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RESUMO
O aço inoxidável martensítico AISI 630 é um material que se caracteriza pelos elevados níveis de
resistência mecânica e fadiga que o torna, além da tradicional resistência à corrosão, uma das opções para a
fabricação de componentes aeronáuticos e industriais. Entretanto, a alta dureza comumente observada nesses
aços endurecíveis por precipitação contribui para o aumento do desgaste das ferramentas de corte nos
processos de usinagem. O presente trabalho visa investigar a usinabilidade de dois aços inoxidáveis AISI
630, sendo um convencional e o outro modificado com a adição de cálcio e enxofre, os quais foram
submetidos a um torneamento cilíndrico com pastilhas de metal duro a uma velocidade de corte máxima de
250 m/min. Através de um dispositivo acoplado a uma plaina-limadora foi possível preparar uma amostra da
região onde se forma o cavaco, cuja microestrutura foi observada por microscopia ótica. Os ensaios de
torneamento realizados mostraram que a modificação da composição química favoreceu a usinagem do aço
AISI 630, contribuindo para que houvesse uma significativa redução tanto no desgaste das ferramentas de
corte como também na rugosidade superficial. A análise por microscopia ótica possibilitou correlacionar tais
resultados com a microestrutura observada na região do cavaco. Embora a diferença entre as microestruturas
dos aços investigados não fosse característica, constatou-se que a presença de cálcio e enxofre favoreceu a
formação de um grande número de inclusões de morfologia complexa e cuja observação não foi tão
freqüentemente notada no aço AISI 630 convencional. Assim sendo, sugere-se que o comportamento frágil
das partículas dessa natureza seja um dos principais fatores responsáveis pela melhoria do processo de
torneamento, favorecendo o cisalhamento do material e do cavaco, e conseqüentemente, aumentando a vida
da ferramenta de corte e melhorando o acabamento superficial na usinagem do aço inoxidável AISI 630
modificado.
Palavras chaves: Aço inoxidável AISI 630, torneamento, usinabilidade, microestrutura, inclusões.
inclusions – probably calcium sulphides. So, it was suggested that larger volume fraction of these brittle
particles should be responsible for increasing machining properties of Ca-S modified AISI 630 stainless steel.
Keywords: AISI 630 stainless steel; turning; machinability; microstructure; inclusions.
1 INTRODUÇÃO
Com a crescente utilização de aços inoxidáveis nas indústrias aeronáuticas, aeroespaciais,
alimentícias e indústrias mecânicas em geral, a otimização dos processos de fabricação das peças de aço
inoxidável se torna cada vez mais importante. Dentre os processos de fabricação, a usinagem é um dos
processos mais empregados, pois grande parte das peças oriundas de matérias prima não planas são
fabricadas por usinagem ou necessitam de algum tipo de usinagem, como por exemplo, furação, acabamento
superficial, corte e rebarbação. Assim, a escolha adequada do material a ser usinado, dos parâmetros de corte,
da ferramenta de corte, dos fluidos de corte, dos dispositivos de fixação e da máquina-ferramenta, garante a
otimização do processo e a qualidade do produto a um custo otimizado.
Considerando que neste trabalho o assunto a ser tratado está relacionado com usinabilidade, aços
inoxidáveis e microestrutura, será apresentada a seguir, uma breve revisão sobre esses assuntos.
O grau de dificuldade de se usinar um determinado material é conhecido como usinabilidade. De um
modo geral, pode-se definir usinabilidade como sendo uma grandeza tecnológica que expressa, por meio de
um valor numérico comparativo (índice de usinabilidade), um conjunto de propriedades de usinagem de um
material em relação a outro tomado como padrão. Entende-se como propriedades de usinagem de um
material aquelas que expressam seu efeito sobre grandezas mensuráveis inerentes ao processo de usinagem,
tais como a vida da ferramenta, o acabamento superficial da peça, o esforço de corte, a temperatura de corte,
a produtividade e as características do cavaco. Pode-se ter um material que tenha uma boa usinabilidade
quando se leva em conta uma propriedade de usinagem, como por exemplo, a vida da ferramenta e não
possuir boa usinabilidade quando se leva em conta outra propriedade, como por exemplo, a rugosidade da
peça usinada. A usinabilidade depende do estado metalúrgico da peça, da dureza, das propriedades mecânicas
do material, de sua composição química, das operações anteriores efetuadas sobre o material, e do eventual
encruamento. Depende ainda das condições de usinagem, das características da ferramenta, das condições de
refrigeração, da rigidez do sistema máquina-ferramenta-peça-dispositivos de fixação-ferramenta de corte e
dos tipos de trabalhos executados pela ferramenta (operação empregada, corte contínuo ou intermitente,
condições de entrada e saída da ferramenta). Assim, um material pode ter um valor de usinabilidade baixo em
certas condições de usinagem e um valor maior em outras condições de usinagem [1]. Em termos de
usinabilidade, os aços inoxidáveis são famosos por apresentarem maiores dificuldades do que os aços
comuns ou de construção mecânica. Mesmo entre os aços inoxidáveis temos diferentes graus de
usinabilidade, em função da microestrutura, característica e estado de fornecimento de cada um.
De uma maneira genérica, os aços inoxidáveis podem ser classificados em quatro grupos principais:
austeníticos, martensíticos, ferríticos e endurecíveis por precipitação [2]. Apresentam em comum, altas
energias de corte requeridas nas operações de usinagem. Possuem alta resistência à tração e baixa
condutividade térmica, o que resulta em altas temperaturas na interface ferramenta-cavaco durante a
usinagem. Além disso, a presença de carbonetos abrasivos nos aços inoxidáveis provocam rápido desgaste na
ferramenta de corte. Os aços inoxidáveis austeníticos apresentam, além de tais problemas citados, um alto
coeficiente de encruamento, promovendo fortes ligações por aderência, elevando as forças e temperaturas de
usinagem, que promovem maiores taxas de desgaste nas ferramentas de corte [3].
Os ferríticos e martensíticos raramente apresentam dificuldades, enquanto os austeníticos e duplex
são bem mais difíceis, sendo que o grau de dificuldade aumenta com o aumento do teor de elementos de liga.
As dificuldades de usinagem dos aços inoxidáveis austeníticos normalmente concentram-se em:
• Forte desgaste das ferramentas com baixa qualidade de acabamento;
• Péssima característica da saída de cavaco (quebra), causando congestionamento;
• Baixas velocidades de corte, levando à baixa produtividade.
Nos aços inoxidáveis austeníticos, suas propriedades é que baixam sua usinabilidade em virtude de
alta ductilidade e tenacidade, alta taxa de encruamento e baixa condutividade térmica, visto que, em virtude
de sua alta ductilidade, forma-se uma camada encruada com alta resistência que se opõe ao avanço da
ferramenta durante o corte. Ao mesmo tempo a formação de cavacos contínuos, causada pela alta ductilidade
do material, e o atrito elevado na interface metal-ferramenta, causam um aquecimento na região de corte. Os
aços inoxidáveis, por terem baixa condutibilidade térmica, dissipam muito pouco o calor gerado pelo corte
(atrito). O aquecimento excessivo compromete a vida da ferramenta e conseqüentemente a qualidade
superficial da peça usinada, sugerindo redução na velocidade de corte. Além disto, em alguns casos, existe
forte tendência ao caldeamento entre a ferramenta e o cavaco em trânsito.
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Os aços endurecíveis por precipitação foram desenvolvidos na década de 40, para atender as
exigências da indústria aeronáutica. Esses aços foram rapidamente selecionados para outras aplicações como
componentes de aeronaves, naves espaciais, componentes de usinas nucleares, instrumentos cirúrgicos,
equipamentos fotográficos, molas, válvulas para água salgada, conexões para fluidos agressivos, etc. O aço
inoxidável, endurecível por precipitação, conforme a necessidade da fabricação de peças, apresenta
combinações extremamente favoráveis de propriedades mecânicas, resistência à corrosão, soldabilidade e
usinabilidade, reunindo, assim, as vantagens dos austeníticos e martensíticos convencionais. Para produtos
não planos, a usinabilidade destaca-se como a principal característica de fabricação, constituindo o escopo
deste trabalho. Existem diversas tendências para melhorar a usinabilidade dos aços inoxidáveis, como, uso de
aços ressulfurados, controle de morfologia de inclusões e adição de metais [4].
O aumento da usinabilidade geralmente está acompanhado de queda na resistência à corrosão. Nos
últimos anos, tem-se utilizado a técnica de controle das inclusões não metálicas para melhoria da
usinabilidade dos aços sem deterioração das demais propriedades. Isto é alcançado através de tratamento
especial durante a fabricação do aço líquido. Atualmente, materiais de engenharia são reformulados
(composições química, tratamentos e reprocessamentos), de modo a acrescentar às suas especificações
técnicas normais, alta resistência mecânica, alta tenacidade, superior resistência à corrosão e compatível com
o meio ambiente. Entretanto, estes novos incrementos qualitativos dos materiais vão de encontro à sua outra
característica igualmente importante, a usinabilidade. Processamento de aços inoxidáveis é exemplo
cotidianamente crescente deste desafio, que nos leva à procura de novos arranjos na composição química dos
aços, seleção criteriosa de materiais, novos parâmetros de usinagem (acabamento, velocidades de corte e de
avanço e profundidade), geometria de corte, taxa de remoção de cavaco e novas concepções da tecnologia de
manufatura. Uma opção racional, econômica e de excelentes resultados, para contribuir com a necessidade de
otimização do processo de fabricação, é a utilização de aços com usinabilidade melhorada. Entretanto, a
melhoria na usinabilidade tem apresentado algumas interferências nas propriedades mecânicas do aço, como
atestam a adição de enxofre e chumbo, que afetam a resistência à corrosão. O enxofre, além disso, é
segregado durante a fundição causando anisotropia e afetando a uniformidade da microestrutura [4].
A tentativa de se conseguir uma diminuição nos custos de fabricação de peças usinadas através de
maiores taxas de remoção de material e aumento de vida útil de ferramenta de corte sem, contudo, acarretar
prejuízo nas propriedades mecânicas dos aços levou ao desenvolvimento dos aços com usinabilidade
melhorada pela desoxidação com cálcio, muitas vezes denominados “aços tratados ao cálcio” [5]. A adição
de cálcio para modificação da natureza e morfologia das inclusões constitui uma técnica já conhecida pelas
aciarias modernas. O cálcio é adicionado geralmente em forma de fios de Ca-Si durante o refino do aço
líquido, transformando as inclusões de alumina em aluminatos de cálcio. Enquanto as inclusões de alumina
são duras e abrasivas, com ponto de fusão de 2045oC, compostos eutéticos do sistema SiO2-CaO-Al2O3,
apresentam ponto de fusão bem mais baixo, de até cerca de l300oC. A formação de tais compostos gera
inclusões globulares, geralmente envolvida por uma camada de sulfetos de cálcio e de manganês e conferem
melhoria de usinabilidade, principalmente a altas velocidades de corte [5].
Neste trabalho, serão abordadas as características básicas da usinabilidade dos aços inoxidáveis
martensíticos, AISI 630, convencional e tratado com cálcio AISI 630UF, em termos de desgaste da
ferramenta de corte, mecanismos de desgaste das ferramentas de corte e acabamento superficial. Através de
um dispositivo acoplado a uma plaina-limadora serão preparadas amostras da região onde se forma o cavaco,
cuja microestrutura será observada por microscopia ótica visando relacionar a microestrutura dos dois aços
com a usinabilidade.
2 MATERIAIS E MÉTODOS
Para a realização dos ensaios de usinabilidade foi utilizado um torno CNC de 5,6 kW de potência e
rotação máxima de 4000 rpm. A ferramenta de corte utilizada foi um inserto de metal duro, intercambiável,
ISO WNMG-06T308-TF-IC907, com cobertura PVD de TiAlN, comprimento da aresta de corte de 6,52 mm,
espessura de 3,9 mm;raio de ponta de 0,8 mm e ângulo de saída de 13°. Porta ferramenta ISO PWLNR
20X20-K-08, ângulo de posição 90° e ângulo de folga 6°.
A rugosidade da peça usinada foi medida com um rugosímetro Taylor/Robson “Surtronic 3”, digital
de 0,01µm e o desgaste da ferramenta foi medido com o auxílio de um microscópio.
Os materiais ensaiados foram os aços inoxidáveis AISI 630 convencional e modificado com adição
de cálcio (AISI 630UF), não endurecidos, ambos com dureza aproximada de 33 HRC, com as principais
composições químicas apresentadas na tabela 1.
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Os corpos de prova utilizados nos ensaios de usinabilidade tinham a forma e as dimensões da figura
1.
Os aços inoxidáveis AISI 630 convencional e modificado, foram ensaiados nas mesmas condições
de usinagem por torneamento, com velocidade de corte Vc = 250 m/min, profundidade de corte ap = 1,0 mm,
avanço f = 0,25 mm. Em cada caso, após duas passadas da ferramenta ao longo da peça, foi retirada a pastilha
para avaliação e medição do desgaste máximo de flanco (VBBmáx) e da rugosidade. Como critério de fim de
vida foi adotado VBBmáx = 0,3 mm ou tempo de corte = 25 minutos, prevalecendo o que ocorresse primeiro,
ou seja, os ensaios eram finalizados quando ocorresse qualquer um dos casos, salvo acidentes de percurso
como trincas ou lascamento da pastilha, os quais finalizaram automaticamente o ensaio
A análise da microestrutura do cavaco, ainda anexo à peça bruta, foi realizada em uma amostra
preparada a partir de um dispositivo mecânico acoplado a uma plaina-limadora. Tal aparato possibilitou a
interrupção do movimento relativo entre a ferramenta e a peça em ensaio, de modo que o cavaco gerado não
fosse arrancado. A Figura 2 apresenta a montagem do dispositivo sobre a plaina, bem como uma amostra
típica usada para a análise da microestrutura da região do cavaco.
Figura 2: (a) Montagem do dispositivo para geração de amostras de cavaco sobre uma plaina-limadora. (b)
Exemplar de cavaco usado para a preparação metalográfica.
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estimados o tamanho e a quantidade das inclusões em no mínimo 10 áreas distintas. A microestrutura dos
aços inoxidáveis martensíticos foi revelada através do ataque químico com o reativo de Villela [6]. Medidas
de microdureza Vickers, com carga padrão de 0,2 N, foram feitas tanto na região deformada (cavaco) quanto
em áreas da amostra que não foram afetadas pela ferramenta de corte. Para as medidas de macrodureza a
carga aplicada foi padronizada em 196 N.
3 RESULTADOS
Os resultados serão apresentados em dois subtítulos, sendo o primeiro relacionado com a
usinabilidade dos aços em relação ao desgaste da ferramenta de corte e acabamento superficial, e o segundo
relacionado com a microestrutura dos materiais ensaiados.
3.1 Usinabilidade
D e s g a s te x L c - V c = 2 5 0 m /m in
1
0 ,9
0 ,8
0 ,7
VBB máx (m m)
0 ,6
0 ,5
0 ,4
0 ,3
0 ,2
"630 U F "
0 ,1
"630 C O N "
0
0 :0 1 :1 3 0 :0 2 :2 2 0 :0 3 :2 7 0 :0 4 :2 8 0 :0 5 :2 5 0 :0 6 :2 0 0 :0 7 :1 1 0 :0 7 :5 8 0 :0 8 :4 1
T e m p o (m im )
Figura 3: Desgaste da ferramenta na usinagem dos aços AISI 630 e AISI 630UF, em função do comprimento
de corte Lc(m). vc=250m/min, f=0,25mm/volta, ap=10mm, sem refrigeração.
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R u g o s id a d e x L c - C o rte a S e c o , V c = 2 5 0 m /m in
2 ,5
2
Ra (u m)
1 ,5
6 3 0 U F , V c = 2 5 0 m /m in
0 ,5
6 3 0 ,V c = 2 5 0 m /m in
0
3 08 59 4 859 1102
C o m p rim e n to d e C o rte - L c (m )
Figura 4: Rugosidade em função do comprimento de corte Lc(m), usinagem a seco, aços AISI 630 e AISI
630UF, vc=250m/min, f=0,25mm/volta, ap=1,00mm.
1
λ=
2 ⋅ NA (1)
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Figura 5: Micrografias tiradas da superfície polida mostrando em (a) uma típica dispersão de partículas de
segunda fase encontrada no aço AISI 630UF e em (b) o detalhe de uma microfissura observada na região do
cavaco. Aumentos de 400 e 1500 vezes.
A revelação da microestrutura com o reativo de Villela mostrou que as diferenças entre os aços
analisados foram pequenas, como pode ser constatado com as micrografias da Figura 6. Nota-se a aparência
típica dos aços inoxidáveis martensíticos, caracterizada pela textura na forma de plaquetas.
Figura 6: Microestruturas dos aços inoxidáveis martensíticos AISI 630 em (a) e AISI 630UF em (b),
reveladas pelo reativo de Villela. Aumento padrão de 400 vezes.
4 DISCUSSÃO
O aço AISI 630UF apresentou melhores índices de usinabilidade utilizando como critério o desgaste
da ferramenta de corte e também utilizando como critério o acabamento superficial.
As medidas de dureza realizadas permitiram verificar que não houve alterações significativas na
propriedade mecânica, que pudessem ser atribuídas à adição de cálcio e enxofre. Entretanto, a presença do
triplo desses elementos no aço AISI 630UF favoreceu a formação de um número maior de inclusões, se
comparado ao aço inoxidável convencional. Embora não tenha sido possível realizar um estudo mais
minucioso utilizando microanálise por espectometria por energia dispersiva de elétrons (EDS), acredita-se
que as partículas observadas por microscopia ótica sejam preponderantemente constituídas por sulfetos de
cálcio – hipótese bastante plausível, considerando o nível de energia livre para a sua formação ser
extremamente baixo em relação a outros sulfetos encontrados nos aços [9].
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O encruamento do material na região do cavaco, verificado através das medidas de microdureza, foi
perceptível. O ataque metalográfico permitiu visualizar no cavaco uma textura semelhante à descrita por
Ferraresi [10], na qual microvolumes de material deformado orientam-se paralelamente entre si como se
fossem cartas de um baralho. A Figura 7 demonstra a textura encontrada nos cavacos analisados e permite
determinar o ângulo de cisalhamento φ, estimado em 40° em ambos os aços investigados. Orientações
semelhantes foram encontradas na disposição das microfissuras observadas nos cavacos (Fig. 5(b)). Este
valor mostrou ser bastante próximo ao ângulo de cisalhamento teórico, que pode ser calculado por [10]:
cos γ
tgφ =
RC − sen γ (2)
Onde γ é o ângulo de saída do cavaco (18° na ferramenta usada nos experimentos) e Rc é o grau de
recalque, definido como a razão entre as espessuras do cavaco e de corte. Nos experimentos realizados foram
determinados os valores de 1,33 e 1,28 para o grau de recalque dos aços AISI 630 e AISI 630UF,
respectivamente, o que implicaria em ângulos de cisalhamento teóricos de 43° e 44,4° para os aços
investigados.
Os ensaios de torneamento realizados mostraram que a usinabilidade do aço AISI 630UF era
superior ao aço convencional. A análise por microscopia ótica permitiu constatar que este comportamento
não poderia ser associado diretamente à matriz, considerando que não haviam diferenças significativas entre
estes materiais (Fig. 6). Entretanto, a maior quantidade de inclusões de segunda fase encontradas no aço AISI
630UF pode ser o fator responsável pela melhoria da usibilidade nesta liga. As estimativas feitas sobre a
dispersão de partículas mostraram que o aumento na quantidade promoveu uma aproximação entre as
inclusões, favorecendo a propagação das microfissuras geradas no material do cavaco e a sua ruptura. A
formação de cavacos descontínuos minimiza os mecanismos de desgaste que ocorrem na ferramenta, além de
contribuir para a melhoria do acabamento superficial (rugosidade) das peças usinadas.
Figura 7: Micrografias mostram em (a) a região de transição entre a peça usinada e o cavaco e em (b) a
microestrutura do cavaco mostrando uma textura orientada, conforme o ângulo de cisalhamento φ. Ataque:
Villela. Aumento padrão de 150 vezes.
5 CONCLUSÕES
A observação de aspectos microestruturais vinculados à usinagem de aços inoxidáveis martensíticos
permitiu que fossem tiradas as seguintes conclusões:
• a adição de quantidades extras de cálcio e enxofre à composição química do aço inoxidável
martensítico AISI 630 favoreceu a formação de inclusões, que foram observadas por microscopia
ótica;
• a melhoria da usinabilidade observada no aço AISI 630UF não foi promovida por alterações
microestruturais da matriz e sim pela presença de um maior número de partículas de segunda fase,
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as quais podem ter contribuído para a propagação das microfissuras responsáveis pela quebra do
cavaco;
• a observação por microscopia ótica permitiu identificar e caracterizar a textura da região encruada
no cavaco, determinando valores experimentais dos ângulos de cisalhamento bastante aproximados
aos previstos por modelo teórico.
6 AGRADECIMENTOS
À Villares Metals pela doação dos aços e fornecimento de informações técnicas;
À Iscar do Brasil pela cortesia das ferramentas de corte.
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Austeníticos ABNT-316”, In: XIV Congresso Brasileiro de Engenharia Mecânica, Bauru, SP, 1997.
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Pesquisa e Desenvolvimento, 2002.
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[10] FERRARESI, D., Fundamentos da Usinagem dos Metais, São Paulo, Ed. Edgard Blücher, pp. 89-140,
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