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Revista Frontline – Julho 2017

A especulação e a bolha de opiniões sobre o mercado imobiliário

Nos últimos meses têm sido publicadas notícias e opiniões que procuram alertar para uma
suposta bolha imobiliária, para a especulação, para o perigo do turismo em excesso e para o
facto de não existirem nessas zonas rendas a preços acessíveis. Não deixa de ser curioso que
essas opiniões são, em muitos casos, de quem pouco sabe de imobiliário ou de turismo, o que
transparece nas afirmações proferidas e raramente surgiram com soluções quando os sinais
eram negativos, com as cidades a perder população e os edifícios a ficar em ruínas. Foi com
outro modelo, diferente daquele que actualmente é criticado, que cresceram as periferias que
obrigaram os portugueses a endividar-se para comprar casa e a perder muitas horas diárias
entre as suas residências e os locais de trabalho. Antes de criticarmos o que temos, devemos
saber como chegámos, aonde nos encontramos e nesse caminho a história é uma boa
companhia.
Na minha opinião há de facto especulação e uma bolha, mas de opiniões não fundamentadas e
até alarmistas.
O que se tem vindo a registar na actividade imobiliária de alguns bairros ou ruas de Lisboa e do
Porto não poderá ser utilizado como referência para as restantes zonas das mesmas cidades e
muito menos do país.
Verifica-se uma enorme assimetria nos preços de venda de habitação, como nunca se registou,
pois nalguns edifícios de Lisboa os preços têm atingido valores de venda superiores a 6.000 €
por m2, podendo até ultrapassar os 10.000 €. Mas não podemos confundir casos excepcionais
com as restantes zonas de Lisboa e muito menos com a média dos preços de venda a nível
nacional, que é de cerca de 1.295 € por m2. Segundo os últimos dados do Confidencial
Imobiliário, o valor médio de venda de habitação na Área Metropolitana de Lisboa é de 1.600 €
por m2 enquanto na AM do Porto é de 1.006 €, sendo o valor mínimo de 673 € por m2 atingido
na zona Norte. Fazer querer que os preços de alguns imóveis, em locais específicos
transformaram o mercado imobiliário numa bolha ou que há especulação não faz muito sentido.
Também passa a ideia de que a Reabilitação Urbana está com grande dinâmica, mais uma vez
confundindo algumas zonas com o território nacional. De facto, essa dinâmica ainda está muito
longe de ser a resposta às verdadeiras necessidades dos prédios degradados que necessitam de
intervenção, consequência do congelamento das rendas associado a valores anuais de inflação
superiores a 20% durante mais de 15 anos.
Também se tem passado a mensagem de que nas cidades de Lisboa e Porto o investimento
estrangeiro e o turismo estão a expulsar os habitantes levando à prática de preços inacessíveis
para a maioria dos portugueses. Esquecem-se, ou nunca souberam, que este investimento surge
nas zonas que durante as últimas quatro décadas foram progressivamente abandonadas pelos
seus naturais habitantes, sem a mínima atracção de investimento. Nos últimos 50 anos Lisboa
perdeu 250.000 habitantes, ou seja, 1/3 da sua população, enquanto a população do país
cresceu 20%, tendo passado de 8,7 milhões em 1960 para 10,5 milhões em 2011. Por outro lado,
se até 1974 cerca de 50 % das habitações anualmente construídas se destinavam ao mercado
de arrendamento, após 1974 e como consequência do ataque ao mercado de arrendamento,
este deixou de existir tendo passado de 1,1 milhões de habitações em 1981 para menos de 800
mil em 2011, ou seja, menos de 20% do parque habitacional. As políticas públicas de habitação
durante as últimas décadas do século XX conduziram os portugueses a duas opções, ou construir
uma barraca por manifesta falta de meios, nomeadamente durante a década de oitenta, ou
pedir empréstimo para comprar habitação, o que levou as famílias a um elevado endividamento,
superior a 110.000 milhões de euros.
A degradação dos prédios dos centros das principais cidades e o abandono das populações que
não queriam residir nessas zonas foi o estado a que chegámos e o ponto de partida dos
estrangeiros que decidiram dar valor ao que antes foi ignorado e até desprezado. Por isso, não
podemos responsabilizar os seus investimentos, nem os devemos impedir, pois fazem parte da
solução e muito menos, fazer como os cucos, aproveitar os ninhos feitos por outras aves para
querer viver nessas zonas a preços da periferia ou com rendas sociais. Na minha opinião, este
efeito de valorização de determinadas zonas e de se dar mais valor aos edifícios reabilitados,
provoca uma onda positiva que permitirá investimentos noutras áreas abandonadas e em locais
que também fazem parte das cidades, mas que continuam como expectantes, a preços bem
menores, alargando a oferta dirigida à capacidade financeira das famílias, tal como sucedeu com
a restauração, em que o leque dos preços é enorme.
Portugal precisa de um mercado de arrendamento muito mais dinâmico, que passe dos actuais
20 % do parque habitacional para 40 %, mas para que tal aconteça é necessário estabilidade na
Lei do Arrendamento Urbano e na fiscalidade aplicada à construção e aos rendimentos prediais,
como garantia da confiança dos investidores.
Curiosamente, quem investe a pensar no mercado de arrendamento a na melhor rentabilidade,
escolhe zonas de preços mais baixos, pois as taxas são maiores porque os preços de aquisição
são bastantes mais reduzidos. O arrendamento para fins turísticos é muito limitado e tem sido
graças a ele que se reabilitaram muitas centenas de prédios que de outra forma continuariam
abandonados, mesmo quando o preço era muito baixo.

Fernando Santo

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