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Trabalho apresentado no X Seminário Internacional da Comunicação, de 3 a 5 de Novembro de 2009, na
Pontifícia Universidade Católica – PUC/RS.
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Graduando do curso de comunicação social da UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia),
integrante do grupo Corpo e Cultura do Centro de Artes, Humanidades e Letras da UFRB, bolsista de
políticas afirmativas da PROPAAE/UFRB. juliocesar_black@yahoo.com.br
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Doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA),
professora adjunta da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Autora do livro Os sentidos
da moda (Annablume, 2005) e líder do grupo de pesquisa Corpo e Cultura. pitomboc@yahoo.com.br
No interior das relações sociais analisadas por Maffesoli, é possível detectar o que
ele conceitua como barroquização do mundo contemporâneo. Como sabemos, o Barroco
foi uma escola da arte, literatura e também esteve presente na religião, e estava pautado
num conflito entre os desejos terrenos e divinos, contendo o sagrado e o profano como
elemento basilar da concepção de vida. Desta forma, o Barroco estava inscrito num
processo de trânsito polar, sendo o conflito existencial o principal motor de regência da
vida no século XVII.
Nas relações pós-modernas, o autor identifica um processo de barroquização, que
se encontra na superexposição do corpo individual, mas essa superexposição está ligada
a um grupo onde esse corpo individual está inserido. Consequentemente, o corpo
individual estará inscrito numa lógica do corpo social – grupo, tribo ou sociedade – em
que o estar junto é um dos elementos formadores da aparência e da teatralidade do
corpo assumido no cotidiano.
Ao que parece existe uma lógica imaginária e cultural que rege as relações socais
e as formas de apresentação dos corpos nas sociedades ocidentais, já que Maffesoli
objetiva a sociedade ocidental como referencial para seus estudos. Ao pensarmos o
corpo como objeto de apreciação estética podemos estabelecer uma analogia com a
cultura pop, já que ela exemplifica a barroquização contemporânea, assim como as
teatralidades assumidas pelo corpo, no caso do comportamento Kitsch e Camp. Pensar o
corpo em constantes atos performáticos é associá-lo ao fluxo de interatividade cultural
presente nas sociedades da informação, em que a mediação dos meios de comunicação
implica numa reprodução de valores contraditórios e demarcados como exponenciais no
processo de constituição das identidades culturais contemporâneas.
A performação é um exemplo que está no cotidiano dos sujeitos através das
personas, que são representadas, incorporadas e apresentadas num corpo individual ou
social, consagrando assim, a barroquização contemporânea do corpo e da aparência,
sendo estas, as características do ‘corporeísmo’ como afirma Maffesoli. Nesse sentido, é
possível considerar a existência de um deslocamento do corpo material para uma
virtualidade massificada pelos meios de comunicação de massa, inseridos no que se
cunhou como Indústria cultural.
O trabalho de Walter Benjamin (2000) apresenta a concepção de reprodutibilidade
técnica da arte através dos meios de comunicação de massa. Pensar numa
reprodutibilidade técnica corporal é compreender o corpo e a aparência como meios de
libertação das barreiras dos espaços sociais para além do espaço/tempo, além de
vislumbrar que as identidades culturais fazem parte de uma teatralização da vida
contemporânea.
O corpo e as personas
A ambiência do corpo na interação cultural e social é constantemente
transformada pela aparência. Os aparatos tecnológicos, culturais e estéticos
desenvolvem no corpo um dos elementos primordiais do sujeito: o comportamento.
Assim, o comportamento assegurado ao corpo é representado e apresentado pelos
valores simbólicos compartilhados entre os sujeitos formadores de núcleos do corpo
social. Entende-se como corpo social um grupo de pessoas que compartilham de
valores, representações e subjetividades que criam laços afetivos entre si. Desse modo,
um corpo social está inserido numa relação dialética com os corpos individuais e assim
as identidades ganham o caráter de efemeridade, tornando-se fragmentárias e fluidas.
O corpo individual contemporâneo ao ser confrontado com o processo de
socialidade compõe seu valor simbólico e material através da identificação e do grau de
pertencimento a determinados grupos ou tribos.
Agora, cada vez mais, nos damos conta de que mais vale considerar a
sincronia ou a sinergia das forças que agem na vida social. Isso posto,
redescobrimos que o sujeito não pode existir isolado, mas que ele está
ligado, pela cultura, pela comunicação, pelo lazer, e pela moda, a uma
comunidade, que pode não ter as mesmas qualidades daquelas da
idade média, mas que nem por isso deixa de ser uma comunidade
(MAFFESOLI, 1998, p.114).
A cultura pode ser identificada de forma precisa, seja por meio das
grandes obras da cultura, no sentido restrito do termo, teatro,
literatura, música, ou, no sentido amplo, antropológico, os fatos da
vida cotidiano, as formas de organização de uma sociedade, os
costumes, as maneiras de vestir-se, de produzir, etc. (idem, p.75).
Portanto, a fragmentação das identidades detectada por Hall pode ser avaliada
como o processo de mudanças no imaginário coletivo que desenvolve alterações
perceptíveis nas manifestações e representações culturais.
O imaginário, ao que parece, faz parte das construções sociais que formam e
desenvolvem relações capazes de agregar as pessoas em afinidades e identificações.
Consequentemente, o imaginário não pode ser compreendido como elemento individual,
mas sim coletivo. Assim, o imaginário ganha relevância no cotidiano. Como ressalta
Maffesoli “O imaginário é o estado de espírito de um grupo, de um país, de um Estado-
nação, de uma comunidade, etc. O imaginário estabelece vínculo. É cimento social.
Logo, se o imaginário liga, une numa mesma atmosfera, não pode ser individual”
(SILVA, 2001, p.76).
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Ver CIDREIRA. Renata Pitombo. Estilo, Moda e Consumo (por uma poética do precário?) trabalho
apresentado no V ENECULT – Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, nos dias 27, 28 e 29
de maio de 2009. Faculdade de Comunicação/UFBA. Salvador – Bahia – Brasil. Disponível em:
http://www.cult.ufba.br/enecult2009/19637-4.pdf acessado em 21 de setembro de 2009.
Na influência mútua da aparência, a figura do estar junto surge a partir do
conceito de ‘aparência’ dada aos sujeitos integrantes do grupo, em que a identificação
da estética corporal delimita/expande o campo de ação da identidade tribal, assim, a
aparência torna-se a principal ferramenta da identificação das (nas) tribos. O estar junto
se configura na necessidade de convivência dos pares, onde as tribos e os seus membros
tornam-se comuns uns aos outros. É nesse convívio tribal que nasce uma ética da
estética. “A aparência social seria, assim, objetividade habitada por subjetividades em
constante interação” (MAFFESOLI, 1996, p.177).
As relações tribais partem de uma configuração representacional, que demonstra
as relações imaginárias e culturais desembocando numa estetização, que consagra a
barroquização do mundo contemporâneo. Desse modo, podemos pontuar que a cultura
contemporânea passa por alguns processos dinâmicos que exaltam a imagem dos corpos
nos meios de comunicação. “A imagem serve de pólo de agregação às diversas tribos
que formigam nas megalópoles contemporâneas” (VILAÇA, 2007, p.148).
As figuras midiáticas são participantes ou fundadoras de tribos pós-modernas,
exemplo disso, são as personalidades midiáticas que surgem a partir de um diferencial
em relação aos outros; essa diferença se configura na aparência, seja considerada
inovadora, exótica ou até mesmo esdrúxula. O mecanismo de aproximação dos corpos
na aparência se concretiza no olhar e na identificação, que enlaça os corpos,
compactando-os em tribos e grupos, assim, o corpo é objeto de preocupação estética,
moral e até mesmo sexual5. No julgamento da aparência David Le Breton diz:
O homem mantém com o corpo, visto como seu melhor trunfo, uma
relação de terna proteção, extremamente material, da qual retira um
benefício ao mesmo tempo narcíseo e social, pois sabe que, em certos
meios, é a partir dele que são estabelecidos os julgamentos dos outros
(BRETON, 2007, p.78).
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Aqui, me refiro às marcas corporais como inscrições de gênero e sexualidade. Ver LOURO, Guacira
Lopes. Um corpo estranho: Ensaios sobre sexualidade e Teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica,
2004. Sobre estética e comportamento subversivo ver SANCHES, Julio César. Corpos (des) feitos e
identidades (des) construídas: a estética e o comportamento não heteronormativo. In: cadernos de
programação e resumos do I Seminário Enlaçando Sexualidades. Salvador: EDUNEB, 2009.
determinados lugares que estão enraizados na cultura e no imaginário coletivo. Como
disse Maffesoli: “(...) o neotribalismo é caracterizado pela fluidez, pelos ajustamentos
pontuais e pela dispersão. E é assim que podemos descrever o espetáculo da rua nas
megalópoles modernas. (...) Através de sucessivas sedimentações constitui-se a
ambiência estética da qual falamos” (MAFFESOLI, 1998, p.107).
A reprodutibilidade técnica do corpo
Ao tratarmos de contemporaneidade estamos envoltos na presença marcante dos
meios de comunicação de massa e da indústria cultural que constitui o modus vivendi da
sociedade de consumo. A avalanche de imagens propagadas na mídia torna o corpo
objeto de reprodução através dos canais midiáticos, dessa forma, existe uma banalização
da imagem do corpo. Como indica Nízia Villaça
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Para compreender o termo queer ver COLLING, Leandro. Teoria queer (Verbete). In: Mais definições
em trânsito. Salvador: FACOM/UFBA, 2007. CD-ROM. Para ter acesso os pressupostos teóricos dessa
abordagem MISKOLCI, Richard. A teoria queer e a Sociologia: o desafio de uma analítica da
normalização. Revista Sociologias, Porto Alegre, ano 11, nº 21, jan/jun, 2009, p.150-182.
(Capa da Revista Rolling Stone U.S.A de junho de 2009. Fonte: Site oficial da Revista).
BRETON, David Lê. O corpo no espelho do social. In: A sociologia do corpo. 2ª Ed.
Petrópolis: Vozes, 2007, p.77-91.
COELHO, Marcelo. Crítica cultural: teoria e prática. São Paulo: Publifolha, 2006.
LOPES, Denílson. Terceiro manifesto Camp. In: O homem que amava rapazes e
outros ensaios. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2002.
VILLAÇA, Nízia. O corpo da moda, o corpo das marcas. In: A edição do corpo:
tecnociência, artes e mídia. Barueri, SP: Estação das letras editora, 2007, p.135-161.