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abrem novas possibilidades de controle sobre a produção. A administra- Ford, H. 1922, My Life
and Work, Heinemann,
ção apoderou-se destas por razões ligadas às relações trabalhistas no país, Londres.
e particularmente à forte mentalidade taylorista/fordista dos engenheiros Hewitt, T. 1988, Employ-
ment and Skills in the
brasileiros. Electronics Industry: The
Case of Brazil, Tese de
Caracteristicamente, os trabalhadores afetados diretamente pelo for- Doutorado, Institute of
talecimento das práticas fordistas estão na categoria das funções de pro- Development Studies,
University of Sussex.
dução semi-especializadas, que continuam representando a maior parcela Hoffman, K. e Kaplinsky,
da força de trabalho (ver Tabela 1). O aumento das funções semi- R. 1988, Driving Force:
The Global Restructuring
especializadas em 1986, tanto em números absolutos como relativos, mos- of Technology, Labour,
and Investment in the Au-
tra que a indústria ainda depende fortemente deste tipo de trabalho, uma tomobile and Compo-
nents Industries, UNCTC
vez que este aumento ocorreu no melhor ano da década em termos de Study, Westview Press,
Boulder e Londres.
aumento de produção. A Tabela 1 também mostra que houve uma dimi-
Humphrey.J. 1982, Capi-
nuição substancial na parcela de trabalhadores não-especializados devido talist Control and Wor-
ao afastamento daqueles encarregados das operações de transferência e kers' Struggle in the Bra-
zilian Auto Industry, Prin-
manuseio. Na verdade o número absoluto de trabalhadores manuais di- ceton University Press,
Princeton.
minuiu 20% entre 1984 e 1986, um período durante o qual os níveis ge-
Jürgens, U., Dohse K. e
rais de emprego estavam se recuperando. Outra importante redução ocor- Malsch, T. 1986, "New
Production Concepts in
reu na parcela do staff gerencial e administrativo. Isto parece ter sido o West German Car
Plants", em S. Tolliday
resultado da racionalização que se seguiu à fusão entre a Ford e a Volks- an J. Zeitlin (orgs), op.
wagen e da ampla computadorização das tarefas administrativas. A parce- cit..
la das funções de manutenção aumentou ligeiramente também, mas não
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to é verdade até para a manutenção mecânica. Mas a área de maior cresci- Shaiken, H. e Herzen-
berg, S. 1987, Automa-
mento é a de eletrônica. Neste campo, há novas ocupações que são mais tion and Global Produc-
tion: Automobile Engine
especializadas do que aquelas relacionadas com a manutenção elétrica na Production in Mexico,
antiga linha. O novo conhecimento necessário é tanto teórico quanto prá- the United States an Cana-
da, Monograph Series Nº
tico. O estudo dos manuais dos equipamentos eletrônicos faz parte do tra- 26, Center for US-
Mexican Studies, Univer-
balho cotidiano. Além disso há toda uma gama de novas atividades e es- sity of California, San
Diego.
pecializações práticas que tornam a manutenção eletroeletrônica o ponto-
Silva, E.B. 1988, Labour
chave para o funcionamento contínuo da linha. Para desenvolver a profi- and Technology in the
Car Industry: Ford Strate-
ciência em manutenção, a direção acelerou o investimento em treinamento. gies in Britain and Brazil,
A preocupação gerencial em reduzir o tempo perdido e aperfeiçoar Tese de Doutoramento,
Imperial College of Scien-
a qualidade traz à baila a questão da responsabilidade e confiabilidade da ce and Technology, Uni-
versity of London,
força de trabalho. Contudo, é aqui que aparecem as contradições entre Londres.
a estratégia de produção e as políticas de relações industriais. As novas Tolliday, S. e Zeitlin, J.
1986, The Automobile In-
metas de produção— alta qualidade e mínima iterrupção — exigem um dustry and its Workers —
Between Fordisrn and
alto comprometimento tanto dos trabalhadores de manutenção como dos Flexibility, Polity Press,
de produção. Para desenvolver este comprometimento, as indústrias au- Cambridge.
tomobilísticas tentaram o que chamam de "nova abordagem" das relações Zilbovicius, M., 1987,
Tecnologia, Engenharia e
industriais. Em teoria isto inclui o compromisso da direção com a estabili- Automação: Estudos de
um Caso de Mudança
dade da força de trabalho e a disposição de negociar com as comissões Tecnológica em uma
Montadora de Automó-
de trabalhadores por seção (workers' shop-floor comissions) em ques- veis no Brasil, Dissertação
de Mestrado, Escola Poli-
tões de organização do trabalho e relações trabalhistas. A mudança de abor- técnica da Universidade
dagem também representa uma tentativa por parte do staffde relações in- de São Paulo, São Paulo.
4. Conclusão
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lística mundial está na dianteira das novas mudanças tecnológicas e orga- (6) Sobre a utilização de
nizacionais. Seguramente cenários de rápida difusão da automação pro- programas de melhoria
de qualidade, ver Carva-
gramável em países de industrialização tardia precisam ser questionados lho (1987) e Silva (1988).
(Sheiken e Herzenberg 1987, Corona 1986). Com poucas exceções, a au- (7) Isto foi o que nossa
pesquisa revelou sobre a
tomação provavelmente se manterá seletiva nestes países, no futuro previsível. estratégia efetivamente
adotada pelas subsidiárias
Na marcha da automação seletiva, o fordismo fortaleceu-se. Ao apre- das multinacionais no
sentarmos esta conclusão, não estamos argumentando que o fordismo é Brasil. É difícil prever se
esta estratégia seria viável
desejável politicamente, mas sim que a direção da indústria automobilísti- se a indústria automobilís-
tica brasileira tivesse que
ca brasileira o encara como a forma mais eficiente de organização do tra- melhorar ainda mais sua
competitividade para ser
balho. Uma pergunta-chave é se esta estratégia é compatível com a manu- capaz de competir nos
segmentos mais exigentes
tenção da competitividade internacional. A resposta não está bem deli- do mercado mundial.
neada, mas tende a um "sim". As exportações de autoveículos e motores (8) Isto parece confirmar
as averiguações de Jürgen
brasileiros têm crescido de maneira constante nos últimos 15 anos. Con- (1989) em relação à ado-
tudo, é necessário qualificar esta expansão. O grosso das exportações bra- ção internacional de téc-
nicas de gerenciamento
sileiras continua a se dar para países em desenvolvimento. As exportações j a p on es a s .
para países avançados aumentaram substancialmente, mas nesses merca-
dos os carros brasileiros competem nos segmentos inferiores. Esta parece
ser a estratégia de mercado atribuída pelas multinacionais às suas subsi-
diárias no Brasil. A busca de melhorias de qualidade pelas firmas automo-
bilísticas brasileiras precisa ser vista neste contexto. Ruy de Quadros Carvalho
é pesquisador do IPEA e do
Mesmo assim, há exemplos de enormes melhorias nos anos 80. Por Núcleo de Política Cientí-
fica e Tecnológica do Ins-
exemplo, Silva (1988) mostra que certos carros fabricados no Brasil se clas- tituto de Geociências da
Unicamp. No momento
sificaram melhor que seus equivalentes ingleses em uma avaliação de qua- realiza pesquisa de douto-
ramento no Institute for
lidade realizada em 1986. Tal competitividade é resultado de uma estraté- Development Studies
(IDS), da Universidade de
gia que combina trabalho barato, automação seletiva, introdução de pro- Sussex.
gramas de melhoria de qualidade6, valorização da especialização em ma- Hubert Schmitz é pesqui-
sador do IDS e coordena
nutenção e organização de trabalho fordista na produção7. A natureza um grupo de pesquisa
que estuda a alta tecnolo-
particular desta combinação sugere que a difusão internacional das me- gia para o desenvolvi-
mento industrial, com re-
lhores práticas — tecnológicas ou organizacionais — passa por uma adap- ferência especial ao
Brasil.
tação às condições dos países receptores8. Para concluir com nosso pon-
to principal, numa época em que o debate internacional favorece o fim
do fordismo, não podemos perder de vista o fato de que a organização de
Novos Estudos
trabalho fordista está sendo reforçada em alguns dos novos centros da CEBRAP
indústria mundial. Nº 27, julho de 1990
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