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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS

FACULDADE NACIONAL DE DIREITO

EM QUE MEDIDA A LEI DE COTAS PARA CANDIDATURAS FEMININAS


PRODUZIU EFEITO NA DINÂMICA POLÍTICA EM RELAÇÃO ÀS PAUTAS
DE GÊNERO EM CUIABÁ, CAPITAL DE MATO GROSSO?

BEATRIZ LOURES - DRE 121081656


CLARICE MIRANDA BOAVENTURA - DRE 121086915
JOÃO GABRIEL FERREIRA - DRE 121072398
LARA LEMOS - DRE 121073077
MAITÊ CHRISTINO - DRE 121102119
MARIA CLARA DANTAS - DRE 121153461
PÉROLA KIM - DRE 121072924
PIÊTRA LAIANY SOUZA ALVES - DRE 121145272

Rio de Janeiro
2022
BEATRIZ LOURES
CLARICE MIRANDA BOAVENTURA
JOÃO GABRIEL FERREIRA
LARA LEMOS
MAITÊ CHRISTINO 
MARIA CLARA DANTAS 
PÉROLA KIM
PIÊTRA LAIANY SOUZA ALVES

EM QUE MEDIDA A LEI DE COTAS PARA CANDIDATURAS FEMININAS


PRODUZIU EFEITO NA DINÂMICA POLÍTICA EM RELAÇÃO ÀS PAUTAS
DE GÊNERO EM CUIABÁ, CAPITAL DE MATO GROSSO?

Trabalho apresentado em cumprimento das


exigências da disciplina métodos e técnicas
de pesquisa sociojurídica, no curso de
graduação de direito, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Professora: Prof. Karina Denari Gomes de


Mattos

Rio de Janeiro
2022
RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo geral analisar em que medida a lei de cotas de gênero
tem sido eficaz na ascensão das mulheres na política na cidade de Cuiabá, no estado de Mato
Grosso. A metodologia empregada trata-se de uma pesquisa bibliográfica e documental,
utilizando-se dos dados estatísticos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) das eleições
municipais de 2016 e do trabalho da historiadora Neila Barreto. Com isso, busca-se analisar a
real participação das mulheres no meio político e o processo histórico dos processos políticos
da Baixada Cuiabana, respectivamente.  Além disso, o texto explora as seguintes questões: o
preenchimento de 30% das vagas destinadas a candidaturas femininas e a reserva de 5% do
Fundo Partidário para a manutenção de programas que promovam a participação política das
mulheres. Com base nos dados apresentados, pode-se concluir que as cotas eleitorais não têm
se mostrado, até o atual momento, suficientes para uma legítima representação feminina na
política, visto que o número de candidatas eleitas pouco se alterou no decorrer dos anos.

Palavras-chave: Política. Cotas eleitorais. Candidaturas femininas. Cuiabá. Mato Grosso.

ABSTRACT

The present work has as general objective to analyze to what extent the gender quota law has
been effective in the rise of women in politics in the city of Cuiabá, in the state of Mato
Grosso. The methodology used is a bibliographical and documentary research, using
statistical data from the Superior Electoral Court (TSE) of the 2016 municipal elections and
the work of historian Neila Barreto. With this, it seeks to analyze the real participation of
women in the political environment and the historical process of the political processes of
Baixada Cuiabana, respectively. In addition, the text explores the following issues: filling
30% of vacancies for female candidates and reserving 5% of the Party Fund for the
maintenance of programs that promote women's political participation. Based on the data
presented, it can be concluded that the electoral quotas have not been shown, so far, to be
sufficient for a legitimate female representation in politics, since the number of elected
candidates has little changed over the years

Keywords: Politics. Electoral quotas. Female candidate. Cuiabá. Mato Grosso.


SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...........................................................................................................4

2. LEIS DE COTAS PARA CANDIDATURAS FEMININAS...................................5

2.1. Lei de 9.100/1995.......................................................................................................5

2.2. Lei de 9.504/1997.......................................................................................................5

2.3. Lei 12.034/2009..........................................................................................................6

2.4. Fim das coligações.....................................................................................................6

2.5. Reforma eleitoral de 2021..........................................................................................6

3. CANDIDATURAS LARANJAS................................................................................7

4. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA MULHER NA POLÍTICA DE


CUIABÁ...........................................................................................................................9

5. ANÁLISE DE DADOS..............................................................................................15

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................18

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................19
1. INTRODUÇÃO

Evidencia-se, diante da conjuntura histórica de construção da cidadania e,


concomitantemente, das estruturas políticas primordiais, a supressão da figura feminina nos
âmbitos de exercício político. Com isso, reiteradamente à margem da vida pública, as
mulheres foram excluídas da titularidade e, por consequência, do desempenho das atividades
cidadãs que compõem um regime democrático, sendo caracterizadas não como um indivíduo
ativo na esfera de debates políticos, mas como um objeto de operacionalidade doméstica
naturalmente condicionada: de esposa, mãe, educadora e serviçal.

À vista do enraizamento dos pressupostos históricos supracitados, pode-se


correlacionar a constituição da democracia ateniense – a qual, reconhecida como pioneira,
pormenorizava a participação em debates políticos aos homens, filhos de pais atenienses e de
renda mínima – ao fenômeno contemporâneo de contenção de mulheres da esfera pública,
disseminando, assim, o imaginário de que somente a figura masculina detém as competências
cognitivas necessárias para ocupar tais espaços. Desse modo, a consolidação de paradigmas
que desqualificam a capacidade feminina para inteirar cargos políticos recaí sobre o conceito
de inconsciente coletivo, elucidado por Jung; ao constituir-se por um conglomerado de
experiências psíquicas coletivas, a existência de uma instância da mente guiada diretamente
por vivências socialmente herdadas é modelada pelo psicanalista com finalidade de explicar
determinadas ações e princípios morais que perpassam a vivência humana, manifestando-se
secularmente.

Diante dessa conjectura, manifestam-se, a partir do século 19, os primeiros grupos


feministas no Brasil, os quais contestavam direitos – que hoje, são considerados como
fundamentais à natureza humana – de educação, saúde e, principalmente, cidadania efetiva;
dentre tais grupos, instituiu-se com maior relevância e reputação popular a Fundação
Brasileira Pelo Progresso Feminino, na qual Bertha Luz, uma das maiores personalidades
feministas do país, fez parte. Assim, em meio ao crescimento dos conglomerados feministas
insurgentes, instaura-se aquilo que seria, de forma gradativa, a inserção da mulher brasileira
nas competências da esfera política.
Pode-se averiguar, dessa maneira, que uma das primeiras conquistas efetivadas por
tais grupos constituiu-se pela conquista do voto feminino durante o governo Vargas, em 1930,
no então Novo Código Eleitoral Brasileiro; posteriormente ratificado pela Constituição de

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1934, o direito ao voto feminino conduziu, após uma vivência secular de exclusão, a presença
de mulheres no âmbito legislativo. Entretanto, compreende-se que a perpetuação histórica do
fenômeno de condicionamento da mulher à esfera doméstica, aliado, simultaneamente, à
negação da sua identidade cidadã, corroborou para a baixa tendência de candidaturas e,
substancialmente, de eleições nas casas legislativas.

2. LEIS DE COTAS PARA CANDIDATURAS FEMININAS 


O código eleitoral de 1932 deu início à vida política das mulheres brasileiras. A partir
de sua aprovação, deixava-se de limitar o voto a apenas homens, transformando em eleitor “o
cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma deste Codigo.”. Além
disso, a mulher torna-se, também, elegível. No entanto, apesar de estar na norma positivada,
não era o que de fato ocorria, visto que, em uma sociedade permeada pelo machismo, poucas
mulheres tinham a oportunidade de se candidatar e, aquelas que conseguiam, raramente eram
eleitas. 
Hodiernamente, o número de mulheres candidatas a algum cargo público é
consideravelmente maior do que nos anos 30, porém, mesmo com diversas leis afirmativas e
incentivos para as candidaturas femininas, ainda há inúmeros desafios a serem enfrentados,
como o uso dessas candidaturas como “laranjas” para burlar o objetivo das leis, ainda que a
cumprindo formalmente, e, dessa forma, garantindo o acesso ao fundo partidário. 

2.1. Lei de 9.100/1995


Diante do cenário de escassez de representatividade feminina no legislativo brasileiro,
a deputada Marta Suplicy propôs a lei 9.100/1995, aprovada, que afirma, no § 3º “Vinte por
cento, no mínimo, das vagas de cada partido ou coligação deverão ser preenchidas por
candidaturas de mulheres.” Com isso, inicia-se um novo momento de oportunidades para as
mulheres na política, pois dessa forma, suas cadeiras estariam reservadas nas Câmaras
Municipais.

2.2. Lei de 9.504/1997


Apenas dois anos depois, a lei 9.504/1997 passa a estabelecer, a partir da redação do
parágrafo 3º, que “Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada
partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70%
(setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.” Isso porque como a redemocratização do
país era recente, as leis eleitorais ainda eram muito frágeis, necessitando aprimoramentos

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constantes na tentativa de proporcionar um cenário menos conturbado, com estabilidade
política. 
No entanto, como afirmam Santos e Furlanetto (2019), o efeito da lei não atendeu às
expectativas no que tange à representatividade efetiva feminina nos cargos públicos,
necessitando, assim, de mudanças futuras que adequassem à lei ao tempo. 

Apesar de haver avanços em termos percentuais, as cotas não eram autoexecutáveis,


pois não havia obrigatoriedade do cumprimento dos percentuais previstos em lei. E
o problema era o fato de que, se tais vagas não fossem preenchidas por mulheres,
também não poderiam ser preenchidas por homens. Dessa forma, não havia qualquer
sanção ou impedimento se tais cotas de gênero não fossem efetivamente cumpridas
pelos partidos políticos, o que, por sua vez, criou uma situação de esvaziamento da
política de cotas promovida pela legislação. (FURLANETTO; SANTOS, 2019,
p.200)

2.3. Lei 12.034/2009


No ano de 2009, uma nova reforma eleitoral foi aprovada instituindo no mínimo 5%
do Fundo Partidário destinado às candidaturas femininas, com objetivo de promover e
incentivar a participação de mulheres na política. A reforma estabeleceu, ainda, o limite
mínimo de 10% do tempo total da propaganda obrigatória que deveria ser reservado às
mulheres. Com isso, havia uma clara tentativa de dar continuidade às leis anteriores, visando
tornar a participação política mais igualitária, uma vez que “as cotas são políticas que visam à
paridade de gênero, a fim de corrigir uma desigualdade estrutural entre homens e mulheres no
espaço político representativo”. (FURLANETTO; SANTOS, 2019, p.200)

2.4. Fim das coligações


Indo de encontro aos textos das Leis 9.100/1995 e 9.504/1997, a Emenda
Constitucional nº 97 de 2017, que previa a extinção das coligações, tinha como objetivo a
obrigatoriedade do cumprimento mínimo de 30% da destinação das vagas a candidatas. Dessa
forma, houve uma maior efetividade do objetivo original de inserção de mais mulheres nos
espaços legislativos, uma vez que a EC determinava que os 30% deveriam ser cumpridos por
cada partido individualmente. O que consequentemente promoveria uma maior quantidade de
mulheres candidatas e expandiria a propensão de serem eleitas.

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2.5. Reforma eleitoral de 2021
Apesar de diversas tentativas de mudança com intuito de aumentar a participação de
mulheres no Legislativo, ainda se observa uma enorme crise de representatividade feminina
no cenário político do país. Sendo assim, a Emenda Constitucional nº 111 de 2021 instituiu,
no artigo 115, que
“Para fins de distribuição entre os partidos políticos dos recursos do fundo partidário
e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), os votos dados a
candidatas mulheres ou a candidatos negros para a Câmara dos Deputados nas
eleições realizadas de 2022 a 2030 serão contados em dobro. Parágrafo único. A
contagem em dobro de votos a que se refere o caput deste artigo somente se aplica
uma única vez.” (BRASIL, 2021a)

A reforma, porém, apesar de promulgada em 2021, só terá as regras aplicadas nas


eleições de 2022. No entanto, alguns resultados de sua aplicação, como a diminuição das
chamadas “candidaturas laranjas”, são esperados, por conta da segurança de voto em dobro
para fins de fundo eleitoral.

3. CANDIDATURAS LARANJAS

É notório que a luta das mulheres por maior participação política ainda está longe de
acabar, uma vez que, a conquista relativa à lei de cotas não foi suficiente para na prática
solucionar a discriminação de gênero na política brasileira, tendo em vista a problemática das
candidaturas “laranjas”.
            O chamado candidato “laranja” é um candidato de fachada, que entra nas eleições sem
a verdadeira intenção de concorrer, com objetivo de servir a outros interesses e evitar a
punição pelo TSE pelo não cumprimento do percentual mínimo. Especificamente no caso das
cotas femininas, tal prática fraudulenta consiste no uso de candidaturas de mulheres apenas no
aspecto formal, com a finalidade apenas de preencher a cota mínima de 30% das candidaturas
femininas em eleições proporcionais (para os cargos de vereador, deputado estadual e
deputado federal), pois, na realidade, essas mulheres não fazem campanha para angariar
votos. Isso acaba por beneficiar os partidos e coligações, significativamente compostos por
homens, tendo em vista que, na maioria das vezes, os membros partidários usam a verba
pública destinada às candidaturas femininas em prol de suas próprias campanhas eleitorais, ou
seja, verifica-se o uso dessas candidaturas para o desvio de recursos públicos. No fim, a
candidatura de fachada é uma fórmula encontrada para burlar o objetivo original da lei e
eleger o maior número possível de candidatos masculinos com a utilização de mais verba para

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promoção eleitoral destes grupos. Indiscutivelmente, a prática dessa ilegalidade é comum no
país, um exemplo foram as eleições de 2016, quando o Tribunal Regional Eleitoral do Mato
Grosso apurou cerca de 266 candidatos com registro deferido, mas com votação nula nas
urnas. Desse total, 249 correspondiam a candidaturas femininas, evidenciando fortes indícios
de fraude eleitoral.
Ainda em 2016, o TSE determinou que 30% dos recursos do Fundo Especial de
Financiamento de Campanha sejam destinados à candidaturas de mulheres, no entanto, não
explicita que esse dinheiro deve ir apenas para as candidatas, viabilizando a estratégia dos
partidos de destinar a maior parte desse fundo para candidatos homens que concorrem a
cargos de governador ou senador sob o pretexto de possuírem vice ou suplente mulher.
Em oposição às candidaturas fictícias, são apresentadas respostas na tentativa de coibir o ato
fraudulento. O Tribunal Superior Eleitoral decidiu que toda lista de candidatos proporcionais
que tenha incluído candidaturas femininas fictícias poderá ser invalidada, ainda que
candidatos não eleitos não tenham participado da ação. Contudo, ainda não foi suficiente para
coibir o avanço das candidaturas falsas.,
Assim, somente a lei não é capaz de garantir uma maior representatividade feminina
no espaço da política. Afinal, com a crescente de candidaturas laranjas, mulheres não
assumem maior participação política e o uso das cotas acaba por beneficiar os partidários
homens. Nesse sentido, a lei é pouco eficiente em seu fim de romper as bases patriarcais do
sistema político se não acompanhada de uma melhor controle de fiscalização e,
principalmente, da realização de transformações estruturais na mentalidade social. Inclusive,
em um estudo feito por professoras da University College London e da James Madison
University, exposto na BBC News, a pesquisadora Mallu Gatto, afirma que, apesar de tal
prática não ser exclusiva de uma única legenda, os dados apontam que o PSL, partido
ultraconservador, é o que apresenta maior disparidade na competitividade de homens e
mulheres, o que, segundo as pesquisadoras, é um indicativo forte do uso de candidaturas de
fachada para burlar a lei das cotas. Em outras palavras, para além da questão institucional, há
uma relação entre as lógicas dominantes elitistas e o falso preenchimento das cotas, que não
deve ser ignorada para uma expressiva efetividade da lei. 
Em consequência da baixa participação feminina, é mantido um ciclo vicioso de
permanência das estruturas dominantes, já que não há um abrangente número de porta-vozes
representantes dos anseios e interesses feministas. Até porque, pressupõe-se que as mulheres,
por experimentarem em suas próprias vivências cotidianas a desigualdade salarial,

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discriminação no mercado de trabalho entre outras questões gerais que abrangem as
disparidades de gênero, têm maior interesse pessoal e entendimento na mobilização de
transformações.

4. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA MULHER NA POLÍTICA DE CUIABÁ

No início do século XX, o interior brasileiro ainda era pouco desenvolvido, sendo
predominante a presença de plantações e engenhos de cana na região. Apesar do passado
minerador do estado de Mato Grosso à época de criação dos primeiros povoados, a elite mato-
grossense era formada principalmente por senhores de engenho durante a Proclamação da
República. Com o início do novo regime, essa elite buscou ocupar os cargos políticos. No
entanto, essa ocupação não ocorre democraticamente, mas pelo uso da força, o que evidencia
a prática do coronelismo como forte fator político e coercitivo no estado.
Como consequência desse fenômeno coronelista, a imagem que se construiu de Mato
Grosso era de uma terra sem lei. A imagem da violência no estado era tão forte, que no início
de sua obra “A mais linda viagem: um raid de vinte mil quilômetros pelo interior brasileiro” o
jornalista Luiz Amaral admite:
Confesso que, preparando-me para ir a Matto Grosso, minha primeira providência
foi comprar um revólver com muita bala e muito quinino. Apetrechei-me como
apetrecham os europeus que se arriscam uma visita ao Brasil... Matto Grosso, uma
das ― gatas-borralheiras da Federação, uma dessas unidades federativas onde os
unicos vestigios do governo central são as collectorias, para arrecadação de
impostos. (AMARAL, 1927, p. 97)

Até o ano de 1910, a única maneira de se chegar a Mato Grosso era através do Rio
Paraguai. Mas, em 1905, o Governo Federal inicia a construção de uma ferrovia que ligava a
cidade de Bauru, em São Paulo, à capital mato-grossense. Todavia, por questões político-
econômicas, em 1907 decidiu-se que o destino final da ferrovia passaria a ser Corumbá. O que
acabou por favorecer a região sul do Mato Grosso, principalmente a cidade de Campo
Grande, que fazia parte do trajeto da ferrovia. A partir de 1914, quando se inaugura a estação
de Campo Grande, a cidade passa a rivalizar com dois importantes centros do estado: Cuiabá,
que era a capital política, e Corumbá, a capital econômica. 
Diante disso, as elites cuiabanas buscaram mudar sua imagem frente à opinião pública
nacional, com o objetivo de manter o status de capital política da cidade de Cuiabá. Não
obstante, as tensões políticas permaneciam presentes, de modo que se fez necessária uma
intervenção governamental. Com o advento da intervenção, os coronéis locais estabeleceram

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uma trégua com o intuito de instituir um governo de conciliação. O nome escolhido foi o
então bispo Dom Francisco de Aquino Corrêa.
Durante sua gestão, Dom Aquino Corrêa empenhou-se em apaziguar a violência que
marcava as disputas políticas locais, o que ele procurou fazer por meio da criação e
fortalecimento de uma identidade “verdadeiramente cuiabana”. Dentre os muitos projetos
realizados por ele, podemos destacar a criação da Academia Mato-Grossense de Letras, em
1921. Dom Aquino Corrêa, juntamente com José de Mesquita compõe a presidência, mas Ana
Luiza da Silva Prado Bastos é nomeada tesoureira, estabelecendo-se como a primeira mulher
admitida em uma academia de letras no Brasil.
Juntamente com várias outras mulheres, Ana Luiza Prado ajudou a fundar o Grêmio
Literário Júlia Lopes. Por seu intermédio faria circular em Cuiabá um periódico de longa
duração (1916-1950): foi criada em 1916 a revista “A Violeta”. A revista serviu para que as
muitas mulheres que publicaram seus textos nela pudessem se expressar, a princípio tratando
de assuntos notadamente “femininos”, mas durante seus anos de circulação possibilitou que
assuntos como política, educação, saúde, e outros temas nos quais a mulher não possuía voz
também fossem discutidos por elas.

A Violeta não falou só de flores às quais nos remete seu título de batismo; tampouco
se ocupou apenas da literatura [...] Seus assuntos se estenderam à política, à história,
ao feminismo, à religião, à moda para mulher, à culinária, a campanhas educativas,
de higiene e de saúde, a registros da sociedade matogrossense e outros [...]”
(NADAF, 1993)

Alguns anos antes, em 1897, um outro jornal dirigido por mulheres chamado “O
Jasmim” foi posto em circulação. Era um jornal abertamente a favor da emancipação feminina
e, por conta disso, sofreu diversos ataques por parte da imprensa, o que fez com que o jornal
fechasse após apenas um número publicado. Diante do ocorrido, o jornal “O Matto Grosso”,
um dos principais da região, divulgou em sua primeira página: “― O Jasmim […] anuncia às
suas leitoras que a bandeira da revolta que tremulava ameaçadora no corpo da folha fora
arriada em nome do Bom Senso”
Diante da tentativa frustrada de suas predecessoras, as redatoras de “A Violeta”
adotam uma perspectiva mais conservadora nos primeiros anos de circulação do folhetim.
Além de ser uma decisão estratégica, com o objetivo de evitar reprovação da opinião pública,
essa forma de escrever o feminino também refletia a vivência delas. Afinal, as colaboradoras
mais frequentes da revista eram mulheres da própria região, formadas em escolas salesianas e

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educadas conforme os preceitos cristãos, não sendo possível dissociá-las do contexto histórico
e social no qual se encontravam. Seria um feminismo “bem-comportado”, ao qual a autora
Céli Regina J. Pinto faz menção em sua obra: “Uma história do feminismo no Brasil”.
No entanto, a partir de 1928, quando o Grêmio Literário passa a ser sediado no “Clube
Feminino”, o envolvimento do folhetim com as causas feministas se intensifica e em 1932,
uma palestra de Bertha Lutz em defesa do voto feminino é publicada na revista. Dessa forma,
A Violeta reflete as transformações da sociedade, sendo marcada por um processo dialético
no que concerne à representação da figura feminina.
Poderia se pensar que pelo fato de Mato Grosso ser menos desenvolvido em
comparação a outros estados brasileiros, estaria alheio aos movimentos feministas que
estavam acontecendo no Brasil e no mundo. Entretanto, o que se observa é que Cuiabá teve
um papel de protagonismo nesse sentido, sendo uma das capitais a possuir um grupo
organizado de mulheres que, antes mesmo da fundação da Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino, possibilitou a criação de um espaço para que elas lutassem por seus
direitos.
Apesar de todos os esforços da luta feminista no estado do Mato Grosso, nos últimos
doze anos, Cuiabá figurou como uma das quatro piores capitais no que diz respeito à
porcentagem de mulheres eleitas nas Câmaras de Vereadores. 
A representação feminina no parlamento cuiabano condensa uma quantidade escassa
de mulheres eleitas se comparada à participação masculina, que, historicamente, ocupou de
forma majoritária os assentos da Câmara. A fundação da Câmara Municipal de Cuiabá
ocorreu em 1 de janeiro de 1727. Desde então, apenas 14 mulheres conseguiram ocupar as
fileiras do legislativo, e após 295 anos de existência, a Câmara Municipal permanece como
reflexo do patriarcalismo imperante nas concepções políticas do eleitorado cuiabano, sendo
que, apesar da baixa representação de apenas 14 mulheres, desse montante, nem todas foram
eleitas. Muitas chegaram ao parlamento através da suplência, uma vez que as estruturas
partidárias e ideologias dominantes entre os eleitores coadunam com pressupostos machistas
que inviabilizam o acesso direto de mulheres mato-grossenses às câmaras municipais por
meio das eleições. 
Sendo assim, até o ano de 2019, apenas 9 mulheres haviam passado pela Câmara
Municipal de Cuiabá, um número surpreendentemente baixo, caso sejam considerados os 292
anos de funcionamento da Casa Legislativa. E, mesmo sob números baixíssimos de políticas
eleitas, a problemática da representação feminina foi agravada quando da eleição de 2016, um

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pleito no qual nenhuma mulher havia conquistado uma vaga para a legislatura. Desde então,
houve um aumento de representação feminina nas cadeiras do parlamento de 9 para 14
mulheres, uma vez que, na eleição subsequente, 2 vereadoras foram eleitas. O pleito de 2020
consistiu numa eleição memorável, haja vista que marcou o retorno das mulheres à câmara
legislativa após um período de hiato, consagrando Cuiabá com a eleição da primeira mulher
preta para o parlamento cuiabano, bem como contou com uma mobilização popular para que
essa representatividade feminina fosse concretizada. O sentimento popular das ruas teve
reflexo nas urnas e, em outubro de 2020, Edna Sampaio, do Partido dos Trabalhadores (PT), e
Michelly Alencar, do Democratas (DEM), foram eleitas. Desde então, somando, ao lado de
Sampaio e Alencar, no acréscimo quantitativo de mulheres ocupando cargos como políticas
na Câmara, as suplentes Maysa Leão (Cidadania) e Maria Avallone (Partido da Social
Democracia Brasileira) ascenderam aos postos de vereadoras em períodos em que os homens
originalmente eleitos para o cargo necessitaram se ausentar. Maysa Leão, por exemplo,
assumiu durante 30 dias em virtude de uma licença-médica do Vereador Diego Guimarães
(Cidadania). Maria Avallone assume a vaga após Renivaldo Nascimento (PSDB) ser nomeado
como novo secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano Sustentável pelo
Prefeito Emanuel Pinheiro (Movimento Democrátivo Brasileiro). 
Entretanto, mesmo antes da presença retumbante de Edna Sampaio e Michelly
Alencar, é relevante pontuar o papel que mulheres históricas desempenharam na política
cuiabana, uma vez que foram responsáveis por conquistar espaços de manifestação numa
estrutura machista, tomando para si a árdua tarefa de pavimentar caminhos para as que vieram
depois. Assim, a eleição da primeira mulher para a Câmara Municipal de Cuiabá se deu em
1951 por Estevina do Couto Abalem. 
Se a produção acadêmica no âmbito da Ciência Política mato-grossense e a
documentação histórica sobre o estado já são escassas, a realização deste trabalho contou com
uma dificuldade extra, haja vista a ausência de materiais que versem sobre a história política
de Mato Grosso desde uma perspectiva de gênero. São escassos os materiais com os quais
estas pesquisadoras puderam contar para a elaboração deste texto. Não obstante, dentre os
materiais pesquisados, encontra-se o trabalho da historiadora Neila Barreto. Barreto, como
membra do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso e da Academia Mato-Grossense
de Letras, foi responsável por escrever uma série de artigos dos quais pudemos extrair
informações sobre a trajetória das mulheres que desbravaram o campo da política em Mato
Grosso, colaborando, assim, para um processo de reconstituição histórica dos processos

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políticos da Baixada Cuiabana, um território cujo povo não tem acesso à sua memória, sua
História lhe é negada e tampouco possui consciência do valor de se arqueologizar os
processos sociais que culminaram na formação atual da sociedade mato-grossense.
Sendo assim, a eleição da primeira mulher para o parlamento cuiabano se deu em
1951, quando da posse de Estevina do Couto Abalem. Sua ascensão à Câmara ocorreu 19
anos após a promulgação do Código Eleitoral de 1932, que concedeu às mulheres o direito ao
sufrágio. Estevina do Couto era filiada à UDN (União Democrática Nacional) e encontrava-se
em um cenário de hegemonia política partidária, cujo predomínio de dois partidos se
sobressaía: o PSD (Partido Social Democrático) e a UDN. Antes de sua inserção na vida
política partidária, registros históricos apontam que Estevina do Couto havia sido funcionária
pública, conforme pode ser averiguado por meio da Lei n° 555, de 26 de novembro de 1952,
que realiza a concessão de uma autorização referente à abertura de crédito especial para o
Poder Executivo do Estado de Mato Grosso no Tesouro do Estado. Os registros das quais
dispõe a redação da lei enunciam diversos gastos do Governo e, dentre eles, Estevina do
Couto figura na folha de pagamento do Tesouro do Estado como funcionária pública, cujo
vencimento, de outubro de 1945 a dezembro de 1951 (data de sua eleição à Câmara
Municipal), consta com um valor referente à 39.886,60 cruzeiros. Ao decorrer de seu primeiro
mandato, sua atividade parlamentar foi marcada pela participação nas Comissões de Finanças,
Justiça, Legislação, Educação e Cultura. Reeleita após a conclusão do primeiro mandato,
Estevina do Couto chegou a ocupar a vice-presidência da Câmara entre os anos de 1953 e
1954. Cuiabá, entretanto, só teria uma mulher ocupando a presidência de sua Câmara
Municipal em 1965, quando da nomeação de Ana Maria do Couto para o cargo de chefia
máximo da estrutura legislativa cuiabana, cuja eleição se deu em 1963. Porém, antes mesmo
da ascensão de Ana Maria do Couto ao cargo de vereadora e logo após o mandato de Estevina
do Couto Abalem, o legislativo cuiabano contou com a eleição de mais uma mulher: Maria
Nazaré Hahn. 
Maria Nazaré Han foi eleita em 1955 pelo PSD, um partido que “exerceu ampla
hegemonia sobre a política brasileira entre 1945 e 1965”, uma vez que fora responsável pela
manutenção de maioria no Congresso Nacional durante esse período (tanto no Senado quanto
na Câmara dos Deputados), bem como a eleição de dois presidentes da República, conforme
aponta dossiê elaborado pela Fundação Getúlio Vargas. A trajetória partidária de Hahn, no
entanto, não se configura como uma jornada homogênea, visto que a política migrou do PSD
para a ARENA (o partido hegemônico durante a Ditadura Militar de 1964). Hahn permaneceu

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na ARENA até o momento de sua extinção, e logo ingressou no PDS (Partido Democrático
Social), legenda que viria a ser o sucessor político da ARENA. Posteriormente, a vereadora
ingressaria no PFL (Partido da Frente Liberal), ascendente partido de direita que nasce como
uma dissidência do PDS. A trajetória de filiação partidária é relevante na medida em que
evidencia o espectro ideológico ao qual a Maria Nazaré Hahn estava vinculada, tendo em
vista que, em 1967, durante uma sessão ordinária cuja data coincidia com o aniversário da
deflagração do Golpe Militar de 1964, a política, conforme aponta o Acervo da
Coordenadoria de Cultura e Resgate Histórico da Câmara Municipal de Cuiabá em consulta
realizada pela historiadora Neila Barreto, proferiu um discurso de apoio ao regime militar: 

Estaremos ao lado do espírito nacional, que por vocação inata e democrática, de cuja
atitude cívica atual surgiu a benemérita Revolução de 31 de março de 1964, cujo
evento vem dando com eficiente prudência e segurança, a restauração moral e
administrativa do país, fixando com firmeza nesta hora, uma nova etapa promissora
de respeito internacional à pátria e à família brasileira’, conforme Ata de registro das
sessões da Câmara Municipal de Cuiabá, de 26 de dezembro de 1966 à 8 de abril de
1967 (BARRETO, 2019)

E, entre essa dança das cadeiras partidárias, Maria Nazaré Hahn congrega em si o
título de mulher que mais se elegeu para o legislativo cuiabano: foram 6 mandatos ao longo
de 27 anos na vida política.
Em 1963, foi eleita, pelo PTB, Ana Maria do Couto, notória figura pública da
cuiabania e cujo apelido popular era May. Originalmente, May graduou-se em Educação
Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. A paixão pelo esporte a levou à
presidência do Clube Dom Bosco, o mais antigo time de futebol de Cuiabá. O pioneirismo na
ocupação do cargo de presidenta não ocorreu apenas na área do esporte, mas também no
âmbito político, visto que Ana Maria do Couto foi a primeira mulher a ascender à presidência
da Câmara Municipal de Cuiabá. 
Diplomada em Direito, Ana Maria do Couto, posteriormente, sai da Câmara Municipal
e é nomeada Promotora de Justiça Militar de Mato Grosso. Dessa forma, após sua saída,
inaugura-se no legislativo cuiabano um vácuo de representação feminina, cujo hiato estender-
se-ia por 30 anos, e seria suprimido apenas com a eleição de Beatriz Spinelli. Bia Spinelli foi
eleita em 1993 e esse período é marcado por ocorrência de legislaturas cada vez mais
atravessadas pela eleição de mulheres. Diferentemente da realidade política anterior à década
de 50, em que data a eleição de Estevina do Couto, os anos 90 e 2000 condensam em si
quantitativamente o maior número de mulheres eleitas ao legislativo municipal em um menor

14
período de tempo. Conforme pode se averiguar com a eleição de Lueci Ramos e Chica Nunes,
ambas do PSDB, em 1997. Logo em seguida, no pleito subsequente, ascendem à Câmara
Municipal de Cuiabá as políticas Enelinda Scala e Vera Araújo, ambas do Partido dos
Trabalhadores (PT). Dessa forma, a legislatura que se deriva das eleições de 2000 representa
na história do parlamento cuiabano o período com maior índice de representação feminina, na
medida em que congrega as reeleitas Lueci Ramos (PSDB) e Chica Nunes (PSDB) com as
recém-eleitas Enelinda Scala (PT) e Vera Araújo (PT). Não por acaso, foram eleitas em
virtude da arrojada estrutura partidária ao qual estavam vinculadas, visto que integravam as
duas legendas dotadas de maior força política à época: o estabelecido Partido da Social-
Democracia Brasileira do então Presidente, Fernando Henrique Cardoso, e o ascendente
Partido dos Trabalhadores, cujo candidato, Luiz Inácio Lula da Silva, sairia vitorioso na
eleição subsequente em 2002. Apesar das evidentes divergências ideológicas em razão dos
partidos aos quais eram filiadas, as 4 mulheres compunham a “Bancada do Batom” na Câmara
Municipal. 

5. ANÁLISE DE DADOS 

A aplicação da análise empírica por estudo de caso permite, com o recorte limitado ao
município de Cuiabá, abrir espaço para uma compreensão dos efeitos da lei de cotas que não
poderia ser alcançada fora desse contexto. O foco em um município específico permite a
interligação dos dados numéricos com os registros históricos, podendo a análise dos efeitos da
lei serem feitos de forma profunda, investigando sua interligação com as raízes dessa
sociedade. A lei é entendida não como rígida e de igual aplicação em todos os municípios,
mas como fator adicionado a um espaço que a incorporará de maneia singular. Apesar das
recentes mudanças legislativas almejarem, na teoria, um ponto de virada na política brasileira,
promovendo o equilíbrio entre as candidaturas masculinas e femininas, cabe então analisar se
esses são os resultados reais da vigência da lei.

No estudo presente, serão trazidos dados do período de 1996 a 2020, com foco na
percepção dos efeitos da lei de 2009 no município de Cuiabá, Mato Grosso. É fato que a
vigência de leis anteriores, como a de 1995, são outros fatores de alteração dos números, mas
cabe aqui observar como e se esses números mudaram usando o marco de 2009 como
parâmetro. Para isso, será comparada a quantidade de candidaturas femininas no período
anterior e posterior à lei tanto no município de Cuiabá quanto nos números em escala macro,

15
de todo o Brasil, obtidos através do banco de dados do site do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE). Essa análise ajuda a responder as perguntas iniciais para uma conclusão qualitativa:

1.  Ocorreu oscilação no número de candidaturas femininas em Cuiabá comparando entre


os períodos relativos ao marco da lei?

Tabela 1. Fonte: Site do TSE, Estatísticas Cargo/Sexo

2. A oscilação (ou ausência dela) no número de candidaturas femininas em Cuiabá nos


últimos anos são consonantes ou destoantes dos resultados do país como um todo?

Tabela 2. Fonte: Site do TSE, Estatísticas Cargo/Sexo

Apesar de não muito altas, é possível afirmar que ocorreram oscilações, com aumento
do número de mulheres candidatas, mesmo que também não muito perceptível ou
transformador. Não é uma mudança que, até agora, possa ser enxergada como “ponto de
virada” para alcançar o equilíbrio de gêneros de candidaturas. Em proporção, Cuiabá reagiu
de maneira bem semelhante à da oscilação do Brasil em escala macro. Esses dados iniciais
apontam que as mudanças ocorridas em Cuiabá estão dentro do padrão geral de resultado do
país. O município não aparece, nessa análise, como caso destoante nem para boom nas
candidaturas nem para sua queda ou manutenção rígida.

16
No entanto, é necessário ainda realçar as amostras de candidatas eleitas. Com isso,
será possível analisar de os resultados pretendidos com o movimento pelo aumento de
candidatas estão sendo produzidos:

3. Qual a parcela de candidatas mulheres que conseguem ser de fato eleitas em Cuiabá
comparando o período anterior e posterior à lei?

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Tabela 3. Fonte: Site do TSE, Estatísticas Cargo/Sexo

Surpreende que, mesmo constatado o aumento no número de candidaturas femininas,


o número de mulheres eleitas não tenha refletido essa mudança. No período posterior à lei,
foram eleitas somente três mulheres, em comparação a 72 vereadores homens. Há ainda o
destaque negativo do ano de 2016, no qual nenhuma mulher foi eleita vereadora em Cuiabá.
No âmbito da análise quantitativa, obtivemos esses resultados, indicando que ainda que o
número de candidaturas femininas tenha tido um pequeno crescente, os resultados eleitorais
mantiveram média semelhante aos dos anos anteriores ao marco considerado, sendo até um
pouco maiores. A lei de cotas para as mulheres é, como muitas legislações e movimentos
jurídicos, um reflexo da sociedade do seu tempo. Existe na sociedade uma mentalidade
crescente pela valorização da mulher em espaços de comando e de importância social
anteriormente dominados pelos homens. A lei é uma iniciativa que anda lado a lado com essa
mentalidade e, é importante realçar, que a mudança prática nos resultados eleitorais se faz,
não exclusivamente como resultado direto da lei, mas também dessas movimentações sociais.
Atentando para a indagação central do artigo, os dados obtidos pelas últimas perguntas
passam a servir como ferramenta para uma análise qualitativa sobre os efeitos das mudanças
promovidas pela lei nas dinâmicas políticas relativas a gênero em Cuiabá no tempo presente.
Nas últimas eleições, como mostrado na Tabela 3, Cuiabá elegeu duas mulheres
vereadoras, sendo, como em manchete do jornal “O Globo”, “a 3ª capital brasileira que menos
elegeu mulheres para o cargo de vereadora”. Elas são Michelly Alencar pelo DEM e Edna
Sampaio pelo PT. As candidatas, entretanto, através de seus discursos, aparições públicas e
posicionamentos, não parecem unidas sob um mesmo propósito. Em entrevista à rádio CBN,
Michelly criticou severamente a vereadora do PT por alegar que as “ideologias políticas” de
Edna estariam sendo impeditivas para um avanço produtivo de pautas relevantes para o
município. Mas é possível observar que Michelly também faz uso de ideologias em seus
discursos de vereadora, se apresentando como evangélica e ligada a suas pautas,
principalmente as conservadoras. Em votação da Câmara em 21 de dezembro de 2021, foi
aprovado, com voto de Michelly, o “Dia do Orgulho Hétero” como data de calendário oficial
do município. Já a vereadora Edna foi o único voto divergente, votando contra o projeto de lei
e argumentando em favor dos grupos LGBTQIA +, vítimas de diversas violências resultantes
da afirmação inflamada e exagerada da heteronormatividade. As pautas de minorias políticas

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como essa em muito se assemelham a questões femininas, também minorias políticas. No
entanto, é observado na Câmara de Cuiabá que mesmo com a movimentação por mais
mulheres no poder, os efeitos nas dinâmicas políticas concernentes à pauta de gênero no
município ainda são escassos e incompatíveis com os resultados pretendidos pela lei. 

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo buscou apresentar os aspectos jurídicos, políticos, históricos e
econômicos que representam a participação feminina na política e os efeitos produzidos em
virtude da lei de cotas de gênero na cidade de Cuiabá, estado de Mato Grosso. 
Ao observar os números no que tange à eleição das candidatas cuiabanas, vê-se que os
desafios a serem superados para a evolução feminina na carreira política são diversos. Tanto o
patriarcado presente na nossa sociedade, quanto a ineficiência institucional são fortes fatores
que atuam negativamente juntos na atual condição da mulher na política. Notou-se, ao
analisar o percentual do número de candidatas eleitas entre os períodos anteriores e
posteriores à lei 12.034/2009, em Cuiabá, que pouco se alterou a quantidade de eleitas, e, não
foi suficiente para alcançar a equidade de gêneros na política. Com isso, pode-se afirmar que a
lei das cotas eleitorais não teria influenciado de forma significativa o atual cenário, tendo em
vista que não causou um impacto considerável na candidatura de mulheres.
Outrossim, em relação a Lei de 9.504/1997, complementada pela Emenda
Constitucional n°97 de 2017, que expressa que cada partido ou coligação preencha no mínimo
30% e no máximo 70% para candidaturas de cada sexo, fica evidente a prática das chamadas
“candidaturas laranjas”, nas eleições de 2016, no estado de Mato Grosso, para "burlar" essa
lei e atingir a porcentagem estipulada. Ao analisar os dados referentes às eleições deste ano,
observa-se que houve 266 candidatos deferidos, no qual 249 correspondiam a mulheres,
porém, com votações nulas nas urnas. Desse modo, constata-se que os partidos políticos
possivelmente lançaram candidaturas femininas “laranjas” a fim de cumprir a cota exigida
sem, de fato, colaborar com a lei. 
A demonstração da ineficiência das Leis de Cotas de gênero dá-se, também, ao
examinar os dados referentes a eleição de candidatas femininas na Câmara Municipal de
Cuiabá, na qual somente 14 mulheres ocuparam cadeiras legislativas desde a sua fundação,
em 1727. Assim, é possível verificar uma clara reprodução do patriarcado na esfera política e
um ciclo vicioso de reprodução das estruturas de uma cultura dominante masculina.

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De acordo com os dados e informações expostas, compreende-se que, apesar das
iniciativas legislativas aumentarem o percentual de inscrições femininas na esfera política, a
lei, ainda, não foi capaz de alterar significativamente o número de candidatas eleitas, uma vez
que ela não foi capaz de transpassar as barreiras das estruturas patriarcais e colonialistas que
regem o estado do Mato Grosso, bem como o Brasil. Sendo assim, a legislação de cotas de
gênero para candidaturas femininas tem se mostrado fraca. No entanto, embora não apresente
um resultado quantitativo satisfatório, a legislação reduz a desigualdade presente entre os dois
gêneros na política. Diante desse cenário, é necessário um aprimoramento nas políticas
públicas que incentivem a participação feminina na política, já que a atual política de ação
afirmativa sozinha não tem se mostrado eficiente na prática.

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