir do dever,
no sentido de inventar algo que se encontra fora da esfera daquilo
que o dever, presum ivelm ente, poderia ditar ou prescrever. Seguir
sim plesm ente o próprio dever, procurando o agir apropriado em al
gum livro de leis ou regras, tal com o se encontram dadas, é tudo
m enos ético - é, no m elhor dos casos, um a administração de direitos
e deveres, um a burocracia da ética. Nesse sentido, um ato ético digno
16
D esconstruçâo e É tica
17
D esconstruçào e Ética
18
D esconstrução e Ética
19
D esconstruçào e É tica
19 Ver o im portante ensaio La signification et les sens (M eaning and sense. Trad.
Alphonso Lingis. Dordrecht: M artinus Nijhoff, 1987). As noções de orientação e
desorientação aparecem insistentem ente neste texto: ver, p o r exemplo, pp. 34, 36,
3 9 ,4 0 ,4 2 ,4 3 ,4 4 ,6 0 ,9 1 ,9 3 ,9 7 ,9 9 . Seria possível m ostrar, n u m a leitura paralela do
breve texto de Kant de 1786 W hat is orientation in thinking?. Trad. Barry Nisbet.
n u R^ tss (ed-)> Kant’s political writings. 2 ed. edição am pliada, Cambridge:
am ri ge mversity Press, 1991, pp. 237-249), que o apelo à orientação apenas faz
nrp 1 nUm cont^xto anterior de desorientação, de tal m odo que a orientação sem*
V p rtfrT ° Ç° daquela mesma desorientação que ela supostam ente deve superar.
7 Í T aS Ões de Derrida sobre a n o ?So de um “heading” em C aum W
M n u t m o T r u a a l a,T Tnée- (Trad- Pas« le -A n n e Brault e Michael Naas). Paris:
’ * e o t e r eading. Bloom ington: Indiana University Press, 1992).
to específico m *scld*no Para lem brar o fato de que Lévinas tem um pensamem
S 2 S Í ^ mpleXO no que concerne à diferença sexual e ao feminino. Derrida
2 1 Z 1 Z T , P -ra 1SS° 30 fmal de VM (ED- 228 n. 1). e dedica um a longa par«
a c fn c e p lo le v L * discussâ°- Ver tam bém AD, pp. 71 -85, sobre
concepção levmas.ana do espaço dom éstico com o fem inino.
20
D esconstruçao e É tica
luta por parte daquela pureza m esm a21. Pois se o encontro singular I
com o outro no face a face não estivesse sem pre já com prom etido I
por essa terceira parte que ronda (e, p o r conseguinte, pela com uni-
cabilidade, inteligibilidade, mas tam bém pela institucionalização e
politização), então a relação ética supostam ente p u ra poderia sem
pre ser aquela da pior violência:
21
D esconstruç Ao e É tica
La Cana L a , . i ,
pp. 303-311. au-dela. Pans: A ubier-Flam m arion, 1979.
D esconstruçào e Ética
23
D esconstruçào e É tica
23 Cf. VM, n. 1, pp. 136, 172,191. [Este texto não se encontra na tradução brasileira
de ED referida acima. N. cio T] Estas observações não devem ser tom adas como se
insinuassem que tal cálculo é simples, ou que já sabem os o que é a violência.
Este argum ento de um a “possibilidade necessária” (de que um a promessa só é
um a promessa se for necessariamente possível que ela seja quebrada, apenas se há a
ameaça de que a promessa não seja m antida) sugere que a distinção entre unia pro
messa e um a ameaça é mais difícil de se com preender d o que pode, a princípio«
parecen a mais antiga alusão a esse respeito na obra de D errida parece estar em
24
i
D esconstruçào e Ética
A figura do arrivant chega em Apories (Paris: Galilée, 1993) como um nom e para
3 a ,S?^uta *m Previsibilidade do ainda por vir. Ver tam bém a elaboração mais infor
ma e Derrida desta questão num a discussão com Alexander Garcia D üttm ann,
Perhaps or maybe.
D esconstruçâo e É tica
o u alguém que iria sim plesm ente d errubar com um sopro a rtiinh
casa, m inha acolhida, na soleira da qual eu estendo o cumprimento&
a oferta de com ida e bebida, no gesto ético original, de acordo com
Lévinas. A ética significa, então, nessa perspectiva, que eu saiba a pri0r•
que a ética é constitutivam ente pervertível, m as que eu nunca sei de
antem ão quando ela é, de fato, pervertida. Com o vimos antes, qual
quer conhecimento a esse respeito im ediatam ente eliminaria a especi
ficidade do ético em favor de um a aplicação adm inistrativa ou buro
crática de regras cognitivas.
Essa situação parece prom over o que poderia ser chamado de
u m a visão decisionista da ética. Sem um a espécie de teste anterior, e
supostam ente obrigatório do que é ético, estipulado pelo assim cha
m ado form alism o kantiano, e sem o tipo de garantias oferecidas pela
espécie de pensam ento ético que fundam enta a ética, de forma não
problem ática, num ethos ou mesmo ethnos particular29, parece inevi
tável que a ética se transform e num a questão de decisões singulares
tomadas em ocasiões de eventos singulares. E, com o é também o caso
do decisionismo de Cari Schmitt no cam po da teoria política, sem
pre parecerá que se corre o risco de incentivar um a compreensão
particular da soberania do sujeito que decide30. Não é difícil observar
que as dúvidas de Derrida quanto à prim azia que Lévinas concede ao
outro na relação ética, com seu concom itante (e atraente, sedutor)
rebaixamento do sujeito de sua clássica posição voluntarística, sem
pre poderão parecer correr o risco de retornar a um a forma de subje
tivismo, sem qualquer doutrina da subjetividade para sustentá-las.1
Esta é a tensão que marca a influente obra de Alasdair M aclntyre, Short history
ethics. 2.ed. Londres: Routledge, 1998. M aclntyre quer associar um a verdade fund.
dora da ética a um m om ento pré-filosófico (hom érico, p o r exem plo), no qual <
julgamentos éticos estavam ligados de form a não problem ática à sua função soei?
e escreve então, um livro dedicado a lam entar a ética com o a história da perda des:
ver a e (pré-)ética. Gostaríam os de dizer contra isso que a ética somente come*,
« ^ ° IV (primitivo) entre função e ação, e que esta é apenas um a versão
ria [n !!! da étlCa' A ética>nessa Perspectiva, estaria atrelada à sua necess?
vathoî nnctu l- 3 C>3 na° P0<*er*a ser>então, razoavelm ente, objeto do tipo
pathos nostalg.co que lhe é conferido por M aclntyre.
26
D esconstruçao e Ética
27
D esconstruç Ao e É tica
d ^ m ^ n r t r *nvolvim ento? de D errida «obre este tem a na obra sobre Joyce (ver espe
" r í “ 6 gram ° P hone- In: Ulysse gramophone, deux mots pour Joyce. Pará
ris Galilée T Ve‘^ m a'S autobi°g ràfico, Le monolinguisme de l’autre. Pa
desenvolvidi n i T n do “ nstitutivo o u tro -em -m im é, m uito naturalmente
Î GaH £ 199V Î , De r nda Sobre Freud: ver especialm ente M al d ’archive. Pa
R e iu m e D Ù m a Î Í n T ra d Cláudia de M oraes Rego. RM de Janeiro
n ù ^ r o £ T á , na f qUI T referid° com o MA. Havendo apenas un
mTaduzfvel L
inrraauzivel 771 ^ reSpeit°
f un ’se garde de Vautre” . à edi^ f™ cesa. N. do T.) E a fôrmult
33 Cf. La guerre des nom s propres In- HR p - j .v ,, .
«L . x r i „ s ™ 0
t™° inr Mad'-Ab“ "'“ ”*>
« r “ m bém L '.p h o n ,™ a „ . S Î T h " “ n ° m " '' “ “ P° " ‘
28
D esconstruçAo e É tica
29
D esconstruç Ao e É tica
É curioso que D errida não tenha publicado um a análise detalhada deste momen
to em Greater logtc, a qual ele cita, com aparente aprovação, em V M (n. 1, p. 227),
mas a qual ele evoca mais criticam ente em Positions. Paris: M inuit, 1972. Posições.
j a d . Tomaz Tadeu da Silva. Belo Horizonte: A utêntica Editora, 2001.
fnfma ^ é-? e^e’to da anaEse do rastro em GR, em que a escolha deste termo é, de
10? 1 lnteressant<z m otivada, em parte, por seu próprio uso em Lévinas (pp-
linsma J m e exPhcitam ente apresentado em GR com o o que abre áreas de
linguagem, tem porahzação e a relação com o outro (p. 69).
m entos em n^p sim plesm ente se alinha - com o os m aiores deles - entre osjulga-
™r e vencèr a an VC " m ° ralidade- E,a '« m a a m oralidade derrisória. A arte de pre-
exercício m esmo P-° r ‘‘*uaÍ56l)ler meios _ política - , im põe-se, então, com o o
à ingenuidade.” (TI, ix ^ ^ l] ) P° ‘tlCa Se opõe à m oralidade com o a filosofia se opoe
D esconstruçâo e Ética
38Ver especialmente D onner la m ort. In: Véthique du don. Ed. Jean-M ichel Rabaté e
Michael Wetzel. Paris: Metailié, 1992, pp. 79-108. Politiques de Vamitié, p. 259, e M A,
p. 123.
31
A pêndice
P olítica e A mizade:
uma D iscussão com Jacques D errida*
Geoffrey Bennington
acesso em 18.02.2003). r
Derrida, J. Politiques de l'am itié. Paris: Galilée, 1994. . 0
235
D esconstruçào e É tica 1
de indagação para dar a Jacques D errid a u m a oportunidade de e h
çar algumas das linhas principais d o arg u m en to do livro, e, após ° '
respostas a este convite, ele terá m u ito prazer em receber as suas q^
tões. Eu gostaria de sugerir, p ara a p a rte po sterio r da sessão, já qu^
nosso tem po disponível é bastante lim itado, que tentem os perrnane°
cer, pelo m enos de um m o d o geral, no âm bito desses temas iniciais
que são tratados no livro.
Eu reuni quatro linhas bem sim ples de questionam ento que são
apenas aberturas para um a discussão com base no livro Politiques de
Vamitié. A prim eira é a questão: por que política? É notório que, já há
alguns anos e a p artir de várias frentes, você vem sendo alvo de uma
dem anda por política ou de um a dem anda p o r um a determinada
política, e se poderia pensar que este livro estaria, finalmente, res
pondendo a tal dem anda. Sendo assim, estaria você, neste momento,
elaborando ou, diriam alguns, finalm ente elaborando um a teoria
política ou um a política desconstrutiva?
Segunda questão, ou linha de questionam ento, de m odo igual
mente direto: por que amizade? O livro chama-se Politiques de Vamitié,
e pode parecer estranho aproxim ar argum entos políticos do aparen
temente marginal conceito de amizade, em detrim ento de conceitos
mais óbvios como soberania, poder, legitim idade, representação e
assim por diante. Em outras palavras, o que a am izade teria a ver
com a política e o que a política teria a ver com a amizade?
A terceira questão ou linha de questionam ento diz respeito a
um a palavra ou um conceito que aparece insistentem ente ao longo
do livro. Trata-se da palavra ou conceito democracia, e, mais especifi
camente, da formulação que é repetida ao longo do livro sobre uma
emocracia por vir. Eu pergunto se você poderia nos dizer algo sobre
isso e sobre o que isso significaria.
E a última linha de questionam ento, que é realm ente uma aber-
a para o trabalho que você vem desenvolvendo desde a publica-
et ^ esse ^ vro>em 1994, é baseada na observação de que
o cenf3 3h ° m a*S recente inclina-se a mover, ou parece ter movido,
DolítirJ^ 6 ^ rav^ ac*e desse tipo de investigação política ou quase-
mente n» k r ^ 1 ^ ° 3° conceito de hospitalidade. Você tem, recente-
lidade- en n ^ ° mu*tos trahalhos em torno do conceito de hospita-
rgunto se você poderia nos dar um a noção geral do que
236
P olítica e A mizade : uma D iscussão
com Jacques D errida
Jacques Derrida:
2 D errida, J. Spectres de M arx. Paris: Galilée, 1993. Espectros de M arx. Trad. A n am aria
Skinner. Rio de Janeiro: R elum e-D um ará, 1994. N . do T.
238
Política e A mizade: uma D iscussão com J acques D errida
busca prazer no m eio dos jovens. Assim, vê-se que tem os um concei
to de am izade que é e não é político. A am izade política é um tipo de
amizade. Uma das questões poderia ser, para colocá-la de um modo
bem corriqueiro, a seguinte: deveríam os nós selecionar nossos ami
gos dentre os nossos aliados políticos? D everíam os nós concordar
politicam ente com u m am igo para iniciarm os u m a amizade? Isso
seria necessário? São política e am izade, am bas, homogêneas? Pode
ríam os nós ter um am igo que fosse, politicam ente, um inimigo, e
vice-versa, e assim po r diante? N ovam ente, em Aristóteles, tem-se a
idéia de que a busca da justiça não diz respeito em nada à política,
tem -se de ir além ou, às vezes, trair m esm o a am izade em nome da
justiça. Desse m odo, há u m núm ero de problem as nos quais se vê o
am or - não o am or, mas a philia e a am izade - desem penhando um
papel organizador na definição de experiência política.
Por conseguinte, o que tento fazer - e estou olhando para o meu
relógio —é seguir a linha de paradoxos entre am izade e política, a fim
de buscar um m odelo de amizade predom inante e canônico, que, em
nossa cultura, dos gregos até agora (na cultura grega, na cultura
rom ana, na cultura judaica, cristã ou islâmica), tenha sido dominante,
\ tenha sido prevalecente e hegemônica. Q ue aspectos desse conceito
J prevalecente e hegem ônico poderiam ser politicam ente expressivos
\ e politicam ente significantes? É claro que eu não quero homogeneizar
J - este conceito não é u m sim ples conceito hom ogêneo, não é
exatam ente o m esm o na Grécia, na Idade M édia e hoje - , ainda que
existam alguns aspectos perm anentes. E é justam ente esse feixe de
aspectos perm anentes que eu tento descobrir, analisar e formalizar
de um ponto de vista político.
Então, quais são eles? Falando m uito, m uito, m uito grosso modo:
antes de tudo, o m odelo dessa am izade diz respeito à amizade entre
dois hom ens jovens, m ortais, que têm um contrato segundo o qual
um sobreviverá ao outro, um será o herdeiro do outro e eles deverão
concordar politicam ente. Eu dou um bom núm ero de exemplos des-
se m odelo que exclui, antes de tudo, a am izade entre um homem e
um a m ulher ou entre mulheres. Por conseguinte, as mulheres en
contram-se totalm ente excluídas desse m odelo de amizade: tanto uma
m ulher com o amiga de um hom em , com o duas mulheres como ami
gas entre si. E, portanto, a figura do irm ão, da fraternidade, está tam-
240
P olítica e A mizade : uma D iscussão com Jacques D errida
E quanto à democracia?
M undial, j á h a v ia n a E u ro p a » - e H a n n a h A r e n d t d e u u m a a te n ç ã o e S
pecial a is to - u m a m f i m d a d e d e p e s s o a s , n e m s e q u e r e m e x i K ™
sequer d e p o r ta d a s , m a s a p e n a s d e s lo c a d a s , q u e n ã o e r a m c o n s i d ê T
das c id a d ã o s , e, d e a c o r d o c o m H a n n a h A r e n d t, e sta s e ria u m a Z
origens d o q u e a c o n te c e u n a S e g u n d a G u e r r a M u n d ia l. E sta n ã o - c id a
dania d e p e s s o a s c o m as q u a is d e v e m o s n o s p r e o c u p a r , as q u a is deve
m os a c o lh e r, n o s u r g e , n o s c o m p e le a p e n s a r u m a re la ç ã o d e m o c rá tic a
p ara a lé m d a s f r o n te ir a s d o E s ta d o - n a ç ã o . O u seja, a in v e n ç ã o d e n o
vas p rá tic a s, n o v o d i r e ito i n t e r n a c io n a l, a tr a n s f o r m a ç ã o d a s o b e ra n ia
do E stad o . T e m o s, h o je , m u i to s e x e m p lo s d e s s a s itu a ç ã o n a s c h a m a d a s
in te rv e n ç õ e s n ã o g o v e r n a m e n ta is , e m t u d o q u e ex ig e in te rv e n ç ã o , in i
ciativas p o lític a s , q u e n ã o d e v e m d e p e n d e r d a s o b e r a n ia d o E stad o ,
que, e m ú ltim a in s tâ n c ia , c o n c e r n e à c id a d a n ia . D e fato , n ó s sa b e m o s
- e é p o r isso q u e a ta r e f a é tã o v a s ta e in c e s s a n te - q u e , h o je , m e s m o
nas o rg a n iz a ç õ e s e in s titu iç õ e s in te r n a c io n a is , a s o b e r a n ia d o E sta d o é
u m a re g ra , e q u e , e m n o m e d o d ir e ito in te r n a c io n a l, a lg u n s E sta d o s-
nação m a is p o d e r o s o s d o q u e o u tr o s fa z e m a lei. N ã o a p e n a s p o r q u e
este d ire ito in te r n a c io n a l é b a s ic a m e n te u m d ire ito e u r o p e u , n a tr a d i
ção d a E u r o p a e d o d ir e ito , m a s , ta m b é m , p o r q u e esses E s ta d o s -n a ç ã o
m ais p o d e r o s o s fa z e m a lei, is to é, eles c o m a n d a m , d e fa to , a o rd e m
in te rn a c io n a l. P o r ta n to , h á u m g r a n d e n ú m e r o d e p r o b le m a s u rg e n te s
que r e q u e re m p r e c is a m e n te essa tr a n s f o r m a ç ã o d o c o n c e ito d e p o líti
ca, d o c o n c e ito d e d e m o c r a c ia e d o c o n c e ito d e a m iz a d e . A g o ra , já se
justifica, e m c e rta m e d id a , p o r q u e q u e e u e sc o lh i a hospitalidade c o m o
tem a p riv ile g ia d o e m m e u s re c e n te s s e m in á r io s e p u b lic a ç õ e s 4.
E q u a n to à h o s p i t a l id a d e ?
E u te n h o d e a c o lh e r o O u t r o - e e s ta é u m a in ju n ç ã o in c o n d ic i
onal - , q u e m q u e r q u e s e ja e le o u e la , in c o n d ic io n a lm e n te , se m p e d ir
u m d o c u m e n to , u m n o m e , u m c o n te x to o u u m p a s s a p o r te . E sta é a
p rim e irís s im a a b e r t u r a d a m i n h a r e la ç ã o c o m o O u tr o : a b r ir m e u
espaço, m e u la r - m i n h a c a s a , m i n h a lín g u a , m in h a c u ltu ra , m in h a
246
PoU tica E A mizade : uma D iscussão com Jacques D errida
aqui, mas esse conceito de cosm opolita, que é m uito singular, muito
djgno de respeito (e eu acho que o cosmopolitism o é um a coisa muito
boa), é um conceito m uito lim itado. Limitado precisamente pela refe
rência ao político, ao Estado, à autoridade do Estado, à cidadania e ao
estrito controle da residência e do período de permanência.
Portanto, acho que o que tentei cham ar de um a Nova Internacio
nal, em Spectres de Marx, deve, estritam ente falando, ultrapassar esse
conceito de cosm opolitism o. N ós temos de fazer muitas coisas e, é cla
ro trabalhar dentro do espaço do cosmopolitismo e em um direito
internacional que m antenha viva a soberania do Estado. Há muito a
ser feito dentro do Estado e em organizações internacionais que res
peitem a soberania do Estado; é o que se chama política hoje. Mas,
para além dessa tarefa, que é enorm e, devemos pensar e ser orientados
por algo que é mais do que cosmopolitismo, mais do que cidadania.
Agora se vê, apenas algumas frases antes de eu parar, o quão
estranho é este itinerário que clama por um novo conceito de dem o
cracia, fundado - assum indo-se que tal seja um fundam ento, e não
estou certo de que o seja - nessa experiência sem fundam ento da
amizade, que não deveria ser lim itada como tem sido. Um conceito
de dem ocracia que redefiniria o político, não apenas para aléin d°
Estado-nação, mas para além do próprio cosmopolitismo - o que, ^ -
obviamente, parece ser um a perspectiva utópica ou m uito distante,[Np
mas eu não acho isso. Obviam ente, há um a enorm e distância, se pen
sarmos que essas coisas têm de ser alcançadas e efetivamente concre
tizadas, mas sabemos, hoje, assim que abrim os os jornais, que tais
problemas são urgentes e prevalecentes na vida cotidiana. Vemos, na
vida cotidiana, que esse conceito clássico de democracia, no mo o
como ele habita toda a retórica de políticos e parlamentares, encon
tra-se abalado, que precisam os de algo mais. Vemos clue os.con<^*
de cidadania, de fronteira, de imigração encontram-se, oje, s°
terrível deslocam ento sísmico. E não apenas sentimos is o. po
analisar isto todos os dias, e, desse m odo, o que parece es >
bem distante de nós está tam bém m uito perto e n s, o
E é um a tarefa urgente reelaborar, repensar, reengajar e
nhado, de um m odo diferente, nestas questões.
Tradução: Rafael Haddock-Lobo
247