Você está na página 1de 14

TANATOLOGIA FORENSE

AULA 6

EXPERIMENTO PRÁTICO DE TANATOLOGIA


FORENSE – PARTE I

Nas últimas aulas aprendemos sobre o desenvolvimento dos insetos em um


cadáver e como eles são fundamentais no estudo da Entomologia Forense.

Para termos um conhecimento concreto acerca do tema, realizamos nesse


módulo de tanatologia um experimento que acompanhou a decomposição de duas
cabeças de suíno por aproximadamente 90 dias, realizando o registro fotográfico,
relatando e relacionando as principais modificações desse cadáver.

Os relatos técnicos e o material registrado através de vídeos e fotos servirão para


vermos na prática como acontece o surgimento dos insetos, larvas e suas diferenças,
bem como o surgimento dos fenômenos transformativos. Espero que gostem do
experimento, pois ele foi desenvolvido especialmente para aprimorar e desenvolver
ainda mais o estudo de vocês!

Na aula de hoje aprenderemos na prática sobre os processos físico químicos


que ocorrem na disciplina de Tanatologia Forense.

Experimento prático de tanatologia forense

Esse estudo tem como objetivo analisar de maneira sistemática as fases da


putrefação de um cadáver, usando como modelo animal carcaças de cabeças de suínos
domésticos de nome científico sus scrofa Domésticus de aproximadamente 3 Kg cada.

1
TANATOLOGIA FORENSE

As cabeças foram expostas em ambiente rural da região noroeste do Estado do


Paraná, em um local próximo a uma represa chamada de Usina Mourão.

2
TANATOLOGIA FORENSE

Os porcos foram armazenados em armadilhas apropriadas, para evitar o ataque


de bichos maiores que poderiam atrapalhar o experimento.

Ambos os suínos foram abatidos conforme procedimento realizado em


abatedouros especializados. As cabeças foram adquiridas em açougue e no início do
experimento estavam frescas e aptas para consumo.

Local do experimento

Um dos experimentos ocorreu nas proximidades da represa, em uma distância


de um metro da água e sem qualquer tipo de proteção contra o sol ou à chuva,
simulando um achado de cadáver na beira da represa, em clima úmido e quente a maior
parte do dia, com início de luz solar às 6 da manhã e ausência de luz solar às 18 horas.

A segunda cabeça de porco foi deixada em um local de cultivo de folhosas como


o eucalipto. A vegetação local, composta de plantas altas que impediam o sol fez com
que o local simulasse uma cena de crime de achado de cadáver em mata fechada.

O clima do segundo local é frio a maior parte do dia e de incidência de sol


praticamente nula, pois as árvores da região impedem que o sol chegue até o chão. O
3
TANATOLOGIA FORENSE

segundo local, portanto, não tem luz solar e mantém durante a maior parte do dia e
noite uma temperatura média, sem picos de calor.

Para que fique mais fácil a identificação das amostras durante o experimento
chamaremos o experimento da cabeça de porco que foi deixado na margem do rio de
CADÁVER 1 e o porco que foi deixado em meio aos eucaliptos iremos chamar de
CADÁVER 2.

Metodologia utilizada na pesquisa e experimento

A identificação dos estágios de decomposição das carcaças de suínos foi feita


através de observações pessoais juntamente com registros fotográficos diários, baseada
em informações da literatura médico legal.

Coleta de dados durante o experimento.

A coleta de dados durante o experimento ocorreu da seguinte forma:

• Na primeira semana foi monitorado diariamente, no período da manhã e no


período da tarde as duas cabeças de porco.

• Foram registrados dados como temperatura e também as espécies dos insetos


que foram observados nos experimentos.

• Na segunda semana em diante o acompanhamento e as visitas aos locais


passaram a ocorrer em menor frequência, ocorrendo semanalmente.

Início do experimento

O experimento foi iniciado em 22 de julho de 2020 ao meio dia. A temperatura


registrada no dia era de 27 graus célsius.

As gaiolas foram montadas utilizando tela de alumínio e arame e amarradas com


corda.

4
TANATOLOGIA FORENSE

DIA 1 - 22 de julho de 2020

Assim que as gaiolas foram devidamente instaladas e o experimento iniciou já


chegaram algumas moscas nos porcos e começaram a voar em volta.

As moscas foram atraídas pelo cheiro da matéria sem vida, mas isso não está
relacionado ao olfato da mosca.

O que acontece é que a mosca não tem nariz como nós, que captamos o odor
através de terminações nervosas do nariz que enviam uma mensagem para o cérebro
que por sua vez assimila o cheiro.

A mosca possui células sensoriais por todo o corpo, principalmente em suas


antenas. É como se ela tivesse milhares de narizes espalhados por todo o seu pequeno
corpo, o que faz com que ela consiga sentir o cheiro das coisas de uma distância muito
maior do que nós humanos.

5
TANATOLOGIA FORENSE

DIA 2 – 23 de julho de 2020

Realizamos a visita na parte da manhã. Eram 9 horas da manhã. A temperatura


do dia estava em 26 graus célsius e o suíno estava úmido por conta do orvalho e do
sereno da noite. Havia cerca de 2 a 3 moscas varejeiras voando em volta da carcaça.

No porco de número 2, em mata fechada, foi possível observar a presença de


diversas moscas pretas no porco, principalmente no focinho, que é o orifício mais
úmido e frio do porco. Haviam aproximadamente 5 moscas pretas, chamada também
de mosca cosmopolita ou doméstica, que é a mesma que vemos em lixeiras na cidade.

6
TANATOLOGIA FORENSE

Dia 23 de Julho de 2020, às 15 horas.

Faziam 28 graus célsius e o porco de número 1, que no dia de ontem apresentava


uma coloração branco-rosada comum ao suíno doméstico hoje já estava com a cor do
couro rosa amarelado.

Durante a verificação do experimento identificamos um inseto chamado de traça.


Esse inseto se alimenta não só de amido presente em roupas, sapatos, livros e outros
materiais sintéticos, mas também de ovos de moscas. Identificar esse inseto foi
fundamental para afirmar que naquele dia se iniciou a contagem entomológica naquela
carcaça.

7
TANATOLOGIA FORENSE

Não foi possível sentir nenhum odor característico da putrefação, mas havia
grande número de moscas verde metálicas e azul metálicas nas cavidades,
principalmente orifícios do focinho e boca.

Uma informação interessante sobre as moscas verde e azul metálicas,


popularmente chamadas de varejeiras é que elas são mais comuns em áreas rurais,
afastadas dos centros urbanos, como por exemplo o local em que a cabeça de suíno
número um foi deixada.

Já com relação ao suíno dois foi possível identificar um grande número de


moscas domésticas, as moscas pretas ou cosmopolitas não só nas cavidades, mas
também sobrevoando toda a carcaça, que já apresentava um odor desagradável, porém
suportável.

8
TANATOLOGIA FORENSE

Com relação ao couro do porco, o mesmo apresentou uma cor amarelo rosada,
mais próxima da cor natural do dia anterior.

Provavelmente relacionada a não interferência do sol. No suíno número um a


atividade solar cozinhou o couro do porco, enquanto que no suíno número dois não
houve ação solar.

24 de julho de 2020

Nessa data foram realizadas duas visitas ao experimento. Na parte da manhã, por
volta de 8 horas da manhã faziam 26 graus célsius no local em que estava o suíno O
mesmo apresentava um aspecto de úmido, provavelmente por conta do sereno e da
proximidade da água. Também não foi identificado nenhum tipo de inseto próximo ao
suíno ou nas cavidades.

Esse local do experimento do suíno número um atinge baixas temperaturas


durante a noite, o que faz cessar toda a atividade entomológica durante a noite. A partir
das 6 horas da manhã, conforme a luz solar surge, os insetos vão surgindo, atingindo o
pico de atividade entomológica após o meio dia. No momento da visita ainda estava
úmido e sem muitos insetos.

Já no local em que foi deixado o suíno número dois a temperatura era de 22 graus
célsius. Haviam muitas moscas, mas o suíno ainda apresentava o mesmo aspecto
amarelo-rosado de quando o experimento iniciou.

9
TANATOLOGIA FORENSE

Foi possível verificar a presença de um grande número de moscas domésticas


que voavam em volta da cabeça do suíno e na cavidade dos olhos foi possível constatar
a presença de ovos de moscas.

Já na parte da tarde o examinador retornou até o local e verificou que a cor do


suíno estava amarelo pardacenta, como se tivesse sido cozida lentamente,
provavelmente decorrente da ação do tempo que fez com que o suíno ficasse com um
aspecto de defumado.

A textura do couro estava mais seca e firme. Não foi verificado nenhuma mosca
varejeira, provavelmente pelo fato de que esse local do experimento é um local urbano,
próximo de casas, e não uma área rural.

O examinador entrou em plantão no dia seguinte. Motivo pelo qual não


conseguiu realizar as visitas técnicas por uma semana aos suínos.

Dia 1 de Agosto de 2020

Passaram 7 dias da última visita e o examinador teve uma surpresa que QUASE
afetou o experimento:

O porco número um foi parar acidentalmente dentro da água. Não se sabe se isso
ocorreu pela ação de um animal que possa ter mexido na gaiola ou se algum ser humano
teria jogado a gaiola na água por conta do mal cheiro, pois ali naquela região transitam
alguns pescadores que podem ter visto o experimento.

Não se sabe exatamente em que dia o suíno teria sido arremessado na água, mas
pelo grau de maceração que ele foi encontrado a estimativa seria entre dia 30 e 31 de
julho.

A maceração, conforme estudamos, é o processo de transformação destrutiva em


que ocorre o amolecimento dos tecidos e órgãos quando os mesmos ficam submersos
em um meio líquido, como a água do rio em que o suíno ficou.

Nos achados de cadáver em beira de rio, analisar todos esses fenômenos permite
reproduzir a dinâmica dos fatos e entender como e quando a morte aconteceu.

Por exemplo, a situação atual do suíno permite a equipe pericial afirmar que o
suíno foi abatido há 3 dias, sendo que dois dias após o abatimento ele teria sido

10
TANATOLOGIA FORENSE

arremessado ao rio, vindo parar na margem daquela represa no momento em que foi
encontrado.

Essa diferenciação é fundamental para esclarecer problemas como se a pessoa


foi morta antes de ir à água ou se morreu afogada.

Mas voltando ao experimento, continuaremos realizando o acompanhamento


desse suíno, mas agora foi escolhido um lugar não tão próximo do rio, mas ainda assim
com a mesma temperatura e grau de umidade e de exposição solar.

Nesse dia fazia 30 graus célsius as 9 horas da manhã. O cheiro estava realmente
muito desagradável, característico de uma matéria que estava se decompondo dentro
da água. O aspecto do suíno era como se ele estivesse se soltando, como se o tecido
estivesse realmente desmanchando e amolecendo.

11
TANATOLOGIA FORENSE

O suíno número dois estava totalmente diferente, apresentando uma cor marrom
escura, com cheiro desagradável similar ao cheiro de bicho morto que sentimos as
vezes em estradas e rodovias.

Mas diferentemente do porco 1, ele estava duro, como se o couro tivesse virado
uma espécie de casca.

Já não havia mais globo ocular no suíno. As dípteras possuem o que a biologia
chama de “boca atrofiada” e se alimenta somente de coisas pastosas e líquidas. Por
conta do processo natural de decomposição, o globo ocular se liquefaz, sendo o
primeiro tecido que serve de alimento para as moscas.

Nesse caso, o suíno dois já não tinha globo ocular, e essa cavidade deu lugar a
um verdadeiro depósito de ovos de moscas que pode ser visto em amarelo na parte
inferior do olho, dentro das cavidades nasais ou focinhos e também na parte superior
do focinho.

3 de agosto de 2020

Nesse dia foi realizada uma visita às 17 horas no local do experimento número
um. A temperatura média do dia foi de 28 graus célsius e umidade relativa alta pois
havia chovido bastante nos dias anteriores.

Como vimos na literatura médico legal, situações como a de chuva, frio e


umidade atrasam os fenômenos cadavéricos, então poderemos ter um atraso no
surgimento de larvas e moscas por conta das variações de temperatura.

Ainda assim foi possível verificar no suíno número um a presença de larvas de


primeiro ínstar, pequenas e recentes, principalmente dentro da cavidade oral do suíno
e na cavidade ocular.

Na visita ao suíno de número dois, relata-se que a carcaça do suíno apresentava


cor marrom escuro, sendo que o focinho já estava enegrecido por conta da
decomposição.

O odor estava desagradável, porém suportável. A gordura presente na carcaça


adquiriu uma coloração branca, parecida com um sabão.,

Nesse dia foi possível observar larvas de primeiro ínstar.

12
TANATOLOGIA FORENSE

Elas tinham aproximadamente 3 milímetros e pelo tamanho das larvas indicavam


que haviam eclodido dos ovos entre 12 horas a um dia.

6 de agosto de 2020

No dia 6 de agosto de 2020 a visita ocorreu às 17 horas no local do experimento


número um. A atividade solar diária já estava se encerrando e a temperatura média do
dia foi de 33 graus célsius e umidade relativa baixa.

A cabeça do suíno estava cheia de larvas nas cavidades e na parte de baixo da


carcaça.

Vale mencionar que o suíno passou nesse momento a apresentar a característica


de um fenômeno conservador transformativo raro, que é o aspecto de cera, que dá ao
cadáver uma consistência untuosa, mole e quebradiça.

Normalmente nos livros de Medicina Legal esse fenômeno surge após a


primeira semana, o que coincidiu com a cronologia do nosso experimento. Além do
fato de que a reação química de saponificação ocorre pela hidrólise de gorduras neutras
que liberam ácidos graxos. Isso quer dizer que esse fenômeno transformativo é mais
comum em pessoas com muito tecido adiposo, como os obesos. No caso, o nosso suíno
realmente possui bastante gordura, o que reafirma a tese dos livros.
13
TANATOLOGIA FORENSE

Para o surgimento da saponificação ou adipocera não basta somente que seja um


cadáver obeso ou com muito tecido adiposo, mas é necessário também que esse cadáver
esteja em contato com um solo argiloso como o barro, pois essa reação química ocorre
entre os minerais do barro e a gordura.

O tamanho das larvas coincidiu com a cronologia do experimento, pois as larvas


estavam no primeiro estágio de desenvolvimento. Foi possível verificar também
joaninhas, caramujos e outros insetos que se alimentam de larvas de moscas que
provavelmente foram atraídos para a carcaça do suíno em busca de alimento.

Já no experimento número dois o odor começou a ficar insuportável. O porco já


apresentava uma cor marrom escura, alguns ovos próximos aos olhos e da boca já
haviam eclodido, mas o número de larvas não era tanto como no suíno de número um.

Nesse estágio do experimento já foi possível concluir que a temperatura e a


atividade solar é fundamental para o desenvolvimento da fauna entomológica e do
surgimento dos fenômenos transformativos. O suíno de número um que teve muito
mais exposição solar e calor apresentava naquele momento um número muito maior de
larvas, moscas e outros insetos necrófagos.

14

Você também pode gostar