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ANÁLISE “FARSA DE INÊS PEREIRA”, GIL VICENTE

RESUMO

Inês Pereira, moça simples e casadoira mas com grande ambição procura marido que seja
astuto, sedutor, “que saiba tanger viola, e eu coma cebola.” A mãe de Inês, preocupada com a
sua filha, sua educação e casamento, incita-a a casar com Pêro Marques, pretendente arranjado
pela alcoviteira

Leonor Vaz, no entanto Inês Pereira não se apraz do filho do lavrador, por este ser ignorante e
inculto. Entretanto entram em peça dois “casamenteiros judeus” que também cuidavam de
arranjar marido para Inês, e se bem procuraram melhor acharam e Inês casa com um escudeiro,
de sua graça Brás da Mata.

Este casamento depressa se revela desastroso para Inês, que por tanto procurar um marido astuto
acaba por casar com um que antes de sair em missão para África, dá ordens ao seu moço que
fique a vigiar Inês e que a tranque em casa de cada vez que sair à rua. Brás da Mata, era um
escudeiro falido que casou com Inês de forma a poder aproveitar-se do seu dote.

Três meses após a sua partida, Inês recebe a agradável notícia de que o seu marido foi morto por
um mouro. Não tarda em querer casar de novo, e é nesse mesmo dia que Leonor Vaz lhe traz a
notícia que Pêro Marques, continua casadoiro, de resto como este tinha prometido a Inês
aquando do primeiro encontro destes. Inês casa com ele logo ali, e já no fim da história aparece
um falso monge que se torna amante da protagonista.

O ditado “mais quero asno que me carregue que cavalo que me derrube”, não podia ser melhor
representado do que na última cena da obra quando o marido a carrega em ombros até ao
amante, e ainda canta com ela “assim são as coisas”.

Caracterização das personagens

Inês: moça do povo ambiciosa que deseja ascender socialmente

-solteira: alegre, preguiçosa, leviana, só pensa em casar, teimosa, ambiciosa, insensata,


fantasiosa, sabida, resmungona

-casada com o Escudeiro: engaiolada, não ri, não pode falar, nem ir à janela, aceita a situação
pois reconhece a culpa, desencantada, arrependida

-casada com Pêro Marques: vingativa, infiel, fingida

Mãe: mulher do povo

-confidente, conselheira, amiga, compreensiva, sincera, realista, conformista, resmungona


Lianor Vaz: alcoviteira (casamenteira)

-honesta, amiga, conselheira, desinteressada, persistente, sincera

Judeus: alcoviteiros (casamenteiros)

-desonestos, interesseiros, falsos/mentirosos, materialistas, aldrabões

Pêro Marques: lavrador

-estúpido/parvo/ignorante, honesto, rico, bom marido, respeitador, rude/deselegante, generoso,


ingénuo, obediente

Escudeiro: baixa nobreza (fidalgo)

-antes de casar: gentil, interessado, bem falante, sabe tocar viola, vaidoso, esperto

-depois de casar: pelintra, desleal, mentiroso, autoritário, cruel, cobarde, egoísta

Personagens tipo:

•Inês: moça do povo ambiciosa

•Pêro Marques: pouca educação do homem do campo, o asno, o inadaptado à sociedade

•Escudeiro: a baixa nobreza em degradação: faminta e pelintra

•Lianor Vaz: alcoviteira

•Mãe: materialista, quer ver a filha bem arrumada, com estabilidade económica

•Judeus: mundo da aldrabice e do interesse monetário

•Ermitão: clero leviano que esquece os seus deveres e a sua moral

•Moço: classe servente (povo)

Cómicos

•Cómico de Carácter

Ex.: concretiza-se nas figuras de Pêro Marques (provinciano e bronco nitidamente deslocado
junto de Inês e da Mãe) e do Escudeiro pobre e cobarde mas dissimulando na elegância do seu
discurso, na variedade das suas prendas (canta e toca) e na fanfarronice solene todas as suas
fraquezas e misérias.

•Cómico de Situação
Exs.:

-quando Pêro Marques se senta na cadeira ao contrário e de costas para Inês e para a Mãe
(vv.288-91);

-na fala dos Judeus casamenteiros, que, na sua sofreguidão e calculismo para conseguirem casar
Inês com o Escudeiro, se interrompem, repetem e atropelam constantemente (vv.423-64);

-no episódio final quando Pêro Marques, descalço, transporta Inês às costas, mais duas lousas
que lhe agradam e para cúmulo, aceita cantar uma cantiga que o apelida de "marido cuco"
(vv.1105-41).

•Cómico de Linguagem

Exs.:

-quando Pêro Marques entra com a sua linguagem recheada de termos e expressões
provincianas e sobretudo a sua pronúncia (vv.293-316);

-quando os Judeus produzem o seu discurso repetitivo e arrastado (vv.423-64);

-quando Inês se refere a Pêro Marques dizendo "Ei-lo se vem penteando/será com algum
ancinho?" (vv.271-2);

-na ironia cáustica do Moço desmascarando a pelintrice do Escudeiro (vv.528-49).

•Ironia

Exs.:

-no diálogo inicial entre Inês e a Mãe especialmente quando esta se refere à preguiça da filha
(vv.39-42);

-no diálogo entre a Mãe e Lianor Vaz sobre um clérigo que queria ver se ela era macho ou
fêmea (vv.73-90);

-na reação de Inês à carta de Pêro Marques trazida por Lianor (vv.258-62);

-na maneira como Inês imagina Pêro Marques antes da sua apresentação (vv.265-72);

-em algumas falas dos Judeus (vv.454-5);

-nas respostas e apartes do Moço quando o Escudeiro o prepara para o encontro com Inês e
durante este (vv.524-606);

-na reação da Mãe à apresentação do Escudeiro (vv.627-8);

-nas respostas do Moço quando o Escudeiro o encarrega de tomar conta de Inês durante a sua
ausência (vv.824-32);

-na fala de Inês, fechada, tecendo considerações sobre a sua situação e o comportamento do
marido (vv.858-66);

-quando Inês recebe a carta de Arzila (vv.899-927);


-no diálogo com Lianor Vaz logo após a sua viuvez, fingindo ter sentido a morte do marido
(vv.950-2).

A temática da peça está profundamente ligada à realidade vivida pela sociedade portuguesa da época
de Gil Vicente: o desejo de ascensão social da pequena burguesia, que vê no casamento numa forma
de consegui-la, o oportunismo, o desprezo pela vida camponesa e o prestígio das maneiras cortesãs,
a ignorância do rústico, embora rico camponês e sua ingenuidade, a falta de escrúpulos (núcleo da
peça). O desenvolvimento do capitalismo reforçou o poder do monarca e provocou a decadência da
nobreza feudal. A riqueza vinda do comércio ultramarino tendia a ser grande base do prestígio
social. A aristocracia dependia dessa riqueza e procurou diminuir sua importância desprezando-a e
valorizando a origem de sangue, a educação, a fineza, as boas maneiras, a honra e a coragem, enfim
os ideais cavaleirescos. E como a nobreza mesmo decadente, ainda conservava grande prestígio
social, acabou por impor o estereótipo do cavaleiro como modelo a que deviam aspirar todos aqueles
que queriam pertencer à classe superior. A burguesia (comércio e finanças) procurou imitar esse
figurino com desejo de ascensão social. Passaram então a imitar os nobres sonhando subir na escala
social, mas isso tornou-se cómico e ridículo.

Objetivos da crítica vicentina

Gil Vicente critica:

• A mentalidade das jovens raparigas;

• Os escudeiros fanfarrões, galantes e pelintras;

• A selvajaria e ingenuidade de Pêro Marques;

• As alcoviteiras e os judeus casamenteiros;

• Os casamentos por conveniência;

• Os clérigos e os Ermitões.

Estrutura da peça

Nesta farsa não existem divisões cénicas, mas é possível dividi-la em “3 atos”.
EM SÍNTESE...

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