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O TEATRO COMO OBJETO DA PESQUISA HISTÓRICA

Miliandre Garcia
UEPG

Resumo Abstract

Esse artigo é resultado parcial de um trabalho de This article is the partial result of a research
mapeamento dos problemas, das abordagens e dos mapping work of problems, approaches and objects
objetos que contemplam o diálogo entre história e that contemplate the dialogue between history and
teatro, partindo principalmente do caso brasileiro. theater, that start specially from the brazilian case.
Nessa primeira etapa, buscamos refletir sobre o In this first stage, we seek to reflect on theater as a
teatro como uma linguagem específica (não mais specific language (no longer considered a subgenre
considerado subgênero da literatura) e igualmente of literature) and equally complex (not restricted
complexa (não restrito unicamente à dramaturgia). to dramaturgy). Based on these assumptions,
A partir desses pressupostos, procuramos pensá- we try to think of it as an object of historical
lo como objeto de pesquisa histórica contemplando research contemplating issues related to sources,
questões relacionadas às fontes, aos referenciais to theoretical and methodological references,
teórico-metodológicos, à historiografia e as suas to historiography and its internal dynamics
dinâmicas internas (as peças, as encenações etc.) (the pieces, the reenactment etc.) and external
e relações externas (com o Estado, os governos relations (with the State, governments etc.). In a
etc.). Numa segunda etapa, pretendemos dar second stage, we intend to continue the research
continuidade ao levantamento das pesquisas on theater in post-history graduate programs and,
sobre teatro nos programas de pós-graduação em based on this, to define the main lines of brazilian
história e, partir disto, definir linhas mestras da academic production at this intersection.
produção acadêmica brasileira nessa intersecção.

Palavras-chave: Keywords:

Teatro; Teatro brasileiro; História; Theater; Brazilian theater; History;


Pesquisa histórica. Historical research.

Ainda que num ritmo lento, a dinâmica da escrita outro propiciou o desenvolvimento teórico-
da história do teatro (estrangeiro e nacional) vem metodológico das pesquisas acadêmicas que têm
acompanhando os movimentos de renovação levado em consideração as especificidades do
da historiografia no Brasil e no mundo. Até o fenômeno teatral, em conexão com as demandas
século XIX e início do XX, a escrita da história e de seu tempo e sob perspectiva interdisciplinar.
o trabalho dos pesquisadores concentraram-
Na área da história, o predomínio da dramaturgia
se, predominantemente, em textos escritos e
pode estar relacionado à formação do historiador
documentos oficiais que no âmbito da escrita da
que tem longa experiência na análise de fontes
história do teatro resultou na ênfase sobre o texto
escritas e documentos oficiais em detrimento
e na projeção do autor, convertendo-se numa
de textos não escritos e linguagens artísticas.
espécie de capítulo da “história da literatura”,
Também às facilidades de acesso às fontes
escrito em sua maioria por professores e
impressas que se encontram disponíveis em
especialistas dessa área (ver FARIA, 2012, p. 15).
instituições de naturezas diversas, tais como
Nas primeiras décadas do século XX, no entanto, bibliotecas, livrarias, centros de documentação e
iniciou-se um movimento de renovação da escrita arquivos (públicos e privados). Mas esse quadro
da história que se por um lado teve repercussão vem sendo substantiva e paulatinamente alterado,
tardia no diálogo entre a história e o teatro, por sobretudo no âmbito acadêmico, cujas pesquisas

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têm contribuído para a definição de novos tempo, ressaltou-se o caráter efêmero dessas
problemas, abordagens e métodos. fontes de pesquisa, sobretudo quando associadas
às dificuldades de registro do ato de encenação,
Na bibliografia recente acerca do fenômeno teatral,
convertendo-se num empecilho em relação
o predomínio da dramaturgia tem sido analisado
a outras artes que dispõem de suportes bem
como manifestação do “textocentrismo” (MOSTAÇO,
definidos como a música (que tem o disco, o CD,
2012, p. 2) que teve seu ápice no século XIX e a
o DVD); o cinema (a fita K7, também o CD, o DVD);
partir de então foi suplantado por novos fenômenos,
a pintura (a tela, o mural); a escultura (o bronze, o
desde a projeção do ator em fins deste século,
mármore) e assim por diante.
passando pela primazia do encenador nas primeiras
décadas do século XX até o surgimento do diretor No entanto, as fontes disponíveis aos
nesse mesmo século, intimamente relacionado pesquisadores do teatro são bastante
à emergência do teatro moderno (BRANDÃO, diversificadas, além de apresentarem formatos
2009, p. 47, 65-66). Nessa sucessão simultânea distintos desde os registros mais tradicionais
de funções e papeis, “o teatro moderno enquanto como arquivos de fotos, programas de
consciência aguda de sua condição cênica explodiu espetáculos, esboços do cenário, desenhos do
todos estes referenciais anteriores e, exatamente figurino, documentos administrativos, cartazes
por causa dessa virada, promoveu uma libertação de propaganda, crítica teatral, partituras musicais
generalizada da arte teatral, em direção a uma e registros fonográficos, projetos arquitetônicos;
multiplicidade absoluta” (BRANDÃO, 2009, p. 46), passando por arquivos pessoais como diários
passando a influenciar a própria definição de teatro, de artistas, cadernos de camarim, cadernos de
não mais limitada à dramaturgia, mas, ao contrário, fãs, anotações do diretor; até se desdobrar em
expandindo-se em várias direções. depoimentos e entrevistas que foram concedidos
à época do evento ou em momento posterior.
Considerado em sua abrangência, o teatro
ampliou seu horizonte de entendimento, Em arquivos públicos e centros de documentação
constituindo-se numa “prática de cena, um modo tem-se acesso aos depoimentos de artistas e
de expressão entre indivíduos, uma cerimônia também às críticas teatrais através, na maioria
pública complexa que demanda fatores distintos das vezes, de recortes de jornais. As críticas
para sua emergência e consecução, entre as teatrais e o depoimento dos artistas se informam
quais pode ou não existir um texto prévio” sobre a constituição de uma crítica teatral no país
(MOSTAÇO, 2012, p. 02-03) e, paulatinamente, e a constituição de uma “memória histórica” do
passou a ser considerado “uma instância cultural teatro, não devem ser analisados com um bloco
complexa, fusão de um intercâmbio de signos único, a partir de um pensamento homogêneo,
que, confrontados entre si, ensejam um fato pois guardam entre si diferenças substantivas de
cultural novo, maior e potencializado em relação métodos de trabalho, tal como a de revelar um
às linguagens conclamadas em sua produção, no pensamento sistêmico sobre o teatro brasileiro,
qual o texto dramático é apenas uma parcela – ou então apenas resultar de um interesse eventual
nem sempre a mais relevante – a conformar sua de alguém do meio (ver PATRIOTA, 1999, p. 55-
estrutura” (MOSTAÇO, 2010, p. 07). 92; BRANDÃO, 2009, p. 29-30)1.

Atualmente, a questão central na história do teatro, Os recortes de jornais, por sua vez, se trazem
portanto, não é destituir o lugar consagrado à informações valiosas acerca do objeto de
dramaturgia e seus autores, mas sim dispor de pesquisa, costumam ocultar questões essenciais
um olhar mais ampliado sobre o fenômeno teatral ao desenvolvimento do trabalho, principalmente
e, consequentemente, sobre a escrita da sua quando não há maiores informações sobre ele,
história que, diante das suas potencialidades de impossibilitando conhecer e analisar a posição do
análise como objeto de pesquisa, apresenta-se de seu autor, o perfil do jornal, a tecnologia da época,
maneira praticamente ilimitada, tal qual acontece a espécie do documento, a origem das demandas
com a própria história. a até mesmo a natureza do ajuntamento. Um
exemplo dessas dificuldades é o depoimento de
No diálogo entre história e teatro, a questão das
Nelson Rodrigues, quando ele se projetou como
fontes interessa particularmente. Durante muito

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dramaturgo com a peça Vestido de Noiva, de pelo historiador em virtude dos benefícios que
1943, no qual afirmou: “naquele tempo eu ainda trazem às pesquisas nessa área, desde que se
precisava do êxito, do artigo no jornal. Eu fazia precavendo dos riscos do empreendimento.
qualquer coisa para ter artigo no jornal e escrevi Entre estes, o mais perigoso e desonesto é a
muito artigo sobre mim mesmo, com pseudônimo” manipulação consciente da entrevista, e o mais
(apud BRANDÃO, 2009, p. 92). ingênuo, porém igualmente perigoso, concentra-
se na passividade diante de memória alheia.
Portanto, quando se toma a crítica teatral ou até
mesmo o depoimento dos artistas como fontes É importante ressaltar que no caso das produções
de pesquisa, via recortes de jornais ou outros teatrais nem sempre é possível trabalhar com
suportes e modalidades, tem que se ter claro que fontes inéditas. Na maioria das vezes, delas só
não se tratam simplesmente de um conjunto de restam as que já passaram por processos de
informações sobre o universo teatral, muito mais reconhecimento que lhes garantiram o status
que isto, eles visam a construção de sentidos em de “obra de arte”. Sendo assim, não é comum
torno do teatro e do seu lugar nessa história. que o historiador seja o “primeiro leitor” de um
Como os jornais, tais fontes “aparecem não como documento inédito, que esteja sob a guarda de
folhas mortas, mas dotados de ação” e por isso arquivos de origens diversas, embora em alguns
não podem ser isoladas dessa condição, uma vez casos excepcionais isto possa acontecer2. O
que “são prática política de sujeitos atuantes” mais provável, que normalmente acontece, é
(VESENTINI apud PATRIOTA, 1999, p. 53). que dispomos de objetos já selecionados por
um sistema predeterminado de publicações,
Ao material já disponível ao historiador de teatro,
exposições, curadorias, entre outros, cujos
agrega-se a realização de entrevistas que, através
critérios de seleção nem sempre estiveram (ou
de uma metodologia apropriada, permite identificar
desejou-se que estivessem) disponíveis a todos.
demandas individuais em voga no processo de
Cabendo-nos, portanto, investigar também
construção da memória. Esta que se materializa na
como se deu a constituição dessa memória e em
maioria das vezes por depoimentos antagônicos,
contrapartida seu processo de esquecimento3.
quase nunca por interpretações consensuais, e
que via de regra se dão em momento posterior Ao eleger como objeto de pesquisa a “obra de
quando um dos projetos em confronto já se firmou arte”, de modo geral, e as manifestações teatrais,
como versão hegemônica (ver, por exemplo, a série de modo específico, temos que considerar que
Depoimentos, volumes 1 a 6). estas foram e estão inseridas num “sistema de
referências” cunhado por agentes sociais, com
Portanto, independentemente da natureza da
interesses diversificados, por vezes variáveis,
fonte eleita, cada uma delas requer um tratamento
que definiram uma hierarquia às obras baseado
condizente com sua espécie documental,
em múltiplos critérios, nem sempre objetivos.
especialmente as fontes orais que se materializam
Esse princípio metodológico de tratamento das
através da mediação do pesquisador, cujas
fontes permite reconhecer a constituição de uma
perguntas são formuladas a partir das demandas
“memória histórica” que organiza ordenamentos
de sua pesquisa, e do depoente propriamente dito,
estéticos a partir de princípios valorativos,
cujas perguntas são interpretadas no presente
tais como as noções de “moderno”, “político”,
à luz da memória de eventos passados. Como
“universal”, “clássico”, “engajado”, evidenciou
enfatizou Tania Brandão,
Rosângela Patriota (2008, p. 35-36); ou então em
Existem substâncias um tanto inefáveis norteando generalizações como “teatro brasileiro”, “teatro
as memórias e o dizer: a fama, o encantamento moderno” ou até mesmo “teatro”, sublinhou Tania
do próximo, a admiração dos contemporâneos, o
Brandão (2009, p. 43-44).
reconhecimento e até mesmo o lugar na história
depois do lugar ao sol”, nas quais os sujeitos
históricos, “gente de teatro, não são inocentes do
No tratamento das fontes, se não podemos
verbo, passaram suas vidas em intimidade com a ignorar o processo de consolidação da obra
alquimia das palavras (BRANDÃO, 2009, p. 35). em arte, também não podemos ignorar a sua
dimensão histórica, evitando-se de um lado
De todo modo, esse complexo processo de
subestimar seu potencial como linguagem, e de
rememoração do passado deve ser enfrentado

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outro desconsiderar sua relação com o contexto. num processo de aproximadamente 40 anos, por
Ao pensar a linguagem artística em diálogo dramaturgos e encenadores de alguma forma
com o seu tempo, não se quer com isso diluir ligados às lutas dos trabalhadores, para expor o
suas características intrínsecas, mas expandir mundo segundo a experiência dos trabalhadores,
as possibilidades de análise, analisando-a na que constitui o mais complexo dos focos
intersecção dessas instâncias, que não são narrativos até hoje experimentados pela cena
tomadas a partir de esquemas hierárquicos, contemporânea” (COSTA, 2012, p. 91). Isto num
mas sob a perspectiva de complementaridade. momento histórico em que
Noutras palavras: a linguagem que não deve ser
Todas as formas culturais que a modernidade
tratada como mais importante que o contexto, desqualificou e jogou no limbo só voltaram para a
nem o contexto considerado superior ao indivíduo ordem do dia a partir do fim do século XIX porque
e sua obra. surgiu o movimento socialista, colocando em pauta
os interesses dos trabalhadores que, sobretudo no
A partir da expansão das fontes e do diálogo plano cultural, eram divergentes havia séculos dos
interesses da burguesia, do drama e das concepções
interdisciplinar vem se desenvolvendo na área de de mercado das artes (COSTA, 2012, p. 135).
história, bem como em áreas afins, um referencial
teórico buscando contemplar o fenômeno teatral Dessa breve apresentação da pesquisa de Iná
em toda a sua complexidade, desdobrando-se Camargo Costa, podemos concluir que, se o
em estudos de casos que acabam por compor teatro sempre foi palco para a luta de classes, o
um rico mosaico da produção teatral. Nesse gênero dramático resguarda os valores burgueses
momento, gostaríamos de concentrar a atenção e o teatro épico representa a classe trabalhadora.
nas contribuições de natureza teórica. Demarcar tais articulações ideológicas não é só
um “artifício retórico”, segundo ela, mas busca
Iná Camargo Costa, em um dos seus últimos livros também afirmar uma tomada de posição por parte
publicados, analisa como se deu o processo de do dramaturgo.
transformação do drama que, de um instrumento
da ideologia burguesa a serviço da manutenção Também nos trabalhos recentes, o conceito
da hegemonia no século XIX, acabou não só de multiculturalismo em territórios híbridos
sedimentando valores de uma classe em ascensão tem substanciado um número significativo de
naquele contexto histórico, como também se pesquisas acadêmicas, principalmente quando
convertendo em sinônimo de representação teatral se trata do fenômeno teatral na América Latina.
em vigor até os dias de hoje. Na concepção da É considerado bastante apropriado para tratar
autora, portanto, escrever e encenar peças teatrais, da pluralidade de culturas que compõe um
a partir do referencial dramático, corresponde a sistema social, estendendo-se inclusive às
endossar as regras de funcionamento da sociedade culturas subalternas excluídas ou que não foram
burguesa, tanto as que o drama enuncia (em sua assimiladas pela hegemonia cultural. Na área de
concepção formal), quanto as que ele esconde teatro, as reflexões do teórico chileno Juan Villegas
(em sua orientação ideológica) (COSTA, 2012, (2005, 2010) têm se voltado para o estudo das
p. 15-17, 55). Forma e conteúdo, portanto, são teatralidades em sociedades multiculturais como
indissociáveis nessa compreensão mais expandida parte de um “processo de apropriação e utilização
do fenômeno teatral. funcional”, porque “se apropriam, por diversas
razões, de teatralidades utilizadas por outro
Ao contrário do desenvolvimento da crítica e sistema cultural e, com frequência, as isolam de
do ensino e do exercício das censuras policial e seu significado no sistema original, reutilizando-as
econômica, há mais de um século o teatro vem se com significado similar ou totalmente diferentes”
libertando dessas amarras estéticas e ideológicas (VILLEGAS, 2010, p. 102).
e se desenvolvendo em múltiplas possibilidades
e experiências (COSTA, 2012, p. 18-19). Para a A legitimidade da muticulturalidade como
autora, a atuação e obra de Bertolt Brecht (1898- perspectiva teórica implica em “aceitar a
1956) é a síntese mais acabada desse processo, historicidade de cada cultura e as imbricações
que culminou na consolidação do “teatro épico”, entre elas como integradas à sua historicidade”
que se define como “a forma teatral encontrada, (VILLEGAS, 2010, p. 108), “levando em

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consideração outras práticas culturais e estéticas com os agentes intermediários, as mediações das
não coincidentes com o cânone oficial e o cânone técnicas de impressão e os modos de transmissão
da hegemonia cultural” (VILLEGAS, 2010, p. 97). do texto, bem como a natureza do destinatário
Também que “cada cultura tem suas próprias da mensagem, as transformações das práticas de
teatralidades, e algumas delas adquirem maior leitura e as relações entre as palavras e as coisas
relevância pela sua associação com os grupos (CHARTIER, 2002, p. 18-19).
de poder dentro dos setores onde é praticada”
A partir desses referenciais teóricos, novas
(VILLEGAS, 2010, p. 108). Essa gama de
abordagens vêm se estruturando no âmbito
teatralidades é, então, selecionada pelos poderes
das pesquisas acadêmicas. Nesse momento,
culturais que as dividem entre aquelas “com
gostaríamos de voltar a atenção para os principais
eficácia estética e com capacidade potencial
trabalhos que na área de história e em trabalhos
de ser portadora da ideologia do grupo cultural
recentes tem contemplado o diálogo entre história
a que pertencem os artistas”, e aquelas que se
e teatro, a partir da seleção e análise de fontes e
encontram à margem dessas “teatralidades não
de critérios metodológicos bem definidos.
legitimadas esteticamente” (VILLEGAS, 2010, p.
108) que, por vezes, mas não necessariamente, As expectativas por uma nova história do teatro
costuma incorporar as culturas não hegemônicas brasileiro têm sido depositadas na intersecção
ao seu projeto cultural (VILLEGAS, 2010, p. 89). de contribuições do passado, sob perspectiva
Cabe destacar que o multiculturalismo no teatro generalizante, com as pesquisas acadêmicas
não só dialoga com realidades culturais múltiplas que vem priorizando estudos de caso, seja na
como também articula referenciais teóricos forma de teses e dissertações (FARIA, 2012,
plurais que vão desde os estudos culturais e a p. 19-20), ou como tem sido mais frequente a
semiologia, até conceitos de tradição marxista, partir da publicação de coletâneas e artigos.
como o de hegemonia (GRAMSCI, 1978). Na escrita desse artigo, destacamos, além de
teses, dissertações e dossiês temáticos, quatro
Na história cultural do teatro e na sua transição do
coletâneas que reúnem um conjunto substantivo
“palco à página”, destaca-se o trabalho de Roger
de análises sobre teatro e sintetizam esse
Chartier que, além de considerar o conteúdo do
movimento de renovação do diálogo entre história
material impresso e sua ênfase sobre o texto e
e teatro, são elas: A história invade a cena,
o autor, busca incorporar o estudo morfológico
organizada por Alcides Freire Ramos, Fernando
dos suportes e as modalidades de inscrição do
Peixoto e Rosangela Patriota (2008)4; Por uma
texto, bem como a recepção dos públicos e suas
história cultural do teatro, organizada por Edélcio
práticas de leitura. Ao se aproximar da “sociologia
Mostaço (2010)5; História do Teatro Brasileiro,
dos textos”, definida por D. F. MacKenzie, como
dirigida por João Roberto Faria (2012); e História,
“a disciplina que estuda os textos como formas
teatro e política, organizada por Kátia Rodrigues
impressas e seus processos de transmissão,
Paranhos (2012)6.
incluindo seus modos de produção e de recepção”
(apud Chartier, 2002, p. 12), Roger Chartier Como já afirmamos, não é o caso de se destituir
afirmou que se distancia “tanto da história o lugar da dramaturgia nos estudos de teatro,
literária tradicional, apegada à toda-poderosa mas sim torná-la um dos elementos constitutivos
soberania do autor, como da crítica semiótica do fenômeno teatral. Como exemplo do uso da
que atribui a significação dos textos unicamente dramaturgia, como fonte de pesquisa, podemos
ao funcionamento impessoal e automático da citar um artigo de Adriana Facina que parte
linguagem” (CHARTIER, 2002, p. 12). da obra de Nelson Rodrigues e do conceito de
“estrutura de sentimento” (WILLIAMS, 1979,
O resultado dessa abordagem para a pesquisa
2002), para analisar questões inerentes ao texto
histórica, especialmente para o diálogo entre
teatral e à relação intrínseca com elementos
história e teatro, é a ampliação das possibilidades
externos a ele, partindo da ideia central de que
de análise que não mais se limitam ao texto fixo e
“a linguagem e a significação são elementos
impresso, às normas estéticas e formais, à leitura
indissociáveis do próprio processo social,
individual e silenciosa e à busca de significados e
envolvidos permanentemente na produção e na
sentidos, mas estendem-se para as negociações

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reprodução da vida material” (FACINA, 2010, Em capítulo publicado numa coletânea, Tania
p. 264), cuja preferência de Nelson Rodrigues Brandão analisa a bibliografia da história do
pela linguagem coloquial, reproduzindo a fala do teatro no Brasil, dividindo-a em dois grupos com
carioca e suas expressões populares, apresenta trajetórias distintas. Segundo ela, o primeiro grupo,
“as contradições constitutivas de uma escrita que denominado “passadista ou proto-história”, com
se quer popular e comunicativa numa sociedade publicações que reportam ao início do século XX,
marcada por uma desigualdade linguística dedicou-se à construção de um panorama do
fundamental na definição cultural das camadas teatro nacional, mantendo seu distanciamento
dominantes”, que se caracteriza “pela detenção histórico (MARINHO, 1094; FLEUISS, 1955;
de códigos associados ao letramento e à educação PAIXÃO, s.d.; SILVA, 1938). O segundo grupo,
bacharelesca” (FACINA, 2010, p. 276). este associado à “história inovadora de um grupo
moderno”, com reflexões que datam da segunda
Para além da análise dramatúrgica, destacamos
metade do século passado, concentrou-se na
o trabalho de Miriam Hermeto que abordou
definição do teatro moderno no Brasil, sendo os
Gota D’Água, de Chico Buarque e Paulo Pontes,
autores desse grupo contemporâneos, às vezes
como um evento do campo artístico-intelectual
protagonistas (DÓRIA, 1975; SOUSA, 1960;
no período de 1975 e 1980, analisando-o a
MAGALDI, 1962; PRADO, 1986, 1988, 1999;
partir de três escalas de observação do objeto,
CAFEZEIRO; GADELHA, 1996).
que articulam as modalidades de execução e
circulação (o livro e a leitura, o espetáculo teatral De qualquer forma, o critério metodológico é
e a assistência e o disco e a audição), bem como definido por ela como um “artifício didático”,
a seus múltiplos focos de recepção (da censura pois assinalam para diferenças na trajetória dos
e órgãos de informação, de artistas, jornalistas autores dos dois grupos, mas que de modo geral
e intelectuais e também do público consumidor) e em nenhum deles rompeu-se com a narrativa
(HERMETO, 2010, p. 22). tradicional da escrita da história ou apresentou-
se alguma inovação nas abordagens teóricas
Num caminho convergente podemos situar o
e metodológicas (BRANDÃO, 2010, p. 370).
trabalho de Nátalia Cristina Batista (2019) que
Grosso modo, enquadram-se “nas categorias
analisou a peça O Último Carro ou As 14 Estações,
de relato e enumeração cronológica, inventário
de João das Neves, como uma “peça-processo”,
dramatúrgico, vivência pessoal, registro de
abrangendo as ambiguidades do momento da
efemérides, crônica impressionista ou crônica
escrita (1964) e da encenação (1976-1978),
episódica, análise cênica, estudo histórico, com
bem como os processos de montagem em
frequência misturando procedimentos de cada
São Paulo e no Rio de Janeiro; entremeados à
uma destas modalidades” (BRANDÃO, 2010,
construção de uma perspectiva de teatro popular
p. 341), cuja “identidade do nosso historiador
e de arte engajada, tensionadas pela vigência
do teatro, considerando-se as obras de longa
do regime militar e a estruturação do mercado,
duração, ainda está à sombra da velha história
que atravessaram três temporalidades: as duas
factual ou acontecimental, herdeira da vetusta
citadas acima (1964 e 1976-1978) mais uma
história política devotada à listagem de feitos
terceira temporalidade (2012-2019), que se trata
nobres e solenes em um encadeamento
do momento de realização das entrevistas com
cronológico progressivo e cumulativo, as séries
atores, diretores, equipe técnica, entre outros.
factuais” (BRANDÃO, 2010, p. 342). Sendo assim
Com o desenvolvimento de pesquisas no âmbito e de modo geral, as definições de teatro e história
acadêmico merecem destaque trabalhos da área não são nesses trabalhos problematizadas, sequer
da história que têm se dedicado à revisão da mencionadas, como “se existisse um campo de
literatura do teatro brasileiro, de uma perspectiva estudos consolidado ou como se houvesse uma
mais abrangente e de longa duração, como o clareza cristalina a respeito do que História do
realizado por Tania Brandão (2009, p. 73-84 Teatro possa ser” (BRANDÃO, 2010, p. 372).
e 2010, p. 333-375), ou a partir da literatura
Na contramão desse tipo de abordagem da história
específica do teatro político, como o desenvolvido
do teatro, Tânia Brandão, em seu livro Uma
por Rosângela Patriota (1999, p. 53-98 e 2012).
empresa e seus segredos: Companhia Maria Della

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Costa (2009), considerou que o “nascimento” do existentes não só aceitaram como reproduziram a
teatro moderno no Brasil não foi um movimento periodização proposta por um dos seus principais
espontâneo de modernização teatral que se integrantes: as etapas definidas por Augusto Boal
consagrou com a encenação de Vestido de Noiva, para as atividades do Teatro de Arena em fins dos
pelo grupo Os Comediantes, em 1943, de acordo anos 1960, com os acontecimentos ainda em curso
com a versão construída pelos protagonistas desse (PATRIOTA, 2005, p. 21)8. O artigo de Rosangela
teatro ou então por críticos simpatizantes dele, Patriota é bastante elucidativo no que concerne
cuja dimensão histórica de produção das obras tem às referências bibliográficas sobre o Teatro de
sido sublimada até hoje pela maioria dos trabalhos Arena em particular e à escrita da história do
sobre teatro brasileiro, inclusive e temerariamente teatro brasileiro como um todo, pois evidencia
pelas pesquisas acadêmicas da área de história, os problemas decorrentes de uma assimilação
que supostamente deveriam problematizar tais acrítica dos textos de época pela historiografia
“versões oficiais” e não assimilá-las sem as devidas do teatro brasileiro. Esse automatismo analítico
problematizações. Desconstruir como se deu esse resulta, segundo uma das principais historiadoras
processo de construção de uma “história oficial”, do teatro, da ausência de um tratamento crítico
aceita por grande parte da bibliografia específica7, das fontes documentais, que ora são tomadas
bem como resgatar a participação ativa de outros como interpretações “mais corretas” dos
sujeitos históricos foram objetivos da autora nesse acontecimentos, ora como figuras ilustrativas da
trabalho que é fruto de uma tese de doutorado. narração (PATRIOTA, 2005, p. 23); raramente como
análises passíveis de problematização. Em suma:
Outra grande contribuição foi evidenciar como
“em momento algum, os estudiosos questionam-
a análise do moderno no teatro brasileiro só
se a respeito do lugar em que estas interpretações
é possível pela via da história da cena ou do
ocorreram” (PATRIOTA, 2005, p. 21).
espetáculo, não mais e somente pela história da
dramaturgia e seu autor. Assim, O mesmo pode-se dizer da divisão do “teatro
engajado” dos anos 1960 em dois grupos não só
Se a história do teatro pôde, em larga medida,
ser história da dramaturgia, a história do teatro distintos como também antagônicos (um vinculado
moderno não pode de forma alguma ser reduzida a ao nacional-popular e outro à contracultura) que,
tal condição, sob a pena de que não se compreenda por ter sido aceita pela historiografia do teatro
o seu movimento essencial, definidor, [no qual] só
a cena – vale dizer, a presença densa e articulada e ter se cristalizado no imaginário social, traz
– poderá traduzir os movimentos próprios da consigo problemas fundamentais às pesquisas
percepção e da conceituação do ser ocidental, cada na área como analisou Rosângela Patriota
vez mais fragmentário, cada vez mais sinônimo de
(1999, 2008, 2012) e Miliandre Garcia e (2012,
multiplicidade (BRANDÃO, 2009, p. 42).
2013). Em primeiro lugar, a crítica ao teatro
Também no que se refere ao teatro engajado, a nacional-popular supôs-se a existência de uma
maioria dos trabalhos foi produzida por pessoas “hegemonia cultural de esquerda” que, apesar de
vinculadas ao teatro nos anos 1960 e, portanto, assumir a dianteira da resistência cultural contra
agentes daquele contexto histórico. Ao longo dos as arbitrariedades do regime militar, teve uma
anos, esse conjunto de referências ganhou um atuação localizada enquanto oposição, foi acusada
lugar privilegiado na historiografia do teatro, na de se aproveitar das benesses do governo vigente
medida em que deixou de ser tratada como fonte que iam desde a aprovação de uma peça teatral
documental passível de crítica e se transformou pela censura de diversões públicas, à indicação
em principais referências para as análises de representantes do setor para a direção de
subsequentes. Tamanha influência, ao invés de instituições culturais, até o recebimento de apoio
contribuir para a formulação de novos problemas material para a produção de espetáculos teatrais
e revisão de teses já consagradas, resultou no (ver depoimentos de Escobar e Marcos, 1981). Em
assentamento de determinadas interpretações segundo lugar, a historiografia do teatro brasileiro
e na redução, quando não reprodução, de seus não discutiu se, de fato, existiu uma “hegemonia
antagonismos estético-ideológicos. cultural de esquerda” que se definia em oposição
a outros núcleos teatrais e, se existiu, como ela se
Num estudo de caso do Teatro de Arena, deu, mas assimilou-a passivamente.
Rosangela Patriota concluiu que todos os trabalhos

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Por absorver os impasses de uma época sem entanto, todas essas possíveis articulações costumam
a devida problematização, a crítica ao teatro demonstrar ao menos uma preocupação em
nacional-popular não se limitou aos anos 1960 comum, isto é, buscam contemplar as contradições
– época de ouro do “teatro político” com as e dilemas das experiências de engajamento, bem
produções históricas do Teatro de Arena, do como o diálogo entre história, teatro e política. Ao
Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional considerar a dimensão histórica do teatro, resgata-
de Estudantes (UNE), do Teatro Opinião e do se também suas relações com o mundo social. Dessa
Tuca, mas se expandiu para as décadas seguintes, forma, são essenciais os trabalhos que dialogam
numa fase de redefinição dos projetos estéticos, com questões externas a ele como as sociedades
adequação às políticas do governo e demandas de apoio mútuo no início do século XX (CAMARGO,
de mercado (ver GARCIA, 2012, 2013). No final 2011, 2012); as políticas culturais e as agências de
da década de 1970 e início da de 1980, numa fomento (CAMARGO, 2011; GARCIA, 2012); as trocas
postura de combate no plano cultural àquilo que culturais entre Brasil e Portugal (COSTA; SOUSA JR.,
definiram como tendência hegemônica no campo 2012); ou entre grupos com trajetórias convergentes
político, uma parte significativa da crítica teatral e como o grupo Opinião e Teatro Moderno de Lisboa
também dos artistas de teatro homogeneizou as (PARANHOS, 2012b); as censuras no século XIX,
experiências teatrais em ascensão desde fins dos reconstruindo sua gênese no Brasil e a experiência do
anos 1950 e consolidação na década seguinte, sob Conservatório Dramático Brasileiro (CDB) (SOUZA,
a denominação genérica de nacional-popular que 2002 e GARCIA; SOUZA, 2019); e na segunda metade
foi analisado grosseiramente como resultado direto do século XX, retomando a criação do Serviço de
do “populismo-reformista” (ver GARCIA, 2013), Censura de Diversões Públicas (SCDP) em 1945 e o
equação influenciada pela análise do fenômeno processo de resignificação deste durante a ditadura
pela sociologia paulista (por ex. WEFFORT, 1978 e militar (GARCIA, 2008 e GARCIA; SOUZA, 2019).
TOLEDO, 1982. Ver GOMES, 2001). Por fim, importante sublinhar que pesquisar temas
tangenciais ao teatro não devem ser entendidos
Portanto, se as críticas teatrais e os depoimentos
como uma fuga do historiador que, não dispondo de
pessoais constituem-se em principais fontes
instrumental específico para analisar a linguagem
para o desenvolvimento de pesquisas com
artística, refugia-se num mundo à parte da prática
características interdisciplinares, ambos devem
teatral. Ao contrário, são trabalhos essenciais, pois
ser tomados como fragmentos de uma realidade,
evidenciam como o fenômeno teatral incorpora
jamais descontextualizados do momento da
elementos externos e também reage a eles, seja pela
produção e assim reapropriados como instâncias
via da negociação, seja pelo embate direto, e como
autônomas (PATRIOTA, 2008, p. 40).
estes influenciam diretamente a produção teatral.
Por outras vias e mais recentemente, o teatro
Para encerrar esse artigo, que procura contemplar
engajado e suas múltiplas dimensões tem sido
o diálogo entre história e teatro, cabe sublinhar que
objeto de reflexão dos trabalhos já consolidados
não somente as manifestações teatrais se nutrem
de Iná Camargo Costa (1996 e 1998), Rosângela
da sociedade e seus indivíduos para se concretizar,
Patriota (1999 e 2007) e Silvana Garcia (2004),
como também estes podem incorporar metáforas
dos artigos mais atuais de Kátia Rodrigues
do palco (dramatização, performance, teatralidade
Paranhos (2010a, b, 2012a, b, c), das pesquisas de
etc.) na sua vida cotidiana, como assinalou Edélcio
mestrado de Thaís Leão Vieira (2005) e Mariana
Mostaço (2010) ao resgatar a dinâmica de uma festa
Rosell (2018) e doutorado de Miriam Hermeto
barroca no interior da Bahia no século XVIII, ou
(2010a, b), Batista (2019), Igor Sacramento
então no universo da política, como fez Adalberto
(2012a, b) e mais tangencialmente Miliandre
Paranhos (2012) ao tratar de três experiências
Garcia (2007 e 2008).
de análise das relações entre política e teatro na
Mesmo concentrando-se nas pesquisas da área de longa duração: as teses de Maquiavel acerca da
história, são infinitas as possibilidades de trabalho: “estratégia das aparências”, as reflexões de Edward
podem contemplar análises das trajetórias, passando P. Thompson sobre o “teatro dos poderosos” e o
pelo exame da dramaturgia ou da crítica teatral, até “contrateatro dos pobres” e a teatralização da
as suas relações com a sociedade ou governo. No política no Estado Novo.

Cênicas 119
Em linhas gerais, os estudos da teatralidade, sob a período (Garcia, 2008; Garcia, Souza, 2019).
influência da semiologia, especialmente de Roland
03. Essa questão foi tratada por Rosângela
Barthes (1977), incorporam
Patriota em pelo menos dois momentos (1999 e
A análise do discurso, das linguagens, das imagens, 2008. p. 35).
da retórica, da pragmática, da performatividade
que reveste os atos da interação social, tornando-a 04. Rosângela Patriota e Alcides Freire Ramos vêm
apreensível não apenas no universo específico
do palco como também [...] junto à sociologia, a
reunindo um grupo de pesquisadores no Núcleo de
antropologia, a história, em outras modalidades de Estudos em História da Arte e da Cultura (NEHAC)
relações humanas nas quais a representação faz- da Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
se presente (MOSTAÇO, 2010, p. 47-48), que, desde 1994, tem contribuído com pesquisas
que se pautam mais por instâncias intangíveis significativas na área de história, a exemplo da
visando captar os sentimentos, gestos, egos, coletânea Patriota, Alcides, 2002.
mentalidades e sensibilidades do que por registros 05. Edélcio Mostaço é um dos poucos autores que
convencionais como gravuras, fotografias e vídeos a um só tempo é analisado como fonte de pesquisa,
que impossibilitam observar a “qualidade presencial/ a partir dos trabalhos Teatro e política: Arena,
convivial do ato vivo e tridimensional” (Idem, p. 51). Oficina e Opinião (uma interpretação da cultura de
Como buscamos enfatizar até aqui e por diferentes esquerda) (1982), e O espetáculo autoritário: pontos,
caminhos, em sua maioria convergentes, riscos, fragmentos críticos (1983), bem como é
pesquisadores da área da história ou áreas afins têm considerado referência basilar da nova história do
cada vez mais demonstrado interesse no diálogo teatro com seus estudos sobre performatividade
entre história e teatro. Ao contrário de alguns campos (2009), teatralidade, performance, história cultural
artísticos como o cinema, a música, a literatura e as do teatro (2010), entre outros.
artes plásticas que, sob perspectiva interdisciplinar, 06. Kátia Rodrigues Paranhos e Adalberto
já dispõem de uma gama considerável de trabalhos, Paranhos são editores da revista ArtCultura que,
outros como o teatro e suas conexões com a desde 1999, já publicou 39 números e tem prestado
história só recentemente vem desenvolvendo seu um grande serviço a pesquisadores da cultura,
aparato teórico-metodológico, porém, como vimos inclusive, a estudiosos do teatro, através de seus
resumidamente aqui, já conta com referências dossiês temáticos: História & Teatro (v. 7, n. 11,
imprescindíveis ao campo de pesquisa que vem jul./dez. 2005), História & Teatro (v. 9, n. 15, jul./
demonstrando, por meio de dissertações e teses, dez. 2007), História & Cultura de Classes, História
um amadurecimento significativo. & Teatro (v. 11, n. 19, jul./dez. 2009) e História,
Teatro & Imagem (v. 13, n. 23, jul./dez. 2011).

NOTAS 07. Esse trabalho é de extrema importância para a


historiografia do teatro como um todo, sobretudo
01. Tania Brandão classifica-a em várias para as pesquisas sobre teatro brasileiro da
tipologias: matéria paga, crítica paternalista, segunda metade do século XX que, não tendo o
crítica conivente, crítica ressentida, crítica moderno como objeto de estudo, mas passando
interessada, crítica explosiva, crítica honesta, por ele de alguma forma, incorporaram essa
crítica isenta, crítica celebratória (2009, p. 30). versão já arraigada na literatura específica,
sobretudo por críticos respeitáveis como Décio de
02. Um exemplo dessa excepcionalidade refere-
Almeida Prado e Sábato Magaldi. Não lhe dando a
se ao fundo da Divisão de Censura de Diversões
devida atenção, justamente por não ser esse seu
Públicas (DCDP), sob custódia da Superintendência
objetivo de pesquisa, os historiadores acabam
Regional do Arquivo Nacional (Brasília/DF).
contribuindo para a perpetuação de uma versão
Exercendo a censura teatral centralizada no
não problematizada, mas assimilada passivamente.
período de 1967/68 a 1975/78, o fundo da DCDP
contém todos os textos teatrais (inéditos ou não, 08. São elas: 1) Não era possível continuar assim;
de autor nacional ou estrangeiro) cujos autores ou 2) A fotografia; 3) Nacionalização dos clássicos; 4)
produtores tiveram intenção de montá-lo naquele Musicais (Boal, 1968).

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