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Álvaro de Campos

O poeta da modernidade

Sendo o heterónimo pessoano que o poeta mais publicou, Álvaro de Campos é também aquele que
apresenta uma evolução mais nítida, podendo na sua obra distinguir-se três fases:

1) Decadentista - "Opiário": O poeta exprime as ideias de tédio, cansaço, náusea e ausência de


sentido da vida.
• Desilusão e tédio de viver;
• Procura de novas sensações;
• Busca de evasão,
• Atitude desafiadora das normas instituídas.

2) Futurista e sensacionista – “Ode Triunfal”: O poeta celebra a técnica, a velocidade e a força da


civilização moderna, deseja experimentar a multiplicidade de sensações que lhe estão associadas
e abandona o paradigma aristotélico.
• Apologia da civilização tecnológica, da força e da modernidade;
• Exaltação do presente;
• Experiência e expressão excessiva das sensações;
• Sadismo e masoquismo;
• Euforia Emocional.
MATÉRIA ÉPICA E O ARREBATAMENTO DO CANTO:
• a exaltação do Moderno: -A nova poesia como expressão da civilização
moderna;
-Elogio do cosmopolitismo;
• o arrebatamento do canto:
-Exaltação eufórica da máquina, da força, da
velocidade, da agressividade, do excesso; -O cântico reflete a grandiosidade da matéria
épica - poema extenso, com versos livres e
-Integração de todos os tempos e de todo o longos;
processo num poema;
-Estilo esfuziante e torrencial;
-Emoção violenta e “pujança de sensação”, com
pendor épico; -Abundância de recursos expressivos.

3) Fase abúlica e intimista – “Aniversário”: Consciente do fracasso de todos os sonhos e aspirações, o


poeta sente a nostalgia da infância e exprime o vazio, a angústia, o cansaço, o ceticismo e a
desilusão do presente.
• Tédio existencial, desalento, cansaço e abulia, angústia, frustração;
• Solidão e isolamento, dificuldade de socialização, desajustamento fase ao presente e aos
outros;
• Dor de pensar, tom introspetivo e pessimista.
A NOSTALGIA DA INFÂNCIA: Presente na fase abúlica e intimista, a nostalgia da infância, é uma das
características de Campos que mais o aproxima ao ortónimo. É um tema associado à memória e à
evocação, sendo a infância o bem irremediavelmente perdido, é o contraponto do presente infeliz,
representando um momento em que o poeta ainda não conhecia a dúvida nem a angústia existencial.

ANGÚSTIA EXISTENCIAL: O poeta põe em causa as verdades que lhe são transmitidas e, confrontado
com a distância entre os projetos e a realidade presente, questiona o sentido da vida.

INADAPTAÇÃO: O poeta sente-se um «doido», vivendo à margem da sociedade. Rejeita as


conceções e as teorias partilhadas pelos «outros». Sente-se incompreendido, apesar de afirmar que detém
um conhecimento profundo da natureza humana. Renuncia à sociedade materialista, marcada por
comportamentos estereotipados, cujos valores caducos o poeta contesta, numa revolta veemente.
“Ode Triunfal”
O título desta ode dá-nos, desde logo, a sensação de qualquer coisa grandiosa, não apenas no
conteúdo, mas também na forma. Assim sendo, o título deste poema pode explicar-se da seguinte forma:
Ode porque é uma composição poética lírica destinada a cantar algo de elevado. Triunfal porque é a
celebração da modernidade, do triunfo da civilização técnica e industrializada.

1ª est.: O “eu” está numa fábrica e perceciona a realidade através de sensações visuais. Elogia a
realidade envolvente, definindo um novo ideal de beleza, mas, ao mesmo tempo, o ambiente é agressivo
e magoa-o.

2ª est.: Excesso de expressão – a forma como o “eu” observa e tenta abarcar o mundo não parece dar-lhe
tempo para organizar o seu discurso. Perceção da realidade pelas sensações. Fusão entre o “eu” e o
ambiente exterior.

3ª est.: Relação entre os 3 tempos = exalta o futuro e o momento presente que reflete o passado
(referência dos heróis passados da Antiguidade), foi o passado que permitiu as novas descobertas.

4ª est.: Paroxismo – culminar da violência. Simbiose/fusão completa entre ele e a máquina. Perfeita sintonia
com uma realidade onde a energia, a mecânica e a força têm expressão máxima.

Ideal de Campos neste poema = “sentir tudo de todas as maneiras”; sentir tudo numa “histeria de
sensações”; sentir tudo e identificar-se com tudo, mesmo com as coisas mais aberrantes [“Ah!, poder
exprimir-me todo como um motor se exprime! / Ser completo como uma máquina!/(...) / Poder ao menos
penetrar-me fisicamente de tudo isto, / Rasgar-me todo, abrir-me completamente, (...)/ A todos os
perfumes de óleos e calores e carvões(...), vv.26-31]

Todo o prazer do poeta está, pois, em revelar-se como um “monte confuso de forças”, um “eu” universo
donde jorra a volúpia sensual de ser tudo, uma espécie de “prostituição febril às máquinas”. Este ideal é o
oposto do ideal da estética aristotélica, que punha toda a ênfase na ideia da beleza, no conceito do
agradável, no equilíbrio comandado pela inteligência.

Na poesia de Campos, em vez da bela harmonia clássica saída da clara inteligência, há a caótica força
explosiva saída de um subconsciente em convulsão. A sua poesia revela-se, assim, como um novo
processo de descompressão do subconsciente de Pessoa, sempre torturado pela inteligência, pela “dor
de pensar”.

9ª est.: entre parenteses - quebra no ritmo frenético do texto, o "eu" recorda-se de algumas figuras da sua
infância um tempo diferente da atualidade, funcionando como nota dissonante, constitui uma chamada
de atenção para a inconstância do sujeito lírico. Reflexões pessoais que revelam a sua nostalgia face ao
tempo da infância e denunciam a sua incapacidade de se integrar plenamente no tempo que exalta.
Refugiando-se na memoria do passado, o "eu" introduz observações de tonalidade pessimista que
antecipam a sua face mais intimista e abúlica.

Aspetos onde se pode verificar a influência de Pessoa-ortónimo:

• Na visão irónica da outra face da sociedade industrial (visão negativa). Ao longo do poema, há
um desfilar irónico dos escândalos da época: a desumanização, a hipocrisia, a corrupção, a
miséria, a pilhagem, os falhanços da técnica (desastres, naufrágios), a hipócrita harmonia entre
marido e mulher, etc. Nesta enumeração pode entrever-se o substrato cético da inteligência
torturada de Pessoa;

• Na evocação da nostálgica da infância (“Na nora do quintal da minha casa... /(...)/Pinheirais


onde a minha infância era outra coisa/ Do que eu sou...”);

• No facto de haver uma tendência para a ficção. Se se reparar bem, o entusiasmo da civilização
industrial assume, em Campos, aspetos de um certo masoquismo sádico (“Atirem-me para dentro
das fornalhas!”, que se orienta mais para a criação de sensações novas e violentas
(Sensacionismo), do que para a exaltação das máquinas. Relativamente a este aspeto convém
não esquecer que Pessoa subordinava tudo à criação literária.
“Aniversário”
A não distribuição uniforme dos versos e a despreocupação com a distribuição rítmica no poema
“Aniversário”, confere-lhe um tom confessional, aproximando-o de um texto em prosa.

Esta data é a propulsora para outras recordações da infância e outras angústias do eu-poético, servindo
também como ponto de referência temporal quando o eu-poético se intercala e se contrapõe entre o
passado e o presente. A época da infância no poema é marcada pela inocência, pois a criança ainda
não tem noção do que se passa à sua volta: “Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma”.
A passagem da criança para o adulto é marcada por uma perda, pois ele percebe que a vida não tem
mais sentido.

→ No passado, o sujeito poético foi o que ele supunha ser e foi amado pela sua família, na infância
era feliz, mas não sabia o que era, só agora no presente, momento em que a inocência se
desvaneceu, sabe que foi feliz – as crianças são felizes sem saber o que é “ter esperança” e o
sentido da vida”, à medida que o tempo decorre, essa inocência vai-se perdendo, dando lugar ao
questionamento e à racionalização das emoções, o que leva ao afastamento da felicidade. Assim,
no presente, o “eu” sente apenas dor e está abandonado como a sua casa de infância.

A festa de aniversário toma o aspeto simbólico de um ritual familiar e religioso, dentro do qual a criança se
torna o centro de um mundo que a acolhe e protege carinhosamente. “As tias velhas, os primos diferentes,
e tudo era por minha causa”, denota, com esta adjetivação uma característica comum a toda a infância:
o egocentrismo. No presente, não há mais aniversários nem comemorações: resta ao poeta durar, porque
o pensamento amargurado, crítico e pessimista da vida o impede de ter a inocência de outrora. O tom
nostálgico e angustiado do poema dá a sensação de que o eu-poético vive uma introspeção conflitiva
relembrando um passado supostamente mais feliz que o presente.

→ “É estar eu sobrevivente a mim mesmo como um fósforo frio”: comparação que demonstra o
fingimento poético na expressão das emoções. O “eu” compara-se no tempo presente a um
“fósforo frio”, que já não arde, – tempo de tristeza – mas já ardeu. Na comparação está, assim,
implícita o tempo passado de felicidade, de calor, pelo que, é acentuado o carater efémero do
tempo.

O trecho “serei velho quando o for. Nada mais.” parece querer dar fim a este conflito interno. “Raiva de
não ter trazido o passado roubado na algibeira!…” conclui o tom confessional do poema e enfatiza uma
espécie de conformismo ríspido e amargurado com o presente melancólico e sem perspetiva em relação
a vida. O eu-poético oraliza um tom de amargura versificado de forma clara, coesa e coerente,
marcando com precisão verbal os estados temporais e emocionais a que se refere no poema.

“Lisbon revisited” (1923)


1ª parte (est.1-4): notório desajustamento relativamente aos outros, assim como o seu modo de pensar.
Descrença em todos os sistemas da modernidade, “Das ciências, das artes, da civilização moderna!”.
Falta de esperança e de adaptação à realidade, o “eu” demonstra um caráter antissocial e distancia-se
face ao que o rodeia, recusando a verdade que a sociedade tem para lhe oferecer.

2ª parte (est. 5 e 6): enfatiza a sua recusa em ser o que a sociedade espera dele e vinca a sua vontade de
seguir o seu caminho. Envolto na sua vontade de solidão, recusa todos os princípios sociais, adotando um
estilo de vida que o isola ainda mais. “Que mal fiz eu aos deuses todos?” – realçando o espanto do próprio
sujeito poético pelo facto de não se deixar levar pelas deslumbrantes conquistas da civilização moderna,
de ser diferente das outras pessoas

3ª parte (est. 7): a nostalgia da infância, tempo em que estava em harmonia consigo mesmo e com os
demais. Esta temática da infância aparece, no poema, depois da enumeração de uma série de
sensações violentas e negativas. O sujeito poético vê o céu, o Tejo e Lisboa com o olhar da sua infância e
ao mesmo tempo com o olhar de agora (“Ó céu azul – o mesmo da minha infância”; “Tejo ancestral e
mudo”; “Lisboa de outrora e de hoje”).

4ª parte (est. 8): o “eu” retoma a recusa e exige que não o importunem. Perífrase com que termina o
poema: “Enquanto tarda o Abismo e o Silêncio” = enquanto eu não morrer. De assinalar neste verso é
ainda a utilização das maiúsculas, realçando as palavras “Abismo” e “Silêncio”, como representativas da
morte.

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