Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Vivian Lemos
Revisão: Carolina Leocadio
Capa: Jeni Ramos
Foto de capa: Adobe Stock
Diagramação: Yasmim Mahmud Kader
Plágio é crime.
Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais é
mera coincidência.
Para saber mais sobre a autora, siga nas redes sociais:
Instagram: https://www.instagram.com/lemoslivrosoficial/
Facebook: https://www.facebook.com/lemoslivros/
Grupo no Facebook: https://www.facebook.com/groups/lemoslivros/
Wattpad: https://www.wattpad.com/user/Lemos_Livros
Site: http://lemoslivros.com.br/
Curta a playlist de Jogo à Italiana
Jogo à italiana é um desafio pessoal para mim. Meu primeiro
lançamento na Amazon, Despedaçados, foi um sucesso bem maior do que eu
imaginava e é um livro bastante diferente deste aqui.
Em Jogo à italiana, mergulhei num universo de que gosto muito: as
comédias românticas. É um livro leve, sensual e divertido — e também tem
uma dose extra de pimentinha. Então aqui já cabe um aviso: em alguns
capítulos há linguagem mais explícita, portanto se você se incomoda com
isso fica o alerta. Não é um livro recomendado para menores de dezoito anos.
Mas fui desafiada pela Felipa Bezerra (do Instagram maravilhoso
@lendosonhando) a ir além da minha zona de conforto. Felipa se tornou mais
do que uma parceira literária e uma leitora-beta atenta. Ela se tornou uma
amiga.
E foi ela que puxou minha orelha: “Mulher, esse homem é um jogador de
futebol americano, um pegador, ele não falaria com essa poesia toda não.” E
eu tive que me render à voz do personagem e deixar as cenas calientes
fluírem.
Além disso, Jogo à italiana ganhou vida por causa da Felipa mesmo, a
louca dos secundários, que se apaixonou por Noah lá em Um amor, duas
versões, que publiquei como uma brincadeira no Wattpad. Ela me fez
acreditar que esse personagem tinha potencial para ganhar seu próprio livro.
E por que escrever cenas mais ousadas se tornou uma quebra de
paradigma? Porque ainda temos muitos preconceitos arraigados. Porque
ainda achamos que falar sobre sexo abertamente é vulgar. Porque as mulheres
sempre foram colocadas numa posição de coadjuvantes no que diz respeito ao
erotismo.
Então Jogo à Italiana é um tapa na minha cara acadêmica. Vamos ter
homem com abdômen tanquinho na capa sim. Vamos falar de sensualidade e
de empoderamento. E também há outro ponto importante nesta história: a
protagonista Sophia é gente como a gente. Uma mulher “fora dos padrões” do
que a sociedade dita. Uma mulher gorda. Desejo que com esta história eu
possa ajudar um tiquinho na discussão sobre padrões de beleza feminina.
Espero que vocês possam se divertir com esta história tanto quanto eu
curti escrevê-la. Em tempos tão duros quanto os que vivemos, de isolamento
social e incertezas, penso que merecemos sonhar e ter os corações
quentinhos.
Aproveito o espaço para agradecer ao chef Giovani Vivan, que elaborou
as receitas do cardápio de Soph, que você encontra no final do livro, à
Bárbara Oliveira (do Instagram maravilhoso @leiturasdabah) e à autora
Cindy Emy pela betagem e pelos apontamentos superprecisos, e à Evellyn
Miller, que também se tornou uma amiga e é uma escritora maravilhosa que
me incentiva e inspira demais. Outra mulher fabulosa em quem me espelho é
Karina Heid. O exemplo e a generosidade de vocês contagiam.
Sobre o cannoli, o doce italiano que nos enche de água na boca:
cannoli é, na verdade, plural de cannolo. Mas tanto no Brasil quanto nos
Estados Unidos todos se referem ao doce como cannoli, mesmo quando estão
falando de apenas uma unidade. Decidi manter esse uso coloquial.
E um agradecimento especial a você, que está dando uma oportunidade à
minha história. Espero que Noah e Sophia aqueçam o seu coração. Obrigada!
Dedico esta história a todas as mulheres que escutam que estão
“fora dos padrões”. Tenhamos coragem para estabelecer os
nossos próprios padrões. Somos lindas. Somos poderosas. Nós
podemos!
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Epílogo
Livro de Receitas da Soph
Sobre a autora
Fazer contas, definitivamente, minava o meu bom humor. E ali estava eu,
mordendo um lápis e analisando os números do antigo armazém. Apesar
de ter me formado em gastronomia no Institute of Culinary Education,
continuava acumulando as funções de contadora, compradora e atendente no
negócio da minha família.
O Di Lucca’s era um dos mais tradicionais negócios de Little Italy.[1]
Tinha sido fundado na década de 1940 pelos meus avós, recém-chegados da
Itália. Eu e meus quatro irmãos éramos a segunda geração de norte-
americanos da família. Mas as raízes mediterrâneas ainda gritavam na minha
casa.
Meus irmãos, Angelo, Enrico, Lorenzo e Nicolas, eram mais velhos.
Sim, eu era a única mulher numa família ítalo-americana. Todos tinham as
próprias empresas, e meu pai, Luiggi, machista do jeito que era, queria me
manter no cabresto e não acreditava que eu seria capaz de administrar uma
empresa sozinha. Isso em pleno século XXI — mas, enfim, italianos sendo
italianos.
Eu queria abrir o meu próprio bistrô. Desejava dar o meu toque
pessoal e modernizar pratos tradicionais italianos, mas antes precisava juntar
dinheiro. E eram muitos os zeros que me separavam do meu sonho. Por isso,
eu trabalhava para os meus pais, e às vezes para os meus irmãos e também na
Cantina da Mamma, a tradicional pizzaria da família Vicini.
Naquele dia, eu estava tão concentrada contabilizando entradas e
saídas de dinheiro e mercadorias que ouvi a sineta indicar a entrada de
alguém, porém não dei muita importância. Afinal, os outros funcionários
estavam ali. O cliente pigarreou para chamar minha atenção. Irritada, mas
tentando manter a compostura, levantei os olhos do livro contábil e quase
perdi o equilíbrio. Era ele.
— Oi, Soph, desculpe estragar sua diversão. — Noah deu seu
tradicional sorriso que, segundo as más línguas, era responsável por molhar
calcinhas, o que eu podia confirmar. — O sr. Di Lucca está?
Ele vestia uma camiseta vermelha justa, agarrada o suficiente para
que eu pudesse ver aqueles músculos esculpidos por horas de treinamento
diário. Em letras brancas gritantes, estava escrito Italians do it better
(Italianos fazem melhor). Revirei os olhos.
— Não, meu pai foi ao Chelsea Market. Ele foi ajudar na pizzaria do
Enrico. — Tentei transparecer indiferença.
— Gostou da camiseta? — Ele riu ao ver que eu olhava para aquela
frase ridícula.
— Por que eu deveria gostar? — Cruzei os braços na altura do peito.
— Você não acha que os italianos fazem melhor? — Ele me imitou e
cruzou os braços.
Que braços! Fortes, maravilhosos e tatuados. Não era justo que Noah
estivesse cada vez mais bonito.
— Depende: comida, definitivamente, sim. Igualdade de gêneros?
Não tanto… — Fiz uma careta.
— Você acha que os italianos são machistas? — Ele parecia estar se
divertindo.
Sério, Noah? Sério?
— Eu não acho. É um fato — grunhi.
— Você me acha machista, Soph?
— Não sei. E você não é italiano. Nem eu — bufei, mal-humorada.
— Somos ítalo-americanos. Mesmo que tenhamos nascido aqui,
nossos sobrenomes e o fato de termos crescido em Little Italy nos tornam
bastante italianos em Nova York, você não acha? Mas isso não responde à
minha pergunta: você me acha machista?
— Não sei, Noah. Você nem usa o sobrenome Vicini. E, além disso,
não te conheço mais tão bem assim…
— Como não, Soph? Você me conhece desde que nascemos. — Ele
deu uma risada.
Ah, seu cretino, pare de ser tão irritantemente bonito. Parecia que eu
estava no meio de um incêndio e meu corpo era consumido por labaredas.
Quente. Ficar perto dele sempre me deixava quente.
— Conheci o garoto que não era tão popular na escola, o menino que
descobriu que podia jogar futebol americano e, aos poucos, foi conquistando
o próprio espaço. Eu não conheço o quarterback[2] do New York Giants.
— Credo, Soph. Por que essa animosidade? — Ele franziu o cenho.
— Não é animosidade. Você é uma estrela agora. Você é Lacox. E
essa persona pública, o atleta, eu não conheço.
— Soph… — Noah veio para o lado do balcão onde eu estava. Tive
que inclinar minha cabeça para trás para poder enxergá-lo. Ele era tão alto.
— Eu sou a mesma pessoa que era antes.
— Não é. Nem sei mais do que você gosta, você nem sabe do que eu
gosto… Nós não somos mais crianças. Quase nem conversamos mais.
— Vejamos se você está certa… — Ele coçou o queixo. — Qual é a
minha comida favorita?
— Macarrão à carbonara? — Eu o encarei com dúvida.
Ele riu e assentiu com a cabeça.
— Qual é o meu filme favorito?
Oh, céus.
— Touro Indomável.
— Do que eu mais tenho medo na vida e quase ninguém sabe?
— Tubarão? — Cocei a cabeça com a ponta do lápis.
Ele deu mais uma risada e concordou fazendo um sinal de joinha.
— Bom, ainda bem que é difícil encontrar tubarões em Nova York
— brinquei.
— Ainda sou o mesmo, Soph. O mesmo garoto que gosta de jogar
futebol. Minha imagem pública não tem nada a ver com quem eu sou de
verdade.
— Nem as milhares de mulheres que aparecem com você nos
jornais? — Droga, Sophia, sua boca grande!
— Você está com ciúmes? — Ele me fuzilou com seus olhos azuis e
os semicerrou, como fazia quando queria debochar de alguém. Maldito.
— Eu não. Por que estaria?
— Não sei. Me diga você.
— Eu não tenho ciúmes de você, Noah. Pare de ser convencido. —
Dei um empurrão nele e me afastei.
A proximidade dele me sufocava. Eu precisava controlar meus
nervos.
— Bom, preciso ir. Ainda não visitei a mamma. Avisa ao seu pai que
eu estive aqui?
— O que você quer com ele? — Involuntariamente coloquei a mão
na cintura.
— Negócios, vim tratar de negócios. — Ele revirou os olhos,
parecendo estar contrariado.
— Que negócios?
— Como você é curiosa, Soph. — Ele chegou mais perto de mim.
Tão perto que eu estava sentindo o cheiro dele. Aquele aroma que eu
conhecia, misturado a um perfume caro.
— Depois sou eu quem vai ter que fazer a contabilidade de mais uma
empreitada do meu pai… Porque aparentemente para fazer contas, compras,
atender as pessoas e sorrir como uma idiota eu sirvo. Mas para opinar, não!
— Acredito que você vai opinar bastante, Soph. Mas não neste
primeiro momento. — Ele segurou meu queixo e suavemente inclinou minha
cabeça para que eu olhasse para ele.
Dei um tapa em sua mão e me afastei irritada.
— Viu o que eu disse? Você é tão machista quanto o meu pai e os
meus irmãos!
— Eu não sou machista, pare de falar isso! — Noah diminuiu o
espaço entre nós. Os pés dele praticamente tocando os meus. Como apenas
isso podia quase me tirar do prumo?
— Por que você acha que eu não sou capaz de contribuir com os
negócios? Por que não posso dar minha opinião?
— Porque você é uma mula teimosa, Sophia Di Lucca. É por isso!
Não há negócio nenhum, eu estava apenas te provocando. Seu pai quer que
eu leve uns jogadores lá na pizzaria do Chelsea Market, só isso! — Ele foi
caminhando em direção à porta.
— Ei, Noah Vicini Lacox, volte aqui! Eu ainda não acabei de falar.
— Mas eu acabei.
Quando ele girou nos calcanhares para sair do armazém, quase
esqueci quanto me irritava. A bunda dele era tão bem-feita. Ele era tão
perfeito. Que tortura. Noah era tão bonito que tinha posado para a capa da
revista GQ. E, para me torturar ainda mais, era a estrela de um anúncio da
Calvin Klein cujo outdoor ficava bem no caminho da minha casa. Eu o via
todos os dias de cueca. Mas não podia tocá-lo.
— Nossa, Soph… — Ele era a definição do deboche. — Fiz todo o
caminho até a porta e você não tentou mais me xingar. Está tudo bem com
você?
— Está tudo ótimo. Alguns de nós trabalham de verdade em vez de
correr atrás de uma bola que nem se parece com uma bola — respondi,
sarcástica.
— Ouch! — Ele levou as mãos ao peito como se tivesse levado um
tiro. — Sophia Di Lucca sempre partindo o meu coração.
— Ninguém parte o seu coração, Noah. Pare de fazer cena. — Tentei
fingir que ele não me afetava.
— Como é que é? — Ele voltou para o interior da loja, caminhando
em minha direção.
— Nada, não é nada. Eu preciso trabalhar — bufei.
— Soph, você sempre teve a língua afiada, mas hoje está pior. — Ele
soltou uma risada. — O que está rolando?
— Desculpe. Estou cansada e frustrada. Só isso. — Deixei meus
ombros caírem.
— Por que você está frustrada? — Ele apoiou as mãos no balcão e
chegou ainda mais perto de mim.
— Noah, a loja está cheia, eu preciso ajudar e…
— Não! — Ele me interrompeu num tom calmo, mas imperativo. —
Você não vai fugir do assunto como sempre faz.
— Aqui não é o melhor lugar para uma sessão de análise — zombei.
— Então vamos no Italia comer um cannoli[3] — retrucou ele.
— Ué, você pode comer cannoli? — Eu o fitei com uma expressão
de curiosidade.
— Teoricamente não seria a melhor escolha, já que estamos em pré-
temporada. Mas vou viajar amanhã para o Texas. Teremos jogo lá. Então um
cannoli não vai matar ninguém.
— Tenho que fechar as contas… — Olhei para o bolo de notas na
minha frente com desânimo.
— Eu te ajudo depois. Vamos lá. Preciso mesmo de um espresso.
Eu o encarei com descrença, confesso.
— Não me olhe com essa cara. Sou formado em administração por
Stanford, caso você tenha esquecido. — Ele parecia ofendido.
— Ok. Vamos ao cannoli. — Levei a pilha de notas para o escritório
e avisei aos atendentes que logo estaria de volta.
Eles deram um sorriso cúmplice e não pareciam se importar nem um
pouco, afinal os caras endeusavam Noah. Afe.
Atravessamos a rua e andamos pouco mais de uma quadra até
chegarmos ao Caffè Italia, que pertencia a Vitto, tio de Noah. Chegamos à
fachada do tradicional estabelecimento onde se lia num toldo marrom “O
melhor cannoli do planeta Terra”. Humildade não era o forte da família
Vicini mesmo. Dentro do café, havia um pôster autografado de Noah, todo
paramentado com o uniforme azul do New York Giants.
— Meu garoto! — Vitto abriu um enorme sorriso e saiu de trás do
balcão para dar um abraço apertado em Noah.
— Oi, tio. — Ele bateu nas costas do homem mais velho. — Viemos
comer cannoli.
— Mas que honra! Hoje tenho uma chef para provar os meus
cannolis. — Vitto riu e me deu um beijo na bochecha.
— Você sabe que os seus cannolis são os melhores. E venho aqui
pelo menos uma vez por semana, Vitto! — Dei uma gargalhada.
— Ainda bem, não suportaria uma traição de uma chef como você,
Soph — falou Vitto com sua habitual empolgação.
O tio de Noah era quase uma figura folclórica em Little Italy. Os
cannolis dele eram tão bons que frequentemente ganhavam todas as eleições
em revistas especializadas e nas colunas dos jornais. E ele aproveitou o
marketing e se autointitulou o “rei do cannoli”.
Pegamos nossos irresistíveis doces e nos sentamos em uma das
mesas que ficavam na calçada. Decidimos aproveitar o clima gostoso de
agosto. Logo, o frio estaria de volta a Nova York e seria impossível desfrutar
de qualquer coisa ao ar livre.
— Por que você está frustrada? — disparou Noah antes de dar a
primeira mordida no doce.
— Porque eu sou uma chef sem cozinha — grunhi.
— Como assim? — questionou ele, de boca cheia.
— Eu não tenho o meu restaurante! Ainda trabalho para o meu pai.
Não tenho dinheiro e parece que nunca vai ser o suficiente para abrir nada
nesta cidade tão cara!
— Soph… posso te ajudar.
— Eu não quero o seu dinheiro.
— Mas qual é o problema? É um investimento. Eu seria seu sócio.
— Você não pode ser meu sócio! — retruquei, irritada.
— Por que não? Somos amigos.
Viu? Esse era o problema. Amigos. Ah, Noah, se ao menos você
soubesse…
Ele comia o cannoli com tanta vontade que parecia que nunca tinha
experimentado um na vida. Noah passara a infância na cozinha de Vitto,
roubando as massas que o tio fritava, mas agora estava devorando a iguaria
com tanta sede ao pote que não notou que uma parte do recheio lhe sujava o
queixo. Eu me estiquei e limpei sua boca com o dedo. Ele me olhou com uma
expressão confusa e se afastou.
— Preciso ver a minha mãe… — Noah levantou de supetão.
— Mas você disse que ia me ajudar a fechar a contabilidade e…
— Sim, eu vou. Mais tarde. Preciso ir. — Ele saiu em disparada em
direção à pizzaria da família dele. Que louco.
Noah às vezes era muito difícil de entender…
algum tempo que eu não ficava tão perto de Sophia. Minha rotina de
Fazia
treinos era exaustiva, para dizer o mínimo, desde que eu tinha voltado a
viver em Nova York. Mesmo quando estava na cidade, eu passava mais
tempo em Jersey, treinando no MetLife Stadium, a casa do New York Giants.
E constantemente viajava para os jogos que aconteciam país afora.
Sim, eu a conhecia a vida toda, mas a cada momento em que ficava
ao lado dela Soph parecia diferente. Sempre havia um novo olhar, um novo
arquear de lábios insinuando um sorriso, uma nova forma de me encarar…
Ela era conforto e inquietação. Quando ela se curvou para limpar a minha
boca e vi aqueles seios fartos e generosos pulando do decote, tive
pensamentos nada fraternais. Quando senti os dedos dela roçando a minha
boca eu quis lambê-los… Era a abstinência da pré-temporada. Era isso.
— Oi, meu amor. Já estava me perguntando se você ia viajar amanhã
sem se despedir de mim. — Minha mãe abriu os braços ao me ver entrar na
pizzaria.
— Nunca viajo sem me despedir, mamma! — Peguei-a nos braços e
a girei, enquanto ela ria e gritava para soltá-la.
— Te vi passando com a Soph. Por que ela não veio com você?
— Ah, fomos só comer um cannoli no tio Vitto. Ela estava ocupada
com a contabilidade do Di Lucca’s e não podia demorar.
— Que pena! Ela tem trabalhado tanto aqui! Os novos sabores de
pizza foram ideia dela e estão fazendo muito sucesso. Pena que Luiggi seja
tão cabeça-dura com a própria filha. Soph tem várias ideias maravilhosas,
mas ele não a ouve! Ele é uma mula de tão teimoso! — lamentou minha mãe.
— A teimosia é um traço de família.
— Por que você diz isso? — Ela tirou o avental e sentou-se comigo a
uma das mesas.
— Sophia é tão cabeça-dura quanto o pai. Quer abrir o restaurante e
não tem dinheiro. Posso ajudá-la. E só por oferecer ajuda quase fui agredido!
— Ela tem o orgulho dela, meu filho. Soph é uma moça
extremamente batalhadora. Quer conseguir as coisas por mérito próprio.
— Eu sempre soube disso e é admirável. Mas eu só seria o
investidor. O sócio dela. Todo o trabalho seria de Soph. Aí sabe o que ela me
disse: Você não pode ser meu sócio! Gritou isso na minha cara!
Aparentemente, não sou bom o bastante para o restaurante dela —
resmunguei.
— Ah, figlio mio,[4] como você é tonto! — Ela deu um tapa na
própria testa.
— O quê?
— Ela é apaixonada por você. Sempre foi.
— Deixe de besteira, mamma! Ela me vê como um irmão.
— Ela não te olha como olha para os irmãos dela, Noah… — troçou
ela.
— Mãe… — suspirei enquanto pressionava as têmporas —, você vê
o que queria que fosse realidade. Você e a sra. Di Lucca sempre quiseram que
eu e Soph tivéssemos algo. Se fosse há algumas décadas, teriam arrumado
um casamento planejado!
— Seria tão ruim ser casado com uma mulher como Soph? Bonita,
trabalhadora, inteligente…
— Poupe-me, mamma. Sei que você faz parte do fã-clube da Sophia,
mas nós somos amigos. Ela não sente nada por mim. E eu também não sinto
nada por ela.
Bom, isso não era necessariamente verdade. As curvas de Sophia
sempre exerceram um certo fascínio sobre mim. A maneira como ela era
curvilínea e parecia preencher todos os espaços certos… mas ela sempre me
viu como o melhor amigo. Como o jogador fanfarrão. Soph nunca tinha me
levado a sério, e eu também não podia levá-la para a cama como mais uma.
— Prometi ajudá-la a fechar a contabilidade. Vou lá no Di Lucca’s
antes de ir para casa. Você precisa de algo? Alguma lâmpada para trocar?
Está tudo em dia?
— Ah, Noah… você é o melhor filho de todos, sabia? Está tudo bem.
Desde que você consertou a torneira não tive mais nenhum problema com a
manutenção.
— Eu te dei os contatos do seguro que fiz para a pizzaria, né?
Sempre que eu estiver fora, recorra a eles. O tio Vitto também tem os
telefones, deixei as instruções com ele.
— Não precisa se preocupar, figlio mio. Soph também tem me
ajudado bastante. Ela me auxilia quase todos os dias fechando a pizzaria.
— Fico aliviado por ela estar por perto e você não ficar aqui sozinha
com a nonna.[5] — Dei um beijo no topo da cabeça da minha mãe.
— A nonna agora fica mais em casa, meu bem. E quando ela vem
aqui é só para reclamar que estamos matando as tradições italianas. — Ela
riu.
— Bom, se ela não estivesse rabugenta é que deveríamos nos
preocupar, certo? — Soltei uma risada.
Nos despedimos e fui até o Di Lucca’s. Eu tinha prometido ajudar
Sophia e não era um homem de quebrar minhas promessas, por menores que
fossem. Ter pensamentos eróticos com Soph me deixava desconfortável,
devia confessar. Eu precisava extravasar, mas na pré-temporada decidi focar
cem por cento nos treinos. Estava há dois meses sem sexo e quase subindo
pelas paredes.
Sophia era uma mulher linda. Não era magérrima como muitas das
modelos com as quais eu saía. Ela era, como dizia a minha avó, bem fornida.
Claudia, a mãe de Soph, dizia que a filha foi batizada em homenagem à
Sophia Loren, e eu acreditava que a minha amiga de infância fazia jus à
estrela do cinema. Ela era tão gostosa que eu realmente não poderia pensar
numa associação mais feliz.
Enfim, tentando parar de pensar em todas as curvas perigosas dela,
me concentrei ao passar pela porta do velho armazém, que tinha uma
infinidade de salames e linguiças pendurados no teto. Era uma atração
turística à parte aquela decoração peculiar. Os atendentes me disseram que
ela estava no escritório nos fundos da loja.
— Soph… — chamei, batendo na porta.
— Entre! — gritou ela.
— Vim te ajudar com os números.
— Pensei que você ia viajar para o Texas sem passar por aqui…
Você saiu correndo como se tivesse visto um fantasma.
Não. Eu vi peitos. Deliciosos.
— É que eu precisava falar com a minha mãe e ainda tenho que ir
para casa arrumar as malas.
— É que você fez uma cara… Parecia que tinha levado um choque.
Eu levei. Nas calças.
— Bom, foi só a pressa mesmo. Ainda precisa de ajuda? — Franzi a
testa.
— Preciso. Odeio contas. — Ela soltou o ar com força.
— Vamos lá. — Sentei-me ao lado dela.
Começamos a separar as notas e conferir as compras, entradas e
saídas. Em cerca de quarenta minutos terminamos o serviço. Por mais que o
Di Lucca’s tivesse um contador, Luiggi gostava de acompanhar todos os
pormenores e Soph era tão detalhista quanto o pai.
— Obrigada, Noah. Você é demais. — Ela deu um beijo na minha
bochecha. Quente. Gostoso. Porra, Soph!
— Eu sei. — Soltei uma risada debochada.
— Esqueci que não posso elogiá-lo. O seu ego fica ainda mais
inflado. — Ela revirou os olhos de um jeito zombeteiro.
— Bom, agora que todos os seus números estão em ordem, eu me
vou, signorina.[6] — Levantei da cadeira e fiz uma reverência em deboche.
— Noah…
Eu me virei para ela antes de sair.
— Boa viagem. Se cuide. — Ela sorriu. Que sorriso!
— Me cuidarei.
— É que… futebol americano é tão violento. No último jogo que
você tomou uma pancada e ficou desacordado. Foi horrível.
— Você vê os meus jogos? Achei que só se interessava quando ia ao
estádio, com Nick… — Me apoiei no batente da porta bastante curioso.
— Claro que vejo, Noah! Quem em Little Italy não vê os jogos do
New York Giants, com o grande quarterback Lacox?
Claro. Não era nada especial para ela.
— Não se preocupe. Nós nos cuidamos, mas acidentes acontecem.
Ela se levantou e veio em minha direção.
— São esses acidentes que me preocupam. Eu não gostaria que nada
de ruim acontecesse com você.
— Você se preocupa comigo, Soph?
— Claro que sim. Você é meu amigo.
Amigo.
— Bom, sou bem grandinho e venci o Super Bowl[7] no ano passado.
Seu amigo sabe se cuidar — despejei com uma raiva não calculada.
— Tudo bem, sr. Quarterback Fodão. — Ela riu. — Boa viagem,
Noah. Bom jogo! — Ela veio em minha direção e me deu mais um beijo na
bochecha.
Ah, Soph… que merda. O que você estava fazendo com a minha
cabeça? Era a abstinência. Maldita falta de sexo!
altava uma semana para a tradicional Festa de San Gennaro, em Little
FItaly. A data foi celebrada pela primeira vez em Nova York em 1926 e
era uma homenagem ao padroeiro da cidade de Nápoles. O evento
mobilizava toda a comunidade e, sem dúvida, era o maior da nossa
vizinhança. Praticamente duas semanas de festança regada a muita comida,
do jeito que os italianos gostam.
Inúmeras barracas tomavam as ruas e ofereciam toda sorte de prato
italiano. Uma sobremesa em especial tinha lugar de destaque, e havia
inclusive uma competição que já era bastante tradicional: a batalha dos
cannolis. Já estava até ficando sem graça, pois Vitto ganhava quase todos os
anos, mas ainda era divertido.
A Festa de San Gennaro me trazia tantas boas memórias da infância.
Todas elas relacionadas a Noah, de uma forma ou de outra. Eu nunca dissera
a ele, nem a ninguém, mas o cheiro dos cannolis no óleo quente me lembrava
ele. Podia não parecer romântico, mas era. Todas aquelas vozes e cores me
transportavam para a rua Mulberry de quase vinte anos antes.
Eu estava ansiosa para contar para Noah, mas hoje ele teria jogo,
então nem atenderia o celular. Na verdade, sendo o jogador que era, ele
ficava praticamente incomunicável em semanas de partidas. Noah era aquele
tipo de atleta que em dia de competição não dava espaço para mais nada. E eu
admirava demais aquele foco dele. Com alguma sorte, conseguiria falar com
ele à noite (se o Giants vencesse) e contaria a novidade. Até porque se
perdessem — Deus me livre! — eu seria a primeira a sair correndo do
estádio. Ele ficava insuportável depois de uma derrota.
Ver Noah jogando era sempre complicado. Eu não era a maior fã de
futebol americano, mas ficava muito orgulhosa por tudo o que ele tinha
conquistado em quase dez anos de carreira. Ele era um dos maiores astros da
NFL. Por outro lado, eu não conseguia deixar de enxergar o esporte como
uma ameaça. No ano anterior, Noah tinha tomado uma pancada durante uma
partida e saído desacordado. Ele sofreu uma concussão, mas logo estava de
volta aos campos.
Era o que ele havia escolhido, com todos os riscos e louros que essa
escolha acarretava. Ele tinha muitas coisas a serem louvadas, mas talvez a
mais importante era que continuava a ser a mesma pessoa que eu conhecia
desde o nascimento. Ele nunca virou as costas para o próprio passado. Jamais
agia como uma celebridade. Nunca se comportava como o MVP[19] que era.
Em nossa companhia, era apenas o Noah de sempre. E isso me fazia não
conseguir deixar para trás o que eu sentia por ele. Ele fazia parte das minhas
memórias mais antigas. Do seu jeito, Noah tinha fincado uma bandeira em
meu coração e clamado sua propriedade.
Ao chegarmos ao Metlife Stadium, hordas de fãs trajando azul
caminhavam para a partida que teria como adversário o Dallas Cowboys,
uma das maiores equipes da nossa divisão da NFC.[20] A disputa seria
acirrada com certeza. E as pancadas também, o que me fazia gelar. Quando
passamos pelo portão de acesso, o cheiro de óleo requentado dos
hambúrgueres e cachorros-quentes invadiu as minhas narinas. E não era ruim.
Era familiar e reconfortante, de alguma forma.
— Realmente espero que o Giants jogue como na última vez e Noah
esteja no seu melhor dia. — Nick estendeu um copo de cerveja e um
cachorro-quente para mim. Ao ver minha cara de dúvida, completou. — O
Cowboys está indo muito bem. Vai ser uma partida difícil. E a defesa deles
vem sendo apontada como uma das melhores da temporada. Não vão facilitar
a vida do nosso quarterback.
— E algum dia facilitaram? — Passamos pelas cadeiras até achar o
nosso lugar, que não era muito distante do campo. Teríamos uma visão
razoável do jogo.
— A essa altura Anna já deve estar agarrada com o terço, rezando. —
Ele deu um gole em sua cerveja.
Ri em concordância. Anna só tinha comparecido a um jogo de Noah
em toda a sua vida. E foi justamente no dia em que ele sofreu a concussão.
Como era extremamente supersticiosa, ela entendeu o ocorrido como um
sinal para que nunca mais voltasse. E em todos os jogos do filho repetia o
mesmo ritual: rezava.
A música começou a soar ensurdecedora pelos alto-falantes. A voz
anunciava o time da casa, e eles vinham correndo pelo túnel, como
gladiadores prontos para lutar pela própria vida. Os fogos de artifício
começaram a espocar e a multidão gritava ensandecida pelo Giants. Logo o
vimos, correndo com a camisa oito e o nome Lacox estampado nas costas e
aquela tinta preta embaixo dos olhos que o fazia parecer um guerreiro.
Confesso que eu gostava de vê-lo todo paramentado. Aquilo parecia
potencializar ainda mais sua masculinidade, se é que era possível.
Depois que as duas equipes estavam em campo, a tradicional cena de
todo início de jogo: uma enorme bandeira dos Estados Unidos foi aberta em
campo e os atletas ficaram alinhados, em posição de reverência para o hino
nacional. Ao vê-lo com aquela cara de concentração absoluta, a certeza de
que o pensamento dele estava na vitória. Parecia que o Metlife Stadium
inteiro havia sumido e só restava Noah.
A tensão do início de jogo era palpável — parecia que o ar no estádio
ficava mais pesado. Os torcedores exalavam uma mistura de expectativa e
receio. Eu tinha apenas duas preocupações: que o Giants vencesse, para Noah
não ficar extremamente mal-humorado, e que ele saísse inteiro daquele jogo,
já que a cada partida era mais e mais caçado em campo.
Com os times alinhados frente a frente, o jogo começou. Para mim,
futebol americano era sempre uma confusão de corpos, pancadas e correria.
Num dado momento, parecia que havia uma massa única de jogadores, todos
colidindo uns contra os outros. Alguns movimentos pareciam até mesmo uma
luta greco-romana.
Noah conseguiu se destacar da massa de corpos e estava com a bola
em mãos. Fez um lançamento impecável para Dwayne Stevens, o wide
receiver que estava posicionado muito próximo da endzone[21] dos Cowboys.
Stevens era um dos jogadores mais rápidos da temporada, então não teve
muita dificuldade para marcar o touchdown[22] antes de ser derrubado por um
adversário.
— A noite vai ser nossa, Soph! Noah está com sangue nos olhos! —
gritava Nick.
De repente, a maré começou a virar e o Dallas Cowboys passou a
dominar o jogo. Eles abriram uma vantagem de sete pontos e eu só podia
imaginar a ira que tomava conta de Noah naquele momento. Ele gesticulava,
incentivava os jogadores e distribuía passes impecáveis, mas sempre algo
dava errado na finalização. Droga!
— O que é aquilo se mexendo no campo? — Apontei para uma
figura preta que corria de um lado para o outro.
— É um gato! — Nick não conteve a risada.
— Tadinho, ele parece assustado!
O pequeno felino ziguezagueava sem direção, confuso com todas
aquelas luzes e os gritos da multidão. A partida ficou suspensa enquanto
funcionários do estádio, policiais e seguranças tentavam capturar o bichano
sem sucesso. Quando o animal correu para a endzone, a multidão gritou:
— Touchdown, touchdown!
Noah apareceu no telão com os cabelos encharcados de suor, as
bochechas coradas pelo esforço. Eu conhecia bem aquele semblante que
podia exalar uma calma quase fria, mas a ruga entre as sobrancelhas indicava
que ele estava muito contrariado. Depois de seis minutos, o gato resolveu que
era hora de ir embora e se escafedeu. A torcida aplaudiu.
Quando o jogo foi retomado, o Giants parecia ter reencontrado o
foco. A defesa conseguiu neutralizar quase que inteiramente as tentativas de
ataque, enquanto Noah parecia crescer cada vez mais na partida. Foi uma
sucessão de passes certos e jogadas incríveis. Ele possuía uma velocidade
incomum para os quarterbacks do nível dele. Muitos analistas diziam que
Noah tinha tudo para ser um dos maiores de todos os tempos. E parecia não
ser exagero.
Finalmente a partida terminou e a carga de testosterona estava nas
alturas, com Noah se chocando a outros jogadores em pulos no ar. À
distância, parecia até mesmo algo tribal. Aquela energia masculina tomando
de assalto o ambiente. Ele, o quarterback, o líder da matilha. O macho alfa.
Ai, céus… esses pensamentos vão te guiar para lugares perigosos, Sophia….
— Eu sabia que seria o nosso dia, Soph! — Nick suspirou aliviado.
— Mas acho que o gato preto deu uma forcinha.
Pacientemente, esperamos a multidão evacuar o estádio. Nick, como
sempre fazia, havia mandado uma mensagem para Noah dizendo que o
esperávamos. Ele ainda teria que falar com a imprensa, o que levaria um bom
tempo. Fomos até a área de entrevistas aguardá-lo.
— Lacox, é unanimidade que você foi o melhor jogador em campo
hoje. Mas houve uma hora em que o Giants parecia perdido. Qual foi o
momento da virada? — questionou um jornalista atarracado com uma careca
vermelha e alguns fios brancos revoltos nas laterais da cabeça.
— Bom, na verdade, o melhor jogador em campo foi aquele gato. —
Noah riu. — Vocês viram como ele correu rápido e logo marcou o
touchdown?
A sala explodiu em risadas.
— Mas a verdade é que no início do segundo quarto conseguimos
reagir. Os sacks[23] de Eliah Jones foram sensacionais. Assim como a
precisão de Stevens, que finalizou muito bem os meus passes. O pocket[24]
funcionou muito bem hoje e consegui desenvolver um bom ritmo de jogo.
Estou muito contente com a atuação do time. — Ele tinha um sorriso de
absoluta satisfação estampado no rosto.
Noah estava muito lindo, de terno e perfeitamente alinhado. Mas vê-
lo em um uniforme despertava meus instintos mais primários, confesso.
— Cara, que partida! Parabéns! — Nick o abraçou e eles se
cumprimentaram com seus habituais tapas nas costas.
— Oi, Soph. Curtiu o jogo? — Ele me deu um beijo na bochecha.
— É claro! Você foi incrível! — Não consegui conter o entusiasmo.
— Agora eu preciso achar o gato… — disse Noah num tom de voz
baixo. Parecia que estava falando consigo mesmo.
Ao ver as expressões de dúvida que Nick e eu tínhamos no rosto,
Noah emendou:
— Quero adotar o felino que invadiu o campo hoje.
— Mas por quê? — Nick parecia intrigado.
— Existem centenas de gatos que vivem aqui no estádio. O clube
paga pela alimentação deles, e alguns funcionários cuidam, mas sempre fico
pensando que não deve ser a mesma coisa que ter um lar… — Noah coçou o
queixo. — Além do quê, aquele em especial foi um amuleto da sorte. Eu
quero retribuir.
— Noah, você não pode estar falando sério… É só um gato. —
Tentei trazê-lo de volta à razão.
— Ele é mais que um gato, Soph. Nos trouxe sorte.
Apenas revirei os olhos. Como podia um jogador do nível dele ser tão
supersticioso?
— Lacox… — um funcionário do Giants o chamou —, acharam o
seu bichano!
Ele deu um sorriso de orelha a orelha e foi em direção ao homem.
Quando voltou, tinha uma caixinha de transporte nas mãos. Dentro estava o
felino preto, com cara de assustado. Os olhos amarelos arregalados.
— Pronto, agora podemos ir. — Ele era a satisfação em pessoa.
— Já decidiu qual vai ser o nome dele? — perguntei tentando conter
a vontade de dar uma risada. Ele parecia uma criança de cinco anos feliz com
o novo pet.
— Claro! Vai se chamar Bono. Não há outro nome possível. — Ele
estufou o peito.
E assim eu, Nick, Noah e Bono saímos do Metlife Stadium em
direção a Little Italy. O quarterback e seu amuleto da sorte. Definitivamente,
ele não parava de me surpreender.
Que pergunta! Que nome eu daria ao bichano? Bono obviamente. U2 era a
minha banda favorita. Bono Vox era o cara mais legal do planeta. O meu
gato preto era o melhor de todos. O bichano fez um touchdown, tem noção
disso? Ele entrou em campo, correu em disparada até a endzone adversária e
deitou no chão em estilo majestoso. Um verdadeiro jogador que mal estreou e
já fez um touchdown.
Quando voltamos do jogo, corremos para uma loja de artigos para
animais e compramos os suprimentos necessários para Bono. Ele não deu um
pio, ou melhor, miado, até chegarmos em casa. Arrumei a caminha dele ao
lado da minha. Comprei uma cama do Giants, obviamente. Aprendi que ele
tinha que ter uma caixinha de areia. Ajeitei os potinhos de ração e água. Ah,
esse gato merecia o melhor.
— Vencemos por 32 a 17, Bono! O seu touchdown foi importante
para o resultado! — Gargalhei.
Ele me olhava com uma cara desconfiada. Meio abaixado, foi
examinar cada centímetro quadrado do apartamento. Muitas mudanças para
um só dia, né? De repente, de gato anônimo ele passou a celebridade da NFL.
Bono já havia rendido vários memes e matérias de TV. Eu havia recebido
vários contatos de repórteres interessados em contar a história da adoção dele,
mas só pensava em dormir.
Deixei o felino inspecionando o resto da casa, afinal ele tinha que se
habituar a seu novo lar. Desabei na cama, ainda com a adrenalina em alta,
repassando todos os erros e acertos do jogo, mas cansado demais para manter
os olhos abertos. Quando estava quase dormindo, senti uma presença ao meu
lado na cama. Vi que o bichano preto se aninhou nas minhas pernas. Nada de
caminha do Giants, pelo visto.
— Boa noite, Bono!
Ele pareceu ronronar em resposta. E eu fui caindo naquele estado de
semiconsciência que precede o sono. Fui transportado para quase vinte anos
antes, quando duas das minhas maiores paixões foram despertadas.
Sempre trabalhei muito, mas não me lembro de ter uma rotina tão
agitada quanto a dos dois meses seguintes. Eu mal conseguia ver Noah — o
Giants estava fazendo uma campanha fenomenal e eles avançavam cada vez
mais na divisão rumo à vaga no Super Bowl. Ele estava afundado em jogos e
treinos e eu vinha sendo engolida por todo o trabalho no reality show. Mas
trocávamos mensagens de texto e nos falávamos ao telefone. Eu também
avançava cada vez mais rumo à final do Melhores Chefs de Nova York.
As pessoas me paravam na rua para falar comigo, o que era
totalmente estranho. Pediam fotos e diziam que estavam torcendo por mim.
Recebi tantas solicitações no Instagram que tive que criar outro perfil apenas
dedicado à gastronomia. Estava assustada, na verdade. Eu não queria ser
famosa. Apenas sonhava em abrir o meu restaurante.
Hoje era um dos poucos dias em que não haveria nenhuma atividade
relacionada ao programa, então resolvi ficar quieta em casa. Como Noah
estava viajando, eu trouxe Bono para ficar comigo. E, devo admitir, o
bichano era uma excelente companhia. Ele já estava totalmente habituado à
vida em Little Italy. Para relaxar, abri um vinho e coloquei Dirty Dancing
para rodar. O gato se aninhou ao meu lado na cama.
— Ai, Bono…. — fiz carinho na cabeça dele —, Patrick Swayze era
tão perfeito. Jamais existirá outro homem como ele.
Meu telefone vibrou na mesa de cabeceira. Era o segundo homem
mais perfeito do mundo.
— Oi, Noah, como você está? — Não consegui evitar o sorriso.
— Cansado. Moído. Acabamos de sair de um jogo difícil, mas
ganhamos. O que está fazendo?
— Vendo Dirty Dancing e tomando vinho na companhia de Bono.
— Soph, você não tem outro filme para ver? — Ele riu. — E espero
que Bono não esteja tomando vinho!
— Ah, ele não gosta muito de cabernet sauvignon. Prefere malbec.
— Vi o programa desta semana, a semifinal! Você está arrasando,
Soph. Logo terá o seu próprio troféu Vince Lombardi.
— Bom, não vou ganhar a taça do Super Bowl. É o Garfo de Ouro
neste caso. — Ri.
— Bono está se comportando?
— Sim, bem melhor do que você.
— Como você sabe? Nunca estive na sua cama…
Nos meus sonhos já…
— Não seja tonto! E como você sabe que ele está na cama? — Soltei
uma risada.
— Ele só dorme na cama. Desprezou completamente a caminha do
Giants que comprei para ele. — Ele riu.
— Bom, ele é um gato. Os felinos mandam e os humanos obedecem.
— O que você está vestindo, Soph?
Meu. Deus. Do. Céu. No momento em que ele perguntou isso, com
aquela voz toda arrastada e sensual, a respiração pesada soando em meus
ouvidos, Johnny e Baby estavam na minha tela se pegando no quartinho dele
em Dirty Dancing. Uma das cenas mais quentes da história do cinema, e um
homem gostoso sussurrando em meu ouvido. Eu deveria parar por aqui?
Deveria. Mas eu tinha bebido demais para o meu próprio bem.
— Sua carência está nesse nível? Cadê as loiras peitudas para te
ajudar? — debochei.
— Só estou sendo cuidadoso. Não quero Bono exposto a algo
impróprio para a idade dele. Por isso, ficaria extremamente aliviado se você
me dissesse o que está vestindo para que eu possa dormir tranquilo.
Eu estava com um sorriso estúpido congelado no rosto. Aquilo era
ridículo. O problema é que comecei a imaginar como ele estava vestido. Eu
devia dizer que estava com uma camisola de renda preta, mas por algum
motivo nunca conseguia mentir para ele. Então, por mais brochante que fosse
a verdade, eu falei.
— Estou usando uma camiseta velha da Disney. Desculpe não
corresponder às expectativas. — Tomei um grande gole de vinho.
— Ah, não… Adoro a simplicidade. Além da camiseta, não há nada
que você queira compartilhar? Sua lingerie… — A respiração dele estava
pesada, e eu parecia sentir aquele sopro no meu ouvido.
Será que eu tinha bebido demais? Estava bêbada, com tesão, e a cena
de Baby e Johnny dançando sensualmente estava rolando. Eu nunca mais
ouviria “Cry to Me” do mesmo jeito. Agora para sempre eu ligaria essa
música a tesão e Noah. Talvez, quando nos encontrássemos, ele debochasse
de mim. Mas eu estava excitada demais para me importar.
— Estou com uma calcinha preta.
— Grande ou pequena?
— Pequena. Bem pequena.
— Hum… — Ouvi ele soltar o ar com força.
Oh, céus.
— Sabe… o que você está fazendo comigo é uma crueldade, Noah…
— choraminguei.
— É mesmo? Por quê? — Ele deu uma risada.
— Porque neste exato momento a cena mais quente de Dirty Dancing
está bem aqui na minha frente. Patrick Swayze gostoso, sem camisa. Uma
dança muito quente, sensual. E você sussurrando sacanagem no meu
ouvido…
— Não tem sacanagem nenhuma. Você é uma pervertida. Só quero
garantir a segurança do meu felino. — Eu o ouvi expirar profundamente. —
A sua calcinha pequena, bem pequena, está molhada agora, Soph?
Cretino.
— Está — falei quase sem fôlego. — E eu estou quase subindo pelas
paredes.
— Sabe, Soph… se eu estivesse aí com você, não te deixaria desse
jeito. Você iria dormir bem tranquila e satisfeita. — Ele gargalhou.
— Como você está vestido, Noah?
— Só de cueca.
— De que cor? — Parecia que o meio das minhas pernas estava
sendo consumido por labaredas.
— Vermelha. E está muito difícil manter meu equipamento dentro
dela.
— Noah…
— Soph…
— Acho melhor desligarmos. — Eu precisava jogar um balde de gelo
na minha cabeça. Em outras partes também.
— Talvez seja melhor mesmo…
— É…
— Boa noite, Soph. Obrigado por estar cuidando do Bono.
— Ele é uma boa companhia. Estou gostando de cuidar dele. Durma
bem, Noah.
Santo. Deus. O que tinha acontecido? Mais um pouco e nós teríamos
feito sexo ao telefone! Eu precisava de um banho gelado. Estava confusa
sobre a minha dinâmica com Noah ultimamente. Talvez ele não tivesse
problema nenhum em ser meu pau amigo, mas eu não conseguiria ter aquele
tipo de relacionamento. Não com ele. Agora, só a água gelada podia me
ajudar a sossegar depois de imaginá-lo de cueca vermelha. Maldição!
Ojogo do dia anterior contra o Green Bay Packers tinha sido um pouco
mais difícil do que eu previa. Demos algumas bobeiras e eu chamei o
time à responsabilidade. No fim das contas, deu tudo certo e avançamos mais
um degrau rumo aos playoffs da NFC.[28] Eu estava tomado pela adrenalina
quando deitei. Não conseguia desacelerar para dormir. Então resolvi ligar
para Soph. E foi um erro. Um grande erro.
Depois que desligamos, tive que ir para o banheiro e fazer justiça
com as próprias mãos. Se eu tentasse dormir, duro do jeito que estava, não
conseguiria. Mesmo depois do alívio momentâneo, sonhei com ela. Eu a
comia de todas as formas possíveis, ela gemia o meu nome e me prendia no
meio daquelas coxas maravilhosas. Ela estava me enlouquecendo.
A viagem de volta a Nova York foi tranquila. Mas, além do tesão
reprimido por Soph, eu ainda tinha que lidar com a porra do processo da
tatuagem. David Silverstein, um dos advogados que estavam cuidando do
caso, me convidou para um almoço para alinharmos a estratégia. Faltavam
menos de duas semanas para o julgamento e eu estava fervendo de raiva. Eu
não queria dar um centavo para o puto do Bruno.
Mal deixei as malas, me dirigi para o restaurante indicado pelo meu
advogado. Era um daqueles estabelecimentos cheios de frescura, perto do
escritório dele, na Quinta Avenida. Eu conhecia Dave há algum tempo — ele
era entusiasta do futebol americano e estava cada vez mais se estabelecendo
como o maior nome do direito esportivo do país. Os melhores times da NFL
tinham algum vínculo com a firma dele, a Silverstein & Berney’s.
Quando cheguei, me avisaram que ele e a outra advogada estavam
numa das mesas mais reservadas, atrás de biombos. À prova de paparazzi.
Dave era realmente esperto.
— Que alegria encontrar a minha dupla de advogados favorita! —
Estendi a mão para Dave.
Eu já havia encontrado Liz, a outra advogada que cuidaria do caso,
em reuniões anteriores, mas nunca tinha reparado verdadeiramente nela. Que
mulher bonita! Ela estendeu a mão para me cumprimentar, mas eu a puxei
para um abraço. Dave fez uma cara de poucos amigos. Hum, será que eles
tinham algo?
— Noah, como você sabe, temos uma batalha dura pela frente. Ainda
não existe nenhuma decisão judicial que defina a quem de fato pertencem as
tatuagens dos jogadores que aparecem no Madden e nos demais games de
esportes. Por isso, esse caso é tão importante para você quanto é para nós,
pois vai ajudar a estabelecer precedentes que guiarão a indústria — explicou
David.
— Temos um grande problema porque ilustrações criativas exibidas
em uma mídia tangível são protegidas por direito autoral, de acordo com o
Escritório de Direitos Autorais. E isso inclui as tatuagens — complementou
Liz.
— Meu corpo é uma mídia tangível? — Soltei uma gargalhada. Ah,
eu estava me divertindo com as bochechas coradas dela.
Passamos o resto do almoço discutindo o caso. Eles me davam
orientações sobre o que evitar nas entrevistas, como me comportar e toda
aquela baboseira de sempre. Em um determinado momento, me desliguei de
tudo e só fiquei observando-a. Liz. Uma mulher verdadeiramente inteligente.
Eu ainda estava desesperado pelos sonhos eróticos com Soph na noite
anterior, o que talvez contribuísse para que estivesse com vontade de beijar
aquela mulher diante de mim, que eu mal conhecia.
— Liz, Dave, foi um prazer. Estou muito confiante na estratégia que
vocês vão adotar. Liz, adorei te conhecer melhor. — Abri o meu melhor
sorriso.
Ela corou novamente e não respondeu nada. Dave deu um rosnado
que parecia dizer vaza daqui. Aquilo me indicava que eles tinham algo. Se
não estivessem num relacionamento, seria bom sair com ela. Liz era
extremamente atraente. E, já que a mulher que habitava meus sonhos eróticos
não queria nada além da minha amizade, a fila tinha que andar. Não vou
mentir e dizer que me mantive celibatário nos últimos meses, até porque com
toda a tensão dos jogos eu precisava relaxar. E não havia melhor maneira
para isso do que sexo.
Como já fazia bastante tempo que eu não via minha mãe, saí da
reunião direto para a Cantina da Mamma.
— Noah, meu querido! — Minha mãe veio correndo secando as mãos
no avental. — Você viu que Soph está na final do programa do Nuno
Mancini? E é hoje! Estou tão feliz por ela!
Resolvi ficar na pizzaria naquela noite. Ajudei a minha mãe e Carlo,
o pizzaiolo, a fazer algumas pizzas, enquanto mantínhamos um olho atento à
TV. Soph concorria com outra candidata muito boa, Adrienne Gonzalez. Elas
tinham que fazer uma refeição completa desde a entrada. Adrienne investiu
na gastronomia mexicana. Soph, num mix mediterrâneo.
Fiquei na cozinha o tempo todo preparando pizzas. A casa estava
cheia hoje e, se eu saísse para servir as mesas ou ficar no caixa como às vezes
fazia, iria causar tumulto. E realmente queria prestar atenção à final do reality
show.
— Noah! — gritou Nick da porta da cozinha. — Irmão, não consigo
ficar em casa com os meus pais, eles estão me enlouquecendo.
— Põe uma touca e entra aí. Estamos acompanhando a final também.
Confesso que estou nervoso como se fosse o Super Bowl — constatei,
enquanto colocava tomates em cima da pizza que já ia para o forno.
— O clima no salão da pizzaria lembra mesmo dia de final da NFL.
— Nick sorriu. — Estou muito nervoso pela Soph também.
— Vai dar certo. Ela é a melhor. — Tentei soar confiante.
— Você sabe que nem sempre os melhores vencem. — Nick roía as
unhas com os olhos fixos na pequena TV que tínhamos na cozinha da
pizzaria.
— Não sei. Sou o melhor e sempre venço — debochei.
— Cara, como você é convencido. — Nick deu um soco nas minhas
costas.
— Não. Sou realista. Ganhei quatro Super Bowls, Nick. — Abri os
braços.
— É, eu não acho que se possa contestar isso. Sabe o que é
engraçado? Você falou da Soph agora com a mesma confiança que ela tinha
no dia em que você foi escolhido pelo Philadelphia Eagles. Ela tinha certeza
de que você seria campeão.
— A gente se conhece há muito tempo. Acho que é normal que
saibamos das capacidades uns dos outros.
— Vocês sempre tiveram uma ligação diferente. Eu podia jurar que
vocês iam acabar casados. É estranho que nada além tenha acontecido. Ou
aconteceu? — Ele arqueou as sobrancelhas.
— Nada aconteceu, Nick. Você, certamente, seria o primeiro a saber
— declarei sem olhar para ele.
Nick logo voltou sua atenção à TV e batia palmas, desesperado, a
cada aparição de Soph. Ela estava tão linda, toda paramentada de chef. Por
algum motivo, agora, vendo a cara de determinação dela, eu sabia que ela
venceria. Não havia outra possibilidade para aquele olhar de campeã. E eu
sabia disso. Houve jogos em que eu previa que iria perder só ao detectar
aquele mesmo olhar no adversário.
O momento final do programa havia chegado. Era o tudo ou nada!
Soph e a outra finalista, Adrienne, olhavam para o trio de jurados com
absoluta concentração. Um a um eles iam falando da textura dos pratos, da
apresentação, do sabor — se era cítrico demais ou de menos —, e eu estava
quase gritando para eles acabarem logo com aquele suspense.
Era a hora da verdade. Soph estava mordendo o lábio inferior, com
aquelas ruguinhas na testa que indicavam preocupação. Nuno Mancini foi até
as concorrentes com um envelope nas mãos. Um suor frio escorreu pela
minha nuca. Cacete, eu estava nervoso! O apresentador abriu o envelope e…
— A melhor chef de Nova York é… — ele rasgou o envelope —,
Sophia Di Lucca!
Uma chuva de papel picado começou a cair do teto. Soph levou as
mãos à boca e tinha uma expressão de choque. A câmera invasiva captando
cada milímetro da emoção dela. Ela e Adrienne se abraçaram, e Nuno
entregou um troféu dourado, em formato de garfo, para ela.
— Estou muito feliz. E espero ter honrado as minhas raízes e a Little
Italy — disse Soph entre um soluço e outro.
Aquela expressão dela, de alegria absoluta e incredulidade, me
lembrou do dia do meu draft, que é a seleção de jogadores universitários para
se tornarem profissionais na NFL, quando fui escolhido pelo Philadelphia
Eagles. Eu estava muito feliz, afinal iria jogar na NFL, por um grande time, o
que era o meu sonho. Por outro lado, não moraria mais em Nova York e
jogaria por outra equipe que não o Giants.
Eu tinha ido muito bem durante a etapa de seleção para o draft, que
era conhecida como Scouting Combine.[29] Eu havia passado com
desempenho acima da média em todos os testes, então sabia que tinha
grandes chances de ser escolhido no draft. Mas também entendia que seria
quase impossível jogar no Giants. Eu era um dos jogadores universitários
mais bem cotados e, pela ordem, o Giants estaria entre os últimos a escolher
seus atletas.
O Philadelphia Eagles havia feito uma campanha terrível no ano
anterior, por isso tinha prioridade no draft. Como esperado, eu fui a primeira
escolha, logo na primeira rodada. A torcida do Eagles delirou e o Radio City
Music Hall veio abaixo. Quando chamaram meu nome, a nossa mesa vibrou.
Tio Vitto gritou tanto que pensei que ele ia infartar. Minha mãe estava
chorando e Nick não parava de pular. Por alguns segundos, eu e Soph
ficamos nos olhando naquele misto de felicidade, porque, afinal, caramba eu
iria jogar na NFL! Ao mesmo tempo, deu uma certa tristeza porque ainda
ficaríamos distantes. A Filadélfia nem era tão longe assim de Nova York,
mas isso nos deixaria separados, mais uma vez.
Eu queria ter falado tanta coisa para ela, mas o que eu diria? Espere
por mim? Eu nem sabia como seria a minha vida agora. Estávamos
destinados a sermos amigos. Até porque ela nem queria nada comigo mesmo.
Eu é que sempre tive uma esperança quase infantil de que um dia ela seria a
minha mulher. Que estupidez!
— Ela ganhou, meu Deus, ela ganhou! — Minha mãe entrou gritando
na cozinha, me despertando daquelas memórias.
— Bom, agora vou para casa comemorar com os meus velhos e
esperar Soph. — Nick saiu saltitando.
— Ufa… — desabei na cadeira. — Parecia que era um jogo meu.
Ainda bem que acabou! — Sequei minha testa suada com o antebraço.
— O que você está esperando? — Minha mãe me olhava com sua
típica doçura.
— Mamma, acabei de fazer um monte de pizzas. Só vou descansar
um pouco. Eu estava tenso por Soph, caramba!
— Eu não estou falando das pizzas, figglio mio.
Soph. Ela estava falando de Soph.
— Mamma, não há nada entre mim e Soph. Ela só me vê como amigo
de infância e…
— Vocês são dois cabeças-duras! Como pode você conseguir jogar
aquele jogo tão complicado e não enxergar algo que está bem na sua cara! —
Ela pôs as mãos nos quadris.
— Mamma… a senhora realmente acredita que Soph sente algo por
mim? Além da amizade?
— Eu não acho. Tenho certeza. Só um tonto como você não vê —
bufou ela.
Será que eu realmente era tão idiota? Será que aquele tempo todo
Soph sentiu exatamente o que eu sentia? Bom, eu precisava arriscar. Não era
nenhum chef, mas se tinha uma coisa que eu fazia bem era pizza. Então,
decidi esperá-la da melhor maneira possível: faria uma pizza para ela. Peguei
a forma de coração que usávamos no Dia dos Namorados. Ia fazer uma de
chocolate com morango em formato de coração. Eu sabia que podia ser
brega, mas ela gostava dessas coisas.
A pizzaria encerrou o expediente. Imaginei que ela estava cercada de
repórteres e tudo mais. Limpei toda a cozinha e deixei a pizza pronta, só
precisava assar. Mandei uma mensagem para ela pedindo que quando
chegasse me encontrasse ali. Ela demorou, demorou e demorou, mas esperei
pacientemente.
Fui para a porta da pizzaria e fiquei observando a rua Mulberry vazia.
Vi um carro parando em frente ao prédio dela. Um cara desceu e abriu a porta
do carona. Acho que era o Nuno Mancini. Mesmo a distância, consegui ouvir
os sons das risadas deles e, logo depois, eles se beijaram.
Entrei rapidamente na pizzaria. Não queria que ela me visse. Idiota,
idiota, idiota! Ah, mamma! Dessa vez você se enganou! Fui até a cozinha e,
tomado pela fúria, joguei a merda da pizza fora. Ela estava saindo com um
dos melhores chefs de Nova York e ia comer a bosta da minha pizza em
forma de coração? Ela ia rir da minha cara! E, naquele momento, o que eu
senti foi pior do que qualquer derrota que já havia experimentado dentro de
campo.
O meu maior fracasso era Sophia Di Lucca.
Como era possível que uma pessoa vivesse anos de marasmo e num único
dia acontecessem tantas coisas? Tudo agora parecia um borrão. Os flashes
espocando na minha cara, o abraço apertado de Adrienne. Nos meses de
convivência, formamos um laço de amizade. Em nenhum momento nos
enxergamos como rivais e isso foi maravilhoso.
Decidimos honrar nossas raízes no final do programa. Contudo
escolhi ir um pouquinho além da Itália. Me arrisquei e fiz uma mistura de
comidas mediterrâneas, o que impressionou bastante os jurados. Resolvi fazer
de entrada uma versão das tapas espanholas com massa de pizza e queijo
parmesão e presunto di parma. Como prato principal fiz uma fritata de bisteca
fiorentina e de sobremesa fiz cannolis com recheio de queijadinha. Uma
mistura dos sabores mediterrâneos que deu muito certo!
Eu ainda não tinha conseguido assimilar tudo muito bem. Estava em
choque, parecia um filme. Nuno se ofereceu para me levar em casa. Desde o
início do programa, notei que ele lançava olhares diferentes para mim, mas
nunca permiti nenhum avanço e me fiz de desentendida. Não queria que
ninguém dissesse que ele estava me favorecendo.
— Você realmente é uma chef incrível, Soph. — Nuno beijou minha
mão ainda dentro do carro.
— Obrigada, Nuno. Eu te admiro demais. Sua opinião é importante
para mim. — Sorri, sem graça.
Ele saiu do carro e abriu a porta do carona para mim. Quando
levantei, ele estava mais próximo do que jamais havíamos estado.
— Soph… desde o dia em que te vi pela primeira vez, você me
atraiu. — Ele enrolou uma mecha do meu cabelo no dedo. — E entendi a
distância que você manteve, o que me fez admirá-la ainda mais. Adoro
mulheres de fibra.
É, agora não dava mais para dizer que isso não era uma cantada.
Dei uma gargalhada nervosa, que saiu mais alto do que o planejado. E,
quando menos esperei, Nuno me beijou. Ele tinha um cheiro delicioso e os
lábios dele estavam quentes como brasas. Com uma das mãos, ele me puxou
pela cintura e enganchou a outra no meu cabelo. Acho que nunca fui beijada
daquele jeito. A língua dele demandava espaço, mas, ao mesmo tempo que o
beijo parecia imperativo, era suave.
— Boa noite, bellissima. — Ele me deu mais um beijo.
Fiquei parada, vendo o carro dele ir embora, meio sem ação. Num
mesmo dia, eu havia vencido o maior reality show de culinária do país e tinha
sido beijada por um dos melhores chefs de Nova York. Que turbilhão! E eu já
tinha uma sessão de fotos agendada e várias entrevistas. Meu Deus, só queria
abrir o meu restaurante. Eu tinha muita vontade de perguntar a Noah como
ele conseguia lidar com toda essa coisa de ser celebridade. É claro que a
minha fama seria passageira, mas eu já estava quase surtando.
Quando entrei no meu apartamento, vi que ele tinha mandado uma
mensagem havia umas três horas:
Parabéns, chef. Quando chegar, me encontre na Cantina da Mamma.
Vitórias precisam ser celebradas <3
Droga! A essa altura, ele já devia ter ido para casa e estar dormindo.
Eu ainda não o tinha visto desde que ele retornara a Nova York da última
viagem para competir. Na verdade, não sabia bem como encará-lo depois do
nosso quase sexo telefônico. Eu tinha muitas perguntas. Por que ele tinha
feito aquilo? Ele realmente estava a fim de transar comigo ou estava me
usando como válvula de escape por estar sozinho e carente?
E se ele quisesse mesmo fazer sexo comigo? Como seria? Um pinto
amigo? Ele iria na minha casa, apagaria o meu fogo e no dia seguinte a gente
ia conversar como sempre? Como se nada tivesse acontecido? Sabia que sexo
era melhor com intimidade, mas não conseguiria ter aquele desprendimento.
Não com o cara pelo qual eu era apaixonada por toda a minha vida. Talvez o
melhor fosse ignorar aquela conversa. Fingir que nunca existiu.
Na manhã seguinte, logo que acordei, mandei mensagens para ele.
Nada de resposta. Estranhei, pois Noah não era de dormir muito. Bom, era
melhor ir até o apartamento dele. Hoje ele teria folga, pelo que Nick tinha me
dito. Mesmo não sendo em Little Italy, que estava cada vez menor, diga-se de
passagem, sendo engolida por Chinatown, o prédio dele era bem pertinho.
Uma caminhada de dez minutos até o Soho. Eu só não contava que o trajeto
duraria o triplo de tempo, porque as pessoas me paravam para tirar fotos e
pedir autógrafos. Eu nunca iria me acostumar àquilo.
Quando finalmente consegui chegar até a porta do apartamento dele,
gelei. Toda a nossa conversa quente do outro dia veio à minha memória. O
que eu deveria dizer: Noah, muito obrigada porque agora “Cry to Me” é a
minha música oficial de masturbação pensando em você? Quase fui embora,
mas antes que pudesse pensar muito meus dedos já estavam na campainha.
Quando ele abriu a porta, percebi que, sim, talvez tivesse sido um
erro eu ir até lá. Ele estava com uma calça de moletom preta, com a cintura
bem baixa. Aquele V maravilhoso, que descia em direção à virilha, o
abdômen que parecia esculpido por Michelangelo. Os braços fortes e
tatuados. E eu só ouvia a voz dele perguntando: A sua calcinha pequena, bem
pequena, está molhada agora?
— Oi, Soph! — Ele parecia surpreso.
— Mandei mensagens e liguei, mas você não respondeu. Fiquei
preocupada.
— Ah, é que estou estudando os vídeos de alguns jogos do nosso
próximo adversário.
— Posso entrar ou você está muito ocupado?
— Pode, claro! — Ele saiu do caminho para eu passar.
— É isso que você toma de café da manhã? — Apontei para uma
shakeira em cima do balcão da cozinha.
— Também. — Ele riu. — É um shake proteico. Não é tão ruim
quanto parece.
— Mas também não é tão bom quanto comida de verdade.
— Nunca é. — Ele suspirou. — Bom, mas devo parabéns à campeã!
Foi incrível ontem! — Ele sorria, mas não havia nenhum entusiasmo na voz
dele.
— Ah, obrigada! Você viu o programa?
— Vi enquanto estava trabalhando na pizzaria… — Ele deu de
ombros.
— Ah… vi sua mensagem ontem, mas cheguei tarde demais. Foram
muitas entrevistas e fotos. Um saco, na verdade.
— Não se preocupe. Eu estava bem cansado também, então foi até
melhor ter vindo para casa. Então agora é só sucesso? Abrir o restaurante? —
O tom de voz dele era neutro.
— Bem, na verdade, não é tanto dinheiro quanto pensei que fosse…
São cinquenta mil dólares. Não consigo abrir o restaurante do jeito que quero
com esse dinheiro. Mas, enfim, talvez eu aplique e espere um tempo…
— Eles não diziam qual era o valor do prêmio no início da
competição? — Ele franziu a testa.
— Não. É um cheque-surpresa. Realmente pensei que seria um valor
compatível com a abertura de um restaurante em Nova York.
— Parece que no final das contas esse Nuno Mancini é um picareta,
então?
— Não é bem assim. Nuno é uma parte apenas. Ele trabalha para a
emissora. E é um chef maravilhoso, que me incentivou muito e…
— Ah, sim, claro. Posso imaginar as maravilhas que ele fez por você
— ele me interrompeu, irritado.
— O que você está querendo insinuar? — Cruzei os braços.
— Nada. Tenho certeza de que ele é maravilhoso — bufou ele. —
Bom, Soph, preciso continuar trabalhando. Vou terminar de ver o jogo e fazer
minhas anotações.
— O que está acontecendo? Por que você está sendo tão ríspido
comigo?
— Desculpe se dei essa impressão. Estou muito ocupado, só isso. —
Ele me encarava com indiferença. Eu nunca tinha visto aquela expressão
antes.
— Tudo bem, então. Desculpe se atrapalhei.
— Você não tinha como saber que eu estava ocupado. — Ele se
sentou de frente para a TV, de costas para mim.
— Tem alguma coisa estranha… — Parei em pé ao lado dele. — Por
que você está me tratando assim? Eu fiz algo?
— Não, Soph… — Ele passou a mão pelos cabelos, de forma
impaciente. — Eu realmente preciso trabalhar.
— Tá bom, Noah. Eu estava muito empolgada para dividir a minha
vitória com você, mas agora vejo que foi um erro. Quando tiver uma brecha
na sua agenda de melhor quarterback da NFL, me procure. — Virei as costas
e saí do apartamento sem olhar para trás. Ele não tentou impedir.
Aquele foi um golpe muito duro de assimilar. Em todos os anos em
que nos conhecíamos, Noah nunca havia me tratado daquele jeito. O que
tinha mudado? Seria a nossa conversa ao telefone? Ele achava que eu tinha
ido longe demais? Ele me achava oferecida? Ah, eu não ia cair nessa
armadilha machista da minha própria cabeça. No entanto, algo me dizia que
era outra coisa. Ele estava distante e eu não sabia o motivo. Mas eu iria
descobrir.
Euquevinha evitando Soph nas últimas semanas. Sempre dava a desculpa de
precisava me concentrar nos jogos, o que não era uma mentira. Mas, é
claro que eu teria uma brecha para ela. Porém a vi beijando Nuno Mancini.
Só de pensar na cara daquele idiota meu estômago embrulhava.
A única coisa que desviava os meus pensamentos dela era a merda do
julgamento sobre o caso das minhas tatuagens no Madden. Eu ainda não
conseguia acreditar que Bruno tinha sido tão escroto comigo. Enfim, não
adiantava lamentar. Era hora de partir para o combate.
— Você está tão bonito, meu filho — disse minha mãe enquanto
fazia o nó da gravata. — Pena que é por uma coisa tão chata.
— Ossos do ofício, mamma. — Beijei o topo de sua cabeça. —
Vamos logo terminar com essa dor de cabeça.
Resolvi ir dirigindo até o tribunal. Era uma boa maneira de
espairecer. Se eu parasse para pensar, não era nada assim tão grave. Bruno
era um golpista, que resolveu processar um jogador da NFL e um dos
maiores games de esportes para lucrar mais do que ganharia apenas tendo os
jogadores como clientes. Podia apostar que ele iria se ferrar. Um cara,
sozinho, lutando conta a NFL e a Electronic Arts Sports? Eu estava quase
com pena da imbecilidade dele. E também confiava muito no time de
advogados que estava defendendo o caso.
A minha preocupação não era com a grana. O que me deixava puto
era a traição de Bruno. Ele se tornou um tatuador popular entre outros
jogadores graças a mim. Levei vários clientes até ele. E o cara era um bom
profissional mesmo. Por que ia querer arrancar dinheiro de mim dessa forma?
E o outro ponto era: eu odiava perder. Se alguém me convidasse para um
campeonato de cuspe a distância, pode ter certeza de que eu me tornaria o
mais competitivo possível e capricharia nos perdigotos. Vencer era parte de
mim. Eu não sabia lidar com a derrota.
Encontrei Liz e Dave uma esquina antes do tribunal. Os dois não
paravam de falar, e eu só fazia sinal de concordância com a cabeça. Estava
difícil acompanhá-los.
— Não fale absolutamente nada com a imprensa, está entendendo
Lacox? — Dave deu uma leve sacudida no meu braço.
— Sim, papai — debochei.
— Deixe que cuidemos da imprensa. Agora é crucial que você siga as
nossas orientações — Liz gesticulava como se fosse o técnico antes de uma
partida importante.
— Eu já entendi. Entrar mudo e sair calado. Fiquem frios.
— Seja simpático e amigável, mas evite as perguntas. Não responda
nada sobre o caso — complementou a advogada.
— Posso ser bastante simpático e amigável, Liz. — Fiz cara de
inocente.
— Lacox… — Dave pigarreou. — Temos um caso muito sério nas
mãos. Não é hora para brincadeiras.
Eu sorri em deboche. Dave estava marcando território?
Ao chegarmos na frente do tribunal, o circo estava armado. Flashes
espocavam para todos os lados, um mar de jornalistas vinha em nossa direção
com os microfones em riste:
— Lacox, você se sente traído por ser processado por um amigo de
infância?
— Lacox, esse julgamento pode tirar a sua concentração das partidas
do Giants?
— Lacox, você quer mandar algum recado para os fãs?
Acenei e sorri como se estivesse em um desfile depois do Super
Bowl. Não respondi a nenhuma pergunta, até porque achei todas idiotas. Se o
julgamento estava tirando minha concentração de campo? Eles eram loucos?
Eu vinha fazendo a melhor campanha da minha carreira. Aquilo já era
resposta o suficiente. Se me sentia traído por Bruno? Ah, pode apostar que
sim. Eu queria encher a cara dele de porrada, mas não era dado a violência.
Recado para meus fãs? Continuem torcendo que o Super Bowl é nosso.
Ao entrarmos no tribunal, Bruno, o vigarista, já estava em seu lugar
com os advogados. Encarei-o com tanto ódio que ele baixou a cabeça. Sim,
envergonhe-se da merda que você está fazendo. Era o que eu transmitia pelo
olhar.
— Sr. Lacox, estamos bem confiantes de que sairemos vitoriosos. —
Liz pousou as mãos sobre os meus ombros.
— Liz, por favor, me chame de Noah. — Dei o meu melhor sorriso.
Ela corou e ficou me observando com aqueles grandes olhos
castanhos, sem saber muito bem o que fazer. Ela não era imune a mim.
Excelente.
— Lacox, precisamos que você esteja focado. Encare isto aqui como
o Super Bowl. Concentração total — disse Dave em tom ríspido.
Eu apenas bati continência em resposta.
Liz fez as considerações iniciais sobre direitos autorais e suas
relações com o ambiente digital.
— A indústria de games é relativamente nova nos Estados Unidos,
por isso temos tanta dificuldade em estabelecer certos parâmetros ainda não
previstos em lei — apontou ela de maneira decidida. — Mas o direito de
imagem é um direito de todos os seres humanos e isso abrange todos os
aspectos que compõem a identidade do indivíduo, incluindo aí suas
tatuagens.
Brilhante! Eu não entendia porra nenhuma de direito, mas só pelo
discurso inicial já daria a causa como ganha.
Depois, os advogados da EA Sports também defendiam a tese de que
as tatuagens pertenciam a mim, óbvio, e que, portanto, somente eu poderia ter
qualquer direito sobre elas. As empresas donas desses jogos já pagam uma
fortuna pelo direito de imagem dos atletas e não estão dispostas a ter que
arcar também com direitos autorais dos tatuadores. David auxiliou os
advogados da empresa na construção da argumentação, já que ele era fera em
direito desportivo.
Um blá-blá-blá sem fim. Que coisa chata! Tudo isso por causa de um
canalha que não se satisfazia apenas em fazer uma grana tatuando os maiores
nomes do futebol americano. Imbecil. Eu não conseguia manter as pernas
quietas — não estava acostumado a passar tanto tempo parado, aquilo era
uma tortura. Sobre as alegações dos advogados de Bruno, para ser sincero,
nem prestei atenção. Comecei a repassar mentalmente as jogadas que tinha
estudado essa semana. Para meu alívio, aquele primeiro dia interminável de
julgamento estava acabando.
Parecia que estava ainda mais tumultuado agora, na saída do tribunal.
Tinha tanta gente esperando, inclusive alguns torcedores segurando cartazes
de incentivo. Achei melhor já me enfiar no sedã preto da firma de advocacia
que nos aguardava. Eles me deixariam próximo ao meu carro. Antes,
decidimos parar numa lanchonete. Eu estava azul de fome.
— Digam a verdade: estamos ganhando ou perdendo? — perguntei
antes de dar uma mordida no cheeseburger.
— Veja, sr. Lac… er, Noah, não estamos numa partida de futebol.
Creio que começamos muito bem, mas ainda temos um longo caminho pela
frente — afirmou Liz, em tom sério e profissional.
— Confio plenamente na sua capacidade, Liz. — Sorri.
— Lacox, você deveria estar levando isso mais a sério. Esse
julgamento é muito importante, vai ajudar a definir os parâmetros para toda
uma indústria. E uma vitória ajudaria bastante a sua imagem junto às
empresas envolvidas. Não é hora de ficar de palhaçada! — rosnou Dave.
— Dave, meu caro, não precisa ficar tão irritado. Como estou sendo
um cliente muito bonzinho, seguindo todas as suas orientações e me
comportando como um anjo, esse seu ataque de fúria só pode ter uma razão:
você está com ciúmes da Liz. Mas, sabe, não te culpo. — Engoli mais um
pedaço do sanduíche, olhando com o ar mais inocente para os dois.
— Não seja ridículo. Por que eu estaria com ciúmes? Liz e eu não
temos nada. Somos apenas colegas — cortou David, ríspido.
Liz parecia que ia engasgar com a Coca-Cola Light. Ela ficou
visivelmente perturbada. Hum, ela também era a fim dele. Mas não posso
negar que estava sendo divertido provocar os dois. Eu merecia um
passatempo, afinal.
O julgamento durou uma semana e houve um momento em que
pensei que nunca terminaria. Uma semana de jurisdiquês no meu ouvido,
flashes e câmeras, fofocas, mensagens do time desejando força. Eu só queria
que chegasse ao fim. E acabou. Como eu previa, foi decidido que eu era o
dono das minhas tatuagens e o porco do Bruno não receberia nada por isso.
Rá! Queria mostrar o meu dedo médio para ele, mas me controlei.
— Valeu, irmão! Ganhamos! E você sabe que adoro ganhar, então
estou muito feliz neste momento! — Dei tapinhas nas costas de Dave.
— Agora que não sou mais seu cliente, podemos comemorar, certo,
Liz? Vamos tomar um drinque? — Dei um sorriso de canto de lábio, o que eu
sabia ser o mais eficiente.
— Bem, Noah, o que eu te devia era a sua vitória, e aqui estamos.
Vencemos. Em relação ao drinque, agradeço o convite, mas preciso ir para
casa. Estou cansada. — Ela me deu um abraço.
— Tudo bem, Liz. Se quiser me encontrar em algum outro momento,
tem o meu telefone. E você e Dave são apenas colegas, né? Sei — falei no
ouvido da advogada.
Sorri para os dois e me despedi. Eles que lutassem. Mas, se Liz
tivesse aceitado o meu convite, poderíamos ter nos divertido muito. Eu
realmente precisava de uma distração e ela também.
Enfim, sem companhia para o meu drinque, fui encontrar aquela que
sempre me acalmava.
— Ah, meu querido, que bom que essa chateação acabou. — Minha
mãe veio praticamente correndo em minha direção quando entrei na Cantina
da Mamma. Vários clientes também vieram me cumprimentar. Todo mundo
estava do meu lado nessa história. Bruno tinha se fodido. E eu não sentia
pena. Ele escolheu aquilo.
— Cara, que alívio! — Nick entrou na pizzaria e me deu um abraço.
— Sim, acabou. Finalmente. — Dei um sorriso cansado. — Mas que
cara é essa? Está tudo bem?
— Acabei de sair de um papo meio desagradável com Soph… — Ele
tinha uma expressão preocupada.
— Aconteceu alguma coisa com ela? — Senti meus pelos da nuca se
eriçarem. Mau sinal.
— Ela está arrasada porque com o prêmio do reality show não vai
conseguir abrir o restaurante. São cinquenta mil dólares. Ela precisaria de
bem mais do que isso.
— Você sabe de quanto ela precisa? — perguntei enquanto
arquitetava um plano.
— Estamos fazendo o levantamento…
— Ótimo, Nick. Me diga de quanto ela precisa. Vou dar o dinheiro
— afirmei.
— Ela não vai aceitar. — Nick apoiou o antebraço no balcão do
caixa.
— Eu sei. É por isso que você vai dizer que você está emprestando.
— Não tenho esse dinheiro. Se tivesse, emprestaria. — Ele parecia
chateado.
— Nick, você é criativo. Invente uma desculpa. Diga que conseguiu
um empréstimo no banco com juros baixos porque é um bom cliente, e que
aceitará o pagamento quando o restaurante dela estiver estabelecido. Depois
pensamos nisso. O importante é ela abrir logo esse restaurante. Se Soph fosse
menos cabeça-dura, as coisas seriam mais fáceis.
— Você tem razão, Noah. Se não for com a sua grana, ela não vai
conseguir. — Ele suspirou. — É uma mentira, mas é para ajudá-la. E também
não vai fazer a menor falta para você. — Ele riu e me deu um tapa no braço.
— Ela está muito chateada?
— Está. Foi para casa chorando — lamentou Nick.
— Bom, vou lá conversar com ela.
— Essa relação de vocês é estranha… — Ele sorriu, debochado.
— Não tem nada de estranho. Não posso me preocupar com ela? —
Cruzei os braços.
— Pode, claro. Mas lembre-se: se quiser ter outro tipo de
relacionamento com ela, vai ter que pedir consentimento para o meu pai e os
quatro irmãos dela. Estou incluído nisso. — Ele soltou uma gargalhada.
— Vai se ferrar, Nick! — Mostrei o dedo do meio para ele.
Eu precisava ver Soph. Mesmo que ela estivesse com aquele babaca,
chef renomado das frescuras, eu queria checar se estava tudo bem com ela.
Era o que eu sempre fazia. Era o que iria fazer para sempre. Cuidar dela,
mesmo que ela não soubesse disso.
idiota do ano era meu. Real. Oficial. Me ferrei toda para participar
Otroféu
daquela bosta de reality show e nem conseguirei abrir o meu restaurante.
Que inferno! Eu estava quase aceitando o dinheiro do Noah. Não, era
humilhante demais ter que pedir dinheiro a um homem, ainda mais um que
não era nada além de amigo. Eu sabia que não faria falta para ele, mas minha
dignidade não me permitiria.
E eu também não queria pedir aos meus irmãos. Mas bem que eles
podiam oferecer. Ou o meu pai. Eu sabia que já morava de graça num imóvel
dele e que era ele quem pagava o meu salário, mas eu tinha certeza de que o
meu restaurante daria certo. Eu sabia administrar um negócio e era uma boa
chef. Tanto que ganhei aquele maldito concurso que não me deu nem metade
do dinheiro de que eu precisava. Bosta. Da minha cama, onde estava com a
cabeça afundada no travesseiro, me afogando em autopiedade, ouvi a
campainha.
— Oi, Soph… — Noah estava parado com uma sacola nas mãos. O
cabelo levemente desgrenhado. Ele estava de terno, com a gravata frouxa.
— Oi, Noah. Entre. — Saí do caminho, limpando as lágrimas.
— Nick me contou que você estava chateada. Aí eu trouxe cannoli.
— Ele estendeu a sacola de papel pardo para mim.
— Meu irmão é um fofoqueiro — resmunguei.
— Não. Seu irmão é um cara muito legal que se preocupa com você.
— Ele se jogou no sofá e tirou a gravata.
— Fiquei feliz por tudo ter dado certo no julgamento. Queria ter visto
a cara do Bruno — respondi, enquanto abria a sacola e pegava dois cannoli.
Estendi um para ele e sentei-me ao seu lado.
— Ele estava com uma cara de derrota. Fiquei feliz, não vou negar.
— Noah soltou uma risada. — Mas não vim aqui para falar de mim. O que
houve, Soph?
— Bom, a essa altura o Nick já te contou sobre o prêmio do Melhores
Chefs de Nova York, né? Bom, e também foi isso que tentei contar no dia em
que você praticamente me expulsou do seu apartamento. — Funguei antes de
morder o cannoli.
— Desculpe, Soph. Eu estava mal-humorado. Mas mantenho minha
opinião de que esse Nuno Mancini é um pilantra.
— Não é responsabilidade dele. Ele não é o dono da emissora de TV.
E Nuno não é um pilantra, é um chef renomado e…
— Sei que você gosta dele, e que vocês dois estão envolvidos, mas
ele não me inspira confiança. — Noah abocanhou o final do cannoli.
— Quer outro? — Apontei para o pacote dos doces.
— U-hum — grunhiu ele, de boca cheia.
— Por que você diz que eu e Nuno estamos envolvidos?
— Vi vocês se beijando. Quando você voltou da final do programa.
— Ele pegou o cannoli da minha mão.
— Foi por isso que você ficou irritado comigo no dia seguinte?
— Também. — Ele repuxou um pouco o lábio. Estava com raiva.
— Eu não tenho nada com o Nuno.
— Foi coisa de uma noite só? — Ele me encarava.
— Eu não transei com ele! — retruquei, irritada.
— Não perguntei nada… — Ele deu um sorrisinho, fingindo
inocência.
— Mas insinuou! — bufei. — Olha, nem que quisesse, eu teria ido
para a cama com ele! Ele me acha gorda! — gritei. Sentia o nó se formando
na minha garganta.
— O quê? — As sobrancelhas dele praticamente se uniram.
— Ele me chamou para jantar no restaurante dele. Nuno é um
excelente chef. E eu, bom… gosto de comer… — tentei me justificar.
— Bom, quem não gosta de comer é louco! — Ele apontou para o
pacote me pedindo mais um cannoli.
— Enfim, ele disse que eu deveria comer menos, porque tenho o
rosto muito bonito, mas estou um pouco pesadinha. — Desenhei aspas com
os dedos. — E que, como os chefs vivem em contato com comida, é preciso
ter controle para manter a forma. Me senti tão humilhada…
— Mas que filho da puta! — Ele deu um tapa na própria perna.
— Talvez ele tenha razão… — Olhei para o último cannoli que
estava dentro da sacola, ponderando se deveria mesmo comê-lo…
— Esse babaca não tem razão em nada. Eu te disse, sabia que ele era
um otário.
— Ele falou a verdade, Noah. Sou gorda. Vamos aceitar os fatos. —
Droga, uma lágrima estava se formando no canto dos olhos.
— Soph… você é linda! — Ele segurou a minha mão.
— Claro que você vai dizer isso, Noah! Você é meu amigo.
— Eu te acho bonita, Soph. Sempre achei. Você sabe disso — bufou
Noah.
— Não tenho nada a ver com as mulheres que você costuma levar
para a cama…
— Você não conhece todas as mulheres que levei para a cama… —
Ele me olhava fixamente, os olhos azuis pareciam faiscar.
— Uau, que garanhão! — Ri.
— Nunca disse que não gostava de sexo. Isso não é um segredo. Sou
solteiro e as mulheres com as quais me relaciono também. Qual é o
problema? — Ele deu de ombros.
— Nenhum. — O problema é você não estar na minha cama. —
Quer vinho? Você pode beber? — Fui em direção à cozinha.
— Sophia Di Lucca, acabei de comer três cannolis. O céu é o limite.
Traga o seu vinho.
Peguei um Carménère da pequena adega que mantinha e duas taças e
fui até ele, no sofá.
— Poderia fingir que ia provar o vinho e ficar girando a taça embaixo
do nariz para te impressionar, mas você saberia que é mentira. — Ele riu.
— Ah, o grande Noah Lacox! É assim que você faz para seduzir? —
debochei.
— Não. Apenas sou eu mesmo. Pode parecer difícil de acreditar, mas
com a maioria das mulheres funciona. — Ele estava sério.
— Tenho certeza que sim. — Quase bebi a taça toda.
— Você me acha bonito, Soph? — Noah bebia vagarosamente o
vinho.
— Que pergunta é essa? — Me servi de mais bebida. Estava quente,
não? Talvez eu devesse diminuir a calefação.
— Uma pergunta. Simples. A resposta é sim ou não. Você. Me.
Acha. Bonito? Ou atraente, pelo menos?
— É estranho… Crescemos juntos e você é como…
— Ah, não! — Ele estendeu a mão em minha direção para que eu
parasse de falar. — Não me venha com essa de somos como irmãos, porque
não somos!
— Não. Não somos. — Quase engasguei. — Mais vinho? — Dei um
sorriso sem graça.
— Nossa, nunca tinha visto que essa foto estava aqui! — Ele se
levantou e foi até a estante. — É do dia do nosso primeiro beijo, não é? Na
Festa de San Gennaro? — Ele pegou o porta-retrato.
— É sim. Primeiro e único.
— Poxa, Soph, precisamos mudar isso. — Ele devolveu o retrato ao
seu local e voltou ao sofá. Calmamente, apoiou a taça de vinho na mesa de
canto.
— Não me olhe assim. — O vinho já estava começando a fazer
efeito. Só podia.
— De que jeito?
— Do jeito que está me olhando agora. Pare. — Estava quase
bebendo do gargalo. Eu queria correr e, ao mesmo tempo, queria me afogar
nele.
— Deste jeito? — Ele chegou mais perto de mim. Eu podia sentir a
respiração dele no meu rosto.
— É… — respondi num fio de voz.
— Esse é o meu olhar de tesão, Soph. — Ele pegou a taça de vinho
das minhas mãos e colocou na mesinha, junto da dele.
— Não faça isso, Noah. Por favor.
— Quero te beijar — sussurrou ele.
— Você não precisa sentir pena porque o Nuno me chamou de
gorda… — Eu estava tremendo. Nervosa e excitada.
— Shhh… — Ele colou o dedo nos meus lábios. — Quietinha. — Ele
pegou a minha mão e beijou a palma. Dei um pulo.
— O que você está fazendo? — Eu estava ofegante.
— Soph, o que sinto não é pena, pode ter certeza. Estou sentindo os
efeitos do que você faz comigo neste momento. — O nariz dele estava quase
grudado ao meu.
— Meu Deus, Noah, eu… Ah… — E era isso, eu estava incapacitada
de formar uma frase.
— Vou te fazer mais uma pergunta. — Ele riu. — E dessa vez exijo
uma resposta, Soph.
Eu assenti com a cabeça.
— Você está com tesão agora? — Ele passou o polegar pelo meu
lábio inferior. Eu estremeci.
— O que você acha? — murmurei.
— Quero que você me diga — ordenou ele, frio e calmo, como se
estivesse em campo.
— Estou. Bastante.
— Bom. Muito bom. — Ele passou o braço pelas minhas costas, me
puxando para ele. — Há dezenove anos venho esperando a oportunidade de
beijá-la como você merece. — Ele sorriu diabolicamente. — Pratiquei
bastante. Aprimorei a técnica.
— Imagino… — Engoli em seco.
— Está com medo, Soph? — provocou ele.
— Não. Eu deveria?
— Claro que não. — Ele riu. — Você, Sophia Di Lucca, é a mulher
mais irritantemente linda que conheço. — Ele começou a beijar a lateral do
meu pescoço e meu corpo imediatamente entrou em combustão. — Adoro
cada curva sua. — Ele subiu em direção à orelha e mordiscou o lóbulo.
— Eu… eu… eu… acho que a gente devia parar… — falei sem
forças para resistir.
— Você quer que eu pare? — disse ele no meu ouvido. — Se quiser,
me diga: Noah, quero que você pare. E farei a sua vontade. — Ele me olhava
nos olhos.
— Droga… Não pare. — Pousei minha mão no rosto dele.
Ele pegou meu rosto entre as mãos e se aproximou ainda mais,
lentamente, como se estivesse estudando o terreno. Um jogador.
— Dezenove anos, Soph… — sussurrou ele e depois pôs o lábio no
meu. E a minha cabeça parecia um caleidoscópio desgovernado, não pelo
vinho, mas por ele. Todas as lembranças daquela Festa de San Gennaro,
quando tínhamos onze anos, vieram à minha cabeça. Os lábios dele, que
agora praticamente era outra pessoa, assim como eu.
Eu não conseguia mais me conter. Abri minha boca para que ele me
invadisse, para que atacasse, para que ele não fosse o Noah suave do passado,
mas fosse o Lacox, o gladiador que ele era agora. Os sabores do vinho e do
cannoli se misturavam a outro gosto tão familiar, que, mesmo que eu não
tivesse experimentado antes, já conhecia: era o sabor de Noah.
A mão dele desceu para o meu peito, por cima da camiseta. Ao
mesmo tempo que não parava de me beijar, ele brincava com o meu mamilo,
e eu achei que ia enlouquecer. Passei as pernas ao redor dele, sentando-me
em seu colo. Ele estava muito duro, parecia uma pedra.
— O que você quer que eu faça com você? Esperei tanto por isso…
— Ele arfava.
Oh, céus… eu queria tantas coisas. Queria a língua dele dentro de
mim de todas as formas possíveis. Queria a minha boca passeando por todas
aquelas tatuagens. Queria ser consumida por ele até que não restasse nada
mais de mim. Eu o desejava mais do que desejei qualquer coisa, mas não
conseguiria. Não daquele jeito.
— Isso é… um erro… — Afastei meus lábios dele.
— O quê? — Ele parecia confuso.
— Não posso transar com você. — Levantei do sofá e fiquei em pé,
perto da estante.
— Por que não? — Ele passou as mãos pelos cabelos, desorientado.
— Porque isso vai acabar com tudo o que existe de mais bonito entre
nós. Não posso jogar fora a nossa amizade por causa de sexo, Noah.
— É isso que você pensa? — questionou ele, visivelmente com raiva.
— É. Não posso. Não com você.
— Tudo bem, Soph. Como você quiser. — Ele parecia um raio,
saindo em disparada do apartamento e batendo a porta, enfurecido.
O que Noah sentia era desejo. Sim, talvez ele realmente me achasse
bonita, talvez sentisse tesão, mas eu o amava. Não podia me permitir uma
noite de sexo casual com ele. Se isso acontecesse, eu estaria arruinada. Teria
o meu coração partido para sempre e não conseguiria tê-lo na minha vida
nunca mais. A amizade dele era melhor do que nada.
Não posso. Não com você. Argh, que ódio! Quer dizer que o problema era
eu? Se fosse qualquer outro otário, até o imbecil do Nuno Mancini, ela
poderia? Mas transar comigo era repugnante demais para ela? Vá se ferrar,
Soph! Saí do prédio dela pisando duro. Estava com dor no saco de tanto
tesão.
Ah, maldita!
Cheguei em casa e vesti uma roupa para correr. Bono nem chegou
perto de mim, porque sentiu que o meu mau humor estava numa escala
estratosférica. Coloquei U2 no último volume nos fones de ouvido e saí para
correr. Eu precisava descontar toda a fúria que estava sentindo. Os acordes
iniciais de “I Will Follow” invadiram a minha cabeça: Where you go, I'll go/
Where you stay, I'll stay/ When you move, I'll move/ I will follow.[30] Ah,
Soph, eu estava cansado de seguir você como um cachorro sarnento.
Não fui até a casa dela esperando me dar bem. Eu realmente queria
consolá-la. Aí cheguei lá e ela estava tão frágil, tão humilhada. Eu só queria
que ela pudesse se enxergar da forma como eu a via. Ela era a mulher mais
linda de todas. E daí que ela estava acima do peso? Foda-se. Eu achava que
ela tinha tudo o que é preciso nos lugares certos. Então ela me deu vinho. E
eu sou um atleta disciplinado. Quase nunca bebo. Depois, eu vi aquela foto
nossa, do, como ela disse, nosso primeiro e único beijo até então. E foi
demais para mim. Fora toda a adrenalina do julgamento e o tesão que eu
sentia por ela. Não consegui me segurar.
Mas eu sabia que ela queria também. Ela estava com tesão, era
visível. Mas, quando ela disse que uma transa iria destruir a nossa amizade,
foi um balde de água fria. Porque era óbvio, então, que ela não sentia nada
além de desejo. E, se eu a provasse por completo, seria muito difícil deixá-la
ir. Aquele beijo e aqueles amassos no sofá já tinham sido o suficiente para me
mostrar que eu nunca me saciaria. De todas as mulheres do mundo, tinha que
querer justamente ela?
Voltei para casa exausto, mas pelo menos mais calmo. O Bono gato
estava me esperando na porta e veio se esfregar na minha perna.
— Sabe por que a sua vida é boa, Bono? — Abaixei-me para fazer
carinho na cabeça dele. — Porque você é castrado, então nunca vai sentir dor
no saco por causa de um fora.
Depois do banho, me joguei na cama e liguei minha caixinha de som
bluetooth. Se eu iria continuar ouvindo U2? Com toda a certeza. One. Ficava
só imaginando os caras do time me sacaneando. Na fossa por causa de
mulher, Lacox? Bom, eu ia sofrer escondido mesmo. Tinha uma reputação a
zelar. Certamente, jamais daria uma entrevista dizendo que sofria por causa
de um amor não correspondido ouvindo One.
Nas semanas seguintes, todo o trabalho ajudou a manter minha
sanidade. Tivemos alguns jogos fora de Nova York, e Soph estava bastante
ocupada com o restaurante. Ela tinha encontrado um local para alugar e
estava iniciando as reformas. Nick me disse que ela engoliu a história do
empréstimo dele. Fiquei aliviado por saber que ela estava tocando adiante o
próprio sonho. Era assim que deveria ser.
Voltando de mais uma viagem, me deparei com uma surpresa, ou
algo no mínimo inesperado. Uma mensagem de texto de Liz, a advogada que
havia cuidado do processo das minhas tatuagens:
Noah, se ainda estiver disposto a sair comigo, eu topo :)
Bom, o campeão sempre estava pronto para o jogo! Logo mandei a
minha resposta:
Só me diga quando, que eu vou buscá-la em casa :)
Eu realmente estava precisando de uma novidade. Meu celular
vibrou:
Sexta às 20h?
Respondi:
Fechado, gata. Mal posso esperar!
A semana transcorreu como de costume. Treinei à exaustão, e agora
jogamos em casa. Avançávamos cada vez mais nos playoffs. Os
comentaristas de esporte disseram que essa talvez fosse a melhor campanha
da história do Giants, ainda melhor do que no ano passado, quando fui
contratado pelo time e vencemos o Super Bowl. Eu estava bastante satisfeito
com o nosso desempenho, mas só o tempo diria se aquela era de fato a nossa
melhor temporada. Antes precisávamos conquistar o Super Bowl.
A sexta-feira chegou e era o dia do encontro com Liz. Confesso que
eu estava empolgado. Ela mexia comigo. Havia algo nela que me atraía
demais. Combinei de pegá-la às oito da noite e eu era pontual. Estacionei, fui
até a recepção do prédio e liguei no interfone para avisá-la que já tinha
chegado.
Quando ela apareceu, quase fiquei sem ar. Ela era bonita pra cacete.
Mais do que eu me lembrava.
— Uau! Você está simplesmente maravilhosa. Agora sinto que não
estou à sua altura. — Me abaixei para beijar a bochecha dela.
— Não seja modesto, Noah. Você está muito bonito hoje. — Ela
sorriu.
Ao chegarmos no meu carro, abri a porta para ela. Mamma Vicini me
ensinou a tratar bem uma dama. E não era porque tinha fama de mulherengo
que não respeitava as minhas companhias, pelo contrário.
Chegamos à Cantina da Mamma e Liz tinha uma expressão de
curiosidade.
— É uma pizzaria fechada?
— Exatamente. Mas não é qualquer pizzaria. É a pizzaria em que
cresci. Minha mãe é de origem italiana. Este estabelecimento está na minha
família há gerações — expliquei para ela enquanto abria a porta.
Eu queria ter privacidade. Meu nome estava em todos os jornais, todo
mundo em Nova York sabia quem eu era, então pedi à minha mãe que
cedesse o espaço da pizzaria para o meu encontro de hoje. A princípio, ela
ficou meio contrariada, mas, quando eu disse que pagaria em dobro o valor
do movimento usual de uma sexta-feira, minha avó concordou por ela.
Liz observava atentamente o interior daquele ambiente que era tão
familiar para mim. Ela olhou para o teto, onde havia bandeiras da Itália e dos
Estados Unidos pendendo sobre o balcão. Depois passou a ponta dos dedos
por uma das toalhas em xadrez vermelho que cobriam as mesas. Vi que ela
teve a atenção despertada pelas fotos antigas que decoravam as paredes e se
fixou em uma, especialmente.
— Esse era o meu avô, Lucca Vicini. Foi ele que fundou a pizzaria
— expliquei.
— Você é muito parecido com ele. Era um homem muito bonito.
— Está querendo dizer que sou bonito, Liz?
— Você sabe que é, Noah. — Ela me lançou um olhar de fingida
reprimenda.
— É sempre bom para o ego saber que uma mulher bonita e
inteligente acha isso. — Pisquei para ela.
Eu a puxei pela mão em direção à cozinha. Vi que ela me lançou um
olhar de espanto. Arregacei as mangas da camisa e polvilhei um pouco de
farinha no balcão de inox. Ela me estudava atentamente.
— Você vai fazer pizza para nós?
— É o que parece, não é? — Sorri para ela.
— Você é uma caixinha de surpresas, Noah. Mas por que a pizzaria
está fechada hoje? Deve ser um dia de bastante movimento por aqui, não?
— É, geralmente as sextas são uma loucura. Mas eu pedi para que a
pizzaria ficasse fechada hoje. Disse que ia trazer uma convidada especial.
— Eu não acredito! Agora sua família deve estar com raiva de mim
sem ao menos me conhecer. — Ela riu e levou a mão à boca, como se
estivesse envergonhada.
— Fica fria. Elas foram bem remuneradas pelo fechamento da casa
hoje.
— Noah, quantas mulheres você já trouxe aqui?
— Só uma. Hoje. Estou fazendo pizza para ela agora.
— Você quer realmente que eu acredite que você NUNCA trouxe
uma mulher aqui?
— Aham. E, só para constar, desde que meu avô inaugurou esta
pizzaria ela nunca fechou antes também.
— Por quê?
— Por que o quê?
— Por que você nunca trouxe ninguém aqui?
— Vou ser sincero: não sei bem. Nunca pensei em trazer ninguém
aqui, mas eu queria privacidade depois de todo esse circo do julgamento. Este
ambiente é um lugar seguro para mim. E, de quebra, posso exibir minhas
habilidades de pizzaiolo. Ou seja, uma excelente combinação, não acha?
Liz apenas riu em resposta e fez um meneio com a cabeça em
concordância.
Era verdade que eu nunca tinha levado uma mulher lá. A outra que
tinha acesso àquele lugar era Soph, mas eu não era nada além de um amigo
de infância. Eu a conhecia demais, talvez até mais do que conhecia a mim
mesmo. Mas Liz era uma mulher interessante e talvez pudesse desviar meus
pensamentos de Soph.
— Liz, você poderia cortar o tomate em cubos para o molho? —
Tentei quebrar o gelo.
— Ah, sim, claro. Isso eu posso fazer. Sou uma péssima cozinheira,
mas isso está no meu nível de habilidades gastronômicas. — Ela riu.
— Quer vinho? — ofereci.
— Eu adoraria.
— Você gosta de pizza marguerita?
— Gosto. É uma das minhas favoritas.
— Bom, então marguerita é o que teremos, senhorita.
— Vendo os documentos do processo, observei que o seu sobrenome
é Vicini Lacox e imaginei que Vicini pudesse ser italiano. Mas não sabia que
você era tão italiano. — Ela deu uma risada.
— Minha mãe é de origem italiana. Meus avós maternos nasceram na
Itália. Meu pai era cem por cento americano. Família de Boston. E você, Liz?
De onde é a sua família?
— Bom, você já deve ter notado pelo sotaque. Sou do Alabama. Mas
não há nada de muito interessante sobre isso — desconversou ela.
Continuamos papeando a respeito de amenidades e ela me perguntava
sobre cada etapa do preparo da pizza. Para mim aquilo era tão natural que já
era automático. Eu nem lembrava quando tinha sido a primeira vez que eu
havia feito uma massa de pizza.
Nos dirigimos até o salão principal da pizzaria e arrumamos uma das
mesas. Peguei duas velas no estoque e acendi. Até que tinha ficado bem
ajeitado. Puxei a cadeira para ela sentar e fui buscar a pizza.
— Agora chegou a hora da verdade! Você vai ter que ser sincera e
dizer se está boa!
— Então vamos lá. Me sinto como a jurada do Master Chef agora! —
brincou ela enquanto dava a primeira garfada na pizza. — Meu Deus, está
deliciosa! Acho que é a melhor pizza que eu já comi na vida!
— Espero que você não esteja falando isso apenas para não arrasar o
ego frágil de um atleta competitivo.
— Não mesmo. Você é um excelente pizzaiolo, Noah Vicini Lacox.
— Grazie, Signorina![31] — Levantei a taça para um brinde.
O jantar foi ainda mais agradável do que eu imaginei. Liz era uma
mulher inteligente e divertida e me contou que tinha um gato, o Orlando.
Contei toda a epopeia do resgate de Bono e demos boas risadas. Quando
acabamos de comer, fui até o balcão em que ficava o caixa e conectei meu
celular à caixinha USB. De repente, lembrei da música preferida dos meus
avós: “Dream a Little Dream of Me”, da Ella Fitzgerald. Ok, não era o meu
tipo favorito de música, mas achei apropriado.
— Você me concede a honra desta dança, srta. Rogers? — Me curvei
estendendo a mão para ela.
— Com prazer, sr. Lacox. — Ela pegou a minha mão.
— Essa música combina muito com a pizzaria. Quando eu era
criança, meus avós frequentemente a colocavam para tocar e ficavam
dançando quando já estávamos fechados.
— É uma imagem bem romântica. Você é surpreendente! — Ela
apoiou a cabeça no meu peito.
— Liz, olhe para mim.
Ela me atendeu e olhou para mim. Sua boca estava entreaberta. Era
desejo o que eu lia nos olhos dela. E eu a queria muito também. Comecei a
beijar o pescoço dela. Ela jogou a cabeça para trás, e eu estava ficando
completamente dominado pelo tesão.
— Liz, preciso dizer que não vou conseguir me controlar muito mais.
Se você quiser ir adiante, eu estou mais do que preparado. Mas, se quiser que
fique por aqui, teremos que parar agora. E também preciso ser honesto: eu te
desejo demais, mas tenho uma história complicada com outra pessoa. Não
estou pronto para ter algo sério agora, entende? — declarei com a voz firme.
— Sobre histórias complicadas com outras pessoas? Ô, se entendo…
— Ela riu. — Noah, fique tranquilo. Vim aqui buscando diversão. Vamos nos
divertir essa noite e esquecer nossos problemas? Eu estou pronta para
seguirmos em frente — afirmou ela sem rodeios.
Ah, e aquilo foi a senha para mim. Me posicionei atrás dela e beijei
sua nuca. O cabelo dela estava preso num coque alto, e eu tive vontade de
entrelaçar meus dedos naqueles fios castanhos, mas agora tinha algo mais
interessante a fazer: desabotoar o vestido dela. Havia uma fileira de pequenos
botões. Mulheres e suas complicações. A cada botão que eu desabotoava, eu
depositava um beijo nas costas dela. Ela estava arrepiada e o calor da pele
dela estava me excitando demais.
Eu a virei de frente para mim e ela estava só de calcinha e sutiã. Era
realmente uma mulher linda. Observei cada centímetro do corpo dela, tomado
de desejo, de um instinto primitivo, aquele em que você sabe que só restam
poucos momentos antes de perder o controle. Mas eu era um homem de
estratégia, não tinha pressa.
Ela mordeu o lábio inferior e os olhos estavam vidrados em mim.
Começou a desabotoar a minha camisa e por alguns instantes ficou olhando
para as tatuagens no meu braço e no meu peito. Lentamente, ela passou a
mão pelo meu peitoral e abdômen e olhava atentamente, como se estivesse
gostando do que estava vendo. Obrigado, NFL.
Desabotoei as calças, a coisa ali embaixo já estava complicada. Ela
não se fez de tímida e olhou fixamente para a cueca branca que eu vestia. A
peguei no colo e ela trançou as pernas ao meu redor. Eu a levei até o balcão
onde ficava a antiga caixa registradora. Desabotoei o sutiã dela. Suavemente
brinquei com o polegar em um de seus mamilos, enquanto comecei a sugar o
outro. Liz gemeu alto de prazer.
— Vamos deixar as coisas bem preparadas por aqui antes da ação. —
Afastei as pernas dela e me curvei diante do balcão. Vagarosamente, tirei sua
calcinha. Enfiei a língua naquela fenda deliciosa e úmida. Como ela estava
molhada!
— Deus abençoe a depilação brasileira! — Ri, enquanto enfiava a
língua ainda mais profundamente nela.
Liz deu uma gargalhada em resposta e arqueou as costas no balcão,
se oferecendo ainda mais à minha boca. Eu aprofundei as lambidas, sugando
aquela mulher deliciosa, que estava tão entregue, e o tesão que eu sentia
brigava com a minha consciência. Comecei a pensar em como seria ter Soph,
ali, daquela mesma maneira. Merda!
Tentando apagar as imagens que invadiam a minha mente, aprofundei
minha língua em Liz, sugando-lhe tudo o que ela tinha a oferecer. E ela
respondeu. Quando senti o tremor em suas pernas e ela se apertando contra
mim, sabia que ela estava chegando ao ápice. Quando ela gemeu com a
respiração entrecortada, percebi que o primeiro objetivo tinha sido alcançado:
ela tinha gozado.
— Você é muito, muito linda, Liz — falei levantando a cabeça para
olhá-la. Saí do meio das pernas dela, e ela tinha aquele olhar vidrado, de
satisfação. Beijei-lhe o pescoço e fui descendo pela barriga dela, chupando
cada pedaço de pele. Tirei minha cueca e peguei uma camisinha no bolso.
Coloquei o preservativo numa velocidade impressionante. Ela já estava
encharcada e entregue.
Fiz movimentos circulares no clitóris dela ao mesmo tempo que a
penetrava. Eu dava estocadas profundas, saboreando cada centímetro dela.
Mantive o ritmo lento, porque eu queria que ela gozasse de novo. Ela chegou
ao orgasmo e logo depois me permiti gozar. Ficamos abraçados por algum
tempo. Liz sobre o balcão e eu em frente a ela.
Um barulho chamou a minha atenção. Parecia ter vindo dos fundos
da pizzaria. Falei que iria ver o que era. Vesti minha cueca e a calça e fui até
a cozinha. Não havia sinal de ninguém, mas a porta dos fundos estava aberta.
Fui até lá e nada, o que era muito estranho, pois jurava que ela estava
trancada antes.
Voltei até Liz. Ela estava terminando de se vestir. O sexo com ela
realmente foi maravilhoso. Mas havia algo dentro de mim que destoava da
explosão de prazer que eu tinha sentido. O problema é que na maior parte do
tempo em que eu estava chupando ou fodendo Liz, queria que fosse Soph
naquele balcão. Puta que pariu!
Euconseguia
estava tremendo tanto que achei que ia cair no meio da rua. Mal
manter o controle para abrir a porta do apartamento. Assim que
entrei, me escorei na parede e comecei a chorar. Compulsivamente. Que Noah
comia um monte de mulheres eu sabia. Mas na pizzaria da família dele? Essa
realmente devia ser especial. Agora ele tinha encontrado uma com a qual
teria um relacionamento sério.
Quando passei em frente à Cantina da Mamma e vi tudo apagado,
fiquei preocupada. Liguei para Anna várias vezes e ela não atendeu. Eu iria
até a casa dela, mas decidi verificar se estava tudo bem e usei a minha chave
reserva, que abria a porta dos fundos. Ouvi uns barulhos vindos do salão
principal e decidi ir com cuidado. Será que alguém tinha invadido a pizzaria?
Fiquei paralisada. Primeiro pela visão da bunda de Noah, da qual eu
só tinha lembranças de quando éramos crianças e não se parecia em nada com
o que eu via naquele momento. Ele estava nu em pelo e as pernas de uma
mulher, que estava meio deitada em cima do balcão, o entrelaçavam. Senti
meu estômago queimar. E tentei sair dali o mais rápido possível, fazendo o
mínimo de barulho possível.
Para Noah era isso. Sexo era o mais importante. Por que eu sequer
cogitei que podia ser diferente comigo? Romance era uma invenção do
capitalismo para vender filmes e livros para gente trouxa. Isso não existia!
Fique mesmo esperando por ele, sua idiota! Ah, eu queria ir para a janela e
gritar: “Noah, você é um filho da puta que não consegue manter esse pau
dentro das calças!”. Mas se fizesse aquilo provavelmente acordaria os meus
pais, que moravam quase em frente.
Ódio era pouco para definir o que eu estava sentindo. Quem era
aquela mulher? Pelas pernas, era magra. É claro. Você é linda, Soph, ele
tinha dito. Que piada. Será que Anna já a conhecia? Será que ele ia assumir
logo um relacionamento sério? Ah, meu Deus, eu não suportaria ter que
conviver com aquilo. Fui para o meu quarto e fiz a única coisa possível para
salvar a minha vida. Coloquei Dirty Dancing para rolar.
— Patrick, você é um mentiroso! Eu te odeio! Mas espero que você
esteja descansando em paz — consegui dizer em meio a muitas lágrimas.
Eu amava Noah demais. E estava desesperada sem saber o que fazer
para apagá-lo da minha vida. Ah, como eu queria fazer igual à Clementine de
Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças e deletá-lo das minhas
memórias. Noah era um personagem tão presente na minha vida que todos os
grandes marcos da minha história o envolviam de uma forma ou de outra.
Abri a gaveta da mesa de cabeceira e peguei a caixa onde guardava os restos
do corsage[32] que ele me deu em nosso baile de formatura. Olhando para
aquelas flores secas, eu lembrei de um dos dias mais felizes da minha vida.
[3]
Cannoli é uma sobremesa proveniente da Sicília, que consiste em uma massa doce frita, em formato de
tubo, recheada com um creme de ricota.
[4]
“Meu filho”, em italiano.
[5]
“Vovó”, em italiano.
[6]
“Senhorita”, em italiano.
[7]
Super Bowl é o jogo final do campeonato da NFL, a principal liga de futebol americano dos Estados
Unidos, que decide o campeão da temporada.
[8]
“Papai”, em italiano.
[9]
“Minha querida”, em italiano.
[10]
“Meu amor”, em italiano.
[11]
Throwback thursday (TBT) é uma gíria popular que traduzida significa “Quinta-feira do retorno” ou
“Quinta-feira da nostalgia”. Costuma ser incluída em legendas para fotos antigas que os usuários publicam às quintas-
feiras no Instagram.
[12]
“Linda mulher!”, em italiano.
[13]
A National Football League é a liga esportiva profissional de futebol americano dos Estados Unidos.
[14]
Wide receiver é uma posição ofensiva do futebol americano. É o jogador chave na maioria das
jogadas para pontuações.
[15]
“Caramba”, em italiano.
[16]
Porque eu tive os melhores momentos da minha vida/ Não, eu nunca me senti assim/ Sim, eu juro, é
verdade/ E devo tudo a você.
[17]
“Bom dia, menina”, em italiano.
[18]
“Santo Deus”, em italiano.
[19]
O prêmio de Jogador Mais Valioso da Liga Nacional de Futebol Americano (MVP da NFL) é um prêmio
concedido por várias entidades ao jogador de futebol americano que é considerado o mais valioso da NFL durante a
temporada regular.
[20]
A National Football Conference (NFC) é uma das duas conferências da NFL. A conferência foi criada
em 1970, quando houve a fusão das ligas NFL e AFL (American Football League). A NFC era composta por treze das
dezesseis equipes da NFL existentes na época — as outras três foram colocadas na AFC (American Football
Conference). Desde então, três novas equipes se integraram, por meio de expansão e mudanças nas divisões, sendo que
atualmente a NFC é composta por dezesseis equipes.
[21]
Área de dez jardas no final de cada lado do campo e o objetivo principal de cada time. Para marcar
um touchdown, as equipes têm que chegar nessa área.
[22]
Touchdown é uma pontuação do futebol americano e do futebol canadense. Ele vale seis pontos e é
conseguido com o jogador cruzando a linha de gol sem ser obstruído.
[23]
Jogada que ocorre quando algum jogador consegue passar pela linha ofensiva e derrubar o
quarterback ainda com a bola na mão.
[24]
Formação na qual a linha ofensiva diminui os espaços entre si para proteger melhor o quarterback,
utilizada em situações de passe.
[25]
Um field goal (gol de campo) é uma forma de pontuar no futebol americano, na qual, em vez de se
passar a bola para um quarterback, ela é passada para um placeholder, que a segura junto ao chão de forma que um
kicker possa executar o chute, fazendo-a passar entre os postes do gol (por vezes conhecidos como uprights). O acerto
vale três pontos no placar.
[26]
Uniforme profissional de chefs de cozinha.
[27]
“Querido”, em italiano.
[28]
Jogos em que as equipes de cada divisão de uma das conferências da NFL disputam. A NFC é uma dessas
conferências, e o New York Giants pertence a ela.
[29]
NFL Scouting Combine é uma espécie de laboratório de observação para futuros jogadores da NFL,
que poderão ser escolhidos no próximos Drafts. Trata-se de um dos períodos mais importantes para o recrutamento
universitário da liga profissional de futebol americano, onde as promessas universitárias são avaliadas pelos
departamentos de estatísticas dos 32 times da NFL.
[30]
Onde você for, eu irei/ Onde você ficar, eu ficarei/ Quando você se mover, eu me moverei/ Eu seguirei.
[31]
“Obrigado, senhorita”, em italiano.
[32]
Arranjo floral, que é tradição, especialmente nos bailes de formatura nos Estados Unidos. As mulheres
geralmente o utilizam no pulso.
[33]
Gentrificação (do inglês gentrification) é o fenômeno que afeta uma região ou bairro pela alteração
das dinâmicas da composição do local, tal como novos pontos comerciais ou construção de novos edifícios, valorizando
a região e afetando a população de baixa renda local. Tal valorização é seguida de um aumento de custos de bens e
serviços, dificultando a permanência de antigos moradores de renda insuficiente para sua manutenção no local cuja
realidade foi alterada.
[34]
Doce italiano feito de amêndoas.
[35]
Sigla para se referir a quarterback.
[36]
“Minha linda”, em italiano.
[37]
É o tipo de comida que se pode comer com as mãos sem que seja necessário sentar-se à mesa e usar
pratos e talheres. É servida em porções em miniatura.
[38]
Tão longe… tão perto…
[39]
No futebol americano, tackle significa interceptar o avanço do jogador adversário, derrubando-o no
chão.
[40]
“Que mulher bonita”, em italiano.
[41]
“Meu tesouro”, em italiano.
[42]
“Minha menina”, em italiano.
[43]
“Princesa”, em italiano.
[44]
“Bom dia, princesa”, em italiano.
[45]
“Bom dia, meu amor”, em italiano.
[46]
Bisteca fiorentina, um prato típico italiano.
[47]
“Eu te amo tanto, meu amor”, em italiano.
[48]
“Eu também”, em italiano.
[49]
Tipo de jogada defensiva em que os linebackers e/ou safeties e cornerbacks avançam para tentar
pegar o quarterback adversário.
[50]
Quando o jogador que tem posse da bola a solta antes de a jogada ser interrompida pelos juízes. Se o
time adversário recuperar a bola e correr até a endzone, anota um touchdown. Se receber um tackle antes, a jogada é
paralisada, e o time do jogador começará o próximo ataque naquele local do campo. Se a bola é recuperada pelo mesmo
time que perdeu, o mesmo acontece: o jogador pode avançar e a próxima jogada começará onde ele for derrubado.
[51]
Esse é um dos grandes momentos da defesa. Ocorre quando algum jogador consegue passar pela linha
ofensiva e derrubar o quarterback ainda com a bola na mão.
[52]
“Te amo muitíssimo”, em italiano.
[53]
“Como te amo”, em italiano.
[54]
“Doce príncipe”, em italiano.
[55]
Xingamento em italiano, “porra”.
[56]
Um dos símbolos da Toscana é o cipreste, o pinheiro longo que geralmente é colocado em fila para marcar
o caminho de entrada de uma propriedade.
[57]
“Boa noite”, em italiano.
[58]
Vinho famoso da região da Toscana.
[59]
No céu passam as nuvens/ Que voam ao encontro do mar/ Lembram lenços brancos/ Que saúdam o
nosso amor/ Deus, como te amo/ Não é possível/ Ter entre teus braços/ Tanta felicidade.
[60]
Beijar os teus lábios/ Com perfume de vento/ Nós dois apaixonados/ Como ninguém no mundo/ Deus,
como te amo/ Tenho vontade de chorar/ Em toda a minha vida/ Nunca senti isso/ Algo tão amável/ Algo tão verdadeiro/
Quem pode deter um rio/ Que corre para ao mar
[61]
“Vida doce”, em italiano.
[62]
“Felicidade”, em italiano.
[63]
Tradicional dança italiana.
[64]
“Esposa”, em italiano.
[65]
“Você é o meu mundo”, em italiano.
[66]
“Eu te amo, minha linda”, em italiano.