Você está na página 1de 11

A Política de Saúde no Governo Lula

The Health Policy in Lula’s government

Telma Maria Gonçalves Menicucci Resumo


Doutora em Ciências Humanas: Sociologia e Política. Professora
Adjunta do Departamento de Ciência Política da Universidade O ensaio faz uma reflexão sobre a política de saú-
Federal de Minas Gerais. de nos oito anos de governo do Presidente Lula,
Endereço: Rua Groenlândia, 77, apto. 401, CEP 30320-060, Belo identificando-se uma mudança de foco na agenda
Horizonte, MG, Brasil.
E-mail: telmenicucci@fafich.ufmg.br
governamental, passando-se da ênfase exclusiva na
implementação gradativa do SUS no primeiro man-
dato para as condições de vida e os determinantes
da saúde no segundo, bem como de sua articulação
com o desenvolvimento. Considera-se que políticas
de saúde de um governo não podem ser avaliadas
apenas setorialmente, sendo necessário examinar
passos, traços e produtos do governo que têm re-
percussões na saúde da população e na organização
do sistema de serviços. O argumento central é que
o governo Lula foi mais inovador na sua atuação
sobre os condicionantes da saúde do que no aspecto
endógeno da política de saúde; no âmbito setorial,
os avanços foram incrementais e qualitativos, no
processo contínuo e difícil de implantação dos prin-
cípios do SUS em um contexto de despolitização da
questão da saúde e de um debate restrito ao financia-
mento sem que sejam colocados na agenda pública
os problemas estruturais do sistema de saúde.
Palavras-chave: Avaliação; Governo Lula; Política
de saúde.

522 Saúde Soc. São Paulo, v.20, n.2, p.522-532, 2011


Abstract Na conjuntura de término do governo do Presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, que marcou profunda-
The essay reflects on the health policy implemented mente a trajetória do Brasil, tanto em relação ao
in the eight years of President Lula’s government, desenvolvimento econômico quanto em relação ao
identifying a change of focus in the governmental desenvolvimento social, em função dos resultados
agenda: from the exclusive emphasis on the gradual positivos observados em diferentes setores, avalia-
implementation of SUS (Brazil’s National Health ções sobre seu governo permeiam o debate público,
System) in the first term of office to life condi- seja na esfera política ou na acadêmica.
tions and health determinants in the second one. Esse ensaio se insere nesse debate e pretende
It argues that the health policies of a government fazer uma reflexão sobre a política de saúde nos oito
cannot be evaluated only by a sectorial perspective; anos de governo do Presidente Lula. Considerando
it is necessary to examine the government’s steps, que há inúmeras maneiras e enfoques para analisar
orientations and products that have repercussions um governo a partir de suas políticas específicas,
on the population’s health and on the organization of bem como diversos níveis de abrangência, é necessá-
the services system. The central proposition is that rio precisar a perspectiva e o escopo adotados. Para
Lula’s government was more innovative concerning essa reflexão, parto de algumas questões gerais:
interventions on health determinants than regar-
• Quais os compromissos explícitos nos programas
ding the endogenous aspect of the health policy. In
de governo em relação à saúde antes das eleições
the sectorial scope, the progresses were incremen-
presidenciais de 2002 e de 2006 e qual o grau de
tal and qualitative, in the continuous and difficult
cumprimento desses compromissos?
process of implementing the principles of SUS in a
context of depoliticization of the health issue and of • Qual o contexto de atuação do governo?
a debate focusing only on financing, without inclu- • Da perspectiva das definições legais e do desempe-
ding in the public agenda the structural problems nho dos governos anteriores, o governo Lula apre-
of the health system. senta inovações, continuidades ou retrocessos?
Keywords: Evaluation; Lula’s government; Health A proposta é destacar as opções que foram feitas
Policy. no contexto de constrangimentos institucionais e
financeiros, mas entendendo que embora os cons-
trangimentos imponham limites às escolhas, elas
sempre são feitas. Visa-se, ainda, avaliar a evolução
da agenda governamental nos dois mandatos pre-
sidenciais a partir do que eu considero como uma
mudança de foco no discurso e na prática concreta,
passando-se da ênfase exclusiva na implementa-
ção gradativa do SUS no primeiro mandato para
as condições de vida e os determinantes da saúde
no segundo mandato. Temas que não são novos no
campo da saúde coletiva, mas que de certa maneira
tinham saído da agenda governamental, ou pelo me-
nos perdido importância, e que assumem um papel
relevante explicitamente na agenda ou no discurso
de governo, particularmente a partir da posse do
ministro Temporão em 2007.
Parto da ideia de que as políticas de saúde de
um governo não podem ser avaliadas apenas seto-
rialmente, ou seja, pelas ações exclusivas voltadas
para o funcionamento do sistema de serviços de

Saúde Soc. São Paulo, v.20, n.2, p.522-532, 2011 523


saúde. Há que se examinar passos, traços e produ- saúde à falta de gerenciamento ou à má gestão dos
tos do governo que têm repercussões na saúde da recursos.
população e na organização do sistema de serviços. Esse breve ensaio visa dar uma pequena contri-
Um marco de referência que justifica esse enfoque buição para esse debate e foi elaborado a partir de
pode ser a forma com que o direito à saúde foi fontes secundárias, como artigos e dados institucio-
definido na Constituição Federal de 1988, o qual nais, além da percepção de dois atores qualificados
implica a garantia pelo Estado da adoção de políti- e relevantes no cenário do SUS, um atualmente no
cas públicas que evitem o risco de agravo à saúde, âmbito municipal e outro no âmbito estadual, capta-
devendo ser considerados, nessa perspectiva, todos da por meio de entrevistas (Sua primeira versão foi
os condicionantes da saúde, como meio ambiente apresentada em mesa denominada Políticas Sociais
saudável, renda, trabalho, saneamento, alimentação, no Governo Lula, ocorrida no 7º Encontro da ABCP,
educação, bem como a garantia de ações e serviços em 05/08/2010, em Recife, PE).
de saúde que promovam, protejam e recuperem a
saúde individual e coletiva, a cargo do Sistema Úni-
co de Saúde (SUS). Nesse sentido, meu argumento
O 1o Mandato: 2003-2007
central é que o governo Lula foi mais inovador na Na 1ª campanha eleitoral que elegeu Lula como
sua atuação sobre os condicionantes da saúde do que Presidente do Brasil, o tema saúde não foi espe-
no aspecto endógeno da política de saúde, embora cialmente valorizado (Bahia e col., 2007), mas no
também no campo setorial apresente inovações não plano de governo havia referência a propostas que
tão perceptíveis em uma análise focada nos aspectos seriam implantadas posteriormente e que seriam as
mais visíveis da política de saúde. principais inovações setoriais do primeiro mandato.
De modo geral, no aspecto endógeno específico Tratam-se das propostas relativas a uma política de
do setor saúde, a gestão do governo Lula foi um saúde bucal, à questão das urgências/emergências,
misto de continuidade e mudança. Foram adotadas ao acesso a medicamentos com a proposta de criação
medidas de caráter incremental no longo e complexo da farmácia popular. O Plano incluía ainda outras
processo contínuo de implementação do SUS e que propostas com caráter de continuidade, mas nem de
aparentemente não trazem nada ou muito pouco de longe menos importantes dado tratar-se de questões
inovações. Mas uma análise mais apurada aponta não equacionadas, como a ampliação do Programa
algumas inovações, seja no campo da organização de Saúde da Família (PSF), o reforço da atenção
da assistência, da gestão e da forma de alocação de básica, o aprimoramento das relações intergover-
recursos. Chamo a atenção ainda para o problema namentais, a ampliação do acesso e a garantia da
persistente do subfinanciamento do SUS, tema mais integralidade da assistência – esses dois últimos,
presente no debate público, e da forma de enfrenta- embora integrem os princípios do SUS expressos
mento dessa questão no governo Lula. na CF-1988, continuam sendo os grandes desafios
Essa reflexão se justifica dada a avaliação na da política de assistência à saúde no longo e difícil
mídia e difundida de modo disseminado de que o processo de sua construção.
governo Lula fez pouco para a saúde ou que a saúde É possível fazer uma apreciação positiva do pri-
pública no Brasil é sempre um caos. Na última cam- meiro mandato, mesmo faltando recursos e ousadia
panha eleitoral, essa percepção foi reforçada pelo para intervenções mais amplas. Nos seis primeiros
candidato oposicionista à presidência da república meses de governo, de acordo com Teixeira e Paim
que ressaltou “seus feitos” quando ministro da saú- (2005), muita “energia institucional” foi gasta para
de do governo anterior, que deixou sua marca com superar a fragmentação das ações e implantar uma
a regulamentação dos medicamentos genéricos; a nova organização do Ministério da Saúde. A reforma
efetiva implantação do Programa Saúde da Família administrativa realizada sugeria uma ênfase na inte-
(PSF); o programa de combate à aids e a quebra da gração da atenção básica com a assistência especia-
patente do AZT. Em geral, sem nenhuma análise, lizada e hospitalar, destaque para recursos humanos
oposicionistas e mídia atribuem os problemas da e atenção para os insumos estratégicos e desenvol-

524 Saúde Soc. São Paulo, v.20, n.2, p.522-532, 2011


vimento científico e tecnológico, além de prioridade Cabe registrar a ênfase em ações voltadas para
para a gestão democrática (idem, ibidem). grupos específicos, como a Política Nacional de
Em consonância com as propostas de campanha, Atenção Integral à Saúde da Mulher (2004-2007);
foram implantadas algumas propostas inovadoras, ações voltadas para a saúde da criança e do adoles-
como a Política de Saúde Bucal por meio do Progra- cente, entre essas a tentativa de articular o Progra-
ma Brasil Sorridente, considerado como a primeira ma Saúde e Prevenção nas Escolas ao Programa
política de saúde bucal mais abrangente do país Nacional de DST/AIDS, além da educação sexual
com o intuito de expandir o cuidado odontológico de nas escolas, tentando prevenir DST e gravidez na
forma mais universal e em níveis mais complexos adolescência; ações para a Saúde do trabalhador,
– entre 2002 e 2006 as equipes de saúde bucal pas- buscando implantar a Rede Nacional de Atenção
sam de 4.260 para 14.244, atendendo a 69.700.000 Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST); ações
pessoas, além de serem instalados cerca de 500 relativas à saúde da população negra, dos quilom-
Centros de Especialidades e laboratórios regionais bolas, dos indígenas e dos assentados. No campo
de próteses dentárias (Freitas, 2007); a Criação do de ações focalizadas em grupos específicos, cabe
Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) ainda mencionar a aprovação, em 2003, do Estatuto
para o atendimento pré-hospitalar móvel no âmbito do Idoso, com um capítulo específico voltado para a
da Política de Atenção às Urgências e Emergências; saúde e com uma sinalização no sentido de suprimir
o Programa Farmácia Popular, constituído por uma o processo asilar e atuar na promoção e recuperação
rede de drogarias privadas credenciada para vender da saúde do idoso.
produtos com até 90% de desconto em relação ao Nesse aspecto, é possível uma apropriação da
preço de comercialização, mediante subsídio go- análise de Cohn (2005), para quem a focalização na
vernamental. saúde no Brasil não está referida ao foco nos mais
Entre as ações incrementais, mas de relevância pobres, mas assume outros sentidos; refere-se a fo-
na perspectiva de avanços na cobertura e qualidade cos específicos a serem atingidos para a solução de
da atenção, destaca-se a ampliação da atenção bási- um determinado problema e envolve grupos sociais a
ca através do PSF com aumento de 57% no número partir de determinadas características particulares.
de equipes de saúde (Freitas, 2007); aumento dos Nessa perspectiva, a focalização na saúde emerge
recursos do Piso de Atenção Básica, o qual passa no interior de uma concepção universalista, como
do valor de R$ 10,00, congelado desde 1988, para estratégia de implantação da universalização como
R$ 15,00 per capita; expansão dos Centros de Aten- um direito.
ção Psicossocial (CAPS), dando impulso à Reforma Para além dessas ações incrementais, inclusive
Psiquiátrica com intenção de “desospitalização” com ampliação quantitativa de recursos e cobertura
através do Programa Anual de Reestruturação da da expansão de ações voltadas para grupos especí-
Assistência Psiquiátrica Hospitalar no SUS; a ten- ficos e de alguns programas inovadores, uma ação
tativa de mudança do modelo de atenção à saúde, a relevante no primeiro mandato do Presidente Lula
partir de projetos que priorizam o acolhimento e a deu-se no âmbito da gestão com a aprovação do Pacto
humanização. pela Saúde. Do ponto de vista da gestão do SUS, o
Na área de medicamentos, destaca-se a criação da Pacto pela saúde, apesar de também incremental,
Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos traz mudanças qualitativas importantes. O Pacto é
(CAMED) e a fixação de normas para o controle de um conjunto de reformas institucionais pactuado
preços desses produtos; o apoio aos laboratórios entre as três esferas de governo, com o objetivo de
oficiais; a isenção de ICMS para medicamentos de promover inovações nos processos e instrumentos
alto custo; o reforço aos medicamentos genéricos; de gestão e tem três componentes: o Pacto pela
além da convocação da 1ª Conferência Nacional Vida, que reforça no SUS o movimento da gestão
de Medicamentos e Assistência Farmacêutica – pública por resultados, ao estabelecer um conjunto
expressão da prioridade dada ao tema na agenda de compromissos e metas sanitários considerados
governamental. prioritários, a ser implementado pelos entes fede-

Saúde Soc. São Paulo, v.20, n.2, p.522-532, 2011 525


rados; o Pacto em Defesa do SUS, que expressa um sua jurisdição. O deslocamento do teor admi-
movimento de repolitização da saúde, com uma nistrativo dos discursos que vinham embalando
clara estratégia de mobilização social para buscar as proposições para as políticas de saúde cede
um financiamento compatível com as necessidades lugar às articulações entre a epidemiologia,
de saúde, o que inclui a regulamentação da Emen- determinantes sociais da saúde e a política de
da Constitucional nº 29 pelo Congresso Nacional; saúde. Por essa via, a aproximação aos problemas
o Pacto de Gestão do SUS, que valoriza a relação de saúde cotidianos e a perspectiva de melhoria
solidária entre gestores, definindo as diretrizes e das condições e qualidade de vida, a saúde ad-
responsabilidades de cada esfera de governo, con- quire estatuto de prioridade (Bahia e col., 2007,
tribuindo para o fortalecimento da gestão – entre p. 1791-1818).
outras coisas, cria colegiados de gestão regionais, Os compromissos assumidos pelo Ministro Tem-
importantes arenas federativas de articulação entre porão enfatizavam a necessidade de articular a com-
gestores com vista ao estabelecimento de relações preensão dos determinantes sociais da saúde com o
cooperativas, fundamentais para a garantia do aces- conjunto de providências e ações possíveis dentro da
so e da integralidade da atenção. As transferências política setorial, destacando os limites dessa políti-
dos recursos federais também foram modificadas, ca para melhorar as condições de saúde e a qualidade
passando a ser divididas em seis grandes blocos de vida. As proposições para as políticas de saúde
de financiamento (Atenção Básica, Média e Alta se deslocam para o enfoque nas articulações entre
Complexidade da Assistência, Vigilância em Saúde, os determinantes sociais da saúde e a política de
Assistência Farmacêutica, Gestão do SUS e Inves- saúde. Por essa via, a perspectiva de melhoria das
timentos em Saúde), reduzindo drasticamente a condições e qualidade de vida não se limita à cons-
fragmentação dos recursos e respondendo a críticas trução do SUS, mas ao aumento da capacidade para
históricas dos gestores estaduais e municipais e interferir na determinação social da doença. A 13ª
buscando consolidar maior autonomia dos entes Conferência Nacional de Saúde realizada em 2007,
federados na gestão dos recursos. cujo eixo foi “Qualidade de Vida: Política de Estado
e Desenvolvimento”, expressa essa visão.
O 2o Mandato: 2007-2011 O novo ministro ousou também ao fazer menção
a tabus como o abortamento inseguro e a propagan-
O Programa de Governo para o segundo mandato do da de bebidas alcoólicas, seguida pela quebra do
Presidente Lula (2007-2010) contém 13 pontos desti- licenciamento de um dos medicamentos utilizados
nados à saúde, mas poucas inovações, reafirmando para o tratamento de pacientes HIV positivos. Além
a continuidade dos programas criados no primeiro disso, buscou enfatizar a importância das ações in-
mandato e enfatizando o aprofundamento e o aper- tersetoriais para a saúde e articular esforços nesse
feiçoamento dos aspectos básicos do SUS. Exceção sentido, podendo ser destacados alguns exemplos,
é a ênfase no fomento à pesquisa e desenvolvimento como o fato de se passar a considerar os acidentes
tecnológico para a produção de hemoderivados, de trânsito como epidemia e o lançamento da Cam-
vacinas, medicamentos e equipamentos. panha de Prevenção dos Riscos de Consumo de
Entretanto, se o programa não tinha muito de Bebida Alcoólica.
inovador, no segundo mandato, no início de 2007, Temporão trouxe também para o debate público
o Ministro da Saúde designado, vinculado ao mo- a chamada “Judicialização da Saúde”, ao criticar
vimento sanitário, apresentou um programa de publicamente as ações na justiça para a obtenção
trabalho ousado e polêmico, despertando a atenção de cobertura de procedimentos não regulamentados.
dos principais veículos da mídia Esse debate se expressou em Audiência Pública rea-
a política de saúde, que vinha sendo apresentada lizada na Comissão de Seguridade Social e Família
formalmente como a preservação e a continuida- da Câmara dos Deputados, em setembro de 2007, e
de de um conjunto de diretrizes, ações e metas no encaminhamento de Projeto de Lei estabelecendo
setoriais e enunciadas tecnicamente, estende parâmetros para as coberturas a serem feitas pelo

526 Saúde Soc. São Paulo, v.20, n.2, p.522-532, 2011


SUS, dado que o teor genérico do direito à saúde desenvolvimento e a equidade social.
consagrado na Constituição de 1988 deixa brechas Além do Programa Mais Saúde, em linhas gerais,
para interpretações jurídicas amplas, com sérios a agenda social contempla prioridades que têm
riscos para o orçamento da saúde a partir das deci- sido definidas para a assistência à saúde, como o
sões judiciais. reforço da atenção básica por meio da expansão
A agenda setorial foi ampliada com introdução do PSF, da qualificação dos profissionais de nível
de novas questões, como a proposta de alternativas superior do PSF, do Brasil Sorridente e do trabalho
para o aprimoramento da gestão das instituições de agentes comunitários de saúde, agora acrescido
públicas. Para isso, propôs um novo modelo jurídico de atividades a serem desenvolvidas no âmbito das
institucional legal para os hospitais e institutos fe- escolas. Destacam-se ainda o programa Saúde na
derais e encaminhou para o Congresso um Projeto de Escola; o tratamento da hipertensão e do diabetes;
Lei que regulamenta a criação da fundação pública o planejamento familiar; a ampliação do acesso a
de direito privado. serviços especializados; ações de investimento em
Outra questão foi a vinculação de saúde com infraestrutura, duplicação da cobertura do Samu;
desenvolvimento, transcendendo a discussão das implantação de complexos reguladores, com fina-
políticas de saúde para além da atenção à saúde e in- lidade de melhorar o acesso a internações; implan-
serindo a saúde como um dos pilares do crescimento tação de novas formas de compra de serviços, com
industrial. Passa-se, no segundo mandato do Presi- contratualização com hospitais filantrópicos.
dente, a chamar atenção sobre o lugar estratégico A expansão da estratégia Saúde da Família segue
das indústrias produtoras de insumos para a saúde sendo prioridade do Ministério da Saúde. Entre 2007
em virtude de seus vínculos com a política de saúde e 2008 foram criadas 2.500 novas equipes de Saúde
e com a política industrial, tecnológica e de comércio da Família; em 2008 foram criados os Núcleos de
exterior. Ao destacar o lugar dessas indústrias na Apoio à Saúde da Família (NASFs) como estratégia
composição do PIB e na geração de empregos, passa- para ampliar a abrangência e a diversidade das ações
se a destacar a competitividade e o potencial de ino- das ESF (Equipes Saúde da Família), que dispõem
vação nas indústrias da saúde propondo-se que elas de estrutura física adequada para atendimento e
devam se constituir núcleos centrais da estratégia pro­fissionais de diferentes áreas de saúde, como
nacional de desenvolvimento do governo. A proposta mé­dicos (ginecologistas, pediatras e psiquiatras),
de reorganização e incremento dos investimentos professores de educação física, nutricionistas,
no complexo produtivo da saúde é vinculada ao acu­punturistas, homeopatas, farmacêuticos, as-
aumento da produção de insumos estratégicos para sistentes sociais, fisioterapeutas, fonoaudiólogos,
conferir maior autonomia à política de saúde com re- psicólogos e terapeutas ocupacionais. Na área de
dução da dependência tecnológica e vai redundar no saúde bucal, foram acrescidas 2.569 equipes de Saú-
“PAC da Saúde”, nome atribuído ao Programa Mais de Bucal para atenção básica e instalados 176 novos
Saúde. Integrando a agenda social lançada pelo Pre- Centros de Especialidades Odontológicas (CEO), que
sidente em 2007, esse programa apresenta um plano oferecem ações especializadas.
detalhado de investimento e atuação de caráter prio- A tentativa de melhorar a qualidade e a eficiência
ritário do Ministério da Saúde, cujos pontos mais das unidades produtoras de bens e serviços e de ges-
significativos são a reiteração do elo entre saúde e tão em saúde, associando a flexibilidade gerencial
desenvolvimento socioeconômico, a necessidade de ao compromisso com metas de desempenho, incluía
articulação da saúde com outras políticas públicas, uma proposta mais polêmica de implantar o modelo
tendo a intersetorialidade no centro da estratégia, de fundação estatal de direito privado em hospitais
e a percepção da importância do setor sob o ponto públicos federais. O Projeto de Lei Complementar
de vista da geração de emprego, renda e produção. nesse sentido sofreu grande resistência, inclusi-
No espírito geral da Agenda Social, as ações para a ve do Partido dos Trabalhadores e de sindicatos,
saúde se inserem na política de desenvolvimento levando ao seu abandono pelo próprio Ministério
voltada para aliar o crescimento econômico com o da Saúde.

Saúde Soc. São Paulo, v.20, n.2, p.522-532, 2011 527


Mas se há uma inflexão no discurso, na prática Ações Sobre os Condicionantes de
cotidiana o Ministério da Saúde segue a lógica da ra-
cionalidade administrativa, no esforço contínuo de Saúde
organização das redes assistenciais e distribuição Entretanto, se no âmbito setorial a ampliação da
de recursos financeiros, buscando o aprimoramento agenda e do discurso não se consubstanciou em
das relações e os mecanismos de transferência de avanços mais concretos, ações do governo Lula em
recursos do Ministério da Saúde aos entes subnacio- outras áreas setoriais são relevantes no seu impacto
nais em consonância com as demandas dos níveis potencial sobre as condições e o estado de saúde da
subnacionais de governo. Ou seja, a produção do população.
Ministério não reflete ainda a ampliação dos hori- No campo das intenções manifestadas no início
zontes de atuação setorial e intersetorial da saúde do governo, ainda no primeiro mandato, houve o
(Bahia e col., 2007). reconhecimento da gravidade dos problemas sociais
De certa maneira, essa atuação reflete uma des- e mereceram especial atenção o combate à fome e à
politização do debate da saúde tanto na sociedade miséria; o combate ao racismo e às desigualdades
em geral quanto no Legislativo, na sua maior parte raciais; aprofundamento dos avanços na área de
restrito à discussão de recursos financeiros, seja saúde e de assistência social; o crescimento da taxa
para ampliá-los ou restringi-los. No movimento de cobertura da previdência social; a promoção do
sindical, preocupação maior é com a saúde do traba- desenvolvimento nacional; a implementação de uma
lhador, mas esse mesmo é um tema secundário em política de desenvolvimento urbano; e contínua
relação aos relativos a salário e emprego. Na agenda melhoria da qualidade do ensino. Para enfrentar
de movimentos sociais populares, como sugerem esses desafios, o governo Lula desencadeou uma
Bahia e colaboradores (2007), a defesa do SUS tem série de políticas, vinculadas a novas estruturas
sido um ponto importante, como, por exemplo, na administrativas:
Confederação Nacional de Associação de Moradores • Segurança alimentar e nutricional, tendo como
(CONAM), que defende um Projeto de reformulação objetivo central o combate à fome – coordenada pelo
do sistema nacional de saúde pública com as se- Ministério Extraordinário da Segurança Alimentar
guintes propostas, de certa forma condizentes com (Mesa).
a agenda setorial ampliada ou intersetorial:
• Promoção da igualdade racial: combate ao racismo
Torná-lo preventivo das doenças, principalmente e às iniquidades raciais – coordenada pela Secreta-
as endêmicas. O serviço de saúde pública deve ria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade
proporcionar atendimento condizente com a Racial (Seppir).
dignidade das pessoas. Investimentos precisam • Promoção da igualdade de gênero – impulsionada
ser feitos na pesquisa científica, tanto na área da pela Secretaria Especial de Políticas para as Mu-
saúde em si, quanto na produção e descoberta de lheres.
novos medicamentos. O sistema de saúde deve
estar associado a um projeto nacional de Sanea- • Desenvolvimento urbano, que busca assegurar
mento Ambiental que venha dotar, em curto pra- oportunidades de acesso à moradia digna, à terra
zo, todos os municípios e localidades, com redes urbanizada, à água potável, ao ambiente saudável e
de abastecimento regular de água e esgotamento à mobilidade sustentável com segurança no trânsito
sanitário; macro e microdrenagem, controle de – coordenada pelo Ministério das Cidades.
vetores, recuperação ambiental, e preservação • Racionalização de recursos públicos por meio, por
dos recursos naturais. Os programas de saúde e exemplo, da unificação dos programas de transfe-
de saneamento, além de elevar a qualidade de vida rência direta e condicionada de renda.
da população, contribuirão significativamente Ou seja, o foco maior foi nas políticas de inclusão
para o objetivo de pleno emprego (Confederação social, nas suas diversas dimensões, que sugere
Nacional das Associações dos Moradores, 2007, uma busca da garantia do direito à saúde pela via de
apud Bahia e col., 2007, p. 1813). outras políticas públicas, que não apenas a garan-

528 Saúde Soc. São Paulo, v.20, n.2, p.522-532, 2011


tia do acesso a ações e serviços de saúde, tal como Integra o Fome Zero aquele que se tornou o carro-
preconizado na Constituição de 1988. chefe das políticas sociais do governo Lula que é o
O foco nas políticas de inclusão social transpa- Programa Bolsa Família – um programa ambicioso
rece no lançamento, pela Presidência da República, de transferência de renda com condicionalidades e
da Agenda Social, como um dos três eixos que or- que tem como objetivo combater a fome e a miséria
ganizam as ações prioritárias do Plano Plurianual e promover a emancipação das famílias mais pobres
(PPA) 2008-2011. A maioria das ações priorizadas do país. Tendo como foco as famílias em situação de
na Agenda Social já vinha sendo implementada no pobreza e de extrema pobreza, já atende hoje mais
primeiro mandato, mas esse novo arranjo pretende de 12 milhões de famílias em todo o território nacio-
ressaltar o compromisso de ampliar a promoção da nal1, com efeitos de diminuição da desigualdade já
inclusão social com cidadania. Para consubstanciar apontados em diversos estudos.
tal estratégia de desenvolvimento, foi destacada Ainda no âmbito de políticas que impactam a
a organização de algumas ações em três grandes saúde, cabe destacar a atuação na área de habitação
eixos: Programa de Aceleração do Crescimento e saneamento. A política de saneamento adquiriu
(PAC), Agenda Social e Plano de Desenvolvimento centralidade política no governo Lula, o que se tra-
da Educação (PDE), setor que recebe, assim, mais duz em crescentes aportes de recursos, formalização
destaque na agenda do governo Lula. de uma base político-administrativa e institucional
Um campo de iniciativas inovadoras com prová- de referência, inclusive com a formalização do novo
veis impactos na situação de saúde é a Segurança marco regulatório do setor (Lei nº 11.445, de 5 de
alimentar, cujo principal Programa é o Fome Zero, janeiro de 2007). Essa era uma reivindicação histó-
que tem como proposta erradicar a fome por meio rica dos agentes públicos e privados que atuam no
de medidas estruturais e específicas e do estímulo setor de saneamento de forma a resolver não só os
a políticas locais por meio de um conjunto de ações problemas relativos à política tarifária e às relações
que interferem nas diversas etapas do fluxo de entre os agentes governamentais, mas também que
produção, distribuição, preparo e consumo de ali- estabelecesse as regras de convivência entre titula-
mentos, inclusive o apoio à agricultura familiar. O res dos serviços, a sociedade e os operadores. O vo-
Programa Fome Zero articula vários programas de lume de investimentos que a política vem recebendo
inclusão social e tem na transversalidade uma de nos últimos quatros anos indica que o saneamento
suas características, atuando por meio de parcerias conseguiu inserir-se no campo das políticas públi-
com vários ministérios (Esporte, Desenvolvimento cas tratadas como de caráter permanente e que não
Agrário, Meio Ambiente, Saúde, Cidades, Ciência e podem sofrer solução de continuidade.
Tecnologia, Comunicações, Justiça, Minas e Energia, Em 2004 foi lançada também a Política nacional
Trabalho, Turismo, entre outros), empresas públicas de habitação e o Plano Plurianual (PPA) 2008-2011
e sociedade civil. Entre as iniciativas apoiadas pelo continha vários programas habitacionais a serem
Fome Zero, destacam--se o Banco de alimentos, a Co- desenvolvidos sob o comando do Ministério das
zinha Comunitária, Hortas/Lavouras Comunitárias; Cidades, criado no 1º mandato. Destacam-se o Pro-
Compra Direta Local da Agricultura Familiar para a grama Urbanização, Regularização e Integração de
aquisição de produtos perecíveis e semiperecíveis; Assentamentos Precários, incluído no Programa de
Compra Antecipada da Agricultura Familiar e Con- Aceleração do Crescimento (PAC) – carro-chefe da
trato de Garantia de Compra da Agricultura Familiar atuação governamental no setor de habitação popu-
para a aquisição de produtos não perecíveis; Implan- lar e que teve impacto positivo em relação a serviços
tação e modernização de Restaurantes Públicos e de acesso a água, esgotamento sanitário, banheiro
Populares. Expressão da ênfase dada à questão da no interior da moradia e adensamento excessivo, e
segurança alimentar foi a aprovação da Emenda poucos avanços em relação à regularização fundiá-
Constitucional Nº 64, em 4/2/2010, que introduz a ria; e o Programa Minha Casa, Minha Vida, lançado
alimentação como direito social. em março de 2009.
1 BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social. Bolsa Família. Disponível em: <http://www.mds.gov.br>. Acesso em: 15 de nov. 2010.

Saúde Soc. São Paulo, v.20, n.2, p.522-532, 2011 529


A ênfase na habitação se expressa no volume Câmara, e condicionado à criação da Contribuição
de investimentos, que passou de 7 bilhões em 2002 Social para a Saúde (CSS). Na proposta do Senado,
para 44,2 em 2008, com aumento substancial da havia a expectativa de um acréscimo de recursos
focalização (de 11% dos investimentos em 2002 no orçamento do Ministério da Saúde, que definia
para população na faixa de renda de até 3 salários 10% da receita corrente bruta como participação dos
mínimos para 31% em 2007, recuando para 27 em recursos federais. Em junho de 2008 o Plenário da
2008), com correspondente recuo da faixa de mais Câmara aprovou essa regulamentação dos gastos
de 5 salários mínimos – de 73% em 2002 para 38% com a saúde e a criação da Contribuição Social para
em 2008 (IPEA, 2009a). a Saúde (CSS) com alíquota de 0,1% e arrecadação
O lançamento do Programa Mais Saúde ocor- totalmente direcionada ao setor. A base governista
reu no mesmo período em que o governo federal conseguiu manter no texto a criação da CSS por
enfrentava, no Congresso Nacional, uma batalha uma margem apertada de votos: 259 contra 159 (so-
pela renovação da Contribuição Provisória sobre mente dois votos a mais que o mínimo necessário
Movimentação Financeira (CPMF) na tentativa de para aprovar um projeto de lei complementar). Mas
equacionar a histórica situação de subfinanciamen- permaneceram vários destaques, restando ainda
to do SUS. Com a derrota, os recursos necessários um último destaque para ser votado, justamente o
à expansão das ações previstas no Programa Mais relativo à criação da CSS.
Saúde, em montante previsto de R$ 4,1 bilhões em Os desdobramentos dessa votação são impre-
2008 e de R$ 5,0 bilhões em 2009, inviabilizaram-se, visíveis, mas há indícios de que não se obtenha
uma vez que das 168 ações previstas no Mais Saúde, suporte político para ampliação de arrecadação e,
74 seriam financiadas pela CPMF (IPEA, 2009b). A portanto, de recursos para o SUS. O próprio governo
tentativa de obtenção de mais recursos para a saú- Lula ameaçou vetar qualquer aumento de recursos
de foi direcionada, então, para a regulamentação se não estiver vinculado a aumento na arrecadação.
da EC nº 29 – questão que já tinha sido colocada Entretanto, a questão foi transferida para a nova
como prioridade desde o estabelecimento do Pacto presidente, Dilma Roussef, e a julgar pela movimen-
em defesa do SUS que pretendia uma mobilização tação da oposição será um tema que ocupará já os
nesse sentido. primeiros meses de seu mandato para se instalar
A Proposta de regulamentação da EC 29, que uma quebra de braços entre governo e oposição
fixa os percentuais mínimos a serem investidos em torno da criação ou não da CSS, defendida pelo
anualmente em saúde pela União, por estados e primeiro e recusada pela segunda.
municípios, ainda tramita no Congresso Nacional. A crise econômico-financeira internacional a
Começou a tramitar na Câmara Federal em 2004 e foi partir do último trimestre de 2008 trouxe mais res-
aprovada em outubro de 2007, vinculando o aumento trições à execução orçamentária da União. Apesar
de recursos da União para o financiamento do SUS dessas restrições, o governo manteve o orçamento
à prorrogação da CPMF (Projeto de Lei Completar da saúde nos termos definidos na EC29, coisa que no
01/2003). Com a derrubada da CPMF no Senado, o 1º mandato nem sempre tinha ocorrido em momento
projeto nem foi votado e “virou letra morta” (Carva- em que o governo adotou uma política econômica
lho, 2008 p. 47). No início de 2008, foi aprovado no ortodoxa que incluía grande contenção de gastos.
Senado o Projeto de Lei nº 121/2007, de autoria do O fluxo regular de recursos tem correspondido a
Senador Tião Viana, encaminhado à Câmara dos De- incrementos no volume do gasto em saúde a cada
putados, onde foi apresentado um substitutivo. En- ano (o gasto federal per capita praticamente dobra
tre as modificações que o projeto sofreu, destacamos entre 2001 e 2008, passando de R$ 130,37 para R$
a manutenção da vinculação dos gastos da União 256,68), sem, contudo, determinar aumento no per-
com ações e serviços públicos de saúde à variação centual do PIB investido em saúde (gasto público
nominal do PIB, tal como previa o projeto original da total em torno de 3,60%)2.

2 JORGE, E. A. Análise de conjuntura do financiamento da  saúde no Brasil. Apresentado no XXVI Congresso Nacional de Secretarias Mu-
nicipais de Saúde, 25 a 28 de maio de 2010, Gramado, RS. Disponível em: <http://www.conasems.org.br/files/Prof_Elias_Antonio_Jorge.
pdf>. Acesso em: 30 jul. 2010.

530 Saúde Soc. São Paulo, v.20, n.2, p.522-532, 2011


Considerações Finais subsistema público e outro privado – esse também
funcionando com subsídios governamentais em
O direito à saúde implica a garantia pelo Estado um quadro de notório subfinanciamento do SUS e
da adoção de políticas públicas que evitem o risco de dificuldades para utilização da rede de serviços
de agravo à saúde, devendo ser consideradas todas privados, não decorrente necessariamente de sua
as condicionantes da saúde, como meio ambiente escassez, embora distribuída de forma desigual. Se
saudável, renda, trabalho, saneamento, alimentação, a convivência desregulada dos dois sistemas gera
educação, bem como a garantia de ações e serviços ineficiência e iniquidades, tem como subproduto o
de saúde que promovam, protejam e recuperem a subfinanciamento do “sistema dos pobres”3.
saúde individual e coletiva. A questão que se coloca é a seguinte: era de se
É a partir dessa concepção do direito à saúde que esperar uma agenda mais inovadora do governo
se pretendeu analisar a atuação do governo Lula.
Lula no sentido de se radicalizar a implementação
Se no âmbito setorial não se verificaram mudanças
dos princípios do SUS, esses mesmos uma constru-
ou ações de maior envergadura, o saldo em relação
ção de grupos historicamente vinculados às bases
aos determinantes da saúde foi extremamente po-
sociais mais importantes do governo? Essa aposta
sitivo. Nesse artigo não se pretendeu listar todas
me parece, no mínimo, ingênua, pois os grandes
as ações e resultados do governo Lula em termos
gargalos estão relacionados a questões dificilmente
de desenvolvimento econômico; ampliação do em-
solucionadas apenas pelo voluntarismo político,
prego, particularmente o formal; diminuição das
como as bases de financiamento no contexto geral
desigualdades por meio de políticas de transferência
da política de saúde dual, a relação púbico/privado, a
de renda, benefícios previdenciários e aumento real
do salário mínimo; ações de combate à fome e para macrorregulação, a incorporação livre de tecnologia
geração de renda; e particularmente a opção explí- médica com o consequente encarecimento dos atos
cita por um tipo de desenvolvimento que se articula médicos4. Tratam-se de questões de conteúdo polí-
com o desenvolvimento social, cuja expressão é o tico efervescente que estão fora do debate político e
PAC nas suas diferentes estratégias, entre elas as apenas recentemente foram introduzidas no debate
que impactam as condições de vida, como as obras técnico e/ou acadêmico.
de infraestrutura social: habitação, saneamento, De modo geral, o Presidente cumpriu suas
urbanização e outras. Mas pode-se dizer que o Bra- promessas de campanha, sendo malsucedido no
sil se tornou um pouco mais saudável pela via das Pacto em defesa do SUS. Mas problemas antigos
políticas econômicas e sociais. permanecem, como as desigualdades nas condições
No âmbito setorial, os avanços foram incremen- de saúde e no acesso à atenção à saúde, decorren-
tais e qualitativos, no processo contínuo e difícil de te da variação na oferta de serviços no território
implantação dos princípios do SUS em um contex- nacional associada à disponibilidade de recursos,
to de despolitização da questão da saúde e de um e tendo como ponto de partida a desigualdade em
debate restrito ao financiamento sem que sejam relação ao tipo de cobertura (pública ou privada).
colocados na agenda pública os problemas estrutu- Estrangulamentos impedem que a universalidade
rais do sistema de saúde. Não está na agenda, por e equidade não sejam ainda realidade no SUS. Mas
exemplo, a regulação das condições sistêmicas de sem a repolitização da saúde e sem a construção
financiamento e provisão de bens públicos e serviços de uma agenda radicalmente inovadora, pouco se
de saúde, o que envolve a discussão da segmentação avançará. Algo que transcende o governo e é uma
do sistema de saúde brasileiro, formado por um tarefa política de toda a sociedade.

3 Entrevista com Eugênio Villaça Mendes, concedida em julho de 2010.


4 Entrevista com Helvécio Magalhães, concedida em julho de 2010.

Saúde Soc. São Paulo, v.20, n.2, p.522-532, 2011 531


Referências FREITAS, R. de C. M. O governo Lula e a proteção
social no Brasil: desafios e perspectivas. Revista
BAHIA, L.; COSTA, N. R.; VAN STRALEN, C. A Katálysis, Florianópolis, v. 10, n. 1, p. 65-74, 2007.
saúde na agenda pública: convergências e lacunas
nas pautas de debate e programas de trabalho IPEA - INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA
das instituições governamentais e movimentos APLICADA. Diagnóstico e desempenho recente da
sociais. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. Política Nacional de Habitação. In: ______. Brasil
12, p. 1791-1818, 2007. Suplemento. em desenvolvimento: Estado, planejamento e
políticas públicas. Brasília, DF, 2009a. v. 2.
CARVALHO, G. Financiamento da saúde pública no
Brasil no pós-constitucional IPEA - INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA
APLICADA. Diagnóstico e desempenho recente do
de 88. Tempus: Actas de Saúde Coletiva, Brasília, Mais Saúde. In: ______. Brasil em desenvolvimento:
DF, v. 2 n. 1, p. 39-51, 2008. Estado, planejamento e políticas públicas.
COHN, A. O SUS e o direito à saúde: Brasília, DF, 2009b. v. 3.
universalização e focalização nas políticas TEIXEIRA, C. F.; PAIM, J. S. A política de saúde no
de saúde. In: LIMA, N. et al (Org.). Saúde e governo Lula e a dialética do menos pior. Saúde
democracia: história e perspectivas do SUS. Rio de em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 71, p. 268-283,
Janeiro: Fiocruz, 2005. p. 394-395. 2005.

Recebido em: 25/01/2011


Aprovado em: 20/03/2011

532 Saúde Soc. São Paulo, v.20, n.2, p.522-532, 2011

Você também pode gostar