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O ENSINO SUPERIOR
DE SÃO PAULO
- UNISAL –
Doutorado Em Educação
PIRACICABA
2011
O ENSINO SUPERIOR
DE SÃO PAULO
- UNISAL –
Doutorado Em Educação
PIRACICABA
2011
BANCA EXAMINADORA
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A história é como uma grande teia. Não se vibra um
fio sem vibrá-la toda. Não se vibra a teia sem vibrar
cada fio. Não existe história de um fio. Este só se
sustenta integrado no emaranhado da teia. Visualizar
o particular descolado do todo é não visualizar nada.
Não existem “histórias”. Existe a História.
This paper investigates whether the Salesian University Center of São Paulo - UNISAL
- remains faithful to the educational criteria established by John Bosco in the
nineteenth century to meet then the teenagers from the popular classes. For this
analysis we adopt as a theoretical Marxist historicism. It looks at Italy in the
nineteenth century political Risorgimento and the confrontation between the rural
mentality with medieval matrix and urban, bourgeois and liberal. In this context of
confrontation, John Bosco prepares its educational project called Preventive System,
where the physical and emotional presence of the educator is the key of the
education. This educational project is implemented in several countries, including
Brazil, as an arm of Romanization initiated by Pope Pius IX and understood by the
Salesians like catechetical and civilization activity. In 1952 the Salesians extended
their action successively deployed Higher Education in the cities of São Paulo:
Lorena, Americana and Campinas. As the founder was not included in their project
work with the youth service to the university environment, there is the rejection of
most members of the Salesian presence in the higher education, understanding it as
disloyalty to the design of the congregation, for poor and marginalized young. In the
end of twentieth century the Salesian University design, already implemented and
consolidated, is assumed through the IUS - Salesian Institution University - bringing
together more than fifty Salesian schools of higher education in the world. The
question of this paper is whether there is indeed a Salesian identity in UNISAL or if it
would just be a sham. The question is examined from the institutional discourse and
practice of teaching students trying to verify whether the UNISAL are imbued with the
Salesian educational principles and values. The thesis, based on the analysis of the
foundational myth, rites and symbols of the institutional foundation Salesian seeks to
verify the incidence of the ideals of this agency confessional education in the
university environment is real or if its action is before the speeches institutional
practices of teaching.
Ao professor doutor
Manoel Isaú Ponciano dos Santos
Pesquisador apaixonado e meticuloso
A quem muito deve a historiografia salesiana
E que me incentivou
No ingresso no doutorado.
AGRADECIMENTOS
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 22
CAPÍTULO I - PRESSUPOSTOS TEÓRICOS PARA UMA AVALIAÇÃO
INSTITUCIONAL ....................................................................................................... 35
1.1 Delimitação de Conceitos .................................................................................... 38
1.2 Evolução dos pressupostos teóricos da salesianidade do século XIX na Itália até
o UNISAL do século XXI ........................................................................................... 42
CAPITULO II - OS SALESIANOS NA ITÁLIA E SEU TRANSPLANTE PARA O
BRASIL: TEORIA E PRÁTICA, IDÉIAS E IDEOLOGIAS .......................................... 45
2.1 1.800: A Itália no século da liberdade ................................................................. 47
2.2 O Fundador: um camponês com coração do feudo e uma razão da cidade –
Uma visão histórica ................................................................................................... 59
2.3 Uma Pedagogia com o coração do Feudo e a Razão da Cidade no século da
liberdade.................................................................................................................... 84
2.4 O Transplante da Obra Salesiana para o Brasil - Sua missão civilizatória ......... 96
2.4.1 Os 1900 – Os salesianos na sociedade brasileira num tempo de conflitos .... 112
2.4.2 O Ensino Superior salesiano no Brasil .......................................................... 122
2.4.2.1 Faculdade Salesiana de Lorena: clerical e tomista ..................................... 125
2.4.2.2 Faculdade Salesiana de Americana - Humanista e Pedagógica ................ 147
2.4.2.3 Faculdade Salesiana de Campinas - Tecnologia e Pesquisa..................... 152
2.5 O Ensino Salesiano no Brasil em Busca de identidade ..................................... 157
2.5.1 Dúvidas sobre a eficiência e sentido do ensino confessional no Ensino
Superior ................................................................................................................... 159
2.5.2 Uma reflexão sobre o Ensino Superior Salesiano em nível mundial – As IUS
................................................................................................................................ 163
2.5.3 O UNISAL – à luz dos princípios emanados das IUS revendo sua história .... 167
CAPÍTULO III - O UNISAL ENTRE OS SÉCULOS XX E XXI EM BUSCA DE SUA
IDENTIDADE: TENSÕES ENTRE O PASSADO, O PRESENTE E O FUTURO .... 173
3.1 Passado, presente e Futuro: Da quietude da Idade Média para o movimento da
idade moderna e a aceleração da idade contemporânea ....................................... 176
3.1.1 As bases espirituais da cosmovisão salesiana: a ideologia medieval ............ 180
3.1.1.1 Pressupostos para o entendimento da cosmovisão salesiana: a História em
movimento ............................................................................................................... 183
3.1.1.2 João Bosco diante do seu tempo ................................................................ 190
3.1.2 Década de 1960: abalos nas crenças e estruturas da congregação .............. 199
3.1.2.1 Abalos em nível de mundo ......................................................................... 200
3.1.2.2 Abalos em nível de Igreja ............................................................................ 202
3.1.2.3 Abalos em nível de congregação ............................................................... 206
3.1.3 A Igreja após a crise dos anos 1960 .............................................................. 211
3.1.4 Religião no século XXI e tensões com o pensamento contemporâneo ........ 216
3.1.4.1 Dom Bosco – Mito ou lenda ....................................................................... 219
CAPÍTULO IV - O CENTRO UNISAL NO SÉCULO XXI ......................................... 226
4. 1 O UNISAL no século XXI - desafios ................................................................. 230
4.2 O Lugar da Educação Salesiana ...................................................................... 234
4.3 O pensamento de Dom Bosco na prática docente e pastoral do Centro UNISAL
................................................................................................................................ 249
4.3.1 Salesianidade e corpo docente ...................................................................... 253
4.3.2 Salesianidade e corpo discente ...................................................................... 272
CONCLUSÃO.......................................................................................................... 297
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 315
GLOSSÁRIO ........................................................................................................... 325
LINHA DO TEMPO.................................................................................................. 328
22
INTRODUÇÃO
sabendo-se que os ardores dos primeiros seguidores precisa agora ser organizado,
disciplinado e racionalizado. Há o predomínio de normas, sendo que a experiência
institucional se conduz por leis e princípios. Não mais prevalece a intuição e a
criatividade, mas a legalidade do que e como se deve fazer e viver. O sentimento
que prevalece é o da simpatia. Acredita-se com certa benevolência nas idéias e
ideais do fundador.
O trabalho com jovens no ensino superior jamais fizera parte dos ideais
educacionais do fundador. O ingresso neste campo foi, no caso de Lorena, a
necessidade de garantir que os salesianos continuassem a lecionar nas suas
escolas através de um diploma reconhecido pelo governo. As faculdades de
Americana e Campinas surgiram por ação unilateral de seus diretores sem apoio e
autorização de seus superiores.
Aos salesianos não cabe mais discutir se deveriam ou não atuar no ambiente
universitário. Essa é uma questão superada. O questionamento atual é se a
proposta educacional da congregação salesiana chegaria aos estudantes desta
instituição. Chegariam a conhecer Dom Bosco como modelo e educador?
Conheceriam suas idéias? O UNISAL nas suas proposições e práticas educacionais
estaria afinado c a matriz salesiana? Partir deles poder-se-á verificar se o UNISAL
é uma agência de ensino que se mantém fiel aos ideais educacionais do fundador?
O ingresso dos salesianos no ensino superior aconteceu sob forte rejeição da maior
parte dos salesianos que o consideram como infidelidade, na melhor das hipóteses,
e traição, na pior, dos ideais do fundador que somente pretendera atender aos
jovens pobres e marginalizados. Como já foi assinalado anteriormente, o ensino
superior é um fato consumado e assumido pela congregação. Cabe constatar se o
corpo docente conhece e assimila os valores educacionais salesianos e os faz incidir
sobre o corpo discente. Buscar-se-á elaborar um diagnóstico que permita definir em
que intensidade e qualidade acontece a proposta salesiana neste espaço educativo.
fundador e seu método educativo, existe uma real prática de sua pedagogia ou
prevalece o simulacro de seus princípios educacionais e práticas pedagógicas.
1
- GASPARETTO JÚNIOR, Antônio. Historiografia
Marxista. Disponível em:
<http://www.infoescola.com/historia/historiografia-marxista/>. Acesso em: 10 maio 2011.
32
É nos intrincados sucederes da história que as instituições, através dos seus mitos,
ritos e símbolos, dão sentido e significado à sua existência e ação. Hoje se entende
que a história é feita de diversas circunstâncias da vida humana 5 sendo os princípios
teóricos do historicismo marxista e agostinianismo instrumentos, neste trabalho, para
o entendimento do Centro UNISAL.
2
- Karl Popper (1909-1994) – Defendeu o racionalismo crítico” e foi contundente no seu
ataque ao Historicismo que define como”método pobre – que não produz fruto algum”. Cf. POPPER,
Karl. A Miséria do Historicismo. São Paulo: Cultrix, 1961, p. 2.
3
- POPPER, op. cit.
4
- AMERIO, Franco. História da Filosofia Antiga e Medieval I. Coimbra: Casa do Castelo,
1960, p. 175.
5
- Ibidem.
33
sobre o camponês João Bosco que teve, como educador, de realizar uma síntese
entre sua mentalide camponesa de matriz medieval e o novo mundo urbano de
matriz liberal. É neste contexto histórico que elabora seu sistema de educação que
é, posteriormente, transplantado para o Brasil com dupla finalidade como já
afirmamos: em nível eclesial ser um dos braços da romanização capitaneada por Pio
IX e, em nível social, promover uma ação civilizatória para um país concebido como
rude e distante da modernidade industrial. Neste contexto é implantado o Ensino
Superior salesiano consecutivamente em Lorena, Americana e Campinas. Não
tendo sido querido por boa parte dos sócios salesianos até o final do século XX, o
ensino superior salesiano encontrou dificuldades em “verbalizar” sua identidade
salesiana adequando-a para uma clientela que já ultrapassara a adolescência.
Este trabalho pretende ser uma contribuição de forma direta para o UNISAL
avaliando-se a qualidade de sua ação a partir dos valores que o fizeram surgir. E,
ainda que voltado para uma instituição católica, acreditamos que as reflexões
expostas servirão para outras instituições confessionais de ensino superior que se
34
erigiram a partir de crenças e valores que deveriam lhes conferir, num mundo
fragmentado, uma inquestionável identidade.
35
AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL
Esta pesquisa tem por escopo verificar o impacto na Academia dos princípios da
Filosofia e da Pedagogia salesiana no Centro Universitário Salesiano de São Paulo
já que o significativo aumento de professores contratados pela capacidade técnico-
pedagógica nem sempre permite um consistente acesso aos princípios filosófico-
educacionais da Instituição. Além disto, questões financeiras e administrativas
absorvem grande energia espiritual de seus gestores, preocupados com a saúde
financeira da instituição. Tem-se por objetivo diagnosticar até que ponto os valores
36
6
Retomamos as idéias já expostas que o ingresso no mundo universitário foi visto
7
com desconfiança por muitos salesianos até o fim da década de 1990. A fundação
das Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena em 1952 foi apenas a
legalização do Instituto de Filosofia voltado para formação de seminaristas
salesianos que, impedidos de dar aulas pela crescente exigência de diploma
reconhecido, tiveram necessidade de legalizar seus cursos. Poucos salesianos da
época avaliaram a implicação do seminário de Filosofia ser reconhecido pelo
governo: as portas deveriam se abrir para alunos externos tornando-se uma
instituição de prestação de serviço ao público em geral.
6
- Alguns salesianos acreditaram na possibilidade de ingresso no Ensino Superior. Uma
primeira tentativa foi a criação do Curso superior de Administração e Finanças implantado no Liceu
Coração de Jesus no bairro de São Paulo de Campos Elíseos e reconhecido pelo Decreto 20.158 de
30 de junho de 1931. No dia 18 de março de 1939 formava-se a primeira turma. Como Decreto Lei
7.988 de 22 de setembro de 1945 se extingue este curso sendo substituído pelo de Ciências
econômicas. Há, porém, forte resistência dos salesianos que, de um lado não se sentem preparados
para abraçar o ensino superior e, de outro, acreditam que esse não seria o tipo de trabalho fiel o
fundador. Os poucos que o defendem não resistem às pressões da maioria. E, apesar do curso ser
reconhecido definitivamente pelo decreto 25.225 de 15 de julho de 1948, neste mesmo ano, porém,
no dia 3 de agosto o curso é agregado à universidade Católica de São Paulo. Cf. SANTOS, Manoel
Isaú Ponciano dos. Liceu Coração de Jesus. São Paulo: Salesiana, 1985, p. 348-356.
7
- O termo “salesiano” refere-se aos religiosos consagrados por votos religiosos na
Congregação Salesiana. Ainda que seja uma “congregação Religiosa” no sentido estrito, ela se
camuflou frente à sociedade e aos políticos liberais e anticlericais italianos do século XIX adotando
uma nomenclatura e procedimentos leigos, assumindo o nome civil de Sociedade de São Francisco
de Sales, sendo seus religiosos denominados de sócios, o Superior geral assume o nome de Reitor
mor e os superiores das casas religiosas de diretor. Atualmente O termo “salesiano” diz respeito, em
sentido amplo, a todos seguidores dos princípios e práticas pedagógicas elaboradas por João Bosco.
Em sentido restrito se refere aos religiosos que fazem parte da Sociedade São Francisco de Sales.
8
O Centro Universitário Salesiano de São Paulo foi definitivamente credenciado pelo
Ministério da Educação por Decreto Presidencial no dia 24 de novembro de 1997.
37
9
- “Instituições Universitárias Salesianas” congregando inicialmente os seguintes países
fundadores: Argentina, Bolívia, Brasil, Checoslováquia, Chile, Equador, Itália, Papua Nova Guiné,
Polônia, Espanha, El Salvador, Índia, Japão, México e Peru.
10
- Esta questão será objeto neste nosso trabalho de sondagem de campo junto a discentes
para avaliar o impacto da pedagogia salesiana sobre suas formações. Analisaremos também como a
salesianidade é tratada nos projetos dos cursos e nas práticas pedagógicas.
11
No caso de Lorena deve-se considerar que uma significativa parte do corpo docente teve
contato com a Pedagogia salesiana no antigo Colégio São Joaquim com cento e vinte e um anos
(1890-2010) de existência. Acredito que essa pesquisa nos permitirá ampliar para outras instituições
confessionais algumas conclusões plausíveis de universalização.
38
O Símbolo é o que nos faz remontar e lembrar a experiência do fundador por sinais.
O vestir-se e o envolver-se de símbolos representa conectar o hoje com o ontem. O
paramentar-se, não só no sentido religioso, significa dar identidade ao Rito indicando
a fonte de onde se vem. O Símbolo é um referencial ao Mito inicial. Mesmo as
construções são sinais de uma determinada Instituição que procura se impor pela
grandeza, esplendor e majestade para assinalar o que representa.
Uma Instituição que se consolida é um atrativo para novos membros, ora por uma
clara opção pelos ideais fundacionais, ora pela procura de status, poder ou
remuneração. Cria-se tensão entre as dimensões carismática e institucional, entre
os ideais do fundador e o cotidiano pouco romântico com sua materialidade
40
educadores que não crêem nas propostas dos mantenedores e alunos que não
recebem os influxos desta experiência fundante. O destino desta Instituição será, ou
a radical presença de vigorosos e violentos reformadores que busquem retomar o
espírito da fundação, ou a ruptura com os paradigmas fundacionais substituindo-os
por outros ou, ainda, o melancólico encerramento de suas atividades.
seguir aprofundaremos que itinerário essa pedagogia teve que fazer para se
adequar ao ensino superior12. Explicitemos esses passos.
Um segundo passo é contextualizar João Bosco neste cenário, pois também ele vive
as contradições e inseguranças deste tempo. Possui um pé fincado no campo com
uma mentalidade tradicional apoiada nos valores da família, da igreja e do ritmo
sazonal de plantio e colheita. Ao migrar para a cidade em busca de vida melhor toca
nas contradições que os conglomerados humanos mais densos explicitam,
sobretudo numa época de crise. Assiste a revoltas, a movimentações de tropas,
violência urbana, injustiças, ataques explícitos à igreja e a miséria que campeia
entre os migrantes. Como neo-sacerdote se vê numa encruzilhada em que deve
optar por ser um padre com funções estáveis e rotineiras e com proventos
suficientes para uma vida digna, ou se integrar nos inseguros redemoinhos dos
novos tempos que não possuem nem caminhos e nem soluções prontas. A
experiência psico-existencial daquele que mais tarde se tornará um fundador são
fundamentais para compreender a construção de seu ideário de educador.
12
- Logo após a Índia o Brasil foi um dos primeiros países a ter ensino superior salesiano.
Houve uma primeira “join venture” com o ensino superior em São Paulo no com a fundação de uma
faculdade de Administração como já foi explicitado na nota 1 deste trabalho.
13
- Giuseppe TALAMO (Org). Gli Ideale del Risorgimento e dell’unità - Nel Primo centenario
dell’Unità d’Italia. Roma, Ente Nazionale Biblioteche Popolari e Scolastiche, 1961. p. 7
14
- Francesco MORONI. I Cattolici e Il Risorgimento. Torino. Elle DI CI 1961. p. 37
44
Um quarto passo é perceber que esses princípios educacionais com suas práticas
pedagógicas são transplantados para outros continentes. Aqui, no final do século
XIX e inicio do XX, se recriam condições similares às da Itália no campo econômico
com uma pré-industrialização em marcha tanto no entorno da baía de Guanabara
como, posteriormente em São Paulo
IDÉIAS E IDEOLOGIAS
Nenhuma estrutura erigida numa sociedade pode ser entendida e explicada sem
desvendarmos e desvencilharmos as intrincadas teias ideológicas que se
embaralharam na sua construção e nenhum ser humano pode ser entendido
isoladamente, mas como um filho da sua cultura e do seu tempo. Cabe ao estudioso
decodificar o entorno histórico deste homem, sem o que, jamais poderá apreender
em verdade suas idéias, ideais e projetos. Não se trata de um fatalismo ou
determinismo histórico, mas de algo que de certo modo está na “genética cultural”
de cada geração e de cada tempo.
Uma ultima sinalização importante. A história jamais se refaz ou se repete. Ela traz
lições e mostra caminhos. Ideais, idéias e instituições vindas do passado não são
peças arqueológicas que devem ser mantidas em vitrines. São experiências válidas
e sábias, mas que devem ser recriadas, refeitas, readaptadas para novos tempos,
por novos homens e para novas sociedades. O passado lança luzes para o
entendimento do presente para que se possa construir o futuro. Caberá, porém, a
cada geração, construir o seu futuro do seu modo a partir de sua realidade dando
respostas para suas necessidades e para o seu tempo que sempre será novo e
único.
46
A Sociedade São Francisco de Sales tem suas raízes no século XIX como resposta
de João Belchior Bosco aos desafios de uma época de tensões econômicas, sociais,
políticas e religiosas e que nascem a partir da desestabilização e paulatina mudança
do modo de produção. João Bosco deu respostas ao seu contexto histórico,
conseguido, porém elaborar princípios que transcenderam o seu tempo e ainda hoje
são acolhidos por educadores que os assumem como instrumentos de educação de
jovens confiados aos seus cuidados.
15
- Cf. HOBSBAWN. Eric J. A Era das Revoluções. S. Paulo: Paz Terra, 1981, p. 23-42.
16
- Cf. HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1976, p. 155-164.
17
- A França é o mais explicito modelo onde a nobreza e o alto clero se constituíram como
classes parasitárias.
18
- Cf. HUBERMAN, op. cit., p. 225-245.
48
19
Cf. Rubim Santos Leão de AQUINO. Denize de Azevedo FRANCO. Oscar Guilherme Pahl Campos
LOPES. História das Sociedades. Rio de Janeiro, Editora ao Livro Técnico, 1980. pp. 408-411.
20
-“A grande crise que abalou a universidade de Paris em 1277 e que culminou com a expulsão dos
mestres aristotélicos representa um momento de enorme significação dentro do contexto medieval e
é motivo para profundas reflexões sobre o sentido histórico e sua importância para o pensamento
ocidental. (...) O decreto de1277 não é específico contra Siger de Brabante. Nem mesmo é
específico contra o averroísmo, que vinha conquistando o interesse de grande número de mestres da
Faculdade de Artes e até mesmo de alguns teólogos. O decreto de 1277 é muito mais amplo pois
procura atingir o próprio aristotelismo como via para a construção do saber”. Carlos Bento
49
MATHEUS. A Grande Crise de 1277 na Universidade de Paris. In. Revista da Educação, Lorena,
Editora Stiliano, 1999. pp. 43 e 44.
21
- “Se preocuparon por las ciencias naturales, las matemáticas, la astronimía y hasta la medicina”.
Guillermo FRAILE. Historia de la Filosofia, vol II. Madrid, BAC, 1966. p. 427.
22
- “Um novo movimento, a chamada Revolução Gloriosa, estoura em 1688, depondo Jaime II. Esse
movimento marca a ascensão definitiva da burguesia comercial ao poder. O novo rei Guilherme III,
devendo o trono ao parlamento, que o chamara, abre mão de muitas das prerrogativas laçando-se as
bases da democracia representativa inglesa”. Francisco de B.B. de Magalhães FILHO. História
Econômica. São Paulo, Sugestões Literárias S.A, 1979. p. 263
50
23
- “A Igreja em certa época toda poderosa tantos em assunto espirituais como temporais, perdeu o
controle sobre os Estados, mas expandiu seus esforços na esfera religiosa. A Reforma Protestante
trouxe, por sua vez, grandes alterações nas práticas religiosas e a Renascença revolucionou os
aspectos culturais da vida européia”. John Fred BELL. História do Pensamento Econômico, Rio de
Janeiro, Zahar Editores, 1976. p. 76.
24
- “Há mesmo certa afinidade entre as Sumas de teologia e as belas igrejas românicas ou góticas
emergindo bem no tempo em que as solenes melodias gregorianas fraternizavam com as joviais
canções de amor e a gestas improvisadas dos trovadores. Ativas escolas de teologia e santuários
bem cinzelados brotaram nos mesmos espaços e datas aproximada”. Carlos JOSAPHAT. Tomás de
Aquino e a Nova Era do Espírito. São Paulo, Loyola, 1998. p. 13.
51
Aqui estão postos os ingredientes das convulsões sociais e políticas do século XIX,
pois a mudança de estruturas passa por ações revolucionárias e busca de novas
reformulações. É a tensão entre o antigo mundo com o seu status quo e as
sementes de uma nova sociedade pré-industrial que se configurava.
25
- Raffaello Lambruschini (1788 – 1873), político, religioso, agrônomo e pedagogo italiano.
Teve marcante influência politico. Sua obra póstuma Dell’Autorità e Della Libertà foi compilada por
Angiolo Gambaro e reúne diversos manuscritos, entre os quais cartas arquivadas na Biblioteca
Nacional central de Florença. A coletânea dessas cartas, anotações e escritos diversos confere a
Raffaerllo Lambruschini especial destaque porque escritos ao longo de sua vida, o que nos permite
captar as palpitações dos momentos históricos por ele vividos da unificação da Itália. Seus escritos,
neste livro-coletânea nos permitem sentir os impactos e percepções deste pensador-pedagogo no
exato momento em que aconteciam, dando-nos uma apreenção mais qualificada dos sentimentos
que permeavam a alma desse autor e seus coetâneos frente aos diversos sucederes históricos dos
quais participovam: o congresso de viena, o Risorgimento, a invasão dos território papais e
constituição do estado-nação da Itália.
52
De fato, a igreja consolidara até então um imenso poder econômico, político e social
que, mesmo se contestado pela Reforma Protestante, garantia-lhe, porém, o efetivo
controle social, político, econômico e ideológico da região sendo significativo
empecilho de progresso para a burguesia por sua tradição e mentalidade medieval
centrada na posse da terra e na dependência das populações ao seu comando.
Além do mais seu prestígio se estendia pelo mundo católico entendido por seus fiéis
como de origem divina. A Igreja se configura como espaço de resistência às
mudanças políticas e sociais, fortalecida por uma visão teocrática que justificava
suas propriedades, seus reinos-bispados e, sobretudo, os Estados Pontifícios, sério
obstáculo material e espiritual para unificação da península, porque encravado no
seu centro impedindo a integração física entre norte e sul. Na mentalidade católica
da época se associa esse confronto com o que Agostinho expressara em sua obra A
Cidade de Deus que polarizara as duas cidades, a de Deus e as dos homens, esta
dissoluta e pecadora, aquela santa e prefeita. Pelas armas os exércitos papais
defendiam a integridade territorial e nos púlpitos se denunciava os ataques a Deus e
à religião. Daí, o anátema ao liberalismo tinha sentido para os católicos porque
atingia em cheio os interesses materiais e espirituais da igreja. A unificação italiana
26
- “Ogni cosa s’agita intorno a me. L’Italia, e potrei dire l’Europa tutta, è sconvolta come um
maré in tempesta. Pensieri disordinati, passioni furiose vanno e vengono como onde che si
accavallano da opposte parti, e si scontrano e minacciano d’inghiottirci. Non è disordine passaggero
per lievi e recenti cagioni. È sconvolgimento profondo preparato da secoli. Ma gli uomini han chiuso gli
occhi per no vedere i nuovi che si accumulavano: han chiuso gli orecchi per non udire la romba della
procella. Nessuno vuol recivere saviezza (sic) se non da’ propri mali. Così è fatto l’umano orgoglio: la
sola l’avversità può domarlo.E Iddio ci ammaestra com l’avversità. Basteran eglino almeno i passati
Mali a scuoterci, e a illuminarci?”. LAMBRUSCHINI, Raffaello. Dell’Autorità e Della Libertà. Firenze:
La Nuova Italia, 1926, p. 5.
.
53
construída entre 1815 e 1870 teve nos ideais da Revolução Francesa o modelo para
se construir um novo Estado-nação.
27
- Gli avvenimenti succeduti in Francia alla convocazione degli Stati Generali (5 maggio
1789) ebbero um rapido contracolpo in tutta Italia: di fronte al grandioso evento che modificava
radicalmente i rapporti fra classi sociali con la definitiva abolizione dei privilegi feudali e l’affermata
uguaglianza di tutti i cittadini di fronte alla legge, l’opinione pubblica si divise bem presto tra coloro
che nelle nuove idee videro la fine dell’ordine constituito, la vittoria della violenza, il declino di tutti i
principii sui quali si erano fino ad allora fondati gli stati, e quanti alla nuova esperienza politica
guardarano come ad un faro di nuova luce, ad um esempio da tenere costantemente presente perchè
valido anche al di là della terra di Francia. Questi ultimi formarono il movimento che venne detto
giacobino per analogia con l’omonima corrente politica di oltr’Alpe, ma i cui partecipanti preferirono
chiamarsi patrioti per sottolineare piuttosto l’aspetto nazionale della loro azione che la dipendenza
ideológica e pratica della Francia. (...) Con il movimento giacobino la coscienza nazionale passa in
Italia de un piano culturale a un piano político e, sucessivamente, dalla formulazione ideale alla
concreta azione politica. Cf. TALAMO, op. cit., p. 17.
28
- La volontà del príncipe è variable, e soggetta alle più vili, ed alle più perniciosi passsioni;
talché nel Despotismo tutte le abbominazioni, tutte le iniquità, tutte le ribalderie, possono prendere
aspecto di buono, di giusto, e di onesto. Cf. N. SPEDALIER, apud TALAMO, op. cit., p. 19.
54
29
- Destacam-se neste período alguns escritores e políticos da península que divulgaram,
aprofundaram e deram sustentação teórica a ideal do Risorgimento. Destacamos: Giovanni Dominico
Romagnoni (1781-1835). Escreveu Ciência das Constituições que só foi divulgada em 1848 mas que
teve forte impacto no nível das idéias e princípios; Vicente Gioberti (1801-1852). Escreveu Primato
Morale e Civile degli Italiani (1843); Prolegomini al Primato (1847); Il Rinovamento Civile d’Italia
(1852). Cesar Balbo (1789-1853). Escreveu As Esperanças da Itália (1844). Giuseppe Mazzini (1805-
1872). Os seus escritos foram compilados em 18 volumes. Sua atuação política com significativa
militância republica lhe deram o lugar de principal ideólogo da construção do Estado Italiano
moderno. Cf. MOSCA, Gaetano; BOUTHOUL, Gaston. História das Doutrinas Políticas. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1975, p. 245-252.
30
- La Giovine Italia è la fratellanza degli italiani credenti in una legge di Progresso e di Dovere;
i quali convinti che l’Italia è chiamata ad essere Nazione – che può con forze proprie crearsi da sè
(...). L’Italia comprende: l’Italia continentale e peninsulare fra Il mare al sud, Il cerchio superiore
dell’Alpi al nord, le bocche del Varo all’ovest, e Trieste all’est; le isole dichiarate italiane dalla favella
degli abitanti nativi, e destinati ad entrare, con un’organizazione amministrativa speciale, nell’unità
politica italiana. La Nazione è l’universalità degli Italiani, affratellati in un patto e viventi sotto uma
legge comune. “Giuseppe MAZZINI - Istruzione Generale per Gli Affratellati Nela Giovine Italia
(1831)”. In: TALAMO, op. cit., p. 49.
55
do povo da escravidão, numa explicita analogia à situação vivida por diversos reinos.
A música Va Pensiero se torna hino da unificação tendo na liberdade e na
autodeterminação o ideal do Risorgimento. A Áustria, após 1815, impusera sua
hegemonia no norte da península constituindo reinos absolutistas que gravitavam ao
seu redor. Os governos desses reinos não gozavam de apoio popular o que
favorecia a propagação de ideais nacionalistas e revolucionárias. Essa situação
favorecia a formação de diversas associações secretas que buscavam a libertação
de potências estrangeiras vendo na unificação o melhor meio de garantir a
estabilidade da região até então sujeita a sucessivas invasões. Os carbonários,
oriundos da pequena burguesia e sem ligações com bases populares, não
encontravam apoio dos camponeses católicos tradicionalistas. A Jovem Itália,
fundada por Mazzini, pretendia se libertar do domínio austríaco pelas armas
buscando a unificação dos reinos, enquanto os neoguelfos defendiam a união da
península sob a tutela do papado.
31
-Coube a Vitor Emanuel II, com o significativo apoio do seu chefe de gabinete Conde Cavour
obter a unificação da Itália. Com o apoio da França e Inglaterra fez frente à Áustria nas guerras de
independência que foram concluídas em 10 de novembro de 1859 com o Tratado de Zurique. Em
1860 com o apoio de Garibaldi Nápoles e a Sicilia foram integrados à Itália. Neste ano também o
exército de Vitor Emanuel conquista os Estados Pontifícios. Em 17 de março de 1861 é proclamado
rei da Itália sendo reconhecido pela comunidade internacional com exceção da Áustria. Restava
como focos de resistência o Veneto em poder da Áustria e Roma em poder do papa. A Região do
Veneto foi integrada Itália em 1868 depois que a Áustria foi derrotada pela Prússia. O exercito francês
que protegia Roma teve que se retirar para se integrar na campanha contra a Prússia, deixando a
cidade desguarnecida e a 20 de setembro de 1870 que foi ocupada pelo exército de Vitor Emanuel. O
56
dos Estados Pontifícios, Roma se torna a sua capital. No dia 25 de Março de 1861
Cavour como presidente do Conselho dos ministros profere um histórico discurso 32
na câmara dos deputados justificando o sentido de Roma ser a capital da Itália.
Afirma:
São anos nos quais parece impossível compor juntos religião e pátria: o
católico está ao lado do papa e, por isso, contra a Itália. O verdadeiro
patriota não pode deixar de ser anticlerical. Após 1870 as coisas,
evidentemente, pioraram: posições intermediárias e conciliatórias
pareceram faltar e a oposição entre Estado e Igreja repercutiu-se no íntimo
da consciência de cada um como antítese entre italiano e católico. Tinha
sido fácil ao neoguibelinismo triunfante envolver o papado político com o
papa Pio IX se nega a qualquer negociação com o novo governo italiano se auto declarando
prisioneiro do Estado Italiano e proibindo aos católicos de votarem nas eleições do novo Reino.
32
- O discurso foi em vários momentos aplaudido e no fim ovacionado com “vivi applausi”.
33
- “Ora, o Signori, in Roma concorrono tutte le circunstanze storiche, intellecttuali, morali che
devano determinare le condizioni della capitale di un grande stato. Roma è la sola cità d’Italia che non
abbia memorie esclusivamente municipali; tutta la storia di Roma dal tempo dei Cesari al giorno
d’oggi è la storia di una città la cui importanza si estende infinitamente al di là del suo territorio; di una
città, cioè, destinata ad essere la capitale di un grande Stato. Convinto, profondamente convinto di
questà verità, io mi credo in obbligo di proclamarlo nel modo più solenne davanti a voi, davanti alla
nazione, e mi tengo in obbligo di fare in questa circostanza appello al pattriotismo di tutti i cittadini e
dei rappresentanti delle più illustri città, onde cessi ogni discussione in propósito, affinché noi
possiamo dichiarare all”Europa, affinché chi ha l’onore di rappresentare questo paese a fronte delle
estere potenze possa dire: la necessita di aver Roma per capitale è riconosciuta e proclamata
dall’intera nazione”. Discorso detto nella câmera dei deputati Il 25 marzo 1861 in ocasione della
discussione sulle interpellanze del deputato Audinot al Ministero intorno alla questione di Roma.
TALAMO, op. cit., p. 170.
57
34
“Sono gli anni nei quali sembra impossibile comporre insieme religione e pátria: Il cattolico è
per il papa, dunque è contro l’Italia. Il vero patriota non può non essere anticlericale. Dopo il 1870 le
cose, evidentemente, peggiorarono: le posizioni medie e concilianti sembrarono scomparse e l’antitesi
fra Stato e Chiesa si ripercosse nell’intimo della coscienza di ciascuno come antitesi fra italiano e
cattolico. Era stato facile al neoghibellinismo trionfante coinvolgere nel papato político Il papato
religioso. Professavano che combattere e colpire Il Papa come capo dello Stato pontifício era
combattere e colpire, insieme, Il Papa come capo della Chiesa cattolica. Profetavano che la rovina
dello Stato pontifício sarebe stata la rovina, insieme, della religione cattolica. Per essi la presa di
Roma non era più soltanto l’adempimento di una legittima aspirazione nazionale col compimento
dell’unità italiana, ma acquistava un significato di lotta religiosa, di trionfo sul cattolicessimo, di fine del
pontificato romano, e simili”. MORONI, op. cit., p. 48.
58
35
- O Oratório festivo era um espaço que funcionava nos finais de semana com esportes,
recreações, música e formação religiosa com a finalidade de retirar adolescentes e jovens das ruas
nos dias em que não trabalhavam, quando, ociosos, estavam mais vulneráveis à bebida, jogos,
pequenos furtos e violência.
59
A vida de um fundador não pode ser abstraída do seu meio econômico, político e
social. Costuma-se chamar o contexto onde alguém vive de fundo histórico. Esta
expressão, ainda que consagrada, é pobre porque passa a idéia dum fundo de cena
que apenas contextualiza o “ator”. Cada pessoa é produto de seu meio, reagindo e
interagindo a ele. A cultura é resultado do modo de produção das riquezas e dos
meios de subsistência. O ser humano, ainda que dotado de potencialidades
racionais e espirituais, tem como necessidade primeira o atendimento de suas
exigências biológicas ou, de uma forma menos elegante, de suas necessidades
animais. A única e real riqueza é o alimento. Todos os outros elementos culturais
são adereços a essa necessidade primária. Garantida sua vida biológica o homem
organiza a sociedade, as leis e os costumes em torno dos seus meios de
subsistência. Quando a sociedade se torna complexa, a luta pela sobrevivência
ganha foros de embate político, de poder e de status. Nas sociedades mais
complexas os mais capazes de acumular meios de sobrevivência se impõem
psicológica e materialmente ostentando, através das riquezas acumuladas, sua
capacidade não só de sobreviver, mas de se sobrepor sobre os outros numa ótica
darwiniana. Esta demonstração de força animal primária emerge e está subjacente
em todas as formas de modos de produção, seja através do acúmulo de metais
preciosos, seja no capitalismo comercial ou industrial, expressando sempre, de
forma subliminar, o poder de sobrevivência dos mais fortes. Essa desmistificação da
globalidade do suceder social é desconcertante, mas real. O modo de produção dos
meios de subsistência será determinante para a organização ideológica da
sociedade nos seus aspectos teóricos e eruditos. Portanto, lutas sociais e políticas
em qualquer época da história, ainda que em seu meio existam idealistas que
aparentemente transcendam a esse impulso primário, terão essa premissa em sua
origem. Assim, os grandes embates ideológicos, sociais e políticos do século XIX,
ainda que elegantemente etiquetados com as mais variadas e eruditas
denominações, terão na sua essência essas forças primárias que tendem a
determinar os rumos da história. É nesta “calda primária” que estão envoltos os
fundadores e, por mais espirituais que sejam seus ideais e suas visões, no momento
em que promovem interferências na sociedade, explicita ou implicitamente serão
60
Com relação à experiência fundante de João Bosco no século XIX, seguindo a lógica
dos raciocínios anteriormente expostos, não procede se falar dum “pano de fundo”
histórico-social, mas de uma realidade econômico-social que lhe moldou a
personalidade numa época de conflitos e tensões ideológicas quando se mesclam,
confundem e confrontam modos de produção antagônicos. O subsolo econômico
deste século se mostra instável gerando “abalos sísmicos” sociais. Numa mesma
península estão presentes relações campesinas oriundas da idade média, grupos de
comerciantes e uma nascente classe industrial que se conflitam e antagonizam
desestabilizando a um só tempo a igreja, reinos, feudos, manufaturas e
trabalhadores. Para o homem simples ou letrado dessa época essas movimentações
econômico-sociais eram de difícil compreensão e assimilação porque antigos
modelos eram abalados sem que os novos apresentassem consistência
convincente.
A obra iniciada por João Bosco ao projetar-se para o mundo possui uma explicita
proposta religiosa e educacional. Apreender e compreender o perfil deste homem
representa nos apropriarmos do embasamento humano e religioso que deu
sustentação à elaboração da pedagogia salesiana que, nascida no século XIX, se
projetou para o século XX e procura estabelecer diálogo com o século XXI. Entender
o homem e o seu entorno humano e cultural é captar o modelo pedagógico de
educação que propôs, procurando vislumbrar neste retorno ao passado aqueles
elementos educacionais que transcendem tanto a mentalidade do homem Bosco,
como a de seu tempo, porque atemporais.
João Bosco viu sua experiência pessoal se transformar em experiência fundante. Ele
fez parte daquele contingente de jovens que migraram, foram aprendizes e
passaram necessidades. No entanto, na narração do mito fundacional salesiano
essas experiências são narradas como únicas, heróicas e épicas. A casa pobre que
morava era como a de todos os campesinos. Mas nas narrativas, a “dele”, tende a
61
ser descrita como a mais pobre, a mais sofrida e limitada que as outras. A
idealização exagerada distancia de tal forma a realidade vivida pelo fundador que
seu ideal pode parecer também inexeqüível porque demais desencarnado e
idealizado.
Este processo também aconteceu com Dom Bosco que, como tantos camponeses
do Piemonte, também deixou o mundo rural e ingressou no urbano. Essa passagem
não é apenas física, mas, sobretudo espiritual. No século XIX ir para uma cidade em
início de industrialização é mais que percorrer alguns quilômetros entre o campo e a
urbe, mas era transpor no percurso de uma pequena viagem a barreira de vários
séculos com a quebra de paradigmas culturais, religiosos e sociais. Sua história
pessoal36 é como a de tantos adolescentes e jovens que saíram dos campos para se
integrarem no ambiente urbano-industrial que começa a se organizar em algumas
cidades da península, acreditando-se que nelas as oportunidades seriam melhores.
João Bosco na cidade busca sua subsistência37 como aprendiz. Em 1835 ingressa
36
- Bosco nasce no dia 16 de agosto de 1815 numa modesta família de meeiros na região de
Turim. Margarida Occhiena é casada com Francisco Bosco, viúvo que trazia para essas segundas
núpcias um filho de nome Antônio. Dois anos após o nascimento de João seu pai vem a falecer
vitimado por pneumonia. A vida da família fica transtornada pela ausência de seu chefe. São a mãe,
três irmãos e uma velha avó. As dificuldades de sobrevivência se ampliam sendo inclusive Margarida
Occhiena processada por não cumprir compromissos assumidos com um arrendatário. A figura de
Margarida é um referencial significativo na vida dos filhos. . Cf. BOSCO, João. Memórias do
Oratório São Francisco de Sales. São Paulo: Salesiana, 2006, p. 23-27.
37
- Camponeses alternam suas vidas entre as lidas do campo, os trabalhos nos celeiros e a
freqüência a vida religiosa. O piemonte é uma região de significativa tradição religiosa e mística com
a religião perpassando toda a vida dos camponeses. A Igreja com seus capelães dá significado à vida
e à morte, ao plantio e às colheitas. A liturgia dos templos se confunde e se mescla com o suceder
das estações. João Bosco, adolescente e jovem, assistindo a desintegração dos estados papais, o
avanço do liberalismo e os movimentos anticlericais, não deixa de descrever de forma idealizada a
vida no campo regida pelas duras lidas do manejo da terra, mas adocicada pelo som dos
campanários a lembrar a caducidade desta vida. Prevalecia aí o tempo de Deus e não o tempo dos
homens, retratando quase de forma idílica esta sociedade com reis, trabalho e reza com o olhar
sempre voltado para eternidade. Essa cosmovisão cristã impregnará alma de João Bosco por toda
vida, mesmo depois que adentrando na cidade e se relacionando politicamente com os liberais, tenha
assumido ações afinadas com o mundo urbano e industrial. Os ideais inculcados em sua educação
no campo serão referencias por toda sua vida, mesmo quando realize ações pragmáticas no mundo
industrial que nasce. Cf. BOSCO, op. cit., p. 23-27.
63
Após três anos de estudo coloca-se a serviço da marquesa Barolo42 na sua obra de
assistência a meninas carentes e órfãs. Egresso do mundo acadêmico,
38
- Chieri é um município italiano da região do Piemonte, província de Turim.
39
- José Cafasso nasceu em 1811 em Castelnuovo D’Asti. Ordenou-se sacerdote aos 23 anos
e foi responsável pela formação de mais de 100 sacerdotes. Exerceu boa parte do seu ministério no
atendimento aos condenados à forca. Foi formador de João Bosco a quem fez sentir a miséria moral
em que vivia a juventude pobre. Faleceu em 1860 aos 49 anos.
40
- A anotação que segue é extraída dos regulamentos e objetivos que regem a fundação do
Convitto: “A necessidade de ter bons eclesiásticos ministros da Igreja, e a calamidade dos tempos
que fizeram encalhar todos os meios para isso, fizeram refletir. Sempre se reconheceu ser necessário
aos eclesiásticos, depois do qüinqüênio de teologia, o estudo da moral prática. Ser necessário para
os jovens eclesiásticos algum exercício de preparação para o púlpito antes de nele se encontrarem
obrigados por razão de emprego, e por isso foram tomadas providências pelos nossos
reverendíssimos arcebispos a esse respeito”. BOSCO, op. cit.,. Nota AAT 19,15, p. 117.
41
- BRAIDO, Pietro. Dom Bosco, Padre dos Jovens no Século da Liberdade Vol. I e II. São
Paulo, Editora Salesiana, 2008, v. I., p. 160.
42
- French Julieta Colbert de Maulévrier ( 1764 - 1838 ), more well-known like Marquesa de
Barolo, was famous Turinese lady of Siglo XIX that was interested in the situation of the children and
marginal young people or in difficult situations in a time in which Turin lived its own industrial
Revolution and Italy marched towards its unification obtained in 1870 and that had like hepicentro to
Piedmont . It founded several religious institutes and civil, all to the benefit of the girls and their figure
in addition and are related to another Turinese illustrious like Don Bosco Jose Allamano . The
description of its person and her apostolate carefully was elaborated by the biographer of Don Bosco,
G. Lemoyne thanks to the encounter between these two remarkable personages of the piamontesa
society. SPEEDYLOOK. Marquesa de Barolo. Disponível em:
< www.myetymology.com/encyclopedia/Marquesa_de_Barolo.html>. Acesso em: 23. abr. 2011.
64
43
Os Oratórios festivos já eram uma prática da Itália dos mil e oitocentos. Em torno das
paróquias criavam-se esses ambientes que tinham por objetivo o atendimento das crianças das
famílias que freqüentavam as igrejas, sendo espaço especificamente paroquial e familiar. Reunir um
grupo de 400 adolescentes com dificuldades de integração social, sem família e propensões a ações
anti-sociais não era bem visto. Rodeado de um grupo numeroso, suspeito e itinerante pelas ruas de
Turim fazia com que a sociedade se sentisse ameaçada. Era um padre que se misturava em nível de
igualdade com essa gente. Os locais de recreação iam variando conforme as reclamações dos
vizinhos chegassem à policia ou aos líderes da Igreja. A situação só irá melhorar com o aluguel e
posterior compra da Casa Pinardi que será então o primeiro oratório com propriedade própria, se bem
que comprado num bairro suspeito tendo com vizinho um prostíbulo conhecido como a Jardineira.
65
Essa sua busca de soluções para os problemas sociais dos jovens de Turim, longe
de ser entendida como um benefício é recebida pelas autoridades e parte da
burguesia com estranhamento e eventuais hostilidades. Aos poucos chama a
atenção da cidade, menos pelo trabalho realizado, e mais pela clientela que reunia e
que parecia – em tempos tão conturbados – uma ameaça à segurança pública, pois
se eram tempos de revoltas e insatisfações, temia-se que se tornassem massa de
manobra para sublevações políticas ou mesmo para tumultos de arruaceiros. Essa
preocupação é explicitada do diálogo encetado entre João Bosco e Cavour44:
-“Meu bom padre, aceite meu conselho: não se meta com esses canalhas.
Eles são causarão aborrecimentos ao senhor e às autoridades públicas,
Garantiram-me que essas reuniões são perigosas e por isso não posso
tolerá-las.
44
- Camilo Benso, Conde de Cavour. (Turim 1810- 1861) - Político piemontês, iniciador da
unidade italiana. Funda o jornal Il Risorgimento que exerce uma considerável influência na unificação
da península e na divulgação do pensamento liberal. Foi presidente do conselho por volta de 1852,
permanecendo no cargo até sua morte. Em política interna preocupa-se em afirmar a liberdade
individual, a liberdade de imprensa e a dos cultos, combate o clero, cuja influência se encarrega de
limitar, faz vender os bens eclesiásticos improdutivos e arrebata às ordens religiosas o monopólio do
ensino. VIDAS Lusófonas. Conde de Cavour. Disponível em:
<http://www.vidaslusofonas.pt/conde_de_cavour.htm>. Acesso em: 23 abr. 2010. .
66
- Não é por mim, senhor marquês, mas pelo bem de tantos rapazes
abandonados, que talvez tivessem um triste fim.
45
-BOSCO, op. cit., p. 152-154.
46
- Inicialmente João Bosco não cria um projeto de ação, mas apenas dá respostas às
emergências que surgem.
47
- No contexto do Risorgimento o termo “frade” torna-se pejorativo indicando ordens religiosas
não produtivas e parasitárias da sociedade. Fundar mais uma ordem religiosa neste contexto é estar
na contramão da história.
67
48
- Se com Dom Riccardi as tensões se iniciaram, elas se tornaram exarcebadas nos dez anos
seguintes com Dom Gastaldi feito bispo de Turim por influência direta de Bosco junto do papa Pio IX.
Inicialmente eram amigos. João Bosco, porém, cometera a inabilidade diplomática ao lhe falar que lhe
devia o cargo de Arcebispo. Essa afirmação os distanciou de forma radical. O arcebispo expressara
toda sua mágoa ao ex-aluno do oratório teólogo Tereso ao desabafar-se: “Vangloria-se de ter
conseguido minha nomeação para bispo. Aliás, escreveu-me até uma carta, lançando-me isso no
rosto”. Na catedral de Turim numa pregação inflamada dissera que “a sua eleição era um gesto
inesperado da divina providência, para a qual não havia contribuído nenhum favor humano. Fora o
Espírito Santo, e somente ele, a pô-lo à frente da Arquidiocese de Turim”. Após dez anos de
confronto, o caso é levado a julgamento no Vaticano e a maior parte dos cardeais que julgaram a
questão ficou favorável a João Bosco, mas, visando não quebrar a autoridade de Dom Gastaldi e,
portanto enfraquecer a hierarquia, Leão XIII impõe a João Bosco a obrigação de pedir perdão em
carta pública ao bispo e, determina que o bispo, também em carta publica, lhe dê o perdão. Essa
situação – com forte impacto em Turim - não deixou de ser um rude golpe na congregação quando
seu fundador recebia a pecha de indisciplinado e desobediente à hierarquia. Alguns sacerdotes e
clérigos abandonaram a congregação. Frente à obediência incondicional de João Bosco neste
episódio, Leão XIII, talvez com fim reparar a injustiça cometida, com rapidez atendeu a todos os
trâmites solicitados por ele para o reconhecimento definitivo e autonomia de sua congregação. O
desgaste emocional dessa querela, porém, começou a minar fortemente a saúde do fundador. Cf.
BOSCO, Terésio. Dom Bosco: uma Biografia Nova. São Paulo: Salesiana, 2008, p. 487-499.
49
- Bispo de Turim entre 1867 a 1870.
50
- Bispo de Turim entre 1870 a 1883.
68
ministro liberal e anticlerical Urbano Rattazzi 51 que lhe proporá a fundação de uma
sociedade civil52 dedicada à juventude.
Numa tarde de verão de 1857, Dom Bosco foi recebido pelo ministro
Rattazzi, A conversa foi cair sobre a “obra dos oratórios” que o ministro
apreciava, especialmente depois da dedicação dos jovens em favor dos
coléricos da generala. Segundo a relação de Lemoyene, a conversa teve o
seguinte desenvolvimento:
.(...) senhor ministro, que poderei fazer para a sobrevivência de minha obra?
- Mas Vossa excelência, há dois anos, fez aprovar uma lei para a
suspensão de muitas comunidades religiosas. O que está propondo é
exatamente uma nova comunidade religiosa. Deixá-la-á sobreviver o
governo?
-Eu conheço muito bem a lei da suspensão – sorriu por sua vez, Rattazzi. O
senhor poderá fundar uma sociedade que nenhuma lei poderá jamais
afundar.
- E como?
51
- Primeiro ministro da Itália.
52
- “Em 1857, Dom Bosco conversava com o ministro Urbano Rattazzi. Este, uma vez
encaminhado o discurso para a continuidade que deveria ter a obra dos Oratórios, mesmo após a
morte de dom Bosco, o aconselhou a fundar uma sociedade para tal fim. Diante do governo não seria
mais que uma associação de livres cidadãos, os quais se unem e vivem juntos para o escopo de uma
obra de beneficência. Para Dom Bosco, tal conselho foi o início de uma série de reflexões e consultas
a várias pessoas que o levaram a uma conclusão: transformar os salesianos em congregação
religiosa. Conservariam os direitos civis, cumpririam as leis do Estado, não se apresentariam com
bens de mão morta e pagariam os impostos e taxas, como era seu dever”. FERREIRA, Antônio da
Silva. Dom Bosco e a Política. São Paulo: ISSP, 2009, p. 59.
53
- BOSCO, T., 2002, p.339-340.
69
54
- Essa rejeição torna-se oficial em 29 de maio de 1855 com a lei contra os conventos quando
são fechados os que não possuem finalidade social como hospitais e orfanatos, sendo seus bens
confiscados.
55
- “No aposento do sacerdote João Bosco, reuniram-se, às 21 horas o sacerdote João Bosco,
o sacerdote Vitório Alasonatti, os clérigos diácono Ângelo Sávio, subdiácono Miguel Rua, João
Cagliero, João Batista Francésia, Francisco Provera, Carlos Ghiavarello, José Lazzero, João Bonetti,
João Anfossi, Luís Marcelino, Francisco Cerruti, Celestino Durando, Segundo Pettiva, Antônio
Rovetto, César José Bongiovanni e o jovem Luís Chianale. Aprove aos mesmos erigirem-se em
Sociedade ou Congregação...” Ata redigida pelo padre Alasonatti. – BOSCO, T., 2002. p. 344.
56
- A terminologia religiosa é substituída por terminologia civil: congregação por sociedade;
superior geral por reitor-mor; superior local por diretor; confrades por sócios.
70
Num tempo de desestabilizações, toda novidade era vista pelos prelados maiores
como ameaça à Igreja, já questionada e fragilizada pelas novas mentalidades,
quando o Vaticano havia perdido muito de seu prestigio político, social e religioso.
Ao se constituírem os Estados Modernos a partir do século XV, eles ainda traziam
consigo a visão medieval do orbis christianus, conceito este que a Igreja, em pleno
século XIX ainda não conseguira perceber que estava em descrédito, pois tal visão
era inadequada para os tempos de Revolução Industrial:
De fato tal conceito aceito pelos reinos católicos, começa a se deteriorar, pois o.
papado vivia embates com o mundo que o rodeava ao querer impor sua hegemonia.
A prática do beneplácito59 em vários reinos católicos punha as decisões papais sob
o crivo de seus governantes e o padroado conferia-lhes poder para nomear bispos e
párocos, criar dioceses e paróquias subordinando a hierarquia eclesial aos
57
- BOSCO, T., 2002. p. 497.
58
PAIVA, José Maria. Colonização e Catequese. São Paulo: Arké, 2006, p. 22.
59
- O que aqui está sendo desestabilizada é a visão do “Orbis Christianus” que no contexto
quinhentista haviam fundido fé e império numa única visão. Todos deveriam concorrer sempre para a
glória de Deus não existindo mundo “civil e religioso”. Cf. PAIVA, op. cit., p. 22.
71
Nos últimos anos de sua vida seu empreendimento é visto como uma ação
educacional de sucesso que responde aos desafios sociais do mundo industrial,
quando começa a se construir o mito sobre o homem Bosco e sua fundação 61.
Frente ao liberalismo e ao socialismo seu trabalho se apresentava como resposta
60
- O manifesto comunista fora lançado em 1848.
61
- Em suas viagens ao final de sua vida à França e à Espanha fora aclamado por milhares de
pessoas nas ruas, sendo esse fato noticiado pelos principais jornais da época como Le Figaro e Le
Pélerin. Cf. BOSCO, T., 2002, p. 507-512.
72
Nos últimos anos de sua vida João Bosco vê a obra salesiana adquirir
reconhecimento internacional por seu trabalho com os jovens empobrecidos e
marginalizados, granjeando simpatia de governos, empresas e de vários segmentos
da igreja. De várias partes do mundo pede-se a presença da congregação com
oferta dos meios materiais necessários para sua implantação.
62
- Em 1891 Leão XIII lança a Rerum Novarum, primeiro documento que dá origem à Doutrina
Social da Igreja. Essa resposta aos problemas sociais é, porém, tardia já que soluções como o
liberalismo de Adam Smith ou o socialismo de Karl Marx já tinham forte aceitação ente a classe
patronal e operária, respectivamente.
63
- BRAIDO, 2008, p. 579.
73
64
- Nome de batismo de Pio IX.
65
- Ao escrever essa obra Bosco já possui considerável reconhecimento pelo seu trabalho, o
que gera esse pedido explicito do papa que não lhe esconde admiração e respeito; sua congregação
está sendo convocada a ser presença em vários países por autoridades civis e religiosas; há um
significativo ingresso de jovens em suas fileiras; cresce para Bosco uma explicita certeza: percebe-se
como fundador, possuindo discípulos que o amam e o seguem, começando a gozar de respeito social
e eclesiástico. Ao escrever sua vida dois elementos se somam: suas reminiscências reais e históricas
que são importantes, ao se perceber modelo para milhares de seguidores e a necessidade de, com
sua vida, apontar um caminho a ser trilhado por seus seguidores. Braido não titubeia em afirmar que
74
Repudia-se, assim a tudo que não concorra para a glória de Deus, sendo a igreja
sua interprete. Nesta chave de leitura entende-se que Deus escolhe João Bosco e o
destina para um projeto explicitado no sonho67 dos nove anos.
sua obra é, acima de tudo, uma descrição do futuro, de como as coisas deviam ser. As descrições do
seu passado são apresentadas como modelos ideais de como deveriam ser as práticas educacionais
e o relacionamento dos educadores com seus educandos no futuro. Cf.BRAIDO, 2008, p. 14-17.
66
- “Le temps de la Bible e du christianisme primitif est avant tout um temps théologique. Il
“commence avec Dieu” et il “est dominé par Lui”. Par conséquent l’acion divine, dans sa totalité, est si
naturellement liée au temps que cellui-ci ne saurait donner lieu à un problème; Il est au contraire, la
condition nécessaire et naturelle de tout acte divin”. GOFF, Jacques le. Au Moyen Âge: temps de
l’Église et temps du marchand. Annalles, Economies, Sociétés, Civilisations, France, 1960, v. 15, n.
3, mai-juin. n. 3 p. 419.
67
- Neste sonho tido aos nove anos Dom Bosco acredita que nele estaria expressa sua missão
de educador dos jovens devendo tornar “ferozes lobos” em “mansos cordeiros”. Neste “sonho” estaria
já definida a missão de sua vida. Tudo que realizar a partir daí estaria nos projetos de Deus. Não
entramos aqui na questão se esses sonhos seriam apenas narrações didáticas para seus discípulos,
sobretudo porque narrado nas Memórias do Oratório São Francisco Sales que Braido entende que,
mais que um livro de reminiscências, teria sido escrito, sem fugir ao seu fundo histórico, com a
finalidade didática de “como deveria ser o oratório”. Pietro Braido é historiador e mestre em
salesianidade do Instituto histórico de Roma. Sua ultima obra - reúne em dois volumes uma análise
profunda sobre Dom Bosco e o seu tempo. Seu livro Dom Bosco, padre dos jovens no século da
liberdade é tido como o coroamento de sua vida de pesquisador. Cf. BRAIDO. P., 2008. p. 11-17 .
75
- Sou o filho daquela que tua mãe te ensinou a saudar três vezes ao dia.
- Minha mãe diz que sem sua licença não devo estar com gente que não
conheço; dizei-me, pois, vosso nome.
- Olha.
Vi então que todos os meninos haviam fugido, e em lugar deles estava uma
multidão de cabritos, cães, gatos, ursos, e outros animais.
Torna-te humilde, forte, robusto; e o que agora vês a esses animais, deves
fazê-los aos meus filhos.
76
João Bosco entende-se como escolhido por Deus que, em vários momentos de sua
vida e através de sonhos69, mostra-lhe caminhos que deve trilhar em vista da
salvação da juventude sabendo que a providência divina não o deixará carente de
recursos espirituais e materiais. Aos seus seguidores dá a certeza que a causa pela
qual batalham é uma causa de Deus70. Uma análise historiográfica mostra que a
narração nas Memórias do Oratório São Francisco de Sales possui algo de partilha
familiar dirigida aos seus discípulos e membros da sociedade. A obra dá a certeza
da atuação de Deus em sua vida. A proibição que esses escritos fossem divulgados
tem sentido enquanto o autor mostra, em clima de confidência, o segredo do seu
sucesso: Deus o escolheu e à sua obra para realizar uma imensa missão: a
salvação da juventude. Todos os eventos que vivem não são obra do acaso, mas
um bem arquitetado plano da providência divina 71.
68
- BOSCO, J., 2006, p. 28 et seq.
69
- Os sonhos de Dom Bosco ocupam um lugar de destaque na elaboração de sua pedagogia.
Os seus interpretes se dividem no sentido de entendê-los. Para alguns seriam apenas parábolas
motivadoras para seus discípulos, através dos quais dava força aos seus projetos deixando um
espaço de mistério para suas ouvintes que veriam neles sinalizações de Deus. Outros, a partir de
interpretações psicanalíticas, acreditam que teriam seu fundo real, como expressão das
preocupações e angústias que permeavam sua vida de educador e fundador e que afloravam do seu
inconsciente como sinalizações das preocupações que levava para o leito após um dia de intensa
atividade. Nas suas descrições, porém, haveria o colorido dramático de um bom narrador.
70
- Quando seus seguidores sentiam-se esgotados repetia uma promessa: Pão, trabalho e
paraíso.
71
- Cf. BRAIDO, 2008.pp. 14-17.
77
72
- No ambiente salesiano consagrou-se a palavra “furbo” em italiano para denominar a
esperteza de João Bosco caracterizada por uma argúcia marota e inteligente, não sendo em geral
traduzida para não perder a força do seu sentido.
78
A vida de Bosco pode ser narrada pelo suceder cronológico de seu cotidiano com a
seqüência dos episódios que marcam a vida de um homem do seu tempo. Sua vida,
porém pode ser capturada e compreendida a partir das impressões que lhe tocaram
a mente e a alma. É a visão dos fatos a partir de dentro do seu psiquismo
procurando captar como o mundo lhe parecia e era percebido. Essa percepção da
vida, do mundo e da história a partir do olhar do protagonista primeiro em forma de
autobiografia nos permite angulações privilegiadas e não capturadas por um
narrador externo. E João através das Memórias do Oratório São Francisco de Sales,
pelos seus escritos e intensa correspondência deixa entrever não só como pensava,
mas como via o mundo.
Sua vida poderia ter ficado restrita aos estreitos horizontes dos Becchi74 e se
desdobrando na previsível lógica campesina de arar a terra, plantar e colher, ter uma
esposa e filhos, fazer as preces de um bom cristão e se dirigir a cada domingo à
igreja para os serviços religiosos. Neste momento histórico, porém, muitos jovens do
campo quebrando essa lógica camponesa, seja pela necessidade ou pelo desejo do
novo, partem para as vilas e cidades procurando algo melhor e com mais futuro,
rompendo o secular circulo de camponês tem filho camponês, pois os canteiros de
obra e as indústrias pareciam oferecer mais que a vida rotineira e previsível do
73
- BROCADO, Pedro. Dom Bosco: profundamente homem, profundamente santo. São Paulo:
Salesiana, 1986, p. 91 et seq.
74
- Distrito de Turim.
79
campo. João Bosco poderia também ter sido um dos tantos migrantes anônimos que
povoaram os principais centros urbanos da Europa buscando subsistência. Sua
lembrança ficaria para os parentes próximos até ser apagada pelo tempo, restando
um nome nos registros paroquiais de batismo, crisma e casamento ou ter sido, numa
outra hipótese, obscuro cura cuidando da vida religiosa do povo.
O adolescente João Bosco que sai do campo para a cidade tinha uma rígida
formação pautada em severos princípios morais e de religiosidade popular.
Aprendera a obediência e o respeito a todas as formas de autoridade: família,
governantes e eclesiásticos dentro de uma ótica medieval no qual se concebia que
toda a autoridade viria de Deus. L’ancien régime, é mais que um modelo político e
econômico: é uma mentalidade.
75
- Cf. WIRTH, Morand. Dom Bosco e os Salesianos. São Paulo: Dom Bosco, 1971, p. 24-
25.
76
- BRAIDO, 2008. p. 22-23.
80
Idoso, faz com que seja seu sucessor um dos primeiros jovens de seu oratório,
Miguel Rua que foi um dos que mais contribuíram para o crescimento da obra e
fortalecimento da imagem de João Bosco. O zelo pela memória e fidelidade ao
fundador foi seu empenho maior. Apoiou a confecção do livro Memorie Biografiche di
Don Giovanni Bosco79 que narrava em detalhes a vida do fundador.
Com sua morte esperava-se o arrefecimento de seu projeto e até mesmo o termino
da sociedade. Os burocratas da Cúria Romana previam que passado um pequeno
77
- BROCADO, op. cit., p. 40-47 .
78
- Dai-me Almas, fique com o resto. Essa expressão foi tirada do livro do Gênesis quando
Abraão e o seu sobrinho não conseguem mais se manter juntos pelas desavenças dos seus pastores
e se dividem. Abrão diz, “dai-me os homens e fique com o resto”. Essa passagem bíblica foi
entendida por João Bosco num sentido restrito que pretendia a “salvação das almas”. No texto bíblico
“animas” tem o sentido amplo de “homens” e não de “almas”.
79
- A congregação salesiana sempre teve preocupação com o arquivamento de todas as
documentações e narração da própria história. Logo após a morte de Dom Bosco, padre Rua, seu
sucessor, incentivou que fosse escrita uma detalhada biografia, hoje em inglês e Italiano. Essa tarefa
durou 50 anos e foi escrita por quatro autores perfazendo um total de 20 volumes e cerca de 18 mil
páginas, rica em farta documentação e detalhes. Responderam por essa obra, intitulada Memorie
biografiche di Don Giovanni Bosco os autores G.B. Lemoyne (I a IX), A. Amadei (X), E. Céria XI-XIX e
E. Foglio (volume índice). A partir dos centros históricos salesianos se vem trabalhando com uma
historiografia crítica com significativas produções em nível mundial. Em Roma existe um Centro
Histórico dedicado à pesquisa e ao recolhimento e conservação de documentos. No Brasil, na cidade
de Barbacena – MG - está constituído um centro de História e Documentação de todo o país. Na
cidade de Lorena o arquivo histórico possui documentações dos 120 anos da congregação no Brasil
com atas, relatórios, diários, documentos pessoais de salesianos, crônicas e cerca de 55 mil fotos.
81
Certa ocasião João Bosco distribuía brindes aos adolescentes do oratório. Miguelito
era o último e chegando sua vez não havia mais nada para lhe oferecer. Bosco fez
como se cortasse metade de sua mão e a oferecesse ao jovem dizendo-lhe:
Facciamo la metà80,explicando-lhe que a partir daquele momento tudo que tivesse e
tudo que fizesse seria dividido com o adolescente Rua81. Mais do que uma metáfora
isto foi uma realidade, pois Miguel dividiu com Bosco os projetos, sonhos e dívidas.
Grande parte da exuberância da obra de Bosco esteve apoiada neste discípulo que
como estrategista teve que conter e “domesticar” os exuberantes sonhos do
fundador, tornando-os exeqüíveis. Sua vida junto de Dom Bosco foi um tirocínio até
assumir a liderança da obra.
80
- Façamos tudo meio a meio.
81
- BOSCO, T., 2008, p. 172.
82
- Cf. DESRAMAUT, Francis. Vida do Padre Miguel Rua. São Paulo: Salesiana, 2010, p.
14-31.
82
O prestígio da nova congregação e seu estilo de vida jovial e moderno atraiu grande
contingente de jovens para suas fileiras. As solicitações de fundações partem de
83
- A Congregação salesiana estava composta por uma ala feminina e outra masculina. No
ramo masculino eram 773 salesianos em 58 casas espalhadas por 22 nações. Vinte e dois anos
depois quando morre Rua eram 4.001salesianos em 387 casas e 38 nações. Nas mesmas condições
as salesianas eram 415 em 54 casas e 6 nações. Quando da morte de Dom Rua, neste momento o
Vaticano já havia separado integralmente os dois ramos masculino e feminino, formando uma nova
congregação, eram 2.716 religiosas em 320 casas em 22 países. João Bosco havia fundado um
movimento leigo autônomo que seguia sua pedagogia e fazia a mesma ação dos religiosos
denominados de Cooperadores Salesianos (CCSS). Esses leigos assumiam de forma solene e
publica um compromisso anual de viver o espírito salesiano praticando o Sistema Preventivo pelo
bem da juventude podendo fundar colégios, oratórios, obras sociais sob sua direção e tendo no Reitor
Mor não um superior, mas guia espiritual. Em 1888 eram 30.000 e 1m 1910 chegam próximos dos
300.000 compromissados em todo mundo. Para ser cooperador salesiano é necessário filiar-se à
associação dos Cooperadores Salesianos (CCSS) possuindo uma regra de vida e assumindo
trabalho ligados às juventude. Possuem uma hierarquia local, regional e mundial. Podem possuir
bens e patrimônio. Equivaleriam às “ordens terceiras” de outras congregações. A Única relação com
a Congregação salesiana é o reconhecimento oficial de pertencerem à família salesiana e de terem
um diretor espiritual sacerdote salesiano acolhendo os referenciais doutrinários e carismáticos do
Reitor Mor, sempre visualizado como centro de unidade da Família salesiana e guardião da fidelidade
ao carisma do fundador.
84
- Deve-se destacar que entre 1888 e 1910 foi feito o envio de 31 expedições missionárias
para novas fundações com o envio de 1.515 salesianos e 24 expedições do ramo feminino com o
envio de 395 salesianas para regiões do Equador, Brasil entre os indígenas bororos, Argentina na
Terra do Fogo, México e Tunísia. Entre as Escolas profissionais e regulares já se contabilizava cerca
de 300.000 jovens atendidos na Itália, Inglaterra, França, Egito, Israel, Espanha, Polônia, Argentina,
Uruguai, Brasil, Estados Unidos e outros. Dom Bosco havia fundado a revista Boletim Salesiano, até
hoje editado, sendo o principal veículo de comunicação da Família Salesiana . A edição italiana fora
fundado por Bosco. Rua o lança em diversos idiomas: em 1892 em inglês, em 1893 em alemão, em
1897 em polonês, em, 1901 em português, em 1903 em húngaro e em 1907 em esloveno. Em 1910 a
congregação atende, contando-se os ramos feminino e masculino, em nível mundial a 677 oratórios
festivos, 1.121 escolas profissionais, 77 internatos e 40 editoras.
83
Nenhuma fundação em nível mundial e com expansão tão ampla e em tão pouco
tempo pode ser explicada com um ou dois motivos. Há uma junção de elementos
que favoreceram seu surgimento, crescimento, expansão e consolidação. Deve-se
destacar, porém, que houve um núcleo teórico que, aplicado, correspondeu às
necessidades na só de um momento histórico, mas atravessou um século e hoje
está presente em mais de 120 países.
85
-Até hoje anualmente a congregação envia Expedições Missionárias para algumas partes do
mundo fundando novas comunidades. São arregimentados salesianos de todas as partes do mundo
para essas novas fundações ou, em alguns casos, para o reforço de pessoal em fundações em fase
de implantação.
84
João Bosco não foi um teórico da educação. Sua ação educativa nasceu de sua
intuição a partir de suas experiências de vida, de sua índole e de sua inteligência
arguta e observadora. Sua formação familiar foi embasada no respeito à autoridade
de seus progenitores, nas tradições camponesas do Piemonte e nas prédicas dos
capelães de sua região. O ambiente em que viveu sua infância em pouco se
ressentia dos questionamentos políticos e econômicos que já abalavam os centros
urbanos. A religião e suas práticas ofereciam aos camponeses uma organização
mental que integrava os ciclos dos campos, o ano litúrgico e o devocionário popular
com suas festividades religiosas. Deus era o centro explicativo da vida e da morte a
tudo presidindo com sua providência.
86
- O concílio de Trento foi uma das ações da Igreja no processo de contra reforma. Além da
fundação dos seminários e da imposição de uma rígida disciplina para o clero, o pensamento tomista-
aristotélico vai progressivamente conquistando cidadania nos seminários católicos até se impor como
o grande referencial filosófico a partir do “doutor angélico”, Santo Tomás de Aquino.
85
87
- Cf. AMÉRIO, op. cit., p. 155-158.
88
Cf. MATHEUS, op. cit., p. 43-78.
86
João Bosco jamais gastou tempo com essas filigranas filosóficas, mas elas são o
fundo do seu pensamento como matriz teórica de sua organização mental e de sua
ação pedagógica. O primeiro ponto a se destacar é que seu sistema educativo é
apoiado na razão sendo o educando por meio dela capaz de conhecer. O segundo
ponto é a visão do homem dotado de corpo e alma. Cabe aqui o velho adágio latino:
Mens sana in corpore sano. Isto se impacta diretamente nas atividades lúdicas e
recreativas vistas como dimensões de se viver bem. Esse entendimento do homem
como um todo – corpo e alma – impulsiona também no campo social a superação do
simples assistencialismo para a promoção da pessoa.
Em terceiro lugar, finalmente, há uma visão otimista do mundo que nos cerca, sendo
o mal existente na sociedade resultado do livre arbítrio do ser humano ao não se
deixar guiar pelos princípios éticos apreendidos pela razão. O mundo que nos cerca
é belo e bom e o homem seu construtor pela sua racionalidade e capacidade de
empreendimento.
89
- cf. Carlos JOSAPHAT. Tomás de Aquino e a nova era do espírito. São Paulo, Edições Loyola,
1998. P. 5.
88
num sistema mítico onde a “contemplatio” da “Ratio” em sua plenitude e poder eleva
o sábio ao “êxtase”.
No Sistema Preventivo a finalidade da educação não é punir, mas impedir que faltas
aconteçam a partir da presença do educador em meio dos educandos, também nos
recreios, onde se misturam com eles participando de suas atividades. É importante
sublinhar que essa presença não é um episódio casual ou acidental. Ela é o
fundamento do seu sistema e, portanto deve ser intensa, sistêmica e cotidiana.
Não é tão pouco uma presença meramente física, mas, afetiva e efetiva na qual o
90
- O “Boa-noite” era uma mensagem dada aos alunos e educadores no final do dia devendo durar
cinco minutos. Era um bom pensamento para a noite. Nela tratavam-se dos acontecimentos do dia ou
de fatos agradáveis e edificantes. Dom Bosco era um excelente narrador prendendo seus ouvintes
com a dramatização das narrações dramatizadas. Em não poucas boas-noites narrou seus sonhos.
Essa prática permanece até hoje em todas as obras salesianas conhecida por esse nome nos
internatos e adaptada para as escolas e obras sociais com o nome de “bom-dia” ou “boa-tarde”.
91
- Ao longo da vida de João Bosco houve uma boa produção de textos que permitem visualizar sua
proposta pedagógica. São autobiografia, biografias de alunos, regulamentos, livros didáticos e
religiosos, cartas, textos pedagógicos e a coletânea mensal das “leituras católicas” com estórias
infanto-juvenis, teatros, vida de santos tendo em vista os jovens das classes populares.
92
- A partir da Revolução Francesa ampliou-se a educação para o povo com dicussão de diversas
propostas pedagógicas. João Bosco sofreu influência deste contexto. Cf. Pietro BRAIDO. Prevenir,
não Reprimir. São Paulo, Editora Salesiana, 2004. pp. 89-112.
93
Cf – João BOSCO. O sistema Preventivo na Educação dos Jovens. In.Constituições e
Regulamentos, São Paulo, Editora Salesiana, 2003. Pp. 266-274
94
- “As Relações do jovem com o diretor criou a imagem de ser ele onisciente, onipresente, todo
poderoso, árbitro irrecorrível, “ungido” como Providência divina e como tal lembrado Poe pais e
professores pelos pais e mestres, para intimidar e submeter à criança. Em O Ateneu, diretor,
Aristarco assume as feições de um deus assassino e antropófago, selvagem. Essa imagem aparece
em toda vida interna da escola no Brasil”. Manoel ISAÚ. Luz e Sombras – Internatos no Brasil.
São Paulo, Editora Salesiana, 2000. p.. 101
95
- O filme Sociedade dos Poetas Mortos retrata bem essa realidade da educação tradicional. Cf.
Peter WEIR. Dead Poets Society, USA, 1989.
90
educador interage com o educando seja como pai, amigo ou irmão, captando-lhe
não só a simpatia, mas também o afeto. Nada e ninguém podem substituir essa
presença qualificada do educador salesiano, entendido como educador somente
desta forma. Sem ela, neste formato, não se consolida e nem se realiza a educação
entendida como salesiana.
João Bosco realiza um novo conceito de educação ao propor que o educador seja
objeto de afeto e amor dos educandos. Esta proposta se coloca na contramão da
educação católica do século XIX que tinha por escopo levar os educandos ao amor
a Deus, à prática da virtude e à fuga do vício como objetivos finais, onde os
educadores eram concebidos como instrumentos para se alcançar esse fim. Bosco,
ao contrário, coloca a figura do educador como objeto primeiro da educação já que o
adolescente não trabalha com idéias abstratas, mas com modelos e experiências
concretas. O Educador deve assim não só captar a benevolência, mas o afeto do
educando, tratando-se na linguagem do educador piemontês, de fazer-se amar.
96
- O educador nesta pedagogia promove e apoio tudo que seja agradável ao jovem desde que
isso não possua aspectos morais negativos e nem impacto desaconselhável em sua vida.
97
- Essa expressão, “uma palavrinha no ouvido” é consagrada na pedagogia salesiana e
representa a atenção e preocupação personalizada para cada adolescente que se sente objeto da
atenção do educador.
91
A presença entre os jovens não é, porém “genérica”. Ela apóia-se no tripé Razão,
Religião e Bondade, e, basta que falte um destes elementos para que todo o sistema
desmorone. Esses elementos foram extraídos das vivências de João Bosco em
vários momentos de sua vida.
Viveu numa família marcada pelo afeto de sua mãe Margarida, mulher terna e de
temperamento resoluto. Na pré-adolescência recebeu o apoio do padre João
Melquior Calosso que, percebendo sua inteligência, lhe instruíra nos primeiros
rudimentos do latim. Foi um tutor que o fez se sentir valorizado granjeando-lhe o
afeto. João viveu também, como contraponto, a experiência psicológica da ausência
paterna que falecera quando tinha dois anos e as hostilidades do irmão mais velho
que deveria fazer às vezes de pai. Soube tirar lições desta ausência, sublimando-a
quando assume uma presença firme, terna e provedora junto dos adolescentes e
jovens submetidos ao frio sistema de produção, “órfãos” da ternura familiar, que
passavam a encontrar em Dom Bosco e nos seus cooperadores aquele pai que lhes
faltava, como faltara a João. O fundador não abre mão de sua formação camponesa.
Valoriza o trabalho e a religiosidade eivada de confiança e submissão a Deus que,
como acreditava, com sua providência, a tudo preside. Esta é a espiritualidade
simples vivida pelos camponeses e que Bosco implanta nas suas obras.
Finalmente a Razão que conhecera na academia e que estava presente na lógica da
cidade industrial guiará a condução dos seus jovens para o Bem, entendido como
tal. Bosco integra suas experiências familiar, religiosa e acadêmica num sistema de
educação que se fundamenta na intimidade da família, na religiosidade do campo e
na racionalidade da urbe.
98
- Sócrates, segundo Platão, punha uma profunda confiança na razão que, compreendendo a
verdade racionalmente, estaria determinada a abraçá-la. É neste sentido que Sócrates pode afirmar:
“Ao que erra não se deve castigar, mas educar”.
99
-A palavra “bondade” se diz em italiano “amorevolezza” . Os teóricos salesianos mostram
resistência em traduzi-la, por considerarem que ela teria seu sentido enfraquecido. Alguns a traduzem
por ternura, bondade, o amor demonstrado e o afeto.
100
- O conceito de cidadania corresponde a cumprimento dos deveres cívicos com a nação.
Bosco discretamente insere esse objetivo que atendia à nova situação da Itália unificada.
93
101
- Os diamantes são valores humanos e cristãos que devem fazer parte dos valores do
educador salesiano, com especial destaque para o trabalho e o amor. Cf. VIGANÓ, Egidio. Un
Progetto Evangelico di Vita Attiva. Torino: Elle di Ci, 1982.
94
102
Esse ambiente deve ter harmonia, beleza, luz e claridade. Em síntese as obras devem ter
largos pórticos, marcados pela música, pela alegria e pelos jogos, que permitam ao adolescente
extravasar suas energias sendo um ambiente favorável para desenvolver sentimentos nobres,
sentindo-se amado, respeitado e percebendo-se centro da atividade educativa.
95
Finalmente, o diretor deve ser, antes de tudo, um pai com seu escritório aberto com
acesso livre para os educandos,sendo o primeiro a chegar e o último a sair do pátio
nos horários de recreio como presença qualificada neste espaço que é o termômetro
de sua fidelidade ao projeto educativo, pois a presença não é um acessório da
educação, mas sua essência mesma e chave do seu sucesso. O “fazer-se amar” é
conquistado por uma presença amiga e significativa na vida dos educandos.
103
- João Bosco entendia que todos que estivessem num ambiente de educação salesiana eram
educadores, não importando a função que exercessem, mesmo se distante dos alunos. Um
funcionário que não tivesse atitudes de educador salesiano, não importando o profissionalismo da
função que exercesse, deveria ser desligado da obra.
104
- No século XIX a educação dada a rapazes e moças era separada. Para atender às moças
foram criadas as salesianas tendo como co-fundadora com João Bosco Maria Domingos Mazzarello,
natural de uma pequena aldeia do norte da península itálica com o nome de Mornese.
96
O poder político central estava nas mãos dos grandes proprietários de terras do Vale
do Paraíba e, regionalmente, com os coronéis no nordeste e os caudilhos no sul.
Uma frágil classe média de profissionais liberais, funcionários públicos, militares e
clérigos estavam presentes com alguma visibilidade em algumas cidades maiores. A
política nacional se polariza entre conservadores e liberais de fachada oriundos das
classes ricas e que defendiam, em última análise, seus interesses. As grandes
massas populares, analfabetas e despolitizadas viviam alijadas das questões
políticas.
A Igreja implantada no Brasil possuía então características sui generis, fruto dum
longo processo daquilo que foi definido por Eduardo Hoonaert como Espírito
97
105
- Hoornaert utiliza o termo “espírito português” representando a mentalidade lusitana que fez
da fé e do Estado uma unidade indissociável.
106
- Riolando AZZI, R. Os Salesianos no Brasil à luz da História. São Paulo: Salesiana, 1983,
p.15
107
- HOORNAERT, Eduardo. Formação do Catolicismo Brasileiro 1550 – 1800. Petrópolis:
Vozes, 1974, p. 13.
108
- A formação da mentalidade portuguesa que é apresentada a seguir, ainda que assumida no
presente texto, não possui unanimidade, porém. Não há dúvidas de que Hoorrnaert possui uma
decodificação da história a partir de uma ótica da teologia da libertação que polariza, numa visão
marxista, oprimidos e opressores. José Maria Paiva no livro “Colonização e Catequese” trabalha com
o contexto da imagem de um “mundo indiviso” constituído pelo “orbis Christianus” que “é uma
imagem cristã medieval do mundo”. A lógica que permeia o seu pensamento dá profundo significado
à expansão portuguesa, fora da lógica do catolicismo guerreiro. “A missão aos infiéis – infiéis não por
98
terem renegado a fé mas por não a terem conhecido ainda – era dever de todos (...). Havia urgência
de anunciar a Palavra da Salvação, para que, crendo, fossem batizados e ingressassem no mundo
verdadeiro, e não crendo, fossem castigados e escravizados. (...) Era a sua mesma sobrevivência
que impunha a conquista, pela força das armas, em guerra santa, guerra justa, para declarar aos
índios o seu direito de se tornarem cristãos, de se salvarem. Os direitos humanos do orbis
christianus eram, com efeito, direitos esses de ser cristão, direitos estes que ninguém poderia
restringir, mas direitos estes, também que ninguém podia recusar. Daí o compelle illos intrare. Não
se perguntava, a esta época, se os ouvintes tinham condições de entender o que se passava, tão
evidente era a necessidade da cristianização, tão evidente a naturalidade da sobrenatureza. O
importante era a execução aparente, legal, pública, da anexação dos novos territórios, incluindo
evidentemente o batismo dos seus habitantes. A ação externa significava (era sinal de) a conversão:
a realidade se tornava outra, ainda que não se percebesse de imediato toda a sua conseqüência.
Uma vez batizados, os atos que contradissessem a fé cristã expressariam tão-somente distorção
individual da vontade, e não mais, deformidade total da realidade, deformidade coletiva. Disposições
especiais se ativariam para sanar a situação individual, mas a ordem estaria preservada. Salvava-se
o orbe cristão, preservava-se sua estrutura, permanecia o equilíbrio”. Cf. PAIVA, op. cit., p. 21-23.
Ambos autores partem de interpretações diferenciadas da colonização portuguesa. Hoornaet como
uma luta de resistência que teria forjado e fundido no homem português uma mentalidade de
resistência gerando o catolicismo guerreiro; Paiva, como uma forma de manutenção de uma
cosmovisão teocêntrica unificadora medieval. Apesar, porém, de interpretações divergentes quanto à
origem da mentalidade do colonizador do Brasil, ambos concluem que a cristandade e tudo aquilo
que ela significava era uma verdade a ser imposta pela pregação e pela espada. Subjugar-se a Deus
era subjugar-se a Portugal e subjugar-se a Portugal era subjugar-se a Deus.
99
Todos os reis são de Deus, mas os outros reis são de Deus feitos pelos
homens: o rei de Portugal é de Deus feito por Deus e por isso mais
propriamente seu. [...] os outros homens por instituição divina tem a
obrigação de ser católicos: o português tem obrigação de ser católico e de
ser apostólico. Os outros cristãos têm obrigação de crer a fé. O português
111
tem a obrigação de crer e, a mais, de a propagar .
109
- GALEANO, Eduardo. As Veias Abertas da América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1982, p. 25.
110
- Ibidem. p. 32
111
- Apud HOORNAERT, op. cit,. p. 35.
100
112
- HOORNAERT, op. cit., p. 50.
113
Cf. WERNET, Augustin. A Igreja Paulista no Século XIX. São Paulo: Ática, 1987, p. 37 et
seq.
101
114
- Ibidem, p. 39-40.
115
- Pontificado de 1846-1878
116
- O concilio Vaticano I durou de 8 de dezembro de 1869 a 18 de julho de 1870, tendo sido
interrompido pela eclosão da guerra franco-prussiana.
117
- Pontificado de 1878 a 1903.
102
Lembre-se, o caríssimo, de que o clero está aqui numa situação que causa
espanto; e as velhas ordens dos carmelitas, beneditinos, mercedários e
franciscanos estão para extinguir-se, o que, aliás, é uma fortuna, porque
eles não têm mais o espírito religioso. Nadam na abundância e na
devassidão, com rendas fabulosas, com milhares de escravos (que horror!)
120
às suas ordens. .
118
- AZZI, 1983. p. 59-60.
119
- Dom Luigi Lasagna nasceu em Montemagno (Asti) em Monteferrato, Itália, no dia 4 de
março de 1850. Foi aluno de Dom Bosco no Oratório São Francisco de Sales. Torna-se salesiano e
missionário no Uruguai. Firme nas suas posições, fidelíssimo a Dom Bosco, homem de visão ampla
possui presença destacada no Uruguai onde consolida a presença salesiana. Atua com grande
eficiência no Brasil, Uruguai, Paraguai e Argentina. Feito bispo é homem de ampla visão para o
futuro dos salesianos no Brasil. No dia 6 de novembro de 1895 sua vida é ceifada em acidente
ferroviário próximo da estação ferroviária de Mariano Procópio, Juiz de Fora. Sua morte possui eco
nos principais jornais do Brasil e da Europa, representando um rude golpe na organização dos
salesianos no Brasil. Cf. FERREIRA, Antônio da Silva. Epistolário, Mons. Luigi Lasagna. Roma:
LAS, 199, p. 5-41.
120
- AZZI, 1983, p. 60.
121
Pio IX percebera a fragilidade do poder papal quando a autoridade do sumo pontífice não era
referencial para muitos segmentos da igreja. Iniciara, então, o projeto de fortalecimento da igreja
nomeando bispos alinhados com o papado que por sua parte formavam um clero com a mesma
mentalidade, preferencialmente formado em Roma.
122
Congregação da Missão (Congregatio Missionis, CM), Lazaristas ou ainda Padres e Irmãos
Vicentinos, é uma congregação religiosa masculina católica fundada em Paris, no dia 17 de abril de
1625, por São Vicente de Paulo (1581-1660). A origem remonta às missões junto aos pobres
realizadas por Vicente de Paulo e cinco outros padres. Em 1624 a comunidade religiosa instalou-se
no Collège des Bons Enfants, em Paris, França. Receberam aprovação episcopal em 1626. Em 1634,
através da bula Salvatoris Nostri do Papa Urbano VIII a Congregação teve aprovação pontifícia.Seus
membros são conhecidos como padres e irmãos vicentinos ou lazaristas porque a primeira casa da
Congregação, em Paris, se chamava «Casa de São Lázaro». Cf. CONGREGAÇÃO DA
MISSÃO. Padres Vicentinos. Disponível em: <http://ssvp-
portugal.org/component/content/article/81/760-congregacao-da-missao-padres-vicentinos.html>.
Acesso em: 10 maio 2011.
103
De fato, a vinda dos salesianos para o Brasil fazia parte de uma política gestada por
Pio IX de retomada do poder central de Roma levada a cabo por bispos
reformadores de todo o mundo. Segundo Roger Bastide126 alguns elementos
marcaram esse processo de romanização: a afirmação de uma igreja institucional
hierárquica que se impunha a todas as formas de catolicismo popular; o controle da
doutrina, das instituições, do clero e mesmo do laicato; a dependência da igreja
brasileira de um clero estrangeiro europeu, principalmente de ordens religiosas, para
realizar a transição do catolicismo colonial para um catolicismo mais universalista,
123
- Cf. WERNET, op. cit., p. 97.
124
Dom Bosco quisera que sua congregação fosse missionária e já havia enviado algumas
expedições à América, especialmente à Patagônia. O Brasil, porém, não fazia parte de seus projetos
imediatos. A insistência, porém, de Dom Lacerda, inclusive pessoalmente com Dom Bosco fez com
que este antecipasse a vinda dos salesianos ao Brasil.
125
- AZZI, 1983, p. 23
126
- Roger Bastide, sociólogo francês, integrou a missão de professores europeus Universidade
de São Paulo.
104
com absoluta rigidez doutrinária e moral; a imposição das decisões de Roma acima
dos interesses locais e, finalmente, a integração da igreja no plano institucional e
ideológico nas estruturas altamente centralizadas e centralizadoras da cúria
Roma.127.
127
- Cf. AZZI, 1983, p 27
128
- Ibidem, p. 61.
105
Da parte da imprensa liberal as hostilidades não foram poucas, pois entendiam que
o Brasil sempre estivera sob o poder do clero e que era necessário diminuir essa
influência, já que os religiosos estrangeiros que chegavam apenas reforçavam o
poder de Roma na política nacional. O jornal A Folha Nova tecia ácidas criticas aos
estrangeiros e aos “novos jesuítas” vendo neles o fortalecimento do clericalismo e do
jesuitismo que consolidava o processo de reforma da igreja católica do Brasil que,
nada mais era, do que configurá-la ao modelo romano. O estilo salesiano de
sacerdotes modernos apresenta-se como um perigo pela sua simpatia como meio
de cativar o povo.
A modernidade dos salesianos foi certamente uma chave que lhes abriu a
porta à sociedade brasileira, em vias e abandonar um padrão arcaico,
patriarcal e escravocrata, rumo a uma concepção social mais burguesa,
130
progressista e democrática .
Esperados pela igreja, acolhidos pelo governo imperial e rejeitados pelos liberais e
anticlericais os primeiros salesianos chegaram ao Brasil trazendo uma proposta
educativo-pedagógica nova nos seus métodos. Por outro lado perscrutavam com
olhar crítico a realidade religiosa, social e humana da cidade onde deveriam atuar.
Era um olhar europeu para a América, de homens do berço de uma civilização
clássica para um lugar de pessoas rudes. Mesmo o catolicismo praticado nestas
129
- Cf. AZZI, Riolando A Obra de Dom Bosco no Brasil. Barbacena: Centro de
Documentação e Pesquisa, 2000. v. I. p. 101-105.
130
- Ibidem, p. 75.
106
131
- AZZI, Riolando. Os Salesianos no Rio de Janeiro Vol. I 1875-1884 – Os Primórdios da
Obra Salesiana, São Paulo: Salesiana Dom Bosco, 1982. v. I., p. 37.
132
- Ibidem, p. 38.
133
Cf. FREIRE, Gilberto Vida Social no Brasil nos meados do século XIX. Rio de Janeiro:
Artenova, 1977.
107
134
- Domingos Delpiano arquiteto salesiano cujo nome está ligado à história do Colégio Santa
Rosa. Fez parte do primeiro grupo de salesianos que chegou a Niterói em 1883. Tinha 38 anos. Veio
da casa salesiana de Villa Colón, Montevidéu, Uruguai. Como arquiteto, fez o projeto para o
Monumento de Nossa Senhora Auxiliadora, inaugurado na passagem do século e, posteriormente,
também o projeto para a construção do Santuário de Maria Auxiliadora. Dedicou-se muito à
construção dos nossos colégios e principalmente das igrejas, tendo bom gosto, afinando seu estilo
pelas obras do célebre arquiteto francês Jean Pierre Bossan, com quem estudou em Paris e de quem
recebeu forte influência. Obras de Delpiano: No Uruguai, de onde veio, o Santuário Nacional de Maria
Auxiliadora, Villa Colón, Montevidéu. No Brasil, o Monumento de Nossa Senhora Auxiliadora, em
Niterói, os santuários de Nossa Senhora Auxiliadora: de Niterói (RJ), do Bom Retiro (SP) e de
Jaboatão (PE) e o santuário do Sagrado Coração, em Recife (PE). Em São Paulo, obras como: a
torre do Liceu Coração de Jesus, o Colégio Santa Inês, o Liceu de Artes e Ofícios Nossa Senhora
Auxiliadora (Campinas), o Colégio São Joaquim de Lorena, o primeiro teatro do Liceu de São Paulo,
a Vila Dom Bosco (parte primitiva), em Campos do Jordão, o projeto do Instituto Dom Bosco, no Bom
Retiro, e o jazigo da Congregação Salesiana, no Cemitério do Santíssimo, que foi inaugurado com o
seu sepultamento em 09 de setembro de 1920 – Cf. SLIDE5HARE. Monumento. Disponível em:
<http://www.slideshare.net/thiagopetra/monumento>. Acesso em: 23. abr. 2011.
.
135
- Em italiano “cortile”.
136
- Ainda hoje em Lorena encontram-se velhos ex-alunos fluentes no italiano e francês que
ainda mantêm conversações nesses idiomas entre si e com, os atuais salesianos.
109
Assim os primeiros tempos no Santa Rosa (Niterói) não foram fáceis. Basta
dizer que o Oratório Festivo não se manteve, o diretor recebeu um forte
soco na cabeça, quando num bonde um bando de moleques chegou a gritar
para Pereto: ‘mata jesuíta’. Até no carnaval o padre diretor foi ridicularizado
num boneco, como conta o padre Marcigaglia: ‘Era a representação fiel do
padre Borghino: baixo, gordo, aquela fisionomia, aquele jeito dele! E o povo
gritava: olha o padre Miguel! Dê nele seu moço! Mata! O bispo Dom
Lacerda chegou a desanimar: Vejo que não mereço ter os salesianos na
minha diocese. Não tenho ânimo para vê-los sofrer assim. Podeis retirar-
138
vos...
A segunda casa fundada na cidade de São Paulo vive uma situação bem diferente.
É querida pela nascente indústria paulistana que precisa com urgência de mão de
obra qualificada para a indústria. A majestade do prédio do Liceu de Artes e Oficio
137
- As três primeiras fundações seguiram a seguinte ordem: 1883 – Niterói; 1885 – São Paulo;
1890 – Lorena.
138
EVANGELISTA, José Geraldo. História do Colégio São Joaquim. 1890-1940. São Paulo:
Salesiana Dom Bosco, 1991, p. 52.
110
edificado no bairro dos Campos Elíseos ainda hoje impressiona por sua grandeza
com sua majestosa igreja riquíssima em detalhes139 construída em estilo romano e
com seus majestosos pórticos, salas, amplos ambientes, teatro e campos
esportivos. Nela se formaram muitas gerações de jovens absorvidos pelas indústrias
paulistas, contribuindo na formação de mão de obra no inicio da industrialização da
cidade.
A localização da cidade de Lorena a meio caminho entre Rio de Janeiro e São Paulo
com acesso à região das Minas Gerais pela Antiga Estrada Real é estratégica.
Some-se a isso o apoio incondicional dado pelo Conde Moreira Lima 140, que deu
suporte financeiro à implantação da obra salesiana na cidade. Lorena tornar-se-á a
sede de governo da congregação e local de formação dos novos salesianos e centro
de irradiação da presença salesiana para o Brasil. Na cidade abre-se o internato
para filhos de fazendeiros, a escola agrícola, o noviciado e o curso de filosofia para
seminaristas.
139
- Até 1922 a torre da igreja do Liceu coração de Jesus estava entre as três mais altas
edificações da cidade de São Paulo. Sua nave central é uma cópia da basílica de Santa Maria Maior
de Roma. O altar é feito de mármore de carrara. É ornamentada por quarenta lustres de cristal da
Boêmia.
140
- Joaquim José Moreira Lima – nasceu em Lorena no dia 11 de junho de 1842, filho do
negociante e capitalista Joaquim José Moreira Lima, natural de Portugal e de Carlota Leopoldina de
Castro Lima, filha do capitão-mor de Lorena, Manoel Pereira de Castro e Ana Maria de São José. Foi
comerciante, agente dos correios, fazendeiro, político, titular do império, mecenas e capitalista. Na
Guarda Nacional de Lorena obteve as patentes de Alferes Secretário e Major Ajudante de Ordens.
Fundador da Santa Casa de Misericórdia de Lorena e seu provedor por mais de cinqüenta anos. Um
dos fundadores e diretor do Engenho Central de Lorena, inaugurado em 1884. Fazendeiro, foi um dos
maiores senhores de terras e de escravos, proprietário de 52 fazendas de café na região vale-
paraibana. Suas propriedades agrícolas espalhavam-se pelos municípios de Caçapava, Taubaté,
Pindamonhangaba, Campos do Jordão, Lorena, Cachoeira Paulista, Lavrinhas, Cruzeiro, Silveiras,
Areias, São José do Barreiro, Itajubá, Resende. Benemérito lorenense, contribuiu com avultadas
quantias para a reforma da igreja matriz, e para a construção do santuário São Benedito, das igrejas
do Rosário e de São Miguel das Almas do Asilo e da Casa dos pobres de São José. Para as obras de
reforma e ampliação da velha igreja matriz de Nossa Senhora da Piedade contratou os serviços do
célebre arquiteto e engenheiro Francisco de Paula Ramos de Azevedo, contribuindo com mais de
trinta contos de réis, além de superintender as obras e adiantar todo o dinheiro necessário para sua
continuidade. Trouxe os salesianos para Lorena, auxiliando-os na construção do Colégio São
Joaquim. Presidiu a Conferência São Vicente de Paulo de 1912 até sua morte. Cf. PASIN, José Luiz.
Os Barões do Café. Aparecida: Vale Livros, 2001, p. 70.
111
classes populares e com isso favorecia a estabilidade dos detentores do poder e dos
meios de produção e fortalecia a igreja por estarem inseridos no processo de
romanização. A implantação do modo de produção industrial se fortalecia e se
estabilizava na medida em que a mão de obra se tornava especializada e eficiente
no movimento da máquina industrial e, qualificada, recebia da indústria, em
contrapartida, a remuneração que lhe garantia na vida pessoal dignidade e na vida
social, estabilidade. É uma contribuição significativa dos salesianos neste momento
histórico.
Não se pode perder de vista nesta abordagem que, por trás da organização
burocrática e administrativa de uma instituição religiosa, há homens que através de
uma visão de fé empenham suas vidas num projeto religioso que dá sentido às suas
vidas numa dimensão humanista e espiritual. Suas ações e sentimentos individuais
e subjetivos, porém, não deixam de estar a serviço de macros sistemas econômico,
político e religioso
A Sociedade São Francisco de Sales teve sua origem no conturbado século XIX.
Implantada na Itália, iniciou sua expansão por várias partes do mundo. Suas ações
foram quase sempre reconhecidas de imediato como beneméritas pelos resultados
sociais obtidos juntos de adolescentes e jovens atraindo para si não só a simpatia,
mas generosa ajuda financeira de vários segmentos sociais e políticos. Muitas vezes
se confrontaram com condições adversas que dificultaram sua ação como
educadores e religiosos da Igreja.
É importante traçar uma visão geral das grandes questões que envolviam a igreja, a
educação, a política e a economia do Brasil nas primeiras décadas do século XX. Os
grandes colégios e obras sociais serão implantados em meio a essa realidade com a
qual devem interagir.
No Brasil o regime imperial que os recebera cai seis anos após sua chegada.
Instalam-se governos de tendência liberal, positivista e anticlerical. Deparam-se com
uma Igreja fragmentada com desmandos morais e sem organização e lideranças
significativas. A república recém implantada vive os primeiros embates sociais entre
o operariado e a classe patronal. É uma jovem república que busca construir sua
identidade quando intelectuais, sobretudo a partir da década de 20, questionam a
educação católica no lastro liberal da Europa desde a Revolução Francesa.
a educação e à luta da igreja para impor seu prestigio. Como estrangeiros era-lhes
difícil entender os mecanismos e a mentalidade cultural que permeavam a política e
a vida do povo. Como sacerdotes católicos recém chegados não tinham influência
nos embates e confrontos da Igreja com os poderes políticos laicos e positivistas,
nem com parte do clero católico, em parte relapso e em parte iluminista. Como
educadores, porém, tinham muito a oferecer: ao estado o atendimento e a promoção
de grupos de adolescentes marginalizados ou em via de marginalização, ao povo a
educação, a formação e a profissionalização de seus filhos; à Igreja, o compromisso
de aliados incondicionais da restauração nas dimensões da fé, da moral e da
ortodoxia. A rapidez com que se expandiram nos primeiros anos pode ser
materialmente visualizada pela monumentalidade dos prédios construídos por uma
congregação recém chegada à América, sinalizando um acolhimento por parte do
Estado, da Igreja, das elites e do povo.
O Brasil que os salesianos encontram ainda procura definir sua identidade política,
econômica, social e religiosa. Implantada a república141, a elite agrária dos
cafeicultores do Vale do Paraíba assume o controle político em nível federal,
enquanto oligarquias menores davam continuidade ao controle de suas regiões. Há
uma crescente, ainda que modesta participação política da classe média e da
nascente burguesia industrial. A república oscila entre os interesses da oligarquia
agrária, da classe média e da burguesia urbana que desejava o desenvolvimento de
atividades ligadas à indústria, comércio e serviços. Com a eleição de Prudente de
Morais em 1894 prevalecem os interesses da oligarquia cafeeira. A partir de 1910 as
oligarquias regionais buscam apoio nas camadas urbanas como forma de conquistar
maior espaço em nível federal. Há o crescimento do mercado interno fortalecendo a
classe industrial e dando maior consistência ao operariado enquanto classe,
segregada em vilas operárias e nas periferias das cidades e que vai se fortalecendo
ao ampliar e organizar sua vida sindical.
141
- Nossa historiografia convencionou chamar de República Velha o período que vai da queda
do regime imperial em 1889 até 1930 com a tomada do poder por Getúlio Vargas. O império em
processo de erosão era uma monarquia enfraquecida, desatualizada e ineficiente que paulatinamente
perdia suas bases de sustentação política até que uma simples quartelada o derrubou sem
derramento de sangue.
114
142
- PENNA, Lincoln de Abreu. República Brasileira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p.
125.
143
- Ibidem, p. 117.
144
- Ibidem, p. 125.
115
O povo é concebido por intelectuais como primitivo, inculto e incivilizado que deveria
ser trazido à luz da civilização146. Os ideais positivistas da bandeira da república
propõem a ordem e o progresso. Acredita-se que é preciso organizar o Brasil,
tornando-o verdadeira “res-publica” modernizando-o e libertando-o do estigma de
um país foco doenças tropicais. O Prefeito Pereira Passos resolve tornar o Rio de
Janeiro uma cidade civilizada como Paris. Abrem-se grandes avenidas retirando-se
os pobres para as periferias. Os sanitaristas Oswaldo Cruz e Carlos Chagas lançam
campanhas para sanear, curar e vacinar o país. O médico é o que cura. É preciso
acabar com os dois “brasis” e isso se fará dentro dum processo civilizatório
passando-se do mundo arcaico para o moderno.
145
- NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República. Rio de Janeiro: DP&A,
2001, p. 115.
146
- O breve comentário traçado pelo professor Ricardo Oticica, doutor em Literatura da PUC do
Rio de Janeiro na introdução do livro “Os Sertões” Euclides da Cunha apresenta um víéis de
interpretação que nos permite conferir na leitura da obra um autor republicano e positivista que, ao
descrever sucessivamente a terra, o homem e luta desvenda que a descrição do suceder dos fatos –
descritos a partir de uma visão de uma republica positivista e liberal – o homem, Euclides da Cunha,
vive uma luta interior ao visualizar o preconceito contra o sertanejo, e neste embate a única vitória é
do literato sobre o cientista, quando este sucumbe à constatação do genocídio do sertanejo em
nome do progresso. Cf. Ricardo OTICICA, Apud CUNHA, Euclides da. Os sertões. Rio de Janeiro:
Record, 2006, p. 5-8.
147
- Dermeval SAVIANI, Dermeval. História das Idéias Pedagógicas no Brasil. Campinas,
Autores Associados, 2008, p. 171.
116
148
- NAGLE, op. cit., p. 134.
149
- SAVIANI, op. cit., 2008, p. 234-239.
150
- Cf. PASSOS JÚNIOR, Dilson. Pioneiros: convergências e divergências na interpretação dos
ideais da educação. Revista de Ciências da Educação, Lorena, ano 5, n. 8, p. 146-150.
151
Anísio TEIXEIRA, Anísio. Educação é um Direito. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1968a,
p. 13-25.
152
- Anísio TEIXEIRA. Educação não é Privilégio. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1968b, p.
22-29.
117
153
- Depositum fidei.
118
O catolicismo respondera até então por significativos trabalhos sociais nos últimos
séculos através de hospitais, escolas, asilos, atendimentos aos pobres e
sepultamentos. O socialismo rejeitava, porém esse assistencialismo caritativo vendo
nele apenas paliativo de injustiças que só seriam superadas com a distribuição
igualitária dos bens, já que entendia que a posse deles era resultado da mais-valia.
A Igreja ao contrário justificava esta posse, se honestamente acumulada, como
materialização do trabalho do homem. Com essas posições a igreja entrava em linha
de choque com segmentos da esquerda operária parecendo defender as classes
detentoras do capital, e, portanto a ordem burguesa.
154
- BUFFA, Ester. Ideologias em Conflito: Escola Pública e Escola Privada. São Paulo:
Cortez & Morales, 1979, p. 21-36.
119
A Igreja, porém lutava em diversas frentes contra as idéias que queriam se impor
diferente dos princípios do cristianismo tanto do lado positivista e liberal como do
lado socialista e marxista. Ela encontrará no Integralismo de Plínio Salgado uma
expressão urbana e conservadora do cristianismo tradicional, enquanto defendia
valores como a família, a pátria e a religião. Ela coopta com esse fascismo caboclo e
com as forças arcaicas tradicionais contra os movimentos modernistas e de
esquerda que ameaçavam o modelo de cristandade defendido pela romanização.
Dom Leme tinha consciência que era um tempo de confrontos e medição de forças.
O império se dissolvera na incapacidade administrativa de se adequar aos novos
155
- Essas questões que definimos como “candentes” aqui no Brasil já haviam sido vividas
intensamente no século XIX pelos principais países da Europa central. Cf. SUFFERT, Georges. Tu
És Pedro. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010, p. 382-418.
120
tempos e novas mentalidades. A Igreja, até então por ele sustentada, padecera
deste mesmo marasmo que se refletia num clero acomodado, patrimonialista,
familiar e com uma moral ambígua. A República nascia agressivamente positivista,
liberal e laica, afirmando sem equívocos a ruptura da interdependência entre Estado
e Religião. Leme entendia que, apesar da perda das côngruas estatais, podia-se
agora governar a Igreja sem interferência do Estado. Era tempo de implantar o
Concílio Vaticano I pela seleção de bispos e pelo envio do futuro clero para ser
formado na sede da Igreja Universal. Essa forma vigorosa de ação entre os anos de
1890 a 1940 consegue realizar uma radical reviravolta na qualidade da igreja no
Brasil156 atingindo não só o clero, mas também as elites católicas. Dom Sebastião
Leme157 coloca no topo de suas prioridades a educação como forma de solidificar a
fé, procurando consolidá-la ainda mais pela implantação da Educação Superior
Católica158. Fomenta o surgimento de intelectuais católicos como expressão desta
nova Igreja e que têm na revista A Ordem o meio de divulgação dos ideais da igreja
renovada fazendo parte do seu corpo de editores, Jackson de Figueiredo
representante do Integralismo e que buscava a cristianização da vida brasileira em
todos os aspectos159 e Alceu de Amoroso Lima numa linha mais jesuítica.
O cardeal procura mostrar a Igreja como força religiosa, social e política. Promove
eventos sempre grandiosos marcados por celebrações impecáveis. Em 1922 entre
os dias 26 e 30 de setembro realiza-se o Congresso Eucarístico Nacional. A 04 de
outubro é lançada a pedra fundamental do Cristo Redentor. Em 1923 é realizado o
primeiro Congresso do Apostolado da Oração,160 irmandade nascida à sombra da
romanização sob o controle do clero. Em 1924 – num Estado de origem positivista –
e feita a Páscoa dos Militares. Em 1930 quando Getulio Vargas dá o golpe de
Estado, o cardeal tem no padre Leonel Franca um intelectual amigo do presidente
que lhe garante acesso seguro a esta instância maior de poder. Em 1931 é feita a
156
- CASALI, Alípio. Elite Intelectual e Restauração da Igreja. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 60.
157
- Ibidem p. 79.
158
- Ibidem. p. 80.
159
- FIGUEIREDO, Jackson. Correspondência. Rio de Janeiro: A.B.C., [s.d.], p. 23.
160
- CASALI, op. cit., p. 83.
121
161
Ibidem, p. 87-88.
122
162
- UNISAL.
163
- A primeira Escola de Ensino Superior salesiana foi a a St. Anthony’s College fundada na
Índia em 1932. Cf. DIREZIONE GENERALE OPERE DON BOSCO. IUS - Istituzioni Salesiane di
Educazione Superiore. Roma: S.D.B., 2003. archive n. 2.
164
- A Sociedade São Francisco de Sales – salesianos – se organiza da seguinte forma: Reitor-
mor e seu Conselho que também possui funções à semelhança de ministérios de governos civis. O
Governo central se faz representar mundialmente por Conselheiros regionais que fazem a ponte
direta respondendo delegadamente por suas regiões diretamente ao Reitor-mor. Equivalem a
embaixadores que representam e falam em nome do Reitor Mor. No mundo há oito regiões: América
Latina- Cone Sul; África e Masdagascar; Ásia Leste e Oceania; Ásia Sul; Europa Norte; Europa
Oeste; Interamérica e Itália e Oriente Médio. No segundo grau da hierarquia está o Inspetor. No
Brasil existem seis Inspetorial: Norte, Nordeste, Minas (Leste e parte do Centro Oeste, menos São
Paulo), São Paulo, Sul e Centro Oeste. Elas se congregam num Conselho Consultivo chamado
CISBRASIL sendo seus membros os inspetores. E, finalmente o Diretor e seu conselho. Toda a
congregação é dirigida por dois documentos fundamentais: As Constituições que definem a
dimensão carismática, religiosa e a base organizacional da Instituição e os Regulamentos. Todos os
setores são regulamentados detalhadamente nos padrões do governo de uma sociedade civil. A cada
três anos são realizados os Capítulos Inspetorias durante os quais todos os sócios possuem
poderes iguais, inclusive os cargos de direção. Suas decisões, se sancionadas pelo Reitor Mor,
possuem força de lei e só podem ser revogadas por outro Capítulo. E a cada seis anos são feitos os
Capítulos Mundiais quando é eleito o Reitor-mor. A organização da Congregação – respeitados os
princípios das Constituições – é democrático. Há três níveis reais de poder: O Reitor-mor, o Inspetor
e o Diretor. Efetivamente, porém, a missão desses cargos é mais carismática devendo fazer cumprir
as Constituições e manter o carisma da congregação. O verdadeiro poder deliberativo nas três
instâncias é confiado respectivamente ao Conselho Geral, ao Conselho Inspetorial e ao Conselho
local. As decisões de governo não previstos na rotina das casas devem emanar das decisões dos
conselhos locais por voto presidido pelo diretor. Algumas ações, pela sua magnitude, devem, depois
de aprovados localmente, ter a aprovação por voto do Conselho Inspetorial. Certas questões ainda
devem ser levadas, aprovadas nas instâncias inferiores, ao Conselho Mundial. Em casos mais raros
decisões do Conselho Mundial devem ser aprovadas pelo Vaticano. Todos os cargos são objeto de
consulta e de voto a todos os sócios, mesmo a jovens que já possuam votos simples de apenas um
ano, alguns até com dezoito anos. Essas consultas se estendem aos cargos de Diretor, Conselheiros
Locais e Inspetores e muitas decisões que são objeto de avaliação e posicionamento de todos os
sócios.. É previsto peso diferenciado entre sócios temporários e perpétuos. Decisões arbitrárias de
diretores ou administradores, sem a aprovação do Conselho podem ser anuladas. Nenhum cargo é
permanente. O Reitor-Mor exerce seu cargo por seis anos, podendo ser reconduzido a mais seis. O
Inspetor exerce seu cargo por seis anos. O Diretor por três anos podendo ser reconduzido a mais três
na mesma obra. O cargo de diretor pode ser suspenso a qualquer momento pelo Inspetor, com
123
aprovação do seu conselho e geralmente acontece por necessidade de transferências. Não existe
carreira. Os salesianos se alternam entre os cargos mais altos e os mais simples. Não existe
remuneração, dentro dos princípios religiosos da congregação. Remunerações tidas por atividades
profissionais devem ser postas em comum, assim como aposentadorias e todo e qualquer recurso
obtido. Se fossemos abstrair de toda dimensão religiosa, usando de uma – digamos – ousada
analogia - poderíamos definir a sociedade São Francisco de Sales como uma “República
Democrática Socialista” onde os “cidadãos-sócios” trabalham para o “Estado” em vista do bem
comum e têm suas necessidades humanas, sociais e culturais garantidas por esse mesmo
“Estado”através da socialização de todos os bens, fruto do trabalho de todos e onde todos participam
de forma colegiada das decisões em vista do bem comum dos seus sócios e da sociedade onde
atuam. Se abstraíssemos das motivações religiosas que movem uma congregação, esta definição
leiga explicitaria o modo de vida desta sociedade nascida nas entranhas do capitalismo comercial e
industrial e que absorve de certo modo, para a milenar vida religiosa uma forma de governo que –
paradoxalmente – os superiores não personificam a vontade de Deus de forma arbitrária, muitas
vezes atribuindo Lhe seus caprichos, mas se submetem a uma constituição e chegam ao comando
por um período temporário e pela “vontade popular majoritária” dos seus sócios, desde que seja
coerente com a vida religiosa e com as constituições. São paradoxos radicais: num período de
romanização onde firmam-se as diversas instâncias de poder da Igreja como advindas de Deus,
inclusive com a declaração do dogma da infalibilidade papal, nasce uma congregação, ou melhor,
uma sociedade, fidelíssima ao papa, mas que se organiza interiormente com ideais de governo
defendido por liberais e marxistas para um novo tempo, para um mundo mais liberal, para a Jovem
Itália. Paradoxos não se explicam, se constatam.
124
165
- Nosso estudo refere-se especificamente ao Centro UNISAL de São Paulo. Não
trabalharemos fundações de faculdades e universidades surgidas em outras áreas do Brasil (Campo
Grande, Nordeste, Amazonas) e nem tampouco pouco no Estado de São Paulo que não estejam
ligadas ao UNISAL como as faculdades salesianas de Piracicaba, Lins e Araçatuba.
125
166
- A implantação da obra salesiana no Brasil foi bastante rápida no fim do império até Revolução de
1930. Eis a listas das fundações: Colégio Santa Rosa, Niterói, 1883; Liceu Coração de Jesus, São
Paulo, 1885; Ginásio São Joaquim, Lorena, 1890; Escola Dom Bosco, Cachoeira do Campo, 1895;
Liceu Nossa Senhora Auxiliadora, Campinas, 1897; Liceu Leão XIII, Rio Grande, 1901; Ginásio
Municipal Nossa Senhora Auxiliadora, Bagé, 1904; Escola Agrícola Coronel José Vicente, Lorena,
1908; Externato São João, Campinas, 1910; Colégio São Manoel, Lavrinhas, 1914; Instituto Dom
Bosco, Bom Retiro – São Paulo, 1919; Colégio São Paulo, Ascurra, 1922; Colégio Anchieta, Virginia,
1923; Colégio Dom Bosco, Araxá, 1926; Instituto São Francisco de Sales, Rio de Janeiro, 1929.
Instituto Teológico Pio XI, São Paulo, 1931. No inicio da década de 1930 já existiam casas em fase
de implantação nas seguintes cidades: Araras, Guaratinguetá, Ponte Nova, Ipiranga, São José dos
Campos e Campos do Jordão. Já havia incursões estudando fundações em Rio dos Cedros, Luís
Alves, Rio Oeste, Rio Sul e Nova Breslau. Esta enumeração refere-se apenas ao ramo masculino da
congregação. Semelhante expansão tinha também o ramo feminino das irmãs salesianas que tinham
a mesma origem, o mesmo fundador, os mesmos princípios e escopo educacional. Cf. André
DELL’OCA, A Obra salesiana no Brasil no seu Cinqüentenário 1883 – 1933. São Paulo, Escolas
Profissionais salesianas, 1933. p. 35
167
- José Geraldo EVANGELISTA. História do Colégio São Joaquim 1890-1940. São Paulo,
Editora Salesiana Dom Bosco, 1991. p.75
168
- Na ordem salesiana os Capitulares são salesianos e que se reúnem a cada três anos, tendo um
poder legislativo, desde que respeitadas as Constituições. Esse Número é significativo para uma casa
recém fundada. Cf. Ibdem. p.76
169
- Será este Instituto que será em 1952 reconhecido oficialmente como faculdade.
126
170
Francisco Sodero TOLEDO. Igreja, Estado, Sociedade e Ensino Superior: A Faculdade
Salesiana de Lorena. Taubaté, Cabal Editora e Livraria Universitária, 2003. p. 34.
171
Fundado em 1890.
172
José Geraldo EVANGELISTA. História do Colégio São Joaquim. 1890 – 1940. São Paulo.
Editora Salesiana, 1991. p. 100
127
Esta década é marcada por fortes tensões ideológicas entre a antiga mentalidade
rural e patriarcal e o mundo que se moderniza. As classes operárias vêm no
anarquismo, socialismo e marxismo possíveis saídas para suas lutas sociais. O
integralismo com o seu nacionalismo, defendendo a Religião, a Pátria e a Família,
procura garantir os interesses e a estabilidade das novas classes médias urbanas174,
antiliberais e antidemocráticas e o modernismo que, mais que um movimento
estético, é uma corrente de idéias e um movimento político-social, pois nosso
modernismo investe essencialmente em sua fase heróica, na libertação de uma
série de recalques históricos, sociais étnicos, que são trazidos triunfalmente à tona
da consciência literária175.
173
- IGLÉSIAS, Francisco. História e Ideologia. São Paulo: Perspectiva, 1981, p. 132.
174
- O Integralismo apresenta facetas bem complexas. Possui sua origem em vários segmentos
conservadores da sociedade, urbanos e rurais. Possui elementos do modernismo unidos a aspectos
do catolicismo conservador. Não é nosso objetivo aqui aprofundar esse tema, mas apenas assinalá-
lo como um dos fenômenos da época. Nagle apresenta uma análise de suas várias vertentes em sua
formação. Cf. NAGLE, 2001, p.118-129.
175
- Ibidem, p. 117.
176
- EVANGELISTA, 1991. p. 39.
128
177
- E no final do século , a partir do centro Histórico salesiano de Roma, volta-se para decifrar a
dimensão humana procurando despi-la de idealizações dentro dos mais modernos métodos da
historiografia moderna.
129
Nas reformas que são realizadas com relação à regulamentação do Ensino no Brasil
uma decisão atinge de modo especial aos salesianos. A constituição de 1946 exigia
que para prática do magistério fosse necessário ter concurso de títulos reconhecido
pelo Estado. Essa exigência desestabilizava as escolas salesianas de todo o Brasil
que tinham como professores salesianos com certificados fornecidos pelo Instituto
de Pedagogia e Filosofia salesiano não credenciado pelo governo. No dia dois de
setembro de 1950 o padre José Stringari era recebido pelo ministro da Educação e
Saúde Dr. Pedro Calmon solicitando que os clérigos salesianos, após terem feito o
curso de Filosofia, Pedagogia e Didática e terem adquirido o certificado do seminário
desses cursos, fossem declarados pelo ministério idôneos, ao menos para lecionar
nos colégios salesianos. O ministro fez ver ao sacerdote a inconstitucionalidade
desta proposta e, em contrapartida e de forma inesperada, faz-lhe uma contra
proposta: Por que não resolve o caso dos seus seminaristas fundando uma
faculdade? Essa proposta teve resposta imediata, e, realizados os procedimentos
legais, no dia 14 de fevereiro de 1952 pelo decreto 30.552 o presidente Getulio
Vargas autorizava o funcionamento dos cursos de Filosofia, Pedagogia, Geografia,
História, Letras Clássicas, Letras Neolatinas e Letras Anglo-Germânicas, da
Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências E Letras178.
178
- CENTRO UNISAL. Sedoc: Arquivo histórico. Lorena.
179
- TOLEDO, op.cit., p. 60.
130
180
Cf. VAIDERGORN, José. As Seis Irmãs: As FFCL do Interior Paulista. Araraquara, UNESP,
FCL, Laboratório Editorial. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2003, p. 75-102.
181
- Ibidem,- p. 97.
131
pragmático até uma cultura geral e desinteressada, baseada num ensino comum a
todos e voltado à formação do caráter e da mentalidade182. O governo brasileiro
começa essa nova política de interiorização da Educação num projeto debatido ad
nauseam pela sociedade. Mesmo as universidades católicas ao se constituírem são
resultado de confrontos e embates na luta por manter e defender uma cultura e uma
visão do mundo herdada da colonização. Daí entende-se a força da expressão do
professor Sodero ao afirmar a “singularidade” dessa fundação. Até este momento os
salesianos não haviam participado dos grandes debates educacionais travados no
Brasil. Até em nível de Igreja, contrariando a prática de toda a América latina,
utilizavam o latim com a pronúncia romana e não a espanhola, criando desconforto
frente ao clero local e dificuldades aos seus alunos egressos de suas escolas que
poderiam ser reprovados nos exames orais em outras escolas que adotavam a
pronúncia espanhola. Quando o governo realiza exigências legais para o exercício
do magistério numa conversa amigável, solicita-se um favor e se ganha, sem se
pedir, uma faculdade no interior, isso não é, obviamente absorvido em seu sentido
pleno dentro dos grandes debates travados sobre educação no país. Essa é a chave
para se entender o fechamento social no qual a faculdade salesiana nasce. Para a
mentalidade dos salesianos da época parece não ter havido o real entendimento da
extensão do que significava ser “ensino superior reconhecido”. Para a maioria deles
apenas o estudo do seminário era validado pelo governo como oficial. Houve
dificuldade em entender que a partir deste momento as portas da faculdade estavam
abertas para toda a sociedade brasileira.
Lorena neste período era uma cidade provinciana. Seus alunos eram jovens
seminaristas oriundos de diversas partes do Brasil que queriam ser padres
salesianos. Era em suma, um seminário. Como afirma Sodero:
182
- Ibidem, p. 99.
132
A faculdade nasce como um seminário reconhecido, como atesta o artigo 153 que
reza: os alunos eram “do sexo masculino e em de regime de internato, cabendo
somente ao diretor abrir exceção a este dispositivo184” Tinha-se o paradoxo da
existência de um curso de ensino superior interno e masculino com 80% dos
professores sendo padres e mantendo-se a estrutura de seminário. A sociedade
local começa desde o inicio a exigir vagas, sendo os superiores obrigados a admitir
leigos denominados então de externos e que devem se submeter ao estilo
seminarístico da faculdade. Exige-se também a presença feminina – inconcebível
então dentro dos rígidos padrões de uma igreja romanizada – o que é solucionado
com a criação da faculdade feminina que funciona na escola das irmãs salesianas,
ainda que mantenha uma administração unificada. Sendo a cidade de Lorena
provinciana e tradicional essa formatação não causa incômodo. Os clérigos, dentro
da tradição tridentina, vivem isolados das coisas do mundo não podendo se
ausentar dos claustros sem autorização e não podendo ter acesso a jornais e
revistas, salvo se antes censurados por seus superiores. O estudo acadêmico
continuava embasado no pensamento tomista e com abordagens a partir de uma
ótica apologética da igreja e da religião. A cultura era ampla e clássica, sem, porém,
trabalhar uma dimensão critica. Não era permitida a leitura de muitos autores
vetados pelo Index Librorum Prohibitorum185 da igreja e da congregação. O
isolamento da sociedade é bem expresso pelo ex-aluno e ex-clérigo José Paulino:
183
- TOLEDO, op. cit., p. 63.
184
Ibidem, p. 77
185
- Índice dos livros proibidos.
133
186
- SILVA, José Paulino da. Itinerário de Libertação: a educação na encruzilhada entre o
discurso progressista e a prática conservadora. São Luís: Sotaque Norte, 2002, p. 63
187
- Como exemplo cita-se três dias de anotações da “Crônica da casa” que até hoje é feita
pelos clérigos. No dia 31 de março de 1964 são feita anotações domésticas. “Comemoração mensal
de Dom Bosco. Não houve comemoração porque o rito não permitia. Bodas de ouro de ordenação
do Rev.mo senhor padre Júlio Deretz. Não houve festa porque se esperava comemorar essa data
quando o padre Julio pudesse celebrar. À noite houve uma pequena manifestação de afeto. Passeio
geral à fazenda do Mondezir. Recebemos a notícia do falecimento do senhor coadj. João Trombeta”.
Nenhumas referência ao golpe militar. A casa de formação está distante apenas um quilometro do
quartel. Houve grande movimentação de tropas. No dia primeiro de abril há está lacônica nota: “30º.
Aniversário da canonização de Dom Bosco. Revolução no país. Demitiu-se o presidente e tudo se
acalmou”. No dia 15 de abril de 1964: “Tomada de posse do novo presidente da República Sr. Mal.
Castelo Branco”. Nada mais. Cf. CENTRO UNISAL. Sedoc: Arquivo histórico. Crônicas da Casa, de
18/07/61 a 10/07/61, Lorena.
134
Não raro, porém, nos quadros de tiras de jornais do seminário apreciam noticias
favoráveis à revolução cubana, contra o imperialismo americano ou a favor da
libertação dos pobres e oprimidos postas por mãos “desconhecidas”, certamente
padres, que são “denunciados” no conselho da casa: Até padres e teólogos
inteligentes com teorias que em pouco tempo fariam grandes estragos. (...) Muito
cuidado em pôr os clérigos em contato com essas coisas. Bastam as idéias gerais,
188
- Mereceria especial estudo no CEDOC dois tipos de documentos. As Crônicas da casa que
a partir de um clérigo redator narra o dia a dia e as Atas do Conselho da Casa onde se sente o
embate dos Salesianos entre si frente aos problemas que começam a atingir a sociedade.
189
- Cf. CENTRO UNISAL. Sedoc: Arquivo histórico. Atas do Conselho da Casa do Instituto
Salesiano de Pedagogia e Filosofia. 15/03/67 a 14/08/73 – Lorena, p. 49 v .
135
Irmã Iracema teve atuação marcante na formação dos alunos, mesmo antes
do golpe militar ( ... )Ela tinha uma cabeça incrível, muito aberta. Formou
uma geração de discernimento, de saber o que era bom e o que não era. (
...) A professora fazia de sua aula um instrumento esclarecedor e
conscientizador da realidade brasileira, com o objetivo de formar cidadãos
justos e com desejo de transformação. ( ... ) Foram anos áureos de
conscientização e de ação, porque nós acabávamos tendo uma missão
junto aos jovens. Mesmo antes da implantação da ditadura militar, pela
própria característica da disciplina de Sociologia, irmã Iracema discutia
questões relativas às injustiças sociais, como a pobreza, a falta de moradia
192
e o trabalho mal remunerado .
190
- Ibidem, Ata da Casa. De 14 de março de 1956 a 07 de maio de 1968. Lorena, p. 64v-65v.
191
- Iracema Noemia Farina - 1920 – 2011. Graduada em Filosofia, Pedagogia, Teologia e
Ciências Religiosas, e Orientação Educacional, pós-graduada em Filosofia, Psicologia Educacional,
Educação Moral e Cívica, Monitoria, Comunicação e Educação Cinematográfica, Mestre e Doutora
em Ciências pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Cursou inúmeras
extensões universitárias nos campos da Psicologia, Sociopolítico e Econômico, Cultura Brasileira,
Filosofia, Comunicação e Artes, todos em renomadas instituições como USP, PUC, Faculdade
Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena, Faculdade Católica de Belo Horizonte,
Faculdade Jesuíta São Luiz/SP, FMU. Em 1969 esteve em Roma, onde participou de um curso sobre
Cultura Cinematográfica promovido pela Confederação Portuguesa dos Meios de Comunicação
Social (CPMCS). A partir de 1959 até 1974, desenvolveu suas atividades docentes na Faculdade
Salesiana de Filosofia Ciências e Letras de Lorena – sessão feminina. Em Lorena criou o Cine Clube
de Lorena da FATEA que funciona até hoje. “Era uma professora com idéias avançadas tendo lutado
muito pela liberdade e democracia. Foi educadora propositiva, acreditava nas possibilidades da
juventude como protagonista da história e capaz de mudar a situação socioeconômica e política do
País. – Cf. FATEA. Saudades de uma grande educadora. Disponível em: <
http://fatea.br/fatea/blog/saudades-de-uma-grande-educadora-salesiana/>. Acesso em: 10 ago.
2011.
192
- BORREGO, Beatriz; MARIA, Letícia; MAIA, Paula. Uma Lacuna na História: Movimento
de oposição ao regime militar nas cidades de Lorena e Aparecida. Taubaté: Papel Brasil. 2000, p. 52-
53.
136
194
- TOLEDO, op. cit., p.164.
195
1º. De abril e 7 de maio de 1978. Ibidem, p. 167-168.
196
-Ibidem, p.168.
138
Essas idéias tinham algo de novo e somente salesianos com uma longa vida no
mundo universitário podiam perceber o seu alcance. Para os salesianos que
trabalhavam apenas na casa de formação e que viam o espaço universitário apenas
como uma extensão do seminário essas proposições não eram apreendidas na
dimensão e profundidade que tinham. Aliás, o próprio Vaticano II no seu espírito
ainda não era bem compreendido. Havia neste momento uma reta intenção de
reestruturação da faculdade dando-lhe uma maior consistência no seu espírito de
universidade. As reuniões congregando professores e alunos eram conduzidas pelo
padre Ferreira198. A partir das reflexões de Dom Padim o processo participativo
passa a ser significativo. Discutiu-se organização, gestão acadêmica, administração,
estruturas físicas. Entre os muitos pontos debatidos optava-se pela criação de um
clima ecumênico e pela abertura da faculdade para a sociedade local e seus
problemas. Este momento, e a crise que viria a seguir, vistos numa perspectiva de
197
- TOLEDO, 2003, p.169.
198
- Padre Antônio da Silva Ferreira nasceu em São José do Rio Pardo, no dia 13 de junho de
1927. Licenciado em Filosofia pela Faculdade Dom Bosco de Filosofia e Letras de São João del Rei,
Teologia pelo Instituto Pio XI em São Paulo e Pedagogia pela Faculdade de Ciências e Letras de
Cruzeiro, SP. Doutorou-se em Pedagogia pela Universidade Pontifícia Salesiana de Roma. Professor
e diretor das Faculdade Salesiana, foi assessor para o setor das Escolas da Pastoral Juvenil do
Conselho Geral da Congregação salesiana em Roma. Psicólogo. Foi membro fundador do Instituto
Histórico Salesiano de Roma, onde atou por 18 anos Foi vice diretor e membro do Centro Salesiano
de Documentação e Pesquisa de Barbacena. É membro fundador da Associação Nacional de
profissionais de administração e membro da Associação de Cultores da História Salesiana, com sede
em Roma. Autor de muitos livros sobre educação e salesianidade no Brasil e na Itália. Autor de várias
pesquisas com edições de documentos inéditos e artigos em Revistas especializadas. A publicação
da última edição das “Memórias do Oratório São Francisco de Sales” de Dom Bosco na edição
italiana, posteriormente traduzida para vários idiomas, com comentários e notas historiográficas do
padre Ferreira tornou-se um referencial obrigatório para o estudo critico da personalidade, dos
escritos e da obra de João Bosco. Sua presença em Lorena foi marcante como pensador, tendo dado
à Faculdade Salesiana seriedade, sobretudo na dimensão das pesquisas. No momento da grande
crise da universidade em 1968 manteve uma postura acadêmica que, sem abrir mão dos seus
princípios, soube respeitar e dialogar com todas as correntes de pensamento e defendê-las
publicamente frente à crescente truculência do regime militar. Defendeu a liberdade de pensamento
dos alunos marxistas ligados ao DA, desde que suas argumentações estivessem embasadas em
critérios científicos da academia. Sua autoridade moral como pensador, escritor, pesquisador e
professor granjeou-lhe respeito até mesmo do regime militar, apesar de ter sofrido uma breve
detenção. Quando irmã Iracema foi detida por sua liderança política, conta hoje com um sorriso
brejeiro, se dirigiu ao comando militar avisando que “estariam criando um sério problema diplomático
internacional com o Estado do Vaticano, pois uma das normas da Igreja é que jamais uma freira
deveria pernoitar fora do convento. Foi-lhe solicitado então que garantisse que naquele mesmo dia a
“irmã revolucionária” fosse banida da cidade de Lorena, o que aconteceu. Atualmente reside na
unidade de Santa Teresinha do UNISAL em São Paulo onde atua como professor convidado,
pesquisador, tradutor, consultor dos centros históricos do Brasil e de Roma e escritor.
139
199
- Hércio PEREIRA, apud TOLEDO, op. cit., p. 176.
140
linha romanizada da Igreja e mesmo o bispo Dom Padim 200, com explicita inclinação
para a Teologia da libertação, apesar de suas convicções pessoais, por ser membro
da hierarquia católica, devia manter certa postura esperada de um bispo de uma
conservadora e provinciana cidade do interior. A greve dos 100 dias dos estudantes
no ano de 1968, porém, precipitou os acontecimentos assumindo um contorno que
escapava ao controle dos padres salesianos.
200
- Dom Cândido Padin – 1915-2008 - Graduado em Direito pela USP,Filosofia e Teologia. Foi
um dos fundadores da Juventude Universitária Católica no Brasil, Participou do Concílio Vaticano II.
Foi bispo auxiliar de Dom Jaime Câmara (1962 e 1965) no Rio de Janeiro atuando como assistente
nacional da Ação Católica. Em 1966 foi nomeado bispo diocesano de Lorena, onde permaneceu por
quatro anos e a seguir foi bispo de Bauru até 1990 quando retronou ao Mosteiro de São Bento de
São Paulo. Na CNBB trabalhou no setor de comunicação social e de educação. Presidiu o
Departamento de Educação do Conselho Episcopal Latino-Americano - CELAM (1967-1972). Foi
consultor da Congregação para a Educação Católica, entre 1968 a 1973. (espaço) Em 1962, no
governo João Goulart foi membro do Conselho Federal de Educação. Foi vice-reitor da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Empenhado na causa da justiça e da promoção humana, foi um
dos primeiros juristas a denunciar a inconstitucionalidade da Lei de Segurança Nacional durante o
regime militar. Era considerado um bispo da ala progressista da Igreja Católica por seu engajamento
social e político. Insistia que a vocação dos leigos exigia que fossem agentes transformadores da
sociedade. Atuou, ainda, no setor de comunicação social e de educação da CNBB. Também foi
membro do Conselho Episcopal Latino-americano (CELAM), presidindo o Departamento de
Educação. Fundou, em Bauru, a Comissão de Justiça e Paz, atento à dignidade da pessoa humana,
conforme sempre se empenhou em unir a promoção humana à evangelização de modo especial em
favor dos pobres e excluídos. Foi um dos primeiros juristas a apresentar estudo sobre a
inconstitucionalidade da Lei de Segurança Nacional em vigor no período da Ditadura. Destacou-se
assim dentre o episcopado brasileiro. Cf. CNBB. Pastoral Familiar. Disponível em:
< http://www.pastoralfamiliarcnbb.org.br/novo_site/noticias/noticia.asp?id=1092>.Acesso em: 10 out.
2011.
201
- Destacam-se os professores José Luiz Pasin, Irmã Iracema Farina, Irmã Olga de Sá, Padre
Carlos Leôncio, Padre Antonio da Silva Ferreira, Padre Eliseu Cintra. Todos são intelectuais de
destaque comprometidos com o mundo acadêmico formados com o verdadeiro espírito do Ensino
Superior. Junte-se a estes, também destacado pelos alunos, o bispo Dom Cândido Padim também
alinhado com as lutas estudantis. Este livro recebeu no Congresso da Intercom – encontro de
pesquisadores, profissionais e alunos de comunicação do pais dois prêmios: primeiro lugar como livro
reportagem e o melhor trabalho de jornalismo do Brasil de 1997. Cf. BORREGO et al., 2000.
141
O prolongamento da paralisação das aulas gerou cansaço nos próprios alunos que
começaram a temer a perda do ano letivo, e enfim as aulas retornam enquanto o
líder estudantil Ivo Malerba é preso no Congresso da UNE de Ibiúna203.
202
- O Capital; Manifesto Comunista.
203
- 12 de outubro de 1968.
204
- 3 de dezembro de 1968
205
- Lei 5,540/68 de 28/11 impõe a reforma do Ensino determinado pelo acordo MEC/USAID.
“Os Decretos leis 464 477 de 1969 davam o golpe de misericórdia nos avanços e sonhos
desenvolvidos pela Faculdade Salesiana, na busca de sua reestruturação”. Cf. TOLEDO, 2003, p
177.
206
- Atual FATEA – Faculdades Integradas Santa Teresa D’Ávila, das irmãs salesianas.
142
Os jovens clérigos tinham saído vitoriosos dos embates nas assembléias. Muitas
das idéias que haviam combatido, porém, não deixaram de tocá-los, como os
conceitos de participação, liberdade, decisões colegiadas e acesso a pensadores
fora do eixo tomista. Ao retornar para a vida regular do seminário, suas mentes já
não eram as mesmas. Os livros de atas das reuniões dos superiores demonstram
preocupações com os “tempos atuais”. Sem que os superiores percebessem, os
formandos haviam “se contaminado” em parte com os ideais e mentalidade dos anos
60. Na ótica dos formadores era o momento de reordenar e disciplinar o seminário.
Enquanto o AI 5 impunha uma linha dura à sociedade, o mesmo acontecia com a
casa de formação. Professores salesianos progressistas são transferidos.
Seminaristas rebeldes e progressistas são dispensados. O novo diretor apresenta-se
como quem veio restaurar a ordem e disciplina. Essa proposta, porém, que x
representava um forte freio na vida do seminário, não iria apresentar os resultados
207
Padre Antônio da Silva FERREIRA. Testemunhos em Barbacena. Entrevista concedida pelo
Vice-diretor do Centro Salesiano de Documentação e Pesquisa de Barbacena. Barbacena, MG, 16 de
julho de 2002. In: CENTRO UNISAL. Sedoc: Arquivo histórico. Lorena.
208
- Tanto o termo “claustro” como “monástica” são aqui usados de modo impróprio. A vida
salesiana possui toda uma organização interna com regulamentos e vida em comum. Prevalece,
porém, um clima de família muito diferente dos mosteiros. Elas aqui são usadas apenas para definir a
regularidade, a sistematicidade do cotidiano duma casa religiosa, mas são usadas de forma até
caricata.
209
- lei 5.540/68.
210
Cf. TOLEDO, 2003. p. 180
144
Entre os anos de 1969 e 1972 duas coisas se explicitam para os salesianos mais
esclarecidos. A tentativa de volta ao modelo do antigo seminário não era mais viável
como fora no passado. A Igreja mudara com o Vaticano II. As vocações diminuíram
drasticamente, com boa parte do clero em crise de identidade frente a um mundo de
rápidas mudanças tecnológicas, sociais e, sobretudo, de mentalidade. O sonho da
reestruturação da faculdade nos moldes de um seminário estava acabado, pois ela
deveria se enquadrar ao modelo de uma escola superior atendendo às exigências
do MEC e do mercado. O Novo regimento será aprovado no dia 12 de dezembro de
1972 pelo parecer 1.433/72, organizando-se segundo o modelo tecnicista imposto
pelo regime militar.
O novo diretor das Faculdades salesianas, Padre Anderson Paes da Silva, tomara
posse em agosto de 1969, com a leitura da Sagrada escritura em que se viam claras
as dimensões da verdadeira autoridade211. O governo do novo diretor mostra-se de
imediato ousado abrindo novos cursos já nos anos seguintes, como Química,
Ciências Naturais e Psicologia. Em 1971 já se conta com 11 Cursos. Em 1970
termina a divisão dos alunos por sexo a partir do curso de Psicologia. Essa rápida
modernização da faculdade, porém, não foi bem absorvida pelos formadores.
211
- Ibidem, p. 187.
212
Ibidem, p. 200
213
- Guido NASCIMENTO, apud TOLEDO,2003, p. 193.
145
214
- Ney GUIMARÃES, Apud TOLEDO, 2003, p. 191.
215
- Ibidem, p. 193.
146
de Buga216, Medellín217 e mais tarde Puebla218. Apesar dos clérigos terem sido
retirados da faculdade reconhecida pelo governo para o interior do antigo Instituto de
Filosofia, validando só posteriormente os estudos, muitos deles haviam absorvido
uma mentalidade crítica própria do ensino superior.
216
- Documento de Buga – fevereiro 1967.
217
- Documento de Medellin 1968.
218
- Documento de Puebla – 1979.
147
219
- Tanto na apresentação do histórico de Americana como de Campinas seremos mais
sucintos, pois essas fundações seguem um caminho menos conflitivo enquanto instituições de
terceiro grau na sua organização interna, ainda que tenham sido fundações que geraram
estremecimentos em nível de congregação religiosa por serem atos de rebeldia de seus diretores.
220
- O Liceu foi fundado em 25 de julho de 1897 pelo empenho do jovem cônego João Batista
Corrêa Nery como Liceu de Artes e Ofícios para atender os jovens órfãos da peste de 1889 que se
abatera sobre a cidade dizimando inúmeras famílias. A partir desta fundação partiu-se para o
internato com escola que atenderia a jovens de toda a região paulista.
221
- DENARDI, Cláudia Bevilaqua; BARBOSA, Silvana Mota. Os Salesianos em Americana:
50 anos tecendo a educação. Campinas: Arte Brasil, 2001, p. 10-27.
222
- 1949-1952 P. Osvaldo de Andrade; 1953-1954 P. Luiz Gonzaga de Oliveira; 1955-1960 P.
José Del Mônano; 1961 P. Fausto Santa Catarina; 1961-1968 P. José Dal Mônaco. 1968-1974 P.
João Baldan. Ibidem, p. 14.
148
Em 1970 o novo diretor celebra um convênio com a prefeitura para manter uma
escola municipal onde se aplicaria a pedagogia salesiana com a estrutura e
funcionários mantidos pela cidade. Já no mesmo ano se percebe que o projeto não
daria certo, pois os professores se mostravam resistentes em assumir o estilo de
educação salesiana, sendo o convênio desfeito no fim do ano, com reflexos em 1971
quando a fragilidade financeira é sentida de modo especial. No livro do Conselho da
casa do dia 15 de abril de 1971, após vários arrazoados sobre a saturação do
mercado de escolas de primeiro e segundo grau na cidade de Americana, padre
Baldan conclui com a seguinte reflexão:
Pensa-se então numa obra que possa garantir a vida das demais. Essa
obra seria uma faculdade? Um curso técnico superior? Não sabemos,
precisamos de levantamentos, e de estudos, digo, de pesquisa de
223
mercado .
Uma pesquisa inicial mostra que a cidade está em franco crescimento com a
perspectiva da construção de grande numero de escolas para atender à crescente
população, atraída, sobretudo pela indústria têxtil. Constata-se, porém, não existir
cursos superiores na cidade224. A isso se soma uma política adotada pelo governo
militar que, numa ótica progressista, promove entre o final da década de 60 e início
da década de 70, uma política favorável à autorização de abertura de novas
instituições de ensino superior que dessem demanda a essa procura 225. Deve-se
lembrar, porém, que os salesianos estavam traumatizados com os eventos ocorridos
na faculdade de Lorena no ano de 1968. As greves estudantis em que se havia
perdido o controle da situação consolidavam para muitos a certeza que a
congregação não nascera para atender ao ensino superior. Além disso, sob a
influência dos movimentos eclesiais de base, crescia em outros não só a rejeição ao
ensino superior, mas ampliava-se o questionamento sobre a atuação nas escolas de
223
- Ibidem, p. 68.
224
- Ibidem, p. 89.
225
- Ibidem, p. 93.
149
primeiro e segundo grau para classe média que, entendiam, fugia ao carisma
fundacional. Levar, portanto, o tema da fundação de uma faculdade em Americana
ao Capitulo226 seria ter a questão sepultada para sempre. Padre Baldan assume a
criação da faculdade unilateralmente,227 justificando-se:
Por iniciativa pessoal padre Baldan abre o processo de criação da faculdade que é
aprovada em 10 de maio de 1971 pelo Conselho Nacional de Educação, 229 sendo
oficializada no Diário oficial pelo decreto do dia 13 de julho de 1971, 230 com
aprovação das faculdades de Educação, Administração de Empresas e Serviço
Social. A aprovação é objeto de uma festa improvisada no Instituto Dom Bosco para
onde acorrem autoridades e amigos dos salesianos para se confraternizarem pela
conquista indicando o envolvimento da sociedade americanense que entendia que
essa fundação correspondia aos seus anseios como resposta para uma real
demanda dessa comunidade. Da mesma forma o decreto de 12 de julho foi saudado
por um foguetório danado na cidade!231
226
- O “Capítulo” nas congregações religiosas é uma assembléia periódica que toma decisões
com poder de lei e que só podem ser vetadas pelos superiores maiores de Roma. Um veto ao
ingresso neste caso tornaria legalmente inviável qualquer possibilidade de abertura de um curso
superior e certamente essa decisão capitular em São Paulo seria sancionada pelos superiores
maiores de Roma.
227
- Não é objetivo de nossa pesquisa fazer um levantamento dos bastidores deste processo de
aprovação. A historiografia oficial fala da estratégia da fundação de uma Instituição leiga constituída
por personalidades da cidade e que assumiriam a gestão da nova faculdade. O fato é que padre
Baldan tendo tirado férias, ao retornar à Inspetoria havia assumido a condução dessa nova fundação.
Cf. DENARDI et al., 2001, p. 91-100.
228
- Cf. Entrevista a padre Baldan, apud DENARDI et al., op. cit., p. 93.
229
- Ibidem, p. 97.
230
- Ibidem, p. 97 .
231
- Ibidem, p. 27.
150
232
- Na pesquisa realizada fora das produções da historiografia salesiana, nunca se encontrou
até o presente momento nenhuma referência à fundação da Faculdade salesiana de Lorena. Ainda
que tenha sido criada por decreto presidencial e, portanto, histórica e legalmente, devidamente
documentada, sua criação é desconhecida para a maioria dos historiadores da educação no Brasil, o
que reforça a tese do professor Sodero de ser uma “fundação singular”.
233
- Em pesquisa de campo tivemos sinalizações que essa fundação causou certo mal estar em
alguns segmentos da Inspetoria por se ter feito sem anuência explicita do comando central. Nos
bastidores do livro “Os salesianos em Americana: 50 anos de Educação”, houve censura a uma
pretendida homenagem ao padre Baldan porque então alguns ressentimentos ainda estavam vivos.
Aos poucos, porém, vai sendo reconhecido como um visionário e responsável pelo início de um
projeto que representa uma das grandes frentes e referência da presença salesiana no Estado de
São Paulo. Esses bastidores, porém, não serão objeto de nossa pesquisa, mas mereceriam futuras
pesquisas de acontecimentos que hoje só podem ser captados na oralidade das narrações.
234
- Ibidem, p. 99-100.
151
235
- Manoel ISAÚ, Manoel. Com Dom Bosco e com os Tempos. Campinas: Escola Salesiana
São José. Campinas: Arte Brasil, 2003, p. 32.
236
- Ibidem, p. 62.
237
- Ibidem, p. 86.
238
- Ibidem, p. 88 – Esta política assumida pela escola estava de acordo com o decreto 50.942
de 25 de abril de 1961.
153
239
- Ibidem, nota 93, p. 100.
240
- A compreensão desta vocação religiosa é de difícil entendimento no sentido como foi
elaborada por João Bosco, porque revolucionária para o seu tempo. No seu conceito o que existe é a
vocação salesiana, isto é, aquelas pessoas que se sentem chamadas por Deus para educar a
juventude com o sistema preventivo baseado na Razão, Religião e Bondade. Podem ser leigos,
casados e, até... padres. O Vaticano para aprovar sua obra engessou-a dentro dos padrões de outras
congregações. No século XIX ele, apesar de sua formação medieval, falava em “padres em mangas
de camisa”. Assim dentro da moderna Congregação salesiana existem padres e irmãos. Por
imposição da igreja o diretor religioso de uma comunidade sempre deve ser um padre. Mas todas as
outras funções podem ser exercidas por irmãos leigos como diretores de escolas, universidades,
obras sociais, economatos, etc, tendo inclusive sob sua jurisdição sacerdotes. No inicio das suas
obras sociais João Bosco contratou profissionais para ensinar aos aprendizes. Percebeu, porém, que
esses não ensinavam os segredos da profissão, pois teriam nos seus próprios alunos futuros
concorrentes. Muitos jovens entraram na congregação sem o desejo de serem padres, mas dispostos
a se consagrem na vida religiosa se profissionalizando. Esse é o perfil definido do chamado “irmão
salesiano”: um religioso consagrado por votos e que é um profissional qualificado se fazendo
presente nas oficinas como mestre de ofício e educador. Sua atuação modernamente se estende a
todos os campos de atuação salesiana.
154
241
- Ibidem, p. 116 et seq.
242
- A MISEREOR é uma organização católica alemã que capta recursos no período da
quaresma com a finalidade de ajudar instituições ligadas à igreja católica no campo social. Existe
movimento similar que capta recursos no tempo do advento e cujos recursos são aplicados em obras
especificamente religiosas, chamando-se essa organização de ADVENIAT.
243
- Escola Técnica de Campinas - Fundada em Primeiro de março de 1972.
244
- Era contra os regulamentos da congregação salesiana que não salesianos se
hospedassem e convivessem na comunidade religiosa. A premência, porém, em implantar e
implementar novos programas da ETEC eram considerados de tal urgência, que essas normas
foram decuradas. Os primeiros a serem hospedados foram Walter Gotzemberger mecânico de rádio
e Christoph Shween engenheiro eletrotécnico. Cf. ISAÚ,. 2003, p. 118, nota 107.
155
O diretor padre Juvenal Zonta não se dá por vencido. Os estudos continuam. No dia
18 de abril de 1977 é realizada uma reunião com o professor Sérgio Zanilato que
apresenta um longo relatório onde apresenta situações favoráveis.
(...) Nesta perspectiva, quer-me parecer que a Escola Salesiana São José
está situada numa região das mais propícias uma vez que inúmeras são as
indústrias e empresas de Campinas e região circundante que diariamente
estão a solicitar técnicos. Faz-se conveniente lembrar aqui que nem a
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), nem a Pontifícia
Universidade Católica de Campinas (PUCC), possuem ainda muita iniciativa
ou atividade relativa a cursos superiores de curta duração (a não ser na
área da Tecnologia de alimentos), por falta de espaço físico ou falta de
instalações adequadas e de material específico a ser utilizado nesses
cursos. (...) Quanto às instalações devo afirmar que, dentro de todas as
escolas que visitei em inspeções pelo MEC, seguramente colocaria estas no
grupo das melhores. À qualidade das instalações acresce o corpo docente
especializado em eletrônica e telecomunicações, bem como o prestígio que
a escola goza na região de Campinas. “Tudo isso me leva a crer que a
iniciativa de instalar curso de alto nível superior é altamente viável e apenas
com gastos relativamente pequenos poder-se-ia aproveitar o equipamento
246
já existente e atender a enorme clientela que aspira e tem solicitado ”.
245
- Ibidem, p. 130.
246
- Ibidem, p. 131.
247
- Ibidem, p. 131-133.
156
248
- Ibidem, p. 173.
249
- Faculdade Salesiana de Tecnologia
250
- Ibdem p. 175
157
João Bosco simplificara seus objetivos educacionais no mote: formar bons cristãos e
honestos cidadãos. As instituições educacionais salesianas possuíam um ideário
filosófico-cristão que norteava inequivocamente sua ação educativa. Quando se
tratou da transposição da prática pedagógica das escolas e obras sociais para o
ensino superior, isto ensejou desencontros e equívocos, quando nem sempre se
adequou conteúdos e metodologias praticadas para adolescentes para o
atendimento de jovens e adultos.
251
- Este princípio aplica-se não só a instituições confessionais, mas também a comunitárias e
àquelas que se erigem sob determinada escola filosófica, seja ela marxista, tomista, positivista, etc. É
a lógica da matriz Fundacional de uma instituição de ensino superior. O importante é que ela seja
espaço da pluralidade e uma instância de diálogo da corrente mantenedora com as demais correntes.
159
João Bosco sintetizara o objetivo de suas obras numa singela frase: Formar bons
cristãos e honestos cidadãos. Os que contestam a presença salesiana no ensino
superior argumentam que, se ela pôde ser acolhida como significativa na
configuração da vida de adolescentes, torna-se, porém, insuficiente quando se trata
de jovens e adultos. A Educação superior salesiana tem por escopo formar humana
e profissionalmente pessoas que sejam significantes na sociedade. Para que essa
formação humanística e salesiana aconteça supõe-se que haja estreita e orgânica
interação entre projeto curricular, o ambiente acadêmico e os valores salesianos que
efetivem esses objetivos. E isso é quase impossível de ser gerido numa
universidade pela sua própria natureza plural enquanto acolhe diversas correntes e
tendências de pensamento e a presença de educadores salesianos não tem sido
significante.
Outros ainda afirmam que as universidades católicas teriam perdido seu espaço e
finalidade, seja pela laicização da sociedade frente ao surgimento de uma sociedade
pós-cristã, seja pela incapacidade do cristianismo de entabular um diálogo fecundo
com a modernidade pela falta de interlocutores católicos competentes. A pluralidade
cultural ofuscaria propostas educacionais fechadas, acreditando que a dimensão
religiosa pertenceria nesta nova sociedade ao âmbito privado.
Os salesianos que entendem o ensino superior como um problema que deve ser
deletado, parecem se distanciar do espírito do fundador. O surfista nunca luta contra
o oceano, mas enfrenta cada onda no momento em que ela se delineia, cresce e
ameaça. Para ele nenhuma derrota ou vitória é definitiva. Novas ondas se formarão
para desafiá-lo, para derrotá-lo ou para serem vencidas. E o mar, manso ou bravio,
seguirá seu inexorável destino de “problematizar” a vida do surfista, que, por ser
surfista, sempre há de querer as maiores ondas, e nunca as tranqüilas águas das
tépidas baías. Só existirão grandes surfistas se existirem grandes ondas. Só
existirão grandes educadores se existirem grandes desafios, porque só esses
elementos desestabilizadores, não importando se filosóficos, sociais, religioso ou
morais permitirão o surgimento de pensadores que os enfrentem com criação de
novas respostas criativas e inventivas.
O Centro UNISAL pode ser visto na ótica da pedagogia salesiana, sob dois ângulos:
um problema ou um desafio. A resposta a essa questão depender do olhar. Se João
Bosco tivesse olhando a nascente urbe industrial como um problema, teria tomado
sua inchada e sido um digno camponês do Piemonte como foram seus irmãos.
Deitou, porém, a inchada na terra e escolheu fazer da urbe um desafio com todos os
riscos que isso comportava. Foi uma opção.
163
Essa declaração de identidade não é em si algo novo, pois ainda que tenham sido
fundações realizadas aleatoriamente, foram sempre iluminadas pela cosmovisão do
fundador João Bosco. A tradução e transposição de sua pedagogia, porém, para o
mundo universitário tem sido complexo frente a esse novo público. Bosco não
cogitou a universidade253, pois no século XIX respondia aos desafios imediatos do
seu tempo procurando estar alinhado com os problemas de então que eram atender
às necessidades de profissionalização de jovens pobres e tirá-los dos perigos de
degradação moral e da criminalidade. Procurou intervir na mentalidade do seu
tempo com a divulgação de suas idéias educacionais254 e de sua pedagogia através
da imprensa, então um meio moderno e avançado de comunicação e, quando
grupos opositores tentaram impedi-lo de realizar essas publicações, não teve
252
- Cf. IUS, op. cit., archivio n. 14.
253
As fundações de faculdades em muitos casos na congregação foram ações isoladas de
pessoas ou de comunidades não tinha jurisdição para tal. Isso fica explicito numa entrevista ao
Boletim Salesiano Espanhol do padre Garulo que é questionado se as universidades salesianas
atuais seriam mais fruto de instituições salesianas individuais ou derivariam de projetos assumidos
pelas inspetorias? Ele responde:
255
- Essa tradição editorial se projetou em suas obras pelo mundo. Na Inspetoria de São Paulo
foi constituída a Editora Salesiana que, além de escola profissional com seu parque Gráfico, garante
também a produção das obras salesianas para todo o Brasil. Se isso de um lado é uma vantagem, de
outro gera certa endogenia que dificulta a divulgação dessas obras, sobretudo, as pedagógicas, para
além das fronteiras e dos ambientes salesianos.
256
- O Reitor Mor é o sucessor direto de Dom Bosco e é considerado como o interprete e o
centro de unidade da congregação cabendo-lhe garantir a fidelidade carismática de todos os ramos
da Família salesiana aos princípios do fundador. É eleito pelo Capitulo Mundial por um período de
seis anos, podendo ser reconduzido ao cargo por mais uma vez.
257
Um problema de fundo, porém se coloca de forma contundente. A maioria dos salesianos
não se entende vocacionados para o trabalho universitário. Alguns até consideram que a incursão
neste campo é uma infidelidade ao carisma do fundador que direcionou sua vida e suas obras para
os adolescentes e jovens empobrecidos, sobretudo nas obas sociais. O forte dos salesianos seriam
o colégio, o pátio e o oratório. A isso Garulo responde: “Os salesianos nasceram em Valdocco, a
periferia pobre de Turim que começava a se industrializar, e não no recinto universitário da Sorbonne
em Paris, como os jesuítas. Isso define uma vocação, uma marca sem qualquer dúvida. Por
fidelidade ao carisma de suas origens, a missão salesiana se desenvolveu tradicionalmente – creio
que com competência e sucesso - em lugares e ambientes pobres. As grandes virtudes de Dom
Bosco, porém, são a flexibilidade e a versatilidade em função da presença dos jovens, objeto de
nossa consagração. Os jovens “pobres e necessitados” e os setores populares da sociedade
continuam a ser o campo da missão salesiana. Contudo, esses mesmos estratos sociais evoluíram e
165
são distintos hoje do que eram em tempos anteriores, e é evidente que têm necessidade de novos
serviços. A entrada dos salesianos no campo universitário é um sinal dessa versatilidade posta a
serviço dos destinatários de sempre. Cf.ius.edinf.com/portal/images/2assembly/chronicle_por.pdf
258
- Equivaleria a um vice-reitor mor, mas sem direito a sucessão.
259
- Cf. IUS, op. cit., archivio n. 06.
260
- Ibidem.
166
O Grande mérito das IUS foi a elaboração teórica em nível acadêmico dos princípios
e referenciais que definem uma instituição salesiana de Ensino Superior. Essa
identidade, se bem definida, somada aos seus objetivos e práticas permitirá que
essas instituições mantenham a fidelidade ao fundador e ao mesmo tempo
consigam delinear um perfil salesiano adequado para o ensino superior.
167
2.5.3 O UNISAL – à luz dos princípios emanados das IUS revendo sua história
261
- Padre Leôncio nasceu no Recife a 6 de dezembro de 1887, filho de tradicional família
pernambucana, descendente de senhores de engenho. Em 1902 estudou no colégio salesiano do
Recife. Tornou-se salesiano em 1910, indo em 1913 para Turim onde concluiu seus estudos
teológicos. De 1917 a 1937 atuou no nordeste como professor e diretor de colégios salesianos,
sendo que em 32 fundou o Centro de Cultura Religiosa e Pedagógico-didática. Em 37 foi transferido
para o Instituto teológico Pio XI em São Paulo onde se tornou professor. Neste ano trabalha em sua
primeira obra pedagógica: Manual teórico-prático para uso dos educadores. Em 1939 vai para a Itália
a fim de dirigir e organizar a fundação do Instituto de Pedagogia do Pontifício Ateneu, sendo a
primeira faculdade de Pedagogia reconhecida pela Igreja. Na Itália dedica-se a escrever sobre o
Sistema Educativo de dom Bosco. Na Universidade católica de Friburgo doutora-se em Pedagogia.
Em 1952 retorna para o Brasil por problemas de saúde e assume a direção da recém fundada
Faculdade Salesiana onde permanece como diretor até 1965, quando se afastou da direção por
problemas de saúde. Por duas vezes participou, a convite do governo brasileiro, de reuniões da
ª
UNESCO: em 52, em Paris, como delegado do Brasil na 7 Conferência daquele órgão, e em 53 em
uma reunião de educadores, como representante das escolas particulares. Deste período ficaram
amizades com Lourenço Filho, Carneiro Leão, Tristão de Athayde e outros. Faleceu no dia 21 de
julho de 1969 na cidade de Lorena. Cf. TOLEDO, 2003, p.116-119.
169
262
- Mereceria um estudo de como aos poucos as disciplinas de formação humana e cristã
foram sendo retiradas do currículo ou ao menos diminuídas, não raras vezes com um conteúdo
rarefeito e genérico onde a identidade institucional sequer era percebida.
263
- Cf. DIREÇÃO GERAL OBRAS DE DOM BOSCO. Constituições e Regulamentos. Roma:
Elle di Ci, 1984, no. 177.
170
Esses elementos fizeram com que sua congregação pudesse se expandir com
rapidez por todo o mundo atraindo seguidores religiosos e leigos que acreditaram
neste método educativo. Para João Bosco todos, desde o diretor ao mais humilde
funcionário, são educadores.
171
264
- Odor de santidade, tibieza, temperança, murmuração, abstinência, (...)”Angelus”, Tantum
Ergo, “Magnificat”, “De Profundis”, (...) oratório festivo, gramática do Ravizza, o Grêrmio(...), o
sistema preventivo, o espírito salesiano, o boa noite, o rendiconto mensal, as leituras edificantes, as
sessões liter-musicais, o porquê das festas, aulas de civilidade, português, latim, grego, italiano,
inglês, francês, espanhol, os terríveis escrutínios, brinquedos gerais, estafeta, cajado, barra
cumprida, espiribol, boccia, amizades particulares, jogo de botão, ping-pong, colóquios, superiores,
Notas A-B-C-D (Aptus, Bonus, Corrigens, Demitens), os feijões pretos, banho frio, festas, colunatas,
refeitório, sino, passeios gerais, Escola Agrícola, Horto Florestal, os aparelhos do laboratório, (...).
Aroldo Azevedo de PAIVA – Reminiscências (folha avulta s.d.).In: CENTRO UNISAL. Sedoc:
Arquivo histórico, Lorena.
265
- Merece especial referência o livro A República dos Sciuschiá que trata do oratório no
bairro da periferia de Roma chamado Borgo. um projeto único de intervenção em favor da infância e
da adolescência na periferia de Roma. Trabalhando com a História Oral, Alessandro Portelli e seu
grupo de pesquisadores do Circolo Gianni Bosio recuperam uma parte importante do período que se
prolonga do pós-Segunda Guerra Mundial até hoje, mostrando o valioso trabalho dos salesianos junto
aos jovens em situação de risco social. Cf. PORTELLI, Alessandro (Coord.). República dos
Sciusciá: a Roma do pós-guerra na memória dos meninos de Dom Bosco. São Paulo: Salesiana,
2004.
172
João Bosco quisera pela sua ação educativa gerar mudanças qualitativas na vida
dos seus destinatários. As questões acima expostas ainda tocariam superficialmente
os objetivos mais profundos da Educação salesiana. Ela almeja, mais do que ser
objeto de conhecimento, gerar atitudes atingindo o próprio sentido da existência
humana. Se as questões apresentadas acima tiverem resposta negativa, isto
significa que nem sequer perifericamente a educação salesiana estaria
acontecendo. Se, ao contrário aas respostas forem positivas , poder-se-ia partir para
questões mais profundas, a saber:
A obra salesiana fundada por João Bosco vem respondendo aos desafios de cada
tempo: no século XIX atendeu jovens empobrecidos procurando integrá-los no
mundo industrial pela profissionalização. No início do século voltou-se para
internatos e colégios e na segunda metade deste século teve início uma join venture
com o ensino superior. Este estudo é restrito a três dessas escolas superiores
circunscritas à Inspetoria e Estado de São Paulo.
266
Cf. IUS, op. cit., archivio n. 06.
267
- Católica enquanto apoiada nos princípios do cristianismo sob a chefia do papa e salesiano
enquanto adota o catolicismo sob a ótica educacional e pedagógica de João Bosco.
174
268
- A vida dos religiosos acontece dentro dos ambientes onde trabalha. O “quintal’ de suas
casas são os pátios, a “varanda” são os pórticos. Não existe um “fim de expediente” e nem tão pouco
“ir para casa”. A vida da instituição mescla-se, funde-se e confunde-se com a vida pessoal.
176
269
- A Congregação Salesiana foi fundada em 1859 tendo sido reconhecida de direito pontifício
em 1874 pelo papa Pio IX. Está presente em 132 países.
270
- Padre Natale Vitali é chileno responsável pelo Cone Sul da Congregação salesiana que
atinge os seguintes países: Argentina, Brasil, Chile e Uruguai. Doutor em Educação foi inspetor no
Chile entre os anos de 1991 a 1994; 1995-2000 e 2006 a 2008 quando foi eleito para o Conselho
Mundial da Congregação salesiana com sede em Roma.
271
- Padre Natale VITALI – Conselheiro mundial da congregação Salesiana. – Conferência aos
salesianos de Lorena. No dia 30/034/2011. Cf. Livro de Atas das Visitas Canônicas 1991 a ...
anexada: Ata da Visita Extraordinária do Conselheiro do Cone Sul. p. 28 v. In: CENTRO UNISAL.
Sedoc. Lorena.
177
272
- Até hoje foram celebrados 26 capítulos gerais que atualizam os projetos congregacionais
aos desafios de cada tempo. O ultimo foi realizado em 2008.
273
- Entende-se então porque um colégio salesiano pode sobreviver, por exemplo, num
ambiente islâmico, ter mais de 90% de alunos não cristãos e ser defendido por pessoas que não são
cristãs. Como exemplo pode-se citar que no Líbano onde havia estabilidade entre cristãos e
islâmicos, quando estourou a guerra civil, essa estabilidade foi quebrada, mas um colégio de irmãs
salesianas de 800 alunos, dos quais apenas poucas dezenas eram cristãos, foi defendido por grupos
armados islâmicos, que tinham nesta escola também abrigo contra os bombardeios. Era o único lugar
seguro para cristãos e islâmicos. A comunidade islâmica do povoado, inclusive com seu chefe tribal,
tinha nas salesianas um referencial de amizade e respeito como educadoras de seus filhos. Cf. o
Documentário: Hadath Baalbek, costruendo insieme Il futuro. Valdocco – Media centre Torino –
Associazione Missioni Don Bosco – 2009.
178
para enfrentar os desafios do seu tempo e como resposta para o momento histórico
que então se vivia. Tentar, porém, “congelá-lo” nos moldes praticados no século XIX
seria traí-lo no seu espírito; apreender, porém o seu espírito e os seus critérios de
ação é capturar aquela postura essencial que é aplicável em qualquer tempo e lugar
porque fundamentado em princípios e valores atemporais.
Para o surfista cada onda é um desafio sempre novo e diferente que deve “encarar”
com suas peculiaridades e desafios sem, porém, jamais deixar a prancha, que é sua
única base de segurança. É uma boa imagem para os desafios da educação
salesiana no século XXI O Educador salesiano apóia-se em alguns poucos
princípios dos quais jamais pode abrir mão com o risco de perder sua identidade.
Mas quanto ao resto, deverá “surfar” no momento presente enfrentando os
obstáculos sem medo.
João Bosco educador só é entendido a partir dos desafios do seu tempo. Os atuais
educadores salesianos devem ter como diferencial a capacidade de se adequarem
aos tempos sem abrir mão dos princípios iluminadores de sua ação.
274
- DIREÇÃO GERAL OBRAS DE DOM BOSCO Constituições e Regulamentos. Roma: Elle
di Ci, 1985, p. 24, n. 17.
275
- A congregação chegou a contar com cerca de 22.000 mil membros consagrados só no
ramo masculino.
179
Quem circula pelas dependências físicas das unidades do UNISAL percebe que as
diversas edificações acompanharam as tendências da engenharia do Brasil de cada
época. As últimas construções abandonaram por completo as antigas concepções
italianas dos enquadramentos dos pátios pelos pórticos. Lorena, a unidade mais
antiga, ostenta suas colunas fundidas na Inglaterra, retrato da dependência
tecnológica do nosso país com o exterior. O ultimo prédio concluído em 2008 tentou
ser um arremedo dos tempos passados nas suas forçadas linhas arquitetônicas. A
Unidade de Campinas possui três conjuntos de construções bem definidos. Um
primeiro que compõe a fachada central – solene – remonta às grandes construções
italianas pela sua imponência e austeridade com o pórtico imenso tomando toda sua
frente. Do seu lado direito surgem dois conjuntos. Um, hoje com aparência de
envelhecido, lembra o final da década de 50 e inicio da de 60. O outro, repleto de
meandros, contrariando de forma gritante tudo que a pedagogia salesiana ensina
sobre ambientes276, remonta aos anos 70 pretendendo passar a idéia de
modernidade. Finalmente a unidade de Americana possui dois Campi. O Campus
Dom Bosco é um conglomerado de estilos dos anos 60 e 70, enquanto que o da
Auxiliadora é contemporâneo com seus prédios de concreto e vidros entre os
canaviais. Num dos seus prédios investiu-se em avançada tecnologia de construção
com paredes duplas para conter o calor, estudos de ventilação e iluminação. O
segundo, ainda que siga as linhas do primeiro, foi construído sob o peso de
dificuldades financeiras com menos tecnologia, mas sem perder o aspecto de futuro
e de devir. Poder-se-ia falar da evolução das faculdades a partir dos seus prédios
que demonstram num crescendo a constante adequação aos novos tempos.
276
- As construções salesianas possuem um layout próprio que favoreça a assistência dos
educandos. Para que um arquiteto desenvolva bem um projeto é necessário que tenha um bom
conhecimento da pedagogia salesiana e seja supervisionado por salesianos competentes para que a
construção possa corresponder e facilitar a pratica dessa pedagogia.
181
Apesar da distorção de se conceber a idade média como uma noite de mil anos de
trevas iluminada pelas fogueiras da inquisição, ela é um referencial para o estudo da
história277 porque congrega em si aspectos que lhe dão uma identidade e que a
277
- Enciclopedistas: consideraram a Idade Média um período bárbaro, supersticioso,
tenebroso, tirano, escravocrata e estéril. Afirma isso Diderot [1713-1784], Voltaire [1694-1778],
Montesquieu [1689-1755] e Helvético [1715-1771]. A Escolástica [período medieval da formação de
escolas de pensadores] representa a tirania do poder eclesiástico sobre o poder socio-político. Isso
segundo eles foi herdado da Patrística [Primeiros Teólogos Cristãos que como os pais, buscavam
transmitir aos seus discípulos as heranças advindas da tradição apostólica]. Em geral denominavam
este período como “Noite de mil anos de obscurantismo ou de recuo da cultura”. Esta terá sido
cultivada brilhantemente pela Antigüidade greco-romana até 476 e haverá caído em decadência
tenebrosa até o século XV [1450]. A Idade Média haverá sido um túnel escuro. Gótico e Bizantino
serão vistos como sinônimos de bárbaro. Caracterizaram-na como um período de superstição [alusão
à ciência do sobrenatural – a Teologia], de ingenuidade da mente [alusão à ciência racional – a
Filosofia – que ascendia à verdade como instrumento e serva da teologia] e de loucura [alusão à
ciência empírica – Ciências físicas, alquimia, biologia etc. – que pautavam suas investigações em
teoremas filosóficos].[d] Historiografia: a partir do século XVIII, com a ascensão da paleografia,
182
O mosteiro é a síntese entre a “liturgia” das estações e liturgia das horas. O canto
gregoriano e o canto chão ecoando pelas naves de pedra no lento compasso da
liturgia dão tempo à semente de nascer, crescer, florir e frutificar. Era um só tempo,
o de Deus, o dos homens e o do campo. O belicoso Império romano do ocidente em
sua derrocada militar e política era de novo unificado sob a fé católica.
A gloriosa Cidade de Deus que no decurso do tempo, vivendo da fé, faz sua
peregrinação no meio dos ímpios, que agora espera a estabilidade da
eterna morada com paciência até ao dia em que será julgada com justiça, e
que, graças à sua santidade, possuirá então, por uma suprema vitória, a
paz perfeita. (...) Também é preciso falar da Cidade da Terra, na sua ânsia
de domínio, que, embora os povos se lhe submetam, se torna escrava da
sua própria ambição e domínio. (...) É desta Cidade da Terra que surgem o
278
inimigos dos quais tem que ser defendida a Cidade de Deus .
Este conceito de Cidade de Deus elaborado por Agostinho deu sentido e unidade ao
mundo medieval, apesar de conter em si contradições, como um Francisco de Assis,
doce menestrel de Deus e um cruzado a matar com crueldade os infiéis ao fio de
espada, ambos, ainda que de formas diferentes, agindo à luz de uma cosmovisão
unitária do cosmos, da vida e do fim escatológico do homem.
278
- SANTO AGOSTINHO. A Cidade de Deus. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996,
p. 97-99.
185
279
- Era uma controvérsia entre os franciscanos conventuais e os “espirituais”. Fraile assim
descreve essa crise: “Os franciscanos ao renunciarem a todos os bens e propriedades elevavam-se à
perfeita imitação de Cristo e à perfeição evangélica elevando-se acima do clero e do papa. (...) se
Cristo havia condenado a riqueza a sua posse era um sinal de fragilidade (...) Chegaram a rebelar-se
contra seus superiores e a negar a legitimidade do poder eclesiástico. A Igreja era uma nova
Babilônia e o papa o anti-Cristo. Negava-lhe o poder de interpretar a regra franciscana e
profetizavam a vinda de uma igreja do Espírito Santo , governada pelos espirituais em regime
‘democrático’”. FRAILE, 1966, p. 1.112.
186
A Igreja no século XIX se distanciava também das pessoas letradas e cultas não
aceitando pontos de vista que pudesse pôr em cheque a cristandade, sendo até
natural essa resistência, pois alguns pensadores do período tinham explícitos
embates ideológicos e doutrinais com a igreja282.
Tais filigranas intelectuais, porém, não passavam pelas mentes e corações de rudes
agricultores e do povo simples que se apegavam com as tradições que tinham
recebido dos antepassados e para os quais, em épocas tão difíceis, duas coisas
eram fundamentais: nesta terra a sobrevivência e na eternidade a salvação. É neste
contexto que os camponeses do Piemonte mantinham uma religiosidade recebida
dos antepassados e que certamente passariam para seus filhos e netos. Os curas
rurais, sem grande cultura, sustentavam essa cosmovisão de séculos sem especiais
retoques, embasada na longínqua síntese agostiniana que dera significado à vida de
280
- Luiz CAMÕES, Luís Vaz de. Os Lusíadas. Porto Alegre: L&PM, 2010, p. 1.
281
- São anotações em vermelho contidas nos livros de cerimônias católicas onde se
determinam os mínimos detalhes e as mínimas posturas que devem ser obedecidas nas cerimônias
religiosas.
282
- Karl Marx, Nietzsche, Durkheim, Augusto Compte e outros.
188
283
- CERIA, Eugenio. Memorie Biografiche di san Giovanni Bosco 1884-1885. Torino:
Società Editrice Internazionale,1936,v. XVII, p. 244-245.
190
As religiões são objeto de estudo de muitas ciências que as abordam sob vários
ângulos, sociológico, histórico, político, econômico ou de qualquer outro ponto que
se considere oportuno. Todas elas, porém, possuem um espaço íntimo subjetivo que
não é nem mensurável e tampouco descritível. Alguns termos procuram desvendar
esse espaço interior denominado “fé” que se projeta na vida humana motivando
ações nobres, assim como a capacidade de oblação que dá sentido para se viver e
morrer. O inefável não pode ser descrito, narrado e explicado porque envolto sob o
véu do mistério: possui, porém sua visibilidade através dos frutos que gera na vida
das pessoas e da sociedade. Alguns termos procuram explicitar essas experiências
que transcendem os sentidos e representam a experiência da divindade284.
A Mística, diferente do êxtase, possui uma dimensão mais ativa e tangível quando o
ser humano a partir de sua experiência com a divindade procura adequar-se aos
projetos divinos. Essas crenças indescritíveis e inefáveis precisam de fórmulas
simplificadoras que verbalizem o inenarrável tornando-o compreensível e exeqüível,
também para as pessoas simples que por um insight apreendem intuitivamente o
projeto de vida da religião. O cristianismo construiu fórmulas simplificadoras como
amor, caridade e salvação. Nessas três palavras se podem resumir as mais
profundas especulações teológicas para o homem comum. São palavras-síntese.
Foi essa síntese que Santo Agostinho conseguiu elaborar ao escrever o livro “De
Civitate Dei”, que não só justificava a queda do Império Romano, como também
sinalizava o sentido e os ideais da cristandade. É um conceito que, mesmo se não
usado, está implícito em toda ação evangelizadora e catequética que pretenda
construir homens e sociedades novos à luz do cristianismo.
284
- No campo filosófico a reminiscência platônica é um êxtase da razão na feliz contemplação
do hiperurânio.
285
- Essas três correntes discutiram no período da patrística, que termina m 430 com a morte de
santo Agostinho, o relacionamento entre a Fé cristã e a Razão grega. A corrente gnóstica afirmava a
191
Francisco de Assis287 consegue enfim a audiência com o papa Inocêncio III288 para
pedir autorização de sua nova ordem religiosa mendicante. Ao entrar na sala de
audiências sua pobreza contrasta com a magnificência e suntuosidade do ambiente:
a guarda postada, os levitas enfileirados sustentando turíbulos, os cardeais
envolvidos em riquíssimas roupas de seda compõem o ambiente da coorte papal.
Uma imensa escadaria leva ao trono do pontífice, ladeado pelos mais altos
dignitários da igreja vestido de ricas vestes, destacando-se no papa a capa magna
com preciosas pedras. O maltrapilho Francisco, autorizado, começa ler em latim um
pergaminho com palavras protocolares para o momento, soletrando-as... não são
suas... o pergaminho cai de suas mãos... e num arroubo começa a citar o sermão da
montanha do Evangelho de São Mateus: olhai os lírios do campo289,... conforme vai
pronunciando as palavras os cardeais vão franzindo o rosto, crispando os lábios até
que revoltados começam a gritar que ele seja posto para fora pelos guardas.
286
FRATELLO Sole, Sorella Luna. Direção: Franco Zeffirelli. Atores: Graham Faulkner, Judi
Bowker, Leigh Lawson, Kenneth Cranham. Gênero: Drama. INGLATERRA: Estúdio Vic Films / Euro
International Film S.A.1972. (121 min).
287
- Interpretado pelo ator Graham Faulkner.
288
- Interpretado pelo ator Alec Guinness.
289
- Evangelho de São Mateus Capitulo 6, versículo 28ss.
192
A câmara vai fechando foco no rosto Inocêncio III com os olhos semi serrados
atordoado, quase em transe. Parece ter a reminiscência, em meio à sufocante
opulência não evangélica que o circunda e envolve, a pálida recordação de crenças
e sonhos da juventude. Determina que trouxessem de volta o jovem, que é posto
aos pés da escadaria de joelhos e com o rosto voltado para o chão. A cena continua
a ser significativa. O pontífice se desprende da capa magna e desce lentamente as
escadas não mais como rei, mas como ser humano despido agora em parte dos
adereços do poder. Aos pés da escada dois homens que se encontram, um, no
borbulhar dos grandes ideais da juventude, outro, na recordação de uma vida
também permeada por sonhos juvenis, mas traída: também na minha juventude...
balbucia Lottário290, confidenciando ideais amortecidos em seu coração. O papa
percebe num olhar o quanto que sua igreja estava distante dos ideais do Evangelho.
Num impulso, ajoelha-se e beija os pés de Francisco. Há um contido frenesi de
espanto e revolta entre os cortesãos. Um cardeal, porém, tranqüiliza seu vizinho
vendo nesta ação um jogo de cena para recuperar o controle sobre os pobres que
se haviam distanciado da igreja.
290
- Nome de batismo do papa Inocêncio III, cujo nome completo era Lottario dei Conti di Segni
193
Esses clichês com tintas fortes para atingir os sentidos e os sentimentos, e porque
não dizer, para bater recordes de bilheteria, não deixam de sublinhar o
distanciamento da igreja que se perdera no poder e no ritualismo e não soubera
manter o passo da história. A Mensagem do poverello de Assis transcende os
séculos porque traz em si e no que representa os ideais de cristianismo: o amor e o
desprendimento da cidade dos homens na busca da cidade de Deus. O filme de
Zeffirelli é um conto, com base histórica, mas com sabor de parábola. Fala mais do
que narra e mostra mais do que fotografa. Seja em nível intelectual ou afetivo diz
que tipo de igreja e de religião se quer e qual não se quer. O problema é que tanto
Inocêncio III como os altos dignitários da igreja, mostram-se seduzidos pela pompa
e poder, sendo a cristandade com seu poder e pompa mais forte do que o carisma
despojado do cristianismo.
tomado pela púrpura, pelo ouro e pela seda dos cardeais que, adentrando aos
simples cômodos, enchessem o olhos de seus discípulos de outro modo de vida,
com luxo, poder e vaidade. No palácio papal alguns cardeais queriam expulsar
Francisco, que silenciosamente denunciava seus desmandos, mas acabaram tendo
que se submeter pela coerção imperial do papa de ao menos ouvir o poverello.
Agora, num efeito semelhante, Bosco e seus discípulos fiéis àquele mesmo
evangelismo de Francisco professado tantos séculos antes, querem expulsar essa
coorte barulhenta e frívola dos modernos e liberais que contestam a cristandade
como um modelo ultrapassado frente a um mundo economicamente industrial e
politicamente liberal. As armas e modos de ação podem ser diferentes, mas o ideal é
único.
João Bosco foi um cidadão desta cidade do alto e que não abriu mão dos seus
princípios de cristão convicto, mas se integrou na cidade dos homens usando sua
linguagem, seus valores, vivendo em sua dinâmica e no seu “jogo” fazendo-se
respeitar, não só como sacerdote, mas como cidadão produtivo e construtor da
cidade terrena e formando mão de obra especializada, além de oferecer educação e
instrução aos jovens das classes populares. Une-se à modernidade com
inventividade, educando os jovens cidadãos dessa nova era, com a esperteza,
porém, de um jogador de xadrez que, ao movimentar as peças no tabuleiro, ora
indo, ora recuando, tudo faz com uma única meta: a vitória da Igreja. Para Bosco
seu fim único e inequívoco é implantar a Cidade de Deus utilizando-se das melhores
armas que estavam disponíveis na urbe industrial.
Entende que a comunicação pela imprensa é um meio eficiente para divulgar suas
idéias. Lança as leituras católicas com publicações mensais, onde alterna leituras
infanto-juvenis recreativas, teatros, vidas de jovens exemplares, livros apologéticos
em defesa da igreja, de atualidades, escolares291 e de formação. Consegue alternar
com maestria o que há de mais moderno e, ao mesmo tempo, conservador mirando
seus públicos alvos e utilizando uma linguagem especifica para cada um deles.
291
- Para fazer frente aos constantes ataques sofridos pela Igreja na historiografia da época,
para suas escolas, João Bosco escreve “La Storia D’Itália” para uso em suas escolas onde faz uma
leitura do passado e do presente da península a partir de uma ótica apologética da igreja.
195
Neste caso basta-me ter podido com minha obra participar na Grandiosa
Mostra da invenção e indústria italiana e demonstrar com fato que no
período de 40 anos sempre promovi o bem estar moral e material da
juventude pobre e abandonada,isto sim o verdadeiro progresso da ciência e
da arte. Para mim já é um prêmio suficiente o reconhecimento do público,
que pode verificar com os próprios olhos a índole desta minha obra e dos
293
meus colaboradores (...)
E, paradoxalmente, este homem que fazia presença numa feira de Ciências da Itália,
competindo inclusive com invenções, era ao mesmo tempo o autor do livro “o Jovem
Instruído294”, um manual de formação e piedade para os jovens de seus oratórios,
onde estabelecia valores morais e procedimentos de vida cristã a partir de uma
visão do temor da perdição eterna, do perigo das insídias do demônio contra a
292
- Num período de confronto entre a igreja e o poder liberal as portas das gráficas eram
facilmente fechadas aos padres. Com sua gráfica João tinha autonomia de publicação. Quando foi
boicotado pelos fornecedores de papel, abriu uma fábrica dessa matéria, se bem que sua incursão
neste ramo de produção não foi bem sucedida, tendo que em pouco tempo fechar essa indústria.
293
- CERIA, op. cit., p. 254.
294
- Este livro foi escrito por João Bosco endereçado especialmente para os jovens. Nele trata
dos “dois ardis de que principalmente costuma servir-se o demônio para afastar o jovem do caminho
da virtude (p.7). Nesta introdução João Bosco pretende mostrar como o jovem pode se livrar do
inferno fugindo do vício pela prática da virtude e da piedade: “se começarmos a viver bem agora que
somos moços, continuaremos a viver bem pela vida afora, teremos uma boa morte, que será o
princípio de uma felicidade eterna” (p. 6) Nessa obra traça o que é necessário para um jovem ser
virtuoso, ser perseverante, o que deve fazer e evitar. (p.12-50) A seguir apresenta sete meditações
para os dias da semana tendo a seguinte seqüência: domingo: o fim do homem; segunda-feira: o
pecado mortal; terça-feira: a morte; quarta-feira: o juízo; Quinta-feira: o inferno; Sexta-feira: a
eternidade das penas; sábado: o paraíso. (p 51-75) A seguir segue-se o devocionário para as práticas
de piedade (p.551) onde se alternam orações em latim, instruções, catequese e a vida espiritual que
deveriam viver os jovens. A sua linha de pensamento possui seu embasamento na visão medieval de
mundo e de igreja.
196
O mesmo sacerdote, que usava em suas oficinas tecnologia de ponta, que redige
cartas ao governo com uma linha de raciocínio e de lógica impecável e que era
autor de páginas avançadas sobre educação que transcenderam seu tempo pelos
seus conceitos educacionais, era também autor de páginas onde palpitavam idéias
que poderiam ter brotado da pena dum obscuro cura medieval do século XII. É
aparentemente contraditório que haja um coração que tenha uma cosmovisão de um
mundo povoado de demônios como autores e princípio do mal junto de uma mente
que pensa, trabalha e age alinhada com o mundo moderno e com a lógica do
mercado e do capital e com uma visão política que, se não tivesse profundas
amarras com o papado, não teria dificuldades em abraçar o pensamento liberal na
sua dimensão democrática porque, afinal, a congregação religiosa que fundara tinha
já na sua origem ideais liberais de governo, onde mais que sublinhar a autoridade de
Deus que se encarna nos superiores, destacava o clima de familiaridade que deveria
reinar nos ambientes educativos, sendo o superior considerado como um pai e
possui um profundo respeito pelos educandos.
295
- BOSCO, João. O Jovem Instruído. São Paulo: Livraria Salesiana, 1952, p. 5-6.
197
Dom Bosco, mais do que uma sociedade, queria uma família fundada quase
que unicamente sobre a paternidade suave, amável e vigilante do superior,
e sobre o afeto filial e fraterno dos súditos.Aliás, ainda que mantendo o
princípio da autoridade e da respectiva submissão, não queria distinções,
296
mas igualdade entre todos em tudo .
Esse João Bosco “urbano” viveu conflitos com igreja institucional porque seu
comportamento fugia aos rígidos padrões da época. Era uma situação conflitiva
porque seu coração medieval o fazia se inclinar diante da hierarquia representante
de Deus, mas sua mente pragmática urbana o fizera entrar em rota de colisão com
seus dois bispos, antes seus amigos pessoais, com a cúria Romana e não teria ido
longe se não tivesse o beneplácito de Pio IX que lhe deu respaldo frente à rejeição
de segmentos da sociedade tradicional católica turinense, seus dois bispos, algumas
autoridades civis e membros da cúria romana.
296
- Felipe RINALDI, apud BROCADO, 2008, p. 50.
198
297
- “O citado livro “Profundamente homem e profundamente Santo” de Pietro Brocado realiza
esse intento. Falta-lhe, porém, uma metodologia científica. O autor por gozar de amplo conhecimento
descuidou-se do recurso às fontes com uma apresentação que é válida ainda que careça de
embasamento documental de sustentação de suas afirmações que certamente nasceram de suas
pesquisas e estudos, mas que não são visualizadas em notas e nem na citação bibliográfica, o que
compromete a cientificidade da obra, que passa a ter como fonte de credibilidade apenas o nome do
seu autor.
199
Após as lutas para ser aceito pela igreja como congregação e pela sociedade civil e
política como educador, João Bosco morre reconhecido e consagrado em 1888. Ao
seu sucessor Miguel Rua caberia a missão de consolidar essas vitórias, pois muitos
esperavam o declínio do movimento salesiano. Ao contrário, porém, foi um momento
de grande expansão.
É um momento político crítico com a guerra fria e com o aumento das tensões
internacionais que se acirram com as guerras no Laós, Camboja e Vietnã,
confrontando-se belicamente direita e esquerda. Regimes totalitários procuram
impor suas hegemonias sobre países de terceiro mundo, apoiando guerrilhas, lutas
contra o colonialismo e regimes ditatoriais. Do lado capitalista a Aliança para o
Progresso com a distribuição de alimentos, capitaneada pelos Estados Unidos,
procura neutralizar os desequilíbrios sociais do terceiro mundo,vulneráveis aos
discursos de esquerda. Do lado socialista, a União Soviética consolida sua
hegemonia reprimindo “autonomias” como na “Primavera de Praga”. Uma
hecatombe nuclear parece mais que uma hipótese frente às crescentes tensões
internacionais.
298
- HISTÓRIA por Voltaire Schilling. Mundo: 1968. Disponível em:
<http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/1968.htm>. Acesso em: 18 jun. 2011.
299
- 13 de outubro de 1968.
300
- 13 de dezembro de 1968.
202
Nesta década de 1960 a Igreja se agarra às suas tradições diante de um mundo que
se agita em tensões econômicas, políticas, sociais e morais. Esses novos desafios
não são assimilados por parte da hierarquia, incapaz dum confronto com essas
realidades, havendo miopia de muitos príncipes da igreja acreditando que sua
estabilidade estava assegurada na solidez das catedrais, na liturgia sob o som dos
órgãos de tubo solenizando os pontificais, na nobreza do canto gregoriano, nas
alfaias usadas em rituais impecáveis, de acordo com as rubricas litúrgicas. O latim
utilizado nas catedrais ou nas minúsculas capelas parecia dar estabilidade e unidade
à Igreja. Preservar a tradição parecia tornar incólume a religião frente às intempéries
do mundo contemporâneo, como se a unidade da Igreja fosse sustentada em rituais
e não nas fontes primeiras daquilo que os cristãos acreditavam como manancial de
sua fé, as Escrituras ditas Sagradas. A maior parte dos anciãos da igreja
desconectava-se dos desafios do mundo real para se anestesiarem numa tradição
que pouco contribuía para a projeção espiritual, política e social de uma instituição
que socialmente perdia força e prestígio frente aos novos tempos.
301
- Na Áustria na faculdade de Teologia o teólogo Josef A. Jungmann (1889-1975) lançou um
livro no qual preconiza a necessidade de uma radical reforma da Igreja Católica nas dimensões
Bíblica, litúrgica e Catequética rompendo com a mentalidade apologética e intelectualista que até
então o catolicismo vinha assumindo como reflexo de sua reação à reforma protestante. A partir do
seu pensamento, surge em 1939 a Escola Querigmática de Innsbruck. Em 1950 essa busca de
depuração do catolicismo ganha o nome de “Movimento de Innsbruck” que buscava uma renovação
bíblica, litúrgica e catequética na igreja. Esse movimento terá influência na proposta de Renovação
do Concílio Vaticano II.
203
302
- ZIZOLA, G.. A Utopia do papa João. Tradução de Maurício Rufier. São Paulo: Loyola,
1983, p. 307-309.
303
- "Puis arrive Hélder Câmara, secretaire du CELAM. C’est extraordinaire: aujourd’hui même,
à midi, ils ont parlé de moi et ont dit qu’il faudrait me faire venir. Après avoir bavardé un bon moment,
nous allons dans une salle, où se réunissent avec nous une douzaine de jeunes évêques. Ils
m’interrogent. Mgr. Helder même: un homme non seulement très ouvert, mais plein d’idées,
d’imagination et d’enthousiasme. Il a ce qui manque à Rome: la ‘vision’
205
304
- ROCHA, Zildo. Helder o Dom: uma vida que marcou os rumos da igreja no Brasil.
Petrópolis: Vozes, 1999, p. 37.
305
- Em pesquisa conduzida por dez anos por formadores da Inspetoria de São Paulo verifica-se
que em média não chegam a 5% os jovens que entram nos seminários para os estudos sacerdotais e
que leram uma única vez linearmente os Evangelhos e as cartas apostólicas. Deve-se considerar que
essa proporção é muito baixa porque são jovens, em geral, oriundos de lideranças da Igreja que
pretendem ser pegadores do cristianismo e nem sequer conhecem a sua fonte de inspiração primeira,
os Evangelhos.
206
306
Decreto no. 30.552, de 14 de fevereiro de 1952 - "Concede autorização para o
funcionamento dos cursos de Filosofia, Pedagogia, Geografia e História, Letras Clássicas, letras
neolatinas e Letras Anglo-germânicas, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras". O presidente
da República, usando das atribuições que lhe confere o artigo 87, item I, da Constituição, e nos
termos do artigo 23 do decreto-lei no. 421, de 11 de maio de 1938, decreta: Art. 1 - É concedida
autorização para o funcionamento dos Cursos de Filosofias, Pedagogia, Geografia, e História, Letras
Clássicas, Letras Neolatinas e Letras Anglo-germânicas, da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras, mantida pela Inspetoria Salesiana do Sul do Brasil e com sede em Lorena, Estado de São
º º
Paulo. (...) Rio de Janeiro, 14 de fevereiro de 1952, 131 da Independência e 64 da República.
Getúlio Vargas. E. Simões Filho. CENTRO UNISAL. Sedoc: Arquivo histórico. Lorena.
207
307
- CENTRO UNISAL. Sedoc: Ata da Casa. De 14 de março de 1956 a 07 de setembro de
1966. Arquivo histórico. Lorena, p. 64v. 65v. 89v.
208
Com a greve dos 100 dias liderada pelo estudante Ivo Malerba, presidente do DA e
ligado ao DA da USP e, conseqüentemente à UNE ,os clérigos antes protegidos
num seminário-redoma, serão lançados em meio aos candentes temas sobre a
realidade brasileira. Por circunstâncias locais e buscando defender a congregação
participam dos debates estudantis que eram vetados aos professores 309, lêem os
livros proibidos nos ambientes do seminário para poder rebater os argumentos dos
alunos de esquerda que buscavam seu embasamento sobretudo nas obras de Marx.
308
- Palavras do Inspetor padre.... In: CENTRO UNISAL. Sedoc: Ata das Reuniões do
Conselho da Casa do Instituto Salesiano de Pedagogia e Filosofia – 15/03/67 – 14/08/73.
309
- Leia-se “os padres”.
310
- BORREGO et. al., 2000, p. 58.
209
Pois havia pressão dos padres para que os clérigos votassem contra o
311
AGIR . Era pressão contra pressão' ( Ivo Malerba 2001) 'as colegas da
Feminina compareceram em massa. Só que na época estava em moda a
minissaia. Resultado de Integração: diversos clérigos abandonaram a
312
batina' (Ivan Maia).
311
Aliança do Grupo de Integração e Renovação. Chapa vitoriosa do D.A. em 1968 sob a
liderança do Ivo Malerba.
312
- TOLEDO, 2003, p.176.
313
- BORREGO et al., 2000, p. 57.
210
A geração dos salesianos que sairão dessa experiência representarão a ruptura com
o modelo de congregação construída até então e que tivera na tradição e nos
padrões conservadores da igreja o seu referencial. Os grupos ortodoxos de
salesianos continuarão tentando impor seus modelos e referenciais do passado. As
novas gerações, porém, como filhos de um novo tempo realizarão uma releitura do
carisma salesiano que vai paulatinamente se descolando do modelo de congregação
sustentado até então.
211
314
Leão XIII – 15 de maio de 1891 - Este documento dará inicio à Doutrina Social da Igreja e
será o primeiro referencial para os católicos a respeito do confronto entre o capitalismo e o
socialismo. É, porém, uma intervenção tardia, quando as principais soluções já haviam sido
sinalizadas por socialistas utópicos e científicos. O modo majestático com que Leão XIII se expressa
também contrasta com a forma mais moderna do Manifesto Comunista de Marx mais direto para o
homem do século XIX.
212
315
- Vincent de Gournay (1712 – 1759) autor desta frase teve como discípulo Adam Smith e o
influenciou na sua teoria da auto regulação da economia expressa no seu livro “A Riqueza das
Nações” que foi um marco para o pensamento liberal capitalista.
316
9 de novembro de 1989
317
- 4 de junho de 1989
213
O verdadeiro cristianismo não se mantém puro como o rio que passa pelas planícies
da história onde a água cristalina da fonte mistura-se com os resíduos dos vales, os
dejetos das culturas, dos campos e das cidades – do tempo, enfim –, mas só será
cristalina e pura se for captada na fonte de sua origem.
318
- Esse evento durou menos que 100 dias, mas consagrou-se assim, provavelmente como
forma de torná-lo mais emblemático para definir o evento.
319
- O Professor Francisco Sodero Toledo no seu trabalho Igreja, Estado, Sociedade e
ensino Superior aborda um estudo histórico sobre esse eventos e nos quais esteve envolvido. Como
um dos principais historiadores o Instituto Histórico Vale-paraibanos é um intérprete qualificado deste
momento histórico. Não se pode ignorar também o citado trabalho de Ana Beatriz Borrego et. al. Uma
Lacuna na História: Movimento de oposição ao regime militar nas cidades de Lorena e Aparecida,
aborda o mesmo tema sob a ótica dos estudantes. Um terceiro trabalho de mestrado pela
Universidade São Francisco de Bragança Paulista, não publicado por Dilson Passos Júnior com o
título A Emergência do Protagonismo Juvenil: a crise do Paradigma “Razão” na faculdade
215
representou a primeira grande fenda que irá impactar a congregação nas décadas
seguintes. A congregação salesiana que emerge desses dias de crise e
contestações não será mais a mesma porque, apesar de ter acontecido apenas
numa cidade e numa obra, nela se formavam os líderes da congregação que nas
futuras décadas irão dirigi-la no Brasil e em parte da América. Neste momento se
aninham nas mentes desses futuros líderes os conceitos de participação política,
inserção na sociedade e conscientização numa mescla confusa de elementos da
teologia da libertação e marxismo com explicita ruptura ideológica com os padrões
europeus da congregação que até então vivera para si, intramuros, tendo no “cortile’
o espaço civilizatório das populações autóctones. Estes eventos inseriam de modo
abrupto os formandos nas pulsões e palpitações da realidade brasileira. Esses
poucos dias distantes da tutela formativa e eroupeizadora dos formadores desses
jovens permitiu-lhes debutar com a realidade do seu país rompendo com o
enclausuramento denunciado pelo professor doutor José Paulino da Silva, egresso
desses tempos de formação fechada:
"Ao sair para enfrentar a vida laica até então desconhecida, eu só possuía
os conhecimentos acumulados em minha experiência de quatorze anos de
vida enclausurada, onde conseguira dois títulos acadêmicos, além de dois
anos completos do curso superior de Teologia. Com esta bagagem comecei
a procurar emprego na cidade de São Paulo. E comecei como agente
previdenciário. (...) Não consegui durar sequer uma semana nesse
emprego. Tudo me era totalmente estranho. Até mesmo as situações
mais corriqueiras do cotidiano, como conversar numa mesa de bar,
descontar um cheque, abrir uma conta bancária, falar sobre futebol,
mulher, custo de vida. Esse assuntos, incógnitos para mim, eram
fonte de angústias e de dolorosas aprendizagens. Para quem vivera
quatorze anos em companhia de muitas pessoas e, de repente,
começava a viver só, mesmo estando no meio da multidão, era uma
sensação de deslocamento, como se estivesse num país estrangeiro,
ou perdido em outro planeta, ou numa grande solitária.320
salesiana de Lorena nas décadas de 1960 e 1970 discute a partir das obras de Sodero e Borrego a
alteração do conceito “Razão” elaborado por João Bosco quando esse conceito é confrontado com as
idéias marxistas e sofre alteração no seu entendimento pelos salesianos do Brasil e de alguns países
do Sul da América. Esse primeiro ensaio, que discute as linhas ideológicas desse movimento se
estabelecem como uma nova tese de releitura de um dos pilares da pedagogia salesiana e que
impacta profundamente toda a congregação em nível mundial ao afirmar que no Brasil um dos pilares
fundacionais da obra salesiana possui um entendimento diferenciado do resto do mundo. Essa idéia
foi acolhida pelo Prof. Dr. Antônio da Silva Ferreira membro do Conselho Histórico Salesiano de
Roma, que inclusive faz uma citação desse trabalho e pelo professor Luiz Passin então presidente
do Instituto de Estudos Vale-paraíbanos e que estivera no epicentro desses acontecimentos como
aluno e militante das lutas sociais dos anos 60.
320
- SILVA, 2002. p. 63.
216
Se na idade média o catolicismo deu ritmo à sociedade, aos poucos, porém, esta
passou a avançar mais depressa ficando a igreja para trás, se distanciando do
pensamento leigo em nível de mentalidade. Nos primeiros quatro séculos da era
cristã ela teve que assumir os passos do império romano, e o fez com eficiência,
apesar de suas crises internas. Na Idade Média ela se tornou senhora da situação
ditando normas, costumes e engendrando a organização da sociedade. A partir do
século XV, porém, leigos começam a tomar as rédeas da sociedade enquanto os
lideres da igreja se mostravam incapazes de se desprender das estruturas do
passado e que lhes custará um alto preço por sua incapacidade de responder aos
desafios de cada tempo.
321
- Recentemente no Brasil ter feito bastante alarde dois grandes movimentos: Arautos do
Evangelho e Toca de Assis. Os primeiros mantêm um férreo regime militar, formação moral rígida,
disciplina acima de tudo e uma formação muito tradicional. Impressionam pela grandiosidade de suas
cerimônias e pela harmonia de seus corais. A Toca de Assis veste-se pobremente com trapos e
dedica-se aos irmãos de rua. É um retorno ao franciscanismo mais radical das origens. Outros grupos
apresentam uma faceta mais exigente como a Tradição, Família e Propriedade inspirada em Plínio
Salgado. A Renovação Carismática possui diferenciada vertente: em geral seus jovens vestem-se
como os jovens do atual século, estão infiltrados nos meios sociais, nas universidades, em geral não
se distinguindo dos demais jovens. Professam, porém a prática de um catolicismo e de uma moral
tradicional, em alguns segmentos com grande ênfase para o pecado e para a ação do demônio.
218
vida322. No catolicismo esta atitude pode tomar as feições de grupos fechados que
não dialogam e nem se abrem a outras experiências de vida cristã, alimentando a
idéia de serem eles os verdadeiros cristãos fiéis à tradição deixada por Jesus Cristo
à Igreja do passado.
322
- Tribos urbanas: Emos, góticos.
219
323
- Cristo vence, Cristo Reina, Cristo Impera!. Ao Sumo pontífice pai universal que tenha paz,
vida e saúde para sempre. Ao nosso reverendíssimo bispo e a todo o clero e ao povo a eles
confiados, que tenham paz, vida e saúde perpétua. Venham para nós os bons tempos!. Venha a Paz
de Cristo. Venha o reino de Cristo!
220
Essa proclamação repleta de fé e embalada pelo odor do incenso e pela luz de velas
nos templos desde o século XIX cada dia se torna menos real, pois a cidade dos
homens se sobrepõe à cidade de Deus, não só ideológica, mas fisicamente, ao
desbaratar os territórios papais integrando-os na Nova Itália.
324
- Manifesto Comunista e o Capital de Karl Marx. Os panfletos “revolucionários” que
circulavam no meio acadêmico distribuídos pela UNE. Algumas idéias explicitadas pela Teologia da
libertação.
221
com tanques de guerra. Pelo AI 5325 o governo demonstrara que usaria mão de
ferro contra toda insubordinação contra ordem vigente. A prisão dos líderes
estudantis no congresso da UNE em Ibiúna326 arrefecera os ânimos em diversas
universidades. As energias dos estudantes agora se concentravam em concluir o
ano letivo recuperando o tempo gasto em tantas assembléias.
325
- 13 de dezembro de 1968
326
- 12 para 13 de outubro de 1968.
327
- Padre Júlio Comba exímio latinista e cuja obra de Gramática Latina ainda é muito utilizada
no Brasil.
328
- Padre Anderson Paes. Mostrou-se em grande empreendedor dando impulso à faculdade
salesiana pela sua visão de administrador e pedagogo.
329
- TOLEDO, 2003, p.186.
222
Serão esses jovens – agora adultos –que terão a missão de conferir ao Ensino
Superior da congregação a identidade salesiana. Ainda que teoricamente
conhecedores de todos os princípios e práticas educacionais da pedagogia
salesiana, não tiveram “treinadores” experientes que os introduzissem na aplicação
prática desses princípios. Outros até viveram com alguns salesianos com muita
330
Padre Antônio da Silva FERREIRA. Testemunhos em Barbacena.. Entrevista concedida pelo Vice
diretor do Centro Salesiano de Documentação e Pesquisa de Barbacena. Barbacena, 16 jul. 2002. In: PASSOS
JÚNIOR, Dilson. A Emergência do Protagonismo Juvenil: a Crise do Paradigma Razão na
Faculdade Salesiana de Lorena nas décadas de 1960 e 1970. Bragança Paulista, Universidade São
Francisco, UNISAL: SEDOC, Lorena, 2004, p. 159.
223
331
- A formação tradicional inclui aquela prevista pela Igreja com a Filosofia e Teologia numa
linha tomista. Mas incluía também o estudo da congregação, da pratica pedagógica de Dom Bosco, o
aprendizado de conhecimentos que favoreçam a integração com a juventude: teatro, música,
liderança, promoção de acampamentos, computação, comunicação, idiomas, trabalhos manuais e
braçais, cursos sobre política, problemas sociais, prática de leitura, retórica e comunicação.
224
Neste grupo há dois tipos de jovens bem diferenciados. Um primeiro, bem mais raro,
são jovens com uma formação cristã sólida e com opções definidas de vida e de fé.
Possuem critérios delineados de como viver os princípios e a moral cristã, possuindo
adesão pessoal ao cristianismo e a sua prática. Em geral tendem a uma
espiritualidade conservadora. Alguns conseguem assimilar bem o modo de vida
salesiano, outros, porém, outros porém, preferem buscar outro estilo devida religiosa
em outras congregações.
. O segundo grupo, mais numeroso, possui um simpatia genérica pela estilo de vida
salesiana com concepções religiosas fragmentadas e sem delineamentos claros.
Utilizam-se de clichês católicos e salesianos que não expressam convicções
profundas. Possuem – quando possuem – uma frágil formação catequética,
desconhecendo em profundidade a religião332 e não raro a própria congregação.
Apresentam concepções morais ecléticas e confusas com conceitos contrários ao
magistério da igreja. Concebem a pastoral como uma atuação assistencialista e
social e se prendem a uma religiosidade sentimental e sensitiva sem clara adesão a
princípios. São plugados aos últimos lançamentos da internet, com resistência às
leituras e aprofundamentos, ainda que possuam, não raro, bons resultados
acadêmicos. Dificilmente chegarão à consagração religiosa definitiva e, se
332
- Dos que entram nos seminários 95 % nunca leram linearmente uma única vez os
Evangelhos.
225
chegarem, não abraçarão os ideais fundacionais com a paixão que marcou a vida do
fundador e dos seus primeiros discípulos. Se esse grupo for numericamente grande,
poderá comprometer de forma estrutural a própria congregação na sua essência
porque não serão comprometidos com o espírito do fundador. Trabalharão com
habilidade o ferramental pedagógico, mas o pluralismo ambíguo, a pastoral
genérica, a formação catequética frágil, a flexibilidade ambígua de discurso e de
atitudes fará com que o projeto inicial do fundador venha a perder seu vigor
propositivo de uma pedagogia alicerçada em princípios da Racionalidade, da Razão,
da Amorevolezza e da Presença do educador entre os jovens no jeito e no modo dos
moldes praticados e elaborados pelo fundador.
O grande desafio é ter jovens bem formados que terão como missão dar
continuidade ao projeto de dom Bosco a partir de critérios elaborados por este.
Caberá a eles a missão de configurar a instituição salesiana de ensino superior aos
critérios explicitados nas narrativas do mito fundacional. Somente se estiverem bem
preparados, irão contribuir para conferir ao ensino superior salesiano essa
identidade, pois Dom Bosco só será assumido como proposta respeitável de um
projeto educativo se for traduzido para o século XXI por intelectuais e educadores
qualificados que, sem trair os ideais fundacionais serão capazes de capturar aquilo
que há de perene nas intuições do fundador e reinterpretá-las, integrando-as às
realidades do nosso tempo.
226
333
- O Salesianos fazem sua consagração religiosa através de um momento solene definido
como profissão, quando assumem por toda a vida o compromisso de serem fiéis às constituições da
congregação e de se dedicarem de tempo integral à juventude vivendo os votos de pobreza,
obediência e castidade.
334
- A expressão “se consagram” tem um sentido eminentemente religiosa de uma integra total
a Deus.
335
- muitos com curso superior e com trabalho em multinacionais.
227
intervalo. As férias336 são de sete dias em julho e sete dias em janeiro. Não há
aposentadoria para os idosos, mas apenas diminuição de funções por limitação da
idade quando se dedicam a ser conselheiros, confessores, tradutores, secretários e
revisores de publicações337. Essa mentalidade deve ser destacada porque nos
permite perceber como o salesiano vê as suas obras. O Centro Universitário
Salesiano é uma instituição jurídica com regimento próprio, mas os salesianos a
entendem como algo seu, Importando-lhes assim a fidelidade carismática. O
fracasso ou o sucesso da instituição lhes diz respeito, pois trabalham para sua
manutenção, construção dos prédios e organização. Há forte sentido de pertença
daqueles que gastaram suas vidas neste projeto. Entende-se, assim, que para o
salesiano religioso não basta apenas o sucesso acadêmico, mas exige-se que a
instituição cumpra os objetivos de sua fundação como pensada pelo fundador.
336
- Esse conceito de férias é mais recente. Nos períodos de férias muitos jovens salesianos se
dedicavam a algumas atividades recreativas em oratórios e colônias de férias. Também participavam
da construção de grandes obras ou em reformas. Há na congregação o seguinte princípio: férias é
mudança de rotina e atividades.
337
- Padre Lages Magalhães foi um destacado professor do colégio São Joaquim, reconhecido
cultor da língua portuguesa. Falava sete idiomas. Proferiu a primeira aula inaugural das Faculdades
salesianas em 1952. Até os 96 anos corrigia os textos publicados pela diretoria da unidade de
Lorena. Não se furtava de encaminhar cartas a diversos autores apontando erros gramaticais
apresentando suas justificativas a partir do confronto de teses de gramáticos. Aos 100 anos afinal
teve eu se render ao peso da idade produzindo apenas um pequeno opúsculo de trovas “para
edificação da juventude” e aos 102 poucos meses antes de sua morte produziu seu último livro de
trovas, publicado algumas semanas antes do seu falecimento em 2011.
228
O Ensino superior salesiano é filho do ideal do camponês dos Becchi que pretendeu
levar a religião a adolescentes e jovens marginalizados pelo sistema industrial e
oferecendo-lhes formação e oportunidades como profissionais. Seu sonho se
ampliou para a cidade de Turim, para a península itálica, para a Espanha e França,
e a seguir transpondo o atlântico chegou até a Argentina, Uruguai e Brasil. Aqui, em
menos de uma década surgiram três fundações: Niterói, São Paulo e Lorena,
expandindo-se rapidamente nas duas primeiras décadas da república, para o interior
paulista, Minas Gerais, Nordeste, Mato Grosso e Sul.
Foi no lastro desse ideal, como já vimos, que as faculdades salesianas surgiram: a
de Lorena para qualificar seus sacerdotes como professores de suas escolas; a de
Americana para sanar uma questão econômica da obra em vias de falência e a de
Campinas como capacidade de rápida adaptação ao mercado que saía do campo e
caminhava para a indústria. Houve perplexidade entre os salesianos, pois muitos
consideram que se estava traindo o que o fundador havia vivido e sonhado. Foi uma
dúvida que pairou por anos nas mentes e corações.
338
- O curso de/Direito de Lorena está qualificado pela OAB entre os oito melhores do Estado
de São Paulo.
229
Na fundação das três faculdades de São Paulo alguns equívocos foram cometidos.
A inicial rejeição ao ensino superior em nome de uma fidelidade ao fundador foi um
deles. Essa atitude fez com que somente tardiamente, por meio das IUS, se
tomasse consciência que as classes populares, objetivo primeiro da congregação,
estavam saindo das fábricas e oficinas para ingressarem no ensino superior. Outro
equivoco foi o de querer impor para o ensino superior padrões educacionais, ora de
um seminário para a formação de religiosos, ora de um oratório festivo ou de um
colégio de segundo grau para adolescentes. Esta visão míope impediu que se
configurasse e consolidasse um diálogo entre a pedagogia salesiana e a academia.
Com o crescimento das três faculdades, agora fundidas, ficou difícil acompanhar os
passos da instituição e dos cursos que cresceram em projeção geométrica enquanto
que os salesianos se distanciavam do ensino superior porque em numero cada vez
mais reduzido e ainda não preparados para uma imersão qualificada no espírito e na
mentalidade da academia. A questão ainda se complicava porque muitos dos que se
preparam adequadamente para atuar no ensino superior não conseguiram e não
conseguem consolidar um trabalho sistemático por causa das constantes
transferências para atender às demandas da congregação e que muitas vezes os
retira do ambiente universitário para atividades em colégios e obras sociais. Esta
instabilidade do pessoal salesiano em constante processo de transferência fragiliza
e até impede a formação de uma orgânica presença da pedagogia salesiana no
UNISAL. E não só se transferem salesianos qualificados de docência e de
231
339
- As datas são apenas referências, pois tais invenções foram fruto do somatório de várias
pesquisas que se complementaram. Optou-se por se apresentar não o ano exato, mas a década.
Também é apresentado entre parênteses o período que essas invenções se instalaram no Brasil:
telégrafos 1830 (1850); telefone 1870 (1870); rádio 1890 (1920); cinema; Televisão 1930 (1940);
Computadores 1940 (1960).
232
É uma mudança radical de cenário. Assim como nas antigas cidades do Brasil a
igreja com o seu campanário erguia-se como construção principal em torno da qual
a vida religiosa, social e política acontecia sinalizando a submissão ideológica à
cristandade, assim também os colégios salesianos atraíam por suas majestosas
construções ladeadas por seus campos, piscinas, quadras de jogos e largos pórticos
fortalecendo a idéias de uma educação especial acima de outros educares,
acreditando-se serem espaços de vida e formação por excelência da juventude. Não
deixava de ser uma visão de uma cristandade da educação. Hoje muitos dos
campanários urbanos perderam a visibilidade, seja porque “diminuídos” por imensos
prédios, seja porque não mais construídos, porque a cidade dos homens não mais
tem a religião como seu centro, mas mero adereço contingente na organização
social. Assim também os colégios salesianos perderam seu espaço social enquanto
modelo perfeito de agência de educação e como lugar de encontro e formação,
porque outros colégios surgiram e competem, quando não se sobrepõem a eles, e, o
lazer, passou para os clubes, parques públicos e shoppings dissociando-se da
religião e dos padres. Os grandes colégios com seus vestutos e solenes pórticos são
apenas um lugar na urbe moderna. Em nível ideológico, também os ideais da
cristandade são apenas uma visão entre tantas visões no mundo real e virtual. Na
vida dos estudantes a escola perdeu a primazia de ser um lugar de educação,
340
À guisa se exemplo basta citar que na unidade de Lorena o sistema Wi-Fi para
computadores portáteis foi previsto para 300 aparelhos considerando-se se estar numa região pobre
em relação às outras unidade do UNISAL locadas em regiões mais ricas. Em pouco tempo, porém
essa previsão foi superada sendo inscritos 2.600 computadores na rede.
341
- Deste trabalho não fazem parte do estudo as unidades localizadas em São Paulo nos
bairros da Lapa, Campos Elíseos e Santa Terezinha.
233
Não se pode discutir a educação salesiana sem levar em conta esse mundo
globalizado por meios de transporte cada vez mais eficientes e baratos que
permitem a locomoção física entre regiões do mundo, mas também, pelo web site
que permite a locomoção virtual entre todos os convergentes e divergentes
pensares disponíveis pelas modernas tecnologias de comunicação.
Essa visão global, porém, não pode ficar desfocada da realidade local. O
economista Ladislau Dowbor342 vem defendendo com ênfase que a vida não se
realiza no global, mas no local, tendo publicado muitas páginas nas quais procura
desmitificar o conceito do global como uma realidade real. Para ele a vida acontece
na circunscrição do espaço físico do local que deve ser descoberto como a maior
das realidades, pois é aí que os pés do homem pisam. Efetivamente, por mais que
se visualize o global, as necessidades biológicas, as paixões e emoções do homem
ou mulher estudantes acontecem em âmbito local, numa cidade, numa cultura e
numa mentalidade. E por mais que naveguem no mundo virtual, suas vidas estarão
ligadas a uma polis, a um espaço físico e espiritual que constituem a sociedade em
que vivem e na qual se constroem como pessoas.
O Centro Universitário salesiano de São Paulo possui sua história ligada a cidades e
culturas onde estão plantados seus prédios e onde as palpitações da vida
universitária acontecem. É a partir desses lugares físicos e sociais que se constrói e
materializam os ideais educacionais salesianos no Estado de São Paulo.
342
- Ladislau Dowbor, formado em economia política pela Universidade de Lausanne, Suiça;
Doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia,
Polônia (1976). Atualmente é professor titular no departamento de pós-graduação da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, nas áreas de economia e administração. Continua com o
trabalho de consultoria para diversas agencias das Nações Unidas, governos e municípios, bem
como do SENAC. Atua como Conselheiro na Fundação Abrinq, Instituto Polis e outras
instituições. Fonte: http://dowbor.org/sobreld.asp. Sobre o pensamento político econômico do autor
pode-se obter informações no site http://dowbor.org/poder_local.asp.
234
A região viveu três ciclos econômicos bem definidos: inicialmente foi lugar de
passagem das tropas de mulas para as minas gerais para além da Serra da
Mantiqueira; posteriormente viveu seu apogeu no ciclo do café, primeira riqueza que
alavancou seu progresso. Lorena, no apogeu do café, prometia ser o centro
econômico do Vale do Paraíba, vislumbrando na riqueza dos seus prósperos
fazendeiros um prenúncio de poder econômico e prestígio político347, crença esta
343
- Optou-se por não se integrar o campus de São Paulo neste estudo porque os três Campi
existentes nesta última cidade só surgiram quando da oficialização do Centro Universitário
344
- A cidade está distante da capital 207 km com uma população de 82.553 habitantes com um
crescimento populacional de 5,85% e com uma renda per capita de R$ 12.551- IBGE - Censo 2010.
345
- Atual cidade de Lorena.
346
- Cf. TOLEDO, Francisco Sodero. Estrada Real, caminho novo da piedade. Campinas:
Alínea Editora 2009, p. 93-97.
347
Para aquilatar a riqueza e influência política do Conde Moreira Lima basta citar que a
construção e manutenção dos principais prédios da cidade estavam ligados a ele: catedral, santa
235
O terceiro ciclo foi marcado pela criação do gado, sobretudo por fazendeiros
mineiros que ocuparam as terras deixadas pelo ciclo da café que, se tivera sua
decadência decretada pela abolição da escravidão em 1888, entrará em colapso
definitivo em 1929 com a quebra da bolsa de Nova York.
O ciclo atual - o quarto - é tímido para Lorena, pois ele tem suas bases nas
indústrias concentradas em São José dos Campos e cidades vizinhas 348. Os três
ciclos econômicos anteriores criaram comunidades pobres, carentes e dependentes,
sem condições de competitividade numa economia moderna e de ponta.
sasa, asilo de idosos, santuário São Benedito e o colégio São Joaquim dos salesianos. Pela sua
influência política obteve do Vaticano que a capela da irmandade de São Benedito fosse elevada à
categoria de Basílica Menor, subordinada diretamente ao papa, a única deste santo no mundo. Ela
indica o poder político do Conde Moreira Lima que obteve da Santa Sé, através de seus contatos,
esse título para essa igreja elevada pelos escravos.
348
- Jacareí, Caçapava, Taubaté e Pindamonhangaba.
349
- MEIHG José Carlos Sebe Bom. O Perfil Político de Monteiro Lobato. In: CHALITA, Gabriel.
(Org). Vale do Paraíba: política e sociedade. Aparecida: Santuário, 1993, p. 103.
236
seculares de pobreza, não só por falta de recursos para financiar uma educação de
qualidade, mas também por certa miopia cultural350 que lhes impede de vislumbrar
oportunidades econômicas e de autopromoção social para além da realidade local. É
comum encontrar-se jovens sentados nas calçadas a matutar como velhos num
misto de desânimo e indolência sonhando com a balada de sábado e um “rolê” pela
praça à caça de “minas” para as quais pagarão um lanche com algum dinheiro
“descolado” por meios lícitos ou ilícitos. A Feira da Barganha, que acontece todos os
sábados e domingos no decadente mercado municipal é o retrato desse mundo sem
horizontes de parte da população onde, por meio de compras ou trocas, se pode
negociar objetos que em outras cidades estariam nos aterros sanitários. Se há
grupos que aceitam com resignação a sobrevivência em empregos de baixa
remuneração, outros buscam alguma qualificação superior que lhes permita
ascender socialmente, e, finalmente um grupo não desprezível, carente de todas as
oportunidades, encontra no tráfico de drogas o caminho de obtenção de recursos
financeiros. Num mesmo bairro coabitam e convivem jovens ligados ao comércio de
drogas e aqueles voltados para a cultura tradicional, subserviente, religiosa e
acomodada recebida dos antepassados, uns e outros vocacionados à alienação.
350
- É comum no Centro Universitário funcionários mais humildes pedirem para ser mandados
embora com o fim se apossar do fundo de garantia e ter em mãos a indenização para pagamento de
dívidas ou adquirirem bens de consumo. O UNISAL paga salários acima do mercado local. Essas
pessoas não avaliam que estão abrindo mão da estabilidade e da sua manutenção. Quando
inquiridas de como obterão novo emprego, respondem que pensarão nisto depois. O imediatismo é a
cultura e o endividamento sem fim um estilo de vida para as populações mais pobres. Na cultura
local prevalece também uma necessidade de “ganhar” e de “pedir” resquício da dependência dos
senhores de escravos, ricos fazendeiros e da própria igreja (incluindo os salesianos) que sempre
cultivaram forte paternalismo com os pobres. Há uma mística de “ajudar os pobres” servindo comida
e dando cestas básicas. Duas grandes festas são marcadas por almoços gratuitos fornecidos pela
irmandade e pelos cavaleiros de São Benedito. Mais de mil pessoas comendo e “repetindo à vontade”
faz remontar ao período patriarcal do senhor escravocrata. Nestes dias parecem emergir do passado
pobres pré-urbanos, sobretudo nas folias de São Benedito, com suas batucadas e danças que
remontam a praticas religiosas do catolicismo colonial. Na elevação do mastro de São Benedito frente
ao Santuário sintetiza-se essa mentalidade. O majestoso santuário iluminado pelos holofotes (anexo
aos prédios do UNISAL), ao cair da tarde, tem o sacerdote com seus solenes paramentos à sua
porta ladeado pela coorte de São Benedito: é o poder da igreja recordado nesta “cena do passado”.
De um lado as folias, todas de branco, batucando e dançando – todos muito pobres -. De outro os
mantenas, antigos fazendeiros, empertigados nos seus ternos brancos sobre seus cavalos em
postura solene assistem – superiores – à elevação do mastro. É uma sociedade que pode ser
estamentalmente visualizada. E durante todo o ano na nave central do santuário ecoarão os pedidos
de oferta para as 250 famílias dos pobres do padre Hugo e de Dona Dalva. Pobres vitalícios, quase
“profissionais” de uma pobreza sem fim e de uma generosidade desmedida por décadas sempre
pronta a “dar” esmolas e jamais em promover os necessitados. É uma mentalidade... uma
cosmovisão...
237
Nesta cidade com menos de cem mil habitantes os contrastes sociais se tocam e
coabitam. Nela residem cientistas do INPE355, pesquisadores da USP, doutores e
351
- Grupos de oração que possuem adesão de boa parte da juventude da região.
352
- Grupo de ajuda as pobres inspirados na caridade de são Vicente de Paulo. Seu fundador foi
Frederico Ozanam nascido em Milão em 23 de abril de 1813. Filho de médico e de família abastada
freqüenta a Sorbonne sendo aluno brilhante dominando vários idiomas. Em 1833 com apenas 20
anos funda a conferência de São Vicente de Paulo para assistência aos pobres. Torna-se doutor em
Direito e Letras e possui intensa atividade política e cultural na França. As Conferencias Vicentinas
fazem parte da cultura do Vale do Paraíba; além da ajuda do “quilo” para os pobres, ela responde
por santas casas, vilas vicentinas para idosos e orfanatos. Possuem uma presença assistencial muito
forte incluindo entre seus membros pessoas de todas as classes sociais.
353
- Movimento de conversão especialmente para jovens.
354
- Relatório sobre a obra salesiana de Lorena, Descrição da realidade da cidade. Conselho da
Casa, Arquivo Geral da obra salesiana, Roma, Via della Pisana, 1111. 27 de maio de 2011.
355
- Centro de medições meterológicas a 10 km em Cachoeira Paulista.
238
Estudar para que? (abrindo mão de uma bolsa de estudo). Não quero sabe
de esquentar cabeça. Meu salário (pouco mais que o mínimo) dá para “mim”
360
viver, eu e minha mulher. “Prá” que esquentar a cabeça ?
356
- A UNESP está distante de Lorena 15 km.
357
- CUNHA, Euclides da. Contrastes e confrontos. Rio de Janeiro: Lello Brasileiro, 1967, p.
164 .
358
- Testemunho oral de jovem de 19 anos feito no bairro Parque das Rodovias no ano de 2010
em data incerta.
359
- Testemunho oral de jovem de 21 anos no bairro Parque das Rodovias no ano de 2011 no
dia 22 de maio de 2011.
360
- Testemunho oral de jovem de 25 nos da cidade de Piquete (15 km de Lorena) em outubro
de 2010.
239
361
- Na cultura da cidade está integrado o assassinato de jovens por dividas de drogas ou por
controle do tráfico. É comum ocorrer num único dia até quatro assassinatos, já que as gangs tendem
a se vingar de imediato pela morte de seus membros.
362
- Cidades de influência direta: Cruzeiro, Lavrinhas, Cachoeira Paulista, Canas,
Guaratinguetá, Aparecida, Roseira, Pindamonhangaba; Cidades de influência indireta: Caçapava,
Taubaté e São José dos Campos e Campos do Jordão
363
- Cidades de influência direta: Queluz, Silveiras, Arapeí, Areias, São José do Barreiro; cidade
de influência indireta: Bananal.
364
Cidades de influência direta: Itajubá, Passa-Quatro; Itanhandu, São Lourenço e Caxambu;
Cidades de influência indireta: Virginia, Marmelópolis, Bahependi e Cruzília.
365
Cidade de influência Direta: Resende. Cidades de influência indireta: Barra Mansa e Volta
Redonda.
366
- Paraty e Ubatuba
367
- O Curso de Psicologia possui uma boa tradição. Atraem também pela atualidade os cursos
de Administração e Informática.
368
- Deve-se destacar que boa parte dos professores e funcionários foram alunos do Colégio
São Joaquim ou participaram de alguma obra salesiana em Lorena ou no Vale. Parte do alunado
possui algum contato com o ambiente salesiano na região. A presença salesiana se estende pela
cidade com nove oratórios festivos, o mais antigo deles o São Luís com 116 anos de fundação.
240
369
A atuação dos salesianos nos mais de cem anos de presença em Lorena tem sido marcante,
atingindo a todas as classes sociais da região. O Colégio São Joaquim, a Escola Agrícola, os
oratórios festivos e as obras sociais atingiram uma gama expressiva de crianças, jovens e adultos de
várias gerações. Há um envolvimento expressivo e diferenciado na região. As participações nas
políticas públicas em favor do menor, o envolvimento nos direitos dos adolescentes, o trabalho com
jovens infratores e o trabalho com a liberdade assistida são apenas facetas da presença salesiana na
região. Deve-se ainda destacar o trabalho com a cultura popular, com as manifestações culturais
religiosas e populares, o trabalho junto dos grupos de consciência negra, o trabalho de ecumenismo.
Há qualificado contato com empresas maiores numa parceria de formação de obra especializada
para indústrias, hotelaria e o comercio em geral. A promoção de cursos de extensão com intercâmbio
com outras universidades salesianas do mundo, como por exemplo, o curso de enologia promovido
pelo UNISAL com docentes da universidade Mendonça na Argentina especializada não só na
produção como degustação de vinhos e que realiza na região curso para atender a rede hoteleira,
especialmente de Campos do Jordão. Na sociedade regional é difícil conhecer pessoas cujos
caminhos da existência não tenham em algum momento cruzado com os salesianos (SDB) e as
salesianas (FMA). Se este contato for ampliado para a Família salesiana que envolve todos os
movimentos inspirados na pedagogia de Dom Bosco (Cooperadores salesianos - CCSS – e Ex-
alunos) não existe parcela da sociedade do Vale que não seja atingida.
370
- Localizada a 100 km. Da capital. População 1.080.999. Crescimento de 11,51 % entre o
censo de 2000 e 2011. IBGE - Censo 2010.
371
- Localizada 132 km da capital. População de 210.701 habitantes. Crescimento 15,39%
entre o censo de 2000 e 2010. IBEGE – Censo de 2010.
241
Americana foi povoada por portugueses e mais tarde por americanos após a guerra
da secessão. A partir de 1930 torna-se pólo industrial têxtil até 1990 quando as
baixas taxas alfandegárias para produtos importados comprometem essa economia,
voltando-se então para as indústrias metalúrgica, química e de alimentos.
Esta região teve uma história econômico-social bem diferente do Vale do Paraíba.
Os imigrantes, como estrangeiros, dependiam unicamente de suas forças espirituais
e físicas para vencer e mostram-se empreendedores para garantir não só a
sobrevivência, mas seu enriquecimento. Esta foi a tempera dos imigrantes que
adentraram as terras da paulista sabendo aproveitar oportunidades e sendo
sensíveis às demandas econômicas da região e do país. A passagem das práticas
agrícolas para a industrialização foi rápida e ensejou a riqueza de suas cidades.
Os moradores desta região fazem parte de um grupo social (...) com bom
grau de instrução e diferenciado padrão econômico. Acompanham, de
perto, a conjuntura econômica do mundo e do país por meio da leitura de
jornais e acesso à mídia. (...) São famílias que desejam oferecer aos seus
filhos um colégio que, em primeiro plano, possua um corpo docente
qualificado, seguido de boa infra-estrutura e segurança. O desafio para as
boas escolas da região é o de oferecer uma educação de excelência, cuja
meta é formar indivíduos capazes de lidar com as intensas e rápidas
mudanças tecnológicas e sociais. Pessoas íntegras, com sólida formação
372
humana (...) preparadas para o mercado de trabalho .
A educação é vista como algo que agrega valor, sendo um investimento fundamental
das famílias. Esta visão fomenta ações sociais que visam fazer progredir as
camadas mais pobres da sociedade na conquista do trabalho especializado, saindo
da informalidade, com reflexos na queda da violência urbana e geração de paz
social que se reverte para a sociedade como um todo, acreditando-se que numa
sociedade com melhor nível de educação, se assume naturalmente atitudes
positivas como o cuidado com o meio ambiente, a valorização das artes e dos
esportes.
Há na região uma religiosidade inata em grande parte da população mais idosa que
é passada para os filhos e netos que, ainda que professem uma fé, o fazem em
parte de forma desvinculada da vida, já que o crescente bem-estar e maior nível de
escolaridade permite se constituir uma sociedade mais pluralista e aberta à
372
CONSELHO DA CASA. Relatório sobre a obra salesiana de Americana: descrição da
realidade da cidade. Roma: Arquivo Geral da Obra Salesiana, Roma, Via della Pisana, 1111. 27 de
maio de 2011.
243
Esta é a juventude que está no Centro Universitário Salesiano de São Paulo com
suas características regionais e que trazem também em si impressos de forma
contundente as marcas da globalização e dos meios de comunicação especialmente
a internet. Ela é objeto da ação educativa salesiana a partir dos critérios elaborados
pelo seu fundador e transmitidos aos seus discípulos. Esses critérios são a chave
da educação salesiana, sendo possível contestá-los ou questioná-los, mas sua
substituição por outros desconfigurará o projeto do fundador tornando-se um outro
projeto educacional, até melhor, mas outro. A tensão que vive a congregação
salesiana entre a fidelidade aos critérios do fundador e, ao mesmo tempo, sua
atualização é verbalizada no mote, com Dom Bosco e com os tempos.
João Bosco, quando realizou seu projeto educacional, procurou intervir e modificar
a realidade do século XIX, sendo esse o mesmo desafio da educação e da
pedagogia salesiana neste século. Ela possui balizamentos e um fim claro,
especifico e inequívoco que são os critérios fundamentais para a avaliação do
projeto pedagógico salesiano que servirá de parâmetro para a avaliação de sua
eficácia e sucesso.
373
- VITALI, Natale. Visão de Conjunto, Inspetoria salesiana Nossa Senhora Auxiliadora.
São Paulo, 2011a. Roma: Arquivos da congregação, Via della Pisana 1111, p. 4.
374
- A Profissão religiosa é um ato solene no qual o jovem se torna sócio (equivalente a
religioso) na congregação salesiana. Essa profissão, popularmente conhecida como votos, pode ser
temporária ou perpétua.
375
- Como religiosos a vida em comum com orações, refeições e trabalhos é fundamental e tão
importante
245
Analisando a Home Page do UNISAL nos ano de 2010 e inicio de 2011376 verifica-se
bem essa situação quando um eficiente portal acadêmico se contrapõe aos
conteúdos da pastoral desatualizados em alguns setores a mais de quatro anos.
Pode-se verificar também que nos programas de cursos e nas suas ementas nem
sempre traduzem objetivos ligados aos princípios e valores da salesianidade, e em
alguns casos, ignoram mesmo a formação humanística, base de qualquer educação
universitária, pressuposto de qualquer educação universitária.
376
- Acesso à Home Page no dia 13 de Junho de 2011 às 11h30min.
377
- VITALI, op. cit., p. 5.
378
- Este escrito conhecido como “Carta de Roma” traça o ideal da presença salesiana
configurando o que Bosco entendia por presença que se faz acima de tudo pelo envolvimento do
educador com o educando, diferente de simples e distante vigilância.
247
Deveriam estar entre e com os jovens. Este conceito não possui interpretações:
presença não se delega, sendo a primeira e essencial ferramenta dessa pedagogia.
O salesiano, mesmo se gestor deve ser presença abrindo mão de tudo para estar
nos recreios, nas festas e nas salas de aula. Na arquitetura salesiana o escritório do
diretor deve ser aberto para o pórtico com fácil acesso para os educandos; e, na
tradição salesiana o diretor não deve estar no escritório nos horários de recreio
devendo receber os alunos à porta do colégio e despedir-se deles na sua saída,
conhecendo-os pelo nome e construindo amizade com eles. Deve estar pronto para
uma parolina nello orechio380.
379
- BOSCO, João. Carta de Roma. IN: SOCIEDADE DE SÃO FRANCISCO DE SALES
(SALESIANOS DE DOM BOSCO). Constituições e Regulamentos. São Paulo: Escolas Profissionais
Salesianas, 1985, p. 242
380
- João Bosco acredita que palavras dirigidas aleatoriamente aos alunos no pátio ( uma
palavrinha no ouvido) mostra afeto e estima. Poder ser um pequeno elogio, a valorização do aluno
granjeia afeto.
381
- Ibidem, p. 243-244.
382
- Entendidos aqui não só os religiosos, mas agentes de pastoral, professores etc...
248
Estas três referências representam o retorno ao mito fundacional naquilo que tem
de essencial: ser uma proposta de diálogo com a modernidade a partir do lugar
cristão, católico e salesiano. Se o ensino superior salesiano trilhasse outros
caminhos diferentes destes, isto representaria a desconfiguração dos ideais
fundacionais de Bosco que, alterados, se tornariam “outra coisa”. Trata-se não de
uma fidelidade ao passado, mas fidelidade aos critérios do fundador que
garantam a autenticidade à “grife” salesiana.
249
383
- Este termo é de cunho religioso, significando a aproximação da perfeição na vida religiosa
através da intimidade com Deus e a prática de ações de acordo com os mandamentos da Lei de
Deus expressos na Bíblia.
384
- A Igreja católica estabelece sete sacramentos que são entendidos como sinais sensíveis da
doação de Deus aos homens. João Bosco, numa sociedade onde todos eram batizados, dava
especial destaque aos sacramentos da Confissão e Eucaristia. O primeiro permitia uma orientação
pessoal do jovem no âmbito do seu íntimo e o segundo o inseria, através da missa onde se recebe
esse sacramento no âmbito da igreja.
385
- Dai-me almas e fique com o resto.
386
- “Restauração da Unidade” trata o diálogo da igreja católica com as igrejas cristãs.
387
- “Nosso Tempo” que trata do diálogo inter-religioso da igreja católica com as religiões não
cristãs.
250
Para alguns teóricos, para que esse diálogo seja fecundo, é premente que as
instituições confessionais tenham sua identidade bem definida, pois é somente a
partir disso é que será possível um diálogo fecundo “tetê-à-tête” de diferentes
visões. Assim, quando uma instituição de ensino superior perde sua identidade
fundacional ou a tem esmaecida, ela perde, ipso facto, as condições de estabelecer
um verdadeiro diálogo, passando a ser suas intervenções na academia inócuas por
não serem portadoras dos ideais que pretende representar. Neste caso o Mito, o
251
388
- Bondade
253
389
- Daí tem sentido o termo “família salesiana” (FS) que congrega milhares de religiosos e
leigos que possuem como características serem reconhecidos como seguidores dos princípios
educacionais de Dom Bosco.
390
- Esta postura causava furor nos teóricos católicos do século XIX. A finalidade para eles era
despertar o amor a Deus, à virtude e ao bem. Fazer do educador objeto da ação educativa
representava algo inominável e contrário aos valores cristãos assumindo para eles ares de orgulho e
vaidade. No conceito de Bosco, porém, na medida em que se estabelecessem laços afetivos entre
educador e educando, entendido aquele como pai ou irmão mais velho, isso lhe permitiria indicar os
caminhos de Deus, da virtude e do bem e sua proposição ser aceita porque feita por alguém que
254
Ainda que esses textos tenham sido escritos para a educação de adolescentes,
reproduzem, porém, na essência a educação e a pedagogia salesiana tal como
fizera o educando sentir-se amado e que, em contrapartida, amava. Afeto e amorevolezza são
ingredientes fundamentais de sua prática pedagógica.
391
- BOSCO, João. O sistema Preventivo na Educação dos Jovens. In: SOCIEDADE DE SÃO
FRANCISCO DE SALES (SALESIANOS DE DOM BOSCO). Constituições e Regulamentos. São
Paulo: Salesiana, 2003, p. 231-232
255
elaborada por Bosco e assumida por seus discípulos. E, ainda que deva se adequar
aos tempos e às novas frentes de ação, como o ensino superior, tais valores,
“presença, razão, religião e amorevolezza” são princípios pétreos que configuram a
educação salesiana; e, retirá-los, significa desfigurar e desconfigurar essa educação
salesiana. Este é o desafio do Centro UNISAL: adequar ao ensino superior esses
princípios pétreos da educação salesiana, sem traí-los, porém.
Para verificar o quesito salesianidade optou-se por uma análise a partir da Home
Page392 enquanto vitrine da Instituição e por ser um espaço bastante atualizado e
utilizado como ferramenta da ação pedagógica e administrativa da instituição. Serão
objeto de breve análise a apresentação do reitor, a identidade corporativa, a
apresentação da pedagogia salesiana, a pastoral universitária, a ementa de alguns
cursos nos quais será dado destaque para os objetivos, o perfil do egresso e o
conteúdo de algumas matérias. Isso permitirá que se “tome as pulsações” dos
valores salesianos em várias dimensões da instituição neste início do século XXI.
Deve-se considerar que o trabalho educacional dos salesianos foi realizado desde o
século XIX até a década de 60 em contato pessoal com os jovens. Será a partir dos
anos 70, como já se assinalou, que começará a crescer o distanciamento dos
destinatários. Alguns defenderam que, frente ao crescimento das obras, aos
salesianos não seria mais possível conviver diretamente com os jovens, cabendo-
lhes então preparar educadores que fossem multiplicadores desta pedagogia. Este
conceito de terceirização das práticas pedagógicas não é aceito com unanimidade.
Este distanciamento, porém, cresceu, com muitos salesianos assumindo funções de
gestores de estruturas físicas e se tornando meros teóricos da educação salesiana.
João Bosco já percebera essa tendência e advertira aos salesianos que jamais
deveriam se ausentar do meio dos jovens, preocupação esta que será expressa num
sonho393 cognominado Carta de Roma na qual o fundador dialogava com um jovem
recordando-se dos tempos de outrora:
392
- O material exposto na Home Page está também na sede UNISAL em Americana.
393
- João Bosco apresentou muito dos seus princípios através da narração de sonhos.
Independente se tenham acontecido ou não, eles são utilizados como parábolas nas quais dramatiza
situações do cotidiano e nos quais há valores educacionais explicitados.
256
— Está bem: mas se o senhor não pode, por que seus salesianos não o
imitam? Por que não insiste, não exige que tratem os jovens como o senhor
os tratava? — Eu falo, canso-me de falar, entretanto muitos não se sentem
dispostos a enfrentar os trabalhos como outrora. E então, descuidando o
menos, perdem o mais, e esse “mais” são seus trabalhos. Amem o que
agrada aos jovens e os jovens amarão o que aos superiores agrada. E
assim ser-lhes-á fácil o trabalho. A causa da mudança atual no Oratório é
que bom número de jovens não tem confiança nos superiores. Antigamente
os corações estavam todos abertos aos superiores, a quem os jovens
amavam e obedeciam prontamente. Mas agora os superiores são
considerados como superiores e não como pais, irmãos e amigos; são pois
temidos e pouco amados. (...) É importante ter familiaridade com os jovens
especialmente no recreio. Sem familiaridade não se demonstra afeto e sem
essa demonstração não pode haver confiança. Quem quer ser amado deve
demonstrar que ama. (...) O professor visto apenas na cátedra é professor e
nada mais, mas se está no recreio com os jovens torna-se irmão. Se
alguém é visto somente a pregar do púlpito, dir-se-á que está fazendo
apenas o próprio dever; mas se diz uma palavra no recreio, é palavra de
alguém que ama. (...) Quem sabe que é amado, ama; e quem é amado
alcança tudo, especialmente dos jovens. A confiança estabelece uma
corrente elétrica entre jovens e superiores. Os corações se abrem e dão a
conhecer suas necessidades e manifestam seus defeitos. Esse amor faz os
superiores suportarem canseiras, aborrecimentos, ingratidões, desordens,
faltas e negligências dos meninos. (...) Por que se afastam os superiores da
maneira de educar que Dom Bosco ensinou? Por que ao sistema de
prevenir com a vigilância e amorosamente as desordens, se vai substituindo
pouco a pouco o sistema, menos pesado e mais cômodo para quem manda,
de impor leis que se mantêm com castigos, acende ódios e geram
desgostos, e se não se cuida de as fazer observar, geram desprezo aos
superiores e causam gravíssimas desordens? É o que acontece
necessariamente se faltar a familiaridade. Se se quiser, pois, que o Oratório
volte à antiga felicidade, reponha-se em vigor o antigo sistema: O superior
seja tudo para todos, sempre disposto a ouvir qualquer dúvida ou queixa
dos jovens, todo olhos para vigiar-lhes paternamente a conduta, todo
coração para procurar o bem espiritual e temporal dos que a Providência lhe
394
confiou .
O ideal de presença como princípio pétreo foi relativizado por salesianos de São
Paulo: caberia aos leigos serem protagonistas da ação educativa do Sistema
Preventivo monitorados por salesianos. Um reflexo primeiro desta postura foi que a
resposta afetiva esperada por essa educação transferiu-se dos salesianos para os
professores e educadores que, não necessariamente, aderiam aos princípios
394
BOSCO, J. Carta de Roma, op. cit., p. 280-283.
257
Colocados esses princípios deve-se afirmar sem se titubear que o ensino superior
do UNISAL tem sua fonte de inspiração e ação nos critérios educacionais de João
Bosco não podendo abrir mão desses princípios pétreos, sem os quais se perderia
sua identidade salesiana. Cabe verificar se esses princípios educacionais e essa
prática pedagogia são veiculados, conhecidos e praticados pelo Centro Universitário
Salesiano, levando em conta obviamente, as adaptações exigidas pelo público alvo
dos tempos atuais. Para auferir se existe veiculação desta pedagogia entre docentes
e discentes, passo primeiro para que seja conhecida e praticada, optou-se por
pesquisar a documentação dos cursos através de suas ementas395 nos seus
objetivos e nas expectativas depositadas nos seus egressos.
Dom Bosco foi um sacerdote italiano que dedicou sua vida ao trabalho com
os jovens. Seu projeto educativo, denominado Sistema Preventivo, é
adotado nas escolas e demais obras salesianas. Razão, Religião e
397
amorevolezza são os valores do Sistema Preventivo, e amorevolezza é o
elemento-chave dessa pedagogia. Essa palavra italiana não tem tradução
literal para o português e é entendida como bondade, carinho, afeto, amor.
395
- Essas informações estão disponibilizadas no site do Centro UNISAL e foram consultadas
na primeira quinzena do mês de julho de 2011. Os itens pesquisados foram impressos e encontram-
se disponíveis no SEDOC do Centro Universitário de Lorena na pasta referente aos documentos de
pesquisa deste doutorado no arquivo sob o nome do titular deste trabalho.
396
- A Home Page do UNISAL (www.unisal.br) tem sido eficiente ferramenta de relacionamento
entre o corpo docente e discente pelo do portal acadêmico. A eficiência desta ferramenta no âmbito
pedagógico e administrativo não é a mesma no âmbito da pastoral.
397
- Em italiano “amorevolezza”. Muitos especialistas em salesianidade negam-se m traduzir
essa palavra por considerar que seu sentido seria algo mais que a simples bondade, mas um amor e
carinho demonstrado. Será comum encontrar essa palavra sem tradução nos textos em português
que trabalham a salesianidade.
258
Esses valores devem nortear todas as ações dos Salesianos nas escolas e
398
obras sociais que a congregação mantém em quase todo o mundo .
398
- UNISAL. Histórico. Disponível em: <www.unisal.br>. Acesso em: 4 jun.2011.
399
- Prof. Dr. Edson Donizetti de Castilho.
400
- Ao conhecimento pela Sabedoria.
401
-- UNISAL. Apresentação do Reitor. Disponível em: <www.unisal.br>. Acesso em: 4 jun.
2011.
259
403
A Pedagogia salesiana é apresentada de forma coloquial procurando-se
estabelecer sinergia com os leitores:
“Para você que está entrando pela primeira vez numa casa salesiana. Para
você que veio trabalhar com os salesianos. Para você conhecer melhor
Dom Bosco e os salesianos é que o P. Antonio Carlos Galhardo organizou
404
este texto ”
402
- UNISAL. Identidade Corporativa. Disponível em: <www.unisal.br>. Acesso em: 4 jun.
2011.
403
- Carlos Galhardo
404
- UNISAL. Pedagogia salesiana. Disponível em: <www.unisal.br>. Acesso em: 24 jun. 2011.
405
- Alguns autores identificam o ano de 1857 como o da fundação da congregação salesiana.
Será quando João Bosco terá o encontro com um grupo de jovens propondo-lhes esse projeto. O ano
de 1859 é reconhecido como o da fundação pois será nele que João Bosco obtém a adesão dos
primeiros jovens salesianos. .
260
406
UNISAL. Pastoral. Disponível em: <www.unisal.br>. Acesso em: 24 jun. 2011.
261
407
- Os trabalhos dos salesianos nas obras não são remunerados, não havendo necessidade de
se cumprir as horas legais exigidos pela CLT.
262
408
- Este verificação foi monitorada a cada dez dias do mês de julho de 2010 a julho de 2011.
Poucas alterações foram realizadas. No CEDOC do Centro UNISAL – unidade de Lorena na pasta do
titular deste trabalho encontram-se arquivadas as páginas impressas que são analisadas nesta
pesquisa.
409
- Uma análise sumária nos demonstra isso. No titulo “Pastoral” das três unidades existem
cinco subtítulos. 1 – Universidade em Pastoral; 2 – Celebrações; 3 – Links; 4 – Frases e textos; 5 –
Assessor de pastoral. Quando se parte para uma “navegação” nos portais das unidades encontra-se
a seguinte situação. No item “Celebrações” têm-se horários repetidos de todas as unidades. Em
Americana têm-se citações genéricas que apenas indicam intenções: Atividades da PDU: Retiros,
Formação, Manhãs de Espiritualidade, Missas Festivas, Esportes, Missas de formatura e celebrações
ecumênicas. Este enumerado de “atividades’ indica muito mais uma “carta de intenções” que
efetivamente ações pastorais. No título Links há um conjunto de fotos da Pastoral de Lorena que
foram lincadas para as demais unidades. Constam links para fotos de 2009 e 2010, textos e “vem por
ai”. Nenhum dos links abre. E no mesmo setor na página de Americana nada consta. No setor
“Frases e Textos” há 10 textos. O mais velho de 29 de setembro de 2007 e o “mais atual” e único
que abre é de 13 de maio de 2008. No título ‘Assessor” não consta nada.
263
É ponto pacífico que o UNISAL nas suas elaborações teóricas, alinhado com o
pensamento do fundador, sinaliza uma formação humana, ética, cidadã, salesiana e
cristã. Torna-se necessário verificar, porém se esses princípios teorizados interagem
com os projetos dos cursos.
410
- Lorena: Filosofia, Psicologia, Direito, Pedagogia, Ciência da Computação, Engenharia de
Produção, Matemática, Geografia, História, Turismo.
412
Filosofia – Lorena
Preparo Embasamento Valores de Valores Valores Valores
profissional Humanista cidadania Éticos salesianos Cristãos
Sim Sim Sim Sim Sim Sim
266
413
414
Pedagogia – Lorena
Preparo Embasamento Valores de Valores Valores Valores
profissional Humanista cidadania Éticos salesianos Cristãos
Sim não não não não não
267
415
Entre 2010 e 2011 foram aprovados pelo MEC novos cursos para Lorena. O Curso
de Engenharia de Produção416, recém elaborado e aprovado pelo MEC, é um
clássico exemplo do distanciamento da faculdade dos ideais do fundador, ao
apresentar uma visão tecnicista despida das dimensões cristã e salesiana. A
Ementa deste curso, a seguir transcrita integralmente da Home Page, é exemplo do
bandeamento da Instituição para uma visão pragmática e como reflexo do novo
regimento, onde os salesianos perderam funções nas primeiras linhas de decisões
com o encerramento do cargo de Diretor de Unidade que lhes permitia zelar pela
fidelidade aos ideais educacionais do fundador. A figura do reitor salesiano é
distante do cotidiano das unidades que hoje contam apenas com três salesianos
professores que ministram poucas aulas concentradas no curso de Filosofia.
417
Objetivo : Contribuir com a formação de engenheiros de produção por
meio da transmissão, análise e questionamento acerca do conjunto de
conhecimentos e ferramentas que favoreçam o desenvolvimento de
competências/capacidades a fim de proporcionar uma sólida formação
científica e profissional geral que o capacite a identificar, formular e
solucionar problemas ligados às atividades de projeto, operação e
gerenciamento do trabalho e de sistemas de produção de bens e/ou
serviços, considerando seus aspectos humanos, econômicos, sociais e
ambientais, com visão ética e humanista em atendimento às demandas da
sociedade. Esse profissional deve ser criativo e flexível, ter espírito crítico,
iniciativa, capacidade de julgamento e tomada de decisão, ser apto a
416
417
- Esta ementa foge por demais aos seus objetivos com longas descrições inclusive situações
sazonais de mercado.
269
Uma análise do quadro dos referenciais teóricos dos cursos demonstra que valores
cristãos são nomeados apenas em duas ementas e os salesianos em seis num
plantel de vinte e nove. Os conteúdos humanísticos, salesianos e cristãos são, na
maioria dos casos, meros adereços incrustados nos projetos. A simples menção
“en passant” de valores cristãos, salesianos, éticos, de cidadania e humanísticos
não representa necessariamente que eles estejam integrados nos currículos das
matérias ministradas. Isto é facilmente verificado numa análise dos programas das
disciplinas. Deve-se levar em conta que as disciplinas que trabalham a formação
humana, social e ética praticamente ignoram ou desconhecem a cosmovisão
salesiana, assim como as teorias educacionais e práticas pedagógicas, exceção
feita apenas para o curso de Filosofia, como já foi mencionado. O pensamento
salesiano, quando enfocado – e raramente o é –, é feito de forma superficial e
através de umas poucas frases de efeito418. No curso de mestrado de Educação a
pedagogia salesiana não recebe tratamento qualificado. Não há produção de livros
que tratem dela e a Revista Ciências da Educação419, ligada ao Mestrado e que
possui como linha editorial a Educação Salesiana, Educação Sócio-comunitária e
Educação Formal apresenta poucas produções qualificadas sobre os temas de
salesianidade, natural reflexo de um assunto que não é aprofundado e nem é
referencial do curso.
418
- “Basta que sejais jovens para que eu vos ame”; “Até meu último suspiro será pela
juventude”; “obra salesiana: salesiana: casa que acolhe, paróquia que evangeliza, escola que
encaminha para a vida e pátio para se encontrarem como amigos e viverem com alegria”; “Educação
é obra do coração” – Todas pronunciadas por Bosco.
419
-Revista indexada sob o registro: ISSN 1518-7039. O primeiro número é de 1999 e foi
continuação dos Sumários de Folhas Pedagógicas (1959-1972) E Revista da Faculdade Salesiana
(1973-1997). Cf. Revista de Ciências da Educação, Lorena, ano 1, n. 1, 1999, p.171-190.
271
salesianos das salas de aula, dos pátios e dos pórticos tornando-se burocratas e a
extinção do cargo de diretor de unidade que era conferido a um salesiano fez com
que a pedagogia da presença ficasse comprometida a partir do que elaborara o
fundador.
Se João Bosco teve sua espiritualidade fincada na Idade Média, sob forte influência
do platonismo e neo-platonismo, teve de outro lado, também e paradoxalmente, sua
racionalidade marcada pelo pensamento aristotélico, enquanto acreditava que o
educando é plausível e “possível” do bem. Será o educador que, ainda que lhe
respeite a liberdade de autodeterminação, poderá conduzi-lo pelas sendas da
verdade. E, mesmo que o jovem tenha vivenciado descaminhos, nele continuará
sempre existindo a possibilidade do bem. João Bosco assume a mesma visão de
Aristóteles que no lastro de seus mestres Sócrates e Platão, professava
incondicional confiança na Razão. Os conceitos de ato e potência aplicados na
metafísica de Aristóteles se distendiam logicamente para a dimensão da moral
humana. O ser em ato tem a potencialidade de se projetar para outro modo de ser.
Daí, sob a influência deste filósofo, Bosco professava crença inquebrantável na
Educação a partir da construção da verdade nascida da reta razão e contando com
420
- Tábua rasa na qual nada está escrito. ARISTÓTELES – De Anima 3.4. In: KOCHER,
Henerik. Dicionário de expressões e frases latinas. Disponível em:
<http://www.hkocher.info/minha_pagina/dicionario/t01.htm>. Acesso em 20 jun. 2011.
421
-- Nada está na inteligência que por primeiro não tenha passado pelos sentidos.
ARISTÓTELES. Cf. BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo:
Perspectivas, 2002.
273
422
- João Bosco era muito exigente que se respeitasse os direitos dos seu ex-aprendizes. A
mão de obra preparada nas suas escolas profissionais e pelas quais estava sedento o mercado
industrial, carente de mão de obra especializada, era protegida por contratos de trabalhos onde se
estabeleciam direitos e deveres, buscando salvaguardar o respeito pelo trabalhador.
274
Deve-se verificar se essa congregação com mais de um século está interagindo com
os seus destinatários de hoje estabelecendo diálogo e lhes passando seus valores.
Algumas questões se impõem: No UNISAL qual é a qualidade de relacionamento
entre os educadores salesianos e seus destinatários? O Mito fundacional dá
sustentabilidade à ação educadora desta instituição? Que impacto a pedagogia
salesiana possui nos seus educandos? Torna-se premente verificar se as estruturas
pedagógicas, administrativas e físicas alcançam o fim para o qual foram criadas:
oferecer aos jovens valores humanos e cristãos que sejam significativos e
significantes para suas vidas.
423
- Essa sondagem visa apenas “tomar o pulso” da instituição. Um pesquisa em sentido estrito
demandaria para esse fim a contribuição de profissionais qualificados e métodos que permitissem
uma medição levando em conta as variáveis.
275
Para que esta sondagem pudesse avaliar com objetividade o acima proposto, com
relação aos seus objetivos fundacionais optou-se, como primeiro passo o uso da
ferramenta conhecida como Cubo424 que realiza o cruzamento interativo de
informações.
424
- “A ferramenta OLAP (On-Line Analytical Processing) possui a principal função de suporte,
possibilitando que analistas, gerentes e executivos tenham uma visão mais apurada dos dados, através de acessos
rápidos, iterativos e consistentes a uma ampla variedade de possíveis visões sobre as mesmas informações. A
ferramenta OLAP permite aos seus usuários terem acesso aos dados que descrevem os negócios da empresa,
permitindo-lhes uma melhoria contínua na compreensão, gerenciamento e planejamento destes negócios. Permite
ainda, analisar as múltiplas dimensões dos dados usados nas empresas, em qualquer combinação e em qualquer
ângulo, além de identificar tendências e descobrir o que está conduzindo seus negócios (BISPO, 1998).A
facilidade do usuário em construir suas próprias consultas ad-hoc, no momento em que contempla novas e
diferentes correlações nas dimensões do negócio, dão o foco da ferramenta para o ponto de vista analítico da
atividade da empresa. Neste intento, as respostas não são automáticas: elas são construídas naquele momento,
conforme a visão daquela oportunidade.
O OLAP é a tecnologia utilizada para se ter uma visão dimensional dos dados na qual são
modelados em uma estrutura conhecida por cubo. As dimensões do cubo representam os
componentes dos negócios da empresa. A célula resultante da intersecção das dimensões é
chamada de medida e geralmente representa dados numéricos como “unidades vendidas”, “lucros”
ou “custos”. No exemplo anterior, a medida é o total de vendas e as dimensões são o produto, o
tempo (mês) e a região. Ronaldo Luis de Souza PEREIRA. Tecnologia OLAP (On-Line Analytical
Processing). Ferramenta OLAP. 2005. pp. 6 -7. TCC - FIAP - Faculdade de Informática e
Administração Paulista. São Paulo. 2005.
276
425
- 210.701 habitantes. IBGE - Censo de 2010.
426
- 1.080.999 habitantes – IBGE – Censo de 2010.
427
- 25 de julho de 1897.
428
25 de maio de 1952.
429
- 1909 sem data precisa.
277
é maior por ser uma cidade de tamanho médio que, apesar de seu progresso, ainda
guarda traços interioranos, o que, aliás, é uma das marca de boa parte das cidades
da paulista.
A cidade de Lorena guarda traços marcadamente provincianos com seus 82.553 430
habitantes, ladeada por cidades de porte semelhante431. Os salesianos432 são
responsáveis por boa parte do seu progresso cultural, social e econômico 433. Essa
presença significativa pode comprometer a avaliação da incidência salesiana do
UNISAL sobre as novas gerações, distorcendo resultados. Alguns critérios foram
adotados434 para que essa sondagem não sofresse distorções ou que as sofresse o
mínimo possível, optando-se pelos seguintes procedimentos.
2. Não seriam incluídos alunos do Curso de Filosofia, pois a maioria deles estão
ligados à Igreja católica como seminaristas ou como líderes de movimentos de
jovens.
4. Não foram incluídos alunos que são funcionários e estagiários, porque suas
escolhas eventualmente poderiam estar ligadas a algum movimento religioso,
social ou educacional salesiano.
430
- IGBE – Censo de 2010.
431
- Cachoeira Paulista, Cruzeiro, Piquete e Guaratinguetá.
432
- Deve-se lembrar que a presença salesiana está marcada na cidade por duas Escolas de
Ensino Superior Salesianas: O UNISAL e a FATEA ligada às irmãs salesianas. Há presença
salesiana com grande significado atendendo ao ensino formal ou a obras sociais nas cidades de
Cruzeiro, Guaratinguetá e Pindamonhangaba.
433
- A presença salesiana na cidade aconteceu há 121 anos. O Oratório São Luís, que foi
inicialmente escola agrícola foi fundada há 116 anos. Dele se irradiaram vários serviços salesianos
para a cidade. O PROVIM (projeto de Vida Melhor) que chegou a contar com cinco unidades
localizadas em vários bairros da cidade com infra-estrutura completa e atendendo acerca de 1.200
crianças e jovens carentes; os oratórios festivos com atendimento nas periferias com nove unidades.
434
- Os mesmos critérios foram distendidos para Americana e Campinas.
278
435
- Metodologicamente sempre se trabalhará em porcentagem com o resultado global das três
unidades. Em nota serão dados os pontuais de cada unidade. Quando for necessário, os percentuais
de cada unidade será trabalhado no texto principal. Um estudo completo desta sondagem encontra-
se com seus respctivos gráficos no SEDOC de Lorena na pasta do autor.
436
- Americana 28%; Campinas 19%; Lorena 9%
437
- Americana 71%; Campinas 78%; Lorena 91%.
279
Deve-se levar em conta que parte destes jovens são oriundos das classes populares
e ingressaram no ensino superior depois de empregados, quando buscam melhor
qualificação que lhes permita ascender na profissão. Isto é confirmado pelo
percentual de Americana (28%), seguido do de Campinas (19%), onde há muitas
indústrias. Nesta região há oferta de ensino superior em federais e estaduais que,
em geral, absorvem jovens da rede particular de ensino, enquanto que boa parcela
dos egressos do ensino público se direcionam para o ensino particular, pois não
possuem o mesmo grau de competitividade dos seus pares das escolas privadas. A
maioria, não possuindo recursos familiares para financiar a própria educação
privada, deve primeiro organizar sua vida financeira e pessoal, incluindo não raras
vezes o casamento, para posteriormente custear a própria educação 438.
438
- A maioria dos alunos estão no período noturno, pois devem trabalhar.
439
- Americana 90%; Campinas 91%; Lorena 85%.
280
Como 85% dos jovens não possuíam contato com o universo salesiano é óbvio que
essa opção não é afetiva e, apesar de serem de uma região com forte incidência
440
- Americana 77%; Campinas 62%; Lorena 78%.
281
salesiana, isso não foi significativo para boa parte desses jovens para sua opção e
nem foram influenciados apesar de seus pais e avós terem laços com a
congregação.
441
- Faculdade Salesiana de Tecnologia.
282
Estes dados são reveladores porque o que sustenta uma instituição é o Mito
Fundacional quando se narra “as origens” e “como tudo começou”. Portanto,
“conhecer Dom Bosco” como responderam os pesquisados de Lorena com a alta
porcentagem de 74% representa apenas visualização de sua estátua, do pronunciar
o nome e de conhecer duas ou três frases-chavões e alguns fragmentos de sua
442
- Americana 63 %; Campinas 41%; Lorena 83%.
443
- Americana 63%; Campinas 41%; Lorena 74%.
444
- Responderam “não”: Americana 59%; Campinas 66%; Lorena 30%.
283
445
- Dois filmes recentes tiveram grande repercussão na Itália e no ambiente salesiano mundial:
Dom Bosco, Leandro Castelani, Itália, RAI, 1988; e Uma Vida para os jovens, Ludovico
GASPARINI, Itália, RAI, Itália, 2007. Cf. DON BOSCO. Direção: Leandro Castellani. Atores: Philippe
Leroy, Leopoldo Trieste, Raymond Pellegrin, Edmund Purdom, Rick Battaglia, Ben Gazzara, Laurent
Terzieff, Patsy Kensit, Karl Zinny, Pierluigi Misasi, Piera Degli Esposti, Luca Lionello. Gênero:
Biográfico. ITÁLIA: RAI, 1988. (96 min). UMA VIDA para os jovens. Direção: Ludovico Gasparini.
Atores: Flavio Insinna, Lina Sastri, Charles Dance. Gênero: Espiritual. . ITÁLIA: RAI, 2007. (146 min).
446
- Muitos filmes foram lançados na Itália sobre Dom Bosco que é muito popular neste país. Os
primeiros filmes são em preto e branco. Os dois ultimos foram lançados pela televisão estatal RAI
tendo sido exibidos em rede nacional com alto índice de audiência e posteriormente reproduzidos em
todo o mundo.
447
448
- A cada mês é lançado em nível mundial um documentário sobre a presença salesiana em
algum lugar do mundo ou tratando de algum tema específico de salesianidade. As versões são
distribuídas com as opções dos seguintes idiomas: Italiano, Inglês, Espanhol, Frances, português,
alemão e polaco. Há publicações também em mesmo nível impressas pela agência internacional ANS
(Agência de Noticias Salesianas).
284
Na Carta de Roma João Bosco criticara àqueles salesianos do seu tempo que não
interagiam com os educandos. Esse relacionamento, mais do que um encontro
superficial, é entendido pelo fundador como contatos diários, significativos e
elevados ao grau de pedra angular do seu sistema educativo. Dos alunos
entrevistados, 77% de Americana, 72 % de Campinas e 26% de Lorena afirmam que
nunca tiveram contato ou conversaram com os salesianos.
449
- Nesta última unidade deve-se considerar que as mesas de jogos estão no pórtico, sendo
este trecho conhecido como “pastoral” e que é uma das passagens para a cantina, portanto a “maior
freqüência” deve ser entendida também como passagem por ele e alguma eventual parada.
450
- Lorena dois funcionários; Americana 3; Campinas.
286
Geral
Este aspecto, por si, só compromete na raiz o projeto do fundador para quem era
exatamente o relacionamento pessoal qualificado a chave de seu projeto educativo.
Neste caso o termo “nunca” representa um elemento que atinge na essência esse
287
Este distanciamento dos religiosos dos destinatários não impede que nos ambientes
ainda se percebam valores salesianos a partir de professores e funcionários. O
ambiente de família é reconhecido por 58% dos alunos456, enquanto que 72%
451
- 8 % em Americana, 6% em Campinas e 42 % em Lorena
452
- Apenas afirmam que possuem “algum” contato de Amizade 14% em americana, 22 % em
Campinas e 30 % em Lorena é um dado que mereceria um aprofundamento de se medir a qualidade,
o que neste caso não convém aprofundar nesta visão panorâmica, pois demandaria detalhada
pesquisa.
453
- Em Americana são três salesianos jovens que devem responder pelo Centro UNISAL, pelo
Colégio, por obra social e pela paróquia. Além disso, devem responder por dimensões
administrativas. O mesmo sucede em Campinas onde apenas dois salesianos jovens devem atender
ao Centro Universitário, ao colégio, à Escola profissional e a uma capelania. No caso de Americana o
principal contingente constituído por alunos que saem do trabalho e ingressam na faculdade, muitas
vezes vindos as cidades vizinhas. O mesmo acontece com Campinas além dos alunos que chegam
do trabalho, há também um campus que por ser bastante grande favorece a dispersão. Em Lorena os
salesianos jovens são três e um idoso.
454
- Americana 31%; Campinas 41%; Lorena 24%.
455
- Americana 39%; Campinas 41%; Lorena 24%.
456
- Ambiente de Família
Geral Americana Campinas Lorena
Sim 58% 61% 47% 59%
Não 12% 9% 12% 17%
Indiferente 21% 23% 22% 18%
Nulo 8% 7% 16% 6%
288
457
Ambiente de acolhimento
458
Ambiente de responsabilidade
459
Ambiente de Seriedade
460
- Acredita-se, porém que isso é um resultado natural para jovens que ingressam no ensino
superior, sendo difícil sem uma pesquisa mais acurada saber até que ponto a salesianidade interfere
nestes aspectos. Portanto acredita-se não ser possível avalizar sem uma pesquisa de campo
detalhada até que ponto essas mudanças nasceram naturalmente do ambiente universitário ou foram
resultado da pedagogia salesiana.
289
o apoio, mesmo de alguns opositores do papado, que reconheciam nela ações que
sanavam sérios problemas sociais gerados pela industrialização e também
apresentava resultados ao diminuir a violência com a educação das classes
populares marginalizadas e oferecia às indústrias mão de obra qualificada e
trabalhadores com formação ética e cidadã.
Seu transplante para o Brasil foi marcado pela rejeição de liberais do Rio de Janeiro
e Niterói que temiam “esses frades modernos” que, de braços dados com o
processo industrial, representavam, porém, o obscurantismo religioso e papista.
Apesar dos ataques pela imprensa e hostilidades sofridas em ambientes públicos, a
congregação não só se implantou em Niterói, mas logo a seguir migrou para São
Paulo, participando da industrialização desta capital ao preparar mão de obra
qualificada a partir da Escola de Artes e Ofícios no então aristocrático bairro de
Campos Elíseos. Em pouco mais de duas décadas suas escolas profissionais se
espalharam por várias regiões do Brasil. Esta expansão não foi só religiosa, mas
atendeu às demandas de modernização do país. Vale recordar, à guisa de exemplo,
que a escola salesiana são José de Campinas foi capaz de a cada década se
adequar às rápidas mudanças econômicas da “Princesa do Oeste” na sua rápida
passagem da produção agrícola para a industrial e, posteriormente, tecnológica.
Até a década de 1970 os salesianos tiveram nos pátios, nos pórticos, nos campos,
nas piscinas, no teatro e na música elementos de atração da juventude. Essas
“ferramentas” estão suplantadas pelos espaços públicos de recreações, pelos
clubes, pelos mega-shows internacionais, pelas atividades sedentárias diante das
telas de computador. Eram elementos atrativos que perderam seu encanto. Os
pátios envolvidos pelo amplexo dos pórticos possuem o rosto do passado. E, mesmo
jovens que buscam a experiência religiosa, sentem nas propostas dos salesianos
algo sem intensidade. Se a sensação exacerbada que parte dos jovens busca nos
canhões de luzes, no som elevado, nas experiências sensoriais, nos esportes
radicais, no álcool e nas drogas, a procura de sensações está nestes mesmos
jovens quando buscam o espiritual como experiência sensitiva e emocional, como
nos barulhentos encontros de oração de inspiração pentecostais, onde prevalece o
sensível, o epidérmico, o labial e o maravilhoso. Tanto no âmbito profano como
religioso, paradoxalmente, as sensações exacerbadas é que contam. Projetos de
espiritualidade reflexiva, conscientizadora e libertadora são “produtos” descartados
por significativos segmentos das novas gerações onde o sentir precede o
racionalizar, quando não o substitui.
O Símbolo é o que nos faz remontar e lembrar a experiência do fundador por sinais.
O vestir-se e o envolver-se de símbolos representa conectar o hoje com o ontem. O
paramentar-se, não só no sentido religioso, significa dar identidade ao Rito indicando
a fonte de onde se vem. O Símbolo é um referencial ao Mito inicial. Mesmo as
construções são sinais de uma determinada Instituição que procura se impor pela
grandeza, esplendor e majestade para assinalar o que representam463.
Afirmou-se que uma instituição entra em crise quando o Mito não narra mais, o rito
não celebra mais e o símbolo não simboliza mais, sendo seus possíveis fins a morte,
a re-fundação ou a sua reconfiguração em nova instituição, em “outra coisa”.
461
- cf. p. 26
462
- cf. p. 27
463
- cf. p.27
293
Quando se constata nesta sondagem que 77% dos jovens de Americana, 72% de
Campinas e 26% dos de Lorena afirmam que nunca tiveram contato ou
conversaram com salesianos e que, mesmo em Lorena onde se possui um índice
favorável, posteriormente, 42% dos jovens afirmam que possuem algum contato
formal, isto representa um primeiro problema na materialização dessa pedagogia. O
termo “nunca” mostra um distanciamento irreparável porque não oferecerá sequer a
possibilidade de um relacionamento social, ainda que superficial. É uma distancia
infinita e insuperável para se começar uma construção afetiva que se torne
educadora.
464
- Americana 68%; Campinas 41%; Lorena 83%.
294
465
- Americana 60%; Campinas 53%; Lorena 72%.
466
- Americana 61%; Campinas 47%; Lorena 59%.
467
- Americana 61%; Campinas 63%; Lorena 79%.
468
- Americana 84%; Campinas 78%; Lorena 94%.
469
- Americana 87%; Campinas 84%; Lorena 91%.
295
470
- Indexado: ISSN 2178-0242.
471
- Brasil Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai.
296
São projetos incipientes, mas que visam re-configurar a presença salesiana frente
aos desafios do ensino superior salvaguardando não as práticas do fundador no
século XIX e de seus seguidores do século XX, mas antes, de resgatar os critérios
educacionais que o seguiram ao longo de sua vida. Afinal, ao emergir da idade
média, João Bosco teve que se confrontar com desafios. E este é o caminho de toda
e qualquer escola educacional: ser capaz de dar respostas adequadas aos sempre
novos tempos.
472
- VITALI, Natale. Ata da visita Extra-ordinária. Roma: Arquivo Central da Congregação,
Via della Pisana 1111, 30 de março de 2011b.
297
CONCLUSÃO
473
SANTO AGOSTINHO, 1996, p. 97.
298
modernidade o fez para salvaguardar os valores do cristianismo. Sua vida foi um ato
de resistência cultural e religiosa, quando lideranças da sociedade se distanciavam
não apenas da cristandade, mas também do cristianismo, que, ao perder espaço e
controle ideológico da sociedade, não se rendia. Este também foi o espírito que
marcou seus discípulos dos primeiros tempos. Não desanimar frente aos desafios
dos novos tempos, mas enfrentá-los, mesmo se utilizando as armas da cidade dos
homens, para manter a cristandade: Christus vincit, Christus regnat, Christus
imperat!...
Esta visão desnudada das instituições religiosas deve ser considerada mesmo
quando atuam na sociedade através de suas organizações filantrópicas e
educacionais que são, em última análise, o braço social e educacional da religião na
buscam de prosélitos, mesmo quando afirmem querer apenas o “diálogo” com a
cultura. Organizações nascidas de instituições confessionais nascem de uma matriz
que não abre mão de sua finalidade primeira que é atrair para seu seio mais novos
adeptos.
Em 1907 Pio X vira no modernismo um grande perigo para a igreja, quando este
pensamento ameaçava não só as fronteiras da religião, mas já as tinha ultrapassado
instalando-se no seio da igreja. Linhas conservadoras da Igreja utilizavam a imagem
do cavalo de Troia na cidade de Deus, querendo alertar que essa mentalidade havia
se infiltrado inclusive no meio do clero. Com razão o papa exigirá de todos os
bispos, sacerdotes, religiosos e seminaristas que professem o juramento anti
modernista. As novas idéias, porém, avançaram pelas décadas seguintes.
474
- TOLEDO, 2003, p. 63.
300
475
- Florence 1889 – New Rochelle 1977.
476 - HILDEBRAND, Dietrich von. Trojan Horse in the City of God. Manchester, New
Hampshire: Sophia Institute Press, 1993.
477
- For many Catholics who call themselves progressives, purely humanitarian activities and
social institutions are more attractive than holiness. They have become blind to the light of Christ.
Further, the ideal they have chosen is far removed from the challenge that every saint embodies.
Striving for social justice - good and honorable as it is - does not presuppose that we die to
ourselves, that we break the spirit of the world, that we renounce Satan and the pomp of this
world. But every saint, by the resplendent fact of his holiness, shakes our consciences and calls us to
renounce the world and its pomp.The saints are an uncomfortable challenge to those who do not thirst
for holiness. Because this progressive Catholics do not want their complacency disturbed,
because they do not wish to be drawn out the ghetto of the “secular city”, they want to
eliminate the saints. The saints bring the supernatural uncomfortably near. They confront us with
the ethos of holiness and disturb those who interpret the Christian life according to their own
fashion. Ibdem. pp. 258-259
301
Este dois autores são apenas dois pólos visíveis das tensões internas em que vive a
igreja. São, respectivamente lidos, amados, odiados, contestados e respeitados. Em
1970 Hildebrand e Teilhard de Chardin são lidos e defendidos por docentes das
Faculdades Salesianas de Lorena. É um confronto entre as mentalidades da idade
média e da modernidade que se batem no mesmo espaço: criacionismo versus
evolucionismo; o mal visto como obra de satanás de um lado e das injustiças
sociais, por outro. No seio dessa faculdade interiorana polarizam-se essas duas
mentalidades, algo não muito diferente na idade média de Francisco de Assis na
coorte papal. Em pleno século XX nos Estados Unidos, com todo paradoxo que isso
possa representar, Hildebrand e Chardin defendem um, uma visão medieval,
enquanto outro uma visão cientificista e evolucionista. Os conflitos dessas visões de
mundo e de cristianismo são candentes porque irão determinar que tipo de
educação se pretenda ministrar no ensino superior. Lorena os vive com intensidade.
Deve-se assinalar que esses conflitos acontecem num tempo em que a autoridade
na Igreja ainda é acatada, mas não deixam de ser o prenúncio das grandes
contestações, que como grandes vagas, se infiltrarão nas próximas décadas na
igreja, atingindo mesmo os protegidos claustros dos contemplativos.
Os jovens que ingressam na formação religiosa salesiana são filhos desses anos de
contestações e conflitos possuindo cada vez menos referenciais do passado. Os
mestres que representam o passado nem sempre conseguem passar os valores da
congregação com sua mística medieval e incontestável obediência ao papado. O
aggiornamento conciliar escapava ao controle da própria igreja numa cultura cada
vez mais laica, materialista e hedonista. O abandono da vida religiosa após o
Vaticano II foi manifestação explicita da insuficiência do catolicismo em dar
significado à vida de muitos homens e mulheres. Estes elementos contribuem, a
partir da década de 90, para se consolidar numa crescente perda da identidade
salesiana tradicional para as novas gerações Para um olhar menos penetrante nada
havia mudado. O Mito fundacional continuava sendo narrado; o Rito continuava a
ser celebrado e os Símbolos mostrados. Ainda que as celebrações e as narrações
continuassem as mesmas, a leitura que era feita delas possuía um novo significado.
302
478
- Um exemplo pode ilustrar isso. No Brasil colonial os negros eram obrigados a abraçar a fé
católica. Como “cristãos” participavam dos cerimoniais católicos e das festas dos santos com suas
procissões. Para os portugueses seus escravos tão devotos e havia se integrado na religião. As
festas terminavam à noite com cantos e danças. O que acontecia é que os negros por baixo das
aparências das imagens católicas viam seus orixás, como Iansã mãe de todos os orixás ou Iemanjá,
a rainha do mar. À noite ao festejarem ao redor das fogueiras apenas mantinham as tradições e os
ritos ancestrais que eram guardados na tradição exatamente através desses aparentes folguedos.
Fazendeiros e capelães acreditavam numa adesão que não existia, sendo todas essas celebrações
simulacro que sob a aparência e o rosto de práticas católicas se mantinham as crenças ancestrais.
Cf. PASSOS JÚNIOR, Dilson. A formaçao do sincretismo religioso no Brasil. Revista de Cultura
Vozes, Petrópolis, 82, n. 1, p. 57-78, jan. 1988.
303
Uma escola de ensino superior não é uma sucursal de uma paróquia. Uma
universidade confessional deve, porém, estabelecer um diálogo adulto com a
cultura fazendo com que os educandos tenham acesso ao pensamento
antropológico e social dessa instituição. No caso salesiano isto ainda tem maior
consistência porque a congregação possui uma ação educadora que está embasada
numa visão de mundo que se reflete na sua prática pedagógica. Não é possível que
essa prática seja assumida com consistência sem uma sólida elaboração teórica que
dê sustentabilidade à sua ação. Nos Estados Unidos, por exemplo, as universidades
católicas fazem os alunos ter acesso aos documentos eclesiais que tratam de
questões da Doutrina Social da Igreja. Eles são posteriormente confrontados com
outros documentos sobre o mesmo tema, permitindo que se estabeleça um
confronto entre fontes primárias que levem a uma tomada de posição embasada em
estudo sério. Estabelece-se o diálogo com o pensamento cristão a partir das fontes
e não de intermediários e intérpretes. Para o egresso dessas escolas superiores,
independente de suas opções pessoais em nível religioso ou moral, existiu a
oportunidade de um diálogo Tetê- á-tetê com o pensamento cristão. Elas entendem
que somente possuindo uma inequívoca identidade católica terão condições de um
verdadeiro e frutuoso diálogo com a cultura479.
A cultura cristã não é mais o modelo predominante das elaborações do viver social e
moral. Como agência de ensino superior as universidades católicas pretendem mais
do que simplesmente ensinar, mas criar uma mentalidade, uma cultura e um
pensamento que tenham incidência na organização social, pois nenhuma instituição
de ensino superior, confessional ou não, pode abrir mão desse objetivo de formar
egressos com referenciais significativos de princípios e valores, e isto só será
479
Cf. BOSTON COLLEGE. The Catholic Intellectual Tradition: A Conversation at Boston
College. Boston: Fund. Collegium Bostoiense, 2010, p. 5-9.
304
Seria errôneo pretender retornar ou recriar o passado como sinal de fidelidade aos
ideais do fundador. Deve-se levar em conta que num mundo pluralista e globalizado
coabitam matrizes materialistas, agnósticas, hedonistas e tantas outras mais. As
religiões rigidamente institucionalizadas perdem a cada ano espaço, enquanto
gastam a maior parte de suas energias em preservar tradições obsoletas e que nada
dizem para o homem concreto, além de se recordar sua dimensão histórica e
estética. Em algumas situações as igrejas cristãs tradicionais em geral, e o
catolicismo em particular, se desgastam ao manter um crescente zelo por rituais
medievais, para o deleite de meia dúzia de saudosistas, em detrimento da educação
do homem comum, sendo incapazes, enquanto instituições, de estabelecer um
diálogo que efetivamente corresponda à demanda dos anseios do homem moderno.
Sua organização hierárquica apoiada num poder absolutista concebido como
advindo de Deus vai na contra mão de uma sociedade democrática, participativa e
crítica que tende a não mais transigir com caprichos e manhas de chefes
constituídos sem aprovação das bases.
Seria exigir demais que um filho espiritual da idade média tivesse esses
pensamentos. Bosco foi um fidelíssimo súdito da igreja, não deixando, porém de
contestá-la quando sua prática educacional-pedagógica fez frente aos seus dois
ciumentos bispos e quando desprezou o modelo de rígida disciplina que era aplicada
nas suas casas. Imprimiu aos seus internatos um clima doméstico e pouco
institucional que tanto escandalizou aos educadores da época pela aparente
desorganização, pois para ele prevalecia o clima de família onde a ordem era
conseguida pela autoridade moral do educador que se fizera amar e, portanto
respeitar. Na organização de governo de sua congregação, imbuído paradoxalmente
da mentalidade liberal de seu tempo, colocou ombro a ombro os salesianos-leigos
com os salesianos-sacerdotes e instituiu uma forma de governo onde a autoridade
estava mais ligada a um conselho que à figura do diretor que deveria ser visto como
pai, amigo e irmão. Colocou seus sacerdotes realizando trabalhos braçais e servis
305
A força moral deste filho do século XIX foi contestar, através de suas ações e
empreendimentos, a incapacidade da igreja de se voltar para a nova realidade do
mundo industrial que, a partir do critério do lucro, oprimia e desumanizava a pessoa.
Assim como Francisco de Assis diante de Lotário se impusera com autoridade moral
por sua inquestionável pobreza evangélica, Bosco se impôs ao papa e à sociedade
anticlerical do seu tempo pelo trabalho e pela doação irrestrita aos jovens urbanos,
marginalizados pelo sistema industrial de um lado, e pela sociedade tradicional de
outro. Ele esteve na contramão da história do seu tempo. Os salesianos como uma
congregação urbana nascida no contexto industrial viveram com a sociedade do seu
tempo os desafios advindos pelo progresso.
A Presença física do educador salesiano nas ultimas décadas foi relativizada num
processo de terceirização, apoiada em argumentos como tamanho e complexidade
das obras. Concretamente os salesianos se fizeram ausentes não sendo mais a
alma do recreio.
480
- No Lumem Gentium primeiro trata-se do relacionamento da igreja com o mundo
contemporâneo; no Unitatis Redintegratio o relacionamento com as religiões cristãs e no Nosta
Aetate com as religiões não cristãs, sempre numa dimensão ecumênica.
307
A Razão era entendida por Bosco como o ato do educador mostrar ao educando a
lógica e o sentido do que lhe era pedido, fazendo com que este compreendesse o
sentido e o porquê algo deveria ser assumido e realizado. Em 1968 esse critério
sofreu modificação na sua leitura no Brasil assumindo o sentido de protagonismo
juvenil481 no qual se crê que o jovem é capaz, a partir de sua realidade e da
proposição dos seus educadores de, ele mesmo elaborar os princípios que devem
reger sua vida. Pode-se afirmar uma necessária evolução do conceito da razão na
ótica salesiana. Até a década de 1960 ela foi entendida como uma Razão Simples
na qual o educador mostrava ao destinatário a lógica da verdade acreditando que
sua clareza seria tal que haveria adesão a ela. A partir da década de 1970 há uma
evolução do conceito, apenas em nível de Brasil, a partir da crise da Faculdade
Salesiana no ano de 1960, quando foi deflagrada a “greve dos cem dias”. Neste
evento alunos da UNE propuseram a tomada da direção da faculdade por uma
gestão conjunta de docentes e discentes. Neste período discutia-se a realidade
brasileira com um alto nível de politização dos alunos que embasavam muito de
suas proposições em Karl Marx. Era uma abordagem crítica da realidade. Os ideais
dessa geração foram castrados em 1968, inicialmente pela prisão de boa parte das
lideranças estudantis no Congresso da UNE em Ibiúna e posteriormente pelo Ato
Institucional numero 5 que tolheu de forma radical a liberdade de pensamento e
expressão, mostrando o braço truculento do golpe militar de 64. Apesar das
retaliações, mesmo dentro da congregação e sem a tutela dos formadores, na
consciência dos clérigos universitários se configurou o conceito de uma
racionalidade participativa e crítica que será uma das características da formação
dos salesianos no Brasil e parte da América.
481
PASSOS JÚNIOR, 2004, p. 161-176.
308
razão: acadêmica, culta e erudita. O dialogo na Academia deve ser feito a partir do
profundo conhecimento da Ciência e do Homem. A Verdade, sinalizada pelos
educadores salesianos, deve ser capaz de diálogo científico com as mais avançadas
produções culturais.
O respeito que o educador salesiano terá dos alunos será pela sua capacidade
intelectual de produzir e reproduzir o saber. Fala-se aqui em princípio do bom e
eficiente professor e, dando um passo adiante, do pesquisador imerso no cotidiano
da Academia e do Campus. Esta é a Racionalidade acadêmica, que não se reduz,
no ensino superior, à atitude de um conselheiro a indicar caminhos segundo a reta
razão.
482
- Manoel Isaú produziu um livro significativo onde trabalha “Os Internatos no Brasil”,
realizando na segunda parte do seu livro uma descrição da vida desses internatos com os
salesianos.Cf. SANTOS, 2000.
483
- No domingo eram duas missas.
309
João Bosco trabalhando nos difíceis tempos do século XIX acentuou a importância
do testemunho pela parábola conhecida como Sonho dos Dez Diamantes no qual
descreve como o salesiano deve ser484. Nesta parábola-sonho apresenta a
484
- (...) Parecia-me passear com os Diretores das nossas casas, quando apareceu entre nós
um homem tão majestoso que não podíamos pousar o olhar nele. Dando-nos um olhar, sem falar,
pôs-se a caminhar à distância de alguns passos de nós.
Ele estava assim vestido: Estava todo coberto por um rico manto à moda de capa. A parte
mais próxima ao pescoço era como uma faixa que se fechava na frente, e uma fitinha lhe pendia
sobre o peito.
Na faixa estava escrito com caracteres luminosos: “A Pia Sociedade Salesiana”, e na borda
da faixa estavam escritas estas palavras: “Como deve ser”.
Três dos diamantes estavam sobre o peito, e estava escrito “Fé” sobre um, sobre o outro
“Esperança”, e “Caridade” naquele que estavam sobre o coração.
O quarto diamante estava sobre o ombro direito e trazia escrito “Trabalho”; sobre o quinto, no
ombro esquerdo, lia-se “Temperança”.
Os outros cinco diamantes ornavam a parte posterior do manto e estavam assim dispostos:
o maior e mais fulgurante estava no meio, como o centro de um quadrilátero, e trazia escrito
“Obediência”.
À esquerda, no mais elevado, estava escrito “Voto de Castidade”. O seu esplendor emitia
uma luz toda especial, e mirando-o atraía e aferrava o olhar como o ímã atrai o ferro.
No lugar onde tinham estado fixos os diamantes, havia um profundo rasgão ocasionado pelo
caruncho e por outros pequenos insetos.
Vi que os dez diamantes tornaram-se outros tantos carunchos que corroíam raivosamente o
manto.
deveria ser. A descrição fala por si. O que chama atenção é a posição dos
diamantes sobre o peito e os ombros. Eles são a parte visível dos seguidores de
João Bosco. Todos deveriam ver neles homens de Fé, repletos de Esperança,
voltados para o próximo pela Caridade, temperantes e trabalhadores. É uma
imagem religiosa e humana que cativa. Esta é, no pensamento de Bosco, o “cartão
de visita” que deve encantar a todos os que se encontram com os educadores
salesianos. No entanto, essa postura que deveria encantar, deveria também ser
sustentada por crenças interiores não visíveis e que estariam nas costas do jovem
também sustentando o manto e que são: A obediência entendia como respeito não
só às constituições da congregação, mas acima de tudo aos ensinamentos bíblicos:
a pobreza, a crença numa recompensa, a castidade e o jejum como disciplinadores
da vontade.
Em contato com as classes populares, da qual também fazia parte, João percebera
o grande mal que faziam à igreja os maus sacerdotes com seus contra-testemunhos.
Entende que suas idéias educacionais seriam apenas divagações caso não viessem
acompanhadas de um modo de vida que correspondesse ao que ensinavam. Ao
Educador salesiano cabe ser uma presença significativa junto dos estudantes a
ponto de entusiasmá-los com seu testemunho de vida e fé. Está é a forma
moderna de se anunciar a fé religiosa na sociedade atual.
No lugar da Obediência nada havia além de um grande e profundo rasgão, sem qualquer
escrito.
As IUS definem que é fundamental se ter uma identidade clara e inequívoca como
instituição católica e salesiana. O Estudo histórico da vida do fundador e da origem
de sua congregação, a análise de seu transplante para o Brasil e o lugar que aqui
ocupou na educação da juventude faz compreender que lugar deve ocupar o ensino
superior salesiano na nossa sociedade. A sondagem feita junto dos alunos, longe de
pretender ser uma peça de pesquisa em sentido estrito, permitiu algumas
sinalizações já percebidas empiricamente pelos que labutam na Instituição.
487
- Cf. p. 6.
313
Há descompasso entre o que João Bosco pensou para suas obras e o que é
vivenciado hoje pelo UNISAL. Alguns elementos podem ser sinalizados:
Uma identidade frágil ou pouco definida faz com que se procure firmá-la através de
ações superficiais e periféricas que acabam se organizando como simulacro daquilo
que de fato não existe. Este ponto tem sido diagnosticado tanto pela IUS, como pela
direção do UNISAL de São Paulo. As tentativas de solução, porém, têm sido tópicas
e de certo modo irrelevantes porque não são fruto de profunda reflexão e, na
verdade, só terão impacto real quando forem fruto de reflexão intramuros do mundo
acadêmico. Soluções elaboradas externamente e sem terem sido gestadas pela
racionalidade acadêmica (sem vírgula) serão meros apliques que mais fomentarão
o simulacro.
314
João Bosco, sua vida, sua obra, seu tempo e sua pedagogia devem ser objeto de
estudo denso e sistemático que permitam reconstituir os desafios superados e os
critérios atemporais assumidos na educação. Só assim estará se superando a
presente fragmentação onde o discurso “institucional dos padres” não corresponde à
práxis da docência e se teatraliza numa adesão a princípios de que fato não se
conhecem e aos quais muito menos se adere.
Mito, Rito e Símbolo. Três realidades para se avaliar uma instituição. Somente uma
delas é controlável pela gestão universitária: o Mito fundacional. Ele deve ser
narrado, estudado, aprofundado, passado pelo crivo do pensamento acadêmico. Ele
estará inicialmente nas mentes e deverá ser acolhido por ela como algo lógico,
verdadeiro e bom. Somente quando este conhecimento se tornar crença, em que a
mente “baixar armas” para colocá-lo afetivamente “no coração”, só então brotará o
Rito repleto de significado porque nascido da vida. Então as marcas salesianas,
seus monumentos, seus adereços, simbolizarão algo que se “metaboliza” no homem
integrando Razão e Coração. Razão porque lógico. Coração porque assentimento
da vontade em algo que se reconhece como bom e verdadeiro. Então a frase do
fundador ganhará um sentido afetivo também para um taciturno intelectual:
educação é obra do coração.
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GLOSSÁRIO
LINHA DO TEMPO
488
- Entre 1859 a 1900 foram fundadas 247 casas na Itália, França, Espanha, Suíça, Áustria,
Bélgica,Portugal, Argentina, Uruguai, México, Colômbia, Chile, Equador, Paraguai, Venezuela,
Antilhas, Argélia, Tunísia.Cf. Narciso FERREIRA, (Apêndice) In, Morand WIRTH, De Dom Bosco aos
329
Nossos Dias entre a História e os Novos Desafios, Roma, LAS – Livraria do Ateneo
Salesiano,2000. pp.363-368 (No prelo – trad. Narciso Ferreira).
330