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QUALIDADE TOTAL – O CASO DA SIDERÚRGICA RIOGRANDENSE

RESUMO

Neste estudo pretendemos compreender as conseqüências da implementação


da Gestão da Qualidade Total (GQT) sobre o controle organizacional na
Siderúrgica Riograndense, uma usina do Grupo Gerdau, o segundo mais
importante grupo siderúrgico privado brasileiro.

Nós supomos que essa implementação reforça os aspectos do controle através


da cultura organizacional. Durante o desenvolvimento desse estudo algumas
questões surgiram sobre as mudanças no controle burocrático, principalmente
relacionadas à possibilidade de variação positiva dos dois modos de controle.

O processo de implantação da Gestão da Qualidade Total na usina

Um começo clássico: os Círculos de Controle de Qualidade

O interesse pela qualidade na usina Riograndense teve inicio nas missões ao


Japão para troca de tecnologia com a Siderúrgica Nippon Steel. Dessas missões
surgiram os Círculos de Controle de Qualidade (CCQs), em 1981, que
rapidamente alcançaram um índice significativo de participação. Outras ações
foram testadas, mas essas eram de iniciativa de alguns gerentes e não tinham
um suporte organizacional, o que originou algumas frustrações com a gestão da
qualidade. O desconhecimento de um método de implantação é tido como um
dos principais causadores dos fracassos dessas tentativas.

A empresa apresenta nesse primeiro período características bastante próximas


da estrutura burocrática. A escala hierárquica estendia-se por nove níveis e a
autoridade dos superiores era respeitada com temor e reverência. Os
entrevistados contam anedotas desse período relativas a este temor e respeito
pela autoridade, que podem ser ilustradas pela reverência dos trabalhadores da
usina ao falar ao telefone em pé, logo que do outro lado da linha encontrava-se
alguém da matriz.

Outra ilustração concerne os sinais utilizados pelos operários logo da chegada


de um superior no chão-de-fábrica. A divisão era regional para o Grupo, uma
usina de cada região era responsável pelas demais. Internamente, as usinas
eramdivididas funcionalmente.

Essa estratificação não se limitava aos níveis hierárquicos inferiores, o processo


de planejamento na empresa mostra que os níveis hierárquicos superiores na
usina também eram incluídos neste padrão de relacionamento.

Segundo os gerentes entrevistados, os objetivos estabelecidos no plano não


eram conhecidos e as ações implantadas em uma área eram anunciadas sem
mais explicações aos responsáveis.

O processo de planejamento incluía somente a equipe de direção da matriz e


das usinas, e os objetivos e ações eram considerados sigilosos. Pode-se por
estes dados, perceber a inexistência de participação no processo de
planejamento, mesmo dos níveis mais elevados das usinas, assim como a
inexistência de objetivos definidos conhecidos dos responsáveis pelas área da
usina. Outro ponto ressaltado pelos entrevistados refere-se ao modo e a
freqüência do controle de resultados realizadosneste período.

Os gerentes não conheciam o período no qual se realizaria esse controle, nem


o tipo de resultado que lhes seria cobrado. Habitualmente, um diretor chegava à
usina, sentava-se com o gerente e fazia perguntas diversas. Segundo os
gerentes, a maior causa de tensão nesse período era exatamente não conhecer
os aspectos controlados, o que lhes impunha a necessidade de tudo conhecer a
todo momento.

Um outro aspecto de destaque nesse período diz respeito à codificação de


valores e crenças. Aspectos já mencionados indicam uma forte distinção
hierárquica, através da forma estrutural. Além disso, havia distinções visíveis
através das cores dos capacetes utilizados pelo pessoal de operação, e de
marcas distintas fixadas nos mesmos. Havia uma clara separação também
através dos três restaurantes utilizados dentro da planta da usina, um destinados
aos operadores, com um serviço simples, outro destinado aos empregados
administrativos e um terceiro para os engenheiros, gerentes e direção.

O layout seguia umpadrão clássico com salas dividindo espaços e superiores


ocupando salas fechadas protegidas por uma secretária. O valor predominante
nesse período, segundo os entrevistados, era a obediência e os empregados
eram julgados pelo seu grau de obediência.

A seleção era realizada através de testes, uma vez que a empresa já contava
nessa época com um sistema burocrático de seleção, o que contrasta com
períodos anteriores, nos quais, segundo os entrevistados, a seleção era feita
sobretudo através do julgamento da capacidade física de indivíduos que se
aglomeravam no portão central da usina a espera de um emprego. No entanto,
as entrevistas ressaltam a importância, nesse período da existência de laços
familiares dentro da empresa na decisão de contratação de um candidato. Isso
é explicado pela necessidade de se conhecer anteriormente à entrada na usina,
a realidade do trabalho siderúrgico, considerado difícil e perigoso.

Os entrevistados apontam que a formação de equipes privilegiava a


homogeneidade dos recrutados. Esse aspecto contrasta com asdescrições do
modelo burocrático, pois que os laços familiares são considerados importantes
na seleção.

Outros dois aspectos contrastam com o modelo burocrático, a padronização e a


formalização. Ambos são julgados fracos no primeiro período analisado. A
padronização sofria, segundo um antigo diretor corporativo, com o
desconhecimento dos processos pelos gerentes e engenheiros e pela longa
linha hierárquica, dominada pelos supervisores.

Cada um dos supervisores impunha o método de trabalho de sua preferência.


Não havia indicadores que pudessem controlar a padronização dos
procedimentos, o controle era exercido pelos gerentes, diretamente sobre os
supervisores, através do questionamento dos procedimentos a serem adotados
para a realização de uma determinada tarefa.

Esse questionamento era verbal e tinha como base o padrão escrito. Dessa
forma o número de peças defeituosas ou descartadas éjulgado elevado, e os
produtos comercializados apresentavam variações importantes.

Segundo a percepção dos entrevistados, este período caracteriza-se pela


inexistência de padrões que guiassem a realização das tarefas. Um resultado
importante concerne à indiferença dos operadores para com os documentos
existentes. Essa indiferença, existente no período, pode ser observada através
do esforço de formalização e padronização realizado pelos engenheiros e
gerentes logo após às missões ao Japão, que resultou em aproximadamente
2000 documentos distribuídos aos operadores e ignorados por estes, logo,
inócuos para o processo produtivo.
A GQT como uma tecnologia de Gestão

A utilização da GQT como uma tecnologia de gestão, que teve inicio em 1987,
com a participação mais intensiva de um consultor para a área, e o
convencimento da direção da empresa pode ser identificada como a segunda
etapa do processo de implantação.

Os entrevistados dizem que o alavancador do convencimento generalizado


dentro da organização, que serviu também como um norteador das ações
implantadas foi a noção de cliente, não considerada anteriormente. Durante esse
período um grande esforço de quantificação foi realizado, o que os entrevistados
chamam de época dos fatos e dados, quando tudo deveria ser quantificado e
fundamentado para que se pudesse discutir.

Nos anos de 1990-91 os gerentes da usina começam a trabalhar mais


especificamente sobre a rotina e as operações, chegando a resultados mais
satisfatórios. Nesse período são realizadas algumas ações que transformam a
hierarquia e os papéis dos ocupantes de cargos na usina e um sistema de
planejamento mais claro é esboçado.

A usina passa a contar com cinco níveis hierárquicos e o Grupo Gerdau é


organizado através de Unidades de Negócios, agindo em nível nacional, numa
estratégia de conhecimento mais profundo do mercado e de especialização em
grupos de produtos, como aqueles destinados à construção civil ou à indústria.
Essa reestruturação corresponde à ênfase dada à noção de cliente, destacada
pelos entrevistados.

O processo de planejamento não sofre muitas alterações no período, mas os


entrevistados, destacaram o aumento de participação através da proposição de
mudanças nas ações e da sugestão de certas ações. Essa mudança é explicada
pelos entrevistados pela necessidade de estabelecer maior coerência entre as
ações relacionadas à qualidade que os levava à maior interferência nas ações
planejadas, bem como à maior necessidade das informações constantes no
plano. No entanto, os objetivos continuavam desconhecidos dos gerentes e o
processo de controle permanecia como no primeiro período.

Os esforços de padronização continuaram, através da confecção de padrões


pelos técnicos da usina, mas esses esforços só têm como resultado a geração
de documentos, aumentando o grau de formalização da usina, sem no entanto,
conseguir padronizar de fato o processo produtivo. Essas ações resultam numa
relação interessante entre formalização e padronização que questiona as
medidas adotadas para ambas, visto que, se considerássemos a empresa
padronizada pela quantidade de padrões existentes estar-se-ia incorrendo no
erro de não considerar a utilização ou não destes documentos no momento das
atividades produtivas.

Neste período a participação começa a ser mais valorizada dentro da usina e


junta-se à obediência no que concerne a supervisão dos valores. Da mesma
forma, o conhecimento passa a ser mais destacado pelos entrevistados como
um critério importante na seleção de novos membros.

O sistema de recompensas não sofre alterações, continuando a ser formado pelo


salário, promoções à totalidade dos empregados; e presentes e viagens aos
participantes dos CCQs.

A GQT chega ao chão de fábrica

A terceira etapa da implantação começa em 1994, com uma mudança importante


que deveria responder à estagnação dos CCQs. A empresa cria os Programas
Participativos (Grupos de Solução de Problemas – GSPs, 5 S e CCQs). Com
isso, os conceitos da qualidade chegam pela primeira vez mais perto do chão de
fábrica e as ferramentas da qualidade começam a ser discutidas e utilizadas de
maneira sistemática pelos grupos.

A empresa lança também o projeto de Gestão com Foco no Operador (GFO) e


organiza as equipes de produção em grupos semi-autonômos chamados Células
Operacionais. A mesma organização é utilizada na gestão da usina com os
gerentes organizados em Células de Negócio.

O terceiro período confirma as análises encontradas na teoria sobre as


transformações organizacionais da última década, o número de níveis
hierárquicos decresce para quatro, estrutura considerada provisória e tendo
como meta planejada a existência de três níveis hierárquicos.

As transformações no nível gerencial seguem as do nível operacional e são


criadas as Células de Negócios. A organização é dividida em sete negócios
principais e os gestores trabalham em grupos seguindo o processo vender-
produzir-comprar-entregar.

Essas duas mudanças parecem ter profundas conseqüências na gestão da


empresa,primeiramente porque os operários passam a trabalhar diretamente
com os gerentes, não mais existindo os níveis intermediários. Os antigos
supervisores ocupam um novo papel, o de facilitadores, seja das células de
produção, seja do gerente na resolução de problemas.
O trabalho em grupo dos gestores implica o conhecimento e a consideração no
processo decisório de um número de variáveis mais amplo e uma visão mais
sistêmica das mudanças implementadas.

O processo de planejamento é completamente transformado através do


desdobramento de diretrizes, que partindo dos objetivos estratégicos negocia
com cada nível os objetivos a serem alcançados no período. Assim, os objetivos
antes desconhecidos passam a ser claros e datados.

A negociação das metas e a discussão dos objetivos aumenta significativamente


a participação de quase todos os níveis no processo de planejamento e a
freqüência e o modo de controle dos resultados são conhecidos.

Essa transformação é conseqüência de um longo processo de análise das


rotinas e dos processos da usina e do período chamado internamente de “fatos
e dados”, que permitiram aosgestores o estabelecimento de indicadores de
controle dos processos e dos resultados.

Esse esforço culminou com um grau de padronização dos procedimentos


operacionais considerado forte pelos entrevistados, ao mesmo tempo que o grau
de formalização é percebido como decrescente.

Isso é possível através da utilização de documentos somente para os


procedimentos considerados críticos, reduzindo assim, o número de documentos
que circulam na operação sem, no entanto, que a formalização possa ser
considerada fraca, já que documentos como cartas de controle, gráficos e outros
vêm desempenhar um papel importante.
O sistema de participação é ampliado significativamente neste período,
principalmente através dos grupos semi-autonômos, mas também através de
outros mecanismos como os Grupos de Solução de Problemas e o 5 S, que
somados ao CCQ formam o Programa Participativo da usina.

Além dessa ampliação os programas participativos passam por um processo,


conhecido na empresa como profissionalização, que transforma o sistema de
recompensas da usina.

Os projetos realizados pelos grupos começam a ser remunerados seguindo


critérios pré-estabelecidos e divulgados dentro da empresa. O 5 S é considerado
para a pontuação na remuneração variável das equipes, introduzida neste
período e que corresponde ao percentual de alcance das metas estabelecidas
no plano.
Os presentes queanteriormente faziam parte do sistema de recompensas e
reconhecimento são suprimidos, contrastando com os resultados sobre os
mecanismos de recompensa em organizações onde há predominância do
controle através da cultura.

Corroborando os resultados ,neste período os entrevistados relatam o


surgimento da preocupação com o feedback positivo. Esse aspecto foi
freqüentemente sublinhado como uma dificuldade para os gestores, habituados
a cultura severa de apontar o erro e considerar o acerto como obrigação.

No que diz respeito à codificação de valores e crenças, todos os símbolos de


distinção hierárquica existentes anteriormente são suprimidos, incluindo a
utilização do mesmo restaurante por todos os níveis, com uma pequena divisão,
no mesmo restaurante, entre espaços destinados à operação e aos empregados
administrativos, gerentes e facilitadores.

O valor chave passa a ser a participação e, conseqüentemente, o trabalho em


equipe. A organização parece perder a formalidade que a caracterizava
anteriormente, o tratamento formal é substituído pelos nomes, um informativo de
circulação interna para divulgação de informações sobre a qualidade é criado e
o layout é completamente modificado.

Astransformações do layout implicam todos os níveis da organização, do chãode


fábrica até à direção corporativa, na matriz do Grupo. Todos os colaboradores
trabalham em grandes salões, sem divisórias, compartilhando material de
trabalho, equipamentos.

Mudanças no modo de seleção são também apontadas como relacionadas ao


processo de mudança mais amplo. Os entrevistados indicam que aspectos como
capacidade para o trabalho em grupo, adaptação à cultura da empresa, grau de
escolaridade e conhecimento técnico tornam-se os aspectos mais considerados
quando da seleção de novos membros.

Essas aspectos corroboram os resultados , no entanto, no que diz respeito à


formação de equipes tanto a diversidade quanto a homogeneidade fazem parte
das preocupações dos gestores, não tendo sido possível diferenciá-las.

O resumo rápido da análise das principais transformações ocorridas no processo


de mudança desencadeado pela implantação da GQT na usina Riograndense
permite algumas conclusões e discussões que serão apresentadas na próxima
seção.
Fonte:Rosemeri Carvalho da Silva- Poder invisível, formas de controle e gestão da qualidade
total: caso SiderúrgicaRiogrnadense

Poderiamos analisar agora e buscar respostas as seguintes questões:

1. Quais as facilidades a empresa teve na implantação do programa?


2. Quais as dificuldades a empresa teve na implantação do programa?
3. Descreva a metodologia usada pela empresa na implantação do
programa?
4. Quanto tempo durou esta implantação?

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