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DIREITO PROCESSUAL CIVIL


COLETIVO

PROFª MS. ÉVELYN CINTRA ARAÚJO

2020
CONTÉUDO PROGRAMÁTICO

UNIDADE 1 - INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO PROCESSO CIVIL COLETIVO


1.1 Histórico
1.2 Evolução do processo coletivo no Brasil
1.3 Fundamentos, conceito e elementos
1.4 Classificação do processo coletivo
1.5 Princípios do direito processual coletivo

UNIDADE 2 - ESTUDOS SOBRE DIREITOS COLETIVOS: DIREITOS DIFUSOS.


DIREITOS COLETIVOS. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

UNIDADE 3 - A LEGITIMIDADE NAS AÇÕES COLETIVAS

UNIDADE 4 – A COMPETÊNCIA NAS AÇÕES COLETIVAS

UNIDADE 5 – CONEXÃO, CONTINÊNCIA E LITISPENDÊNCIA NO PROCESSO


COLETIVO

UNIDADE 6 – LITISCONSÓRCIO E INTERVENÇÃO DE TERCEIROS NO PROCESSO


COLETIVO

UNIDADE 7 – ASPECTOS GERAIS DA TUTELA COLETIVA


7.1 A Prescrição e a Decadência nas Ações Coletivas
7.2 A Reconvenção nas ações coletivas
7.3 A Distribuição dinâmica do ônus da prova no processo coletivo
7.4 Conciliação nas causas coletivas
7.5 Especificidades da Tutela de Urgência no Processo Coletivo
7.6 As Despesas processuais e os honorários advocatícios de sucumbência
7.7 Aspectos Recursais

UNIDADE 8 - A COISA JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS

UNIDADE 9 – LIQUIDAÇÃO E EXECUÇÃO NO PROCESSO COLETIVO


UNIDADE 1 - INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO PROCESSO CIVIL COLETIVO:
histórico, fundamentos e conceito.

1.1 Histórico

O Processo Coletivo é fruto da evolução histórica do próprio Processo Civil, a qual


perpassou basicamente por 3 fases, senão lembremos:

1ª) IMANENTISTA (ou civilista/sincretista/privatista):


Originada no Direito Romano, a fase imanentista ou civilista teve como destaques
Celso, Ulpiano e Savigny e durou até meados do ano de 1868.
Havia uma grande confusão metodológica entre direito material e direito processual,
negando-se a existência autônoma deste último, o qual se encontrava imanente, ou seja,
dependente do direito material. Para os imanentistas, só havia ação se houvesse direito
material.
Obviamente que tal teoria não prosperou, pois não conseguiram explicar, por
exemplo, a possibilidade de o autor lançar mão da ação e do processo para buscar justamente
a declaração de inexistência de um direito (ação declaratória negativa). Esqueceram-se também
de que, ainda que ação fosse declaratória positiva, o juiz poderia julgar improcedente o
pedido, negando a existência do direito; ou, por fim, poderia o magistrado simplesmente
decretar a prescrição (perda da pretensão) mesmo tendo havido o exercício da ação e a
instauração do processo.

2ª) CIENTÍFICA (ou autonomismo):


Na fase científica ou autonomista, que durou de 1868 a 1950, e por forte influência
principalmente das doutrinas alemãs (Von Bülow), desenvolveu-se a teoria do processo como
ciência autônoma, uma vez que fora finalmente reconhecida a sua total independência em
relação ao direito material.
Enquanto este sempre teve uma configuração linear (sujeitos ativo/passivo; objeto –
bem da vida; e vínculo de direito material), o processo revela-se como uma relação jurídica
triangular, com elementos próprios e distintos (sujeitos ativo/passivo e o Estado-juiz; objeto –
pedido; e vínculo de direito processual).
Assim, haveria duas relações jurídicas autônomas: a material e a processual, as quais
não se confundiam.
Todavia, o processo passou a ser intensamente estudado como objeto autônomo,
deixando de servir ao direito material, o que criou excessos formalistas. Dessa forma, tal
processo era permeado por ideais iluministas e liberalistas, onde a propriedade individual, a
autonomia da vontade e a titularidade do direito de agir exclusiva ao titular do direito privado
eram “a pedra de toque”, não havendo espaço ainda para o direito da coletividade.

3ª) INSTRUMENTALISTA (ou do acesso à justiça):


A fase instrumentista, surgida em meados de 1950 (especialmente pelas obras de
Garth/EUA e Cappelletti/ITA) e vivida por nós até os dias atuais, vai além dos autonomistas e
vê o processo como instrumento não só de realização dos interesses particulares, como
também de pacificação social e realização da lei, portanto, mais efetivo, realizador da justiça,
em tempo hábil e com o menor dispêndio possível.
Em outras palavras, prega-se o processo como meio de acesso à justiça,
reaproximando o direito material e processual, sem, contudo, perder a autonomia do
processo.
De acordo com Garth e Cappelletti, para que o processo seja um instrumento de
acesso à justiça, os ordenamentos jurídicos teriam de observar 3 ondas renovatórias de
alterações legislativas:

a) Tutela dos necessitados/hipossuficientes: sendo criada, no Brasil, a Defensoria Pública, a


Lei de Assistência Judiciária (de 1950 – instituiu a pobreza por presunção), os Juizados
Especiais; a Justiça do Trabalho etc.;

b) Coletivização do processo: quando a norma constitucional garante o direito ao acesso à


justiça, notadamente no inciso XXXV do art. 5º da CF/88, ela o garante não só para a tutela
dos direitos individuais, como também dos direitos coletivos (como o próprio título do
capítulo, onde tal dispositivo constitucional está inserido, sugere: “ Dos direitos e deveres
individuais e coletivos”).
Assim, é necessário que haja um tratamento coletivo para o processo, pois somente
assim haverá verdadeiramente acesso à justiça. Dessa forma, Garth e Cappelletti perceberam a
necessidade de serem tutelados pelo processo:
• bens e direitos de titularidade indeterminada: direitos que pertencem a todos e não
pertencem a ninguém, e que, por isso, ficavam normalmente sem tutela. Ex: o meio ambiente e
o patrimônio público. Foram então criados os legitimados coletivos (ex: MP, defensorias,
órgãos públicos);
• bens e direitos cuja tutela individual é inviável: basicamente por conta da
hipossuficiência, seja cultural (falta de consciência da população sobre a existência e do
direito e seu mecanismo de tutela), econômica (pouca recompensa na tutela do direito, seja
em razão dos custos psicológicos, seja em razão dos custos financeiros; falta de recursos para
custear a assistência jurídica), ou técnica (configuração do processo, que exige demasiado do
autor, a exemplo da produção de provas difíceis).
Ex.: consumidor descobre que a caixa de leite que informa possuir 1 litro, na verdade
possui 750 ml. Em situações como esta, é economicamente inviável para o consumidor
processar individualmente a empresa para cobrar alguns litros de leite, mas coletivamente o
dano é considerável.
• bens e direitos cuja tutela coletiva é recomendável: do ponto de vista da facilidade e
utilidade do sistema (litígios repetitivos); nesse caso, a tutela do direito individual não é
economicamente inviável, mas a tutela coletiva se releva recomendável em razão da
molecularização dos conflitos/reunião dos processos (Kazuo Watanabe). Não há, aqui,
uma preocupação direta com o jurisdicionado, mas sim com o sistema, que deve potencializar
a solução dos conflitos. Ex: é possível citar as causas envolvendo expurgos inflacionários,
bastante repetidas em todo o país.

Segundo aqueles autores, o direito processual civil clássico era, até então, incapaz de
tutelar o direito coletivo porque institutos clássicos como a legitimidade ordinária, de
perspectiva liberal individualista (cada um defende o que é seu individualmente) e a coisa
julgada intra partes (a decisão beneficia só as partes - art. 506 do NCPC), entre outros, são
incompatíveis com o processo coletivo.
Não que o processo coletivo nega a importância do processo individual para
determinadas situações, mas reconhece o caráter egoístico deste, com o indivíduo pensando
só em si. O caráter do processo coletivo, ao contrário, é altruístico, porque sempre tem em
mente o bem comum; daí a necessidade real de reformular conceitos processuais civis
tradicionais, adequando-os à tutela dos interesses metaindividuais.
A ordem jurídica reconhece a necessidade de que, em matéria de interesses
transindividuais, “o acesso individual dos lesados à Justiça seja substituído por um
processo coletivo, que não apenas deve ser apto a evitar decisões contraditórias como ainda
deve conduzir a uma solução mais eficiente da lide, porque o processo coletivo é exercido de
uma só vez, em proveito de todo o grupo lesado.”

c) Efetividade do processo: processo civil de resultados, vivida atualmente.

1.2 Evolução do processo coletivo no Brasil

Por influência lusitana, o Brasil já convive com a ação popular desde as Ordenações
Manuelinas, não obstante era de forma extremamente precária e limitada (na origem só cabia
contra atos do poder público).
As ações coletivas (re)surgiram mesmo pela influência direta da doutrina italiana na
década de 70, quando emergiu uma doutrina processual coletiva brasileira representada por
Barbosa Moreira, Kazuo Watanabe, Ada Pellegrini Grinover, Waldemar Mariz Oliveira
Júnior, e, posteriormente, Antônio Gidi, Nelson Nery Júnior e Aluísio Mendes.
Apesar de já existir a ação popular desde antes (Lei 4.717/65), a doutrina costuma
vincular o surgimento do processo coletivo no Brasil com a Lei 6.938/1981 (Lei Nacional da
Política do Meio Ambiente), que, em seu art. 14, §1º, previa a legitimidade do MP para propor
a ação civil pública em proteção ao meio ambiente.
Todavia, só em 1985, com a Lei de Ação Civil Pública (7.347/85), que houve a
consolidação do processo coletivo no Brasil. Essa lei resolveu o problema dos bens ou direitos
de titularidade indeterminada, mas não o problema dos bens e direitos cuja tutela individual é
inviável e os bens e direitos cuja tutela coletiva é recomendável. Esses últimos dois problemas
só foram efetivamente solucionados com a CF/88 e em especial com o Código de Defesa do
Consumidor, em 1990, quando então houve a potencialização do processo coletivo, e a sua
complementação pelo Estatuto da Cidade (2001), do Idoso (2003) etc.
Por outro lado, não podemos ignorar os retrocessos. O Governo tem utilizado
Medidas Provisórias para atacar a ação civil pública, tentando restringir sua eficácia, limitar o
acesso à justiça, frustrar o momento associativo e reduzir o papel do Poder Judiciário. Ex: a
Lei 9.494 é o resultado de uma MP, que incluiu o atual art. 16 da LACP. Este dispositivo traz
uma norma que limita bastante o processo coletivo, já que determina que “a sentença civil fará
coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o
pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá
intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.”
Quanto ao futuro do processo coletivo brasileiro, destaca-se 2 tentativas frustradas
de criação do Código de Processo Civil Coletivo:
- uma que partiu de três projetos (oriundo da USP - Ada Pellegrini Grinover; da
UERJ/UNESA - Aloísio Castro Mendes; e de Antônio Gidi);
- e outra, em 2008, quando o Ministério da Justiça nomeou uma comissão de juristas para
tanto. Porém, tal comissão entendeu que o ideal não é fazer um novo código (que demorará
muito para sair do Congresso), mas sim uma Nova Lei de Ação Civil Pública.
Com efeito, esta nova Lei é o atual PL 5139/09.

1.3 Fundamentos, conceito e elementos

1.3.1 Fundamentos da ação coletiva

Segundo Didier Júnior, as ações coletivas possuem duas justificativas:

a) Fundamento sociológico: aumento das “demandas de massa”. Está ligado, portanto, ao


princípio do acesso à justiça.

b) Fundamento político: permitem a solução de diversos conflitos por meio de um só


processo, reduzindo os custos, uniformizando os julgamentos e trazendo previsibilidade e
segurança jurídica. Está ligado principalmente ao princípio da economia processual.

1.3.2 Conceito de processo coletivo

Processo coletivo é “aquele instaurado por ou em face de um legitimado autônomo/,


em que se postula um direito coletivo lato sensu ou se afirma a existência de uma situação
jurídica coletiva passiva/, com o fito de obter um provimento jurisdicional que atingirá uma
coletividade, um grupo ou um determinado número de pessoas” (GIDI, Antônio apud DIDIER
JR., 2008, p. 46).
Do conceito é possível extrair 3 elementos, quais sejam:
a) a legitimação para agir
b) a afirmação de uma situação jurídica coletiva: o direito coletivo lato sensu no pólo ativo (ação
coletiva ativa), ou dever ou estado de sujeição a este direito no pólo passivo (ação coletiva
passiva);
c) a extensão subjetiva da coisa julgada.

Assim, há procedimentos especiais (ações coletivas) previstos na legislação para


servir às causas coletivas, tais como:
- Ação popular (art. 5º, LXXIII CF; Lei nº. 4.717/65);
- Ação civil pública (art. 129, III CF; Lei nº. 7347/85);
- MS coletivo (art. 5º, LXX CF);
- Ação coletiva para defesa dos direitos individuais homogêneos dos consumidores (arts. 91 a
100 do CDC);
- Ação de improbidade administrativa (Lei nº. 8429/92);
- Ações de Controle de Constitucionalidade (ADI e ADC - art. 102, I, “a” CF).

Vê-se, resumidamente, que a ação e o processo coletivos tem por objeto a realização
do interesse público, ou seja, “servem às demandas judiciais que envolvam, para além dos
interesses meramente individuais, aqueles referentes à preservação da harmonia e à realização
dos objetivos constitucionais da sociedade e da comunidade” (DIDIER JR, 2008, p. 38), como,
por exemplo, dos consumidores, do meio ambiente, do patrimônio artístico, histórico e
cultural, bem como os interesses individuais dos necessitados e minoritários marginalizados,
ou seja, os direitos coletivos lato sensu e individuais indisponíveis.
Trata-se, assim, de um processo de interesse público, não interessando a “estrutura
subjetiva”, mas a “matéria litigiosa” discutida. Desta feita, não se confunde processo coletivo
com litisconsórcio multitudinário.
Este está assentado no velho arquétipo de processo individual (de estrutura
atômica), ainda que sejam muitos em um dos pólos, posto que defendem seus direitos
subjetivos individuais (o juiz pode, inclusive, fragmentar tal litisconsórcio quando dificultar o
andamento do processo ou a defesa).
Já o processo coletivo é de estrutura molecular, ou seja, mesmo que interesse a uma
série de sujeitos distintos, identificáveis ou não, pode ser ajuizada e conduzida por uma única
pessoa já que veicula matéria de natureza comum a todos, à coletividade.
Justamente por servir o processo coletivo ao interesse público é que tem se
experimentado uma maior politização da Justiça e ativismo judicial, pois “ao Poder Judiciário
foi conferida uma nova tarefa: a de órgão colocado à disposição da sociedade como instância
organizada de solução de conflitos metaindividuais”.
1.3.3 Legislação pertinente aplicável

Como já se sabe, o direito processual coletivo não possui um código próprio,


tampouco é regido pelo CPC, o qual se dirige a um processo de caráter individual.
Na verdade, a tutela dos direitos coletivos fica por conta de um conjunto de regras e
leis, que, harmonicamente, se comunicam formando o que chamamos de microssistema
processual coletivo.
Dentre tais leis destaca-se principalmente o CDC (Código de Defesa do Consumidor
– Lei n. 8.078/90), que, por ter um caráter misto (possui normas de direito material e de
direito processual), reserva em seu Título III a “Defesa do Consumidor em Juízo”, ou seja,
preocupa-se com a efetividade e a facilitação do acesso à justiça pelo consumidor.
As inovações processuais empreendidas pelo CDC no que tange à tutela dos direitos
de massa são dignas de nota, podendo-se elencar algumas delas:
- conceituação de direitos difusos, coletivos stricto sensu, e individuais homogêneos (art. 81,
parágrafo único, incisos I, II e III);
- determinar a competência pelo domicílio do consumidor – competência adequada (art. 101,
I);
- vedação de denunciação à lide e um novo tipo de chamamento ao processo (arts. 88 e 101, II);
- possibilidade de o consumidor valer-se, na defesa dos seus direitos, de qualquer ação cível
cabível (condenatória, mandamental, executiva lato sensu, declaratória ou constitutiva) –
atipicidade ou não-taxatividade (art. 83);
- tutela específica em preferência à tutela do equivalente em dinheiro (art. 84);
- a extensão subjetiva da coisa julgada em exclusivo benefício das pretensões individuais (art.
103 - secundum eventum litis e secundum eventum probationis);
- regras de legitimação e de dispensa de honorários advocatícios (art. 87) específicas para as
ações coletivas e aperfeiçoadas em relação aos sistemas anteriores;
- regulamentação da litispendência entre a ação coletiva e ação individual (art. 104);
- e, por fim, a alteração e ampliação da tutela da Lei da Ação Civil Pública – LACP (Lei n.
7.347/85), harmonizando-a com o CDC (arts. 110 a 117), especialmente a que inseriu o art. 21 à
LACP, declarando a extensão do Título III do código consumerista a todas as ações coletivas.
Dessa forma, como bem nos ensina Gidi (apud Didier Jr, 2008, p. 50), “toda a parte
processual coletiva do CDC fica sendo (....) o ordenamento processual civil coletivo de caráter
geral, devendo ser aplicado a todas as ações coletivas em defesa dos interesses difusos,
coletivos e individuais homogêneos”. Em outras palavras, seria uma espécie de Código de
Processo Civil Coletivo.
Todavia, tal microssistema não se resume ao CDC e à LACP, mas é formada pela
reunião intercomunicante de vários diplomas legais inerentes ao direito coletivo.
Isso significa que o CPC só será aplicado em caráter suplementar ou residual (e não
subsidiário) e naquilo que não for incompatível, dado, repita-se, ao seu caráter individual. Em
outras palavras, em caso de omissão em determinado diploma coletivo, deve-se buscar solução
legal em outra lei que forma o microssistema coletivo antes de se recorrer ao CPC.

1.4 Modelos de tutela jurisdicional dos direitos coletivos

No mundo afora, destacam-‐se dois modelos de tutela jurisdicional dos direitos


coletivos:
a) Modelo da Verbandsklage (ações associativas): tem origem ítalo-‐francesa-‐alemã e é adotado
pela Europa-‐Continental (salvo Escandinávia).
São características desse modelo:
- legitimação ativa das associações especial: com a escolha de um “sujeito supraindividual” para
tutelar em nome próprio o direito que passa ser considerado como p róprio. Ex: associações de
consumidores, associações ambientais.
- duas formas de tutela para as associações: ou representa o indivíduo, mediante sua autorização;
ou representa um direito supraindividual, porém em hipóteses restritíssimas e excepcionais;
- afastamento da tutela dos direitos individuais de forma extremada e radical: nesse modelo não há
espaço, em nenhuma hipótese, de tutela individual; o dano deve ser ressarcido para o Estado.
- a tutela permitida em juízo é somente a inibitória ou injuncional: ou seja, tutela voltada para as
obrigações de fazer e não fazer, e, consequentemente, nesse caso, com caráter meramente de
advertência ou de admoestação, sem, de fato, garantir a reparação de danos.
Críticas não faltaram para tal modelo, uma vez que efetivamente não tutela os
direitos coletivos.
b) Modelo das Class Action: tem origem norte-‐americana e foi muito difundido no Brasil. É
mais pragmático, voltado para a proteção integral do direito coletivo. São suas características:
- a legitimidade do indivíduo ou de um grupo de indivíduos, caracterizada pelo controle jurisdicional
da “adequada representação”;
- vinculatividade da coisa julgada para toda a classe, quer beneficiando-‐a, quer prejudicando-a, no
caso da improcedência da ação (no Brasil é um pouco diferente do modelo norte -americano
puro, uma vez que a coisa julgada erga omnes ou ultra partes, nos termos do art. 103 do CDC, é
secundum eventum litis, ou seja, só beneficia);
- adequada notificação para aderir à iniciativa aos indivíduos: visando proteger o “direito de colocar-
se a salvo da coisa julgada” (right to opt out). Ou seja, se o membro da classe entender mais
vantajoso fazer valer seu direito com uma ação individual, ele tem o direito de “sair” do grupo
ou classe comunicando ao legitimado que não pretende ser representado na demanda
coletiva;
- atribuição de amplos poderes ao juiz: o que distingue esse modelo do modelo tradicional de
litígio (vinculado predominantemente a atividade das partes e a uma radical neutralidade
judicial).

A tendência mundial é a universalização do modelo das class action, tanto nos


ordenamentos do common law como do civil Law, a exemplo do Brasil, pois tem se apresentado
como o mais bem sucedido.

1.5 Classificação do processo coletivo

a) Quanto ao sujeito:
- processo coletivo ATIVO: é o processo coletivo por excelência, em que a coletividade é
autora, por meio de um legitimado coletivo. Essas são as mais comuns.
- processo coletivo PASSIVO: é aquele em que a coletividade é ré. Seria a situação inusitada de
a coletividade ser demandada como ré numa ação.
Na doutrina, existem duas posições diametralmente opostas sobre ação coletiva
passiva:
✓ 1ª corrente (DINAMARCO): não existe ação coletiva passiva, por ausência de previsão
legal. O art. 5º LACP só trata dos legitimados ativos, enquanto não há essa previsão para a
ação coletiva passiva.
✓ 2ª corrente (majoritária – GRINOVER, DIDIER): existe ação coletiva passiva, pois a
prática tem demonstrado que há situações em que a coletividade deve ser acionada (Ex.: em
caso de greve, a representação da coletividade passiva é do sindicato ou da associação ).
Ademais, a sua existência decorre de uma interpretação sistemática, dispensando previsão
expressa:
a) o art. 5º, §2º da Lei 7.347/85 (LACP) permite o ingresso do Poder Público e das
associações como litisconsortes de “qualquer das partes”, o que abrange a passiva.
b) o art. 83 do CDC determina que para a defesa dos direitos coletivos são admissíveis
todas as espécies de ações capazes a propiciar a adequada e efetiva tutela, o que inclui a
ação rescisória proposta pelo réu da ação coletiva originária, os embargos à execução
coletiva ou o mandado de segurança impetrado pelo réu da ação coletiva contra ato
judicial.

A grande dificuldade é apenas identificar o representante da coletividade ré (deve ser


analisada casuisticamente, devendo recair preferencialmente sobre sindicatos e associações de
classe).

b) Quanto ao objeto:
- processo coletivo ESPECIAL: são os processos das ações de controle abstrato de
constitucionalidade (ADI, ADC, ADPF).
- processo coletivo COMUM: o processo coletivo comum é composto por todas as ações para
a tutela dos interesses e direitos metaindividuais não relacionados ao controle abstrato d e
constitucionalidade. São elas:
✓ Ação popular – Tem previsão na Lei 4.717/65.
✓ Ação civil pública – Tem previsão da Lei 7.347/85.
✓ Ação coletiva (?) – Alguns autores (ex: Mazzilli) sustentam que ação coletiva é algo
diverso da ação civil pública, servindo à tutela dos interesses individuais homogêneos.
Para eles, a ação coletiva é a que tem previsão no CDC, enquanto a ação civil publica
seria a prevista na Lei 7.347/85. Na prática, os regimes da ação coletiva e da ação civil
pública são idênticos.
✓ Ação de improbidade administrativa (?) – O STJ e alguns autores sustentam que a
improbidade administrativa é uma espécie de ação civil pública. Para outros autores,
são ações distintas, pois possuem legitimidade, objeto, regime de coisa julgada e
outros institutos diferentes.
✓ MS coletivo – Tem previsão na Lei 12.016/09.
✓ Mandado de injunção coletivo (?) – Existe a discussão sobre sua criação, mas ele ainda
não foi formalmente criado.
1.6 Princípios do direito processual coletivo

a) Princípio da Aplicação Residual do CPC


O CPC, por seu caráter eminentemente individualista, terá aplicação meramente
residual aos processos coletivos e desde que obedecidas as seguintes regras: (i) no
microssistema de tutela coletiva haja omissão; (ii) a regra processual do CPC seja compat ível
com o processo coletivo, na medida em que não pode comprometer a eficácia da proteção aos
direitos coletivos lato sensu.

b) Princípio da Integratividade do Microssistema Processual Coletivo


O princípio da integratividade indica que o sistema processu al coletivo adota a teoria
do sistema do diálogo das fontes normativas, segundo a qual, visando harmonia e integração,
na aplicação simultânea de duas leis, uma pode servir de base conceitual para outra.
Como cediço, não existe uma lei central que trate do processo coletivo. Por isso, o
sistema processual coletivo brasileiro é uma verdadeira bagunça, havendo contradições,
previsões repetidas etc.
As principais normas de direito coletivo partem do núcleo básico formado pela LACP
+ CDC.
O CDC e a LACP são normas de reenvio, pois o CDC, art. 90, manda aplicar, para tudo
que ele trata, a LACP; e a LACP, em seu art. 21, manda aplicar o CDC em tudo que ela trata.
“Art. 90 do CDC – Aplicam-se às ações previstas neste título as normas do Código de Processo Civil e
da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não
contrariar suas disposições.
Art. 21 da LACP - Aplicam‐se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais,
no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do
Consumidor.

Sobre este núcleo (CDC + LACP), há a comunicação de todas as normas paralelas


(LIA, LAP, ECA, MSC, Estatuto da Cidade, Estatuto do Idoso, Estatuto do Deficiente etc.)
que formam o microssistema processual coletivo, que se interpenetram e se subsidiam.
ATENÇÃO: O CPC não faz parte do sistema integrativo que compõe o diálogo das
fontes, sendo sua aplicação residual. Ex.: prazo de apelação (que não é tratada pelas leis do
microssistema).
c) Princípio da Representatividade Adequada
Diferentemente do sistema norte-americano, em que qualquer pessoa pode propor
ação coletiva, desde que prove judicialmente a adequada representação do grupo, no Brasil, o
legislador optou por estabelecer um rol de legitimados no art. 5º da LACP, os quais são os
únicos que podem demandar coletivamente no Brasil.
Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
I‐ o Ministério Público;
II‐ a Defensoria Pública;
III‐ a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; [Administração Direta]
IV‐ a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; [Administração
Indireta]
V‐ a associação que, concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à
ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico.”

A grande dúvida que há no Brasil é se, sem prejuízo do controle legislativo da


representação (que define quais os legitimados), poderia também o juiz, tanto quanto nos
EUA, fazer o controle judicial, reconhecendo, no caso concreto, a falta de representação
adequada e legitimidade do autor coletivo e considerando-o incapaz de prosseguir na
demanda. Ou seja, é possível, como no sistema norte-americano, que o juiz faça uma
verificação prévia da idoneidade/capacidade do legitimado à ação coletiva?
✓ 1ª posição (NELSON NERY JR.): não é possível o controle judicial da
representação adequada, salvo para as associações, pois há uma presunção ope legis.
A própria LACP estabelece alguns requisitos para as associações (constituição há
pelo menos 1 ano; pertinência temática);
✓ 2ª posição (doutrina majoritária; STF E STJ): é possível o controle judicial
(ope iudicis) da representação adequada, em complemento ao que o legislador já
fez. Haveria, portanto, um controle duplo. Para essa corrente, o controle judicial
recairia sobre o critério da finalidade institucional ou pertinência temática do
autor coletivo (não recairia sobre os critérios norte-americanos). É a corrente
AMPLAMENTE MAJORITÁRIA (STF).
Ex.: o Defensor Público resolve entrar com ação civil pública para discutir a alíquota
do bacalhau norueguês. Para a 1ª posição, o juiz deveria levar a ação adiante; para a 2ª posição,
o juiz deveria intimar alguém para tocar o processo, já que não tem nada a ver com a
finalidade institucional da defensoria (cuja finalidade institucional, prevista no art. 134 da
CF/88 é a defesa do hipossuficiente).

d) Princípio da Não-taxatividade ou Atipicidade da Tutela Coletiva


Por este princípio, o rol das ações coletivas não é taxativo, já que objetiva ampliar ao
acesso à tutela coletiva. Assim, qualquer ação pode ser coletivizada, desde que o objeto seja a
tutela de interesses metaindividuais (pode ser utilizada para a proteção de direitos coletivos).
Essa ideia é, inclusive, anunciada no artigo 83 do CDC: “Para a defesa dos direitos e
interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua
efetiva e adequada tutela.”
É possível, v.g., o ajuizamento de ação possessória coletiva; ação monitória coletiva.

e) Princípio da Ampla Divulgação da Demanda Coletiva e Princípio da Informação aos Órgãos


Competentes
O princípio da ampla divulgação decorre, diretamente, do artigo 94 do CDC, que diz:
“Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no
processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte
dos órgãos de defesa do consumidor.”
A doutrina ressalta que o princípio da ampla divulgação da demanda coletiva visa
possibilitar: (i) que os autores individuais possam requerer a suspensão de seus processos; (ii)
a propositura de uma única demanda coletiva, evitando casos de litispendência e coisa
julgada; (iii) a intervenção de amicus curiae; (iv) a execução individual da sentença coletiva; (v)
o controle da atuação adequada do legitimado extraordinário.
Por outro lado, o princípio da informação aos órgãos competentes decorre dos arts.
6◦ e 7◦ da Lei de Ação Civil Pública, in verbis:
“Art. 6◦. Qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério
Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil e indicando-
lhe os elementos de convicção.
Art. 7◦. Se, no exercício de suas funções, os juízes e tribunais tiverem conhecimento de fatos que
possam ensejar a propositura da ação civil, remeterão peças ao Ministério Público para as
providências cabíveis.”

f) Princípio da Indisponibilidade Temperada ou Mitigada e da Continuidade da Demanda


Coletiva
O princípio da indisponibilidade temperada ou mitigada da ação coletiva
estabelece que o objeto do processo coletivo é irrenunciável pelo autor coletivo , isso porque
não lhe pertence, mas sim à coletividade. A consequência prática é que não poderá haver
desistência imotivada da ação coletiva e, se houver, não implicará extinção do processo, mas sim
sucessão processual.
Assim, ao contrário do processo individual, em que a propositura ou não da ação
encontra-se no âmbito da faculdade do indivíduo, no processo coletivo, constatada a lesão a
um direito coletivo lato sensu, a propositura da ação coletiva é uma imposição.
Todavia, essa obrigatoriedade de propositura da ação coletiva deve ser con siderada
temperada ou mitigada, justamente porque o MP deverá fazer um exame de oportunidade e
conveniência quanto ao seu manejo. Se a desistência foi motivada e razoável, o magistrado
poderá homologá-la. Ex.: falência da empresa ré.
Um bom exemplo do princípio da indisponibilidade da ação coletiva encontra-se no
artigo 9◦ da Lei de Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) LACP, citemos:
“Art. 9◦. Se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as diligências, se convencer da
inexistência de fundamento para a propositura da ação civil, promoverá o arquivamento dos
autos do inquérito civil ou das peças informativas, fazendo-o fundamentadamente.
§1◦. Os autos do inquérito civil ou das peças de informação arquivadas serão remetidos, sob pena de
se incorrer em falta grave, no prazo de 3 (três) dias, ao Conselho Superior do Ministério Público.
§2◦. Até que, em sessão do Conselho Superior do Ministério Público, seja homologada ou rejeitada a
promoção de arquivamento, poderão as associações legitimadas apresentar razões escritas ou
documentos, que serão juntados aos autos do inquérito ou anexados às peças de informação.
§3◦. A promoção de arquivamento será submetida a exame e deliberação do Conselho Superior do
Ministério Público, conforme dispuser o seu regimento.
§4◦. Deixando o Conselho Superior de homologar a promoção de arquivamento, designará, desde
logo, outro órgão do Ministério Público para o ajuizamento da ação. ”
Tal princípio aplica-se não só ao Ministério Público, mas também às defensorias
públicas e à advocacia pública, pois estes também são essenciais à Justiça e incumbindo-lhes
igualmente velar pelos direitos coletivos em sentido lato.
Por sua vez, o princípio da continuidade da demanda coletiva encontra-se
positivado no §3◦ do artigo 5◦ da Lei de Ação Civil Pública (Lei 7.347/85): “Art. 5◦. (...)§3◦. Em
caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro
legitimado assumirá a titularidade ativa.”
Sobre o dispositivo, duas observações: (i) não se trata de abandono da demanda
coletiva apenas por associação, mas por qualquer legitimado; (ii) a continuidade também é
temperada, pois não pode obrigar o Ministério Público ou outro legitimado extraordinário a
dar prosseguimento a uma demanda infundada.

g) Princípio da Indisponibilidade Absoluta da Execução da Sentença Coletiva


Esse princípio decorre, primordialmente, do artigo 15 da Lei de Ação Civil Pública e
art. 16 da Lei da Ação Popular, que rezam:
“Art. 15, LACP - Decorridos 60 (sessenta) dias do trânsito em julgado da sentença condenatória,
sem que a associação autora lhe promova a execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada
igual iniciativa aos demais legitimados.”
“Art. 16, LAP - Caso decorridos 60 (sessenta) dias da publicação da sentença condenatória de
segunda instância, sem que o autor ou terceiro promova a respectiva execução, o representante do
Ministério Público a PROMOVERÁ nos 30 (trinta) dias seguintes, sob pena de falta grave .”

Este princípio objetiva evitar a corrupção entre o condenado e o representante


coletivo. Na omissão de autor da ação coletiva ou de qualquer legitimado, o legislador deixa
claro que a execução é obrigatória para o MP.
Diferentemente do primeiro princípio, que é mitigado, a indisponibilidade da
execução é absoluta, não admitindo exceção.

h) Princípio da Extensão Subjetiva da Coisa Julgada “Secundum eventum litis” e do Transporte in


utilibus
A decisão do processo coletivo se estende erga omnes ou ultra parts apenas para
beneficiar (sentença de procedência) os membros da coletividade, e não para os prejudicar.
Dessa forma, a decisão coletiva contrária não vincula o indivíduo, que poderá ajuizar
sua própria ação individual posteriormente. Isso ocorre porque o legitimado extraor dinário
coletivo não pede autorização dos titulares dos direitos metaindividuais antes de propor a
ação coletiva. Logo, se um indivíduo determinado não pediu a ninguém para defender algo que
também é seu, não poderá a sentença prejudicá-lo.
Por outro lado, poderá o indivíduo, em caso de sentença de procedência da demanda
coletiva, transportá-la para uma ação individual caso comprove a origem no mesmo fato
(transporte in utilibus).

i) Princípio da Intervenção Obrigatória do Ministério Público


Esse princípio decorre do artigo 5◦, §1◦ da Lei de Ação Civil Pública, que reza: “Art. 5◦.
(...) §1◦. O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da
lei.”
Assim, a intervenção do Ministério Público em uma demanda coletiva se dá de duas
formas: na qualidade de autor e na qualidade de custos legis.

j) Princípio do Interesse Jurisdicional no Conhecimento do Mérito do Processo Coletivo


De acordo com esse princípio, visto por alguns como um subprincípio da
instrumentalidade das formas, deve o juiz flexibilizar ao máximo as regras sobre a
admissibilidade da ação a bem da análise do mérito do pedido.
Este princípio não tem previsão legal expressa, decorrendo do sistema processual
coletivo e da circunstância de este atender ao interesse público primário. No processo
coletivo, por ele interessar a um grande número de pessoas, o Estado tem interesse em
resolver o conflito. Por conta disso, o magistrado deve evitar, ao máximo possível, a extinção
do processo sem apreciação do mérito.
Exemplificando, se, no curso de uma ação popular, cuja legitimidade é do cidadão, o
autor tiver seus direitos políticos suspensos, o juiz não pode extinguir a ação por
ilegitimidade do autor, devendo publicar editais para que qualquer cidadão assuma esta
legitimidade. E se nenhum cidadão se interessa, o Ministério Público pode assumir esta
titularidade.
Atenção: com o novo CPC, tal princípio passou a ser previsto expressamente, sendo
aplicável também a processo individual (art. 4º do NCPC: “Art. 4º - As partes têm o direito de obter
em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa” – princípio da primazia
da tutela específica).

k) Princípio do Ativismo Judicial ou da Máxima Efetividade do Processo Coletivo


Trata-se de mais um princípio implícito. Consiste no poder de o juiz flexibilizar as
regras processuais e procedimentais a bem da tutela coletiva. Com efeito, o juiz, no processo
coletivo, tem poderes mais acentuados do que o juiz de um processo individual. Isso decorre
de algo que está no direito norte-mericano, denominado defining function, que significa a
“função de definidor” (aumento dos poderes do magistrado).
O juiz tem mais poderes na condução e na solução do processo. Assim, graças a este
princípio, o juiz pode agir de 5 formas (que não pode manejar no processo comum):
a) Poderes instrutórios mais acentuados: o juiz, no processo coletivo, deve suprir lacunas
probatórias, através da determinação da produção de provas de ofício;
b) Flexibilização procedimental: graças à defining function¸ o magistrado pode, no processo
coletivo, flexibilizar as regras procedimentais, através da alteração da ordem dos atos
processuais e/ou ampliação de prazos.
Exemplos:
1) se, na sentença, o magistrado percebe que não foi citado um litisconsorte necessário, em
regra, extingue o processo sem julgamento do mérito (ilegitimidade de parte). No processo
coletivo, todavia, o magistrado deverá fazer uma alteração na ordem dos atos, determinando a
citação da parte faltante, a quem será ofertado o contrad itório/ampla defesa, coma
possibilidade de produção de provas. A ideia é evitar a extinção do processo sem julgamento
do mérito.
2) aumento do prazo para manifestação sobre perícia ambiental (que é enorme).

c) Possibilidade de alteração dos elementos da demanda: no processo coletivo, o magistrado


pode permitir a alteração dos elementos da demanda mesmo fora dos prazos do art. 329 do
NCPC (após citação e após o saneamento).

d) Possibilidade de controle pelo Judiciário das políticas públicas: O STF e o STJ têm
permitido, em situações de extrema necessidade, a implementação de políticas públicas
definidas pela Constituição mediante intervenção do próprio Poder Judiciário, sempre que os
órgãos estatais competentes descumprirem os encargos políticos-jurídicos, de modo a
comprometer, com sua omissão, a eficácia e integridade de direitos sociais e culturais
impregnados de estatura constitucional.
0

UNIDADE 2 - Estudos sobre Direitos Coletivos: direitos difusos. Direitos coletivos.


Direitos individuais homogêneos.

2.1 Objeto do processo coletivo

De acordo com o parágrafo único do art. 81 do CDC, a tutela coletiva recairá sobre os
direitos ou interesses difusos, coletivos, e individuais homogêneos, in verbis:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das


vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título
coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar
de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste
código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam
titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos
deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja
titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a
parte contrária por uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim
entendidos os decorrentes de origem comum. (grifo nosso)

Em outras palavras, o objeto do processo coletivo são os chamados interesses ou direitos


coletivos ‘lato sensu’. Mas qual a diferença entre direitos e interesses?
Interesses - é gênero. São as pretensões não tuteladas por norma jurídica expressa.
Direitos - São pretensões tuteladas pela norma jurídica expressa. Por conta disso, são
mais consolidados.
Porém, tal distinção é meramente acadêmica, sem relevância prática, pois a doutrina
amplamente majoritária reconhece que o CDC não fez distinção entre as duas expressões.
Todavia, Barbosa Moreira (apud Mazzilli) defende que, na verdade, o objeto do
processo coletivo são os interesses ou direitos meta/trans ou paraindividuais, os quais estão
“situados numa posição intermediária entre o interesse público e o interesse privado”.
2.2 Classificação dos direitos ou interesses trans ou metaindividuais (sg. Barbosa
Moreira)

Segundo Barbosa Moreira, os interesses/direitos metaindividuais dividem-se em 2


grupos:

- Os direitos/interesses naturalmente coletivos: caracterizados pela INDIVISIBILIDADE do


objeto. Neste caso, o bem tutelado não pode ser partilhado entre os titulares (ou todo mundo
ganha ou todo mundo perde). Ex.: meio ambiente é um bem naturalmente coletivo porque não
é possível despoluir o rio para uma única pessoa; patrimônio público.
Esses interesses/direitos naturalmente coletivos, para o referido autor, podem ser
divididos em outros dois grupos: os direitos difusos e os direitos coletivos em sentido estrito,
cuja distinção faremos em momento oportuno.

- Os direitos/interesses acidentalmente coletivos: caracterizados pela DIVISIBILIDADE de


seu objeto. Assim, uma parte de seus titulares pode ter direito e outra parte não. Enquadram,
nesse grupo, portanto, os direitos ou interesses individuais homogêneos.
Na realidade, tais direitos são individuais, pois cada pessoa tem interesse/direito
próprio a uma tutela jurídica una e individual. A questão é que, em razão do grande número
de titulares desses interesses, eles acabam sendo homogeneizados. A lei dá tratamento
coletivo para a defesa de um interesse que é individual (daí o nome “direito individual
homogêneo”). Exemplos: 1) quando um produto está com defeito, muitos são os consumidores
titulares do direito ao recall; 2) aquele do litro do leite, que, na realidade, contém 900 ml.
Ninguém acionará a empresa para cobrar apenas alguns mililitros de leite (isso seria
antieconômico); contudo, um legitimado coletivo pode defender todos.
São 5 os fundamentos ou razões que justificam a tutela coletiva de pretensões que
são individuais:
- molecularização dos conflitos (ações menores repetidas);
- economia processual (redução de custos para o Judiciário e para as partes);
- evitar decisões contraditórias pelo tratamento uniforme do conflito;
- aumento do acesso à Justiça: permitindo que direitos individuais economicamente
desinteressantes sejam tutelados.

Vale registrar que para vários autores tais direitos ou interesses acidentalmente
coletivos não são metaindividuais, porque não transcendem os limites do indivíduo.

2.3 Diferenças entre os direitos difusos, coletivos em sentido estrito e individuais


homogêneos

Interesse/ DIFUSOS COLETIVOS EM INDIVIDUAIS


direito SENTIDO ESTRITO HOMOGÊNEOS
indeterminados e indeterminados, mas Indeterminados, mas
Titularidade INDETERMINÁVEIS DETERMINÁVEIS por determináveis só na fase
(número indefinido de grupo, categoria (logo no da liquidação/ execução1
titulares) início da ação)
Nulidade de cláusula de
Meio ambiente; contrato de adesão; Acidente aéreo; expurgos
Exemplos patrimônio público; mensalidades escolares (S. inflacionários; lesão ao
moralidade admistrativa; 643, STF); questões consumidor; recall de
propaganda enganosa. envolvendo direitos veículo com defeito.
trabalhistas, sindicatos e
entidades de classe.
Não há relação jurídica
entre os titulares. Os Há uma relação jurídica Não há relação jurídica entre
Relação sujeitos são ligados entre base entre os titulares, os os titulares, mas há uma
entre os si por circunstâncias de quais estão ligados entre pretensão de origem comum
titulares
fato extremamente si ou com a parte contrária (deriva do mesmo fato)
mutáveis. por circunstâncias
Ex.: morar na mesma jurídicas relativamente
cidade, beber água no estáveis.
mesmo rio.

1 Na ação coletiva, cujo pedido é a tutela de um direito individual homogêneo, não há necessidade de, no seu
início, identificar os seus titulares nem a extensão dos danos, sendo a sentença proferida de forma genérica e a
coisa julgada com efeitos erga omnes. Porém, no momento da liquidação e da execução, os mesmos devem ser
identificados para que recebam suas respectivas indenizações, de acordo com os danos suportados
individualmente. Caso, transcorra o prazo de 1 ano, não havendo a referida identificação ou habilitação em
número compatível com a gravidade da lesão, poderá o MP ou qualquer co -legitimado promover a liquidação e
execução coletiva da indenização, a qual irá para o Fundo de Direitos Difusos.
Alta conflituosidade
interna: dentro do grupo Há uma baixa Não há conflituosidade
Nível de que é titular deste direito conflituosidade interna, interna, porque os interesses
Conflituosid existem as mais diversas sendo eficiente a mediação são individuais, que, por
a- de interna opiniões/posicionamentos dos conflitos. questão de política
. Justamente por isso, legislativa, podem ser
conforme aponta Mazzilli, tutelados coletivamente,
se mostram ineficientes os fazendo com que o direito
procedimentos e a individual padronizado
estrutura que (ações repetitivas) ou
normalmente se prestam à antieconômico receba
mediação dos conflitos. tratamento coletivo.
Alta abstração: os
Nível interesses difusos existem Os direitos são de menor Mínima, pois são direitos
de muito mais no plano abstração (são mais reais, concretos.
Abstra- hipotético do que no concretos).
ção plano real.

2.4 Considerações finais sobre o objeto do processo coletivo

Na prática, o mesmo fato pode dar ensejo a ações coletivas para proteger todos estes
interesses, inclusive por intermédio da cumulação de pedidos em uma única ação.
Vale destacar o caso hipotético proposto por Donizetti e Cerqueira, senão
comentemos:
Imagine um fabricante de iogurte que, buscando aumentar suas vendas, divulga,
mediante propaganda televisiva, que seu produto reduz o “colesterol ruim”. Pesquisas
científicas demonstram, porém, que na verdade, o consumo daquele iogurte aumentos os
níveis de colesterol ruim. Três ações judiciais podem ser propostas em decorrência desse fato:
1ª Ação – vários indivíduos buscam indenização pelos danos materiais e morais
sofridos, decorrentes dos gastos efetuados com a compra do produto e o aumento dos níveis
de colesterol.
2ª Ação - entidade legitimada pleiteia indenização pelos danos materiais e morais
sofridos por todos os consumidores que adquiriram aquele produto.
3ª Ação - entidade legitimada que, com base na proteção ao direito à saúde do
consumidor, pleiteia que a fabricante seja condenada a retirar seus produtos do mercado.
CONCLUSÃO: os interesses tutelados são, respectivamente, individuais homogêneos,
coletivos em sentido estrito, e difusos. Ou seja, o direito deve ser identificado no caso
concreto, de acordo com o pedido e com a causa de pedir, pois um mesmo fato pode originar
pretensões difusas, coletivas ou individuais homogêneas.
Assim, o que define qual o direito tutelado é a afirmação feita na inicial e não a
classificação doutrinária (outros exemplos: 1 - propaganda enganosa → se for para tirar do ar,
é difuso; se para indenizar, é individual homogêneo; 2 - numa ACP é possível combater os
aumentos ilegais de mensalidades escolares já aplicados nos contratos dos alunos atuais -
o direito é coletivo; buscar a repetição do indébito – o direito é individual homogêneo; e,
ainda, pedir a proibição de aumentos futuros – trata-se de direito difuso, envolvendo futuros
alunos).
Na verdade, alguns autores não vislumbram diferença entre os difusos e os coletivos
(Dinamarco) e outros, entre os coletivos e os individuais homogêneos (não é a posição
dominante). Mas o importante é saber que há zonas cinzentas, em que realmente não é fácil
afirmar se o direito é difuso, coletivo ou individual homogêneo.
0

UNIDADE 3 - A Legitimidade nas Ações Coletivas

3.1 Natureza Jurídica

A natureza jurídica da legitimidade nas ações coletivas é explicada por 3 teorias:


- legitimidade ordinária;
- legitimidade extraordinária; e
- legitimidade autônoma.

A primeira corrente, representada por Kazuo Watanabe, defende a legitimidade


ordinária de entidades civis na defesa de direitos superindividuais, ligados aos fins
associativos (as chamadas “formações sociais” pelo direito italiano), em interpretação
ampliativa ao art. 17 do NCPC. Ou seja, agem em defesa de seus objetivos institucionais como
titulares do próprio direito alegado. Tal corrente não prosperou , pois que a sua adoção
resultaria em sempre se perquirir sobre as finalidades estatutárias, em constante análise de
pertinência temática, o que reduziria a participação e aplicação das ações coletivas.
Já segunda corrente, defendida por Arruda Alvim, Barbosa Moreira, Didier e Zanetti
Jr. entre outros, entende tratar-se de legitimidade extraordinária, visto que o autor coletivo
vai a juízo em nome próprio defender direito de outrem, ou seja, defender o direito
metaindividual que é titularizado pela coletividade, caso em que atua como verdadeiro
substituto processual.
Por fim, a terceira corrente, de origem alemã e tendo, no Brasil, como principal
representante Nelson Nery Jr, pugna pela atuação de entes exclusivamente legitimados na
condução do processo, diversos daqueles titulares do direito posto em juízo, os quais não
podem fazer valer diretamente seus direitos subjetivos coletivos, tampouco intervir no
processo2. É o que se extrai da leitura dos arts. 81 e 82 do CDC, onde os entes ali legitimados
para conduzir o processo não são os titulares dos direitos coletivos lato sensu, e só eles
possuem tal legitimidade.
Tal corrente também não ficou imune a críticas: a principal dificuldade por ela
apresentada é que os efeitos da litispendência e da coisa julgada não se comunicarão aos
substituídos, já que a legitimidade é exclusiva e autônoma do substituto. Todavia, prevend o
esta situação, o sistema do CDC trouxe uma solução nos seus arts. 103 e 104.

2 Exceto, no caso dos direitos individuais homogêneos, em que o indivíduo pode intervir como assistente
litisconsorcial.
3.2 Características

Parece-nos que a corrente adotada para legitimidade nas ações coletivas é que a da
legitimação por substituição processual, com as seguintes características:

- autônoma: pois o legitimado extraordinário está autorizado a conduzir o processo


independentemente do titular do direito litigioso, ou seja, independente da autorização da
coletividade titular do direito metaindividual.

- exclusiva: pois APENAS o legitimado extraordinário está autorizado a propor a ação


coletiva na defesa dos direitos coletivos lato sensu.

- concorrente: pois há mais de um legitimado extraordinário à propositura da ação coletiva e


qualquer um deles, sem ordem de preferência, pode propor a ação coletiva.

- disjuntiva: pois, apesar de concorrente, cada um dos legitimados atua independentemente


da vontade e da autorização dos demais co-legitimados.

3.3 Legitimidade ativa

O rol dos legitimados coletivos ativos encontra-se, basicamente, nos artigos 5º da Lei
de Ação Civil Pública e art. 82 do CDC, in verbis:

LACP, art. 5º. Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
I – o Ministério Público;
II – a Defensoria Pública;
III – a união, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;
V – a associação que, concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao
consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico.

CDC, art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:
I – o Ministério Público;
II – a união, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;
III – as entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem
personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direi tos
protegidos por este Código;
IV – as associações legalmente constituídas há pelo menos 1 (um) ano e que incluam entre
sues fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código,
dispensada a autorização assemblear.

3.3.1 Legitimidade do Ministério Público

É da Constituição Federal que se extrai, primordialmente, a legitimidade do


Ministério Público para a propositura de ações coletivas.

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicion al do


Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis.

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:


(...)
III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

Uma das grandes polêmicas quanto à legitimidade do Ministério Público é no caso


da defesa de direitos individuais homogêneos (os acidentalmente coletivos), uma vez que eles
são direitos patrimoniais disponíveis pertencentes a titulares individuais.
Para tanto, surgiram 3 posições doutrinárias tentando enfrentar tal questão, a saber:
a) Teoria restritiva: entende que o M.P. não tem legitimidade para a defesa de direitos
individuais homogêneos, ainda que o mesmo apresente um interesse social.
b) Teoria ampliativa: considera que toda e qualquer ação coletiva, justamente por ser coletiva,
tem presente o requisito do interesse social, que seria, portanto, in re ipsa (presumida), donde se
incluem as ações cujo direito protegido seja o individual homogêneo.
c) Teoria mista: entende nem sempre o interesse social se encontra presente numa ação em que
se veiculam direitos ou interesses individuais homogêneos; PORÉM, nos casos em que ele se
fizer presente, aliado ao fato de se envolver um grande número de direitos individuais lesados,
a legitimação do M.P. é inafastável. Trata-se da corrente majoritária, adotada tanto pela
doutrina quanto pela jurisprudência3.
Outra questão polêmica relacionada à legitimidade do MP é no caso da impetração
do MS coletivo, vez que tanto a CF quanto a Lei n. 12.016/09 omitem tal condição. Todavia, a
doutrina tem firmado entendimento segundo o qual o membro ministerial tem sim tal
legitimidade, malgrado a omissão legal, por dois motivos:
1) a omissão na lei do MS deve ser preenchida pelas diversas leis pertencentes ao
microssistema do processo coletivo, que, em nome do diálogo das fontes normativas,
estabelecem exaustivamente a legitimidade do MP para as ações coletivas em geral;
2) se é possível ao MP lançar mão de qualquer ação, nas vias ordinárias, para promover a
tutela dos direitos coletivos, não há qualquer óbice também fazê-lo pela via do mandamus, mais
célere e concentrada, caso detenha uma prova pré-constituída dos fatos alegados, em
aplicação ao art. 83 do CDC, que estabelece o princípio da atipicidade da tutela coletiva.

3.3.2 Legitimidade da Defensoria Pública

A Defensoria Pública não detinha legitimidade ampla e expressa para propor ação
coletiva, quadro que mudou com a edição da Lei 11.448/2007, que inseriu a defensoria no rol
dos legitimados extraordinários do artigo 5º da Lei de Ação Civil Pública.
Antes disso, só se conhecia duas situações nas quais a Defensoria Pública poderia
atuar: 1) representando judicialmente uma associação economicamente hipossuficiente em
ação civil pública para coibir danos ambientais; 2) por força do art. 82, III, do CDC, o órgão da
Defensoria Pública, desprovido de personalidade jurídica, teria legitimidade para promover
ação coletiva na defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos (detalhe: para
além do direito do consumidor, em nome da interação das leis no microssistema da tutela
coletiva).
Todavia, a questão que mais se debate, atualmente, sobre a atuação da defensoria em
sede coletiva é a seguinte: teria ela legitimidade ativa apenas nos caos em que a coletividade
fosse composta de pessoas hipossuficientes economicamente?
A questão é bastante controvertida, mas a posição dominante defende que basta a
existência de algumas pessoas hipossuficientes ou necessitados para que já se justifique a

3
Todavia, a jurisprudência dos tribunais superiores já fixou entendimento que o M.P. não tem legitimidade para
a tutela de direitos individuais homogêneos em matéria tributária e previdenciária.
atuação da Defensoria Pública, não havendo necessidade de todos os integrantes sejam
necessitados. Didier e Zaneti Jr. (pág. 219) bem explicam a questão:

Para que a Defensoria seja considerada como “legitimada adequada” para conduzir o
processo coletivo, é preciso que seja demonstrado o nexo entre a demanda coletiva e o
interesse da coletividade composta por pessoas “necessitadas”, conforme locução
tradicional. Assim, por exemplo, não poderia a Defensoria Pública promover ação coletiva
para a tutela de direitos de um grupo de consumidores de PlayStation III ou de Marcedes
Benz. Não é necessário, porém, que a coletividade seja composta exclusivamente por pessoas
necessitadas. Se fosse assim, praticamente estaria excluída a legitimação da Defensoria para
a tutela de direitos difusos, que pertencem a uma coletividade de pessoas indeterminadas.

3.3.3 Legitimidade dos entes pertencentes à Administração Pública Direta e Indireta

Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta, dotados de


personalidade jurídica, possuem legitimidade ativa para a propositura da ação coletiva.
Precisam, porém, demonstrar a pertinência temática de sua atuação.
Por outro lado, vale destacar também que os órgãos da administração pública
possuem legitimidade ativa, ainda que desprovidos de personalidade jurídica própria,
conforme se extrai do artigo 82, III, do CDC.

Art. 82. (...)


III – as entidades e órgãos da administração direta ou indireta, ainda que sem personalidade
jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este
Código.

A disposição legal citada destina-se a propiciar que órgãos como o PROCON possam
igualmente propor ações coletivas.

3.3.4 Legitimidade das Associações

Em interpretação extensiva ao art. 5º da LACP e ao art. 82 do CDC, deve-se entender


por associação qualquer outra forma de associativismo, tais como sindicatos, entidades de
classe, cooperativas e partidos políticos, DESDE QUE:
a) tenham sido constituídas há pelo menos 1 (um) ano, requisito que poderá ser dispensado
pelo juiz, em casos excepcionais, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela
dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico protegido;
b) inclua a associação, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao
consumidor, a ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico. Ou seja, deve-se demonstrar a pertinência temática entre o
direito por ela protegido e suas finalidades institucionais, assunto cuja análise se passará a
partir de agora.

3.4 Pertinência Temática

Como se viu, o processo coletivo brasileiro adotou um regime de legitimidade


extraordinária em que os substitutos processuais são indicados prévia e abstratamente pela
lei, daí a se dizer que se trata de uma legitimidade ope legis.
Também já se viu que o sistema brasileiro, nesse ponto, distancia-se do norte-
americano, no qual a legitimidade do autor coletivo, lá denominada “adequacy of representation”
ou “representação adequada” é feita caso a caso.
Ocorre que a prática das ações coletivas no Brasil tem revelado que a jurisprudência e
a doutrina não têm aplicado o sistema de legitimidade ativa ope legis de maneira, por assim
dizer, pura e automática. Ao contrário, têm exigido que entre o substituto processual e
matéria discutida em juízo haja um liame, uma ligação por afinidade, notadamente com as
finalidades institucionais do Autor da ação coletiva.
E não só doutrina e jurisprudência colocam em relevo esse liame: a lei também o faz,
bastando ver que a LACP, em seu artigo 5º., V, “b”, quando trata da legitimidade das
associações, exige que esteja incluído, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao
meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
A essa conexão entre as finalidades institucionais do legitimado extraordinário e a
matéria discutida na ação coletiva dá-se o nome de pertinência temática.
Cumpre destacar que a pertinência temática e a representação adequada são conceitos que
não se confundem, pois que este é mais abrangente que aquele. Em outras palavras, a falta de
pertinência temática fará com que o autor coletivo não seja considerado um representante adequado,
a comprometer a sua legitimidade ativa para atuar naquela específica ação coletiva.
Com razão, nesse ponto, Fredie Didier e Zaneti Jr. (pág. 213), quando pontuam que a
legitimidade ativa, no processo coletivo, deve ser aferida em dois momentos: primeiro,
abstratamente, quando se deve verificar se o autor coletivo é um daqueles que a lei aponta
como legitimado extraordinário; segundo, verificada essa legitimidade em tese, deverá o órgão
julgador analisá-la em concreto, investigando a pertinência temática da atuação daquele
legitimado em relação ao direito coletivo discutido em juízo.
Na prática, portanto, o que se percebe é que o processo coletivo brasileiro acaba por
adotar um sistema híbrido de aferição de legitimidade, pois que, além da prévia autorização legal
para a propositura da ação coletiva (legitimação ope legis), deve o autor demonstrar a pertinência
temática da sua atuação, de modo a ser considerado, no caso concreto, um representante adequado.

3.5 Legitimidade Passiva nas Ações Coletivas

Há ação coletiva passiva quando se formula uma demanda contra uma coletividade.
Dessa forma, conclui-se que, assim como uma coletividade pode ser titular de um direito,
pode também estar em situação de sujeição ao direito do autor. Exemplos:
a) litígios coletivos trabalhistas, em que em cada um dos pólos se encontra o sindicato
(representante adequado) das respectivas categorias – empregados e empregadores.
b) ação proposta em face de categoria de servidores públicos, em casos de greve, com a
pretensão de voltem ao trabalho. Noticia-se que a ação pioneira ocorreu em 2004, quando a
categoria dos policiais federais entrou em greve. Naquela oportunidade, a União ingressou
com ação em face da Federação Nacional dos Policiais Federais e o Sindicato dos Policiais
Federais do Distrito Federal, pleiteando o retorno das atividades;
c) caso de uma empresa que ingressa com ação a fim de ver declarado que seu projeto é
ambientalmente correto, ou ação proposta por empresa que se vale de contratos de adesão, a
fim de ver declarada a legalidade das cláusulas desse mesmo contrato.

Certo é que o conceito de representatividade adequada nas ações coletivas passivas


ganha maior importância, na medida em que só é aceitável que demanda tal seja proposta em
face daquele legitimado passivo que efetivamente seja o representante adequado daquela
categoria.
A doutrina subdivide as ações coletivas passivas em originárias ou derivadas. Serão
originárias quando surgem sem que lhes preceda uma demanda coletiva ativa; são derivadas
quando surgem em decorrência de uma ação coletiva ativa, tal como ocorre com a ação
rescisória de sentença proferida em ação coletiva ativa; ou na reconvenção em ação coletiva,
em que o réu-reconvinte demanda em face da coletividade-reconvindo.
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UNIDADE 4 – A Competência nas Ações Coletivas

4.1 Noções Introdutórias

De acordo com o art. 16 do NCPC, “a jurisdição civil é exercida pelos juízes e pelos tribunais
em todo território nacional, conforme as disposições deste código”. Ou seja, todo juiz é dotado de
JURISDIÇÃO, de poder jurisdicional.
Entretanto, pela impossibilidade física de os juízes exercerem tal poder em todo
território nacional, é que o ordenamento jurídico previu uma distribuição, uma repartição
desse poder entre todos os juízes que compõe o Poder Judiciário.
A essa distribuição ou repartição do Poder Jurisdicional é que se denomina
COMPETÊNCIA. Assim, competência é a medida da jurisdição; é a quantidade de poder
atribuído a determinado órgão judicial; é a delimitação da jurisdição.
A Constituição Federal de 1988 já faz a grande 1º distribuição de competência ao
dividir o Judiciário em 5 “Justiças”: Justiça Estadual, Justiça Federal, Justiça do Trabalho,
Justiça Militar, Justiça Eleitoral, a depender da causa, ou seja, da natureza do litígio (da
matéria).
Por darem solução a litígios específicos, as três últimas pertencem à chamada Justiça
Especial. Por exclusão, às 2 primeiras, a saber, à Justiça Estadual e à Justiça Federal, caberá a
solução de litígios comuns, ou seja, que não sejam trabalhista, eleitoral ou militar. Em virtude
disso, são conhecidas por Justiça comum, as quais, por possuirem vários órgãos jurisdicionais,
a competência será, por fim, distribuída através de quatro critérios, a saber:

- material (absoluta) – considera-se a natureza da relação jurídica controvertida (família,


sucessões, falência e recuperação judicial, consumidor, ambiental etc);
- pessoal (absoluta) – é determinada pelas partes envolvidas (Justiça Federal - art. 109, C.F;
Varas da Fazenda Pública etc);
- funcional (absoluta) – funções do magistrado no processo (competência originária ou
recursal; competência em ações acessórias – art. 61, NCPC);
- territorial (relativa/absoluta): leva em conta o local ou o foro (comarca/seção judiciária)
onde a ação poderá ou deverá ser ajuizada com vistas a trazer maior facilidade para as partes
ou para o processo (no NCPC, as regras de competência territorial estão previstas entre os
arts. 46 e 53);
- valor da causa (relativa/absoluta) – está diretamente ligado à competência dos Juizados
Especiais Cíveis (até 40 salários mínimos) e dos Juizados Especiais Federais e da Fazenda
Pública (até 60 salários mínimos).

4.2 A Competência no Processo Coletivo

4.2.1 Critério material

a) Justiça Eleitoral (art. 121, CF): em princípio, caberá ação coletiva na Justiça Eleitoral, desde
que a causa de pedir for os assuntos relacionados no art. 121 da CF.

b) Justiça Do Trabalho (art. 114, CF): é perfeitamente cabível ação coletiva na Justiça do
Trabalho. Basta ler a Súmula 736 do STF: “Compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham
como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos
trabalhadores.”
Exemplo comum: ACP proposta pelo MPT, para a defesa de interesses coletivos,
quando desrespeitados direitos sociais. Até mesmo para a defesa de direitos individuais
homogêneos, desde que haja relevante interesse social, é também cabível ação civil pública
pelo MPT perante a Justiça do Trabalho.
Outro exemplo: ações de nulidade de cláusula de contrato coletivo ou convenção
coletiva.

c) Justiça Federal: aqui, adota-se predominantemente o critério do interesse direto e imediato


da União, e não o critério da natureza do bem disputado (independe se o bem é da União, do
Estado, do DF ou do Município). E mais: de acordo com a Súmula 150 do STJ, “Compete à Justiça
Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas
autarquias ou empresas públicas.”, e não à Justiça Estadual.
Observação importante: A Súmula 183/STJ estabelecia uma hipótese de delegação
de competência ao afirmar que: “compete ao Juiz Estadual, nas Comarcas que não sejam sede
de vara da Justiça Federal, processar e julgar ação civil pública, ainda que a União figure no
processo”. Ocorre que, em 2000, o STJ cancelou a Súmula.
d) Justiça Estadual: desde que não seja de interesse da União e das demais entidades previstas
no art. 109 da CF, a competência para a ação coletiva será da Justiça Estadual, reiterando -se o
fato de que não cabe a esta decidir acerca se há ou não interesse da União, suas autarquias ou
empresas públicas.

4.2.2 Critério funcional

A regra geral é que a ação coletiva é de competência originária do juízo de 1º grau, e


não de tribunal, de acordo com a origem do ato imputado, independentemente de quem seja a
autoridade impugnada.
Houve uma tentativa legislativa de se criar foro de prerrogativa de função perante
tribunais superiores ou inferiores na ação de improbidade administrativa. Essa tentativa se
deu através da Lei 10.628/02, que alterou a redação do art. 84 do CPP (inserindo-lhe os §§1º e
2º). Todavia, o STF, no julgamento da ADI 2797, declarou inconstitucional essa lei, sob o
fundamento de que só a Constituição pode criar foro privilegiado.

4.2.3 Critério territorial

A regra básica de competência para a Ação Civil Pública (bem como para qualquer
ação coletiva, em prestígio ao princípio da integratividade do microssistema de tutela
coletiva) encontra-se no artigo 2º. da lei 7.347/85, que assim afirma:
Lei 7.347/85
Art. 2º. As ações previstas nesta lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano,
cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.
Parágrafo único. A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações
posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto.

Apesar de a lei falar em competência funcional (doutrina chiovendiana – segundo a


qual uma causa é confiada ao juiz de determinado território pelo f ato de ser a ele mais fácil ou
mais eficaz exercer a sua função), a doutrina mais recente tem firmado entendimento de que
se trata de competência territorial absoluta, em moldes bem parecidos com a tradicional
regra do artigo 47 do NCPC.
Todavia, a LACP não cuida das situações em que o dano é regional ou nacional,
ficando tal resposta a cargo do CDC, em seu artigo 93, in verbis:
Código de Defesa do Consumidor:
Art. 93. Ressalvada a competência da justiça federal, é competente para a causa a justiça
local:
I – no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;
II – no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito
nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de
competência concorrente.

Da leitura do dispositivo supra, pode-se, portanto, resumir assim as regras da


competência territorial nas ações coletivas:

• se o dano for local: a competência é do juízo do local do dano. Pode ocorrer, porém, de o
dano ocorrer em mais de uma localidade (município). Em tais casos, o foro de qualquer dessas
localidades é competente para a ação coletiva (um caso excepcional de competência
territorial absoluta concorrente) e, sendo a demanda proposta no foro de qualquer deles, este
se tornará prevento para quaisquer outras demandas que tenham a mesma causa de pedir ou
pedido, conforme dispõe o parágrafo único do artigo 2º da LACP.

• se o dano for regional (estadual): o foro é o da capital do Estado (para Mazzilli e Ada
Pellegrini Grinover, a ação também poderia ser proposta no Distrito Federal,
alternativamente).

• se o dano for nacional: possuem competência concorrente alternativa os foros do Distrito


Federal e da capital de quaisquer dos Estados envolvidos (STJ).

Um grande problema é que o art. 93 do CDC não define o que é dano regional e o que
é dano nacional, o que causa alta dose de insegurança quando se deve definir, no caso
concreto, o juízo competente para uma ação coletiva. Ex: dano atinge 3 grandes comarcas do
Estado de Goiás (esse dano é regional ou local?); dano atinge os Estados de GO, TO e BA (é
nacional ou regional?).

4.2.4 Critério valorativo


No âmbito nacional, o critério valorativo só serve hoje para decidir a competência
dos juizados. Com efeito, de acordo com o art. 3º, I da Lei 10.259/01, não cabe ação coletiva nos
juizados (cíveis ou federais).
4.3 Comentário ao Artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública e artigo 2º.-A da Lei 9.494/97

Como já visto, a coletivização dos processos tem por finalidade a obtenção de


economia processual, a garantia de acesso à justiça, a preservação da segurança jurídica,
mediante a prevenção de prolação de decisões judiciais conflitantes etc, evitando , assim, a
propositura de diversas ações substancialmente idênticas, colocando em risco tod os aqueles
objetivos antes mencionados.
Inobstante a isso, polêmicas alterações realizadas nas leis que regem o sistema
processual coletivo brasileiro acabaram por colocar em cheque a própria efetividade da tutela
coletiva. Trata-se das alterações veiculadas pelo artigo 16 da lei 7.347/85 e artigo 2º.- A da lei
9.494/97, assim redigidos:
Lei 7.347/85
Artigo 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes nos limites da competência
territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedent e por insuficiência
de provas, hipótese em que qualquer legitimado pode intentar outra ação com idêntico
fundamento, valendo-se de nova prova.
Lei 9.494/97
Art. 2º.-A. A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade
associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os
substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito de
competência territorial do órgão prolator.

Tais dispositivos, portanto, limitam territorialmente os efeitos das decisões


proferidas em ações coletivas, o que foi veementemente criticado pela doutrina, cujos
argumentos podem ser assim resumidos:

1º) tais alterações são inconstitucionais por ofenderem, primeiramente, o princípio da


razoabilidade, na medida em que imporiam uma restrição absurda e despropositada à eficácia
das decisões das ações coletivas; em segundo lugar, o princípio da igualdade, pois acaba
ensejando a propositura de diversas ações coletivas substancialmente idênticas, com a
consequente prolação, ao menos em tese, de decisões conflitantes; e, por fim, o princípio do
acesso à justiça, pois deixa à margem da proteção jurisdicional coletividades que estejam fora
dos limites de competência territorial do órgão prolator da decisão.
2º) qualquer decisão judicial (donde se incluem as decisões coletivas) tem eficácia além dos
limites territoriais de competência do órgão prolator (Ex: uma sentença de divórcio vale em
qualquer lugar no Brasil);

3º) os direitos coletivos lato sensu são essencialmente indivisíveis (art. 81, parágrafo único do
CDC), razão pela qual seria impossível cindir os efeitos da decisão judicial pelo lugar que foi
proferida, pois a lesão a um interessado implica a lesão a todos, e o proveito a um a todos
beneficia;

4º) e, por fim, o próprio artigo 93 do CDC define a competência para a ação coletiva de acordo
com a extensão do dano. Assim, em caso de dano nacional, por exemplo, o juízo da capital do
Estado ou do Distrito Federal terá, em tese, jurisdição nacional, e os efeitos de sua decisão
atingiriam, naturalmente, todo o Brasil.

Todavia, não obstante tais argumentos, a posição atual dos tribunais, notadamente
do STJ, é pela aplicação literal daqueles dispositivos.
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UNIDADE 5 – CONEXÃO, CONTINÊNCIA E LITISPENDÊNCIA NO PROCESSO


COLETIVO

5.1 A relação entre as demandas (conexidade e litispendência) nos processos individual e


coletivo

No sistema brasileiro, o que define a relação entre demandas é a teoria da tríplice


identidade: partes, causa de pedir e pedido (art. 337, §2º do NCPC). Dessa forma, é possível
que duas demandas possuam elementos em comum, total ou parcialmente.
Se a identidade for total (mesmas partes, causa de pedir e pedido), pode surgir dois
fenômenos: coisa julgada (quando se repete ação que já foi decidida por decisão transitada
em julgado - §4º, art. 337, NCPC) ou litispendência (quando se repete ação que está em curso
- §3º, art. 337, NCPC). No processo individual, verificando qualquer uma delas, o magistrado
determina a EXTINÇÃO do processo sem resolução do mérito (art. 486, V, NCPC).
Por outro lado, se a identidade for meramente parcial, haverá o fenômeno da
conexão (identidade de pedido ou causa de pedir - art. 55, NCPC) ou da continência
(mesmas partes, mesma causa de pedir, mas o pedido de uma ação, por ser mais amplo,
abrange os das outras - art. 56, NCPC). Nestes casos, no processo individual, sendo possível,
o magistrado determinará a REUNIÃO das causas para julgamento em conjunto (art. 55, §1º
e 57, NCPC) ou SUSPENSÃO de uma das causas, se não for possível a reunião (art. 313, V,
NCPC).
Todavia, no processo coletivo o que distingue as ações é a relação jurídica, o direito
material discutido, em adoção à teoria italiana da identidade da relação jurídica material.
Assim, se a União e o Ministério Público ajuízam duas ações coletivas com o mesmo
pedido e a mesma causa de pedir, há litispendência, ainda que os legitimados sejam distintos,
pois, a rigor, a parte autora é a mesma, a saber, a coletividade.
Ademais, os efeitos/consequências das relações entre demandas também são
diversos.
No processo coletivo, quem define as consequências da identidade total ou parcial
da demanda é o SISTEMA, de modo que ele pode dar soluções distintas caso a caso. Ou
seja, nem sempre a identidade total gerará a extinção de uma das ações, nem a identidade
parcial gerará a junção das ações. É possível, até, que a lei determine a suspensão de uma
ação, a depender do tipo de relação entre as demandas.
5.1.1 Relação entre a ação coletiva e ação individual

De acordo com o art. 104 4 do CDC, as ações coletivas não induzem litispendência
para as ações individuais. Isso porque nunca será possível a identidade total entre uma ação
individual e uma ação coletiva, já que as partes (legitimados coletivos) e o pedido (de tutela
de um interesse difuso ou coletivo ou, nos individuais homogêneos, de tutela genérica)
da coletiva são distintos das partes (indivíduo) e dos pedidos (pedido certo) da ação
individual.
Por outro lado, é possível a identidade parcial entre uma ação individual e uma ação
coletiva apenas no que diz respeito à CAUSA DE PEDIR. Neste caso, haverá CONEXÃO, e
não litispendência.
Mas atente: no processo coletivo, ao contrário do que ocorre no processo individual,
a consequência da identidade parcial entre ação coletiva e ação individual não é a reunião
das causas, mas sim a SUSPENSÃO da ação individual. Essa suspensão pode ser facultativa
(requerida pela parte – art. 104, CDC) ou obrigatória judicial (nas ações individuais
multitudinárias).

5.1.2 Relação entre ações coletivas

Já entre as ações coletivas, a identidade entre as ações pode ser:

a) total (litispendência): é plenamente possível a identidade total de elementos entre


duas ações coletivas, embora baste a identidade da relação jurídica material deduzida, ainda
que os legitimados sejam diferentes. Inclusive é possível a litispendência também entre ações
de ritos diferentes (ação civil pública e ação popular), já que a similitude do procedimento é
irrelevante diante da atipicidade da tutela jurisdicional coletiva (que define que qualquer
procedimento pode servir à tutela de um direito coletivo).
Exemplos: 1) é muito comum haver duas ações coletivas idênticas para a proteção do
meio ambiente (uma do MPE e outra do MPF); 2) uma ação popular para impedir a
privatização de uma empresa pública no juízo num Estado e uma ação popular para discutir a
mesma coisa em outro Estado.
Mas qual é a consequência da litispendência em ações coletivas? O tema é

4Embora o dispositivo não aluda às ações envolvendo direitos individuais homogêneos, a rigor, nem mesmo
nestes casos haverá litispendência entre ação coletiva e ação individual.
controvertido:
- 1ª Corrente (Wambier, Antônio Gidi) => EXTINÇÃO da ação repetida, embora a parte da
ação extinta possa ingressar como litisconsorte na ação que remanesceu.
- 2ª Corrente (Ada Grinover) => o caso não é de extinção, mas sim de REUNIÃO para
julgamento conjunto (mesmo efeito da conexão e continência) ou, não sendo isso possível, a
SUSPENSÃO de uma delas. Essa posição é majoritária na doutrina.
b) parcial (conexão/continência): também é possível a identidade parcial entre as ações. A
consequência da conexão/continência será a REUNIÃO das causas para julgamento
simultâneo ou, se não for possível, a SUSPENSÃO.
Obs: Súmula 489, STJ: “Reconhecida a continência, devem ser reunidas na Justiça Federal as
ações civis públicas propostas nesta e na Justiça estadual.”

5.2 Critério para a reunião de demandas coletivas relacionadas (por litispendência ou


por conexão/continência)

Vimos que, quando há duas ações coletivas litispendentes ou conexas/continentes, a


consequência será a reunião delas. E o critério para tanto é o da PREVENÇÃO.
Há três critérios legais para determinar a prevenção: art. 59 do NCPC (quando do
registro ou distribuição da petição inicial); art. 2º da LACP; e art. 5º da LAP (ambos, quando
da propositura da ação). Como essas normas não trazem a definição de quando ocorre a
propositura da ação, aplica-se o art. 312 do NCPC (quando protocolada a petição inicial).
De acordo com a doutrina majoritária, em razão da integratividade do microssistema
coletivo, o critério da propositura prevalece, afastando o critério do CPC (que é subsidiário).

ATENÇÃO: Apesar de estabelecer uma competência territorial absoluta, o art. 2º da LACP,


em seu parágrafo único, traz a possibilidade de modificação de tal competência pela conexão
de ações.
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UNIDADE 6 – LITISCONSÓRCIO E INTERVENÇÃO DE TERCEIROS NO PROCESSO


COLETIVO

6.1 Litisconsórcio: noções gerais

Pode-se conceituar o litisconsórcio como a existência de uma pluralidade de partes,


tanto no pólo ativo, como no pólo passivo, litigando em um mesmo processo. Trata-se de
instituto processual voltado à proteção da uniformidade das decisões judiciais, bem como à
celeridade e economia processual.
Classifica-se da forma seguinte:
(i) Quanto ao pólo: ativo, passivo ou misto (quando se forma em ambos os
pólos da relação jurídica processual);
(ii) Quanto ao momento de formação: originário, quando se forma desde o
início da demanda, e ulterior, quando se forma ao longo desta;
(iii) Quanto à obrigatoriedade de sua formação: necessário, quando a lei ou a
relação jurídica, por indivisível, impuserem a sua formação; ou
facultativo, nos demais casos;
(iv) Quanto ao modo de julgar: simples, quando o juiz puder decidir a lide de
maneira distinta para cada um dos litisconsortes, ou unitário, quando
o magistrado tiver que decidir a lide de maneira uniforme para todos
os litisconsortes.

6.1.1 O Litisconsórcio no Processo Coletivo

Dada a característica da legitimidade no processo coletivo, que é extraordinária (por


substituição processual), concorrente e disjuntiva, torna-se possível a coligação de vários
colegitimados para a propositura da ação coletiva, ou mesmo sua coligação no pólo passivo.
Diferencia-se, porém, do litisconsórcio no plano individual em um ponto relevante:
enquanto no processo individual os litisconsortes são partes em sentido material, defendendo
em juízo cada um o seu direito, no âmbito coletivo a formação do litisconsórcio terá
conotação e estrutura puramente processual, pois que a coletividade substituída por cada um
dos colegitimados é exatamente a mesma.
Trata-se de um litisconsórcio sempre facultativo, exatamente porque a legitimidade é
disjuntiva.
Pode ser originário, quando se forma desde o início da demanda coletiva, ou ulterior,
quando se forma após a propositura da ação. É bem verdade que existe em dou trina certa
divisão quanto à intervenção do colegitimado em momento posterior à propositura da ação
coletiva. Para alguns, trata-se de litisconsórcio ulterior, enquanto para outros, assistência
litisconsorcial, mas isso será visto mais adiante (vide item 5.2.2, letra a)
Ainda segundo a doutrina, trata-se de litisconsórcio unitário, pois que a decisão a ser
proferida deverá ser exatamente a mesma para todos os litisconsortes. Isso porque a decisão
da ação coletiva não é prolatada em razão da parte processual (substituto), mas em razão da
coletividade substituída.

6.1.2 O Litisconsórcio entre Ramos do Ministério Público ou da Defensoria Pública

Dispõe o art. 5°, §5°, da Lei de Ação Civil Pública:

§5°. Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do


Distrito Federal e dos Estados, na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta lei.

Sobre a regra, uma primeira observação importante: entende a doutrina que se deve
aplicar a mesma disposição, por analogia, aos ramos da Defensoria Pública.
A grande e tormentosa questão que se coloca nesses casos é: perante qual justiça
deverá tramitar essa ação: justiça estadual ou justiça federal? Outra: podem os ramos do
Ministério Público demandar perante qualquer justiça?
Trata-se de questão de difícil resolução, notadamente porque a legislação vigente não
fornece respostas. Há duas correntes doutrinárias que enfrentaram essa polêmica:
1ª) defende que cada Ministério Público deve ter sua atuação limitada à “sua justiça”;
2ª) entende que o Ministério Público poderia atuar perante qualquer justiça, desde que a
matéria discutida em juízo seja de sua atribuição.
Destaca-se a segunda corrente doutrinária, tendo em conta os seguintes
fundamentos:
- a delimitação das funções de cada Ministério Público não está constitucionalmente adstrita
a essa ou aquela justiça;
- não pode equiparar o Ministério Público Federal à União, de modo que a sua simples
presença na lide imponha a competência de justiça federal;
- a expressa autorização, contida na lei, para a formação do litisconsórcio entre Ministérios
Públicos já revela a possibilidade de sua atuação perante uma justiça que não lhe seria
correspondente;
- o Ministério Público Estadual não poderia ficar submetido à vontade do Ministério Público
Federal. (Ex: imagine-se um dano causado por um ente público federal: se o Ministério
Público Federal não propusesse a demanda coletiva, o Ministério Público Estadual não
poderia fazê-lo, por não poder pleitear perante a justiça federal).

6.1.3 Possibilidade de Alteração dos Elementos Objetivos da Demanda Formulada pelo


Litisconsorte Ativo Ulterior

Conforme se afirmou antes, é admissível que um colegitimado extraordinário


ingresse na ação coletiva em momento posterior à sua propositura, o que configura a formação
de um litisconsórcio ulterior (embora também facultativo e unitário).
Debate-se em doutrina se, em casos tais, seria dado a esse litisconsorte tardio
formular novos pedidos na ação coletiva, ou alterar-lhe de algum modo a causa de pedir.
Prevalece em doutrina a opinião de que tais alterações seriam possíveis, desde que
isso não provoque prejuízo injustificado para o réu ou viole a garantia do contraditório,
relativizando os limites impostos no art. 329 do NCPC.

6.2 As Intervenções de Terceiro no Processo Coletivo

6.2.1 As Intervenções no Processo Individual

O processo individual prevê as seguintes modalidades de intervenção de terceiros:


assistência, denunciação da lide, chamamento ao processo, incidente de desconsideração da personalidade
jurídica e o amicus curiae.
Em brevíssima síntese, a assistência tem lugar quando o terceiro (denominado
assistente), que tem interesse jurídico em que algum dos litigantes seja vencedor de uma
demanda, nela intervém justamente para auxiliar essa parte (assistido) a atingir tal objetivo,
qual seja, sagrar-se vencedor naquela demanda. Classifica-se em assistência simples e assistência
litisconsorcial, a depender se o assistente tem ou não relação jurídica com o adversário do
assistido.
A denunciação da lide, a seu turno, consiste na busca de uma das partes, caso seja
sucumbente na demanda, de ver seu direito de regresso contra terceiro reconhecido pelo juiz
na mesma sentença, sendo assim indenizado dos prejuízos que a sucumbência vier a lhe
acarretar.
Já o chamamento ao processo é a intervenção típica das obrigações solidárias, em que um
réu chama ao processo aqueles que devem tanto ou mais do que ele.
O NCPC inseriu mais duas novas figuras de intervenção de terceiros: o incidente da
personalidade jurídica e a figura do amicus curiae.
O primeiro consiste no reconhecimento judicial, mediante requerimento da parte ou
do MP, de que os bens dos sócios ou administradores da pessoa jurídica respondam pelas
dívidas ou obrigações da empresa demandada (art. 50, CC – teoria maior: deve-se provar o
abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão
patrimonial; ou art. 28, §5º, CDC – teoria menor: tais elementos são presumidos em favor do
consumidor, que é hipossuficiente).
Por fim, o amicus curiae consiste em solicitar ou admitir, a requerimento da parte ou
de ofício, a participação no processo de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade
especializada, com representatividade adequada, em casos que seja reconhecida a re levância
da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da
controvérsia.
Vejamos, agora, quais dentre estas intervenções podem ocorrer no processo coletivo
e suas principais características e regras.

6.2.2 A Assistência nas Ações Coletivas

No processo coletivo é plenamente possível a intervenção de terceiros na modalidade


assistência, sendo mesmo, na prática, é a mais usual. Diversas são as hipóteses em que a
assistência poderá ocorrer no processo coletivo, como veremos a seguir:

a) intervenção de colegitimado extraordinário em ação coletiva (assistência litisconsorcial ou


litisconsórcio ativo ulterior?)
Como já dito antes, não se discute a possibilidade de litisconsórcio ulterior do
colegitimado que ingressa no processo já iniciado por outro. Mas a questão é: trata-se, tal
intervenção, efetivamente de um mero litisconsórcio ulterior ou não será uma verdadeira
assistência litisconsorcial?
Para Didier e Zaneti Jr, não haveria qualquer diferença entre as duas figuras, uma vez
que o colegitimado, embora intervenha em momento posterior como assistente
litisconsorcial, conserva os seus exatos e mesmo poderes de parte, passando então a figurar
como verdadeiro litisconsorte unitário do autor. Parece-nos ser esta a posição mais adequada.

b) intervenção do indivíduo em ação coletiva


Em regra, o indivíduo não pode intervir em ação coletiva, quer na qualidade de
assistente, quer na qualidade litisconsorte. Isso porque, neste último caso, não tem ele
legitimidade para tutelar em nome próprio direitos coletivos. Em segundo lugar, porque, se
permitirmos a referida intervenção, ainda que como assistente, restaria comprometido um dos
principais objetivos da tutela coletiva, qual seja, a celeridade processual, vez que, em tese,
dezenas, centenas ou milhares de indivíduos poderiam requerer seu ingresso na ação coletiva,
transformando o processo num verdadeiro caos.
Existem, porém, duas importantes exceções.
A primeira delas é a intervenção prevista no artigo 94 do Código de Defesa do
Consumidor, que dispõe:

Art. 94. Proposta a ação, será publicado no órgão oficial, a fim de que os interessados
possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos
meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor.

É oportuno destacar, antes de qualquer outra análise, que tal situação não se aplica
em qualquer ação coletiva, mas apenas naquelas em que o legitimado extraordinário defenda
direitos individuais homogêneos. Ou seja, não á cabível a intervenção do indivíduo em ações
coletivas para a tutela de direitos difusos ou coletivos stricto sensu.
Por outro lado, nada obstante tenha a lei se utilizado da expressão litisconsortes, trata-
se, conforme aponta a doutrina, de assistência litisconsorcial. Isso porque não pode o indivíduo
ser considerado litisconsorte ulterior pois não detém ele legitimidade para tutelar
coletivamente direitos individuais homogêneos. Mas, por outro lado, como o direito
individual coletivamente tutelado é também dele, a sua intervenção dar-se-á na condição de
assistente litisconsorcial.
A segunda hipótese de intervenção do indivíduo como assistente em ação coletiva é
bastante peculiar e liga-se à ação popular. Como se sabe, a lei defere ao cidadão-eleitor a
legitimidade para, em nome próprio, tutelar direito verdadeiramente difuso, consistente na
moralidade administrativa amplamente considerada. Nesses casos, não há dúvida: o cidadão-
eleitor atua, em nome próprio, na defesa de direito alheio, em verdadeira legitimidade
extraordinária.
Nesses casos, defende a doutrina, e com razão, que justamente por ser o cidadão -
eleitor colegitimado à tutela do mesmo direito via ação popular, possa ele intervir na ação
coletiva na qualidade de assistente litisconsorcial.

c) intervenção do legitimado extraordinário em ação individual


Embora seja muito rara, não se pode afastar a hipótese em que um legitimado
coletivo tenha interesse em intervir numa ação individual cuja questão debatida,
normalmente ligada a direito coletivo stricto sensu ou individual homogêneo, e a eventual decisão
venham a ter influência em uma ação coletiva a ser proposta ou já efetivamente deduzida.
O próprio STF já admitiu a intervenção de legitimado extraordinário em ação
individual: ver RE 550.769-RJ.

d) a denominada “intervenção móvel”


De acordo com o art. 6°, §3°, da Lei de Ação Popular, “a pessoa jurídica de direito público ou
de direito privado, cujo ato seja objeto de impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar
ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou
dirigente”.
Trata-se de fenômeno processual denominado pela doutrina de intervenção móvel e,
decidindo a pessoa jurídica demandada atuar ao lado do autor da ação popu lar, assumirá
posição similar à do assistente litisconsorcial (DONIZETTI e CERQUEIRA, p. 271).

6.2.3 A Denunciação da Lide

Em ações coletivas, a possibilidade de denunciação de lide fundamenta-se na


disposição contida no artigo 125, inciso II, do NCPC, que afirma ser cabível a denunciação
“àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem for
vencido no processo”.
Nas ações coletivas em geral não há regra que proíba a litisdenunciação, sendo, por
isso, a princípio cabível. Tem-se defendido em doutrina, porém, que o magistrado realize, no
caso concreto, o controle da pertinência e da adequação da litisdenunciação formulada,
indeferindo aquelas que possam tumultuar o feito e prejudicar a tutela do d ireito coletivo.
Nesses termos, casos em que a litisdenunciação, por exemplo, pretenda trazer ao
feito apuração de responsabilidade civil subjetiva, quando na ação coletiva se discuta
responsabilidade objetiva, devem ser indeferidos, notadamente por tornar a atividade
probatória excessivamente complexa.
Tal controle deve, porém, como dito, ser realizado no caso concreto, sendo a
denunciação da lide, em geral, cabível também nas ações coletivas.
Especificamente nas ações de consumo, o art. 88 do CDC não deixa dúvidas quanto
ao seu não cabimento em ações contra fornecedores de produtos ou serviços. Aliás, diga-se de
passagem que o referido dispositivo tem aplicação tanto nas ações individuais quanto nas
ações coletivas.
O objetivo foi, acertadamente, evitar denunciações sucessivas, exatamente porque
em relações de consumo se estabelece, normalmente, uma longa cadeia de fornecedores, sendo
que a denunciação de cada um deles certamente acarretaria prejuízo processual ao
consumidor ou ao autor coletivo.
Vale destacar a lição de Didier e Zaneti Jr (p. 268), para quem não se trata, em caso
de integrantes de cadeia de consumo, de verdadeira denunciação da lide, mas de chamamento
ao processo, por se tratar, a teor do artigo 7° do CDC, de responsabilidade solidária.
De todo modo, tanto a denunciação da lide, quanto o chamamento ao processo,
mostram-se inviáveis à luz da regra do artigo 88 do CDC, o que vale para ações individuais e
também para as ações coletivas.

6.2.4 Do incidente da desconsideração da personalidade jurídica

No processo coletivo, a desconsideração da personalidade jurídica está basicamente


prevista em dois dispositivos: no art. 28, caput e §5º do CDC e no art. 4º da Lei dos Crimes
Ambientais (Lei nº 9.605 /08), in verbis:
CDC
“Art. 28 – O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em
detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato
ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será
efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da
pessoa jurídica provocados por má administração.
(...)
§5º - Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade
for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos
consumirdores”.

Lei dos Crimes Ambientes – Lei nº 9.605/08


“Art. 4º - Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for
obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente”.

Em ambos os casos, afasta-se a incidência do art. 50 do CC, que adota a teoria maior,
para a aplicação da chamada teoria menor, já que a desconsideração da personalidade jurídica,
nesses casos, dar-se-á independente da comprovação de culpa, abuso ou fraudes, os quais se
presumem.
Isso porque, no caso da defesa dos interesses dos consumidores, busca-se a proteção
daqueles que se encontram em situação de nítida hipossuficiência. Na mesma medida, em se
tratando de danos ambientais, justifica-se o atingimento direto e ilimitado dos bens dos
sócios infratores em razão de sua atuação nociva ao meio ambiente e à coletividade.
Desta feita, sob a perspectiva do direito material, nunca houve óbice legal para a
aplicação plena do referido instituto no âmbito do processo coletivo, mesmo porque, em nome
do princípio da integratividade do microssistema coletivo, aplicar-se-á a todas as ações
coletivas as disposições do CDC e, principalmente, da Lei n. 9.605/98.
Todavia, o NCPC veio resolver algumas polêmicas procedimentais ao estabelecer,
por exemplo, a instauração do incidente da personalidade jurídica nas fases do processo de
conhecimento, incluindo a fase do cumprimento de sentença, ou na execução fundada em
título extrajudicial, em suspensão de tais processos (salvo se requerida a desconsideração já
na petição inicial - §2º do art. 134, NCPC), afastando a velha polêmica acerca da necessidade
do seu reconhecimento em ação autônoma.
Talvez o único ponto controverso, quanto à aplicação do incidente, estaria nas
causas que tenham por objeto relação de consumo, uma vez, por um lado, o artigo 133 do
NCPC impede a decretação de ofício da desconsideração da personalidade jurídica e, por
outro, a locução “o juiz poderá”, definida no artigo 28 do CDC, parece militar em favor da
possibilidade da decretação de ofício, especialmente porque o CDC se reveste de caráter de
norma de ordem pública.
No entanto, considerando que o propósito da norma processual é o de assegurar o
direito ao contraditório e à ampla defesa de quem possa vir a responder com seu patrimônio
pelas obrigações contraídas por outrem, desde que tais garantias sejam plenamente
observadas, seria sim possível a instauração do referido incidente em caráter oficial.

6.2.5 Do Amicus Curiae nas Ações Coletivas

Amicus curiae ou “amigo da corte” é modalidade de intervenção já conhecida do direito


brasileiro, pois que admitida nas ações de controle concentrado da constitucionalidade e
também no julgamento da repercussão geral no recurso extraordinário, e consiste na oitiva de
um terceiro, normalmente expert na área de conhecimento objeto da demanda, a fim de
cooperar com o Judiciário e aprimorar as decisões judiciais.
Dada a intrínseca relevância social das ações coletivas, a doutrina e jurisprudência
têm se mostrado favoráveis à sua admissão no processo coletivo. Ademais, agora, está tal
instituto expressamente previsto no NCPC, o qual tem aplicação subsidiária no
microssistema processual coletivo.
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UNIDADE 7 – ASPECTOS GERAIS DA TUTELA COLETIVA

7.1 A Prescrição e a Decadência nas Ações Coletivas

7.1.1 Noções Gerais sobre a Prescrição e a Decadência

A prescrição e decadência são prazos de direito material que tem a função de


assegurar a estabilidade das relações sociais e, ao mesmo tempo, servir de sanção ou castigo ao
negligente titular do direito.
Não passam, portanto, de fatos extintivos, ou seja, de decurso de prazo que importará
na perda ou extinção de algum direito. Mas qual “direito” se perde com estes dois institutos?
A melhor diferença é a que identifica:
- a prescrição ligada aos direitos subjetivos-prestação: que são aqueles suscetíveis de serem
violados e que, portanto, fazem nascer uma pretensão (art. 189, CC).
- a decadência ligada aos direitos subjetivos-poder: também conhecidos como direitos
potestativos, ou seja, aqueles insuscetíveis de serem violados.

Outra excelente diferença, trazida pelo saudoso e brilhante Agnelo Amorim Filho (in
“Critério cientifico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis”), é a
que identifica:
- os prazos prescricionais às ações condenatórias: uma vez o titular do direito subjetivo
violado necessariamente vai buscar a sua reparação por meio de pretensões de nat ureza
condenatória.
- os prazos decadenciais estão ligados às ações constitutivas/desconstitutivas: pois, se a
decadência é a perda do direito potestativo, aquele insuscetível de ser violado, então seu
titular visa sua constituição ou desconstituição, e não sua reparação.
Conclui facilmente o referido autor que se o objetivo do titular do direito é
meramente declaração da sua existência ou inexistência (e normalmente este se relaciona a
direitos fundamentais, de natureza não patrimonial), o qual pressupõe uma perenidade
(declara-se algo que sempre existiu ou que nunca existiu), então as ações declaratórias não se
submetem nem a prazos prescricionais, tampouco decadenciais, sendo consideradas ações
perpétuas.
7.1.2 A Prescrição e a Decadência no Processo Coletivo

Como a Lei da Ação Civil Pública não prevê nenhum prazo prescricional, o tema da
prescrição e decadência dos direitos coletivos lato sensu é bastante controvertido, de molde
que há posições divergentes sobre a questão, a saber:
- 1ª corrente (minoritária): entende que a ação civil pública é imprescritível (está no rol de ações
perpétuas), pois ela nunca tem interesse patrimonial.
- 2ª corrente (adotada pelo STJ): entende que, como não há previsão legal, a integratividade
do microssistema impõe a aplicação de 5 anos (da Lei da Ação Popular), salvo quando se
discute patrimônio público (art. 37, §5º, CF; REsp 1.107.833/SP) e meio ambiente (REsp
1.120.117/SC), a qual a respectiva ação é imprescritível.
- 3ª corrente (majoritária na doutrina): entende que a prescrição da ação civil pública é
definida pela pretensão de direito material discutida, ou seja, a incidência da prescrição
dependeria da aferição da indisponibilidade do interesse material judicialmente deduzido.
Assim, salvo regra legal expressa em sentido contrário 5, as ações que tratem sobre a
proteção a direitos difusos e coletivos stricto sensu (naturalmente coletivos) devem ser
consideradas ações perpétuas, ou seja, não submetidas a prazos prescricionais ou
decadenciais.
Isso porque, como se sabe, os direitos essencialmente coletivos são indivisíveis e
impassíveis de serem apropriados por um indivíduo, já que seu titular é uma coletividade, não
tendo como se defender e exigir em juízo, por si mesma, seus direitos, razão pela qual a lei
instituiu um rol de legitimados extraordinários que o farão em seu lugar.

5 a) prescrição dos pedidos repressivos-punitivos na improbidade administrativa, conforme previsto no artigo 23


da lei 8.429/92. Necessário lembrar, porém, que tal prescrição somente se aplica às penas que não envolvem as
pretensões de ressarcimento ao erário, pois que essas são imprescritíveis, a teor da disposição contida no art. 37,
§5°, da CF/88. Aplica-se, pois, esse prazo às penas previstas na lei de improbidade diferentes do ressarcimento,
tais como proibição de contratar com o poder público, inelegibilidade, multa civil, entre outras.
b) decadência do pedido de habilitação individual nas ações indenizatórias para compor os direitos individuais
homogêneos, previstas nas leis federais n°s 8.078/90 e 7.913/89 (com redação dada pela Lei Federal n° 9.008/95).
c) a prescrição (ou decadência) na ação popular, em prazo qüinqüenal, conforme artigo 21 da Lei de Ação
Popular: Artigo 21. A ação prevista nesta lei prescreve em 5 (cinco) anos. Lembrando que esse prazo não se deve
aplicar às pretensões de ressarcimento por danos causados ao erário, pois que esses, conforme já se expôs, são
imprescritíveis.
d) prazo decadencial de 120 dias para a impetração do mandado de segurança coletivo, sendo oportuno lembrar
que esse prazo decadencial não se aplica ao direito material coletivo, mas sim ao direito de escolha do
procedimento especial do mandado de segurança.
e) prescrição e decadência dos direitos do consumidor e das respectivas ações singulares, conforme disposição
do artigo 262 do CDC: o direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: I) trinta
dias, tratando-se de fornecimento de serviço ou de produto não duráveis; II) noventa dias, tratando-se de
fornecimento de serviço e de produto duráveis. Ressaltam DIDIER e ZANETI que referidos prazos devem ser
aplicados tanto às ações individuais, quanto às coletivas.
Em palavras outras, a coletividade, em si mesma considerada, não tem condições de
exigir em juízo o direito coletivo do qual é titular, dependendo sempre do legitimado
extraordinário.
Nesses moldes, parece-nos impensável admitir a prescrição (ou decadência) quando
se tratar de direito difuso ou coletivo em sentido estrito, exatamente por não se poder apenar
alguém – no caso a coletividade – por não ter exercido uma pretensão se essa pretensão não
era possível de ser por ela exercida pessoal e diretamente.
Assim, justamente porque as coletividades, titulares dos direitos essencialmente
coletivos, não têm condições de exercer suas pretensões, não correm contra elas prazos de
prescrição ou decadência, a exemplo do previsto no art. 198 do CC.

7.1.3 A Prescrição e Decadência nos Direitos Individuais Homogêneos (Acidentalmente


Coletivos)

Na seara dos direitos individuais homogêneos o que se tem, por outro lado, são
direitos perfeitamente divisíveis e passíveis de serem defendidos em juízo por seus titulares
individuais. Tais direitos são apenas processualmente coletivos, na medida em que o
legislador, em homenagem à celeridade, economia processual e acesso à justiça, entendeu por
bem permitir a sua defesa em juízo de maneira coletiva.
Em assim sendo, não há dúvida que aos direitos individuais homogêneos aplicam-se
todos os prazos de prescrição e decadência normalmente aplicáveis ao direito
individualmente considerado. Nesses termos, se uma pretensão individual submete-se a prazo
prescricional de 5 anos, a esse mesmo prazo se submeterá a eventual ação coletiva para a
tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos. Essa é a opinião que prevalece em
doutrina.
Todavia, ainda dentro do tema, surge uma interessante questão que merece análise: a
propositura da ação coletiva interrompe o prazo para o ajuizamento das ações individuais?
A resposta é sim, pois o contrário acabaria por forçar os legitimados individuais a
propor suas ações apenas com o fito de se evitarem a prescrição, e isso vai de encontro com o
principal objetivo da tutela coletiva, qual seja, evitar a proliferação de demandas
essencialmente idênticas. Por outro lado, de acordo com a Súmula 150 do STF, a execução
individual da sentença coletiva prescreve exatamente no mesmo prazo da ação individual.
Assim, sendo de três anos o prazo prescricional da ação, também de três anos será o prazo
para a execução da sentença coletiva proferida na ação para defesa de direitos individuais
homogêneos. Foi nesse sentido que decidiu o STJ, conforme Informativo n° 484, de 26 de
setembro a 7 de outubro de 2011.
Uma última observação que merece destaque é que o que prescreve (ou decai) é o
direito à via coletiva, e não o direito material, sendo plenamente possível ao indivíduo pleiteá-
lo por ação individual. É o que ocorre, por exemplo, no mandado de segurança coletivo.

7.2 A Reconvenção nas ações coletivas

O NCPC, ao regular a demanda reconvencional no processo individual, veicula a


seguinte regra:

Art. 343 – Na contestação, é lícito ao réu propor reconvenção para manifestar


pretensão própria, conexa com a ação principal ou com o fundamento da
defesa.
(...)
§5º - Se o autor for substituto processual, o reconvinte deverá afirmar ser
titular de direito em face do substituído, e a reconvenção deverá ser
proposta em face do autor, também na qualidade de substituto processual.

Percebe-se que o NCPC resolveu uma antiga questão doutrinária: a possibilidade de


o réu reconvir quando o autor for substituto processual. Isso pois que ele, agora, deverá
fundamentar o seu pedido em pretensão que tenha em face do substituído, desde que para tal
pretensão o substituto tenha legitimação extraordinária passiva, conforme se depreende da
leitura do §5º do art. 343, acima citado.
Ocorre que a velha redação do referido parágrafo (que, no CPC revogado
correspondia ao parágrafo único do art. 315, e diga-se de passagem sempre criticada por
confusa e mal escrita), era utilizada como fundamento pela doutrina para impedir o
cabimento da reconvenção em qualquer procedimento relativo à tutela coletiva, já que a
interpretação feita era no sentido de proibir a reconvenção quando o autor fosse legitimado
extraordinário, exatamente como ocorre no processo coletivo.
Mas certo é que, definitivamente, com o advento do NCPC, n as ações coletivas é
plenamente possível a reconvenção. Esta veiculará pretensão dirigida ao
GRUPO/COLETIVIDADE, e não ao legitimado extraordinário, isso porque, se o grupo ou
coletividade é quem se beneficia com a tutela, nada mais natural que o interesse contraposto
seja-lhe dirigido, e não ao seu substituto processual, que deve apenas figurar como legitimado
ativo adequado para fins de tutela. Neste caso, como já sabido, a reconvenção se apresentará
como uma ação coletiva passiva.
Exemplo: imagine um sindicato laboral proponha uma ação declaratória de direito de
greve. O sindicato do réu (patronal) reconvém, propondo uma ação possessória, afirmando
que o grupo substituído tem promovido invasões em imóveis seus. O caso é admissível,
exatamente porque a reconvenção possessória é também uma ação coletiva.
Por outro lado, há que se ressaltar que não será admissível a reconvenção quando,
apesar de abstratamente definido como substituto processual do grupo, ope legis, o reconvinte
não possuir legitimação adequada, analisada ope judicis, em concreto, para defesa da pretensão
arguida na reconvenção.
Exemplo de inadmissibilidade: Um banco, demandado em ação coletiva proposta
pelo MP, reconvém para deduzir pretensão ressarcitória em face da União e do próprio MP,
em razão da existência de supostos danos morais decorrentes da propositura daq uela mesma
ação coletiva. A reconvenção, nesse caso, por ter trazido sujeito novo ao processo, e por
deduzir pretensão material em face de legitimado extraordinário, é inadmissível, pois nada
tem a ver com o grupo substituído, que não apresenta aderência coletiva passiva.

7.3 A Distribuição dinâmica do ônus da prova no processo coletivo

Em matéria probatória, o CPC adotou a denominada teoria estática quanto ao ônus


da prova, consagrada no artigo 373 daquele diploma processual. Ao autor incumbe o ônus da
prova do fato constitutivo de seu direito; ao réu, o ônus da prova do fato extintivo, impeditivo
ou modificativo do direito do autor.
Entretanto, conforme sempre ponderou a doutrina especializada, não raro essa
distribuição rígida e estática do ônus probatório poderá conduzir a situações jurídicas
injustas, notadamente nos casos em que aquele que tenha o ônus da prova a si atribuído, não
tenha condições, por razões várias, de dele se desincumbir.
Surge, assim, a possibilidade da distribuição dinâmica desse ônus: a prova incumbirá
a quem tiver melhores condições de produzi-la, à luz das especificidades do caso.
A distribuição dinâmica do ônus da prova, ou pelo menos uma aplicação desse
mecanismo, encontra-se tanto no Código de Defesa do Consumidor (art. 6°), que permite a
inversão do ônus da prova nas causas que envolvam relação de consumo, quanto no NCPC
(art. 373, §1), que ampliou tal possibilidade em qualquer causa, desde que, “nos casos
previstos em lei ou diante das peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à
excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de
obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo
diverso...”.
Regra importante: a distribuição dinâmica do ônus da prova deve ser feita pelo juiz
antes da fase instrutória do processo, a fim de não surpreender a parte onerada com a
distribuição diferenciada do ônus probandi. Trata-se, pois, de regra de procedimento ou
atividade e não regra de julgamento.

7.4 Conciliação nas causas coletivas

De acordo com o artigo 841 do Código Civil, só quanto a direitos patrimoniais de


caráter privado se permite a transação. Nada obstante, nas causas coletivas, nas quais
normalmente (mas não sempre) se discute direitos indisponíveis, a conciliação se mostra
possível.
Manifestação clara dessa possibilidade de acordo é a regra do §6° do artigo 5° da Lei
de Ação Civil Pública, que permite que os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos
interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante
cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.
Conforme ensinam Didier e Zaneti Jr. (pág. 326), por intermédio do compromisso de
ajustamento de conduta (que por ser veiculado por intermédio de um termo é também
conhecido como Termo de Ajustamento de Conduta – TAC), não se pode dispensar a
satisfação do direito transindividual vulnerado, mas sim regular o modo como se deverá
promover a sua reparação. Trata-se, conforme explicam esses doutrinadores, de modalidade
de acordo, com nítida finalidade conciliatória, e que pode ser extrajudicial (normalmente para
prevenir a Ação Civil Pública) ou judicial (para pôr fim a ela, com resolução do mérito, nos
termos do artigo 487, III, alínea ‘d’ do NCPC).
Vale lembrar que nas ações de improbidade administrativa há regra específica
vendando a transação, nos termos do artigo 17, §1°, da Lei 8.429/92: “é vedada a transação,
acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput”.
Reafirmando a possibilidade de acordo judicial em sede de direitos coletivos, Didier e
Zaneti Jr. citam acórdão da 1ª Turma do STJ em que tal expediente restou expressamente
autorizado:
PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR DANO AMBIENTAL –
AJUSTAMENTO DE CONDUTA – TRANSAÇÃO DO MINISTÉRIO
PÚBLICO – POSSIBILIDADE.
1. A regra geral é de não serem passíveis de transação os direitos difusos.
2. Quanto se tratar de direitos difusos que importem obrigação de fazer ou não
fazer deve-se dar tratamento distinto, possibilitando dar à controvérsia a
melhor solução na composição do dano, quando impossível o retorno ao status
quo ante.
3. A admissibilidade de transação nos direitos difusos é exceção à regra.
(STJ, 2ª Turma, REsp n° 299.400/RJ, rel. Min. Peçanha Martins, rel. p/ acórdão
Min. Eliana Calmon, j. em 01.06.2006, publicado no DJ de 02.08.2006, p. 229).

Ainda sobre o termo de ajustamento de conduta, extrajudicial ou judicial, Donizetti e


Cerqueira (pág. 314/315) ponderam que os direitos coletivos devem ser tutelados de modo
específico ou mediante providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do
adimplemento, mas concluem que não sendo possível a proteção ao direito coletivo por meio
de uma obrigação de fazer ou não fazer, “não se verifica qualquer óbice à inclusão no TA C de
uma obrigação de dar como medida reparatória” (pág. 315).

7.5 Especificidades da Tutela de Urgência no Processo Coletivo

O regramento das tutelas de urgência, cautelar e antecipada, não sofre alterações de


vulto quando transportadas para o processo coletivo.
A legislação prevê, porém, limitações à concessão de tutelas de urgência contra o
Poder Público em ações coletivas, razão pela qual merecem ser estudadas.
Assim destaca-se o artigo 2° da lei 8.437/92:

Art. 2°. No mandado de segurança coletivo e na ação civil pública, a liminar


será concedida, quando cabível, após a audiência do representante da pessoa
jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 horas.

Essa regra foi repetida no artigo 22, §2°, da lei 12.016/09 (“nova” lei do mandado de
segurança):
Art. 22. (...)

§2°. No mandado de segurança coletivo, a liminar só poderá ser concedida após


a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que
deverá se pronunciar no prazo de 72 horas.

Os tribunais têm reconhecido que a inobservância dessa regra acarreta a nulidade da


decisão judicial liminar.
Trata-se, sem dúvida, de regra que visa proteger o Poder Público, dada a
abrangências e potencial eficácia erga omnes das decisões proferidas em ações coletivas.
Ressalte-se que aos processos coletivos aplica-se o instituto da suspensão dos efeitos
da decisão, previsto no artigo 4° da lei 8.437/92 e no artigo 15 da lei 12.016/09.

7.6 As Despesas processuais e os honorários advocatícios de sucumbência

O regime das custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência, em sede


de processo coletivo, é ditado pelos artigos 17 e 18 da Lei de Ação Civil Pública, bem como
pelo artigo 87 do Código de Defesa do Consumidor, que basicamente consolida em um único
artigo a redação dada aos dispositivos da LACP.
Confira-se, pois, o artigo 87 do CDC:

Art. 87. Nas ações coletivas de que trata este Código não haverá adiantamento
de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem
condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de
advogado, custas e despesas processuais.
Parágrafo único. Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os
diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente
condenados em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo
da responsabilidade por perdas e danos.

Trata-se nitidamente de mecanismo de ampliação do acesso à justiça e de estímulo à


tutela coletiva, e, para tanto, desonera o autor do adiantamento de custas, emolumentos e
honorários de perito, bem como da condenação em tais verbas em caso de sucumbência,
SALVO se a ação foi manejada de má-fé, quando então serão devidos não só as custas, em seu
décuplo, como também condenação em honorários advocatícios de sucumbência.
Mas, falando em honorários advocatícios de sucumbência, convém registrar que,
como já dito, apesar destes serem indevidos ainda que o autor da ação coletivo seja
sucumbente, o mesmo não se pode afirmar quando o seu pedido for julgado procedente,
ocasião em que o vencido, ou seja, o réu deverá arcar normalmente com tais verbas.
Mas a questão que se coloca nesse momento é: e se o autor vencedor for pessoa
jurídica de direito público ou órgão público (Ministério Público, Defensorias ou entes
despersonalizados mas com capacidade judiciária, como o PROCON)? Nesse caso, a questão
dos honorários advocatícios é razoavelmente controvertida.
Primeiramente, quanto ao Ministério Público e à Defensoria Pública, sabe-se que, por
expressa vedação legal (ver, por exemplo, artigo 128, §5°, II, “a”, da CF/88), seus integrantes
não podem perceber honorários. Por tal razão, formaram-se 4 opiniões doutrinárias sobre o
tema:

1ª) os honorários devem ser arbitrados pelo juiz e destinados à pessoa jurídica de direito
público a que se encontram vinculados o órgão do Ministério Público ou da Defensoria;

2ª) os honorários devem ser arbitrados e recolhidos como recursos orçamentários do próprio
Ministério Público ou Defensoria;

3ª) os honorários devem ser arbitrados e recolhidos ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos,
criado pelo artigo 13 de Lei de Ação Civil Pública;

4ª) não deve haver condenação em honorários advocatícios quando atuarem o Ministério
Público e a Defensoria Pública.

Parece que a melhor opção é a 2ª, qual seja, aquela que defende o arbitramento dos
honorários advocatícios, com a reversão em benefício do próprio órgão do Ministério Público
ou da Defensoria, a fim de contribuir com seu melhor aparelhamento. Quanto à Defensoria,
aliás, há regra expressa nesse sentido (o art. 4°, XXI, da Lei Complementar 80/94):

Art. 4°. São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:


(...)
XXI – Executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação,
inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos, destinando-as aos
fundos geridos pela Defensoria Pública e destinados, exclusivamente, ao
aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profissional de seus
membros e servidores;

Por fim, tratando-se de atuação de pessoa jurídica de direito público, ou mesmo de


entes públicos despersonalizados, como o PROCON, os honorários advocatícios devem ser
arbitrados e revertidos em benefício ou da pessoa jurídica de direito público ou dos
procuradores encarregados de sua representação judicial, tudo a depender da legislação de
regência de cada uma das carreiras.
De outro giro, quanto aos honorários periciais, a questão é também bastante
tormentosa, em vista que o art. 18 de LACP, à exemplo do art. 87 do CDC, assegura que
também não haverá adiantamento por parte do autor de tais honorários. Entretanto, parece
óbvio que não se pode obrigar o perito a trabalhar de graça, o que acaba por acarretar um
impasse nos casos concretos em que situação tal se manifesta.
Surgiram, então, no âmbito do STJ, 3 posicionamentos:

a) Posição legalista: faz-se exegese literal do artigo 18 da Lei 7.347/85, isentando o


Ministério Público de adiantar os honorários do perito (Cfr. STJ - REsp 508478/PR). Todavia,
tal corrente não vislumbra a questão prática de saber quem vai arcar com as despesas.

b) Posição restritiva: cabe ao Ministério Público adiantar o valor dos honorários periciais,
incidindo na hipótese a Súmula 232/STJ, pela qual é dever da Fazenda Pública antecipar tais
pagamentos (Cfr. STJ - REsp 864.314/SP);

c) Posição conciliadora: busca encontrar solução intermediária para o custeamento da


perícia. Daí resulta seis desdobramentos a serem analisados:

c.1) transferir tal ônus ao réu da ação coletiva, lançando mão o juiz, inclusive, da regra de
distribuição dinâmica do ônus da prova, que tem aplicação reconhecid a na seara do processo
coletivo;
c.2) possibilidade do custeio da prova pericial ser realizado, excepcionalmente, pelo autor
coletivo (MP, Defensoria etc) com a utilização de verbas do Fundo de defesa dos direitos
difusos, criado pelo artigo 13 da Lei de Ação Civil Pública. Entretanto, a utilização dos
recursos dos Fundos depende de regulamentação normativa, a fim de que evitar que deixem
de cumprir o seu escopo precípuo de reconstituição dos bens lesados, passando a servir de
forma oblíqua de custeio da prova pericial. Em tese, não haverá prejuízo aos Fundos, quando
os recursos são antecipados e, depois da sentença, retornam à origem;
c.3) a possibilidade de celebração de convênios entre o Ministério Púbicos e instituições
públicas ou privadas. Tal solução, todavia, passa pela credibilidade das instituições
conveniadas e, embora útil até para aproximar o Ministério Público da sociedade civil
organizada, não é a ideal, pois podem envolver outros interesses, nem sempre muito claros,
que não além da verdadeira apuração das lesões aos interesses transinviduais ou individuais
homogêneos;
c.4) a perícia deve ser custeada pela Fazenda Pública, seja como seus próprios órgãos, seja
com o seu custo, uma vez que o Ministério Público é órgão do Estado e, nas ações coletivas,
são defendidos interesses sociais e individuais indisponíveis. Assim, o entendimento
consagrado na Súmula 232/STJ incidiria não somente quando a Fazenda Pública fosse parte
no processo, mas também quando o Ministério Público fosse autor da ação civil pública. Tal
solução tem o inconveniente de esbarrar no argumento da ausência de recursos públicos
disponíveis, da necessidade de alteração legislativa ou da inclusão de verbas no próximo
orçamento;
c.5) o não adiantamento de honorários quando o perito aceita receber somente ao final. Esta
solução é possível, mas depende do consentimento do perito e, geralmente, envolve as perícias
de menor complexidade, as quais não dependem de gastos financeiros;
c.6) para evitar que o Ministério Público tenha que arcar com a antecipação dos honorários
periciais, podem ser elaborados pareceres técnicos por profissionais (v.g., médicos,
engenheiros, contadores etc.) que sejam servidores do Ministério Público. Todavia, tal
solução demandaria a maior profissionalização dos Ministérios Públicos, com a previsão de
recursos orçamentários compatíveis com a contratação de outros profissionais.

7.7 Aspectos Recursais

O sistema recursal do processo individual é praticamente todo aplicável ao processo


coletivo, quer se trate da teoria geral, quer se trate dos recursos em espécie.
Algumas alterações pontuais, porém, merecem destaque.
Uma delas é que a apelação, ao contrário do que preconiza o artigo 1.012 do NCPC,
não terá efeito suspensivo automático, ou seja, ope legis, mas sim ope judicis. É o que se infere de
uma interpretação em contrário do art. 14 da Lei de Ação Civil Pública, que assim diz: “o juiz
poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano irreparável à parte”.
Por outro lado, em se tratando de apelação na ação popular, o efeito suspensivo da
apelação volta a ser ope legis, como bem se extrai do art. 19 da LAP, in verbis:

Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação
está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de
confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente, caberá apelação,
com efeito suspensivo.

A propósito, da leitura do referido dispositivo depreende-se outro assunto também


aplicável ao processo coletivo: o reexame necessário.

7.7.1 O reexame necessário no processo coletivo

Como se viu, há regra expressa sobre reexame necessário na ação popular, a saber, o
já citado art. 19 da LAP.
Tal regra, apesar de algumas manifestações em contrário, deve ser aplicada a toda
ação coletiva, já que a premissa assumida pela doutrina é a de que estamos a estudar um
microssistema, cujas normas têm aplicação interpenetrante.
Mas a grande questão é saber se tanto a hipótese do art. 19 (improcedência e
extinção por carência da ação, independente de envolver o Poder Público), como as genéricas
do art. 496 do NCPC (decisão desfavorável ao Poder Público), tem aplicação no processo
coletivo. Tem prevalecido o entendimento no sentido de que sim, pois que são compatíveis os
dois regimes.

7.7.2 O recurso de terceiro interessado

Sendo autônoma e concorrente a legitimidade ativa no processo coletivo (ver o


roteiro dedicado ao estudo da legitimidade), torna-se possível que proferidas decisões em
ações coletivas, o colegitimado, que até aquele momento não atuara no feito, o faça,
ingressando com recurso na condição de terceiro prejudicado, nos exatos termos facultad os
pelo art. 996 do CPC.
Também não se poderia afastar a possibilidade de recurso de terceiro ao legitimado
individual, nos casos em que a ação coletiva versar sobre direitos individuais homogêneos.
Assim, o recurso de terceiro prejudicado funcionará, no processo coletivo, assim
como a assistência nas ações coletivas, vez que não amplia o objeto litigioso do processo,
repercutindo apenas no aspecto subjetivo da relação jurídica processual. Desta forma, seguirá
o mesmo regramento, já estudado, da assistência em causas coletivas.
0

UNIDADE 8 - A COISA JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS

8.1 Noções gerais

Sabe-se que em algum momento é preciso dar cabo da busca pela decisão ideal e
conformar-se com a decisão possível, tudo em homenagem à segurança jurídica e à pacificação
das relações litigiosas.
A cessação dessa busca pela justiça e a assunção do valor segurança dá-se por meio do
que chamamos de “coisa julgada”, que, de acordo com a doutrina majoritária, liebmaniana,
consiste na qualidade de imutabilidade ou indiscutibilidade da decisão (e não em seu efeito, já
que este só poderá ser declaratório, constitutivo ou condenatório, quiçá mandamental e
executivo lato sensu), não mais sujeita a recurso.
Dessa forma, a coisa julgada se forma é no exato momento em que contra a decisão
não mais é possível o manejo de qualquer recurso, seja porque a parte irresignada os manejou
todos e esgotou os meios impugnativos, seja porque deixou transcorrer in albis o prazo de que
dispunha para oferecer o recurso cabível.
Todavia, para melhor ser compreendido tal tema no processo coletivo, é preciso ainda
fazer um paralelo com o processo individual, especialmente no que tange aos seus limites, que
neste podem ser:
✓ limites objetivos: a coisa julgada limita-se ao DISPOSITIVO da sentença (arts. 503 e 504,
NCPC).
✓ limites subjetivos: a coisa julgada produz efeitos INTRA PARTES (art. 506, NCPC).
✓ modo de produção: a coisa julgada se produz a favor ou contra, ou seja, se forma
independentemente do resultado do processo (ou seja, não é secundum eventum litis ou
probationis).

Já no processo coletivo, a coisa julgada encontrará outros limites subjetivos e se


produzirá de outros modos, identificando com o processo coletivo apenas no que tange aos
limites objetivos, vez que são praticamente os mesmos, ou seja, abrangem apenas a parte
dispositiva do julgado.
A coisa julgada será erga omnes ou ultra partes (pois atinge terceiros), mas jamais intra
partes (não poderá jamais beneficiar apenas as partes envolvidas). Ademais, quanto ao modo
de produção a coisa julgada só pode ser benéfica: secundum eventum litis ou probationis. Assim,
nem sempre haverá coisa julgada.
A partir de agora, passaremos a analisar de forma mais detalhada tais peculiaridades.

8.2 Limites subjetivos e modos de produção da coisa julgada nas ações coletivas

Ressalvados o mandado de segurança coletivo e a ação de improbidade administrativa,


que possuem regime próprio no que tange à coisa julgada, o processo coletivo em geral rege-se
pelos arts. 103 e 104 do CDC, e art. 16 da LACP e art. 18 da LAP, não se aplicando os limites
previstos no art. 506 do NCPC.
Comecemos pela análise do art. 103 do CDC, que assim preceitua:

CDC, Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:
I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese
em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento val e ndo -
se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81 (ou seja, se tratar de
INTERESSES DIFUSOS);
II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por
insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no
inciso II do parágrafo único do art. 81 (ou seja, se tratar de INTERESSES COLETIVOS EM
SENTIDO ESTRITO);
III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus
sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81 (ou seja, se tratar de
INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS).

Percebe-se, portanto, que os limites subjetivos da coisa julgada coletiva dependem da


natureza do direito ou interesse envolvido: será erga omnes, quando se tratar de direitos ou
interesses difusos ou individuais homogêneos; ou será ultra partes, limitado ao grupo,
categoria ou classe, se for direito ou interesse coletivo em sentido estrito.
Conjuga-se a isso o modo de sua produção, que também é variável a depender se trate
de interesses difusos ou coletivos (naturalmente coletivos) ou de interesses individuais
homogêneos (acidentalmente coletivos).
No primeiro caso (interesses difusos ou coletivos), a coisa julgada é produzida tanto
quando o resultado é benéfico a todos (procedência) e quanto prejudicial (improcedência),
desde que por ampla instrução, já que a improcedência por insuficiência de provas não é
capaz de impedir o autor coletivo de inovar a ação coletiva valendo-se de prova nova.
Já no segundo caso (interesses individuais homogêneos), a coisa julgada é produzida
apenas quando o resultado for de procedência, sendo possível o renovo da ação coletiva em
caso de improcedência, seja por suficiência ou insuficiência de provas.
Diante de tudo isso, diz-se que a coisa julgada coletiva é secundum eventum probationis e
secundum eventum litis, respectivamente.

8.3 A coisa julgada coletiva sempre em benefício do indivíduo (regra do transporte in


utilibus )

Vale destacar que, por força do 3º do art. 103 do CDC, independentemente do interesse
transindividual que fora julgado (difuso, coletivo em sentido estrito ou individual
homogêneo), ao indivíduo é sempre possível promover a sua ação individual, já que a coisa
julgada coletiva nunca lhe prejudica, só o beneficia6.
Lembremos: o indivíduo não pode ser impedido de promover suas próprias pretensões
uma vez que nunca foi consultado pelo legitimado extraordinário sobre o seu interesse pela
demanda coletiva. Aliás, caso venha a ter tal ciência (pela ampla divulgação), a lei lhe garante
inclusive o direito de nela não permanecer (right to opt out).
Dentro deste contexto, inclui a possiblidade, em caso de procedência da ação coletiva,
do transporte ou da extensão da coisa julgada coletiva para o plano individual, de modo que o
indivíduo legitimado possa passar diretamente à fase de liquidação e execução do crédito, sem
a necessidade de rediscutir o dever de indenizar. É a regra do transporte in utilibus.
Em outras palavras, por tal mecanismo, a sentença de procedência de uma ação
coletiva em defesa de direitos difusos ou coletivos stricto sensu pode ser aproveitada pelos
indivíduos, que promoverão a respectiva liquidação e execução de danos.
ATENÇÃO: É bom que se diga que o transporte in utilibus não se confunde com a
eficácia erga omnes das ações coletivas para defesa de direitos individuais homogêneos, prevista
no inciso III do artigo 103 do CDC.

6 Só há uma hipótese em que a coisa julgada coletiva prejudica o indivíduo, impedindo-o de promover sua ação
individual: quando ele intervém como assistente litisconsorcial na situação excepcional do art. 94 do CDC. Isso
porque, neste caso, por ingressar como parte no processo coletivo ficará sujeito aos efeitos da coisa julgada
nele formada.
Neste último caso, a condenação é expressa a favor dos indivíduos, atingindo e
beneficiando a todos eles; naquele (transporte in utilibus), como a sentença dirige-se a um
número indeterminado e indeterminável de pessoas e não ao indivíduo, então este é atingido
por via reflexa, razão pela qual poderá transportar o efeito da procedência para dele se
beneficiar, passando direto para à fase de liquidação e execução do seu crédito.

8.4 Incidência da coisa julgada coletiva sobre quem já tem ação individual em curso

De acordo com o art. 104 do CDC, para o autor da ação individual já proposta
aproveitar o transporte in utilibus da coisa julgada coletiva, deverá requerer a suspensão da sua
ação individual em 30 dias, a contar da data em que o autor é avisado, nos autos da ação
individual, de que há uma ação coletiva.
Art. 104 do CDC - As ações coletivas, previstas nos incisos I [difusos] e II [coletivos] e do
parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da
coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II [coletivos] e III
[individuais homogêneos] do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações
individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência
nos autos do ajuizamento da ação coletiva.

Dessa forma, conclui-se que, caso o indivíduo não peça a suspensão de sua ação
individual, não será ele beneficiado pela coisa julgada coletiva. Isso significa dizer que a coisa
julgada individual prevalece sobre a coisa julgada coletiva.
Mas a grande questão se coloca é saber se tal suspensão da ação individual é faculdade
da parte ou o juiz pode determinar de ofício?
Em interpretação literal do art. 104 do CDC, trata-se de uma faculdade da parte, já que
a lei fala expressamente que a suspensão será “requerida”.
Todavia, em julgamento de REsp repetitivo em 2009 (Resp 1.110.549/RS), cujo
resultado é vinculante em relação aos demais recursos represados na orig em e aos
futuramente interponíveis, o STJ entendeu que, “ajuizada a ação coletiva atinente à macrolide
geradora de processos multitudinários (ações repetitidas), suspendem-se obrigatoriamente
as ações individuais, no aguardo da ação coletiva...”. Portanto, abriu-se um precedente
obrigatório para que se admita a suspensão de ofício da ação individual anteriormente
proposta à ação coletiva.
8.5 Incidência da coisa julgada coletiva sobre quem já tem coisa julgada individual

Por outro lado, na superveniência de ação coletiva quando já há coisa julgada


individual, ou seja, se a ação individual já foi julgada improcedente (com trânsito em julgado)
e depois veio uma coletiva procedente (difusos, coletivos ou individuais homogêneos), o
indivíduo pode se beneficiar dela? Há divergência:
- 1ª corrente (ADA PELLEGRINI): o indivíduo não pode se beneficiar com a coisa julgada
coletiva superveniente, pois a coisa julgada individual, que é específica, prevalece sobre a
coisa individual coletiva, que é genérica.
- 2ª corrente (HUGO NIGRO MAZZILLI): o indivíduo pode se beneficiar, com base em 2
fundamentos: a) preservação da igualdade; b) como não houve opção para a parte suspender a
ação individual, em vista da inexistência de ação coletiva à época, ela deve então ser
beneficiada.
Não há jurisprudência sobre o assunto. Em provas de concursos, depende do concurso:
de defensoria pública, deve-se seguir a corrente de Mazzilli; se AGU, PFN, deve-se seguir a de
Ada.

8.6 Extensão territorial da coisa julgada coletiva – art. 16 da Lei 7347/85 e art. 2º-A da Lei
9494/97

Como já estudado na unidade relativa à competência, o art. 16 da LACP e 2º‐A da


Lei n. 9.494/97, estabeleceram estranhamente uma limitação territorial à coisa julgada
coletiva, já que, uma vez proferida uma sentença no processo coletivo, a mesma só vale no
território onde o juiz tem competência.
Reitera-se acerca da flagrante inconstitucionalidade os referidos dispositivos legais
pela falta de razoabilidade, pois o legislador confundiu dois institutos de processo que não se
confundem: coisa julgada e competência.
No STJ, sempre houve julgados no sentido de que essa norma seria constitucional.
Essa era a posição jurisprudencial (dominante em concursos), no sentido da validade do art.
16 da LACP.
Todavia, em dois julgados, datados de outubro de 2011 (REsp 1243887/PR) e dezembro
de 2011 (REsp 1247150/PR), o STJ, submetido ao rito dos recursos repetitivos (543-C do
CPC/73), através da sua Corte Especial, fixou entendimento diverso daquele que era
dominante.
Entendeu o STJ, nos citados precedentes, que as sentenças e acórdãos nas ações civis
públicas agora valerão para todo o país, não tendo mais sua execução limitada ao município
onde foram proferidas. Vide o julgado abaixo:
REsp 124750. Corte Especial. DIREITO PROCESSUAL. RECURSO REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA (ART. 543-­‐C, CPC). DIREITOS METAINDIVIDUAIS. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. APADECO X BANESTADO. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS.
EXECUÇÃO/LIQUIDAÇÃO INDIVIDUAL. FORO COMPETENTE. ALCANCE OBJETIVO E
SUBJETIVO DOS EFEITOS DA SENTENÇA COLETIVA. LIMITAÇÃO TERRITORIAL.
IMPROPRIEDADE. REVISÃO JURISPRUDENCIAL. LIMITAÇÃO AOS ASSOCIADOS.
INVIABILIDADE. OFENSA À COISA JULGADA.
1. Para efeitos do art. 543-­‐C do CPC: 1.1. A liquidação e a execução individual de sentença
genérica proferida em ação civil coletiva pode ser ajuizada no foro do domicílio do beneficiário,
porquanto os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos, mas
aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-­‐se em conta, para tanto,
sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo (arts.
468, 472 e 474, CPC e 93 e 103, CDC).
1.2. A sentença genérica proferida na ação civil coletiva ajuizada pela Apadeco, que condenou o
Banestado ao pagamento dos chamados expurgos inflacionários sobre cadernetas de poupança,
dispôs que seus efeitos alcançariam todos os poupadores da instituição financeira do Estado
do Paraná. Por isso descabe a alteração do seu alcance em sede de liquidação/execução individual,
sob pena de vulneração da coisa julgada. Assim, não se aplica ao caso a limitação contida no art.
2º-­‐A, caput, da Lei n. 9.494/97.
0

UNIDADE 9 – LIQUIDAÇÃO E EXECUÇÃO NO PROCESSO COLETIVO

9.1 A Liquidação no processo coletivo

Liquidação de sentença, como se sabe, é fase do processo de conhecimento destinado a


tornar líquida uma sentença genérica. Em outras palavras, trata-se de procedimento que tem
o objetivo de estabelecer o quantum debeatur que será perseguido pelo credor na subsequente
fase de execução. Tendo em conta que não há, no microssistema de processo coletivo,
regramento próprio sobre o tema, deve ser aplicada a sistemática do arts. 509 a 512 do NCPC.
Uma vez liquidada a sentença, passa-se à fase executiva, que seguirá o sistema do
CPC: obrigação de fazer, não fazer e entregar coisa, são regulados pelos arts. 497 e 498 do
NCPC; já as sentenças para pagamento de quantia, seguem a sistemática do art. 514 e
seguintes.
Todavia, a liquidação e execução da sentença coletiva seguirão modelos diferentes a
depender do direito transindividual tutelado, senão vejamos:

9.2 Direitos difusos e coletivos (essencialmente coletivos)

Por sua vez, a depender de qual pretensão está sendo executada (se individual ou
coletiva), a sentença coletiva que discute direitos difusos e coletivos pode dar ensejo a 2
modelos diferentes:
a) Liquidação/execução da pretensão coletiva => segue o padrão da liquidação/execução da
sentença individual.
b) Liquidação/execução da pretensão individual (pelo transporte in utilibus) => segue o mesmo
modelo de liquidação de sentença genérica envolvendo direitos individuais homogêneos.

9.2.1 Liquidação/execução da pretensão coletiva

Trata-se da execução coletiva clássica, a qual seguirá, como já dito, o regramento do


NCPC a depender da natureza da obrigação afirmada: se obrigação de fazer, não fazer ou
entrega de coisa, efetiva-se por tutela específica, consoante as regras previstas nos arts. 497 e
498 do diploma processual, respectivamente; se obrigação de dar quantia, efetiva-se por
cumprimento de sentença, conforme o que dispõe os arts. 515 e ss. da mesma lei.
São, porém, legitimados todos aqueles previstos no art. 5º da LACP, ou seja, qualquer
legitimado coletivo, inclusive por quem não tenha sido autor da ação coletiva de
conhecimento. Todavia, a preferência é que a iniciativa seja deste (de quem propôs a ação
originariamente), para, só em caso de sua omissão em até 60 dias, o MP ou qualquer outro
colegitimado promover a execução, em nome do princípio da indisponibilidade absoluta da
execução da sentença coletiva (art. 15, LACP).
Enfim, havendo condenação em dinheiro, dispõe o art. 13 da LACP que a indenização
pelo dano deverá ser revertida ao fundo de reparação de bens lesados, ou seja, ao FDD –
Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (a Lei n. 9008/95 regula o fundo federal gerido pela
sociedade civil). Obs.: quando o dano for ao patrimônio público, esse dinheiro não irá para o
fundo, mas para a pessoa jurídica lesada.
Quanto à competência, segue-se a regra geral do processo civil, qual seja, é competente
o juízo que decidiu a causa no 1º grau de jurisdição (art. 516, II, NCPC).

9.2.2 Liquidação/execução da pretensão individual

A execução da pretensão individual a partir do seu reconhecimento em ação coletiva


em que se tutelou direito difuso ou coletivo só é possível por meio do chamado transporte in
utilibus, previstos no §3º do art. 103, CDC.
Dessa forma, a vítima ou seus sucessores podem apresentar a sentença proferida no
processo coletivo perante o juízo cível, requerendo apenas a liquidação e o pagamento (não
necessita mais de certificação).
Os legitimados são as vítimas e seus sucessores; e os destinatários, também. A
diferença é que será necessária uma prévia liquidação para se aferir o que é devido aos
prejudicados individuais (provando o dano individual, o nexo de causalidade e o montante do
dano), uma vez que a sentença proferida no processo coletivo só quantif icou o dano com base
na coletividade.
Todavia, a LACP não dispõe acerca de tal liquidação, e o CDC restringiu-se a tratar da
liquidação de sentença que reconheça interesses individuais homogêneos. Deve -se, então,
nesse caso, aplicar tais regras do CDC e, supletivamente, as do NCPC.
Dispõe o art. 95 do CDC que “a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu
pelos danos causados”.
Em complemento, prevê o NCPC, em seu art. 509, que caberá liquidação por
arbitramento quando determinado pela sentença, convencionado pelas partes ou exigido pela
natureza do objeto da liquidação. Por outro lado, a liquidação será pelo procedimento comum
quando houver necessidade de alegar e provar fato novo. Por fim, quando a determinação do
valor depender apenas de cálculo aritmético, o credor requererá o cumprimento da sentença,
na forma do art. 523 do NCPC, instruindo o pedido com memória discriminada e atualizada
do cálculo.
A competência para a execução da pretensão individual é concorrente, seguindo o
disposto no art. 98, §2º, I do CDC e no art. 101, I, do mesmo diploma legal. Assim, é
competente para a execução o juízo da liquidação da sentença ou da ação condenatória; ou o
juízo do domicílio do autor (vítima ou seus sucessores).
Didier Júnior propõe a aplicação também do parágrafo único do art. 516 do NCPC (na
verdade se aplica nas demais hipóteses de direitos transindividuais também), por ser mais
benéfico e facilitar a efetivação individual da sentença coletiva, já que permite ao exequente
mais opções de foros, devendo requerer ao juízo de origem a remessa dos autos do processo ao
juízo da execução. Assim, haveria 4 foros possíveis:
a) o que processou a causa originalmente;
b) o do domicílio do executado;
c) o do bem que pode ser expropriado;
d) o do domicílio do exequente.

9.3 Direitos individuais homogêneos (acidentalmente coletivos)

Já a liquidação/execução da sentença que reconhece direitos ou interesses individuais


homogêneos segue 3 modelos diferentes:
a) Liquidação/execução da pretensão individual decorrente => segue as mesmas regras da
execução da pretensão individual dos direitos difusos e coletivos.
b) Liquidação/execução da pretensão individual pelo ente coletivo => pelos legitimados
coletivos em representação das vítimas já identificadas e já liquidad as (art. 98, CDC)
c) Liquidação/execução da pretensão individual residual => pelos legitimados coletivos, indo a
indenização ao Fundo de Direitos Difusos (art. 100, CDC).

9.3.1 Liquidação/execução da pretensão individual decorrente (art. 97 do CDC)

Aplica-se, aqui, tudo aqui que foi dito no modelo da pretensão individual dos direitos
difusos e coletivos pelo transporte in utilibus (os legitimados e os destinatários são as vítimas e
sucessores, que procedem à liquidação imprópria, tudo como já exposto acima).
9.3.2 Liquidação/execução da pretensão individual pelo ente coletivo

O art. 98 do CDC prevê a possibilidade de o legitimado coletivo promover a execução


das pretensões individuais já liquidadas. Ex.: sindicato promovendo a execução de verbas dos
trabalhadores. Atenção: somente as vítimas que já tiverem indenizações liquidadas serão
abrangidas.
São legitimados aqueles previstos no art. 5º da LACP e art. 82 do CDC, que agirão
como substitutos processuais, cujos destinatários serão as vítimas e sucessores que já tiverem
liquidado a sentença coletiva. Do contrário, não é possível a execução coletiva.
A competência é do juízo da condenação.
Obs: No informativo n. 499/2012, o STJ decidiu que , não obstante ser ampla a
legitimação para impulsionar a liquidação e a execução da sentença coletiva, admitindo-
­‐se que a promovam o próprio titular do direito material, seus sucessores ou um dos
legitimados do art. 82 do CDC, o art. 97 impõe uma gradação de preferência que permite a
legitimidade coletiva subsidiariamente, uma vez que, nessa fase, o ponto central é o dano
pessoal sofrido pelas vítimas.

9.3.3 Liquidação/execução da pretensão coletiva residual (fluid recovery)

A sentença condenatória proferida em ação para a defesa de direito individual


homogêneo pode gerar o denominado fluid recovery. Em outras palavras, conforme dispõe o art.
100 do CDC, caso não haja, no prazo de 01 (um) ano 7, habilitação de legitimados individuais
compatíveis com a gravidade e extensão do dano, poderão os legitimados coletivos fazer uma
estimativa de quanto seria a indenização devida individualmente e executá-la, tendo o
dinheiro por destino o Fundo fluido a que alude o art. 13 da LACP (já que ninguém apareceu),
o chamado Fundo de Defesa dos Direitos Difusos 8.
Conforme bem anotam Didier e Zaneti Jr. (p. 389), o art. 100 do CDC prevê uma
legitimidade extraordinária subsidiária, pois que somente após o decurso de prazo de 01 ano
contado do trânsito em julgado da sentença é que será permitido o fluid recovery.

7 Esse período de um ano dobra (passando a ser dois anos) se a ACP objetivar interesses de investidores
lesados no mercado de valores mobiliários (Lei 7.913/89).
8 No que diz respeito à sua finalidade, o objetivo inicial do fundo criado na LACP consistia em gerir recursos

para a reconstituição dos bens lesados. Gradativamente, por força de alterações legislativas, sua destinação
veio sendo ampliada: hoje, pode ser usado para a recuperação de bens, promoção de eventos educativos e
científicos, edição de material informativo relacionado com a lesão, bem como modernização administrativa
dos órgãos públicos responsáveis pela execução da política relacionada com a defesa do interesse envolvido
Alguns autores sustentam que, uma vez indenizado o fundo, prescreveriam as
pretensões das vítimas, de modo que, após isso, não poderia haver novas execuções. Mas esta
questão é polêmica.
Segundo Mazzilli, não se habilitando a tempo, só por ação direta individual poderão
os lesados discutir seus prejuízos.

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