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A Transferência de competências para

as autarquias e as políticas educativas


municipais- As representações dos
atores locais num concelho do distrito
de Setúbal
Maria João Amaro Pinto

Escola Superior de Educação de Lisboa

mjoaopinto2@hotmail.com

Resumo

Esta dissertação resulta do estudo sobre as representações que os atores locais apresentam
relativamente à transferência das competências na área da Educação para o Poder Local e
enquadra-se no âmbito das políticas educativas municipais.

Partindo de uma matriz metodológica qualitativa, recorre-se ao estudo de caso baseado em


entrevistas semiestruturadas a atores locais de um município do distrito de Setúbal, diretores
de Agrupamentos de Escolas (AE) e a responsáveis da autarquia. A análise de conteúdo
assentou num sistema de categorização misto, apoiada em software de análise de dados
qualitativos.

Na abordagem teórica destaca-se a análise das políticas públicas, nomeadamente o processo


de regulação das políticas e da ação pública, enquanto suporte interpretativo das
representações e modos de ação dos atores locais. Esta análise inscreve-se na política da
descentralização da educação em Portugal e no processo de reconfiguração do papel do
Estado, na emergência do local e do reconhecimento da autarquia como espaço
multirregulado. Tomámos a dimensão analítica de Palier e Surel (2005) para entendermos a
articulação entre a regulação de controlo, top down e a regulação autónoma, buttom up, pelo
que explorámos as ideias, interesses e instituições no quadro da ação pública. Neste sentido,
detemos também o nosso olhar na importância dos instrumentos utilizados, dando nota que
não constituem apenas opções técnicas, mas que encerram em si mesmo uma instrumentação
que contêm uma determinada representação da relação entre governante e governado.

A fim de obter uma real compreensão do significado dessas representações foi necessário
conhecer que competências têm as autarquias na Educação. Para o fazermos partimos do
modelo de intervenção municipal na Educação, apresentado por Pinhal (2012). Introduzimos
ainda um conceito de Educação mais alargado que abarca a atuação da autarquia na área da
Educação Não Formal (Fernandes, 1995). Associámos a estas, a intervenção municipal no
domínio das Não Competências, atendendo a que Portugal ratificou em 1990 a Carta Europeia
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da Autonomia Local que exalta o contributo do poder local para o desenvolvimento de ações
que promovam o bem-estar da população. Este domínio encontra também expressão nos
municípios que aderiram à Rede das Cidades Educadoras, como é o caso do município que
estudámos. Ainda do ponto de vista teórico abordámos as tendências comuns na União
Europeia relativamente ao processo de transferência de competências. Foi a partir desta
análise que compreendemos que apesar das instâncias supranacionais inculcarem regras e
normas e, mesmo considerando a existência de políticas de empréstimo entre os países da
União Europeia, existem diferentes configurações nos processos de descentralização dos
sistemas educativos na Europa. Portanto, há dificuldade em estabelecer comparações entre os
sistemas educativos europeus, pelo que se opta pelo uso do conceito tendências comuns.
Sendo que esta análise da tendência comum passa pela identificação dos referenciais que são
utilizados e que compreendem um conjunto de mecanismos de orientação, corporizados em
dispositivos postos em prática na ação pública (Maroy, 2005). Concluímos que a tendência
comum no Espaço da União Europeia dita uma evolução dos modelos de regulação, que se
apresentam como modelos pós-burocráticos, o Estado Avaliador e o Quase Mercado (Maroy
2005, citado em Batista, 2015). Portugal afasta-se dessa tendência europeia, e Nathalie Mons
no Relatório Técnico elaborado pelo CNE (Canelas, 2018) descreve o país designando a
existência de um sistema educativo de descentralização minimalista.

A análise dos resultados permitiu demonstrar que o local se apresenta como um espaço
multirregulado onde se interrelacionam os diferentes níveis de regulação, permitindo a
presença de um certo hibridismo da regulação, pela utilização de dispositivos burocráticos e
pós burocráticos, mas onde sobressai a preponderância do controlo do Estado que conserva
a sua centralidade estratégica, transferindo para o local as tarefas de natureza executória.
Neste sentido, confirmamos a descentralização minimalista defendida por Nathalie Mons. Por
outro lado, registamos que há consenso entre os diretores e a autarquia relativamente à
aceitação que a regulação no local deva ser assumida pela autarquia. A autarquia exerce as
suas competências legais, mas ao mesmo tempo, consegue “ir além das competências”, quer
no apoio que presta aos Agrupamentos de Escolas quer no exercício daquilo a que no quadro
teórico designámos de Não Competências. Portanto, há uma tímida uma regulação por baixo da
ação pública que, nos atrevemos a dizer, consente a designação de um certo hibridismo, isto é,
da presença no local, das regulações de controlo e autónoma, respetivamente.

Pelos resultados obtidos, consideramos que não estamos na presença de território educativo, tal
como Barroso (2013) o definiu, pelo facto de existir falta de coesão entre os atores,
mormente pela ausência de envolvimento da comunidade na construção de um projeto
educativo de base local, vindo de baixo. Em relação às representações podemos afirmar que
os atores locais deste concelho desejam que a autarquia tenha mais competências na área da
Educação porque acreditam que a proximidade do decisor à realidade educativa tornará mais
eficaz e eficiente a ação e que esta será mais ajustada às necessidades educativas do Local.

Verificamos que os eleitos locais consideram que a transferência de competências deve ser
considerada no seguimento da criação de regiões administrativas. A autarquia defende que “a
descentralização de competências será sempre uma mais valia para a subsidiariedade entre os
vários níveis da administração, para um serviço público de qualidade” (Reunião de Câmara
Municipal de 11/03/2019- Deliberação sobre a transferência de competências da

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Administração Central). Não obstante esta resposta inequivocamente favorável, apresentam
um grande, mas.

E for foi esse, mas que levou a autarquia a rejeitar em reunião de Assembleia Municipal, em 22
de março de 2019, as competências no domínio da educação transferidas por via do decreto-
lei setorial Decreto-Lei nº21/2019, de 30 de janeiro. Esta rejeição diz respeito à forma como
está a decorrer o processo da transferência.

Dos resultados obtidos entendemos que esta vacilação é acompanhada pelos diretores dos
AE que reforçam a ideia de que há imprecisões, ambiguidades e desconhecimento do
processo.

Da investigação efetuada apurámos que estas inquietações não são exclusivas deste concelho,
encontramo-las em relatórios e em investigações que se têm debruçado sobre a temática da
descentralização e da transferência de competências, não só de âmbito nacional, mas também
a nível europeu. De entre as perplexidades, destacamos o receio das autarquias não terem
sustentabilidade financeira para acomodar as novas despesas, a ausência de recursos humanos
e organizacionais para a execução das novas tarefas.

Os atores locais consideram que o processo enforma-se de falta de debate, de esclarecimento


e de detalhe do processo por parte do Estado e que este não tem respondido às dúvidas
levantadas por cada município, o que leva os responsáveis autárquicos a antever que se trata
de um processo em que as medidas a tomar serão de âmbito nacional, não parecendo existir
preocupação com as singularidades de cada município, mormente pelas questões levantadas
por cada município de per si. Esta última apreensão traduz o receio de que a descentralização,
ao invés de resolver os problemas educativos do local possa acarretar um agravamento das
assimetrias locais. Lembramos que o relatório da OCDE, que se debruçou sobre os 20 anos
de descentralização educativa na Suécia, faz referência a relatórios do PISA sobre os
resultados académicos dos alunos suecos e que estabelece uma relação entre os resultados
académicos e o processo de descentralização de competências educativas para o Poder Local,
concluindo que este processo exacerba o contexto económico e social em que o aluno vive
favorecendo o reforço das desigualdades.

Concluímos que os entraves dos inquiridos ao processo de transferência provêm,


principalmente, das imprecisões e da falta de esclarecimento por parte do Estado em relação
ao processo. Por conseguinte, ilustra-se o modo como uma medida emblemática no processo
da descentralização pode enfrentar dificuldades na fase de implementação.

Referências

Barroso, J. (2013). A emergência do local e os novos modos de regulação das políticas


educativas. Revista Educação: Temas & Problemas,12 e 13, 13-25.

Batista, S. (2015). Descentralização educativa e autonomia das escolas: para uma análise da
situação de Portugal numa perspetiva comparada. Tese de Doutoramento. Escola de Sociologia e
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Canelas, A., Rodrigues, I.& Gregório, M, (2018, novembro). Participação autárquica na gestão
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Fernandes, A. (1995). Educação e Poder Local. Actas do Seminário Educação, Comunidade e


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Maroy, C. (2005). Vers une régulation post-bureaucratique des systèmes d'enseignement en


Europe ? Les Cahiers de Recherche en Éducation et Formation, 49, pp.2-30.
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Palier, B., & Surel, Y. (2005). Les «trois I» et l'analyse de l'État en Action. Revue Française de
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Pinhal, J. (2012). Os municípios portugueses e a educação – Treze anos de intervenções


(1991-2003). Fundação Gulbenkian / Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

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