Você está na página 1de 6

Victória Capistrano – 180110179

História da Arquitetura e da Arte 2- Professor Rodrigo Mendes

A cosmovisão no fazer arquitetônico:


Uma análise espacial da arquitetura sacra.

O estudo comparativo entre as formas arquitetônicas religiosas em um espectro temporal pré


definido- transição do gótico tardio para o renascimento até o período barroco-permite a
inferência de aspectos sociais e fenomenológicos sobretudo na Itália, onde foi desenvolvido
com mais efervescência o Eprit Nouveau renascentista--, na medida em que expressa a
concepção do espaço tempo de cada período pela maneira pela qual a forma, propriamente dita,
se dá em na realidade física da cidade e axiológica do espírito da época: como suas nuances são
manifestadas, feitas ou desfeitas á partir de uma ótica de estudo.

Assim, em um raciocínio teleológico, foram estabelecidos, para fins de situação


temporal, objetos de análise, os quais corresponderão á um conjunto de obras com
características preponderantes de cada período abordado. Serão estas a Cúpula de Santa Maria
Del Fiore, a Igreja de Sant’ Andrea em Mântua, Igreja del Redentore, cúpula da Basilica de
São Pedro, Igreja de San Carlo alle Quattro Fontane e por fim a Igreja de Sant'Andrea al
Quirinale, as quais foram projetadas respectivamente por Filippo Brunelleschi, Leon Battista
Alberti, Andrea Palladio, Michelangelo, Francesco Borromini e Gian Lorenzo Bernini,
protagonistas da transição de princípios que orquestraram a forma de expressão arquitetônica e
artística nos períodos de inflexão correspondentes.

Nesse sentido, no princípio do Quatrocentos cumpre-se na Itália uma nova maneira de


conceber a arquitetura estritamente interligada ás orientações ideológicas e culturais do
trabalho: a arte é tida como uma atividade intelectual e não puramente mecânica. Assim, as
transformações sociais impelem o homem á condição de sujeito ,capaz de produzir fatos e
valores á partir da interpretação racional do artista que projeta segundo uma nova ordenação
humanística de cidade e de seus elementos, propiciada pela eminencia de um crescente poder
estatal e as novas demandas da burguesia em detrimento de uma conjuntura ornamentada
cortesã.

Essa razoabilidade manifesta-se nos temas e conteúdo de imagem: a realidade é tida


como cerne que significa a estrutura artística. Assim, segundo Argan “Quando a forma artística
contém um núcleo de realidade ou de conhecimento, este se revela qualquer que seja o tema ou
assunto” ( ARGAN,1968,p.129). Nesse sentido, o espaço sendo manifestação da realidade, é
teorizado pelo estudo da perspectiva que seria, conforme Erwin Panofsky, a construção
geométrica de um espaço racional e infinito.

A percepção do espaço segundo os ditames da razão encontra expressão material na


Cúpula de Santa Maria del Fiore, uma vez que possui o ideal de impor uma estrutura ao espaço
exterior ao mesmo tempo em que exprime a infinitude nas aberturas interiores; o organismo
espacial é tido como representação do espaço, ou seja, não há distinção entre arquitetura e
espaço. A cúpula não é definida apenas por suas dimensões: através de uma construção
revolucionária perspéctica, averiguada pela imagem unitária da cúpula, e o óculo sobreposto,
que reitera o aspecto simbólico-devocional- tem-se uma estrutura, a qual pretendia ser e era
expressiva de uma condição nova, avançada, seja em sentido técnico-cultural, seja em sentido
político ( ARGAN, 1977, p.101)

A compreensão dos templos religiosos renascentistas é desenvolvida na medida em que


o caráter da igreja ideal é entendido segundo os preceitos do belo e da concepção divina da
época. A arquitetura purista característica do quatrocentos e do quinhentos fundava-se em uma
hierarquia de valores que culminavam no templo religioso, o qual, por sua vez, era expressão
da harmonia celeste-sendo o homem autônomo para materializa-la- dessa maneira as
proposições rígidas desenvolvidas por Alberti acerca da igreja renascentista são evidenciadas
por Rudolf Wittkower :

Deveria constituir a ordenação mais nobre de uma cidade e atingir uma beleza para além de toda
imaginação. É essa inebriante beleza que desperta sensações sublimes e suscita piedade religiosa no
povo; tem efeito purificador e determina aquele estado de inocência que agrada ao Senhor. Qual
será, pois, essa beleza perturbadora que age com tanta força? Segundo bem conhecida definição
matemática albertiana, fundada em Vitrúvio, a beleza consiste na integração racional de todas as
partes de um edifício.
(Ibid., 1968, p.391)

Dito isso, infere-se que a conformidade de proporções geométricas Vitruvianas


características do renascimento é enfatizada na arquitetura sacra: a casa de Deus. É pertinente
observar que as decisões arquitetônicas religiosas tais como a localização do altar são
delineadas por um viés psicológico e simbólico, em detrimento até mesmo da funcionalidade
litúrgica, o qual era fundamentado na proposição racional geométrica que induzem a meditação.
Foi eleita como planta ideal para as igrejas a planta centralizada redonda, á partir de um viés,
talvez, puramente supramaterial.

Um exemplo a ser abordado é a Igreja de Sant’ Andrea em Mântua (1476), de Leon


Battista Alberti, na qual é revelada a combinação de elementos recém descobertos e valores
intelectuais: a abobada de berço prevista por Masaccio no Afresco da Trindade (1428) á partir
de um esquema perspéctico em termos arquitetônicos ,adquiriu forma na igreja projetada por
Alberti . Conforme S. Giedion (1969, p.61), “A abobada de berço pintada por Masaccio provou
ser a grande solução para os problemas de cobertura do renascimento e do barroco”

Além dos termos tectônicos, a abobada era imbuída de um ideal de perfeição condizente
com a dignidade das igrejas, pois lhe asseguram duração perante o tempo. Há, nesse sentido,
dentre outros fatores, uma tentativa de delimitação do espaço através do organismo plástico
aberto correspondente a abobada. Assim, em contraponto á Brunelleschi, o qual sintetizava a
estrutura arquitetônica á estrutura espacial, para Alberti o monumento cristão, por definição,
deve expressar valores ideológicos e históricos (ARGAN,1968,p.207). Essa historicidade é
concretizada através da estabilidade geométrica e a delimitação do espaço.

Com isso em vista, em um contexto onde o ideal civil norteava a produção arquitetônica
e artística, em especial na Inglaterra Iluminista, a arquitetura de Palladio é um esforço e
conciliação da história eterna com o presente, em um processo dialético onde a natureza humana
é mesclada a natureza divina através de recursos cromáticos e luminosos em um valor espacial
absoluto e uniforme. Com a preponderância de um pensamento civil, a contexto urbano
paisagístico era considerado como premissa no processo de definição da forma do templo, o
qual possuía uma definição tipológica Palladiana. O culto ,nesse momento, é tido como parte
da vida pública e sendo assim, a luz é utilizada como meio de mitigar a atmosfera de mistério.

Na Igreja do Redentore em Veneza (1576-77), há a diluição dos planos laterais no


espaço urbano por meio do desdobramento de superfícies tratadas cromaticamente com tijolos
aparentes á partir dos tons predominantes no recorte da cidade. O plano frontal absoluto da
fachada quase escultórica, destacado na composição pela luminosidade dos materiais, exprime
na composição a concepção racional anti-perspéctica: não há contrastes evidentes de cheios e
vazios, mas sim uma iluminação uniforme. A luz atinge não somente um caráter simbólico
como também intelectual: sublima emoções no interior e expõe os motivos formais clássicos
no exterior, assim, Palladio, de acordo com Argan(1968), reitera o sentido natural da civilização
unindo-a com a natureza ,preceito característico do quinhentos, sem renunciar á consciência
histórica , em detrimento ao á concepção de forma e espaço que foi averiguada nas obras de
Brunelleschi e Alberti.

Enquanto na renascença há o reestabelecimento da gramática da antiguidade como disciplina


universal (SUMMERSON,1982), o Maneirismo ultrapassa as questões típicas do classicismo
através da expressão incontida de angústias. Sendo assim, Michelangelo, principal expoente o
maneirismo, exprime a dramaticidade e a intensidade de expressões: a linha é elemento de
intermediação entre o plano natural e espiritual. Assim , se na Cúpula de Brunelleschi espaço
e arquitetura fundiam-se, de modo que a massa de forças convergentes arquitetônica era a
própria extensão do espaço por meio do efeito perspéctico racional, a cúpula da Basílica de São
Pedro de Michelangelo é um esforço de desprendimento da matéria na tentativa de exprimir a
angústia de um homem afastado de Deus em um contexto histórico de crise moral da igreja e
desvio doutrinário, além da aflição procedente do saque de 1527. O toque do sino no capitólio
fazia-se inaudível em uma Roma em ruínas :o castigo divino.

O desprendimento da matéria é a averiguado na Basílica de Michelangelo na medida em que a


dupla colunata não se encaixa no espaço. Junto a isso as nervuras convergentes propiciam um
movimento centrífugo que aponta para a estrutura luminosa do osculo em um efeito contrastante
e dramático que expressa a tensão inevitável da humanidade culpada perante o Deus juiz.

A imaginação quimérica característica do barroco é observada na obra de Bernini, e Borromini


que , em termos gerais, tratam o movimento á partir do viés rítmico e não simétrico e une o
espaço natural ao espaço urbano, o infinito linear desenvolvido na matemática nesse período é
alcançado no campo ótico arquitetônico pelo uso do infinito na natureza e distorção perspectiva.
A universalidade barroca é exemplificada na obra Sant'Andrea al Quirinale (1656) , de Bernini,
, o caráter cênico observado na Basílica de São Pedro, se faz presente também pelo uso da luz:
planos iluminados atuam como um céu infinito na cavidade da cúpula, quase como se a abóbada
celeste fosse apropria cobertura do espaço delimitado pelas paredes. A dramaticidade
emocional inerente ao contexto religioso no qual o barroco se desenvolve, é expressada pelo
descompromisso em apresentar um estrutura equilibrada visualmente em relação a pesos em
empuxos, assim, a planta elíptica, tal como usada na colunata da praça de são Pedro, da Igreja
Sant’ Andrea evita uma centralidade absoluta e maximiza a expansão do espaço através de
efeitos ilusórios. A teatralidade da contemplação divina é conferida pelo do altar que se impõe
no interior a partir de um enquadramento, o qual se apresenta como uma fachada interior.

Em contrapartida, a obra de Borromini apresenta-se como um técnica atormentada e insegura,


“Borromini tem um caráter áspero, intransigente, violento”(ARGAN,1968.p.301). Ao contrário
do que foi abordado ate o momento, procura uma redução do espaço acarretada por sua recusa
de mundo. A igreja de San Carlo alle Quattro Fontane e seus múltiplos pontos de vista
combinados á uma icônica fachada ondulada sem precedentes na história , são uma maneira
autentica de moldar o espaço- um esforço para além de expandi-lo ou delimita-lo- .A redução
do espaço é conferida na obra por um impulso ascendente em toda a composição, reiterado
pela estátua do santo San Carlo Borromeno, possui um olhar dirigido ao céu, combinado á
colunata assimétrica e disforme do pórtico. Além do mais, Borromini faz uso da planta elíptica,
entretanto, ao contrário do que é observado na Igreja Sant’ Andrea, há um efeito de contração
propiciado pela constituição geométrica da forma elíptica com o eixo maior no sentido do
comprimento. Assim, a tensão experimental existente na obra de Borromini possui intenções
que ultrapassam o caráter decorativo e do ideal barroco das igrejas de chamar atenção para si:
As dilatações que irrompem a luz de maneira não usual na fachada e moldam a rua, tida como
representação do espaço urbano, e a desproporcionalidade aparente são a expressão material da
alma que, tal qual Michelangelo, invoca a graça divina incerta, a ânsia do devir e do errante
permeiam a técnica e a projeção.

A relação harmoniosa humanista do homem renascentista com a natureza e com o espaço


dialoga com uma compreensão de mundo condicionada por um passado e motivada por um
futuro de desdobramentos de possibilidades, culmina em um ideal motivador de centralidade:
o homem torna a ser ativo capaz de materializar diretamente a vontade divina. Nessa linha de
pensamento, é sabido também que o período Barroco, opondo-se ao triunfo racionalista do
renascimento, orientado pela contrarreforma representada pelo concílio de Trento,
redimensiona os valores religiosos do período clássico :a angústia onírica e contraditória
orquestram a produção artística e a relação do ser com o divino.

Visto ao exposto, ao considerar o fazer arquitetônico como um produto de fatores sociais,


econômicos, científicos e técnicos e, além de produto, ser um elemento em si, com significado
próprio e individual, faz-se necessário o desmembramento de um contexto espacial. A
arquitetura religiosa, exprime a convergência dos ideais máximos de perfeição e angústia em
cada período abordado, por justamente possuir um caráter metafísico preponderante. Assim, a
maneira como a casa de Deus se aloca no espaço é diferenciada em cada época: enquanto no
renascimento a dignificação se dá pela austeridade geométrica baseada em termos simbólicos-
onde o espaço é delimitado ou expandido, á partir de uma noção perspéctica racionalizada e
unitária- no períodos procedentes a expansão se dá, em termos gerais, pela simbiose com o
espaço natural. Essas constatações extrapolam o mérito estético, sendo articulações de uma
cosmovisão característica do ser-no-mundo, em termos contemporâneos heideggerianos.
Bibliografia:
ARGAN, Giulio Carlo. “Clássico Anticlássico”. Tradução de Marcello Serpa. 1.ed. Companhia
das Letras, 1999.

ARGAN, Giulio Carlo. “História da arte italiana: De Giotto a Leonardo” . Tradução de Vilma
deKatinszky.4.ed .São Paulo: Cosac Naify,2003. vol.1

ARGAN, Giulio Carlo. “História da arte italiana: De Giotto a Leonardo”. Tradução de Vilma
deKatinszky.4.ed .São Paulo: Cosac Naify,2003. vol.2

SIGFRIED, Giedion. “Espaço, Tempo e Arquitetura: o desenvolvimento de uma nova tradição”


Tradução de Alvamar Lamparelli. 1.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

SUMMERSON, John. “A Linguagem Clássica da Arquitetura”. Tradução de Sylvia Ficher.


5.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

Você também pode gostar