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comparadas
Relações internacionais e segurança regional
no Brasil e na União Europeia
Fronteiras contemporâneas
comparadas
Relações internacionais e segurança regional
no Brasil e na União Europeia
Macapá/AP, 2016
Conselho Editorial
Agripino Alves Luz Junior Leticia Picanco Carneiro
Ana Paula Cinta Lylian Caroline M. Rodrigues
Camila Soares Lippi Marcio Aldo Lobato Bahia
Eldo Silva dos Santos Mauricio Remigio Viana
Eloane de Jesus R. Cantuária Raphaelle Souza Borges
Fernanda Michalski Robert Ronald Maguina Zamora
Giovani Jose da Silva Romualdo Rodrigues Palhano
Jadson Luis Rebelo Porto Rosinaldo Silva de Sousa
Julio Cezar Costa Furtado Tiago Luedy Silva
Fronteiras contemporâneas comparadas: relações internacionais e segurança regional no Brasil e na União Europeia
FREIRE, Maria Raquel (org.) e PINTO, Danielle Jacon Ayres (org.) | CHAVES, Daniel (org.)
ISBN: 978-85-62359-52-1
CDD: 320
CDU: 327
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define sociedades como tais, os problemas que aflige este espaço, são pro-
blemas que vão diretamente influenciar a dinâmica do sistema internacio-
nal e a concepção soberana dos Estados.
Desta forma, Europa, Brasil Austral e Brasil Setentrional possuem dinâ-
micas fronteiriças que devem ser estudadas e compreendidas para a cons-
trução de um mundo mais pacífico, seguro e igualitário. A Europa, que
atualmente, se vê às voltas com ameaças tradicionais como a anexação da
Criméia pela Rússia, ataques terroristas, ou mesmo, pelo enorme fluxo de
refugiados que chega ao continente diariamente precisa rever suas ações ex-
ternas, suas dependências e suas ideias de ação internacional para construir
novas dinâmicas fronteiriças que estejam de acordo com o projeto de uma
Europa integradora e pacífica. O Brasil, por sua vez, com dimensões conti-
nentais tem desafios sérios tanto nas suas fronteiras na região Norte (seten-
trional), como na sua região Sul (Austral). As constantes ameaças do cres-
cente tráfico de drogas nas fronteiras, do fluxo de imigrantes provindos das
regiões do Caribe e da América do Sul, das explorações de recursos natu-
rais tanto na Amazônia e nos bolsões de petróleo encontrados na camada
pré-sal do Atlântico Sul, como também as dinâmicas de segurança princi-
palmente na sua vertente marítima, são questões atuais que devem ser tra-
balhadas para entender o novo papel que o Brasil ocupa no mundo em
pleno século XXI - e como suas fronteiras são espaços essenciais para tal en-
tendimento.
Neste sentido, este livro se organiza em três partes:
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Introdução
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A nova realidade veio exigir um novo olhar sobre as fronteiras. Isto, pre-
cisamente, porque a ideia de que as fronteiras estavam a desaparecer resul-
ta do facto de estas continuarem a ser olhadas como eram anteriormente,
e que se constata ser uma abordagem claramente desadequada para cap-
tar o que efetivamente estava a acontecer. De facto, as fronteiras não es-
tavam a desaparecer, estavam antes a revelar a sua importância e vitalida-
de, demonstrando a sua capacidade de adaptação aos novos desafios a que
iam sendo submetidas, em particular pela aceleração dos ritmos de circu-
lação de pessoas, bens e serviços. A intensificação dos fluxos de capitais e
das trocas comerciais à escala global, os progressos nas novas tecnologias da
informação e as exigências de rápido avanço do processo de globalização,
estimulam, e por vezes até forçam, uma maior abertura das fronteiras (Ko-
lossov, 2005: 628). “A internacionalização da economia mundial… levou a
uma inevitável mudança das funções das fronteiras. A alteração mais óbvia
foi a mudança de fronteiras altamente protegidas e militarizadas para fron-
teiras mais porosas, permitindo a interação transfronteiriça social e econó-
mica” (apud Andreas, 1998: 591).
O que se constata é que as fronteiras não só não acabaram, como adqui-
riram uma nova vitalidade, já que são elas que estabelecem as pontes de li-
gação entre os vários atores no estabelecimento de uma rede a nível global.
Quando se pensa que as fronteiras desaparecem para permitir o livre flu-
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xo de bens ou capitais, o que acontece é que elas estão presentes, mas ago-
ra cumprindo, não a sua função de barreira, mas a sua função de ponto de
contacto.
Esta crescente porosidade das fronteiras, ou até mesmo abertura, não de-
sestrutura os territórios, uma vez que as fronteiras continuam a assumir o
papel de delimitadoras do espaço, bem como de elementos de separação de
diferentes realidades culturais, de diferentes identidades. As fronteiras es-
tão, de facto, mais abertas, mas nem por isso perdem as suas características
constitutivas que lhes reservam um papel singular enquanto fator de esta-
bilização no sistema internacional (Rudolph, 2005: 14). Neste processo de
transformação, mudam também as formas de regulação das fronteiras que
deixam de ser um domínio exclusivo de cada Estado passando a obedecer
igualmente a normas internacionais (Jacobson, 2001: 164).
No fundo, o que se constata é que as fronteiras mudaram e muito, é cer-
to, mas continuam aí, sempre bem presentes, desempenhando novas fun-
ções e com renovada importância. Afinal, como constata David Newman
(2006: 172): “Acordámos para o nosso mundo sem fronteiras, apenas para
descobrir que cada um de nós, individualmente, ou em grupos, ou Estados,
com os quais temos afiliação, vivemos num mundo de fronteiras que confe-
re ordem às nossas vidas”. Um mundo a que as fronteiras continuam a ten-
tar dar resposta. As mudanças geradas pelo processo de globalização colo-
cam as fronteiras perante desafios constantes de adaptação que constituem
um contínuo teste à sua capacidade de reação. É neste ponto que se reve-
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igualmente verdade que “as fronteiras também lá estão para serem cruza-
das” (Newman, 2003: 14). O que se constata é que no domínio da gestão da
fronteira há uma tendência que se tem vindo a manter ao longo do tempo.
De facto, “existe um consenso crescente na comunidade dos Estados quan-
to a levantar os controlos fronteiriços para os fluxos de capitais, informa-
ção, e serviços e, de um modo geral, para mais globalização. Mas no que diz
respeito a imigrantes e refugiados, seja na América do Norte, Europa Oci-
dental, ou Japão, o Estado nacional reclama todo o seu antigo esplendor
afirmando o seu direito de controlar as suas fronteiras. (Sassen, s.d.)
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das migrações vai conquistando protagonismo, ainda para mais porque “as
questões da imigração interferem com tensões internas em diferentes Esta-
dos nação, um facto que se manifesta de forma clara nos movimentos neo-
-nacionalistas no continente” (Brochmann, 1991: 190), com destaque para o
relevo que então ia conquistando em França a Frente Nacional, mas com
expressão também noutros países.
O tema da imigração vai entrando de várias formas na agenda política
de vários países Europeus, quer através de agendas partidárias populistas,
quer por episódios de afluxo anormal de imigrantes, como aconteceu no
caso italiano. Em 1990 e 1991 muitos refugiados albaneses chegaram à cos-
ta italiana e se num primeiro momento foram acolhidos por uma onda de
solidariedade, com o tempo a perceção do fenómeno foi-se alterando, pas-
sando “a imigração a ser descrita cada vez mais como uma ‘ameaça’, ‘um
exército invasor e atacante’, ‘um problema que precisa de ser aliviado e uma
pressão que tem de parar’” (Bonifazi, 2000: 240–241). Na análise que faz da
situação então vivida em Itália, Corrado Bonifazi recorda que rapidamen-
te os sentimentos de solidariedade e de tolerância foram substituídos pelo
medo e pelo desejo de exclusão, explicando tal mudança como facto da po-
lítica de migração se ter tornado “uma das principais áreas em que as so-
ciedades desenvolvidas expressam as suas ansiedades e preocupações sobre
os efeitos negativos do processo de globalização na economia” (Bonifazi,
2000: 236).
A perceção negativa sobre a imigração vai alastrando num processo em
que os imigrantes vão sendo conotados com inúmeros aspetos negativos da
vida quotidiana das sociedades.
Nos países industrializados, as migrações sem controlo são cada vez mais
vistas como uma ameaça para a ordem pública. A opinião pública, os
media, alguns partidos políticos e agentes policiais associam muitas ve-
zes migrantes irregulares com várias atividades criminais, tais como tráfi-
co de droga, assaltos, agressões com armas ou até terrorismo contra tanto
os países de acolhimento, como os países de origem. Embora este senti-
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mesmo tempo que simplifica a passagem das fronteiras para os que devem
ser admitidos, no pleno respeito dos seus direitos fundamentais” (Comis-
são Europeia, 2011a: 6). Neste sentido, a Comissão tenta encontrar um pon-
to de equilíbrio entre quem se sente ameaçado pela chegada de migrantes,
e quem se sente ameaçado pela incapacidade de outros em gerir de forma
adequada o acesso de migrantes ao espaço Schengen. Recorda, por isso, que
“cada Estado gere as suas fronteiras externas não só para controlar o aces-
so ao seu próprio território, mas também para controlar o acesso ao espa-
ço Schengen no seu conjunto” (Comissão Europeia, 2011a: 7). Em termos
práticos, a Comissão avança com a proposta de que a UE possa intervir
quando um Estado-membro não esteja a controlar de forma adequada a
sua fronteira externa. Uma proposta justificada pelo objetivo de aumentar
a confiança entre os Estados-membros e de reduzir “o recurso a iniciativas
unilaterais por parte dos Estados-membros para reintroduzirem tempora-
riamente controlos nas fronteiras internas ou para intensificarem os con-
trolos policiais nas regiões fronteiriças internas que provocam inevitavel-
mente atrasos na passagem das fronteiras internas para a generalidade das
pessoas” (Comissão Europeia, 2011a: 7).
Respondendo às críticas de que a ideia da reintrodução de controlos
nas fronteiras externas seja uma possibilidade a considerar, o presidente
da Comissão esclarece, no Parlamento Europeu, que “a livre circulação é
para a Europa o que as fundações são para os edifícios. Se forem retiradas
toda a estrutura fica em risco” (Barroso, 2011c: 2). Sublinha ainda que a pos-
sibilidade de reintroduzir controlos nas fronteiras internas já está prevista
no acordo de Schengen, sendo que o objetivo não é “encontrar formas de
os Estados-membros reintroduzirem controlos nas fronteiras. Acredito fir-
memente que fazer isso iria debilitar não só o que a Europa construiu ao
longo dos últimos 61 anos, mas sabotar a viabilidade dos nossos esforços
para construir uma Europa próspera e integrada para o futuro” (Barroso,
2011c: 3).
A questão continuou, porém, a gerar controvérsia, em particular quanto
às condições em que deveria ser possível reintroduzir controlos nas frontei-
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ras internas, e por quanto tempo tal deveria ser permitido. Espanha deixou
bem claro a discordância com esse rumo, considerando-o “um exercício de
hipocrisia” já que “a Europa não pode aplaudir as reformas democráticas
em África durante a manhã e à tarde esquecer as consequências dessas re-
formas” (Agencia EFE, 2011). A Alemanha também levantou algumas obje-
ções mas assumindo uma posição algo dúbia. O ministro do Interior, Hans-
-Peter Friederich, assumiu que “em nenhuma circunstância iremos aceitar
qualquer medida que limite de qualquer forma a liberdade de movimento
alcançada com Schengen” (EUobserver.com, 2011a), mas reconheceu a ne-
cessidade de criar “certeza legal” (EUobserver.com, 2011a) quanto às condi-
ções para reintrodução de controlos fronteiriços.
Antes da discussão das novas regras de Schengen no Conselho Euro-
peu, o presidente da Comissão lembrou mais uma vez que “a livre circu-
lação é um princípio definidor da União Europeia e uma das conquistas
mais tangíveis e bem sucedidas do projeto europeu” (Barroso, 2011b: 2). As-
sim sendo, garante o empenho da Comissão em defender o espaço Schen-
gen, ainda que reconhecendo que em circunstância excecionais os Esta-
dos-membros devem poder reintroduzir controlos nas fronteiras internas.
Propõe, porém, que tal medida seja sempre sujeita a uma aprovação prévia
a nível europeu. É esta a linha que é seguida pelo Conselho Europeu que
defende que a reintrodução de controlos nas fronteiras internas só deve
ser possível como último recurso e numa situação verdadeiramente crítica
(Conselho Europeu, 2011).
A proposta, no entanto, não foi bem recebida pelo Parlamento Europeu
que recusou a reintrodução de controlos nas fronteiras internas, conside-
rando que essa opção não é uma forma de reforçar o sistema de Schengen.
Além disso, lamenta ainda “a tentativa de vários Estados-membros de rein-
troduzir controlos nas fronteiras internas, o que claramente coloca em cau-
sa o próprio espírito do acordo de Schengen” (European Parliament, 2011).
Vozes críticas surgem também da parte de vários Estados-membros, mas
neste caso por outras razões. Países como França, Alemanha e Espanha não
concordam com a necessidade de uma aprovação prévia de Bruxelas para
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Conclusão
Não é fácil antecipar o futuro do espaço Schengen. É, no entanto, claro,
que hoje é uma realidade ameaçada. As crises migratórias, em particular
a de 2015, colocaram à prova a resistência deste projeto praticamente até
ao limite. O sonho de uma Europa aberta, livre, sem obstáculos à circula-
ção começa a ser um ponto de interrogação. O espaço Schengen cresceu,
chegou até a Estados fora da UE abrangendo mais de 400 milhões de pes-
soas mas manifesta claras dores de crescimento e dá sinais de começar a re-
cuar. E a razão de tal recuo, afinal, até nem era muito difícil de antecipar. A
necessidade de equilibrar a abertura das fronteiras internas com o reforço
das fronteiras externas está, desde sempre, identificada como uma premissa
para o sucesso da área de livre circulação.
Os factos acabaram por demonstrar que tal equilíbrio não terá sido de-
vidamente acautelado. Aliás, nem as sucessivas revisões de estratégia por
parte da UE, nem os reforços de meios nas fronteiras externas consegui-
ram ainda produzir os efeitos desejados, levando a que a solução encontra-
da seja o recuo de Schengen com a reintrodução dos controlos em algumas
fronteiras internas. Assistimos, pois, a uma interessante dinâmica de equilí-
brio entre fronteiras internas e externas. Isto porque a tentativa de abrir as
primeiras por completo, tornando-as totalmente permeáveis aos fluxos que
antes controlavam, levou a um reforço das características de elemento de
bloqueio das fronteiras externas. Consequentemente, quando estas não de-
sempenharam devidamente essa função, o efeito produzido foi o de regres-
so às fronteiras internas, tornando-as menos permeáveis e confiando-lhes
de novo a função de elemento regulador de fluxos.
A dualidade das fronteiras manifesta-se, assim, de forma clara: ora são
pontos de contacto, ora são elementos de bloqueio. Uma dualidade que
lhes é característica e que não deve ser confundida com prova de existência
ou de desaparecimento. Isto é, o facto da fronteira estar aberta, ser permeá-
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vel e não ser visível não significa que tenha desaparecido, é apenas sinal de
que desempenha algumas das funções que lhe são características, poden-
do, no entanto, a qualquer altura voltar ao papel que anteriormente prota-
gonizava. O mesmo podendo acontecer em sentido contrário, com a fron-
teira que funcione como elemento de bloqueio a poder deixar de ter uma
presença tão notória, passando a ser mais porosa e eventualmente menos
visível.
Estas variações têm sido bem visíveis ao longo das últimas décadas nas
fronteiras europeias, sendo que os factos aqui analisados também revela-
ram a importância de uma adequada gestão para que em cada situação a
fronteira desempenhe de forma adequada a função que se pretende. De fac-
to, não sendo fácil antecipar o futuro do espaço Schengen, é muito claro
que é imperioso encontrar mecanismo eficazes de gestão da fronteira, em
particular da fronteira externa, para que se possa continuar a circular livre-
mente por grande parte de uma Europa de onde as fronteiras nunca desa-
pareceram.
Bibliografia
AGENCIA EFE. “El Gobierno de España No Está Dispuesto a Renunciar Al Tra-
tado Schengen.” Agencia EFE. www.wradio.com.co/noticias/internacional/el-go-
bierno-dice-espana-no-esta-dispuesta-a-renunciar-al-tratado-schengen/20110513/
nota/1471446.aspx 1/1. 2011.
ALBERT, Mathias e Lothar Brock. “What Keeps Westphalia Together? Normative
Differentiation in the Modern System of States Mathias.” In Identities, Borders,
Orders: Rethinking International Relations Theory, edited by Mathias Albert, Da-
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Anderson, James. “Borders after 11 September 2001.” Space & Polity 6 (2): 227–
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ANDERSON, James e O’Dowd. “Borders, Border Regions and Territoriality: Con-
tradictory Meanings, Changing Significance.” Regional Studies 33 (7): 593–
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Introdução
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1. Tradução livre da autora a partir do original: “refugees are people who cross international borders to
flee conflict and persecution”.
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2. Para informação mais detalhada sobre a evolução histórica e jurídica do conceito de refugiado, no
âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, a partir de 1945, v. (Oliveira, 2009: 60ss).
3. Para informação mais detalhada sobre os Direitos dos Refugiados (Hathaway 2005)
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4. Para mais considerações acerca da definição de refugiado, v. (Nicholson and Twomey, 1999).
5. Para mais informação sobre a proteção dos direitos da Criança, no âmbito da Organização das Na-
ções Unidas, v. Catarina Albuquerque, http://www.gddc.pt/direitos-humanos/onu-proteccao-dh/orgaos-
-onu-estudos-ca-dc.html.
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uma vez que encerra vários tipos e gerações de direitos humanos, designa-
damente, os económicos, sociais e culturais, bem como os direitos civis e
políticos, assumindo, portanto, uma perspetiva holística no que respeita à
proteção dos direitos da criança (Moreira e Gomes, 2013: 210).
Nesta parte introdutória, foi nossa preocupação situar o leitor no cam-
po teórico, leia-se, os conceitos de fronteira, de refugiado e o de criança.
que servirão de base às reflexões seguintes.
6. Apesar de esta designação não ser consensual, não entraremos nesse debate, nesta sede, optando por
utilizar essa expressão por comodidade de entendimento.
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8. Não entramos aqui em linha de conta com os movimentos independentistas existentes na Euro-
pa e que pretendem, justamente, essa alteração geográfica de fronteiras, porque irrelevante para o nos-
so argumento.
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9. Os vários alargamentos da União Europeia têm testado a flexibilidade daquela demarcação pelo
exterior.
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10. Para mais informações sobre a “autonomia do Direito Internacional dos Direitos Humanos em re-
lação ao Direito Internacional”, vide (Guerra Martins, 2006: 87).
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11. Segundo relatos transmitidos pessoalmente à autora por quem aí desempenhou funções huma-
nitárias.
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Conclusão
Pretendemos com este texto indagar da flexibilidade do conceito jurídico
de fronteira, face aos recentes fluxos de refugiados a que se assiste na Euro-
pa e face às implicações em matéria de direitos humanos deles decorrentes.
Na primeira parte, introdutória, foi nossa preocupação situar o leitor no
campo teórico que serviu de base às reflexões seguintes. Referimo-nos aos
conceitos de fronteira, de refugiado e de criança. Na segunda parte, indagá-
mos da elasticidade do conceito de fronteira, à luz do Direito, sobretudo,
no caso dos movimentos de refugiados que têm chegado à Europa, tendo
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Bibliografia
Betts, Alexander. Protection by Persuasion: International Cooperation in the Refu-
gee Regime. Ithaca, NY: Cornell University Press. 2009.
Dinh, Nguyen Quoc, DAILLIER, Patrick, PELLET, Alain e COELHO, Vitor Mar-
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dação Calouste Gulbenkian. 2003.
Guerra Martins, Ana Maria. Direito Internacional Dos Direitos Humanos. Alme-
dina Editora. 2006.
Hathaway, James C. The Rights of Refugees under International Law. Cambridge:
Cambridge Univ. Press. 2005.
Machado, Jónatas. Direito Internacional: Do Paradigma Clássico Ao Pós-11 de Se-
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vo contemporâneo (matrizes ibéricas e americanas). Coimbra: Almedina. 2008.
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ra, 2013.
NICHOLSON, Frances, e TWOMEY, Patrick. Refugee Rights and Realities: Evol-
ving International Concepts and Regimes. Cambridge [England]; New York:
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Legislação
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Convenção de Montevideu sobre os Direitos e Deveres dos Estados, 1933
Estatuto de Roma, Tribunal Penal Internacional, 1998, entrada em vigor em 2002
Sites referenciados
Gabinete de Documentação e Direito Comparado:
http://www.gddc.pt/
Conselho Português para os Refugiados:
http://www.cpr.pt/
Outros
Manu Chao, Clandestino, 1998.
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Introdução
1. A autora agradece financiamento para investigação no âmbito das Marie Skłodowska-Curie Innova-
tive Training Networks (ITN-ETN) do programa Horizonte 2020 – Programa-Quadro Comunitário de
Investigação & Inovação da União Europeia, grant agreement ‘CASPIAN - Around the Caspian: a Doc-
toral Training for Future Experts in Development and Cooperation with Focus on the Caspian Region’
(642709 — CASPIAN — H2020-MSCA-ITN-2014). Este capítulo tem por base trabalho desenvolvido
para um capítulo internacional a ser publicado num livro coordenado por Roger E. Kanet, com a Pal-
grave, e que se encontra em preparação no momento de conclusão deste texto.
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aos ‘Quatro Espaços Comuns’ que foi assinado entre as partes em 2003 (e o
Roadmap em 2005) tem oferecido o guia de ação, embora as relações este-
jam bloqueadas me vários domínios devido aos acontecimentos na Ucrâ-
nia. Pelo caminho, a Rússia tem descrito a UE como um bloco hegemónico
que tem criado novas linhas divisórias na Europa – a abordagem da ‘wider
Europe’, que no entender de Moscovo tem evitado a promoção de uma Eu-
ropa multipolar, e a ‘greater Europe’ que a Rússia tem promovido, envolven-
do a UE, a Rússia e a Turquia como polos centrais na criação de normas. As
fronteiras simbólicas implicadas nestas duas leituras de Europa são muito
significativas no próprio desenho da relação.
Esta visão russa está em linha com a sua integração nas políticas de clu-
be dos BRICS2 que procura uma voz diferenciada para os países não-oci-
dentais. Contudo, a contestação à superioridade normativa ocidental não
significa que os BRICS pretendam o fim da ordem ocidental ou a substi-
tuição de instituições lideradas pelo ocidente, uma vez que os países BRI-
CS trabalham e querem continuar a trabalhar com o ocidente. Os BRI-
CS partilham o objetivo de contestação da postura hegemónica ocidental
que entendem como questionando o próprio princípio de soberania esta-
tal. Como Laïdi (2012: 614) argumenta, “enquanto eles não pretendem for-
mar uma coligação antiocidental com base numa contraproposta ou visão
radicalmente diferente do mundo, estão preocupados com a manutenção
da sua independência de julgamento e ação nacional num mundo que é
crescentemente interdependente em termos sociais e económicos”. Neste
sentido, os BRICS são um grupo conservador relativamente a partilha de
poder e autonomia, promovendo princípios de soberania e não interferên-
cia nos assuntos internos. Além do mais, são também eles parte da ordem
internacional liberal, que eles próprios pretendem desafiar, tornando o pró-
prio desafio limitado no seu alcance. A Rússia partilha esta perspetiva, com
a proposta do Tratado de Segurança Europeia ou de refundação da OSCE a
demonstrar a sua vontade de ser reconhecida como agente normativo.
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cial. A Rússia procurou alcançar vários objetivos com uma ação: mostrar
vontade política e capacidade, reforçando apoios em casa e afirmando o seu
estatuto de grande potência em termos internacionais num contexto des-
favorável; clarificar os limites da política de vizinhança da UE; colocar a
OTAN numa posição difícil relativamente à resposta a dar face às ações rus-
sas; enviar um sinal de aviso aos estados pós-soviéticos sobre os limites das
opções políticas. A mensagem global toca a questão central da segurança
europeia, de como esta tem sido lida pela Rússia como exclusiva, e de como
Moscovo prossegue uma agenda de redefinição de configurações de segu-
rança de modo a tornar-se um ator reconhecido na ordem securitária euro-
peia. O referendo realizado no dia 16 de março de 2014, onde uma maioria
da população da Crimeia votou a favor da ‘secessão’ marcou o diferencial.
Acusada de violar normas fundamentais do direito internacional, a Rússia
respondeu com uma justificação baseada em princípios históricos e num
processo organizado que conduziu à livre expressão da autodeterminação.
Foi, nas palavras do presidente Putin, um processo “em total cumprimen-
to dos procedimentos democráticos e das normas internacionais” (Address
by Putin, 2014). Além do mais, as críticas que surgiram do ocidente foram
descritas como um espelho das próprias contradições ocidentais. Putin ci-
tou uma declaração norte-americana datada de 17 de abril de 2009, endere-
çada ao Tribunal Internacional relacionada com o Kosovo. Aí se podia ler
que “Declarações de independência podem, e muitas vezes fazem-no, violar
a legislação doméstica” (Address by Putin, 2014).
Os princípios da responsabilidade de proteger e autodeterminação têm
sido parte da retórica russa de intervenção, lidos como não interferindo
com o princípio soberanista que guia a política interna e externa russa.
Contudo, esta demonstração de força não deixa esconder a tensão no dis-
curso antiocidental de exclusão e imposição normativa, e de uma aborda-
gem reformista preocupada com os efeitos adversos que possam resultar
desta postura mais agressiva. Em agosto de 2014, Putin sublinhava que a
Rússia não se deve “afastar do mundo exterior”, reconhecendo a necessida-
de de manutenção de canais de diálogo e de ultrapassar as consequências
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Conclusão
As relações entre a Rússia e o ocidente atravessam um dos períodos mais
difíceis desde o final da Guerra Fria. O fim da fronteira leste/oeste parece
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algo distante no tempo, mas simultaneamente muito presente, face aos de-
senvolvimentos mais recentes de afastamento entre a Rússia e o ocidente.
Os acontecimentos na Ucrânia, incluindo a anexação da Crimeia, desafia-
ram os principais eixos estruturantes desta relação: as parcerias perderam
conteúdo, os acordos de cooperação foram esvaziados de conteúdo, as nor-
mas que pareciam guiar a segurança europeia revelaram-se inexpressivas.
Três ideias principais devem, deste modo, ser sublinhadas: primeiro, as
ações russas na Crimeia constituem uma violação séria do regime de fron-
teiras na Europa, e a instabilidade que permanece no leste do país não vai
reforçar a segurança europeia. Pelo contrário, estas ações trouxeram mais
insegurança para a Europa, e podem vir a gerar efeitos adversos nas rela-
ções com a Rússia, implicando um maior isolamento desta e a perpetuação
de fronteiras de distanciamento entre vizinhos europeus. Segundo, as críti-
cas sobre o ‘outro ocidental’ e os sentimentos duais de inclusão e exclusão
face à segurança europeia ficaram evidentes nas ações russas, demonstran-
do a vontade e capacidade russas para usar a força em defesa do que enten-
de como interesse vital. A resposta ocidental foi lenta, podemos mesmo di-
zer quase inexistente no tema Crimeia, permitindo espaço de manobra à
Rússia. Contudo, um ator não-cumpridor, que não apenas resiste à sociali-
zação de normas de segurança europeia, mas que viola regimes de seguran-
ça, poderá ser visto mais como ‘inimigo’ do que como ‘parceiro’. Esta linha,
ao invés de promover o fim de barreiras, contribui para reforçar os mu-
ros já existentes, solidificando as fronteiras materiais e simbólicas que fo-
ram sendo reconstruídas nesta relação. Terceiro, a necessidade de repensar
novos caminhos na restruturação das relações da Rússia e do ocidente tor-
na-se cada vez mais premente. Repensar a arquitetura de segurança euro-
peia num modelo mais inclusivo é um desafio que permanece, sendo que
as propostas de renovação da OSCE – o projeto Helsínquia II – parece não
acolher consenso. Redesenhar um novo entendimento entre a Rússia e es-
truturas multilaterais como a OTAN e a UE através de acordos de parceria
devidamente fundamentados em princípios partilhados, podem ser o ca-
minho para esta nova visão estratégica que ultrapasse a dicotomia ‘nós/eles’
u 72 U
e consiga preencher os vários vazios que foram surgindo nas relações entre
a Rússia e o ocidente. Contudo, o caminho não se avizinha fácil.
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Introdução
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Os fluxos migratórios
O pós-guerra fria colocou sérios desafios em determinados territórios, não
só, pelas divisões e criação de novos estados, por exemplo, como também,
pela grande mobilidade de pessoas que promoveu. A migração é muitas ve-
zes percecionada como um desafio e uma ameaça à estabilidade e seguran-
ça do Estado, levando a que este sinta necessidade de se proteger (Castles,
Miller, 2003).
Recentemente, a questão do terrorismo tem promovido ainda mais esta
abordagem securitária sobre a migração e tem colocado as fronteiras sob a
atenção dos governos europeus. A imigração ilegal é concebida como um
acontecimento que reflete a maleabilidade das fronteiras, necessitando por
isso de supervisão adicional. O controlo das fronteiras tornou-se uma preo-
cupação significativa na agenda política de muitos países europeus que se
confrontam com grandes fluxos migratórios nas suas fronteiras. As frontei-
ras passaram a estar monitorizadas, supervisionadas com ferramentas tec-
nológicas e medidas adicionais, para melhor controlar quem entra nos paí-
ses. Quando alguns Estados da Europa Central e de Leste fecharam as suas
fronteiras (ex: Áustria, Croácia, Hungria, entre outros) e usaram coerção
para restringir a liberdade de circulação, passaram a violar direitos huma-
nos. Podemos por isso afirmar que as fronteiras na Europa foram transfor-
madas em áreas de confronto moral: a necessidade de defesa da estabilida-
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2. Um migrante económico é uma pessoa cuja principal motivação para sair o seu país de origem é me-
lhorar o seu nível de vida. Um refugiado é alguém que foge do seu país de origem porque está em cau-
sa a sua liberdade ou sobrevivência. Um requerente de asilo é alguém que pede o estatuto de refugiado.
O termo ‘migrante’ é visto como um termo genérico para todos os três grupos. Assim, todos os refugia-
dos são migrantes, mas nem todos os migrantes são refugiados.
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3. Entrevista feita a um representante de uma organização não governamental em Skopje, Macedónia
em Abril de 2015.
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A resposta da UE
O Acordo de Schengen, que estabelece uma zona de livre circulação sem
fronteiras, foi assinado em 14 de Junho de 1985 e consistiu, nos seus primei-
ros anos, de um acordo intergovernamental entre os Estados do Benelux, a
República Federal da Alemanha e da França (Collett, 2013; Comissão Euro-
peia, 2014). Em 1997, com a assinatura do Tratado de Amesterdão, o Acor-
do de Schengen tornou-se parte integrante da UE (Collett, 2013). De acordo
com a Comissão Europeia de Assuntos Internos, o Espaço Schengen ba-
seia-se no seguinte:
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4. O Programa de Haia plurianual foi aprovado no Conselho Europeu de 4 e 5 de novembro de 2004,
e estabelece 10 prioridades para a União, com vista a reforçar o espaço de liberdade, segurança e justiça
em cinco anos. O Programa de Haia visa especificamente melhorar a capacidade da UE e dos seus esta-
dos membros no seguinte: garantir os direitos fundamentais, a salvaguarda do acesso à justiça, comba-
ter o crime organizado, reprimir a ameaça do terrorismo, oferecer proteção aos refugiados, regular flu-
xos migratórios e controlar as fronteiras externas da União. Para mais informação sobre este programa,
visite o seguinte site: http://eur-lex.europa.eu/legal-content/BG/TXT/?uri=uriserv:l16002.
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5. Espanha, Itália, Portugal e Finlândia forneceram aviões, helicópteros e navios para as operações que
decorreram, em parte, nas águas territoriais do Senegal, Cabo Verde e Mauritânia e, em parte, no espa-
ço aéreo do Saahara.
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veria ser autorizado a entrar na Hungria (Parque, 2015: 4). E, com uma per-
cepção muito realista de sua fronteira, o chanceler húngaro Peter Szijjarto
justificou as medidas como necessárias para defender o seu país, afirmando
que: “O governo húngaro está empenhada em defender a Hungria e defen-
der o povo húngaro da pressão migratória” (Deadern, 2015).
Num contexto semelhante, também a Grécia encerrou a sua fronteira ter-
restre com a Turquia através da construção de um muro de 6,5 km em 2012
e colocou cerca de 1.800 guardas armados ao longo de 110 km de fronteira.
Mas, com a adopção destas medidas, o fluxo de refugiados não só não parou,
como aumentou (FitzGerald, Rona-Tas, 2015). Os imigrantes alteraram a rota
passando a entrar na Grécia por via marítima, através do arquipélago Egeu
que, em vários pontos, se encontra apenas a alguns quilómetros da Turquia.
Também a Bulgária construiu uma barreira de 33 km, de três metros de al-
tura de arame farpado ao longo de sua fronteira com a Turquia, num esfor-
ço para limitar o fluxo de migrantes. O Ministério da Administração Interna
também colocou mais de mil policiais para patrulhar a fronteira com a Tur-
quia (Kern, 2015). Em Calais, o governo britânico gastou cerca de US$ 10 mi-
lhões para construir uma das melhores barreiras à volta do túnel da Canal
da Mancha, que permite a ligação ferroviária entre a França e a Grã-Breta-
nha, que recentemente atraiu um número relativamente grande de imigran-
tes (Taylor, 2015). Além disso, as barreiras em torno dos enclaves espanhóis de
Ceuta e Melilla em Marrocos, aumentaram significativamente em 2005, mas
pouco fizeram para conter o fluxo de migrantes para a Europa. A polícia re-
gistrou mais de 19.000 tentativas de passar a barreira em Melilla em 2014, um
aumento de 350% face a 2013. Quase 7.500 migrantes entraram com sucesso
em Ceuta e Melilha, em 2014, incluindo 3.305 da Síria (Kern, 2015). A Áustria
parou de processar as solicitações de asilo de 13 de junho de 2015, num esfor-
ço para tornar o país “menos atraente” para os imigrantes em relação a outros
países da UE.6 A 1 de julho de 2015, a Dinamarca anunciou que “iria cortar os
6. Como é referido por Kern (2015), “De acordo com o Ministro da Administração Interna austríaco
Johanna Mikl-Leitner, Viena “travou o ‘expresso’ do asilo austríaco”, onde os pedidos eram processados
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Conclusão
A reação coletiva da UE para o fluxo de imigrantes ilegais tem sido consi-
derada de uma forma ad hoc e tem-se centrado mais na segurança das fron-
num período médio de quatro meses, mais rápido do que em qualquer outro país da UE. Os pedidos de
asilo para a Áustria subiram quase 180% nos primeiros cinco meses de 2015, para 20.620, e estão a cami-
nho de atingir 70.000 até o final do ano”.
7. Algumas destas soluções colectivas podem ser analisadas em Oultremont, 2015.
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u 101 U
Introdução
A Europa enfrenta desde 2015 a mais grave crise de refugiados que co-
nheceu desde a Segunda Guerra Mundial (Amnistia Internacional,
2015). Os jornais, as redes sociais, e o espaço público têm gradualmente vin-
do a ser dominados por imagens e narrativas de tragédias humanas, de as-
sistência humanitária, de compaixão, mas também de discórdia política, de
descontentamento social, e de reações populistas e xenófobas. O debate po-
lítico e académico que se tem vindo a formar em torno dos vários desafios
colocados pela crise de refugiados requer sem dúvida a nossa atenção, da-
das as profundas alterações políticas despoletadas pela crise, assim como o
carácter prolongado desta última. Se até recentemente a crise Europeia era
uma crise económica, com a entrada de milhares de refugiados através da
fronteira externa da União Europeia, a crise tornou-se política e identitá-
ria. Tal como a Chanceler Angela Merkel declarou recentemente, a crise de
refugiados “preocupa a Europa muito, muito mais do que [...] a estabilida-
de do Euro” (Bundesregierung, 2015). De certa forma, a crise tem-se revela-
do um dos testes mais importantes à capacidade da União Europeia (UE)
em agir como um ator unitário a nível internacional num momento cru-
1. Professora Assistente na Universidade de Aston, Reino Unido e Investigadora no Centro de Estudo
Sociais, Universidade de Coimbra, Portugal. Contacto: h.farrand-carrapico@aston.ac.uk. O presente ca-
pítulo é uma adaptação de uma publicação prévia da autora: Bossong, R. e Carrapiço, H. (2016) “The
Multidimensional Nature and Dynamic Transformation of European Borders and Internal Security” in
R. Bossong e H. Carrapico (Eds.) Shifting borders of European Union internal security: Technology, externa-
lisation and accountability. Berlin, Heidelberg, New York: Springer.
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cial para a definição do seu futuro político. Se por um lado existe a ideia
de que as crises são positivas porque permitem a evolução do projeto Eu-
ropeu, por outro, a crescente tragédia humanitária poderá vir a resultar no
aparecimento de uma nova trajetória para a cooperação Europeia em maté-
ria de fronteiras e segurança interna. Uma trajetória que poderá vir a ser ca-
racterizada nomeadamente por uma revisão do Acordo de Dublin e do sis-
tema Schengen.
Embora haja uma discordância legítima quanto à forma como se deve
considerar a relação entre a análise académica e os atuais debates políti-
cos (Lowenthal e Bertucci, 2014), a possibilidade de nos afastarmos de tais
questões sociais e éticas não deve ser uma opção. No entanto, também é
importante referir que este capítulo não defende uma abordagem norma-
tiva específica, como é o caso dos Estudos Críticos de Segurança. O seu ob-
jetivo principal é o de aprofundar a nossa compreensão em relação à diver-
sidade, complexidade e carácter muitas vezes contraditório das práticas de
controlo de fronteira da UE e das políticas de segurança interna. Da mesma
forma que é importante reconhecer a gravidade da atual situação, é igual-
mente necessário analisar as questões que recaem fora do espectro de aten-
ção dos meios de comunicação, e oferecer uma reflexão sobre a narrativa de
crise e de resposta adequada.
Por forma a atingir estes objetivos, este capítulo adota as seguintes três
estratégias analíticas: em primeiro lugar, as reflexões apresentadas neste
texto tentam olhar para além das intenções ou interesses de decisores po-
líticos específicos, sejam eles governos nacionais ou instituições da UE e,
trazer à luz as consequências não intencionais e os mecanismos de con-
trolo deficiente dos sistemas tecnológicos, institucionais e legais que têm
gradualmente sido implementados. Esta estratégia irá levar-nos a abordar
um grande número de questões que não podem ser reduzidas a uma sim-
ples ausência de vontade política. Em segundo lugar, a ênfase analítica so-
bre as fronteiras é, não só uma forma de analisar as dimensões mais vi-
síveis da atual crise de refugiados, mas também uma estratégia que nos
permite compreender as dinâmicas de mudança e resistência nesta área.
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Tal como iremos ver ao longo deste capítulo, é cada vez mais difícil iden-
tificar as dinâmicas essenciais da política de segurança interna da UE, ou
do Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça (ELSJ). Este capítulo propõe,
no entanto, tornar estas dinâmicas mais visíveis através da análise de pro-
cessos de transgressão ou de transformação das fronteiras no contexto do
Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça, o que, em seguida, nos permite
refletir sobre as tendências gerais da cooperação europeia. Com base nos
Estudos Críticos de Fronteira (Côté-Boucher et al., 2014; Rumford, 2012),
o capítulo propõe adotar um entendimento de fronteira que vai além da
compreensão tradicional deste conceito como sendo uma linha claramen-
te demarcada que separa duas entidades territoriais coerentes. Por oposi-
ção, o entendimento de fronteira adotado neste capítulo provém da pro-
liferação e dialética das práticas de fronteira. Esta estratégia implica um
maior interesse pelos desenvolvimentos empíricos nesta área, mais do que
pelos argumentos abstratos sobre a natureza das fronteiras contemporâ-
neas. Por fim, a terceira estratégia pretende ligar a perspetiva analítica so-
bre as fronteiras e as práticas políticas descentralizadas ao crescente leque
de temas que se enquadra na ELSJ. Para este efeito, o capítulo identifica
um número específico de tendências: 1) o crescente papel da tecnologia; 2)
a externalização dos problemas de segurança interna e da governação das
fronteiras; e 3) os problemas associados à questão da responsabilização –
accountability.
Com base nestas três estratégias, o presente capítulo começa por desen-
volver uma visão global dos desafios políticos e operacionais que a UE en-
frenta a nível da segurança interna, focando-se em especial na identificação
de problemas a nível das práticas de fronteira. Segue-se a análise das três
tendências a nível da governação de fronteira (Tecnologia, Governação Ex-
terna e Accountability) que pretende apresentar a forma como a literatura
académica tem vindo a refletir sobre estes temas.
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Ao olharmos para a forma como a governação das fronteiras tem sido le-
vada a cabo nos últimos anos, podemos realçar de imediato três tendên-
cias: a acentuada rapidez com a qual as alterações políticas e técnicas têm
ocorrido, o número de desenvolvimentos normativos contraditórios que
têm surgido, e a continuação de padrões de perceção de ameaça e de toma-
da de decisão que se têm vindo a repetir regularmente, tornando-se domi-
nantes desde a criação da Área de Liberdade, Segurança e Justiça em 1999.
Em janeiro de 2015, o ataque terrorista ao escritório da revista Charlie Heb-
do permitiu reabrir uma janela de oportunidade para acelerar um núme-
ro de propostas controversas na área de governação de fronteiras (Bigo et
al., 2015). As reações políticas que tiveram lugar no seguimento deste even-
to são um claro exemplo destas três tendências. O Parlamento Europeu vo-
tou em abril de 2016 a favor da introdução do Registo de Identificação de
Passageiros, permitindo às transportadoras aéreas recolher 19 categorias de
informação sobre os passageiros aquando da reserva de bilhetes, por forma
a facilitar a identificação de terroristas. Esta decisão do Parlamento Euro-
peu encontra-se, no entanto, em clara oposição à sua visão tradicional que
dava prioridade à proteção de dados e ao direito à privacidade (Ripoll Ser-
vent, 2015). Os ataques ao escritório da Revista Charlie Hebdo, reforçados
pelos ataques terroristas mais recentes em Paris (novembro 2015) e em Bru-
xelas (março 2016), permitiram igualmente aos Estados Membros expandir
a utilização do Sistema de Informação Schengen para a captura de indiví-
duos suspeitos de atividades terroristas. Embora a intersecção entre os sis-
temas de controlo de fronteiras e a luta anti- terrorismo não seja uma nova
tendência, as recentes iniciativas têm reavivado um debate importante so-
bre a sua legitimidade.
Para termos uma ideia mais completa do panorama da segurança interna
Europeia, podemos começar por analisar a ‘Agenda Europeia de Segurança’
(Comissão Europeia, 2015a), documento central nesta área, que surgiu no se-
guimento da Estratégia Interna de Segurança da União Europeia e dos seus re-
latórios anuais de implementação (Eur-Lex, 2014). Este conjunto de documen-
tos demonstra o crescimento contínuo dos objetivos de segurança da União,
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nesta área continuem a ser válidos (Monar, 2012). A atual crise de refugia-
dos levou a uma politização sem precedentes do choque entre segurança e
outros valores de base, nomeadamente os direitos fundamentais e a liber-
dade de circulação. Em 2014, a agência de refugiados das Nações Unidas es-
timou que havia 59,5 milhões de pessoas deslocadas em todo o mundo, um
número que duplicou ao longo dos últimos quinze anos (ACNUR, 2015).
Embora a maioria destas pessoas esteja atualmente concentrada na Tur-
quia, no Paquistão e no Líbano, a passagem de fronteiras passou a ser en-
tendida como um dos maiores desafios atualmente enfrentados por muitos
países em todo o mundo: “Estamos a assistir a uma mudança de paradigma,
o início de uma era em que a escala global de deslocamentos forçados, bem
como a resposta necessária a este problema, superam já claramente toda e
qualquer situação anterior” (ACNUR, 2015: 3).
Nos últimos dois anos, a UE e os Estados Membros têm expresso parti-
cular preocupação relativamente ao número de requerentes de asilo e ou-
tros migrantes que atravessam, ou tentam atravessar, a fronteira externa
da UE. Embora a maioria dos imigrantes ilegais que residem atualmente
na UE tenham chegado através de meios regulares de transporte, com vis-
tos de turista ou com documentos falsos, a atenção da classe política e dos
meios de comunicação têm-se essencialmente focado nas entradas irregu-
lares (De Bruycker et al., 2013). Este nível de interesse político e social é em
parte explicado pelo aumento exponencial deste tipo de entradas. De acor-
do com a Agência Europeia de Fronteiras, Frontex, o número de entradas
irregulares detetadas praticamente triplicou entre 2009 e 2014, passando de
104.599 para 283.532 (Frontex, 2015a). Esta tendência foi ainda mais acentua-
da em 2015 com uma entrada record de 1.822.337 indivíduos entre janeiro e
dezembro (Frontex, 2016). Predominantemente originários da Síria, do Afe-
ganistão, e da Eritreia, a grande maioria dos requerentes de asilo tenta che-
gar a território Europeu através de três rotas distintas: o Mediterrâneo cen-
tral (a partir da Tunísia e da Líbia até à Itália e Malta, e de Marrocos até
Espanha), o Mediterrâneo Oriental (da Turquia até à Grécia), e a rota dos
Balcãs Ocidentais (da Turquia até à Hungria através da Grécia, Macedónia
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dante e onde os benefícios sociais poderão ser mais generosos), mas tam-
bém com as regras da política comum de asilo da UE. Embora o Regula-
mento de Dublin II tenha estabelecido que um pedido de asilo deve ser da
responsabilidade do Estado-Membro que permitiu ao migrante entrar pela
primeira vez na União Europeia, apenas um número limitado de pedidos
de asilo tem lugar na Grécia, na Itália, na Espanha e em Malta (UNHRC,
2015; Fargues e Bonfanti, 2014).
Tanto o grau de perigo envolvido nas travessias do Mediterrâneo, como
a questão do acolhimento e integração dos requerentes de asilo, têm susci-
tado um debate político intenso entre os Estados membros. No que diz res-
peito à primeira questão, a UE tem sido confrontada com a crescente ine-
ficácia das missões de busca e salvamento no Mediterrâneo. A substituição
da operação Mare Nostrum pela operação Triton é particularmente ilustrati-
va deste ponto. A Itália foi responsável pela operação Mare Nostrum de ou-
tubro de 2013 a outubro de 2014, uma missão humanitária e de vigilância
destinada a reduzir o número de vítimas de naufrágios, mas que ficou ca-
racterizada por um número de recursos limitados e por um uma taxa de su-
cesso moderada (Fargues e Bonfanti, 2014). A popularidade da missão veio
também a ser gradualmente contestada devido ao facto dos encargos finan-
ceiros serem da inteira responsabilidade da Itália (Katsiaficas, 2014). O rá-
pido aumento do número de migrantes levou à conclusão que a operação
Mare Nostrum era insuficiente para oferecer uma vigilância sistemática do
Mediterrâneo. Como alternativa, a UE propôs, em outubro de 2014, estabe-
lecer a Operação conjunta Triton, uma missão liderada pela Frontex que vi-
ria a ter lugar nas águas territoriais italianas, com um maior número de ati-
vos multinacionais e com custos financeiros partilhados (Gower e Smith,
2015; Brady, 2014). Até ao momento, a Triton tem gerado reações mistas re-
lativamente aos seus objetivos e grau de eficácia. Nomeadamente, a missão
tem sido criticada por vários atores políticos, incluindo o anterior Minis-
tro dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, Phillip Hammond, por ter
o efeito potencialmente perverso de incentivar os migrantes a atravessar o
Mediterrâneo (House of Lords, 2014). Triton foi também acusada de alterar
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nuam a ser entendidos como uma ‘caixa negra’ que raramente é descons-
truída. Por oposição, estes autores traçam o profundo impacto que este tipo
de tecnologia tem nas práticas dos seus usuários, assim como os seus obje-
tivos, que foram elaborados muito antes da atual crise de refugiados e que
têm desafiado a própria razão de ser da EURODAC (Kuster e Tsianos, 2016).
Tal como Bellanova e Duez, estes autores partem da perspetiva dos Estu-
dos Críticos de Ciência e Tecnologia e assumem que as tecnologias de se-
gurança constroem e fixam significados, através da transformação de dados.
A EURODAC desassocia a crise de refugiados da sua realidade física, trans-
formando os indivíduos em conjuntos de dados e em artefactos estatísti-
cos que circulam através das fronteiras. Deste ponto de vista, a tecnologia
vai muito além do papel passivo de recolha de dados que tradicionalmen-
te lhe é atribuído. Kuster e Tsianos contrastam esta visão técnica com ob-
servações etnográficas onde as visões simplificadas da EURODAC e da EU-
ROSUR chocam contra a complexidade do campo, representada por uma
matriz composta, por um lado, de diversas políticas e práticas nacionais de
asilo e de controlo de fronteira, e por outro, de múltiplas estratégias de so-
brevivência dos refugiados e de táticas de resistência das organizações não-
-governamentais.
Ainda relativamente à EUROSUR, Lopez-Sala e Godenau (2016) desen-
volveram um caso de estudo sobre a evolução da governação das fronteiras
em Espanha, que demonstra claramente o desejo de modernização tecno-
lógica por parte não apenas das autoridades Europeias, mas também nacio-
nais. Por um lado, estes autores mostram a forma como as inovações tecno-
lógicas propostas a nível da UE para o desenvolvimento da EUROSUR têm
sido testadas no contexto espanhol. Por outro lado, Lopez-Sala e Godenau
mostram como esta circulação de práticas tecnológicas entre o nível Euro-
peu e o nível nacional não é um processo autoexplicativo, mas que precisa
de ser entendido num contexto mais lato de tendências políticas no senti-
do de uma harmonização europeia da gestão das fronteiras. Este estudo de
caso visa essencialmente demonstrar que a evolução tecnológica da gestão
de fronteiras na UE não é de todo uma imposição do nível Europeu e dos
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atores situados em Bruxelas, mas sim uma complexa negociação a vários ní-
veis, em que os Estados-Membros têm um papel central.
Para concluir esta secção sobre a importância da tecnologia, gostaria
ainda de mencionar uma linha de investigação extremamente interessan-
te atualmente a ser desenvolvida sobre o espaço como a nova fronteira.
Słomczyńska e Frankowski referem que a integração dos recursos espaciais
representa uma nova dimensão da tecnologia de segurança interna e de
fronteiras da UE. Estes autores apontam, no entanto, que é ainda cedo para
imaginarmos visões de vigilância das fronteiras em tempo real a partir do
espaço (Słomczyńska e Frankowski, 2016). Apesar das ambições políticas de
longa data neste domínio, aspetos técnicos, tais como a resolução de ima-
gem disponível, o tipo de tecnologia de imagem e a órbita escolhida limi-
tam significativamente o potencial uso da atual geração de satélites da UE
para fins de segurança. Esta é, contudo, uma área que promete evoluir ra-
pidamente e que vale a pena acompanhar, dado o potencial para o contro-
lo de fronteiras.
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ridades nacionais no seio da UE, como também têm sido vistos como pon-
tos estratégicos importantes em termos da cooperação policial com países
terceiros (Conselho da União Europeia, 2008). Tal como demonstrado por
Gruszczak (2016), estes centros têm crescido e proliferado na UE, e têm vin-
do a constituir nódulos centrais na implementação de várias dimensões
do acervo Schengen. Os CCPAs também representam a tendência Euro-
peia para a criação de ‘centros de fusão’, onde os limites entre intelligen-
ce e dados policiais se esbatem. É no entanto importante salientar que os
Centros existentes ainda não convergiram para um modelo organizacional
comum, permanecendo divididos a nível dos parâmetros tecnológicos de
partilha de dados. Finalmente, tais inovações a nível das práticas de coope-
ração, mesmo que ainda incompletas, levantam desde já questões críticas
relativamente aos mecanismos de controlo e fiscalização dessa cooperação,
tema este que nos leva à última secção deste capítulo.
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crutínio da segurança interna (de acordo com o art. 69º do TFEU), o que
reflete a sensibilidade normativa e simbólica desta área política. Deste pon-
to de vista, seria portanto de esperar o aparecimento de novos esforços para
aumentar o nível de accountability do processo decisório (Wouters e Raube
de 2012; Huff, 2015).
No entanto, de acordo com recentes estudos sobre os Parlamentos na-
cionais, esta tendência esperada nem sempre se tem materializado. O tra-
balho desenvolvido por Tacea, por exemplo, que analisa o papel dos Par-
lamentos francês e italiano relativamente à última reforma de Schengen,
aborda esta questão de forma clara (2016). De forma semelhante ao Parla-
mento Europeu, cuja evolução de “campeão” dos direitos civis (pré-Lisboa)
para uma postura mais pragmática (pós-Lisboa) foi detalhada por Ripoll
Servent (2015), Tacea demonstra que os procedimentos nacionais de escru-
tínio na área de segurança interna se baseiam muito mais em constelações
políticas do que em considerações normativas. Em particular, de acordo
com esta autora, as comissões parlamentares representam uma faca de dois
gumes. Se por um lado, os relatores das comissões têm em geral mais ex-
periência e conhecimento sobre as áreas em questão, por outro os procedi-
mentos das comissões tendem a levar a uma tomada de decisão consensual
ou até mesmo a uma relativa supressão das vozes dissidentes.
Por fim, é igualmente importante não esquecer a accountability dos ato-
res burocráticos e das suas operações de rotina que constituem uma práti-
ca diária do controlo de fronteira da UE e da segurança interna. Para além
das crises ou das grandes reformas políticas a nível da fronteira externa, os
requerentes de asilo estão normalmente preocupados com a forma como
são tratados assim que entram em território Europeu, nomeadamente com
as medidas de controlo regulares que são exercida sobre eles por diferen-
tes Estados-Membros. As consequências destes controlos regulares podem
ser extremamente sérias dado que os requerentes de asilo podem ser inti-
mados a regressar ao seu país de origem ou a um país terceiro pelo qual te-
nham passado recentemente. Autores como Koch analisam a forma como
os atores burocráticos a nível nacional, em estreita articulação com os ato-
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Conclusão
A UE veio alterar de forma profunda e duradoira o conceito de frontei-
ra. Se por um lado as fronteiras internas passaram apenas a ser meramente
simbólicas desde a implementação de Schengen, por outro as fronteiras ex-
ternas foram reforçadas e exportadas para territórios não Europeus. Atual-
mente, do ponto de vista Europeu, uma fronteira assume muitas formas:
um porto na Grécia, um aeroporto no Reino Unido, uma missão da Fron-
tex, um consulado na Albânia, um sistema de vigilância de fronteiras, uma
praia na Turquia. Longe de significar uma linha divisória entre dois territó-
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rios soberanos, o conceito de fronteira tem ganho contornos cada vez mais
elásticos, moldados por narrativas de crise. Esta elasticidade tem no entan-
to consequências sérias quer para os requerentes de asilo e outros migran-
tes que tentam circundar esta corrida de obstáculos, quer para os cidadãos
e residentes cujo conhecimento e capacidade democrática resultam dimi-
nuídas, dada uma maior invisibilidade das práticas de controlo de fronteira
na UE. Dada a grave crise de refugiados atualmente enfrentada pela União
Europeia, assim como a sua delicada situação política, este capítulo procu-
rou chamar a atenção para algumas destas práticas e das suas consequên-
cias. Tal como foi referido acima, tudo aponta para um futuro aprofun-
damento e expansão destas práticas, devido a um recente crescimento dos
sentimentos populistas e a uma falta de crítica destas práticas nacionais e
Europeias por parte da sociedade civil. O capítulo identifica três tendências
importantes, nomeadamente o aumento do uso de tecnologia no controlo
de fronteiras, a crescente exportação da governação das fronteiras e os pro-
blemas de accountability ligados à invisibilidade das práticas em questão,
por forma a servirem de base a futuras reflexões sobre o conceito de fron-
teira no contexto Europeu.
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As Fronteiras de Segurança do
Brasil:Do Prata à Amazônia Azul1
Cristina Soreanu Pecequilo 2
Introdução
1. Este texto é baseado nas pesquisas desenvolvidas no âmbito do Edital Universal 14/2013 e da Produti-
vidade em Pesquisa da autora, ambas com apoio do CNPq.
2. Professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Pesqui-
sadora NERINT/UFRGS e UNIFESP/UFABC. Doutora em Ciência Política FFLCH/USP. crispece@
gmail.com
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3. As ações brasileiras não se limitam ao Atlântico Sul, porém, mas estendem-se a todo continente.
Chama-se a atenção para esta região pois ela será objeto de atenção crescente como fronteira de segu-
rança brasileiro-africana a partir dos anos 1960 e em especial no século XXI, renomeada como “Amazô-
nia Azul” como será analisado no próximo item.
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gurança e recursos agregados ao país para alcançar este status com investi-
mentos direcionados à defesa. O auge desta trajetória encontra-se na admi-
nistração de Ernesto Geisel (1974/1979), mas seus elementos são desenhados
nas presidências Costa e Silva (1967/1969) e Médici (1969/1973).
As fronteiras de segurança detêm dimensões internas e externas, ten-
do em vista que o desenvolvimento do poder nacional foi percebido como
função da autonomia econômica. Desta forma, havia forte interdependên-
cia entre o desenvolvimento interno e a projeção de poder externa. Dois pi-
lares podem ser destacados neste processo: a ampliação das fronteiras de
ação globais e regionais da política externa e a nacionalização da segurança.
No que se refere ao primeiro pilar, como destacado, esta ampliação de
fronteiras data da PEI, e foi aprofundada a partir de 1967, reforçando a coo-
peração multilateral e interestatal em escala global e regional. Com isso, fo-
ram aprofundados os esforços na construção de uma política de interação
Sul-Sul, Sul-Leste, Norte-Sul, com parceiros além dos Estados Unidos. O
Brasil se consolidava como global trader e player (jogador e comerciante glo-
bal), líder do Terceiro Mundo e fortalecia as parcerias na África, na Ásia e
na Europa Ocidental, com ampliação ao Oriente Médio.
Em 1974, um dos marcos do período foi o reatamento das relações com
a China, assim como a extensão do Mar Territorial. O governo Médici, ini-
cia a demanda pela extensão do Mar Territorial para 200 milhas da Plata-
forma Continental (PC), para o reforço da soberania nacional, com peso
para a projeção no Atlântico Sul e a exploração de petróleo nesta região.
A partir de 1982, com o estabelecimento da Convenção das Nações Unidas
sobre o Direito do Mar (CNDUM) estes limites se tornariam base para to-
das as nações signatárias, definindo-se a PC para 200 milhas (prevendo-se
a possibilidade de ampliação pendente avaliação das Nações Unidas da de-
manda). Igualmente, estabeleceu-se o conceito de Zona Econômica Exclu-
siva (ZEE), referentes aos Direitos de Exploração Econômica do Mar.
Um dos traços da política do regime, em particular do “Pragmatismo
Responsável e Ecumênico”, já presente na PEI, era o da atuação isenta de
compromissos ideológicos. Isso expressava certa contradição, uma vez que
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5. Deste acordo, resultaram as Usinas de Angra I e Angra II, já em funcionamento. A construção de An-
gra III foi paralisada na era Collor, assim como outros projetos no setor nuclear e retomada somente no
governo Lula (2003/2010). Os projetos do submarino nuclear e o domínio do ciclo de combustível, tam-
bém foram recuperados neste período, como será discutido no próximo item.
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6. Outra iniciativa que merece ser mencionada foi a criação da CPLP, Comunidades dos Países de Lín-
gua Portuguesa em 1996.
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8. Desde 2008, os Estados Unidos iniciaram na fronteira contra o México outra guerra contra as dro-
gas, a “Iniciativa Mérida”.
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a) Consolidar a América do Sul como uma zona de paz, base para a es-
tabilidade democrática e o desenvolvimento integral de nossos povos e
como contribuição para a paz mundial; b) Construir uma identidade
sul-americana em matéria de defesa, que leve em conta as características
subrregionais e nacionais e que contribua para o fortalecimento da uni-
dade da América Latina e do Caribe; c) Gerar consenso para o fortaleci-
mento da cooperação regional em matéria de defesa. (DOCUMENTOS,
9. Na região, são projetos paralelos o da ALBA (Alternativa Boliviariana para os Povos da Nossa Améri-
ca) proposta pela Venezuela, a luz do recuo estadunidense pós-ALCA.
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Desde 2003, o país voltou a ter uma atuação neste espaço, por meio de
alianças políticas e econômicas com a África. Paralelamente, China e Ín-
dia, em particular a China, também iniciou um processo de expansão mais
sistemática na África a partir de 1999 e a criação do FOCAC (Fórum de
Cooperação China-África). A partir de 2008 esta parceria teria como foco
a América Latina, sustentada, em ambos os casos em ajuda econômica, au-
mento dos fluxos comerciais com foco em commodities (agrícola e energia)
e investimentos em infraestrutura.
Por sua vez, este avanço chinês também é uma ameaça aos interesses
brasileiros na região, pois ocupa espaços político-econômicos preferenciais
do Brasil (e afeta as economias locais e a brasileira com processos de desin-
dustrialização e reprimarização dentre outros12). O Atlântico Sul volta ao
jogo de poder global pelas ações dos emergentes, que atraem, a partir de
2008, reações norte-americanas a sua crescente influência e poder.
Tais ações são representadas pela elevação da projeção estratégico-mi-
litar dos Estados Unidos na região por meio da reativação da Quarta Fro-
11. Ver a edição da Revista Austral sobre o tema em Austral v.2, n.3: http://seer.ufrgs.br;index.php/aus-
tral/issue/view/1891.
12. Ver FUNG e GARCIA-HERRERO, 2012 e GALLAGHER and PORCEZANSKI, 2010
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Considerações Finais
Ao longo texto, analisaram-se os desafios das fronteiras de segurança do
Brasil, fazendo um paralelo entre os debates de defesa e os de política exter-
na, associados às agendas e práticas concretas do país nestes setores. Do sé-
culo XX ao XXI este foi, e permanece sendo, um processo, caracterizado por
oscilações entre uma ação mais assertiva e autônoma nestes campos, e uma
preferência por padrões de baixo perfil. Apesar dos avanços da última déca-
da, a segunda metade do século XXI traz um recuo sensível sobre a agenda
nacional de projeção regional e global gerada tanto por fatores internos e
externos, como discutido.
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Introdução
1. O Rio da Prata é o encontro de dois Rios, o Paraná e o Uruguai, que formam um estuário entre as
regiões da Argentina e Uruguai e que informalmente passou a ser chamado de Rio da Prata, mas tam-
bém é reconhecido como estuário do Prata. Para saber mais sobre este tema consultar: Adaberto Scorte-
gagna, Atlas Geografia Mundial – com o Brasil em Destaque, 2009.
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2. A UNASUL começa sendo uma inciativa denominada Comunidade Sulamericana de Nações
(CASA) em 2004 e que posteriormente será, em 2007, elevada ao acordo institucional que deu origem
a UNASUL. Para saber mais sobre a história desta organização consultar o seu site: www.unasursg.org
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3. Para saber mais sobre este eixo da COSIPLAN consultar o site oficial: http://www.iirsa.org/info-
graphic#hpp
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lítica andaram a passos largos nos ditos governos de esquerda, com a mudan-
ça político-ideológica que a região vem sofrendo é preciso perceber quais as
consequências que o projeto UNASUL e COSIPLAN sofrerá, como também,
como a própria percepção da importância da região se construirá a partir de
agora. Certo é, que o potencial deste espaço é significativo para empoderar
de maneira estrutural os países da região na política internacional, e o desa-
fio continuará sendo o de como construir parcerias políticas entre entes que
possuem, ainda mais agora, visões político-ideológicas distintas.
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Considerações Finais
Este capítulo teve por intuito entender a dinâmica política, econômica e de
segurança da Bacia do Prata para o Brasil e suas ambições internacionais.
O que podemos considerar ao final deste estudo é que a região é vital para
um processo de empoderarmento da América do Sul no espaço internacio-
nal. Suas características geográficas e seus recursos naturais, fazem desta ba-
cia um manancial incrível para sustentar o crescimento sulamericano.
Para o Brasil esta região deve ser considerada sua área de influência di-
reta, sendo que qualquer projeto de expansão do poder e da influência que
este país almeja não pode ser construída sem considerar as dinâmicas da re-
gião austral do continente americano. Todavia, alguns desafios se colocam
a essa região:
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Introdução
1. Há uma ampla literatura que discute a redefinição da segurança no pós-Guerra Fria e a construção
do que se passou a chamar de ampliação dos estudos: Waever (1995); Shultz Jr, Godson e Quester (1997);
Buzan; Waever e Wilde (1998); Buzan (1997); Miller (2001).
2. Para Castro Santos (2004, p. 118) durante a Guerra Fria “o conceito de “segurança da aliança” foi sobre-
posto ao da segurança de cada Estado e, assim, os países desenvolvidos do Ocidente criaram laços que os
ligavam à segurança dos dois principais blocos de aliança”.
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3. Não cabe aqui discutir as pressões que influenciaram tanto o processo de tratar o comunismo como
a ameaça para a região, como o da alteração para a preocupação com temas “novos”, entretanto, é impor-
tante destacar que a América Latina foi fortemente impactada por essas agendas. A sua frágil estrutu-
ra institucional, de modo geral, foi desafiada pelas consequências internas que tais focos de inseguran-
ça desencadearam. Por exemplo, a guerra contra as drogas tem gerado altos índices de mortes violentas
e deslocamento da população.
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4. Para o autor, a ideia de papel das forças inclui uma dimensão política, ou seja, abarca a relação dos
militares com o Estado (HUNTER, 2005).
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5. Nesse sentido, Rizzo de Oliveira (2005, p. 38), ponderando acerca da adaptação dos militares brasilei-
ros à democracia destaca que “Não é inadequado pensar que os militares experimentaram uma crise de
identidade decorrente do vazio conceitual que o final da Guerra Fria e a redemocratização produziram.
Até porque a identidade dos militares quanto aos seus papeis depende em boa medida dos atores polí-
ticos, pouco atentos à temática militar”.
6. Soares (2006, p. 58) destaca que no Brasil “os contornos da transição foram estabelecidos pelas lide-
ranças militares, que mantiveram, pelo menos durante o governo Geisel, prerrogativas e força políti-
ca para alterar prazos, redefinir instituições que participariam mais ativamente das articulações, agin-
do quer pelo veto explícito, quer, com maior frequência, pelas alterações mais ou menos significativas
nas regras do jogo político”.
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7. Especialmente destaca-se as demandas fronteiriças entre Colômbia e Venezuela; e Chile, Peru e
Bolívia.
8. Como exemplos mais significativos destacam-se a UNASUL e o CDS.
9. Para uma abordagem mais ampla e completa ver MOSKOS, C., WILLIAMS, J.; SEGAL, D. 1999. The
PostmodernMilitary. Armed Forces after the Cold War. New York: Oxford University Press.
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10. Para comunidade de segurança ver Deutsch, 1957; e para comunidade de segurança na América do
Sul, ver Hurrell (1998), e Flames (2005).
11. A elaboração de Livros Brancos visa modificar esse cenário, mas veja-se que o Brasil apenas institui
o seu Livro em 2012. Mesmo que anteriormente tenham sido criadas as Políticas Nacionais de Defesa e
a Estratégia Nacional de Defesa, é o Livro Branco que representa o caráter de transparência nos assun-
tos de defesa e o avanço no processo de consolidação do poder civil sobre o militar.
12. A base de dados do SIPRI tanto usa os percentuais do PIB, quanto os valores em dólares atuais e
constantes. Optou-se por utilizar a tabela embasada no PIB pois esses dados demonstram uma propor-
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Fonte: elaborado pela autora com base nos dados de SIPRI MilitaryExpenditureDatabase, 2015.
Fonte: elaborado pela autora com base nos dados de SIPRI MilitaryExpenditureDatabase, 2015.
ção em relação ao montante do gastos do Estado, que nem sempre os valores em dólares permitem
constatar pois aparecem isolados do todo.
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13. Dentre as missões a MINUSTAH, comandada militarmente pelo Brasil desde 2004, merece
destaque.
14. Soares de Lima (2010) refere o aumento da participação brasileira nas operações de paz e apresen-
ta que “no biênio 2004-2005, durante o mandato do Brasil como membro não permanente do Conse-
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lho de Segurança, o país defendeu, no processo de criação da Comissão de Paz, a necessidade de inclu-
são das questões de desenvolvimento nos mandatos das operações de paz”.
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tenção por parte das forças armadas, o certo é que os militares não foram
retirados completamente da cena política. Ou seja, “permaneceram como
atores políticos relevantes, readaptando-se aos tempos de democracia para
cumprir sua missão de defesa e para fazer valer seus interesses corporativos”
(D’ARAUJO, 2013, tradução nossa).
Nas jovens democracias da região é interessante observar como na
maior parte delas (sendo a maior excepcionalidade a Argentina) as forças
armadas são apontadas como a instituição vinculada ao Estado que mais
gera confiança: um índice médio de 47%, no período 1995-201515.Contudo,
em que pese a convergência regional sobre a intensificação da subordina-
ção militar ao poder civil, nem os temas de segurança e defesa foram ade-
quadamente definidos nem a questão de o que, de fato, permeia o interesse
nacional dos países. Soares de Lima (2010, p. 409) destaca que “se o contro-
le civil é uma das condições necessárias, não é suficiente, pois falta a defini-
ção política do Estado que estabeleça objetivos de sua autonomia no plano
internacional”.
O que passou a vigorar para a maior parte dos Estados apresentou-se
como um entendimento amplo e abrangente, como o conceito de seguran-
ça multidimensional estabelecido em 200216 no âmbito da OEA e que dei-
xa, por um lado, um espaço aberto acerca do que se entende por segurança
e, da mesma maneira, por defesa; mas, por outro, dada tal amplitude dos te-
mas, resulta em restrições ante a possibilidade de coordenação de políticas.
Assim, as forças armadas podem ser empregadas para atividades sociais,
como distribuição de alimentos e remédios, ou mesmo como médicos e
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17. Conforme indicam as consultas realizadas pela OEA quando da discussão dos mecanismos de segu-
rança hemisférica. Para uma discussão sobre essas informações, ver Pagliari (2004).
18. Apenas Chile e Uruguai não preveem o uso das forças armadas para tais operações (ATLAS, 2014).
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19. Diferentemente dos outros Ministérios brasileiros nos quais os quadros são compostos via concurso
público, o Ministério da Defesa carece desse tipo de processo seletivo de ingresso.
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década de 1980 constata-se que enquanto a Argentina tem uma queda ex-
pressiva nos valores reais no início do período do pós-Guerra Fria e só reto-
ma um crescimento mais significativo a partir de 2007, o Brasil reduz os in-
vestimentos no início da década de 1990mas ainda no final daquela década
retoma um certo crescimento, o qual passa a ser mais significativo de 2008
a 2014, coincidindo com o aumento total do PIB.
Contudo, no caso do Brasil em 2015 (dados ainda não finalizados) já há
um decréscimo significativo passando do montante de US$ 32660 milhões
para US$ 24584 milhões, em decorrência da queda no PIB. Não se pode
considerar, portanto, que o Brasil possui uma política de aumento cons-
tante nos investimentos militares. O que se verifica, de fato, é que costu-
meiramente sofrem contingenciamento na primeira crise mais significa-
tiva–o que é verificável também em 2015. Por outro lado, observa-se que a
Argentina mantém praticamente inalterado o percentual anual do PIB in-
vestido,gerando aumento apenas em valores nominais.Na série histórica
percebe-se quea Argentina destina em torno de 1% de seu PIB para os in-
vestimentos em defesa e o Brasil em torno de 1,5%22.Os gráficos abaixo apre-
sentam os gastos militares em valores correntes e os gastos demonstrados a
partir dos percentuais dosPIBs, conforme a discussão acima desenvolvida.
22. Ainda não foi possível mudar a relação de que parte considerável desses recursos são destinados ao
pagamento de pessoal.
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Considerações finais
A transição para o pós-Guerra Fria pode não ter configurado uma nova
ordem internacional, entretanto, redimensionou as preocupações de segu-
rança e defesa na região sul-americana, bem como apresentou dinâmicas e
mecanismos sub-regionais não possíveis durante o período anterior. O dis-
tensionamento construído no Cone Sul e a alteração acerca do que se pas-
sou a considerar como ameaça aos países da região, gerou dúvidas e ques-
tionamentos acerca do papel das forças armadas.
Enquanto no Brasil as forças armadas não perderam completamente
um papel autônomo, na Argentina a sociedade somente se reconcilia com
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Introdução
1. Mestranda em Direito e Acadêmica do Curso de Relações Internacionais, ambos pela Universida-
de Federal de Santa Maria- UFSM. Integrante e pesquisadora do Grupo de Estudos, Extensão e Pesquisa
em Política Internacional Contemporânea – GEPPIC - Universidade Federal de Santa Maria – UFSM.
Integrante e pesquisadora do Grupo de Estudo de Política Internacional/linha de pesquisa “Poder, Po-
lítica Externa e Política Internacional” no Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais de Santa
Maria – PRISMA/UFSM. Bolsista CAPES. Advogada. Correio eletrônico: elanyalmeidas@gmail.com.
2. Doutor em Relações Internacionais pelo Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais da
Universidade de Genebra. Professor Titular do Departamento de Direito da Universidade Federal de
Santa Maria – UFSM. http://www.seitenfus.com.br/
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gindo a lógica sub-regional. Contudo, não há como negar que a mera for-
mação de uma área de livre-comércio ainda é uma proposta tímida diante
dos benefícios da integração e dos desafios do mundo globalizado. Nesse
sentido, importante aglutinar esforços de ambas as organizações, seja no as-
pecto da cooperação econômica e políticas para fins de integração, uma de-
pendência mútua saudável entre os países e uma maior autonia frente às
demais regiões do globo.
Nesse cenário, ambas as organizações internacionais sofreram desgas-
tes e em alguns momentos se viram desacreditadas quanto às suas fun-
ções precípuas, mas não se pode deixar de considerar que a crescente as-
simetria existente que resta por paralisar o Mercosul, se dá não só pelos
seu viés liberal comercialista, mas também pela falta de uma coordenação
econômica e industrial que efetivamente estabeleça diálogos aptos a acen-
tuar interdependência regional, por meio de ganhos econômicos, estabe-
lecendo uma vinculação estrutural entre os interesses estratégicos dos paí-
ses da região.
Outro ponto a ser analisado, é que o Mercosul enquanto união aduanei-
ra, vem ao longo de sua jornada apresentando inúmeros erros, mormente
se forem consideradas as falhas referente a sua tarifa externa comumo, que
resultou em contenciosos comerciais e dissabores diplomáticos. Esse cená-
rio de desconfiança foi agravado pelas crises econômicas do fim dos anos
90 e início dos anos 2000, reforçando o entendimento de que a melhor es-
colha seria dar primazia as necessidades internas e não ao que era almejado
com a criação do bloco, ou seja, o avanço da integração.
A catalização desse desenvolvimento regional deve ter como ponto de
partida uma nova dinâmica para o Mercosul e a Unasul, onde ambas as
organizações internacionais possam fomentar a distribuição simétrica dos
benefícios econômicos da integração, utilizando-as como mecanismos
complementares no projeto integracionista sul-americano e de crucial im-
portância para as políticas externas de seus membros, eis que são instru-
mentos de inserção internacional e canal para ter voz em organismos como
por exemplo a Organização Mundial do Comércio entre outros.
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Considerações finais
O presente trabalho se propôs a analisar a importância das Organizações
Internacionais, Mercosul e a Unasul, para a região da Bacia do Prata, tra-
zendo para o bojo da discussão elementos essenciais para a compreensão
dos processos de integração sul-americana, verificando as variáveis deter-
minantes nesse regionalismo de coalisão. Observou-se, que as referidas or-
ganizações internacionais incrementam e reforçam a construção do núcleo
geoeconômico, geopolítico e geoestratégico da região, dependendo os re-
sultados do comportamento desses subespaços transfronteiriços, que ora
são influenciados por atores locais, ora regionais e que reclamam cada vez
mais uma multigovernança para uma efetiva cooperação fronteiriça.
Verificou-se que tanto a Unasul quanto o Mercosul ocupam papéis im-
portantes no processo de integração sul-americano. O Mercosul, como ins-
trumento de intensificação das interdependências econômicas na região,
mas também com seu viés de abordagem política e cultural, dada a amplia-
ção de suas funções, o que contribuiu a integração regional, principalmen-
te os temas não econômicos.
A Unasul, como mecanismo de diálogo, solução de conflitos e coopera-
ção política, incentiva a a construção e solidificação de entendimentos entre
os países membros e contribui a formação de uma identidade política sul-
-americana, além é claro de fomentar a busca da formação de um comple-
xo na região. São, como dito alhures, intituições complementares, que visam
colaborar para a superação dos obstáculos políticos, econômicos e culturais
que ao longo dos anos vem impedindo o êxito da integração sul-americana.
Nessa senda, a influência das organizações intenacionais Mercosul e
Unasul na região da Bacia do Prata, como visto, é e será ditada pela capa-
cidade de seus países membros de conduzirem seus interesses de política
externa, de maneira que possam atender à evolução das relações interna-
cionais, as necessidades internas de cada membro, e sobretudo adotarem
conjuntamente a melhor estratégia para o desenvolvimento sustentável da
região, evitando a perpetuação de antigas instabilidades políticas e manten-
do uma promissora estabilização.
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Introdução
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3. Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname, Venezuela e a Guiana Francesa (Depar-
tamento Ultramarino da França).
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Entretanto, pronta desde 2011, a Ponte Binacional não entrou até hoje
em funcionamento. Ela simboliza as dificuldades de integração entre duas
regiões distantes de seus centros de poder, Brasília e Paris, que por sua vez,
não demonstram ter a integração de suas periferias como plataforma estra-
tégica, tampouco prioritária.
Com o Suriname a falta de interconectividade é um dos maiores obstá-
culos a sua “continentalização” e é justamente o foco dos projetos integra-
dores do país no Platô das Guianas. De acordo com os dados da IIRSA, os
projetos em que o Suriname participa estão focados em transporte. Esses
projetos têm como função estratégica implementar e desenvolver um vín-
culo de integração no extremo norte da América do Sul através da conexão
entre Venezuela, Guiana e Suriname e a consolidação da conexão física in-
ternacional para promover o desenvolvimento sustentável e a integração da
Guiana, Suriname e os estados do Pará e Amapá no Brasil5.
A construção e melhoria das estradas surinamesas são de forte impor-
tância econômica, pois dentro do seu território existem reservas minerais
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6. Estradas de conexão entre Venezuela- Guiana- Guiana Francesa; construção da ponte sobre oRio Co-
rentine (Guiana Francesa e Suriname); gasoduto Venezuela- Guiana- Suriname.
7. Melhoramento da rodovia Georgetown - Albina; Rodovia de Macapá a Oiapoque; Rodovia Ferrei-
ra Gomes - Oiapoque (Brasil-Guiana-Suriname);melhoramento da travessia internacional sobre o Río-
Marowijne, construção da estrada Apura - NieuwNickerie; plano mestre integrado de proteção costei-
ra Albina- Nickerie.
8. Fonte: IIRSA, Cartera de Proyetos 2013. Disponível em: http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/
Uploads/Documents/cnr23_cartera_2013.pdf. Acesso em 09 de nov. de 2013.
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12. Art. L622-1do CESEDA, Code de l’Entrée ET Du Séjour des Étrangers Et du Droit d’Asile
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14. Extinção do regime de Matrícula e estabelecimento do regime de Lavra Garimpeira (Lei no 7.805,
de 18 de julho de 1989, que altera o decreto anterior – Decreto-Lei no 227,t de 28 de fevereiro de 1967)
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que das 944 matérias analisadas, sendo 531 do TimesofSurinam (TS) e 413
do De WareTijd (DWT), o TS publicou pelo menos uma reportagem so-
bre os brasileiros no Suriname a cada 2,74 dias, ao passo que o DWT a cada
3,53 dias. Do total de notícias que abordavam os brasileiros 94,60% teve tra-
tamento negativo e os três temas mais presentes nessa linha de tratamento
são “garimpo/garimpeiros”, “danos ambientais” e “imigração ilegal”.
Na esteira da representatividade dos brasileiros no Suriname, o trabalho
de Carolina CarretHöfs afirma que
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16. São Paulo, terça-feira, 05 de janeiro de 2010 . ENTREVISTA - RONNIE BRUNSWIJK. Disponível
em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft0501201008.htm
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denáveis pela sociedade local e que na relação com os maroons tem tomado
contornos de um discurso de ameaça.
Na Guiana, sua formação étnica é também bastante peculiar quando
comparada aos demais países da América do Sul. Atualmente existem seis
grupos étnicos que pouco se misturam entre si, mantendo uma divisão só-
cio-econômico-política dentro do país. Compõem a sociedade guianense
os grupos africanos, europeus, asiáticos, indianos, indígenas e portugueses.
Entre esses grupos, os islâmicos e os hindus constituem a maioria da nação
e dividem o poder entre si (LIMA, 2011, p.25).
Essa formação étnica guianense influencia na política doméstica do
país e também em sua política externa. De acordo com Vizentini (2010),
“as elites são relativamente permeáveis aos casamentos mistos, mas em ge-
ral cada grupo mantém forte identidade, havendo pouca mestiçagem. Pos-
teriormente, a constituição dos movimentos e partidos políticos foi forte-
mente assentada em linhas étnicas”. Desde sua independência em 1966, os
presidentes do país representaram essa diversidade elegendo um chefe de
estado chinês (1970-1980), dois afro-guianenses (1980-1992), dois indianos
(1992-1997, 1999-2011) e uma branca, judia e estadunidense (1997-1999). A re-
presentação da diversidade na escolha dos chefes de estado do país é inicial-
mente um dado interessante do ponto de vista democrático. Entretanto, os
caminhos apontados pelos diversos presidentes na construção e desenvolvi-
mento da nação não convergiram.
Na Guiana, A formação da comunidade brasileira não é recente. Entre-
tanto, alguns fatores contribuíram para uma potencialização da dinâmica mi-
gratória entre os dois países. Sobre o fluxo de guianenses para o Brasil, entre os
elementos que potencializaram a migração destacam-se: a busca de serviços de
saúde públicos; busca de trabalhos na construção civil e domésticos; redes de
relacionamentos parentais. No sentido inverso desse fluxo, ou seja, de bra-
sileiros na Guiana, os elementos potencializadores são: a já mencionada di-
minuição substancial de garimpos na Amazônia brasileira na década de
1980; a construção da ponte sobre o rio Takuto, parte dos projetos que com-
põem a IIRSA.
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19. Peru e Equador em 1981 e 1995 entraram em conflitos armardos por questões fronteiriças na região
amazônica.
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Guiana. Em 2000 a situação ficou ainda mais tensa quando barcos da ma-
rinha surinamesa empregaram atos hostis contra uma plataforma da CGX
Resources Inc. a CanadianbasedPetroleumCompany (CGX), alegando que
a empresa estava em uma Zona Econômica Exclusiva (ZEE) do país.
O incidente levou a uma série de discussões de fronteira entre os dois
países e a expectativa da Guiana era de que o memorando fosse respeita-
do. Propôs, então, para ambos os países compartilharem os ganhos de con-
cessão na área de sobreposição. O governo do Suriname não aceitou e de-
mandou a revogação da licença da CGX. Após a tentativa do intermédio
da Comunidade do Caribe (CARICOM), que tem pouca experiência no
tema, a questão se dirigiu ao Tribunal Internacional do Direito do Mar,
uma vez que Suriname e Guiana são signatários da Lei de Convenção Ma-
rítima (HOYLE, 2001).
Na sentença arbitral proferida pelo tribunal os três temas decididos fo-
ram: i) que o Tribunal Arbitral possui jurisdição para decidir sobre as fron-
teiras marítimas, o uso ilegal da força e sobre as alegações dos artigos 74 e
83 de MontegoBay; ii) estipula as fronteiras de maneira cartográfica, com
base no princípio da equidistância e reconhece que a ação armada do Suri-
name – relativa à CGX – foi uma ameaça, segundo a Carta das Nações Uni-
das, mas o pedido feito pela Guiana por compensação foi rejeitado; iii) am-
bos os países violaram os artigos 74 e 83 de MontegoBay (p. 165-166).
Para o governo do Suriname a sentença apresenta erros de cálculo e
para Harvey Naarendorp, Ministro de Relações Exteriores do Suriname,
não foi justa e equitativa, já que para a Guiana foram concedidos 65% dos
31.600 quilômetros quadrados de largura da antiga área de disputa, enquan-
to Suriname recebeu as 35% restantes (CAIRO, 2007). Entretanto, não ocor-
reram outras demandas por parte do Suriname, ficando o tema como arbi-
trado pelo Tribunal.
Em um cenário em que o Suriname se encontra prensado entre dois li-
tígios territoriais, a possibilidade de um conflito com a França é algo dis-
tante, entre outras razões, pela assimetria de forças e pela relação do Surina-
me com a Guiana Francesa. Com a Guiana, por sua vez, episódios recentes
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20. http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,guiana-acusa-venezuela-de-invadir-zona-de-garimpo-
-em-seu-territorio,81568,0.htm
21. http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/venezuela-e-guiana-vao-se-reunir-sobre-navio-detido
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Conclusão
A falta de interconectividade entre os territórios que compõem o Platô das
Guianas é um elemento marcante e a pouca evolução dos projetos da II-
RSA não conseguiu alterar essa realidade. A região continua “de costas”
para o subcontinente e alijada de outros processos de integração na Amé-
rica do Sul.
O Brasil, desfrutando de uma posição de potência regional, teve nas úl-
timas duas décadas a América do Sul como parte de seu foco estratégico in-
ternacional. Entretanto, o papel do país no Platô das Guianas foi de uma
relação com “uma outra América do Sul” que, apesar de algumas tímidas
iniciativas de aproximação com a região, não se inseriu como prioridade na
agenda da política externa brasileira e mesmo representando um caminho
para o Caribe, o papel do Brasil no Platô como Estado foi marcado pela
ausência.
A presença brasileira na dinâmica do Platô no contexto de integração
e segurança não fez por projetos e iniciativas, mas pelo fluxos migratórios,
extração de ouro nos garimpos, comércio ilegal de armas e drogas e prosti-
tuição. Essas são atividades protagonizadas por brasileiros na região.
Soma-se na dinâmica de segurança da região os litígios fronteiriços não
resolvidos desde o período colonial que, com exceção do Brasil, envolve to-
dos os países do Platô das Guianas. Mesmo não apresentando uma iminên-
cia de conflito armado, os litígios dificultam uma integração coesa e “con-
gelam” o desenvolvimento e criação de projetos na região.
Diante desse cenário, o Platô das Guinas apresenta-se como desafio na
construção de uma América do Sul como uma região geopolítica dotada
de unidade mínima e arcabouço institucional baseados em princípios e
macro-objetivos comuns nas relações internacionais. A aproximação da
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Introdução
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Considerações Finais
É muito difícil, embora necessário, para um país que teve poucas experiên-
cias efetivas com guerras e que mantém um relacionamento pacífico com
seus vizinhos fronteiriços, mas que necessita fortemente de perspectivas
inovadoras em relação ao desenvolvimento, se convencer da importância
de securitizar o tema do desenvolvimento aproximando-o das questões de
defesa. Essa dificuldade acaba se transformando em falta de políticas públi-
cas capazes de promover o desenvolvimento associado à defesa e isso gera
um problema muito particular para a Amazônia setentrional.
Foi a partir da posição de destaque internacional que o Brasil passou a
ter após o fim da bipolaridade na ordem mundial que o tema da defesa, em
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proferida no Curso de Logística e Mobilização Nacional na Escola Superior de
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Introdução
1. Docente do Curso de Relações Internacionais na Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), Brasil.
Pesquisador do Observatório das Fronteiras do Platô das Guianas (OBFRON, www2.unifap.br/obfron)
e Líder do Grupo de Pesquisa Políticas Territoriais e Desenvolvimento (POTEDES). Bolsista de Pós-
-Doutorado CNPq na Université Sorbonne Nouvelle, Paris 3. Email: bgeografo@gmail.com
2. Doutor em Geografia pela UFRGS. Pesquisador do LABETER – Laboratório Estado e Território.
Bolsista de Pós-Doutorado CAPES no Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacio-
nais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Brasil. Email: caedre@ig.com.br
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Considerações finais
Na Amazônia a pesca se destaca pela riqueza de espécies exploradas e pelo
grande volume de pescado capturado. A atividade é considerada um alicer-
ce da economia da região, embora inúmeros problemas sociais e econômi-
cos precisem de mais atenção e de ações efetivas. No estado do Amapá a pes-
ca sempre se baseou na frota artesanal, com o predomínio de embarcações
de pequeno porte. A análise da geografia da pesca em Oiapoque compro-
vou que o crescimento da atividade pesqueira local encontra entraves como:
o insuficiente fornecimento de gelo; a falta de um cais estruturado; proble-
mas na comercialização; e a ausência de financiamento aos pescadores.
Os dados analisados demonstram um setor limitado ao próprio tipo de
produção artesanal. Um cenário que só poderá se modificar a curto ou mé-
dio prazo com a intervenção de atores governamentais e de instituições
como universidades e centros de pesquisa, haja vista que a comunidade lo-
cal de pescadores se caracteriza pela baixa formação educacional e por uma
situação social vulnerável.
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1. É professor adjunto de História Contemporânea na Universidade Federal do Amapá (Unifap). Di-
retor do Núcleo de Inovação e Transferência de Tecnologia (NITT) da Unifap. Doutor em História
Comparada pelo Programa de Pós-Graduação em História Comparada (PPGHC/UFRJ), é docente per-
manente do Programa de Pós-Graduação em Mestrado em Desenvolvimento Regional (PPGMDR/Uni-
fap), dos Cursos de Especialização: a) em Defesa e Segurança e b) em História e Historiografia da Ama-
zônia, ambos da Unifap. É pesquisador sênior do Observatório de Fronteiras do Platô das Guianas
(OBFRON) e do Círculo de Pesquisas do Tempo Presente (CPTP), ambos da Unifap. Dirigiu a Edito-
ra Universitária da Unifap (2014-2016). Realiza estágio pós-doutoral de curta duração na Universidade
de Coimbra, acolhido pelo Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território (CEGOT-FL/
UC, 2016). Atuou como Pesquisador Visitante no Centro de Estudos Sociais/Faculdade de Economia da
Universidade de Coimbra (CES-FE/UC, 2016). Contato: daniel.chaves@unifap.br .
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para os Povos da Nossa América (ALBA, 2004) ou, de forma mais republica-
na e ecumênica, a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL, 2008). Esta
última se destaca de forma indelével pelo inédito construto da primeira ini-
ciativa de integração que abarcava todas as nações independentes da Améri-
ca do Sul (com a exceção da Guiana Francesa, colônia tardia), atuando como
um espaço de coordenação multilateral da região diante do mundo. Assim,
os países do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) se uniriam aos países
da Comunidade Andina de Nações (CAN), com o fundamental ganho da
presença de outros países como o Chile, mas também aos ‘caribenhos’ Suri-
name e República Cooperativa da Guyana, propondo uma integração inédi-
ta de Ushuaia até Guajira colombiana, de João Pessoa até Piura.
Em determinados casos, como da plurinacional Bolívia e da participati-
va Venezuela, o efeito estrutural se demonstrou na refundação dos modelos
de Estado, no reconhecimento de novos padrões nacionais e da institucio-
nalização de novas formas de governança, em um contexto que se aparenta-
va ateado pelo fogo da crise conjuntural. Era mais que isso, contudo: a Na-
ção, o Estado e o Povo eram conceitos históricos que, mesmo revisitados
continuavam a exibir vitalidade, mesmo dois séculos depois da descoloni-
zação das Américas e das bicentenárias campanhas da Pátria Grande. A lon-
gevidade destes debates se demonstra, na região das Guianas, de forma vi-
vaz, entretanto diferente. A maneira tardia da sua formação sociopolítica,
a descolonização distante no tempo, o seu papel periférico diante da Amé-
rica hispano-lusófona, a sua demográfica e cultural diacrônica quanto aos
seus vizinhos ao Sul e mais próxima dos seus vizinhos caribenhos ao Norte,
entre outros fatores, distingue trajetórias de encontros e diferenças permea-
das pelo cosmopolitismo de nações forjadas - e em forja - no tempo presen-
te. Nem totalmente caribenhas, tampouco absolutamente sul-americanas, e
meio amazônicas, meio marítimas: as Guianas, moldadas pelas diásporas e
douradas em oportunidades para migrantes, conquistadores, trabalhadores
e famílias, ainda são território franco para novas histórias e narrativas que
terão seguramente espaço cativo nas narrativas sobre as mais ensolaradas
terras da América do Sul.
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tam as potencialidades para que tal se constitua como área-pivô dos proje-
tos de integração regional. Da mesma forma, pode ser útil entender que a
imersão destas geopolíticas se dá de forma múltipla, em larga medida por
conta da sua necessidade de sobrevivência em um ambiente pouco estru-
turado no que diz respeito a regionalização e a subsequente inserção con-
temporânea, influenciando as suas perspectivas de securitização e projeção
(GRIFFITH, 2003: 1-2).
Mesmo diante da sutil diferenciação das suas composições histórico-
-geográficas e das suas relações com a vizinhança e o mundo, há muito
mais convergências que divergências em jogo. Assim, podemos considerar
que a convivência de padrões geomorfológicos compartilhados, de contex-
tos nacionais e identitários genealogicamente parelhos, e dilemas históri-
cos razoavelmente comuns sobre o desenvolvimento possibilitam tal com-
preensão comparativa.
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4. É preciso frisar, cuidadosamente, que o Suriname só ingressa de forma decisiva no CARICOM em
1995, em função de uma diversidade de questões econômicas e políticas. Ver: CARIBBEAN COMMU-
NITY. Communiqué issued at the conclusion of the sixth inter-sessional meeting of the conference of
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Organizadoras e Organizador
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