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Anderson Costa, Lucas Barreto Catalan

O EMERGIR DA MÚSICA POPULAR E SUAS INTERFACES

DOSSIÊ
COM A INDÚSTRIA FONOGRÁFICA

Anderson Costa*
Lucas Barreto Catalan**

O presente artigo tem como objetivo central compreender os processos de interferência da indústria fonográ-
fica sobre a música popular. Diante da expansão da lógica formal capitalista no campo da arte, a relação entre
objetividade e subjetividade será a mola propulsora que utilizaremos para analisar paradoxos no processo de
reprodução da música popular moderna, tais como indústria cultural e a reprodutibilidade técnica. Assim,
partindo da análise do reggae jamaicano, buscamos ampliar o postulado adorniano sobre massificação da
música para uma análise na qual seja possível investigar a experiência de produção artística periférica, como
a da música popular jamaicana. Essa problemática abriu espaço para a discussão acerca da possibilidade de
a indústria fonográfica ter múltiplas formas de atuação, a partir das contingências geradas pela singularidade
do funcionamento desigual das condições econômicas, políticas e culturais de cada região, não perdendo de
vista que as configurações locais são partes integrantes do modo de produção capitalista.
Palavras-chave: Música popular. Reggae jamaicano. Indústria fonográfica. Estética.

INTRODUÇÃO cessos criativos musicais desse gênero, diante


dos interesses econômicos e ideológicos da in-
O exercício de reflexão sobre as mais di- dústria do entretenimento nesse cenário outsi-
versas facetas que compõem a música popular der. Ademais, compreender essa relação impli-
em parte das periferias do mundo moderno nos ca investigar o paradoxo intrínseco à mercanti-
traz, como condição sine qua non, a necessida- lização da música popular, ora adaptando-se a
de de mergulhar nas relações constitutivas tan- indústria e instrumentalizando sua estética, ora
to dos aspectos estéticos de formação da canção mantendo seu modo de resistência, tanto em
quanto de sua interrelação com a expansão da sua forma, quanto em seu conteúdo estético.
sociedade capitalista e sua consequente emer- Buscando alcançar esse objetivo, utilizaremos a

Caderno CRH, Salvador, v. 32, n. 87, p. 517-535, Set./Dez. 2019


gência na indústria do entretenimento. análise biográfica das trajetórias de expoentes
O presente artigo tem por objetivo com- do reggae jamaicano, a exemplo de Bob Marley,
preender como a música popular e a indústria Rita Marley, Jimmy Cliff e Peter Tosh.
fonográfica se relacionam na constituição de gê- Dentre os fatores que influenciaram a
neros musicais periféricos. Nesse sentido, parti- concepção de música que se expressa na con-
remos da análise da produção do reggae jamai- temporaneidade, o fenômeno da indústria cul-
cano como estilo que emerge numa periferia, tural e suas consequências são fundamentais
buscando mapear os desdobramentos dos pro- para se compreender como as imposições da
reprodução capitalista agiram sobre o modo
* Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Filosofia e
de fazer arte, no caso específico, compor mú-
Ciências Humanas. sica popular. Na base desse fenômeno está o
Estrada de São Lázaro 197, Federação. Cep: 40.210730,
Salvador – Bahia – Brasil. andersoncostajc@gmail.com processo da modernidade fomentada pelos ar-
https://orcid.org/0000-0002-9758-238X
roubos estruturais da sociedade de classe ca-
** Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Filosofia
e Ciências Humanas. pitalista, mas também as condições diversas e
Estrada de São Lázaro 197, Federação. Cep: 40.210730, desiguais, que, em parte, decorrem desses ar-
Salvador – Bahia – Brasil. lucatalan@hotmail.com
https://orcid.org/0000-0002-6398-4276 roubos que permeiam os processos criativos.

http://dx.doi.org/10.9771/ccrh.v32i87.32241 517
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Para alcançar o objetivo proposto, num ocorreria a fetichização da obra de arte, gerada
primeiro momento, retomaremos as formula- pela apropriação das expressões artísticas pela
ções críticas da indústria cultural realizadas indústria cultural, transformando o seu valor
por Theodor Adorno (1989, 1996, 2002), bus- de uso em mero valor de troca e criando uma
cando compreender os limites e as contribui- etapa de consciência artística nas massas ca-
ções da indústria do entretenimento para o racterizada pela negação e rejeição do prazer
processo de constituição da música popular. de forma plena.
Dando prosseguimento, nos reportaremos às Entendemos que a relação entre o va-
análises estéticas de Walter Benjamin (1975), lor de uso e o valor de troca aparece de modo
Paul Gilroy (2001), Marco Napolitano (2002) e paradoxal nos postulados do autor, pois como
Renato Ortiz (2008) para estabelecer uma re- Karl Marx (1984) bem definiu em O Capital, os
lativização dos processos de interferência da dois são formas do próprio valor; logo, no caso
indústria fonográfica sobre a música popular. da mercadoria, são indissociáveis. No entanto,
Por último, traçaremos algumas características consideramos correta a percepção de Adorno
de composição do reggae como música popu- (2002) quanto à contínua apropriação da arte
lar que emergiu de uma periferia econômica pelo capital, transferindo-a, assim, para o cir-
– a Jamaica –, apontando nuances e contribui- cuito da mercadoria. Desse modo, sua medida
ções para compreender suas formações estéti- não poderia mais ser simplesmente o deleite
cas num contexto díspar das formulações clás- do público aficionado pela arte como em mo-
sicas acerca da indústria fonográfica. mentos históricos anteriores. Esse fenômeno é
exemplificado por Adorno (1996) em sua aná-
lise a partir da decadência do gosto musical na
CONTRIBUIÇÕES E LIMITES DA sociedade moderna. Nessa acepção, a música,
PROPOSTA ADORNIANA PARA A nesse contexto, é submetida, de forma geral,
ANÁLISE DA INDÚSTRIA CULTURAL à condição de mercadoria. Assim, segundo
Adorno (1989), a música reduz seu caráter ge-
A modernidade, formada pela explosão ral, recaindo sobre possibilidades receptivas
de fenômenos guiados pela nova lógica produ- de um grupo restrito de especialistas:
tiva da indústria capitalista, vê-se impulsiona-
[...] o ideal musical é [...] escrever para todos e para
da pelo salto do crescimento demográfico, que ninguém, ou seja, dever-se-ia escrever música como
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empurra cada vez mais habitantes para os cen- se ela fosse escrita para si mesmo e por si só, mas ao
tros de funcionamento da nova ordem social: mesmo tempo não se contentar com o fato de que
as cidades modernas. Os habitantes afluem a ela seja então, de novo, ouvida apenas por um círcu-
esses espaços sedentos por transformações e lo de especialistas (Adorno, 1989, p. 462).

melhorias sociais, destacando-se, dentre elas,


Nesse sentido, na sociedade moderna, a
as do entretenimento, que passam a apresen-
problemática da criação artística estaria rela-
tar novas formas. Com as cidades modernas
cionada à produção em massa realizada pela
também se erguem condições extremamente
indústria cultural, que imporia a instrumenta-
díspares de acesso às suas riquezas. Além do
lização e a padronização da obra, tirando a au-
mais, o capitalismo moderno também está sus-
tonomia da arte. São empregados milhões de
tentando em uma relação desigual, cujo desen-
dólares nessas indústrias para que se possam
volvimento está atrelado à relação entre cen-
inventar métodos de reprodução capazes de
tros e periferias.
criar e difundir gostos padronizados, de forma
Para Adorno (1989), no que tange à es-
massiva. Decerto que a indústria cultural, ao
tética, o avanço do capitalismo teria impacto
visar à produção em série e à homogeneização,
significativo sobre a arte, pois, através dele,
emprega técnicas de reprodução que sacrifi-

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cam a distinção entre o caráter da própria obra totalidade, entre expressão e síntese, entre o
musical e do sistema social do qual ela emerge. superficial e o profundo, Adorno (1996) acusa
Todavia, se a técnica passa a exercer intenso o capital de substituir esse equilíbrio pela re-
poder sobre a sociedade, tal como ocorre para lação entre a oferta e procura. A audição musi-
Adorno (1996), isso advém do fato de que as cal é substituída por variedades musicais que
circunstâncias que favorecem tal relação são impõem ao ouvinte a obrigação de ouvir, tor-
arquitetadas pelo poder dos que são economi- nando-o passivo. Ao lado disso, o autor aponta
camente mais fortes na sociedade. para o fascínio que a canção enfeitada pela in-
Segundo Adorno (2002), a indústria cul- dústria fonográfica desperta sobre as pessoas e
tural, ao almejar a integração vertical de seus para a banalização do que é melodioso (Ador-
consumidores, não apenas adapta seus produ- no, 1996). Importante é acentuar que, para
tos ao consumo das massas, mas, em larga me- ele, isso atinge toda a música, tanto a ligeira1
dida, determina o próprio consumo trazendo quanto a séria.2 Algumas características da
todos os elementos característicos do mundo execução da música, com vistas à adequação
industrial moderno para ditar o conteúdo e a à indústria cultural, são assinaladas: a valori-
forma das obras de arte (ver Adorno, 2002). zação excessiva da voz (aqui o autor se refe-
Em seu ensaio sobre o fetichismo da música, re ao período em que as vozes mais potentes
o autor vai ainda mais longe, ao observar uma eram consideradas como superiores às vozes
espécie de controle sobre a capacidade de es- modestas) e a fetichização dos próprios instru-
colha (gosto estético) do indivíduo realizada mentos, ambos subordinados às leis do suces-
pela indústria cultural: so e admirados por um valor que lhes é exter-
no. Em suma, para Adorno (2002), a música, a
O comportamento valorativo tornou-se uma ficção
para quem se vê cercado de mercadorias musicais
partir desse momento, passa a ser dominada
padronizadas. Tal indivíduo já não consegue sub- pela lógica de funcionamento do mercado ca-
trair-se ao jugo da opinião pública, nem tampouco pitalista, eliminando os seus últimos resíduos
pode decidir com liberdade quanto ao que lhe é pré-capitalistas.
apresentado, uma vez que tudo o que se lhe oferece Corroborando as formulações de Ador-
é tão semelhante ou idêntico que a predileção, na
no (1996, 2002), Flo Menezes (2011) argumen-
realidade, se prende apenas ao detalhe biográfico,
ou mesmo à situação concreta em que a música é
ta que a produção musical, na sociedade mo-
ouvida (Adorno, 1996, p. 66). derna, tem por característica o fato de que a

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forma das elaborações se encontra deslocada
Nessa mesma perspectiva, o autor ques- das necessidades reais dos sujeitos, fazendo
tiona a capacidade de entretenimento desse com que tais produtos se constituam, de modo
tipo de música meramente protocolar, condizentes com as ne-
Ao invés de entreter, parece que tal música contri- cessidades triviais do consumo de massa. Nes-
buiu ainda mais para o emudecimento dos homens, se sentido, a nova produção cultural atuaria na
para a morte da linguagem como expressão, para a superestrutura social, mediada pelos interes-
incapacidade de comunicação. A música de entrete- 1
Segundo as formulações de Theodor W. Adorno (1996),
nimento preenche os vazios do silêncio que se ins- a música ligeira corresponderia às composições produzi-
talam entre as pessoas deformadas pelo medo, pelo das com o objetivo de entreter os ouvintes. Tal estilo te-
ria entrado em decadência com o avanço dos interesses
cansaço, pela docilidade de escravos sem exigência econômicos sobre as obras, o que implicou a massificação
(Adorno, 1996, p. 67). delas. Para o autor, os vários gêneros da música popular
são considerados músicas ligeiras.

Remontando à origem da música e à luta 2


Para Theodor W. Adorno (1996), a música séria, ou clássi-
pela autonomia que isso implicou durante o ca, corresponde aos estilos em que suas composições estão
relacionadas à elevação de sua forma e de seu conteúdo
desenvolvimento da grande música erudita, criativos. A consubstancialização desse fazer estético ele-
vado confere um sentido concreto a partir da totalidade de
no equilíbrio musical entre prazer parcial e seu desenvolvimento.

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ses de expansão e acúmulo capitalista, tendo sicas, impostos por motivos religiosos ou polí-
como função o entretenimento dos sujeitos so- ticos por parte de grupos e classes dominantes,
ciais e limitando sua capacidade de refletir cri- influenciaram a criação artística e configura-
ticamente. Dessa maneira, a indústria cultural ram correntes diletantes vinculadas a certos
empobreceria o conteúdo estético da música, interesses (Adorno, 1996). Logo, se é fato que
interferindo na forma e no conteúdo das com- tal tendência de atuar sobre a criação musical
posições para que elas ficassem submetidas adquire uma padronização, também devemos
à lógica do mercado, do consumo e do gosto. considerar que a pré-fabricação de sucessos, a
Sendo assim, o autor acentua um argumento já partir de determinações de ordem administra-
desenvolvido por Adorno (2011, p. 9) de que: tiva, não elimina as possibilidades de criação
na contracorrente da indústria cultural. O que
[...] o ambiente em que a técnica adquire tanto po-
der sobre a sociedade encarna o próprio poder dos
o autor só admite, de modo limitado, para a
economicamente mais fortes sobre a mesma socie- música nova, substancializada na negatividade
dade. A racionalidade técnica hoje é a racionalidade das composições dodecafônicas. Para Adorno
da própria dominação, é o caráter repressivo da so- (1996), mais grave ainda seria a contribuição
ciedade que se autoaliena. da música popular, que se originou da música
de entretenimento, na ampliação da incomuni-
Ademais, o próprio gosto é posto em dú-
cabilidade entre os indivíduos,
vida por Adorno (2011), pois não existiria es-
paço para escolha: a individualidade e a liber- [...] ao invés de entreter, parece que a música [popu-
dade do gosto seriam substituídas por padrões lar] contribui ainda mais para o emudecimento dos
musicais oferecidos a todos indistintamente, homens, através da morte da linguagem como expres-
são, para a incapacidade de comunicação. A música
amoldando modas musicais:
de entretenimento preenche os vazios do silêncio que
Se perguntarmos a alguém se ‘gosta’ de uma música se instalam entre as pessoas deformadas pelo medo,
de sucesso lançada no mercado, não conseguiría- pelo cansaço, pela docilidade de escravos sem exigên-
mos furtar-nos à suspeita de que o gostar e o não cias. [...] Se ninguém mais é capaz de falar realmente,
gostar já não correspondem ao estado real. Em vez ninguém mais é capaz de ouvir (Adorno, 1996, p. 67).
do valor da própria coisa, o critério de julgamento é
Seguindo esta perspectiva de a música
o fato de a canção ser conhecida de todos; gostar de
um disco de sucesso é quase exatamente reconhecê- contemporânea contribuir para a alienação, o
-lo (Adorno, 2011, p. 66). autor sentencia a música ligeira à superficiali-
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dade, ao conquistar o indivíduo por elementos


Assim, Adorno (2002) atenta para a eficá- atrativos e mágicos, desobrigando-o da reflexão
cia mercadológica da música e das imposições sobre o todo da própria música (Adorno, 1996).
que são construídas a partir da indústria cultu- Seríamos, assim, prisioneiros dos momentos
ral. De certo modo, o autor constata a corrente parciais, coisificados, conformados à produ-
de massas que impõe determinados padrões de ção do sucesso. A junção da música ligeira e
consumo musical, mas, ao contestá-lo, ele bus- da música séria, que alcançou sua expressão na
ca uma autenticidade da arte no passado “pro- Flauta Mágica de Mozart, já não seria mais pos-
curada e cultivada em virtude do seu próprio sível em nossa época. O autor conjura o prazer
valor intrínseco, [que] já não tem valor para a imediato da arte nos nossos tempos, na medida
apreciação musical de hoje” (Adorno, 2011, p. em que ele estaria restrito à dimensão sensível
66). Como pesquisadores, parece-nos inade- e corporal, não mais remetendo ao espírito.
quado tomar a busca da arte por autenticidade Por isso, ele aponta para a necessidade de uma
e autonomia como um valor absoluto, o autor nova consciência musical.
alemão em sua crítica à música comercial, pois, Novamente temos um diagnóstico que
em todas as épocas, os valores externos às mú- aponta para a superficialidade do deleite cul-

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tivado pela música na indústria cultural. Con- tes, de forma a facilitar sua aceitação. Adorno
tudo esse diagnóstico representa uma oposição (1996), em seu olhar sobre a música popular,
anacrônica, que exige um comportamento as- tem como seu principal recorte empírico de
cético, crítico e contrário ao prazer sensível e análise a ascensão do jazz, que, para ele, se-
corporal como caminho para a recuperação da guia as mesmas condições de estandardização
totalidade expressiva da arte. O intelecto é pos- dos demais estilos da música ligeira moderna.
to no lugar dos sentidos, o que poderia ocorrer Um dos aspectos estéticos analisados pela for-
se, de fato, seguíssemos essa indicação – a de mulação do autor sobre o jazz foi sua forma e
tornar o ato da escuta um puro exercício da ra- seu conteúdo experimentais, alimentados pelo
cionalidade científica. Por outro lado, se nos ímpeto de improvisação sonora. Para Adorno
colocarmos em uma perspectiva sociológica (1996), os processos de improvisação estavam
mais flexível, talvez nos pareça mais adequado também alinhados à lógica formal de uma es-
compreender o insulamento, ou não, da sensi- tética padronizada.
bilidade para a apreensão do todo, a partir do
[...] as chamadas improvisações nada mais são que
modo como os sujeitos vivem as condições nas paráfrases de fórmulas básicas, sob as quais o esque-
quais estão inseridos. ma, embora encoberto, aparece a todo instante. Até
Adorno (1996), por sua vez, ao tratar da mesmo as improvisações são em certo grau norma-
música popular, a considera somente a partir tizadas, e sempre voltam a se repetir. [...] Diante das
do desenvolvimento técnico e industrial da so- enormes possibilidades de invenção e tratamento do
material musical – até mesmo, quando absolutamen-
ciedade capitalista, circunscrevendo a esse es-
te necessário, na esfera do entretenimento –, o jazz
tilo musical a análise do isolamento dos ouvin- apresenta-se em um estado de completa indigência.
tes e apreciadores da música “séria”. Tal estilo O que ele utiliza das técnicas musicais disponíveis é
seria produto da própria expansão do campo inteiramente arbitrário (Adorno, 2001, p. 119).
produtor, divulgador e apreciador, além de in-
dicar que ela seria parte do processo de “de- A perspectiva de avançar no exame dos
cadência do gosto” musical dos ouvintes que, elementos da sonoridade do autor a partir da
a priori, têm maior identificação com um tipo música popular que emerge das periferias,
de música sobre a qual não necessitam reali- mais especificamente do reggae jamaicano,
zar um processo reflexivo para o seu entrete- em sua expressividade moderna, surge como
nimento. Para Adorno (2002), a criatividade se possibilidade de lançarmos um novo olhar so-

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torna uma dimensão dissolvida diante dos me- bre essas obras. Trata-se de buscar esclarecer
canismos de estandardização empregados na o potencial estético dessas produções e sua
produção musical pela indústria fonográfica. enorme capacidade criativa e de rompimento
A criatividade só se torna possível na medida com a perspectiva de razão instrumental que
em que o artista produza uma estética negativa domina a estética artística, sendo capazes de
que promova uma ruptura com o padrão esté- propiciar novas alternativas que podem levar à
tico adotado pela indústria do entretenimento. ruptura com a ideologia e surgindo como uma
Dessa forma, Adorno (1982) sugere uma sub- nova possibilidade para restabelecer o caráter
versão dos princípios dialéticos hegelianos e emancipatório da música moderna. Enfim, se
indica como único caminho a ruptura. o autor nos dá pistas e hipóteses para apreen-
A música popular, especificamente, der o significado da música no nosso tempo,
para o autor, estaria aprisionada nesse con- elas não podem ser tomadas como explicações
texto de manipulação, uma vez que, seguindo definitivas, e sim como pontos de partida para
o fluxo da massificação industrial, constitui uma crítica e uma investigação.
uma estética que expõe a seus ouvintes estru- Nesse sentido, propomo-nos a entender
turas subjetivas estereotipadas, pré-existen- a música popular emergente das periferias a

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partir de um olhar crítico a respeito das contri- Nesse sentido, em sua análise da era da
buições adornianas. Buscamos seguir o mesmo reprodutibilidade técnica moderna, Benjamin
caminho proposto por Napolitano (2002), que (1975) nos aponta outros elementos que de-
sugere uma leitura de Adorno sob uma pers- vem ser levados em consideração sobre a re-
pectiva que não tenha a pretensão de “rever” lação entre obra de arte e a indústria cultural.
seus conceitos, ou avaliar sua eficácia teóri- O autor reduz o pessimismo adorniano ao des-
ca e analítica, mas utilizar suas formulações tacar que, nesse processo dialético, a indústria
como mobilizadores de problematizações para cultural desponta também como possibilidade
os processos sociais e políticos que circuns- de as massas acessarem as produções artísti-
crevem as produções estéticas das canções cas antes restritas à “alta cultura”.3 Vivemos
populares periféricas. Esse olhar crítico sobre a era da reprodutibilidade técnica da arte, e
as formulações adornianas não significa a eli- sua transformação em mercadoria é viabiliza-
minação dos postulados do autor acerca da da pela revolução tecnológico-industrial, que
música moderna, mas a aplicação de um olhar promoveu a reprodução em série da obra de
mais amplo sobre a estética da música popular, arte (Benjamin, 1975).
principalmente aquela que se substancializa Para Benjamim (1975), esse potencial
fora dos centros econômicos. Tal olhar pode ir caráter de expansão que a indústria cultural
além dos pressupostos racionais iluministas e propicia não pode ser avaliado de forma fata-
promover uma relativização dos pressupostos lista, de modo que as características negativas
unilaterais de determinação da indústria fono- sejam acentuadas a ponto de obscurecer seus
gráfica sobre a música. Abre-se espaço para a efeitos positivos, convertendo os indivíduos
compreensão da agência dos sujeitos históri- em autômatos conduzidos por uma engrena-
cos na produção da música popular moderna. gem central. Pensando a partir dessa perspec-
Mesmo não adotando tal linha de refle- tiva, a abordagem adorniana aparece de forma
xão, não se pode limitar a música popular a unilateral, pois identifica problemas decorren-
uma arte populista, que se materializa por for- tes da relação entre a música e a indústria cul-
ça do consumo de massa, o que pode nos levar tural, ao mesmo tempo em que não atenta para
a acreditar que o simples fato de pôr o povo seu alcance em termos de acesso à arte, atri-
como objeto de representação artística, trans- buindo ao ouvinte um papel passivo. Por isso,
crevendo uma relação epidérmica entre ele e a é preciso compreender tal associação de forma
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música de forma superficial, traria o real signi- dialética, apreendendo na indústria cultural
ficado estético de tais canções. É evidente ser tanto o seu espectro ideológico e seu impac-
um equívoco não atentar para o fato de que a to na padronização da música popular quanto
música popular, nos séculos XX e XXI, se des- suas contradições internas, deixando emergir
taca pela expressão artística com maior disse- da configuração do fenômeno os meios que
minação e penetração nas diversas camadas permitem seu questionamento, apresentando,
sociais. Como bem cultural de consumo, ela se assim, os conteúdos e singularidades que es-
desenvolve concomitantemente ao surgimento capam de seu controle e abrindo espaço para
da indústria fonográfica e ao desenvolvimento seus próprios elementos de superação.
dos meios técnicos de divulgação (do gramofo- É preciso, nesse ínterim, compreender
ne ao rádio), que vão consolidá-la socialmente, que a música popular é fruto da interação (tan-
permitindo que ela adquira sua abrangência.
3
Alta cultura é uma categoria utilizada por Walter Benja-
A acessibilidade advém tanto do aspecto físico min (1975) para definir a cultura das camadas mais abas-
da divulgação quanto da questão da recepção tadas de uma sociedade, sendo elas, durante um grande
período, privilegiadas no acesso as artes. Podemos citar,
e da apreensão da subjetividade musical pelo como exemplo, o acesso restrito às músicas eruditas no pe-
ríodo renascentista, pois o acesso a essas obras estava cir-
indivíduo. cunscrito aos grandes teatros ou aos bailes da aristocracia.

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to na forma, como no conteúdo) do artista com posição em relação ao grupo racial e do papel da
elementos intrínsecos da cultura do seu país arte na mediação entre a criatividade individual e a
dinâmica social é moldado por um sentido da práti-
e mesmo de outros países. Por isso, durante
ca artística como um domínio autônomo, relutante
muito tempo, foi percebida como sinônimo ou voluntariamente divorciado da experiência da
da música folclórica. A partir do século XX, a vida cotidiana (Gilroy, 2001, p. 159).
música popular tomou outros contornos, mas
manteve, em sua base, uma sutil variedade Se observarmos com cuidado a explosão
do povo que a produz e a absorve. Nesse mo- dos inúmeros estilos musicais afrodiaspóri-
mento uma de suas principais características cos surgidos no século XX, dentre eles o folk
passa a ser a intensa disseminação no seio da o blues, o rock music, o reggae e o samba, ve-
população, devido aos veículos de comunica- remos que essas sonoridades não se destacam
ção de massa, o que lhe conferiu ligação di- somente pelos conteúdos contestatórios de
reta com elementos comerciais e cosmopolitas suas letras, ou pelas performances dos outsi-
da sociedade moderna. É interessante apontar ders artistas negros. Mas se destacam também
que, mesmo sob o contorno de massificação, a pela potencialidade que esses sons tiveram de
música popular preserva sua vinculação com desorganizar as estabelecidas tradições estéti-
a existência cotidiana e cultural. Como nos cas harmônicas ocidentais. Esses estilos, em-
aponta Burnett (2011, p. 148): bora surgidos imersos nas culturas de massas e
ligados diretamente às indústrias fonográficas,
[...] música popular é, antes de tudo, uma expressão
trazem ao mundo da música moderna um con-
dessa chamada verdade musical, na medida em que
junto de estilos excêntricos.
revela, no caso do Brasil, e provavelmente em todos
os países onde se desenvolveu, as sutis variedades As pulsões sonoras da musicalidade
do povo que a produz e consome. negra nas Américas terão, como seus pilares
formativos, suas origens crioulas e sua capa-
Paul Gilroy (2001) em O Atlântico Ne- cidade de transpor o caráter mercadológico e
gro, nos lança uma pista para as alternativas de subordinador imposto pela industrial cultural
ruptura com a ideologia imposta pela indústria fonográfica. O reggae jamaicano é um exem-
fonográfica, a partir da forma como a estética plo disso. Para Albuquerque (1997), o reggae,
musical negra, na diáspora africana, se consti- como gênero musical que emerge do terceiro
tui como um importante modo de (re)existên- mundo, realiza uma façanha que poucos es-
cia dessas populações em suas insurgências

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tilos musicais conseguiram alcançar: quebra
culturais, suas batalhas contracoloniais e sua as barreiras do consumo estabelecido pela in-
oposição às engrenagens das hierarquias ra- dústria fonográfica pop, ao conseguir não uma
ciais. Nesse sentido, o autor salienta que a (re) ascensão fugaz, mas se manter entre os hits do
existência negra produz dialeticamente uma pop mundial.
eficácia estética que a coloca em um movimen- Nesse sentido, é necessário salientar
to contraditório com as condições modernas: que esse processo de difusão do reggae só se
Através de uma discussão da música e das relações tornou possível porque os recursos técnicos
sociais que a acompanham, desejo esclarecer alguns utilizados em suas composições, mesmo sendo
dos atributos distintivos das formas culturais negras frutos da ampliação das bases técnicas capita-
que são, a um só tempo, modernas e modernistas. listas sobre a esfera da cultura e da arte em pa-
São modernas porque têm sido marcadas por suas
íses periféricos – indústria cultural, indústria
origens híbridas e crioulas no Ocidente; porque têm
se empenhado em fugir ao seu status de mercado-
fonográfica e financiamentos estatais –, apre-
rias e da posição determinada pelo mesmo no inte- sentam uma singularidade estética. Ou seja,
rior das indústrias culturais; e por que são produzi- eles se referem a um contexto social específico
das por artistas cujo entendimento de sua própria e, ao mesmo tempo, transpõem esses limites ao

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encontrarem uma mediação universal (forma e ram com os afazeres musicais e tinham medo
conteúdo) com as condições de vida de grupos da apropriação na América. Uma boa parte dos
sociais subordinados em todos os continentes compositores da Jamaica não tinha conheci-
do planeta. mento da existência da lei e da possibilidade
Diferentemente das formulações que de acumular recursos a partir da proteção dos
Gilroy (2001) nos apresenta sobre a música ne- direitos de criação artística, e essa condição
gra, o posicionamento vanguardista da teoria criou um limite importante para que a lógica
adorniana limita a música popular, uma vez da mercantilização e da troca não absorvesse
que restringe muito a capacidade de superação as composições artísticas.
de sua fetichização e a aprisiona, mantendo-a Muitas das composições criadas no SKA,
identificada a uma figura e a um estilo muito no Rocksteady e no reggae, têm mais de um
reduzido, com pouca amplitude social, ou seja, autor e, por vezes, é impossível saber quem,
ele a compreende como uma produção passiva de fato, as compôs. Um exemplo disso é o que
e sem autonomia frente à indústria fonográfica. aconteceu com o próprio Bob Marley, que, em
Como nos aponta Renato Ortiz (2008), sua trajetória de negociação com a indústria
refletir sobre a música popular corresponde a cultural, buscando fugir das garras dos produ-
se abrir para uma realidade em que a musicali- tores e ser solidário aos amigos e familiares,
dade não se ensimesma nas condições impostas colocou diversas vezes algumas de suas pro-
pela indústria fonográfica, apesar de sofrer forte duções em nome de outros. Como exemplo, a
influência dela. Para o autor, a criação artística célebre No Woman, no Cry foi registrada em
e os músicos não se rendem de forma passiva nome do amigo de infância de Trenchtown,
diante dos arroubos mercadológicos, e é preci- Vincent Ford, ou ainda, os créditos que tam-
so entender como se dá o processo estético de bém foram dados ao amigo e à sua esposa, Rita
substancialização, ligado às relações mediadas Marley, pelos hits Positive Vibration e Crazy
pelo campo de organização social, cultural e Bald heads (White, 2011).
econômico. Essa mediação traz para o campo
Sempre penso em homens como Tata, Bragga e Ge-
da produção da música popular processos pro- orgie, que também se tornaram meus amigos, ho-
dutivos que perpassam por negociações e táti- mens que eu sabia que tinham a confiança de Bob,
cas que levam em consideração, em seus pro- homens que também confiavam em Bob. Tata rece-
cessos de constituição estética, o jogo de forças beu créditos como coautor de No womam no cry.
Caderno CRH, Salvador, v. 32, n. 87, p. 517-535, Set./Dez. 2019

desiguais entre as estratégias da indústria fono- Bob fez isso para homenagear um amigo íntimo,
uma figura paterna do mesmo quilate de Coxsone
gráfica e a as táticas de criação artística. Em ou-
(Marley, 2004, p. 45).
tras palavras, uma disputa entre a tentativa de
padronização e a busca por autonomia. Ademais, Ortiz (2008), em diálogo com
Um dos exemplos mais salutares dessa os escritos adornianos, nos apresenta um pos-
fuga da lógica de mercantilização é apontado sível caminho para pensar a dimensão da cria-
por Howard (2009) ao tratar do caso dos direi- tividade musical frente à indústria fonográfica
tos autorais e de como se deu a instauração e sem necessariamente recorrer a um movimen-
a aplicação da lei que regula esses direitos na to de ruptura. Voltemos a atenção para as ela-
Jamaica. As preocupações dos ingleses com o borações de Ortiz (2008) a partir do processo
controle das músicas produzidas na colônia de globalização. Diferentemente do que pode-
datam do início do século XX. A primeira lei de ríamos concluir a partir de uma análise ador-
direitos autorais promulgada na ilha em 1913 niana, para o autor, o processo de globalização
foi uma cópia das leis que regiam a questão não levaria a uma simples padronização das
na metrópole, onde eram voltadas para a pro- formas e conteúdos estéticos, o que não nega
teção de mestres musicais colonos que migra- a influência dos processos mercadológicos nas

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Anderson Costa, Lucas Barreto Catalan

produções musicais modernas. sicais da tradição erudita europeia e em seus


A internacionalização do mercado da desdobramentos populares) e (ou) ao mistu-
música teria também sido orientada por uma rar essas escalas de matriz africana com as do
flexibilização da indústria do entretenimento, modelo europeu, ou, ainda, ao experimentar,
que não repercutiu, com equidade de força, a em suas sonoridades, as escalas africanas com
relação entre a criatividade artística e a lógica formas harmônicas europeias. Como demons-
capitalista do mercado musical, mas levou a tra Hobsbawm (2016, p. 49), a sonoridade do
indústria do entretenimento a criar outras es- jazz renova na “combinação da escala blue” – a
tratégias e a lidar com novas demandas apre- escala maior comum, com a terceira e a sétima
sentadas pelas novas necessidades mercado- abemoladas – usadas na melodia, com a escala
lógicas de expansão. No campo da indústria maior comum usada para harmonia.
fonográfica, o processo de expansão do merca- O jazz e outros estilos afrodiaspóricos,
do do entretenimento buscou usar, como estra- como o reggae e o samba, trazem como carac-
tégia de expansão de seu poder, a apropriação terística de conformação de seus sons uma
das produções locais. Mas o que, de longe, po- forte referência no ritmo, elemento utilizado
deria ser entendido como simples apropriação nas tradições sonoras africanas, em contrapo-
também resultou na entrada de uma diversifi- sição às opções musicais adotadas por estilos
cação de estilos e gêneros musicais no hall de europeus, como o music-hall inglês, a chan-
apreciação mercadológica. Tal diversificação son francesa, a canzione napolitana e o fado
implica multiplicidade de formas criativas de português, que baseiam suas composições nos
produção que passaram a desafiar as formas de padrões estruturais harmônico-melódicos, evi-
captura da indústria fonográfica. tando a marcação rítmica acentuada. As pul-
É bem verdade que, como coloca Ortiz sões sonoras da diáspora negra apresentaram
(2008), não podendo a indústria controlar to- ao mundo as batidas rítmicas constantes e uni-
dos os mecanismos de produção, passou a con- formes, alternando pulsões de dois a quatro
trolar os meios de difusão da música, a partir compassos em diferentes variações conduzi-
dos quais um estilo ou gênero existe translo- das pela rítmica.
calmente. O fato é que a indústria fonográfica Em se tratando do rock, a inovação no
modificou o mecanismo de controle, mas tam- estilo está na ousadia em experimentar sono-
bém se abriram novas lógicas de subversão a ramente as novas possibilidades apresentadas

Caderno CRH, Salvador, v. 32, n. 87, p. 517-535, Set./Dez. 2019


partir da participação de uma maior diversida- pelo avanço tecnológico no século XX. O rock-
de de produções musicais dentro do mercado -and-roll inaugura a música eletrônica ao tra-
da música. Tomemos como exemplo os casos zer para os palcos sons produzidos, sistemati-
do jazz, do rock in roll e do reggae jamaicano, camente, pela eletrificação dos instrumentos.
que se utilizaram das possibilidades ofereci- Com a utilização proeminente de sintetizado-
das pela diversificação da indústria fonográfi- res sonoros, esse estilo substituiu, em sua es-
ca em expansão para inovar em seus processos tética musical, os instrumentos acústicos por
de produção musical (Costa, 2019). elétricos, abusando dos efeitos especiais que
Como nos aponta Hobsbawm (2016), ao os novos instrumentos propiciavam aos sons,
fazer a genealogia da história do jazz e dialo- atrelados ao apoio oferecido pelos técnicos
gar com o rock, alguns estilos revolucionaram de som e os profissionais de estúdio. O esti-
singularmente ao inovarem musicalmente. No lo combinou vários instrumentos eletrônicos
primeiro caso, o autor nos apresenta como o rítmicos – teclado, guitarra, baixo, bateria, etc.
jazz tem sua sonoridade inovadora ao usar – formando conjuntos diversos, cada um apre-
escalas originárias da África Ocidental (modo sentando suas próprias complexidades nas po-
escalar que não era utilizado nos padrões mu- tências rítmicas (Hobsbawm, 2016).

525
O EMERGIR DA MÚSICA POPULAR E SUAS INTERFACES ...

É nesse contexto que a música popular, Música popular: o caso do reggae jamai-
devido às suas próprias peculiaridades, ganha cano e suas interfaces criativas diante de
destaque no campo estético afrodiaspórico uma indústria fonográfica periférica
como umas das condutoras das dimensões da
sensibilidade negra. Napolitano (2002) aponta Essa problemática abriu espaço para a
que a música, no contexto histórico do século discussão sobre a possibilidade de a indús-
XIX e XX, foi uma salutar tradutora dos dile- tria fonográfica ter múltiplas formas de atu-
mas afrodiaspóricos e um veículo importante ação a partir das contingências geradas pela
de compartilhamento das utopias sociais para singularidade do funcionamento desigual das
as camadas populares nas Américas. Assim, condições econômicas, políticas e culturais
nas Américas, com a experiência da diáspora, de cada região, não se perdendo de vista que
a música popular constituiu umas das princi- tais configurações locais são partes integran-
pais formas desses povos (re)existirem nesse tes do próprio modo de produção capitalista.
contexto de tantos impasses. Dito de outra forma, isso significa que o modo
Narrar o diálogo possível entre essas de produção capitalista deve ser pensado em
formulações é desenhar caminhos mais com- suas múltiplas determinações, o que implica,
plexos de compreensão do lugar da música do ponto de vista da arte, compreender traços
popular dentro das contradições presentes na unitários e heterogeneidades na criação artís-
relação entre a indústria fonográfica e o pro- tica nas diversas partes do globo terrestre. Ao
cesso de criação musical. Faz-se necessário ir mesmo tempo, surgem algumas indagações:
além das contribuições adornianas, sem per- será que essa circunstância propicia espaços
dê-las de vista, ampliando seu postulado para para que tais músicas ganhem mais autonomia
uma análise na qual seja possível investigar a em relação ao modo de produção, quando com-
experiência de negação na arte que contemple parado a outras situações sociais? Ou ainda:
outros movimentos artísticos, como o da mú- esses conteúdos contestatórios, emancipató-
sica popular despontada na periferia do mun- rios, casados a esses novos contrastes sonoros,
do. Obras como as de jazz, de rock in roll e são utilizados como formas de potencializar o
de reggae surgem com um conteúdo estético comércio, adequando-se ao gosto gerado pelas
que busca contrapor aspectos aparentemente contradições sociais dessas regiões?
positivos dessa sociedade, explicitando, assim, Para poder refletir sobre tais questões,
Caderno CRH, Salvador, v. 32, n. 87, p. 517-535, Set./Dez. 2019

contradições e angústias vivenciadas na coti- retomaremos algumas condições sociais vi-


dianidade de miséria que esses artistas criam venciadas no processo de criação do reggae ja-
as suas glebas. maicano. O reggae é um estilo que emerge das
Ao mesmo tempo, tal postulado deve circunstâncias produzidas por força das con-
buscar solucionar os contrastes gerados pelas tradições edificadas da indústria fonográfica
características peculiares ao processo que en- em um estado periférico. As composições de
volve a composição dessas obras, pois, ao ex- reggae jamaicano foram gestadas em um con-
plorar essas peças populares, faz-se necessário texto de contradições da própria infraestrutura
lidar com o fato de que elas são produzidas por das forças de produção da indústria fonográfi-
meio da indústria cultural. ca, entre centros e periferias.
A indústria fonográfica dos centros re-
percutiu, durante o início do século XX, a ten-
tativa de imposição de um padrão musical ao
resto do mundo. Os investimentos do mercado
da música serviram, nesse contexto, para fo-
mentar a produção e a difusão das produções

526
Anderson Costa, Lucas Barreto Catalan

estéticas musicais produzidas nos centros. O as periferias, o reggae jamaicano existiu, por
fluxo de difusão musicológica seguia, predo- um tempo, como gênero musical fabricado de
minantemente, um fluxo entre centro e peri- modo diferente dos gêneros musicais de massa
ferias. Isso porque, no século XX, os grandes e não despertava o interesse da indústria fo-
centros euroamericanos capitalistas detinham nográfica dos centros. Com efeito, os estilos e
as condições materiais para financiamento de gêneros que surgiram no contexto de escassez
seus aspectos culturais, colocando o processo dos países periféricos criaram suas próprias
de produção das artes em outro patamar. Tal estratégias de compartilhamento da produção
fato atuou como um potencializador da pro- musical.
moção de suas músicas e de incentivo criativos Diante da precariedade e da ausência de
para os seus artistas. Eram reduzidíssimos os verbas, esses artifícios acarretaram o arranjo
estilos e gêneros periféricos que conseguiram, de uma indústria fonográfica periférica arte-
até meados do século XX, galgar algum espaço sanal, que estava muito distante do poderio
de difusão no centro. Diante da abundância de econômico e organizacional da indústria fono-
finanças, os governos e as igrejas dos estados gráfica dos centros. No início, a indústria fono-
centrais euroamericanos passaram a ser im- gráfica periférica jamaicana foi criada por pe-
portantes financiadores das artes nacionais, quenos comerciantes apaixonados por música
ao mesmo tempo em que despontava uma po- e sedentos por uma oportunidade de ascensão
derosa indústria do entretenimento, que, no social, a partir dos muitos grupos de músicas
campo da música euroamericana, passa a ser o que eclodiam das yard4 de Kingsnton. As músi-
pilar das produções musicais de massa (Costa, cas produzidas eram difundidas em pequenas
2019). casas, através de meios artesanais, e serviam
Em contraposição a essa realidade de ao consumo musical local. Nesse primeiro
abundância, os estados periféricos sofriam momento, poucos artistas conseguiram uma
com a escassez de recursos e tinham pou- dimensão internacional, conforme nos relata
cos investimentos em aspectos culturais. Ou, Rita Marley (2004, p. 25),
quando os recursos chegavam, eram destina-
Estávamos na metade dos anos 60, e todas as pes-
dos a objetivos específicos, diante do fato de soas que eu conhecia estavam empolgadas com
que os estados nacionais haviam acabado de um novo tipo de música jamaicana chamado rock
conquistar a independências e tinham muitas steady. Nossos artistas favoritos eram Tootsand the

Caderno CRH, Salvador, v. 32, n. 87, p. 517-535, Set./Dez. 2019


necessidades materiais. Coube, então, à cul- Maytals, Delroy Wilson, The Paragons, Ken Booth,
tura, de forma geral, e às artes, em particular, Marcia Griffiths e, acima de todos, um grupo que se
chamava Wailing Wailers. Os Wailers haviam grava-
o papel de criar amálgamas de unificação em
do alguns compactos de rock steady em um estúdio
torno da criação de uma unidade ideológica da de Trench Town que ficava perto de onde eu e Dre-
identidade nacional de cada território periféri- am morávamos. Naquela época, Kingston contava
co recém-independente administrativamente, com uma boa quantidade de pequenos estúdios.
a exemplo do que aconteceu com o samba bra- Alguns deles eram negócios múltiplos gerenciados
sileiro no Estado Novo, que, acompanhando a por uma só pessoa, como o Beverley’s Record and
Ice Cream Parlor (onde também funcionava uma pa-
ditadura populista de Getúlio Vargas, obteve
pelaria). Outro deles era, ao mesmo tempo, estúdio
financiamentos em troca de que os conteúdos e loja de bebidas, o Studio One, na Brentford Road.
de suas músicas acompanhassem o projeto de
unificação da identidade nacional brasileira 4
Os yard são formas de habitação popular que derivam da
constituição de moradias chamadas de quintais urbanos.
(Costa, 2019). Esse tipo de comunidade começou a surgir na Jamaica em
Assim, diante de uma indústria fonográ- meados do século XVIII. Tal formato de moradia foi incial-
mente motivado pelos costumes dos escravizados africa-
fica dos centros, que moldava o fluxo de di- nos e afrojamaicanos oriundos das regiões rurais do país, a
partir da abertura de algumas concessões realizadas pelos
fusão musicológica no sentido do centro para senhores de escravos.

527
O EMERGIR DA MÚSICA POPULAR E SUAS INTERFACES ...

Pertencia a ‘sir Coxsone’, cujo o nome verdadeiro acontecia na RJR, onde A Hora da Oportunidade de
era Clement Dodd, que, além de ter sido um dos pri- Vere Johns– um programa de calouros transmitido
meiros entusiastas da música jamaicana, teve gran- ao vivo na noite de sábado – tinha maior importân-
de importância em seu desenvolvimento. cia na cabeça dos aspirantes locais a vocalistas e
instrumentistas que as &10 do prêmio máximo. O
Atrelado aos estúdios e à indústria fo- programa surgira a partir dos shows semanais de
nográfica periférica da ilha caribenha, havia calouros que aconteciam nos teatros Majestic, Pala-
dois outros instrumentos catalizadores do flu- ce e Ambassador do centro da cidade. Vere Johns,
xo exponencial de música, que emergiam dos o jornalista apresentador do programa, oferecia aos
jovens da periferia de Kingston: as rádios lo- ganhadores, escolhidos pelos ouvintes, celebridade
da noite para o dia. Embora quem já tivesse ganhado
cais e os sound system. As estações de rádio
não pudesse concorrer de novo, Jonhs tinha o hábito
locais funcionavam como satélites das produ- de levar os favoritos de volta ao programa várias ve-
ções musicais dos grandes centros, como R&B, zes como convidados especiais, dando-lhes a chan-
blues, jazz e rock in roll. O pouco espaço que ce de exibir seu material ainda não gravado para
restava em sua programação era relegado às todos os produtores e donos de estúdios na Jamaica.
produções locais, e servia como difusor dos A variedade do material executado pelos jovens e
tenazes talentos que se valiam de todos os meios
novos talentos surgidos nos guetos da cidade.
para entrar nos estúdios apinhados e mal equipados
Nesse espaço temporal marginal, as rádios re- era impressionante, representando muitos estilos e
alizavam uma série de concursos de calouros, temas musicais diferentes, além do que os tacanhos
sem muitos critérios de qualidade, mas que empresários da classe média se mostravam interes-
serviam como alicerce para que os estúdios sados em ouvir, eram capazes de entender ou esta-
locais pudessem garimpar possíveis tesouros vam dispostos a impingir aos seus ouvintes. Levar
ao ar lançamentos locais nas estações jamaicanas
musicais entre os jovens afrojamaicanos.
continuaria sendo uma prática conservadora, caute-
As rádios estavam associadas aos estú- losa e altamente restritiva. Havia muito mais artistas
dios de forma direta, muitas delas tendo os com material original do que os gerentes das rádios
mesmos proprietários. Diante das debilidades conseguiam acolher. Muito tempo ainda passaria
desses instrumentos da indústria fonográfica antes que qualquer show exclusivamente dedicado
periférica, os sonhos desses jovens estavam aos artistas jamaicanos contemporâneos fosse inclu-
ído na programação de uma estação de rádio (White,
sempre agregados à possibilidade de serem
2011, p. 134-135).
vistos por produtores de estúdios da indús-
tria fonográfica dos centros. Alimentados pela Com a pequena capacidade de absorção
Caderno CRH, Salvador, v. 32, n. 87, p. 517-535, Set./Dez. 2019

expectativa de ascender socialmente a partir dos inúmeros grupos musicais pela indústria
da música, os inúmeros grupos musicais de fonográfica local através das rádios e nos estú-
jovens corriam para as rádios sempre que se dios, a saída encontrada pelos jovens foi invadir
abriam concursos de calouros, principalmente os espaços de entretenimento. Um dos princi-
quando começaram a surgir notícias acerca do pais meios de entretenimento musical da ilha
interesse dos produtores da indústria cultural era o sound system, que constituiu o instrumen-
do centro nas músicas produzidas em perife- to mais popular da indústria fonográfica jamai-
rias, como a Jamaica. cana. Ele surgiu como estratégia das equipes
de rádios e gramofones que, percebendo que as
O que todos comentavam em Trench Town era que
qualquer Yard boy com voz decente e música à al- condições econômicas das massas populares da
tura conseguiria gravar um disco no estúdio de um Jamaica impediam a ampliação de ouvintes pa-
canal da UBC. Quando correu a notícia de que a JBC ras suas rádios, visto que, a maioria das casas
estava instituindo suas próprias paradas de sucesso das periferias de Kingston não tinha transistor
no início de agosto para aferir a vendagem de discos
e nem verba para comprar aparelho de rádio,
americanos e jamaicanos na ilha, logo se formaram
a saída mais viável para ouvir música eram os
filas de cantores ansiosos com seus violões debai-
xo do braço em frente à estação de rádio. O mesmo estabelecimentos que tinham sistemas de som.

528
Anderson Costa, Lucas Barreto Catalan

As aparelhagens dos sistemas de som de pertencimento territorial, de companheiris-


amplificado movimentaram as periferias de mo entre os seguidores e o fortalecimento da
Kingston, sem perder de vista o objetivo de solidariedade periférica e negra. À medida que
consolidação do mercado de entretenimento, o tempo foi passando, os ímpetos populares do
que atendia aos interesses da associação entre povo periférico afrojamaicano foram ganhando
os proprietários dos equipamentos e a indús- cada vez mais espaço e subvertendo a lógica
tria internacional de bebidas alcoólicas, cujas comercial de seus produtores e donos. O en-
principais empresas eram Red Stripe, Guinness, volvimento intenso dos jovens com os sound
Heineken e as grandes destilarias. Podemos ci- system estabeleceu relações diferentes das im-
tar, como exemplo, o caso de dois dos princi- pulsionadas pelos empresários locais, pois o
pais donos de estúdios musicais mais impor- compartilhamento de músicas pelos sons am-
tantes nas gravações dos gêneros musicais de plificados deixou de servir apenas ao mercado
Kingston (respectivamente o Studio One e o de entretenimento. Nesse sentido, cada vez
Studio Treasure Island), Coxsone e Duke Reid, mais ser seguidor de um sound system signi-
que tinham uma relação estreita com os dois ficava cantar, dançar e honrar sua identidade
ramos, devido ao fato de serem proprietários social. Vejamos como Rita Marley (2004) carac-
dos mais proeminentes sound system de Kin- teriza a efervescência dos dancehalls jamaica-
gston: Downbeat Sound System e Sistem Trojan. nos (denominação dos sound system quando
Ambos atrelavam, através dos negócios fami- aconteciam em espaços fechados):
liares que gerenciavam, o interesse do mercado
O dancehall jamaicano já foi chamado de ‘casa no-
de bebidas alcoólicas e o do mercado de entre- turna’, agência de notícias, dancehall jamaicano,
tenimento musical (ver Bradley, 2014). sala de reuniões, igreja, teatro e escola reunidos em
O sound system não foi, para a popu- uma coisa só. A música pop contemporânea da Ja-
lação afrojamaicana, apenas um armário de maica é conhecida como dancehall. Um ‘salão’ de
móveis com amplificação de som, ou um cir- dança poderia, na verdade, se realizar em qualquer
lugar, até ao ar livre. Às vezes uma multidão se jun-
cuito publicitário para a difusão de músicas.
tava em um recinto qualquer, mas também era co-
Ele ocupou um papel muito mais significativo mum reunir-se num quintal, num campo aberto ou
para o processo de (re)africanização das comu- num estacionamento. Havia música ao vivo ou som
nidades afrodiaspóricas periféricas, criando eletrônico, a cargo de um DJ. A música explodia por
um sistema de conexão coletiva negra a partir todos os lados através de sistemas de som ligados a

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do compartilhamento das pulsões sonoras. enormes alto-falantes. Os DJs falavam por cima das
músicas, como os locutores de rádio americanos,
Segundo Bradley (2014), a importância
para animar as pessoas e fazer que elas não paras-
dos sistemas de som era grande para a reali- sem de dançar (Marley, 2004, p. 35).
dade dos jovens periféricos. Eles constituíam
mais do que um espaço de entretenimento: es- À medida que as populações dos bairros
ses sistemas se tornaram referência na compo- de lata foram se apropriando dos circuitos cria-
sição da identidade dos jovens, uma vez que dos pelos sound systems, a partir de uma lógica
cada jovem escolhia construir um vínculo de de funcionamento que escapulia dos produtores
afinidade com um sound system, escolhendo- e dos donos dos sistemas de sons, uma nova si-
-o para seguir, acompanhando-o e tornando-se tuação foi sendo desenhada. Os moradores des-
parte dele. Nessa relação, os jovens construí- ses bairros passaram a criar um circuito próprio
am pertencimento e sua identidade. e colaborativo de vendas de diversos produtos
O movimento popular dos sound system (comidas, peixes fritos ou embalados, carrinhos
criou vínculos catalisados pela música. O com- de coco, cana de açúcar, bananas, mangas, ca-
partilhamento de gostos musicais serviu como minhonetes de bebidas, etc.). Nas ruas que cir-
amálgama para colocar em curso o sentimento cunscreviam os terrenos onde aconteciam os

529
O EMERGIR DA MÚSICA POPULAR E SUAS INTERFACES ...

sound systems, eclodiam várias pequenas ini- Um dos fatores que mais tornava um
ciativas que garantiam a permanência, nesses sound system respeitado pelo público eram
guetos, de parte do que era gerado ali. suas seleções de músicas. Os produtores e do-
nos dos sistemas sonoros buscavam sempre
Esses salões de dança ao ar livre, com nomes extra-
vagantes como Tom, ou Grande Sebastian, V Rochet
inovar a partir de produções sonoras exclusi-
Count Smith, ou Blues Baster, Sir Nick ou Campeão, vas que outros sistemas não tinham, pois
Rei Edwards ou Lorde Koos do Universo, começa-
La única manera de mantener el interés del público
ram como uma forma de entretenimento urbano e
y cimentar uma carrera duradera era seguir movién-
eles acabaram se tornando o núcleo em torno do
dose. Por elo los bailes se convirtieron em campos
qual girou a vida dos bairros populares de Kingston
de experimentación para nuevos singles y estilos de
(Bradley, 2014, tradução nossa).
música y la gente siempre era protagonista de los
acontecimentos (Bradley, 2014).
A cultura do sound system, nas perife-
rias jamaicanas, funcionou como um fenôme- Esse perfil de sempre buscar a autentici-
no ativador de um processo intenso de empo- dade dos seus sistemas de som a partir do ele-
deramento. Como define Ribeiro (2015), tal mento enunciado de um novo estilo musical
empoderamento corresponde ao processo de se tornou a referência do perfil da cultura dos
transformação coletiva desenvolvido pelos in- sound system e um legado para a cultura musi-
divíduos, motivados pelo reconhecimento das cal dos outros estilos que surgiram depois.
desigualdades e segregações que sofrem, acom- Segundo White (2011) a característica
panhado por uma consciência social dos direi- de experimentalismos adotada pelos sound
tos sociais que lhes são pertencentes, uma vez system e pelos estilos musicais dos jamaica-
que “essa consciência ultrapassa a tomada de nos no século XX tem uma base ancestral. Ela
iniciativa individual de conhecimento e supe- constitui herança direta das matrizes musicais
ração de uma realidade em que se encontra. É indigenistas e africanas de períodos anteriores
uma nova concepção de poder que sai a resul- às condições de nação administrativamente in-
tados democráticos e coletivos” (Ribeiro, 2015). dependente da Jamaica.
Nesse sentido, os sistemas de som foram
um dos principais ativadores do movimento de No curso da história jamaicana, não existia carência
de atividade musical de onde tirar inspiração. Os ín-
empoderamento dos afrojamaicanos moradores
dios aruaques confeccionavam tambores e pandeiros
das periferias de Kingston. Eles fizeram com de troncos e tocos de caroba, cobrindo-os com a pele
Caderno CRH, Salvador, v. 32, n. 87, p. 517-535, Set./Dez. 2019

que esses sujeitos passassem a compartilhar flexível de mamíferos aquáticos como o manati ou pei-
um sentimento de pertencimento periférico e xe-boi. Eles esculpiam instrumentos de sopro primiti-
racial, que aos poucos foi se conectando e se vos a partir de galhos e ossos que eram tocados pelos
transformando em um processo de empodera- chefes tribais em cerimônias de comemoração por uma
grande colheita ou nos lamentos funerais de guerreiros
mento compartilhado. Assim, emergiam da mú-
abatidos em luta. Os escravos da África Ocidental que
sica os elos de afirmação do antirracismo e do resistiram à travessia trouxeram consigo uma tradição
antielitismo entre as populações negras do país. musical baseada nos diálogos dos tambores burru. Os
Outrossim, cada sound system compu- achantis os usavam em grupos de três, o agudo atum-
nha seu repertório musical que, em sua maio- pam funcionando como solo livre, acompanhado pelas
ria, era dominado por estilos como rhythm and batidas do contralto e do baixo, chamados, respectiva-
mente, de tambores apentemma e petia. Tocados em
blues e jazz, trazidos pelos produtores dos Es-
concerto com guizos, caixas de rumba, chocalhos, sa-
tados Unidos. Tornou-se uma prática comum xas (saxofones de garrafa, cuja boca era recoberta por
a saída dos donos dos sistemas de sons para uma membrana), os tambores burru frequentemente
o EUA, em busca de novidades que pudessem saudavam um escravo que retornava ao lar após o cár-
renovar a musicalidade de seu repertório, para cere ou uma vítima de açoitamento cujos ferimentos
fazê-lo mais atrativo ao público. haviam sarado (White, 2011, p. 140).

530
Anderson Costa, Lucas Barreto Catalan

Um exemplo marcante de como essa for- tia à subalternidade capitalista e colonialista.


ma experimental dos sound system influenciou Decerto, foi esse contexto de racialização
a forma de criação estética dos músicos jamai- e de precariedade das condições de existência
canos está nas transformações sonoras feitas que, por vezes, condenou muitos afrojamaica-
do rock in roll para criação de outros estilos e nos ao fracasso. A única saída encontrada por
gêneros musicais. Os músicos jamaicanos pro- alguns desses jovens foi criar novas afetivida-
duziram sucessivamente três estilos que de- des catalisadas pelas pulsões cotidianas tra-
rivam de intervenções presentes na forma do zidas, principalmente, pela ancestralidade de
rock, através de processos de desaceleração do uma música localizada pelos anseios da des-
rock, o que gerou, primeiramente, o SKA e, em colonização. “Naquela época, parecia que todo
seguida, o rocksteady e, por último, o reggae. mundo de Trench Town estava tentando cantar,
A indústria fonográfica local, até então, tocar um instrumento ou formar um grupo vo-
não tinha se dado conta de quão ricas e inova- cal” (Marley, 2004, p. 25).
doras eram as músicas que estavam sendo pro- É, diante disso, que as trajetórias tri-
duzidas pelos jovens rudes boys5 das periferias lhadas pelos músicos nos apresentam novas
do país. À medida que os produtores tomaram possibilidades de afetividade trazidas pelo
conhecimento da potência sonora que saía dos reggae, pois criaram um movimento ativo de
guetos de Kingston, passaram a acrescentá-la transfigurações das histórias desses jovens, a
em seus repertórios e a gravar, em seus estú- exemplo do que nos apresenta o relato de Rita
dios, as músicas produzidas por esses grupos Marley (2004) sobre as relações estabelecidas
de despossuídos. As raízes de experimentação no studio de Coxson:
e da busca pela inovação estavam internaliza-
Antes de Coxson comprá-lo, o Studio One era pro-
das pelos jovens, que, além de músicos, eram vavelmente uma casa. Coxsone havia derrubado
frequentadores assíduos e apreciadores dos algumas paredes, mas era fácil visualizar onde fi-
sistemas de sons. A partir desse momento, os cavam o quarto, o banheiro e a sala. Era muito fácil
sound system, na Jamaica, se abriram para a ri- sentir-se em casa lá, porque não parecia uma empre-
queza das músicas negras da periferia. sa. Era como se fosse uma família. Quando alguma
coisa ocorria, todos se entusiasmavam: os músicos,
Como destaca Bradley (2014), “más que
os cantores, as pessoas de fora. O mais empolgante
una simple cuestión de diversión o una for- era quando alguém dizia: ‘Hoje nós criamos um su-
ma cultural relevante, estas sensiones de los cesso!’ ‘Nós’ significa que aquela canção de sucesso

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soundsystems cambiaron Jamaica y su relaci- pertencia a todos. Ficávamos lá dias inteiros, viran-
ón con el resto del mundo para siempre”. A do noites, e ninguém reclamava. Era muito diver-
cultura dos soundsystems levou a música para tido acordar pensando: ‘Oooh! Hoje eu tenho de ir
para o estúdio!’ (Marley, 2004, p. 29).
o centro da existência do ser social jamaicano.
O casamento dos estímulos sonoros que saíam Essas lacunas deixadas pela indústria
daqueles ambientes que fervilhavam com os fonográfica são elementos fundamentais para a
estilos e os gêneros musicais dos afrodiaspó- compreensão do desenvolvimento criativo de
ricos que (re)existam na EUA e na Inglaterra vários estilos que surgiram dos “becos”, que re-
foram a inspiração para a formação do reggae troalimentaram o circuito musical de pulsões
como um material sonoro que refletia as pró- sonoras, que gritam pela liberdade e agridem
prias tendência sociais de um povo que resis- a ordem em sua forma e em seu conteúdo. Se-
5
Os rudes boys eram jovens das periferias de Kingston, um gundo Rita Marley (2004), foi no meio da falta
grupo que tinha como critérios de unidade a rebeldia e a
contestação de regras sociais. A tribo urbana ficara estig- de estrutura apresentada pelos estúdios da Ja-
matizada por transformar o cotidiano das ruas da capital
da Jamaica em um espaço tido como de “vadiagem”. Eles maica que se forjaram suas principais estrelas
se utilizavam de violência, puxando navalhas, furtando
bolsas, roubando carteiras, estuprando e assaltando de da música.
maneira violenta.

531
O EMERGIR DA MÚSICA POPULAR E SUAS INTERFACES ...

Coxsone havia gravado alguns dos grupos mais As músicas do reggae são pulsões sonoras, cuja
bem-sucedidos da Jamaica, incluindo os famosos sonoridade se apresenta ao mundo a partir da
Skatalites, uma das primeiras bandas de ska. Mar-
presença marcante dos graves do baixo, como
cia Grififiths, que mais tarde cantaria ao meu lado
com uma das I-Three, dizia que o Studio One era a
o instrumento que coloca a assinatura cultural
Motown da Jamaica, ‘onde todas as grandes estrelas e que comunica as estruturas de claves rítmi-
surgiram [...] era como se formar em uma universi- cas para as músicas – um estilo que faz o corpo
dade’. Normalmente muitas pessoas trabalhavam lá pulsar. A presença marcante do baixo na mú-
ao mesmo tempo; canções eram compostas por to- sica reggae materializou ondas mecânicas gra-
dos os lados. Se você ficasse atento, não tinha como
ves, que deu um sentido à sua sonoridade mais
não deixar de aprender alguma coisa. Coxsone tinha
uma guitarra que emprestava para quem era mui-
corporal (física), ao levar essa energia sonora a
to pobre para comprar uma. Bob ficava com ela a explodir nos corpos dos ouvintes, gerando in-
maior parte do tempo (Marley, 2004, p. 30). cômodo e fazendo dançar em sua marcha flu-
tuante. Em outras palavras, o modelo da can-
Foi essa “liberdade”, deixada inicial-
ção do reggae – cujo tratamento orquestral e
mente pela expansão do mercado da música
vocal seguia os padrões que se pautavam pela
nas periferias do mundo, que permitiu o re-
acentuação de uma determinada célula “rítmi-
luzir de canções que surgiram das pulsões
ca” do grave, do baixo – conduzia os corpos
coletivas do povo. Inspirados em sonhos de
para a dança.
liberdade, o que era produzido nesses contex-
Nas músicas de Bob Marley, as melodias
tos resplandecia para negar a hegemonia do
são executadas em claves, o que mostra que es-
sistema de motivações econômicas, através de
sas músicas têm uma identificação muito forte
músicas que emergiam de rodas de jovens em
com aquelas culturas africanas que ali chega-
suas diversões, do compartilhamento de suas
ram com os escravizados, os quais, apesar de
angústias e das mazelas em que estavam in-
passados quase cem anos, não tinham perdi-
seridos. A autoria da música ali era coletiva e
do ainda suas características de identificação.
mola propulsora da criatividade.
Dessa forma, é preciso entender a clave como
Para Gilroy (2001), as expressões musi-
uma assinatura cultural a partir da sonoridade.
cais negras configuram-se como uma contra-
À medida que o tempo passou, os valo-
cultura distintiva da modernidade, uma vez
res presentes na música reggae jamaicana se
que elas propiciaram a emergência das cultu-
tornaram cada vez mais evidentes, fazendo
Caderno CRH, Salvador, v. 32, n. 87, p. 517-535, Set./Dez. 2019

ras contracoloniais afrodiaspóricas para além


com que surgisse o reconhecimento de perso-
da oposição posta nos embates acadêmicos
nalidades da música e da indústria fonográfica
entre essencialismo e pluralismo. Ao mesmo
dos centros, principalmente pessoas do eixo
tempo elas se apresentavam com potenciais
euroamericano. Esse interesse logo despertou
para subverter os embates entre tradição, mo-
um olhar comercial sobre o estilo jamaicano,
dernidade e pós-modernidade, presentes no
que passou a ser encarado como uma possibili-
debate sobre a definição do tempo histórico e
dade que poderia renovar o cenário de música
cultural contemporâneo. A música afrodiaspó-
nos centros e render lucros para a sua indús-
rica traz sentido para as existências humanas
tria fonográfica.
a partir da mediação entre a dureza do capita-
O reggae, com suas pulsões, passou a en-
lismo e da racialização e as possibilidades de
cantar públicos e empresários da música não só
superação de suas amarras, trazendo eficácia
nas periferias, mas agora também nos centros.
para continuar vivendo no presente.
O fato de serem canções cantadas em inglês foi
O movimento conduzido pelos graves
um elemento facilitador da internacionaliza-
jamaicanos no reggae constituiu as bases do
ção do estilo jamaicano. Ao mesmo tempo, o
reconhecimento do estilo em todo o mundo.
inglês crioulo, que soava nas vozes dos canto-

532
Anderson Costa, Lucas Barreto Catalan

res de reggae, a princípio gerou, nos grandes tersubjetivo entre o eu e sua vivência no mun-
centros, um sentimento de estranhamento en- do, carregadas de cotidianidade, formam uma
tre os músicos e o próprio público. Esse movi- síntese compartilhada entre mundo histórico
mento produzido pelo estilo jamaicano levou a e subjetividade. A música popular jamaicana,
um verdadeiro processo de desarticulação dos expressa neste artigo pelo reggae, constitui-se
objetivos da indústria fonográfica dos centros, ao se afastar da essencialização de uma forma
invertendo o fluxo da música: do centro para unilateral de composição musical, baseada em
as periferias, passou a ser das periferias para o uma lógica instrumentalizada, inerente à in-
centro. O gênero levou ao mundo uma cultu- dústria fonográfica dos centros.
ra sonora e política anticolonialista, de matriz Essas experiências musicais emergem
afrodiaspórica, além de novas composições ét- dos movimentos contraditórios de uma reali-
nicas, novos valores transnacionais e também dade que expõe uma precária substancialida-
novos conflitos sociais resultantes da relação de para a produção de sínteses, conciliações
com a indústria fonográfica dos centros. e unidades. Os mais expressivos estilos musi-
cais populares do mundo periférico, no século
XX, estão imersos nos processos de constitui-
CONSIDERAÇÕES FINAIS ção das novas formas culturais e das estreitas
possibilidades oferecidas pela indústria fono-
Por fim, percebemos que é preciso re- gráfica local. Essas canções carregam, como
fletir sobre as interfaces de interação entre a característica marcante, sentimentos, dores,
música popular e indústria fonográfica a partir alegrias, gritos e sussurros que emergem de
das movimentações contraditórias de sua di- subjetividades que se alicerçam em sentimen-
mensão dialética. Logo, essa relação deve ser tos coletivos de existência.
compreendida a partir de suas múltiplas de- Ampliar a compreensão a respeito da
terminações, recheadas por simetrias e assime- criação estética e da forma de produção da mú-
trias, coesões e coercitividades que, em muitos sica popular nos cenários periféricos é romper
casos, são guiadas por interesses relativos ao com uma lógica analítica restrita e reificada,
próprio campo estético ou exógenos a ele. Mes- situada a partir dos contextos dos centros, a
mo as músicas que estão circunscritas a um qual descomplexifica seu conteúdo estético
determinado campo estético não se desvincu- e sua mediação com a sociedade, apontando

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lam das aspirações da cultura e da realidade somente para seus processos de constituição a
social em que estão inseridas. Nesse sentido, partir de um epicentro unívoco, o da estandar-
não existe música pura e que fala apenas por si dização da indústria cultural. Esse percurso
só. Toda produção musical apresenta espectros nos leva às formulações que focam em seus li-
exógenos ao seu produto: a diferença está nas mites, conduzindo, em sua maioria, a concep-
mediações, tendências, contextos e nos seus ções absorvidas pelo fosso das simplificações,
modos de criação. relacionadas à massificação e à mercantiliza-
Nesse sentido, a música, em geral, e a ção da música.
música popular periférica, em específico, sur- Por conseguinte, salientamos que essa
gem como expressões de nexos profundos e relação conflituosa com a indústria fonográ-
como interlocutoras de um dado tempo e das fica e suas intervenções no fazer artístico da
formas de sociabilidade constituídas em sua música popular periférica não pressupõe uma
realidade. Ampliando os sentimentos inter- negação completa da profundeza da relação da
nalizados e representados na obra para além música popular, aqui representada pelo reg-
da sensibilidade do artista, essas composições gae jamaicano, com a realidade social e com
musicais, ao apresentarem um sentimento in- a cultura local. A música popular realiza uma

533
O EMERGIR DA MÚSICA POPULAR E SUAS INTERFACES ...

relação de alteridade entre a música e a cultu- (Org.). Ensaios de Sociologia da Arte. Salvador: EDUFBA,
2018. p. 185-204.
ra, que está alicerçada no terreno da diversi-
COSTA, A. de J. Você não vai ajudar a cantar essas canções
dade, das trocas, dos diálogos e embates pela de liberdade? (“Won’t you help to sing these songs of
freedom?”): o reggae como pulsões sonoras de resistência.
sua constituição. Assim, o trânsito entre arte e 2019. 208 f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Filosofia e
cultura é realizado por processos criativos de Ciências Humanas, Universidade de Federal da Bahia,
Salvador, 2019.
resistência, que são forjados por meio de novos FRANK, I. M. ABC da música: o essencial da teoria musical
contornos de produção e novas formas estéti- e conhecimentos gerais. 3. ed. Porto Alegre: AGE, 2011.
152 p.
cas, operado por uma mediação mais estreita
GILROY, P. O Atlântico negro. São Paulo: Editora 34, 2001.
com os sentidos e significados trazidos pelas 432 p.
contradições dos cotidianos nos quais os mú- HEGEL, G. W. F. Estética: pintura e música. Lisboa:
Guimarães Editores, 1962. 292 p.
sicos e os povos estão imersos.
HEGEL, G. W. F. Estética. Lisboa: Guimarães Editores,
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534
Anderson Costa, Lucas Barreto Catalan

THE EMERGENCE OF POPULAR MUSIC AND L’EMERGENCE DE LA MUSIQUE POPULAIRE


ITS INTERFACES WITH THE PHONOGRAPHIC ET SES INTERFACES AVEC L’INDUSTRIE
INDUSTRY PHONOGRAPHIQUE

Anderson Costa Anderson Costa


Lucas Barreto Catalan Lucas Barreto Catalan

This article is about popular music, focusing in Le sujet de cet article c’est la musique populaire.
the relations built by music in face of capitalism’s On prend la question des rapports entre la musique
expansion in the arts’ field. For this instance, the et la logique de l’expansion capitaliste au domaine
relations between objectivity and subjectivity de l’art. Pour cela, la relation entre l’objectivité et la
will be the plot from where we will analyze the subjectivité c’est la force motrice de notre analyse
paradoxes in the process of modern popular sur les paradoxes du procès de reproduction de la
music reproduction, such as: culture industry musique populaire moderne, tels que : l’industrie
and the work of art in the age of its technological culturelle et la reproductibilité technique. On part
reproduction. So, starting from the Jamaican reggae, de la musique jamaïcaine pour faire la critique au
we seek to wise Adorno’s perspective about music postulat adornien de la négativité appliqué à la
investigation to an analysis where is possible to musique erudite, en visant comprendre avec lui,
investigate the outlying artistic production, as the aussi, la musique populaire, particulièrement la
popular music that rises in Jamaica. This argument musique pop des régions périphériques du monde.
opened space to a discussion about the possibility of Cette voie des discussions nous ouvre des multiples
the phonographic industry have multiple actuation possibilités des investigations sur l’industrie
forms developed from its contingencies that are phonographique, issues des contingences générées
created by the singularities of its unequal way of par la singularité du fonctionnement inégal des
work in face of different economic, political and conditions économiques, politiques et culturelles de
cultural circumstances, keeping in sight that local chaque région, sans oublier que les configurations
realities are integrated to the capitalism mode of locales font partie intégrante de mode de production
production. capitaliste.

Keywords: Popular music. Jamaican reggae. Culture Mots-clés: Musique populaire. Reggae jamaïcain.
industry. Phonographic industry. Aesthetics. Industrie culturelle. Esthétique.

Caderno CRH, Salvador, v. 32, n. 87, p. 517-535, Set./Dez. 2019

Anderson Costa – Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia. Professor Substituto
do Centro de Ciências da Saúde do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Federal do
Recôncavo da Bahia, Integra o Núcleo de Pesquisa em Sociologia da Arte (NUCLEART), desenvolvendo
pesquisas na área de Sociologia da Arte e da Música.
Lucas Barreto Catalan – Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia, Professor
substituto do Departamento de Humanidades do Instituto Federal da Bahia (St. Amaro). Integra o grupo
de estudos Representações Sociais: Arte, Ciências e Ideologia, desenvolvendo pesquisas na área de
Cinema, Cinema Latino-americano e música. Atualmente faz doutoramento em Ciências Socias, cuja
pesquisa traz como tema “Ficção científica e distopia no cinema: pode o futuro antecipar o presente?”

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