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ESPORTES PARA AMPUTADOS

Marco Antônio Guedes de Souza Pinto


Margarida S. C. Marques de Oliveira
Elisabeth Mattos

Introdução

Tradicionalmente, as atividades físicas têm sido utilizadas como instrumento


de tratamento: tanto pela sua indicação como pela sua restrição. No âmbito das
indicações, ela tem como objetivo: diminuir o "stress", facilitar a reabilitação
emocional e física, desenvolver a motricidade, o sistema cardiorrespiratório e
promover a segurança do paciente ampliando seu acervo de experiências motoras.
O uso do esporte com finalidade terapêutica teve início no Hospital de Stoke
Mandeville, na Inglaterra, por iniciativa do neurologista e neurocirurgião alemão
Ludwig Guttman. Após estar convencido dos efeitos da prática esportiva na
motivação e também na melhora do sistema neuromuscular dos indivíduos, este
médico, na década de 40, incluiu a prática esportiva nos programas terapêuticos dos
lesados medulares, o que mais tarde se estendeu para outros deficientes.

Desde a última década, a prática de atividade física para pessoas portadoras


de deficiência tem sido alvo de vários estudos, especialmente com o
desenvolvimento dos atletas de alto nível, o que proporciona melhoria e
desenvolvimento do conhecimento em relação ao comportamento dessa população,
diante de atividades mais intensas. Esse conhecimento tem se difundido e
desenvolvido entre profissionais da saúde, contribuindo para a melhoria da
qualidade de vida dos pacientes, favorecendo também a integração social desses
indivíduos (MATTOS, 1994). É preciso ressaltar que a condição física pode diferir
entre o amputado que adquiriu esta condição devido a um trauma, e outro que a
adquiriu de forma congênita ou devido a doenças crônicas. O primeiro poderia até
ser um atleta antes da lesão e o segundo e terceiro poderiam ter estado inativos
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como conseqüência da doença primária. Os amputados congênitos precisam ser


estimulados desde cedo a praticar atividades físicas, sendo encaminhados a
programas de Educação Física e Esportes Adaptados.

Falar em esportes para amputados em países que ainda lutam para que estes
tenham ao menos o atendimento básico necessário à sua reabilitação pode parecer
atrevido. Isto, entretanto, não é verdade.
Desde os primórdios da história do homem, o esporte vem atraindo e
apaixonando multidões, seja no Império Romano com suas corridas de bigas e lutas
de gladiadores, como nas modernas praças esportivas de hoje.
A atividade esportiva pode representar para o amputado desde a simples
prática de uma atividade saudável até o resgate da sua auto estima.
Tomemos como exemplo o caso extremo do paciente idoso, portador de
doença vascular periférica associada ao diabetes. Trata-se de pessoa de risco para
a prática esportiva competitiva. Entretanto, exercícios leves e caminhadas diárias
sob supervisão médica e fisioterápica só irão lhe trazer benefícios, pois além da
melhora da condição cardiorrespiratória, o trabalho muscular dos membros inferiores
irá estimular a circulação periférica induzindo a formação de circulação colateral
melhorando, desta forma, o aporte de sangue para os membros isquêmicos.
Caminhar na rua, no ambiente de um clube ou de uma academia, motiva o
amputado a sair de casa, favorecendo sua relação social e desenvolvendo
diferentes focos de interesse. Dentro de casa e sem estímulo, irá definhar física,
mental e emocionalmente, antecipando um final melancólico à sua existência.
Nas devidas proporções e com resultados igualmente benéficos, a atividade
esportiva irá beneficiar a vida do amputado mais ativo devido à manutenção do seu
condicionamento físico e inserção social (fig. 1).
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PONTOS PRINCIPAIS DE UM PROGRAMA

Um programa apropriado pode ser desenvolvido e implementado para cada


pessoa, não importando quão grave é a deficiência. A boa qualidade do programa
está não apenas no ensino de técnicas corretas e de procedimentos de
segurança, mas também, no desenvolvimento de atividades, deveria passar por
atividades competitivas e lúdicas. No Brasil quase não conhecemos escolas
especiais para pessoas portadoras de deficiência física ou motora. Quando
existem, elas costumam se destinar a crianças com deficiências múltiplas, com
componente marcante na área motora. Isto nos faz acreditar que parte da
população infantil portadora de deficiência motora deve freqüentar escolas
regulares, uma vez que o programa de disciplinas teóricas não precisa ser
alterado. Na realidade não é isto que acontece. As escolas em sua maioria não
estão preparadas para receber alunos com disfunções motoras, possuindo
diversas barreiras arquitetônicas, ou até dispensando-os das aulas de educação
física por razões diversas. Isto produz uma série de reações emocionais e sociais
tornando o desenvolvimento desses indivíduos também alterado. Surgem
problemas com a auto-imagem, consciência corporal, motivação e avaliação real
das capacidades e limitações, tanto por parte dos professores como por parte dos
próprios alunos. A partir de então se procura destacar os principais problemas que
se relacionam com a prática de atividades físicas das pessoas portadoras de
deficiência motora, bem como apresentar as oportunidades e adaptações já
efetuadas para facilitar o acesso destas pessoas à prática de atividades físicas,
nos seus vários níveis.
Antes de se iniciar o planejamento de um programa de atividades físicas,
não se pode esquecer que, devido ao impedimento físico-motor, a pessoa
portadora de deficiências físicas pode ter capacidade reduzida de se exercitar e de
desenvolver sua aptidão física. Há que se ter atenção com todos os segmentos
corporais, inclusive o lado sem amputação. O lado amputado apresenta atrofia
muscular importante, mas o lado sem amputação também pode apresentar-se
hipotrófico em relação à população normal (PEDRINELLI, 1999). Infelizmente, isto
pode contribuir para um estilo de vida sedentário, conduzindo o indivíduo para as
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doenças hipocinéticas (como exemplos, a fraqueza muscular, obesidade,


osteoporose e hipertensão) e predispondo-o ao que FIGONI (1995) denominou de
“ciclo da deficiência, inatividade e declínio funcional” (figura 1). Assim, a
participação em um programa de atividades físicas direcionadas é importante,
para evitar estas complicações associadas com a imobilidade e por propiciar
aumento da capacidade física para utilização de órteses e próteses (transferências
e propulsão), melhoria da auto-imagem, redução da depressão psicológica e
melhoria do desempenho em modalidades esportivas.

Disfunção física e deficiência

Impedimento
funcional e motor

Complicações médicas e Diminuição da tolerância ao exercício


deficiências secundárias ou incapacidade para se exercitar

Descondicionamento Inatividade física

FIGURA 1: O CICLO DA DEFICIÊNCIA, INATIVIDADE E DECLÍNIO FUNCIONAL


(ADAPTADO DE FIGONI, 1995)

Um dos maiores problemas em se avaliar a condição física de uma pessoa


amputada é que a massa corporal está reduzida, tanto pela amputação em si, como
pela deterioração muscular e desmineralização óssea no coto (SHEPHARD, 1994).
No tocante à avaliação da composição corporal, pode haver um comprometimento,
principalmente para aqueles que possuem doença prévia, pois se nota uma perda
da massa corporal subsequente. Com a continuidade da inatividade, prossegue-se a
um aumento da massa gorda em detrimento da massa magra (KAVANAGH &
SHEPHARD, 1990). A medida da capacidade aeróbia passa por diversas
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considerações, dentre elas, a mais importante seria a segurança durante a execução


do teste. Os amputados de membros superiores, encontram um certo desequilíbrio
para executar testes em esteira ou mesmo em cicloergômetros. Já os amputados de
membros inferiores necessitam inicialmente, de uma boa adaptação da sua prótese
para executar o teste com os membros inferiores. No caso da escolha de
cicloergômetros de braço, muitas vezes é difícil se atingir valores maiores devido à
falta de hábito para tal tipo de exercício (VAN ALSTE et al., 1985a). Isto remonta ao
princípio da especificidade ou treinamento físico.

O planejamento das atividades deve sempre respeitar algumas considerações


como, por exemplo, a retaguarda do segmento amputado. Amputações nos
membros inferiores apresentam a maioria dos problemas para a realização dos
movimentos. Apesar das próteses para membros inferiores auxiliarem na execução
dos movimentos, biomecanicamente não são eficientes como o membro natural, o
que conduz a dificuldades nas tarefas que envolvam velocidade, potência de salto e
subida de escadas (particularmente nas amputações transfemorais). Com relação à
amputação do membro superior, logo se pensa no comprometimento da destreza
manual. Entretanto, deve-se levar em consideração que o padrão locomotor também
pode ser afetado, já que há uma queda da eficiência no movimento dos braços que
ajudam a reduzir a oscilação do tronco, causando diminuição da estabilidade para
locomoção.

Um programa de atividades para amputados deve incluir inicialmente


atividades sem prótese, promovendo conhecimento corporal de sua nova condição e
as mudanças posturais e do equilíbrio. Num segundo momento, a utilização da
prótese ou muletas, bem como cadeira de rodas (de acordo com a condição
indicada para cada indivíduo) deve ser incluída no programa. O fato de que a
atividade física mais simples como caminhar, utilizando-se da prótese exige do
indivíduo amputado mais energia do que um indivíduo sem amputação faz com que
muitos se tornem sedentários (derroco, 1995a). Neste âmbito, a observação dos
aspectos motivacionais tem muita importância, o que pode ser conseguido através
das atividades esportivas. (Muitos amputados participam de modalidades esportivas
como atletismo, natação, tênis de mesa, tênis, vôlei (em pé ou sentado), basquete
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em cadeira de rodas, arco e flecha, bocha, halterofilismo, etc.). A ISOD


(“International Sports Organization for the Disabled”) e o IPC (“International
Paralympic Committe”) organizam as competições internacionais para amputados.
No Brasil a história mostra a influência do esporte adaptado desenvolvido nos
Estados Unidos (divulgado por Sérgio Del Grande e Robson Sampaio de Almeida,
onde o movimento de organização e normatização nasce entre seus praticantes) e
também do conceito de reabilitação desenvolvido na Europa (liderado por Ludwig
Guttman, que indicava atividade esportiva para deficientes, como forma de
tratamento). Os profissionais da saúde tendem cada vez mais, a encaminhar
pacientes para estas atividades, além de ministrá-las, uma vez que os profissionais
de Educação Física e Esporte ainda têm se dedicado pouco a esta área. Ainda no
Brasil, as competições são gerenciadas e regulamentadas pela ABDA (Associação
Brasileira de Esporte para Amputados) e pela ABRADECAR (Associação Brasileira
de Esporte em Cadeira de Rodas) que permite a participação de amputados de
membros inferiores em seus eventos.

Esporte adaptado

Denomina-se um esporte adaptado quando ajustes são introduzidos nas


regras no intuito de permitir a sua prática por pessoas portadoras de alguma
limitação física. Isto é freqüentemente necessário, pois as regras e a
instrumentação de uma modalidade esportiva são inicialmente destinadas a pessoas
sem limitações físicas maiores. Sem estes ajustes torna-se inviável, por exemplo, a
um usuário de cadeira de rodas praticar basquete. Entretanto, a adaptação das
regras permite a prática deste esporte por cadeirantes, com a realização de partidas
concorridas e interessantes, pouco ou nada devendo em competitividade e emoção
aos jogos realizados por pessoas sem deficiências.
Como já foi referido acima, além da adaptação das regras existe
freqüentemente a necessidade de instrumentação adequada à prática de
determinadas atividades esportivas. A seguir serão mostrados exemplos de
esportes praticados por amputados e, quando necessária, a correspondente
adaptação protética.
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1. Academias Esportivas

Em uma academia, o amputado terá a possibilidade de, sob supervisão de


especialistas, submeter-se a condicionamento físico e treinamento específico antes
de passar à prática de determinado esporte (fig. 2). Este preparo tem a vantagem de
minimizar o risco de lesões devidas à prática esportiva sem o condicionamento
necessário.
Atualmente já se pode notar que algumas academias estão se preparando
para este mercado ainda pouco explorado representado pela pessoa portadora de
deficiência física. Estão se adaptando em relação à acessibilidade e seus
professores vêm sendo treinados para cuidar destes clientes especiais.
A convivência entre pessoas fisicamente habilitadas e os portadores de
deficiência física no ambiente das academias é também uma excelente oportunidade
de intercâmbio entre estas comunidades, unidas pelo interesse comum da prática
esportiva.
Este intercâmbio possibilita desmistificar a imagem do amputado como
deficiente, tanto para uma população como para a outra.

2. Esportes coletivos

São, em geral, praticados pelos amputados utilizando aparelhos protéticos


convencionais. Exemplos disso são o voleibol em pé e o basquete. Honrosa
exceção a essa regra é o futebol com muletas, praticado pelos atletas utilizando
muletas e sem prótese (fig. 3). O goleiro precisa ser portador de amputação de
membro superior e os demais participantes da equipe, portadores de amputação de
membro inferior. Pelo fato de não ser necessário o uso de aparelhos sofisticados,
portanto mais acessível, e também por fazer parte da nossa cultura, o Brasil se
destaca na prática deste esporte, tendo conseguido excelentes classificações nos
campeonatos mundiais disputados até agora.
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Esportes coletivos praticados na água, como o pólo aquático, também


dispensam a utilização de prótese, pois o seu uso só viria atrapalhar a desenvoltura
dos atletas.

3. Esportes individuais

É nos esportes individuais que se encontram as adaptações mais


engenhosas, com exceção das competições de natação, que devem ser disputadas
sem o uso de aparelho auxiliar. Um dispositivo desenhado especificamente para
este fim pode fazer enorme diferença, como veremos abaixo.
É neste campo de criação objetivamente funcional que importantes
contribuições tecnológicas são desenvolvidas para serem posteriormente absorvidas
na fabricação das próteses convencionais. É também neste universo que novos
conceitos surgem e se firmam, pois os atletas, utilizando aparelhos que os levam a
assumir formas bizarras, com uma conotação positiva e heróica, passam a definir
um novo conceito estético, liberando toda uma cultura da infeliz idéia de que o
amputado necessita vestir um disfarce de “normal” para poder ser aceito na
convivência social.

3.1. Atletismo
A grande mudança, em relação às provas de pista, ocorreu com o
desenvolvimento dos pés de resposta dinâmica, que utilizam o peso do corpo, em
princípio um causador de traumatismo para o coto de amputação, armazenando-o
em forma de energia potencial durante a fase de absorção de choque e devolvendo
esta energia como impulsão na fase de desprendimento. Utilizando um destes
dispositivos, Dennis Oehler, em 1988, durante as Para-olimpíadas de Seul, na
Coréia do Sul, teve cronometrado o tempo de 12,73 segundos para os 100 metros
rasos, somente cerca de 2 segundos mais lento que o tempo de Carl Lewis, na
época o recordista mundial da prova para pessoas normalmente habilitadas. Pouco
tempo depois, ainda reduziu este tempo para 12,3 segundos (fig. 4).
Os amputados transfemorais, para correr, devem a primeira grande
contribuição a Terry Fox, um jovem canadense portador de amputação transfemoral
por tumor ósseo maligno e que, em 1980, utilizando-se de uma prótese com joelho
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policêntrico e um sistema telescópico adaptado no segmento tibial e controlado por


uma mola, com a finalidade de absorver o choque contra o solo, foi capaz de correr
num estilo próximo ao habitual, alternando os pés no solo e inaugurando uma nova
era nas corridas para amputados transfemorais. Com a evolução dos joelhos
protéticos, que se tornaram mais resistentes e com maior possibilidade de controle
das diferentes fases da corrida, aumentaram a confiabilidade e a estabilidade sobre
o aparelho na fase de apoio. Na fase de balanço, um rápido retorno do joelho
mecânico à extensão, passou a permitir uma aterrissagem mais segura sobre a
prótese. Atualmente, o tempo recorde dos 100 metros para os amputados
transfemorais é de 12,86 segundos, pertencendo ao canadense Earle Connor.
Provas de longa distância, que há 15 anos eram consideradas heróicas, se
não impossíveis, começam, nos dias de hoje, a fazer parte rotineira do programa
das competições de atletismo para amputados.
O atual recordista mundial do triatlo olímpico, que consiste em nadar 1500
metros, pedalar 40 quilômetros e correr 10 quilômetros, é o brasileiro Rivaldo
Martins, portador de amputação transtibial de causa traumática, que completou uma
destas provas em 2 horas, 8 minutos e 42 segundos (fig. 5).
O amputado mais rápido na Maratona de New York, realizada em 05 de
novembro de 2000, foi o brasileiro Paulo de Almeida, que finalizou a prova com o
tempo de 3 horas e 41 minutos, na frente de, aproximadamente, 200 outros
amputados participantes (fig. 6).

3.2. Natação equipada


Na natação competitiva não é permitida a utilização de aparelhos auxiliares
durante a disputa das diferentes modalidades. Entretanto, tanto nos treinamentos
como na prática recreativa em piscinas ou no mar, é possível a utilização de uma
nadadeira adaptada a um encaixe protético que é vestido no coto de amputação.
Estes dispositivos são altamente recomendados por permitirem ao paciente exercitar
o membro afetado contra a resistência da água de maneira bastante eficiente (fig. 7).
Sem o aparelho o coto, encontrando pouca resistência à movimentação, não será
exercitado a ponto de melhorar significativamente o trofismo muscular favorecendo,
desta maneira, a discrepância funcional entre os dois lados.
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3.3 Tênis
Pode ser praticado segundo as regras normais desde que o paciente utilize
uma prótese adequada. O uso de aparelhos convencionais, menos resistentes,
pode provocar quebras durante a disputa com o risco inerente a uma queda
totalmente inesperada (fig. 8). A utilização de um pé de resposta dinâmica será sem
dúvida positiva, aumentando a velocidade e a aceleração. Para os transfemorais,
joelhos mecânicos com eixos e hastes mais resistentes são fundamentais. A
regulagem da fase de balanço deve ser tal que impeça a elevação excessiva do
calcanhar no início da fase de balanço (aceleração) e promova uma rápida extensão
do joelho em seguida.
A prática do tênis com o paciente utilizando prótese é quase sempre possível
para os amputados transtibiais, pois a preservação do joelho favorece a mobilidade
(fig. 9). Já os portadores de amputação transfemoral terão melhor condição para
praticar o tênis na sua forma adaptada, utilizando cadeira de rodas. Neste caso, a
diferença mais importante na regra é que a bola poderá tocar o chão duas vezes
antes de ser devolvida.

3.4. Ciclismo
Em relação aos amputados de membro inferior, o ciclismo deve ser
considerado sob duas óticas diferentes: com ou sem o aparelho protético. Isto
porque, para a maioria dos amputados transfemorais, torna-se extremamente
desconfortável pedalar utilizando a prótese. O movimento constante do quadril e a
proximidade do assento da bicicleta ao encaixe protético geram atrito e abrasão na
área proximal do coto. Dependendo do tipo de encaixe utilizado e da distância
percorrida, cedo ou tarde, formar-se-ão escaras bastante dolorosas.
Modificações no assento da bicicleta e encurtamento do pé de vela pela
metade para diminuir a amplitude do movimento circunvolutório do membro afetado,
podem melhorar bastante a situação. Na prática competitiva, a solução ideal para
os amputados transfemorais unilaterais, tem sido a não utilização da prótese. O pé
remanescente, preso ao pedal pelo firma-pé, empurra e puxa, ficando inativo o lado
amputado.
Já os amputados transtibiais apresentarão rendimento bastante próximo do
normal pedalando com ambos os pés, o sadio e o mecânico, desde que o encaixe
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de sua prótese apresente um recorte adequado da borda superior e posterior,


liberando os tendões dos músculos flexores do joelho, tanto medial como
lateralmente (fig.10). Isto permitirá uma maior flexão da articulação sem a
ocorrência de pinçamento dos tendões e/ou deslocamento do coto para fora da
prótese, empurrado pela parede posterior, quando muito alta. Na prática
competitiva, desenhos de aparelhos protéticos mais aerodinâmicos e a eliminação
do pé, desnecessário para pedalar, buscam diminuir o peso e reduzir a resistência
do ar (fig.11).
Para os amputados de membro superior são utilizadas adaptações protéticas
com a finalidade de possibilitar maior estabilidade do corpo ao se apoiar no guidão.

Classificação Esportiva

Pessoas com deficiência constituem uma população extremamente


heterogênea, tornando muito difícil a organização de uma competição justa. Os
sistemas de classificação são geralmente utilizados no esporte para atletas com
deficiências, com o objetivo de encorajar mais pessoas a participar. Os
competidores são classificados de acordo com a idade, peso, sexo ou deficiências
sensório-motoras criando grupos ou classes relativamente homogêneas. Os
médicos e os profissionais de reabilitação foram os primeiros a promover
atividades esportivas para o deficiente fornecendo também o primeiro sistema de
classificação. Estes sistemas visam encorajar pessoas com deficiências a
participar do esporte, mediante agrupamento de indivíduos com semelhança de
condições. O foco no diagnóstico clínico levou a uma multiplicidade de classes,
especialmente entre os indivíduos com deficiência física. O sistema mais simples
era o de amputados, onde eram classificados nas classes A1 até A4 os de
membro inferior e de A5 a A8 os de membro superior. A classe A9 era atribuída
aos amputados mistos (MMSS e MMII).

CLASSIFICAÇÃO MÉDICA – PARA ESPORTE – AMPUTADOS (ISOD)

A1 amputação bilateral acima do joelho (através da articulação do joelho);


A2 amputação unilateral acima do joelho (através da articulação do joelho);
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A3 amputação bilateral abaixo do joelho (mas através ou acima da articulação talo-


sural);
A4 amputação unilateral abaixo do joelho (mas através ou acima da articulação talo-
sural);
A5 amputação bilateral acima do cotovelo (acima ou através da articulação do
cotovelo);
A6 amputação unilateral acima do cotovelo (acima ou através da articulação do
cotovelo);
A7 amputação bilateral abaixo do cotovelo (mas acima da articulação do punho);
A8 amputação unilateral abaixo do cotovelo (mas acima da articulação do punho);
A9 amputações combinadas de membro superior + membro inferior.

Mais tarde iniciou-se um movimento no basquete em cadeira de rodas que


pretendia modificar o conceito da classificação, baseando-a na funcionalidade
motora do indivíduo com relação às demandas da modalidade. Essa classificação
é dinâmica e ainda recentemente sofreu modificações (1; 1,5; 2; 2,5; 3; 3,5; 4; 4,5)
para adequar as capacidades dos indivíduos às solicitações do jogo, procurando
criar uma competição mais justa. Os amputados participam ativamente desta
modalidade esportiva, sendo a que apresenta o maior número de praticantes
portadores de deficiência física (SHERRILL, 1990). Seguindo a experiência do
basquete, outras modalidades procuram utilizar o mesmo conceito de classificação
funcional, até mesmo numa tentativa de promover a integração entre os
portadores das várias deficiências motoras. Por este motivo essas classificações
ainda estão passando por várias alterações, dificultando o aprendizado e a
divulgação das mesmas pelas pessoas não envolvidas nos movimentos
esportivos. Ela tem como finalidade, combinar atletas com deficiências motoras
com capacidades semelhantes para competir numa modalidade esportiva de
forma a garantir uma competição mais justa para todos.
Assim sendo, o sistema médico de classificação esportiva para amputados
foi substituído pelo sistema funcional de classificação, procurando minimizar
diferenças entre indivíduos portadores de deficiência pela avaliação de sua
potencialidade em relação às solicitações motoras de uma determinada
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modalidade. Assim, quando participam de competições de natação, os amputados


podem ser classificados entre S2 a S10 (para os nados de crawl, costas e
borboleta), entre SB2 a SB9 (para o nado de peito) e entre SM2 a SM10 para as
provas de nado Medley. Nas competições de atletismo em provas de campo,
arremessos, as classes agora variam de F40 a F46 se ficarem em pé, e de F55 a
F57 se ficarem sentados durante as provas. Já na pista (corridas) suas classes
são denominadas T42 a T46 para os que correm em pé, com próteses e T53 se
correrem em cadeira de rodas.

ATIVIDADES EM CADEIRA DE RODAS E AS REGRAS ADAPTADAS:

A maioria das crianças inicia a prática regular de atividades físicas dirigidas


durante a fase escolar. Aquelas que são portadoras de deficiências motoras muitas
vezes são dispensadas dessa atividade, privando-se da experimentação de suas
potencialidades e limitações no plano motor. Além disso, ainda são poucos os
profissionais da Educação Física e do Esporte que estão habilitados a entender e
atender as necessidades dessas crianças.
Inicialmente, aquelas que utilizam cadeira de rodas para sua locomoção já
devem estar habituadas a manejar esta cadeira para participar de programas de
atividades motoras, uma vez que este treinamento inicial deve ser feito nos
centros de reabilitação. Na escola, a criança deve explorar os locais para a prática
de atividades físicas, desenvolver agilidade no manuseio da cadeira, bem como
procurar vencer obstáculos que, até então eram pouco explorados ou
desconhecidos. Podemos citar algumas habilidades básicas:
- posicionamento
- empunhadura ou pegada
- deslocar-se para frente e para trás com uma ou ambas as mãos
- frenagem

- girar para esquerda e para a direita de 45o até 360o


- deslocar-se entre obstáculos
- subir e descer degraus
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- empinar a cadeira e executar giros nesta posição


- deslocar-se com a cadeira na posição empinada
- desenvolver agilidade e destreza na cadeira visando mudanças de direção
rápidas
- aprender a manejar a cadeira com apenas uma das mãos
- manejar a cadeira com uma das mãos e manipular outro objeto com a
outra mão (ex: lançar e receber uma bola)
- passar entre obstáculos e executar giros durante o trajeto visando ocupar
o menor espaço para o deslocamento.
- aumentar a capacidade de resistência ao deslocamento
- aumentar a velocidade do deslocamento.
A partir daí o indivíduo estará pronto para iniciar o conhecimento das regras
de modalidades esportivas, adaptadas ou não para a prática em cadeira de rodas.
Muitas vezes, percebe-se que os adolescentes e adultos nunca passaram por
estas experiências, limitando-se a um deslocamento precário na cadeira de rodas
o que limita suas possibilidades de acesso às atividades profissionais,
educacionais, esportivas, de recreação e de lazer.
Dentro das modalidades esportivas podemos encontrar adaptações de
regras para a prática em cadeira de rodas no basquete, no vôlei, no atletismo
(pista e campo), arco e flecha, bocha, esgrima, tiro ao alvo, tênis de mesa e tênis
de campo, dentre outros. Existem também as modalidades esportivas que são
adaptadas para quem é dependente da cadeira de rodas, mas pode se libertar
dela para praticar tais atividades, com, por exemplo, o vôlei sentado, a natação, o
halterofilismo e etc. Existem também modalidades que foram criadas
exclusivamente para os dependentes da cadeira de rodas, utilizando o
equipamento e a limitação motora como determinantes da prática, como o "rugby"
em cadeira de rodas (só podendo participar de competições os portadores de
tetraplegias). Essa modalidade é praticada em diversos países da Europa, EUA e
Oceania. Utiliza-se uma quadra de basquete, bola de vôlei e forma de marcação
de pontos semelhante ao do “rugby”, onde ao atravessar a linha do gol com eixo
da roda traseira considera-se um ponto. A substituição dos jogadores é feita
semelhante ao handebol, onde há uma área para entrada e saída de jogadores,
sem haver necessidade de se interromper o jogo para tal ação. Os atletas
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elegíveis para tal modalidade são aqueles que possuem lesões cervicais da
medula ou comprometimento motor nos membros superiores e inferiores, inclusive
tronco. Não há possibilidade de participação se não tiver perfil motor semelhante a
este. Eles podem usar amarras e cintos para se fixarem a cadeira de rodas, a qual
é especial, com um suporte protetor na região dos pés, evitando lesões durante o
contato ou impacto entre as cadeiras.
As adaptações efetuadas nas modalidades esportivas procuram se adequar
ao máximo às regras já existentes, minimizando assim a segregação já imposta
pela condição deficiente. Os locais a serem utilizados devem ser, na maioria das
vezes, os mesmos que os utilizados pela modalidade sem adaptações. A
construção de novos locais ou a transformação dos já existentes encontra muita
resistência, sendo o principal motivo alegado a dificuldade para se conseguir
recursos financeiros ou de se investir muito para tão poucos, uma vez que a
parcela da população portadora de deficiências que procura ou sabe da
possibilidade da prática esportiva é bastante reduzida. Mesmo assim, quando uma
modificação se torna necessária, procura-se planejar a atividade com
aproveitamento dos recursos já existentes e poucas modificações a serem
executadas. Em geral o tempo, o número de jogadores e alguns fundamentos são
modificados a fim de permitir e facilitar a execução da modalidade.

ATIVIDADE X IMOBILISMO – AMPUTADO GERIÁTRICO

As amputações levam a deficiências cognitivas importantes. A perda do


segmento amputado produz um desequilíbrio biomecânico com repercussão em
todo o esquema corporal. O amputado vasculopata e idoso tem inúmeras
deficiências de função: a doença de base e as co-morbidades levam a um desuso
progressivo limitando suas possibilidades de reabilitação. Os períodos de repouso
pré e pós amputações favorecem o aparecimento de contraturas a deformidades no
membro residual e contralateral.
Existe progressiva atrofia muscular e óssea. O nível de dependência nas
funções básicas é proporcional à inatividade. Esse nível de inatividade apresenta
dificuldade para mudança ativa de decúbito, ortostatismo e impulsão para
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locomoção. A perspectiva de protetização no amputado idoso propicia um estado de


ansiedade-depressão. O desequilíbrio entre o repouso excessivo e as atividades
realizadas gera resultado funcional precário. As amputações no idoso levam um
tempo prolongado para o início da reabilitação. A perda de pele, a assimetria do
corpo, a diminuição da aferência sensitiva propiciam uma sucessão de deficiências.
O desuso no amputado idoso é uma constante co-morbidade. A atividade
física é pouco estimulada. Toda a atenção é voltada para os procedimentos
cirúrgicos e para a fase de cicatrização, com isso há maior perpetuação do “desuso
funcional”.
Por isso, no amputado idoso a atividade física deve ser estimulada
precocemente.
O sucesso da reabilitação dependerá do reaprendizado das aptidões físicas.
A protetização constitui uma etapa avançada no condicionamento físico.
A ela seguirá o treinamento sucessivo dos mecanismos de propriocepção
para maior agilidade e segurança na marcha.
A atividade física do amputado geriátrico corresponde a atividade esportiva do
amputado mais jovem. Enquanto o amputado jovem deve ser incentivado e
informado a respeito dos benefícios da prática da atividade física para sua qualidade
de vida, o idoso apenas mantém o que considera útil e agradável para sua vida. Por
isso é muito importante treiná-lo em todo seu potencial.
Os casos limítrofes em que as co-morbidades cardiovasculares limitam as
atividades, devem receber treinamento para atividades que permitam alguma
independência.

Existe uma relação direta entre a atividade física e o aparecimento das


doenças coronarianas. A inatividade física também funciona como um fator de risco
para o aparecimento de outras doenças sistêmicas (Fletcher et al, 1996).
O paciente com amputação geralmente evolui para uma grande redução no
nível da sua atividade física. SKINNER (1985), enfatiza que o principal objetivo na
reabilitação do paciente com amputação dos membros inferiores é o seu retorno às
atividades usuais no mais breve tempo, impedindo uma deterioração ainda maior da
sua capacidade física.
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PINZUR et al (1992), avaliando pacientes com amputação ocorrida por causa


vascular, afirma que o custo metabólico da deambulação é maior quanto mais
proximal for o nível da amputação.
Na opinião dos autores o paciente com amputação deambula num limiar
muito próximo do seu limite funcional metabólico. O limite confortável para a
deambulação, seria o seu limite metabólico máximo possível.
Analisando as capacidades funcionais de 236 pacientes com amputação
(membros superiores e inferiores) Kurdibaylo (1994) destaca que a capacidade para
realizar o trabalho muscular (enquanto medida de força) diminui com a perda da
massa corporal. Enfatiza que numa grande proporção, o fator limitante da
deambulação não é somente o nível corporal da amputação ou o tamanho residual
do membro amputado, mas sim a sua capacidade funcional cardio-respiratória.

Conclusão

Com as devidas adaptações, quando necessárias, a prática esportiva por


pessoas amputadas é possível e altamente desejável. Por seu intermédio o
amputado terá a possibilidade de manter um bom condicionamento físico, recuperar
a auto-estima e reintegrar-se à vida comunitária.
Ao interagir com amputados praticando esportes e de bem com a vida, as
pessoas da comunidade poderão ter uma visão mais correta do seu potencial de
reabilitação e da sua real condição para participar das atividades sociais. Isto porá
por terra muitos preconceitos ora existentes, que acabam por prejudicar o acesso
dos amputados a uma condição de vida mais justa.
Através da pesquisa gerada pela competitividade entre os diferentes
fabricantes de componentes, surgem novos desenhos, materiais e novas técnicas de
trabalho. Todos estes avanços serão, invariavelmente, incorporados pela indústria
convencional para benefício de toda a população de amputados.
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