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INSTITUTO DE ECONOMIA
Campinas
2019
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
Campinas
2019
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
Defendida em 14/02/2019
COMISSÃO JULGADORA
Ao Professor Doutor Denis Maracci Gimenez, sem o qual não teria tido o empenho de
retomar o trabalho desta pesquisa iniciado há alguns anos. Sua paciência,
desprendimento e sugestões foram responsáveis por ter sido finalizado o estudo. Denis
deu sequência em orientar à ideia inicial dessa discussão, que teve o Professor Doutor
Carlos Alonso B. de Oliveira como primeiro tutor.
Essa tese, no seu esboço, sofreu leitura e observações de José Carlos S. Braga, de Luiz
G. Belluzzo e de João Quartim de Moraes, mestres da mais alta relevância no estímulo e
formação de gerações de pesquisadores das Ciências Humanas no Brasil. A eles, o meu
sincero agradecimento.
This thesis discusses the current dimensions and trends the global capitalist crisis
detonated in 2007-8, in his long process (2007-2017). It works especially with Marxism
nucleate categories, but not only. Theoretically, it is inserted in the variants of the
political economy of several openly critical of the apology of neoliberalism schools.
Thus, this thesis debates the great crisis of the earlier XXI Century origins, from its new
outward appearance of the financialized accumulation and substitutive of Bretton-
Woods Agreement regime. It stresses the collapse of neoliberal capitalism theoretical
foundations based on a critical view of neoclassical political economy and on its
implausible, fanciful explanations; as well as the crisis way outs that deny their own
epistemological bases — clear aporias. By indicating and characterizing the phases of
this — persistent, systemic, socially regressive and reactionary — crisis, it points to the
contemporary tendencies of capitalism, while criticizis the idea of "stagnation as mode
of being" of monopoly age subsumed to great finance capitalism. It suggests
transformations operated on technical basis of this capitalism (in crisis), which
reconfigure the phase of this stage of imperialism and its great impasses.
CONCLUSÕES 127-133
BIBLIOGRAFIA 134-162
APÊNDICE 162-200
11
Apresentação
Essa teoria não aceita o caráter endógeno das crises no regime econômico-social
do capital: elas são episódios eventuais em geral causados por “desequilíbrios dos
mercados” ou mesmo pela intervenção dele.2 Ora, ainda que não sejam idênticas as
1
Variante do liberalismo econômico, surgiu em fins do século XIX, com o austríaco Carl Menger (1840-
1921), o inglês William Stanley Jevons (1835-1882) e o suíço Léon Walras (1834-1910). Num outro
estágio, o inglês Alfred Marshall (1842-1924), o sueco Knut Wicksell (1851-1926), o italiano Vilfredo
Pareto (1848-1923) e o estadunidense Irving Fisher (1867-1947). Autores dividem-na em Escola
Walrasiana, Escola de Chicago e Escola Austríaca (CARNEIRO, 2002; SANDRONI, 2005). Nesta última
pontificou F. V. Hayek (1899-1992), também um líder teórico do individualismo e do subjetivismo
metodológico (ANDRADE, 2003).
2
Vale notar que, N. GIALL (2009) sublinha que a própria Anna J. SCHWARTZ, com Milton
FRIEDMAN co-autora de “História Monetária dos Estados Unidos” (1963), explicou o seguinte: “A
crise do crédito foi propagada pela securitização e, especialmente, pela adoção do modelo “originar para
distribuir” de concessão de crédito bancário, em substituição ao modelo tradicional “originar para
guardar”. Essas inovações bancárias, e, especialmente, as práticas da indústria de derivativos, agravaram
os problemas. (...) Os principais culpados pela crise atual são os engenheiros financeiros que inventaram
a securitização dos empréstimos hipotecários e também o empréstimo hipotecário de alto risco. A
securitização passou do setor de empréstimos hipotecários para a emissão de papéis comerciais, para o de
contas de cartão de crédito a receber e outras categorias de empréstimos”. (Ver: “Dinheiro, ganância,
tecnologia”, p. 8, itálico nosso http://www.estadao.com.br/ext/especiais/2008/09/gall.pdf).
12
Teoria neoclássica, aliás, deformada a tal ponto que chegou a ser defendida por
Douglass NORTH (Nobel em Economia) como geradora de extensão da teoria política
contemporânea. Mascarada de “institucionalista”, as postulações neoclássicas de North
vão desde: a) a ideia de que não temos nenhuma teoria convincente – “permanece sem
explicação” - da sociologia do conhecimento que dê conta da eficácia (ou ineficácia) de
ideologias; b) de que o modo “pelo qual a mente processa informações” embasa a
existência de instituições, sendo essencial no conjunto de escolhas na evolução das
sociedades, “tanto no curto quanto no longo prazo”; c) onde, ainda que não tenhamos
uma boa explicação “para as normas sociais”, podemos modelar essa normas com
“propriedade de maximização da riqueza” a partir da teoria do jogos, o que amplia
nossa compreensão de formas de troca “mais complexas, a exemplo da evolução inicial
dos mercados financeiros”; d) ou ainda que, é simplesmente “impossível” interpretar a
história ou as economias contemporâneas “sem reconhecer o papel central das
3
Ver: “Estabilizando uma economia instável. A inclinação natural das economias de mercado,
complexas e globais, em direção à instabilidade”, H.P. Minsky, São Paulo, Novo Século, 2013, p.194.
13
4
Ver: “Instituições, mudança institucional e desempenho econômico”, D.C. North, São Paulo, Três
Estrelas, 2018 [1990], pp. 79, 80, 81 e 82.
5
Exemplifico concretamente como expressão cabal de decomposição da economia política do
neoliberalismo com quatro registros: 1º) “Os quants: como uma nova raça de gênios da matemática
conquistou Wall Street e quase a destruiu”, intitula-se o livro de Scott Patterson, então jornalista do Wall
Street Journal. Diz lá Patterson: matemáticos geniais, cientistas e doutores somaram certa racionalidade à
“ganância” (O Estado de S. Paulo, 14-02-2010).2º) Warren Buffett e George Soros - tão cínicos quanto
magnatas e dos maiores especuladores do planeta - passaram a reconhecer: derivativos são “armas
financeiras de destruição em massa” (BUFFET, 2007); ou, os derivativos de crédito (swaps) “podem ser
também uma licença para matar” (SOROS, 2010). 3º) Em abril de 2010 o FMI passou a admitir o
controle da conta de capitais. Desconfiou-se que a joia de ouro da coroa era bijuteria. 4º) O denominado
“fundo dos gênios” (o fundo hedge Long Term Capital Management, LTCM) – de propriedade de dois
prêmios Nobel de economia, Myron SCHOLES e Robert C. MERTON (1997), e de um ex-vice-
presidente do Fed (Banco Central dos EUA) – entrou em colapso em meio à crise da Rússia (1998) e
quase leva os mercados financeiros globais à tempestade. Na mesma direção, impossível conceber maior
dissimulação: outros prêmios Nobel de economia (Milton FRIEDMAN, 1976; Gary BECKER, 1992;
Robert LUCAS JR., 1995) declararam em público “apoiar entusiasticamente o programa econômico de
George W. Bush” (HERRÉRA, 2006). Não há qualquer dúvida de que tal programa econômico empurrou
os EUA ao precipício, acelerando seu declínio econômico. Tal entusiasmo expressa mesmo é o fanatismo
cego que se apoderou desses porta-vozes ideológicos do “amor ao dinheiro” (KEYNES).
14
“(...) a economia política não pode ser a mesma para todos os países
nem para todas as épocas históricas. (...) A economia Política é,
portanto, uma ciência essencialmente histórica. A matéria sobre o que
versa é uma matéria histórica, isto é, sujeita a mudança constante”
(ENGELS: 1979, p.127).
Economia política que deve, sim, se voltar ao estudo das leis específicas de
determinados sistemas econômico-sociais, sempre historicamente situados. Como
afirmou LANGE, buscando esclarecer o funcionamento de vários modos de produção:
eles são “moldados pela história e seus respectivos sistemas sociais” (1981, p. 50).
Introdução
As reflexões desta tese sobre a grande crise capitalista global, a primeira do
século XXI, são relativamente abrangentes. Contudo, elas se assentam em duas ideias
centrais, articuladas e aqui demonstradas: 1) esta grande crise emerge como uma
depressão, não como uma recessão corriqueira ou mesmo acentuada; 2) as tendências
resultantes - e em curso – intensificam de maneira inédita a problematização do
processo de desenvolvimento da acumulação e reprodução do capitalismo
contemporâneo. Esse exame e sua interpretação são aqui vistos como parte integrante
das perspectivas – e interrogações - acerca do processo histórico do desenvolvimento
capitalista.
Essa problemática foi, sim, examinada visionária e cientificamente – inigualável,
asseveramos – por Karl MARX. Expondo no Livro 3 (Capítulo 15) de “O capital”,
Marx não só conceitua sinteticamente a natureza geral das crises no capitalismo, como
as integra no processo global desse modo econômico-social de desenvolver-se e
produzir riquezas. Conforme escreveu:
“Simultaneamente à queda da taxa de lucro cresce a massa dos capitais, e
paralelamente a essa queda ocorre uma desvalorização do capital existente, que
detém essa queda e imprime um impulso acelerador da acumulação de valor do
capital.
Simultaneamente ao desenvolvimento da força produtiva há o aumento
progressivo da composição do capital e a diminuição relativa da parte variável
em relação à parte constante.
Essas diversas influências se fazem sentir, ora de maneira mais justaposta no
espaço, ora de maneira mais sucessiva no tempo; o conflito entre as forças
antagônicas desemboca periodicamente em crises. Estas são sempre apenas
violentas soluções momentâneas das contradições existentes, erupções
violentas que restabelecem por um momento o equilíbrio perturbado”.6 (grifos
nossos)
6
Ver: “O Capital”, Livro III, São Paulo, Boitempo, 2017, p.288.
18
7
Ver: “O consumidor americano”, L. Belluzzo. http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI1976849-
EI8212,00-O+consumidor+americano.html), 2007.
8
Ver: “Economía Mundial”, BPI, 2007. Em: file:///D:/Economia%20Mundial%20BIS-2007.pdf
9
Ver:http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL924895-9356,00-
SUECIA+PREVE+PIOR+RECESSAO+EM+ANOS+EM.html
19
10
N. Ferguson, Op. cit., Editora Planeta, 2011, pp. 345-7; 358-9.
11
Z. Brzezinski, Op. cit., Basic Books, 2012, “Introduction”, p.5.
20
Necessário acrescentar que desse aporte, nenhum deles foi tão longe - tão
audacioso – como o economista russo Nikolai KONDRATIEV (1892-1938). A
problemática crise/desenvolvimento do capitalismo aparece em toda a sua plenitude em
suas famosas teorias dos “ciclos longos”. Teoria de enorme alcance, cuja elaboração
corrobora-se da análise da Grande Depressão dos anos 30. Nos marcos de 50 anos,
Kondratiev observou uma regularidade da coexistência entre ascenso de cerca de 25
anos, e descensos do crescimento econômico em outros 25, advinda a instalação da
crise.
Eric HOBSBAWM (1917-2012), outro notável pensador marxista, examinou
com atenção as teses muito influentes de Kondratiev. Para Hobsbawm, não se
conseguira até então explicar tal regularidade – “sua existência foi negada por
estatísticos e outros cientistas”12 -, inobstante se reconhecesse que há periodicidade em
mudanças de longo prazo na economia e na sociedade. O fato é que os “Ciclos de longa
duração” do economista russo, que sofreu novos desdobramentos com o austríaco
Joseph SCHUMPETER (1883-1950) nomeando-o como “Ciclo de Kondratiev”, teve no
brasileiro Ignácio RANGEL (1914-1994) sua defesa mais contundente.13
Ora, as ideias dos “ciclos longos” de Kondratiev e Schumpeter foram retomadas
recentemente por P. MASON (2015), R. GUTTMANN (2015) dentro de uma
perspectiva mais ampla, relacionando-os a natureza da crise global e o
desenvolvimento. Com horizontes bem distintos, veremos que Mason também assume
uma posição “catastrofista”, onde o padrão tecnológico atual levaria ao fim deste
capitalismo, a) estando essa crise inserida nos ciclos de Kondratiev; b) agora numa
longa etapa francamente “estagnacionista”.14
R. Guttman, por sua feita, em seu ensaio “The heterodox notion of the structural
crisis” (2015), examinado mais à frente, defende que os seguidores das ondas de
Kondratiev falharam ao decifrar claramente como e porque a economia se move entre
fases de retomada e declínio. Ao concentrar-se na origem das tendências de preço de
longo prazo e padrões de mudança tecnológica, conseguiu distinguir períodos de boom
e estagnação, “mas não disse muito sobre a transição de um a outro” (Guttmann, op.
cit., p. 2)
Esse breve registro acima revela a importância crucial que alguns dos maiores
pesquisadores da economia política crítica – assim como discípulos contemporâneos -
dão à problemática ciclo-crise no desenvolvimento capitalista. Eis que, a partir da
12
Ver: “O que a história tema dizer-nos sobre a sociedade contemporânea? ”, E. Hobsbawm, em: “Sobre
história”, Hobsbawm, E., 2013 [1984], p. 49. Também “A história e a previsão do futuro”, Hobsbawm,
E., em: Op.cit, 2013 [1981], pp. 78-9.
13
Para Rangel, a assertiva (fulminante) de Kondratiev, de que a “Grande Depressão” dos anos 1930 se
reverteria com o término da fase b do ciclo, e seguir-se-ia a reanimação econômica mundial (fase a), pode
ter implicado, inclusive, em sua morte “em circunstâncias pouco claras”. Rangel alude aqui à questão do
dogmatismo do pensamento econômico soviético de Estado, cujo voluntarismo decretava então a
impossibilidade de recuperação pós-depressão – o oposto de Kondratiev e seus ciclos longos. Ver: “O
quarto ciclo de Kondratiev”, São Paulo, Revista de Economia Política, vol. 10, nº4 (40), outubro-
dezembro 1990.
14
Ver: Mason, 2017. https://medium.com/@britescrodrigo/hist%C3%B3ria-do-pensamento-
econ%C3%B4mico-com-paul-mason-repensando-metodologias-de-ensino-na-
gradua%C3%A7%C3%A3o-25703bf20b2c
21
Capitulo 1
Espectros da grande crise global
“Lamento dizê-lo, mas apostaria que haverá depressão e que durará alguns anos” (Eric Hobsbawm,
30/3/2009). 15
A titulação deste capítulo em “Espectros” tem por objetivos: a) introduzir uma investigação
nucleada epistemologicamente na economia política marxista, partindo da crítica às opiniões
simplificadoras da natureza da grande crise capitalista que irrompe em 2007-8; b) argumenta-se, em
última instância, que a ideia de caracterizar essa crise com denominações superficiais conflui ao
objetivo de eludir os extraordinários impactos estratégicos e efeitos sócio-políticos regressivos que
põem numa (espécie de) transe o capitalismo global hoje.
15
Ver: “Além de injusto, o mercado absoluto é inviável”, Entrevista de Hobsbawm ao jornal argentino
Página 12, em: “Globalização neoliberal: da crise financeira à grande queda", BARROSO, A.S.R., Jornal
dos Economistas, CORECON, Rio de Janeiro, abril 2009. [Em: http://www.corecon-
rj.org.br/anexos/F12F8619B58DBA608F930F450B72FE39.pdf ] Ver também Outlook do FMI “Crisis
and recovery” (abril 2009, p. xii), onde se lê: “Além disso, a desaceleração é verdadeiramente global: a
produção per capita é projetada para diminuir em países que representam ¾ da economia global”. [Em:
file:///C:/Users/s.barroso/Downloads/_textpdf.pdf]
23
agosto de 2007 no crash das hipotecas subprime, nos EUA, tornou-a sistêmica
globalmente por súbita obstrução dos canais de financiamento da economia mundial. A
implosão revelou o mergulho depressivo e, inovadoramente, desvelou um tentacular
“sistema financeiro sombra”.
Mais de três décadas após a edição deste seu consagrado estudo, Galbraith
passou a acusar a moderna economia capitalista, centrada nos EUA, como sendo a das
“fraudes inocentes”17: nela não há nenhum sentido de culpa ou responsabilidade pelo
que acontece (de enganador; de trágico); ademais da expressão “capitalismo
monopolista” ter desaparecido “do vocabulário acadêmico e político”, ironizou (Idem,
p. 27). Destaca então que o mundo das finanças, das corporações financeiras, dos
bancos, dos mercados de seguros, dos fundos mútuos, das instituições de orientação e
aconselhamento financeiros como sendo “uma área bem conhecida de fraudes
inocentes”. Aqui, aduz, há um fato determinante “inegavelmente óbvio” que é o fato da
economia e sua passagem “dos bons tempos para a recessão ou a depressão – ou o
contrário –, não pode ser antecipado”. Existem muitas previsões, “mas nenhuma
16
Ver: Editora Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1972, pp. 127-128.
Ver: “A economia a das fraudes inocentes - verdades para o nosso tempo”, J.K. Galbraith, São Paulo,
17
18
Atualizaram ROSSI, P. e MELLO, G. o conceito clássico de recessão (Shiskin, 1974) prevê um
mínimo de dois trimestres consecutivos de queda do PIB (considerando trimestre contra trimestre
imediatamente anterior) para se caracterizar tecnicamente um momento recessivo; podendo-se considera-
la reducionista, à medida em que dá demasiada ênfase em uma única variável (o PIB), tal visão foi
recentemente atualizada e enriquecida (Achuthan & Banerji, 2008) para abarcar também variações no
emprego, na renda e no consumo das famílias. Em: http://brasildebate.com.br/wp-
content/uploads/NotaCecon1_Choque-recessivo-2.pdf
19
Em: https://mronline.org/2008/12/03/bernanke-and-the-great-moderation-four-years-later/
25
capitalismo são fenômenos sociais – das sociedades burguesas -, assim como também
sujeitos às tormentosas evoluções políticas que as acompanham.
20
Ver: “Nas origens das ciências cognitivas”, Jean-Pierre Dupuy, São Paulo, Unesp, 1996, pp. 23-23.
21
Ver: Luis Gusmão “O fetichismo do conceito. Limites do conhecimento teórico na investigação
social”, Rio de Janeiro, Topbooks, 2012, p.12.
22
Ver: “Comparación Del desempleo durante La Gran Depresión y la Gran Recesión”, W. Black,
Sinpermiso, 21/4/2013. Ver: http://www.sinpermiso.info/textos/comparacin-del-desempleo-durante-la-
gran-depresin-y-la-gran-recesin
26
Pois bem: Krugman também foi dos primeiros a denunciar as vilanias do sistema
bancário sombra. Conforme escrevera Krugman, esse sistema - de empresas “não
bancos” ou bancos sem supervisão do banco central - se agigantou durante a fase
expansiva da economia “financeirizada”. Por exemplo, diz ele, os cinco grandes bancos
de investimento dos EUA somavam balanços patrimoniais da ordem de US$ 4 trilhões;
enquanto os ativos totais do sistema bancário do país em torno de US$ 10 trilhões.
23
Ver: “Globalização, terrorismo e democracia”, Companhia das Letras, 2007. HOBSBAWM mantém
as preocupações com a célere ascensão do obscurantismo apontada ainda em 1995, no “A era dos
extremos”, São Paulo, Companhia das Letras.
24
Ver: “A crise de 2008 e a economia da depressão”, Campus/Elsevier, 2008, pp. 169-171.
27
sem dúvida, recorrer aos bons estímulos fiscais, no velho estímulo keynesiano”, Paul
Krugman acabou por publicar, cerca de três anos depois, o livro “Um basta à depressão
econômica. Propostas para uma recuperação plena e real da economia mundial”.25
Escrito bem depois do colapso, em 2012, nele Krugman identifica uma das tragédias
mais salientes do mergulho depressivo: “Depois da década de 1930, nunca tantos
americanos se viram tão enredados numa situação permanente de desemprego” (2012,
p.7; itálicos nossos).
Sim, se antes em dúvida, em 2012 Krugman chegara ao vaticínio de Hobsbawm, de
2009.
No curso da grande crise, ainda entre março e 2007 e junho de 2009, processou-
se o que Cintra e Fahri analisaram como “o desmanche” do shadow system. Ou seja, um
período de paralisação das operações interbancárias, espalhando a desconfiança dos
investidores nos sistemas financeiros, resultando em movimentos de pânico nos
mercados de ações, de câmbio, de derivativos e de crédito, em âmbito global, resultaram
em que “as instituições financeiras não bancárias sofreram uma verdadeira ‘corrida
25
P. Krugman, Campus\Elsevier, 2012.
26
Ver: “A crise financeira e o global shadow banking system”, M. A. M. Cintra e M. Farhi, in: Novos
estudos - CEBRAP nº. 82, São Paulo Nov. 2008.
28
bancária’ contra o global shadow banking system, ou a uma ‘corrida bancária’ contra
não bancos” (idem).
27
Em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/39284-instituicoes-que-levaram-a-crise-estao-
vivas.shtml
29
Fonte: http://voxeu.org/article/tale-two-depressions-what-do-new-data-tell-us-february-2010-
update
Fonte: http://voxeu.org/article/tale-two-depressions-what-do-new-data-tell-us-february-2010-update
Gráfico 3 – Taxas de juros dos Bancos Centrais ontem e hoje (média de sete países)
30
Fonte: http://voxeu.org/article/tale-two-depressions-what-do-new-data-tell-us-february-2010-update
A seguir, em “O que os novos dados nos dizem?” (2010), esses autores não
vacilaram: “É certo que é uma depressão”, escreveram 28. O mundo – analisaram -
estava atualmente passando por um choque econômico tão grande quanto o choque da
Grande Depressão de 1929-30. Olhando apenas para os EUA leva a esquecer como
alarmante a situação atual é mesmo em comparação com 1929-30 (idem). E para
concluir, Eichengreen e O’Rourke insistiram então que, “globalmente estamos no rastro
ou fazendo ainda pior do que a Grande Depressão, se a métrica é a produção industrial,
exportações ou avaliações de ações”. Por isso, concentrar-se nos EUA fazia com que se
minimizasse esse fato alarmante. E explicitamente ali resumiram: “O rótulo ‘Grande
Recessão’ pode revelar-se muito otimista. Este é um evento de tamanho da Depressão”
(itálico nosso).
28
Gráficos e os dois textos comparativos em: http://voxeu.org/article/tale-two-depressions-what-do-new-
data-tell-us-february-2010-update
29
Em: http://www.sinpermiso.info/textos/la-primera-gran-depresin-del-siglo-xxi
31
que colapsou o mercado das hipotecas subprime em 2007, assim como choques
anteriores deflagraram as crises de 1830, 1870, 1830 e 1970”. Shaik, no entanto,
referencia-se em John. K. Galbraith para recordar que, se a Grande Depressão dos anos
1930 foi precedida de uma crescente especulação financeira, foi a “situação frágil e
débil do estado da economia” que assim permitiu a sua ocorrência.
Gráfico 4 – Actual and Trend Rate of profit, US Nonfinancial Corporations 1947 – 2010
A Depressão atual então teria como problema real a fato de que, sob a explosão
da bolha “subprime”, nos EUA, encontrava-se a inflexão na taxa de juros, assim como o
crescimento a dívida que havia alimentado o boom ter chegado a seu limite. Mas as
causas da Grande Depressão se vinculam aos fatores que explicam a recuperação das
economias capitalistas a partir de 1982: a taxa de lucros então se estabilizou. Mas por
que a queda na lucratividade estancara? Porque, argumenta Shaik: 1) o capital
desencadeou forte ataque aos trabalhadores de modo a que os salários não
acompanharam mais a produtividade como anteriormente; 2) a forte baixa na taxa de
juros a partir de 1981 possibilitou que se elevasse “substancialmente a taxa de lucros
das empresas” (Idem).
30
Ver: “Capital: essência e aparência”, R. Carcanholo, v.2, São Paulo, Expressão Popular, 2013, p.138.
E, a seguir: “Entender a atual depressão e as sucessivas crises desde uma perspectiva realmente marxista
(...) Exige também, e isso é fundamental, uma compreensão adequada da dialética dos conceitos de
capital fictício e lucros fictícios, conceitos esses que não são mais que do que derivações necessárias da
mencionada teoria do valor” (idem, p. 139).
33
Uma depressão –teoriza -, no entanto, parece bem mais ao símbolo de uma raiz
quadrada, iniciada com uma taxa de crescimento tendencial cai em depressão ou queda
profunda inicial, aparece a seguir como se no começo se recupera em V, mas logo se
estabiliza em uma linha que se firma abaixo daquela tendência anterior. Para Roberts,
“numa depressão, a tendência de crescimento plasmada anteriormente à crise nunca se
restaura em 10-15 ou inclusive 20 anos! ”.31
31
Ver: “Dívida, desalavancagem e depressão”, M. Roberts, Madrid, Sinpermiso, 05\10\2014. Em:
http://www.sinpermiso.info/sites/default/files/textos//8desapalancamiento.pdf
32
Ver: “Uma depressão keynesiana ou marxista”, M. Roberts, em:
https://thenextrecession.wordpress.com/2013/11/20/a-keynesian-or-marxist-depression/
33
Ver: “O Capital, Livro 3, v. 6, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, s/d, pp. 939; 952-3.
34
34
Ver: “Salário, preço e lucro”, K. Marx, em: Marx-Engels – Obras Escolhidas em três tomos, v. II,
Lisboa, Edições Avante!/Edições Progresso, Moscou, 1983, p. 55; ver ainda a nota 25 da tradução, p.477.
35
Ver: “Marx e a cientificidade do saber”, J. Barata-Moura, em: “Materialismo e subjetividade. Ensaios
em torno de Marx”, Lisboa, Avante!, 1997, pp. 91-98.
36
Em: Edições Avante!, Lisboa, 2013, 2ª edição.
35
37
Ver: “As abstrações, entre a ideologia e a ciência”, J.Q. de Moraes, em: Crítica Marxista, São Paulo,
nº 44, Fundação Editora da Unesp, 2017, pp. 46-7; “Explicação e reconstrução do Capital”, J. Bidet,
Campinas, Editora Unicamp, 2010, pp. 89-90
38
Cf. a discussão de H. REICHELET, em “Sobre a estrutura lógica do conceito de capital em Karl
Marx”, Campinas, Editora Unicamp, 2013, p. 192-3. Sobre a problemática dessa crise, tem assim razão
Reichelet quando assinala que sua ocorrência “sempre precisa ser encarada de maneira nova” (Idem, p.
194).
39
Ver: “A teoria da alienação em Marx”, São Paulo, Boitempo, 2006, p. 40.
36
42
Ver: “Matéria e pensamento”, Jean-Pierre Changeux e Alain Connes, São Paulo, Unesp, 1996, p. 36.
43
Ver: “A ciência e as ciências”, São Paulo, Unesp, 1994, pp. 85-86.
44
Ver: “A matéria roubada. A apropriação crítica do objeto da física contemporânea”, M. Paty, São
Paulo, Unesp, 1995, p. 31.
38
Considerações finais
45
Ver a longa e importante crítica em: “Austeridade’: história de uma fraude teórica”, de Álvaro Bianchi; em:
http://outraspalavras.net/posts/austeridade-historia-de-uma-fraude-teorica/
39
São suspeitas as dúvidas (“frugais”) de que Reinhart e Rogoff não são apenas
anti-keynesianos compulsivos, mas sim persistentes mercadores de ilusões. São esses
economistas, que consideravam, antes do crash, gozar o capitalismo de muito boa
saúde, eludindo a objetividade de sua dinâmica, dissimulam alegremente que “a
instabilidade capitalista” é “devido à sua própria natureza”. 47 Exatamente por isso,
afirma MINSKY: “A teoria ortodoxa atual não é, e não pode ser referência para
políticas econômicas sérias” (idem, ibidem; itálico nosso).
46
Ver: Editora Elsevier/Campus, Rio de Janeiro, 2010, 8ª tiragem. O conceito de crise financeira global
desses autores – uma invencione inacreditável – encontra-se na página 256.
47
Em: Minsky, “Estabilizando uma economia instável”, 2013, op. cit., p.193. Segundo ele, os
fundamentos da teoria da instabilidade financeira já podiam ser derivados da Teoria Geral de Keynes, da
descrição sobre deflação de ativos de I. Fischer, e dos trabalhos de H. Simons (idem, ibidem).
48
Ver: “Alavancagem, estabilidade financeira e deflação”, de A. Turner, em: “O que nós aprendemos? A
política macroeconômica no pós-crise”, ARKELOF, G., STIGLITZ, J., ROMER, D., BLANCHARD, O.,
Rio de Janeiro, Alta Books, 2014, p. 133.
40
depressão. Agora, desconfio que estava errado”, asseverou. Porque se deveria, sim,
comparar a crise em curso com a da Grande Depressão dos anos 30, “e não há quase
nada que seja “menor” na comparação” entre os dois fenômenos, arrematou ele. Relata
ainda que, naquele momento, a economia europeia estava “em pior posição em relação a
2007, do que em 1935 relativamente a 1929, quando a Grande Depressão espoletou”.
Parecia-lhe que a economia dos EUA, estaria “a enfrentar certamente uma década
perdida e talvez até mesmo duas” 49.
Ainda em 2013, desta feita foi a vez do referido Paul KRUGMAN, como vimos
um escritor de um programa contra a depressão, em 2011. Segundo afirmou (5 de Julho
de 2013) num artigo curto intitulado “On the Political Economy of Permanent
Stagnation” (“Sobre a economia política da estagnação permanente”) 50, argumentando
que os Estados Unidos, a Europa e o Japão poderiam estar a enfrentar crescimento lento
e alto subemprego/desemprego “por um período muito longo”. Acrescentou ainda:
“Na verdade, alguma coisa podia surgir – uma nova tecnologia que induzisse
muito investimento, uma guerra, ou talvez apenas uma acumulação suficiente
de “uso, decadência e obsolescência”, nas palavras de Keynes. Mas neste ponto
tenho dúvidas reais sobre se haverá eventos que forcem ação política” 51.
Quase quatro anos depois, em 4 de março de 2017, uma análise viva e marcante
de Larry ELLIOTT, editor de economia do britânico The Guardian (“A crise de 1930
revisitada. O colapso atual: o que a Grande Depressão nos revela sobre o futuro?”),
parecia sintetizar o longo e grave processo iniciado em agosto de 2007. Assim como a
implicações políticas, econômicas e sociais da Grande Depressão de 1929, “do mesmo
modo”, escreveu Elliot, sem os efeitos prolongados do choque de 2008, não haveria
ocorrido o movimento Brexit; Donald Trump continuaria sendo um construtor da cidade
de Nova York, e a Europa não estaria “tremendo ante a possibilidade de que Marine Le
Pen substitua Franços Hollande como presidente francês”.52
A seguir, Elliott reforça sua ideia citando Robert SIDELSKY, o famoso biógrafo
de John M. Keynes, quem, invertendo, considera termos chegado “à Grande Depressão
49
Em: https://www.foreignaffairs.com/reviews/review-essay/second-great-depression
50
Citado em “Nota dos Editores”, Monhtly Review, 01\09\2013. Em:
https://monthlyreview.org/2013/09/01/mr-065-04-2013-08_0/
51
Citado em: https://monthlyreview.org/2013/09/01/mr-065-04-2013-08_0/
52
Em: https://www.theguardian.com/society/2017/mar/04/crash-1929-wall-street-what-the-great-
depression-reveals-about-our-future?CMP=
41
pela mesma que em 2008: havia uma grande pilha de dívidas, havia apostas na margem
no mercado de valores houve hiperinflação de ativos, e taxas de juros eram
demasiadamente altas para apoiar um nível de investimentos de pleno emprego” (idem,
ibidem).
Por tais razões e argumentos, muito distintamente afirmamos que por suas
imensas implicações econômicas, sociais, políticas e ideológicas, essa grande crise55
53
Ver: “John Maynard Keynes”, Hyman P. Minsky, Campinas, Editora Unicamp, 2011, p. 84.
54
Ver: “La crisis económica, 1929-1939”, C. P. Klinderberger, Madrid, Editorial Capitán Swing, 2009,
p.34.
55
G. DUMÉNIL, interpretando recentemente (2009) a dinâmica das crises cíclicas longas, conforme uma
das leituras de Marx, no Livro 3 de “O capital”, retoma a ideia de que a duração das crises de
42
Ora, no caso dos EUA, esse “socorro” de trocar dívidas que não valiam nada por
títulos seguros do Tesouro se manteve diariamente até o final de 2009; mas seguiu
mensalmente até o final de 2013! E o Fed continua (até o final de 2017) a comprar os
papéis adquiridos nesse período em cada vencimento. Calculava-se até então um
montante dos papéis em carteira do Fed que havia chegado a US$ 3 trilhões; o mercado
financeiro de Wall Street, até meados de 2017 não consegue operar de maneira
independente ou de per si: precisa da rolagem desses títulos para evitar novo colapso!
Claro que a pergunta que se deve fazer é: se com uma intervenção sem quaisquer
precedentes dos Estados capitalistas mais importantes e seus bancos centrais –
persistente de certo modo ainda nos EUA, e fortemente na Europa e no Japão - a
economia mundial cambaleou por cerca de 10 anos, ficou muito longe de voltar a
56
A melhor e mais fundamentada argumentação nessa linha encontra-se em “A grande depressão dos
anos 1930 e a crise atual: contrapontos e reflexões”, de F. MAZZUCCHELLI (2013).
43
57
Ver: “O Capital”, Karl Marx, Livro 3, v. 5, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, s/data, p. 510.
44
Capítulo 2
Data ainda de meados dos anos 80 a enorme expansão das “inovações financeiras” e
dos derivativos para a securitização dos passivos do mercado financeiro dos EUA, ainda
imobilizado internamente pelo choque de juros. Ainda que esse período corresponda à
reafirmação do comando imperialista norte-americano sobre o capitalismo global - e
caráter de superpotência -, as manobras de seu grande capital financeiro não adiaram o
“exuberante” crash, logo ali, em outubro de 1987.
Na evolução dos anos 1990, como nos mostram sistematicamente BRAGA (1993),
MINSKY (1994), PLIHON (1995); COUTINHO (1995), CHESNAIS (1995),
COUTINHO E BELLUZZO (1996); KEGEL (1996), CARDOSO DE MELLO (1987),
MIRANDA (1987), GUTTMANN (1996), CINTRA (1998), FHARI (1999),
AGLIETTTA (2000; 2004), ALTVATER (2010), por exemplos, conectam-se forte e
globalmente: a) os processos de desregulamentação/liberalização como traços marcantes
da “globalização financeira”; b) os novos instrumentos do capital financeiro sobrepujam
crescentemente o antigo sistema de intermediação bancária; b) anuncia-se
explicitamente uma nova era de instabilidade (e crises financeiras) na economia
capitalista.
Mas isto quer dizer que, esse padrão contemporâneo internacional, como
conceituou BRAGA (2000, p. 274) - está marcado por:
a) mudança do sistema monetário-financeiro com o declínio da moeda
e dos depósitos bancários como substrato dos financiamentos
substituídos pelos ativos que geram juros; b) securitização
(elasticidade para negociação de ativos) que interconecta os
mercados creditício e de capitais; c) a tendência à formação de
“conglomerados de serviços financeiros”; d) intensificação da
concorrência financeira; e) ampliação das funções financeiras no
interior das corporações produtivas; f) transnacionalização de bancos
e empresas; g) variabilidade interdependente de taxas de juros e
câmbio; h) déficit público financeiro endogeneizado; i)banco central
market oriented (voltado para o mercado); j) permanência do dólar
como moeda estratégica mundial.
2006, caiu para quase zero. Entre o 1º trimestre de 1998 e o mesmo período de 2008, o
PIB dos Estados Unidos cresceu 31%, ou seja, 2,7% ao ano; o consumo das famílias
subiu 3,4% ao ano, elevando sua participação no PIB de 67,1% para 71,6%. Evidente: a
redução da poupança das famílias despencou de 4,7% para 0,2% do PIB; ou seja, os
gastos das famílias norte-americanas excederam bem acima da renda disponível,
turbinados pelo aumento rápido do endividamento.58
58
Ver: “Consumidores aloprados ou contribuintes lesados?”, de L. Belluzzo, in: Terra Magazine,
25/9/2008.Em:http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3208437-EI8212,00-
Consumidores+aloprados+ou+contribuintes+lesados.html
59
Ver: Ver: “Uma introdução ao regime dirigido pelas finanças”, de R. Guttmann, em: Novos
Estudos/CEBRAP, São Paulo, novembro 2008.
60
Em: http://www.rebelion.org/noticia.php?id=97811 , de F, Chesnais, “Un año después del crack
bancario y financiero”, 29-12-2009.
51
Ver: “Réquiem para o neoliberalismo? Ainda é cedo”. Entrevista especial com Leda Paulani”, Instituto
61
Claro ficou que os vetores da crise, sim, assinalam uma crise gestada num
padrão de acumulação capitalista francamente voltado para a acumulação financeira
neoliberal, onde a financeirização dos mercados de riqueza institucionalizou-se
globalmente. Quer dizer, se explicitaram como nunca as relações do poder político no
comando direto das operações que recompuseram as forças sociais do grande capital
financeiro, após a operação de liquidação de fundamentos centrais originários dos
acordos de Breton Woods do pós-Segunda Guerra.
62
Ver respectivamente: “A roleta global. Uma aposta faustiana de Washington para a dominação do
mundo”, P. Gowan, Rio de Janeiro, Record, 2003 p. 81; e “Da noção de imperialismo e da análise de
Marx do capitalismo: previsões da crise”, F. Chesnais, in: “O Incontornável Marx”, Nóvoa, J. (org),
Salvador/São Paulo, Unesp/Edufba, 2007, p. 64.
54
porões do sistema, para a sofisticação da trapaça financeira, como vimos, até o shadow
financial system. Sim, os maiores bancos de investimento do mundo, particularmente os
símbolos norte-americanos da grande finança, omitiam de seus balanços operações e
contratos fraudulentos. Bancos e um sistema financeiro “sombra”, serenamente
observado pelo Fed e todos os bancos centrais dos países capitalistas centrais, e
sancionado pelas “agências de risco” internacionais (criadas pelos grandes bancos).
63
Ver: “A noção heterodoxa de crise estrutural”, R. Guttmann, em:
https://www.elgaronline.com/view/journals/roke/3-2/roke.2015.02.04.xml. Segundo Guttmann, seriam
dois shadow banking system a auxiliar a globalização, cada um abre negócios em uma escala global,
operando “além do alcance das autoridades nacionais” e livre das coações regulatórias. O primeiro, teria
emergindo como uma força nos anos 1960 com o chamado Eurocurrency markets (Mercados da
Euromoeda): uma cadeia bancária global somando algumas centenas de imensas instituições financeiras,
conectadas umas às outras através de sistemas de pagamento informatizados (Swift, Chips), ao lado de
um enorme mercado interbancário para fundos de curto prazo. O segundo, o já descrito acima e iniciado a
partir da ascensão neoliberal, com destaque para o movimento dos fundos institucionais, a
internacionalização crescente do comércio, envolvendo serviços, cadeias produtivas, processos offshoring
ou outsourcing, etc.
64
Ver: “Dívida dos países desenvolvidos dá salto de US$ 40 tri”, Valor Econômico, 9/02/2010.
55
Sobre essa grave problemática, e anotando outra tendência que passou a incidir
nos EUA durante a ascensão do neoliberalismo, o especialista em estudos do mercado
de trabalho R. FREEMAN afirmava65 que, dos anos 1980 a meados dos 2000, esse país
apresentou uma crescente e reiterativa distância entre a recuperação da economia e o
desempenho do nível de emprego, um problema recente e crucial. Ali - argumenta
amplamente o economista de Harvard (codiretor em programa de mão de obra na
London School of Economics) -, houve “recuperação sem emprego” no período Bill
Clinton, até que surgisse o boom da internet no final dos anos 90; “e nova recuperação
sem empregos” sob o governo de G.W. Bush, após a crise-recessão de 2001. Segundo
ainda Freeman, de 2007 a outubro de 2009 os EUA haviam liquidado quase 8 milhões
de empregos; a duração desse desemprego “é a maior desde a Depressão”, sendo difícil
imaginar que os EUA voltem a encontrar o pleno emprego “num prazo previsível”.
65
Ver: “Uma recuperação sem empregos?”, de R. Freeman, Folha de S. Paulo, 10/1/2010. Também, R.
Freeman, https://www.valor.com.br/internacional/2837492/economia-dos-eua-da-sinais-de-melhora-
mostra-censo
56
Não é esdrúxulo notar que, 40 anos depois de ter levado o mundo a uma violenta
recessão - como vimos acima, fortalecendo por um longo período o reposicionamento
internacional dos EUA e quebrado a periferia do capitalismo -, o mesmo Paul
VOLCKER foi “ressuscitado” pelo então presidente dos EUA, Barack Obama: para
apresentar uma proposta (“regra Volcker”, lei Dodd-Frank) de reforma do sistema
financeiro dos EUA que se orienta para uma “proteção” contra os grandes bancos.
Segundo afirmara Volcker,66 a regra se voltava aos bancos “que se desviam da norma” -
na realidade outrora comerciais, que passaram a operar em investimentos especulativos
de toda a espécie e no curto prazo. Gigantescos supermercados financeiros que
deveriam, segundo a proposta: a) limitar seu capital para operações de sua própria
tesouraria, incluindo a manipulação de fundos hedges (“seguros” e altamente
especulativos); b) reduzir a sua alavancagem (relação entre capitais próprios e de
terceiros e a multiplicação dos valores investidos); c) melhorar a atuação das
(fracassadas e mentirosas) agências de risco.
De outra parte, vê-se bem que seria, desde o espraiamento da crise, até meados
de 2017, inimaginável uma subida sequer abrupta do juro básico americano - como foi
feito para restaurar o poder da moeda norte-americana e seu status de potência imperial
-, quanto mais elevar-se a taxa às alturas para fortalecer sua moeda.
**********************************************
66
Em: “A reforma do sistema financeiro dos EUA”, O Estado de S. Paulo, 2/2/2010. E conclui Volcker:
“Precisamos enfrentar as mudanças estruturais e colocá-las em lei. Fazer menos significará um fracasso
final – fracasso em aceitar a responsabilidade de aprender com as lições do passado e antecipar as
necessidades do futuro”. Em: https://www.estadao.com.br/noticias/geral,a-reforma-do-sistema-financeiro-
dos-eua,506138
57
Capítulo 3
67
É indispensável sempre reafirmar que, para MARX (1980, pp. 932 n. e 933), “Não há crises permanentes”
no capitalismo, mas passaram a existir “quase regular periodicidade das crises do mercado mundial”
(Teorias da Mais-Valia). Segundo LÊNIN (1981, p.668), “no seu conjunto, o capitalismo cresce com uma
rapidez incomparavelmente maior que antes”. Simultaneamente, no capítulo VIII, “O parasitismo e a
decomposição do capitalismo”, afirmara Lênin: “Mas não obstante, como todo monopólio, o monopólio
capitalista gera inevitavelmente uma tendência para a estagnação e para a decomposição”. Veremos esse
debate detalhadamente no Cap. 3.
58
69
Ver: “Balanço do Neoliberalismo”, Perry Anderson, em: Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o
Estado democrático”, Sader, E. e Gentili, P. (Orgs.), Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1995. “A crise
emergente do capitalismo mundial: do neoliberalismo à depressão?”, R. Brenner, Revista Actuel
Marx/Centre National de la Recherche Scientifique da França, 30 de setembro de 1998, Sorbonne, Paris.
70
Ver: “A essência do neoliberalismo”, P. Bordieu, em: www.diario.info (2017 [1998]).
https://www.odiario.info/a-essencia-do-neoliberalismo/
59
71
Ver: “A nova razão do mundo. Ensaio sobre a sociedade neoliberal”, P. Dardot e C. Laval, São
Paulo, Boitempo, 2016.
72
Ver: “O neoliberalismo sob hegemonia americana”, G. Dumenil e D. Levy, em: “A finança
mundializada – raízes sociais e políticas, configuração, consequências”, Chesnais, F. (org), São Paulo,
Boitempo, 2005. Também “A crise do neoliberalismo”, G. Dumenil e D. Levy, São Paulo, Boitempo,
2014.
73
[7]Ver: “A roleta global. Uma aposta faustiana de Washington para a dominação do mundo”, P.
Gowan, Rio de janeiro, Record, 2003, pp. 73-75.
60
década – relata Gowan - de 1980 os Estados Unidos pressionaram o Japão “com algum
sucesso” para liberalizar as restrições de saída e entrada de fundos, “um passo
importante para o aumento do tamanho e do peso dos mercados financeiros anglo-
americanos”.
74
[8] Ver: “A hegemonia americana”, M.C. Tavares e L.Fiori, Revista Lua Nova, São Paulo, nº 50,
2000.
75
Ver: “Globalização, terrorismo e democracia”, E. Hobsbawm, São Paulo, Companhia das Letras,
2007. Também, “O novo século. Entrevista a Antonio Polito”, E. Hobsbawm, São Paulo, Companhia das
Letras, 2007.
76
Em: “Prefácio” à “A finança mundializada”, L. Belluzzo, de Chesnais, F. (org.), 2005, op.cit.
61
77
Ver: “Estado, financiamento e forma de manifestação da crise: 1929-1979”, em: “Desenvolvimento
capitalista no Brasil. Ensaios sobre a crise”, BELLUZZO, L., COUTINHO, R. (orgs.) v. 1., Campinas,
IE/Unicamp, 1998[1983], pp. 31-2, 4ª edição.
62
Estruturalmente, o decurso dos anos 1980 foi surpreendido por dois processos
significativos na evolução da nova divisão internacional do trabalho: a diplomacia
americana do “dólar forte”, e a liderança da reestruturação industrial pelo Japão e a
Alemanha. Num ensaio do início da década de 1990, M.C. TAVARES (1992) assinala
que: 1) os EUA passaram a um endividamento global “com uma velocidade
impressionante”, de modo a reverter uma situação de país credor internacional que vigia
desde 1914, a devedores líquidos entre 1982 a 1985; 2) as tendências emergentes na
nova divisão internacional do trabalho combinaram a “Terceira Revolução Industrial” e
uma outra onda de transnacionalização 79.
corrente; (ii) a acumulação de reservas nos países asiáticos, vis-à-vis a expansão dos
déficits em conta corrente dos EUA; e, (iii) um crescimento “espantoso” da expansão do
crédito, juntamente à inflação de ativos nas economias centrais80 .
content/uploads/2014/11/Carta-Social-e-do-Trabalho-27.pdf
81
Evolutivamente, sublinhe-se aqui, a título de desdobramento, que na multifacetada evolução da nova
divisão do trabalho, conforme singular estudo do economista russo I. TSELICHTCHEV, “China versus
ocidente: o deslocamento do poder global no século XXI”: 1) Xangai, já faz tempo, é o maior centro
industrial do mundo, onde uma enorme batalha pelo mercado chinês estaria apenas começando, e o Ocidente
(EUA, Reino Unido, França, Alemanha, Itália) deveria agir rápido para não ficar “de fora dessa guerra”. 2)
A China não é somente uma “fábrica mundial”, assevera ele, mas se transformou num gigantesco
laboratório de pesquisas, inclusive em energia “verde”, setor em que já lidera. Em relação às perspectivas da
competição no desenvolvimento com o assim denominado Ocidente, argumenta ainda o economista russo
que, a China: a) continua a manter a sua moeda desvalorizada; b) as empresas chinesas contam com forte
apoio do Estado e investimentos de fundos do governo nessas companhias; c) já é bastante extensa a lista de
aquisições chinesas de empresas ocidentais, enquanto o controle acionário de importantes empresas chinesas
por companhias ocidentais vem se revelando “efetivamente impossível”; d) o acesso de empresas e
investidores ocidentais a segmentos do mercado chinês ou a negócios no país associam-se à transferência de
tecnologia; e) políticas e o direito chineses continuam a facilitar o acesso ao “roubo” de tecnologias
ocidentais. (Ver: São Paulo, Editora DSV, Introdução, Caps. 1, 2 e 3; 2015).
64
Fonte: BELLUZZO, L., “A crise e o subterrâneo da ‘velha toupeira capitalista’”, 2013, p.28.
82
Em: “A grande crise capitalista global 2007-2013: gênese, conexões e tendências”, BARROSO, A., E
SOUZA, R. (Orgs.), São Paulo, Anita Garibaldi/Fundação Maurício Grabois, 2013, pp. 26-27.
83
Ver: L. Belluzzzo, “A crise e o subterrâneo da ‘velha toupeira capitalista”, em: “A grande crise
capitalista global 2007-2013: gênese, conexões e tendências”, BARROSO, A. E SOUZA, R. (Orgs.), São
Paulo, Anita Garibaldi/Fundação Mauricio Grabois, 2013, pp. 28 e 29, 31e 32. [gráficos FACAMP]
65
84
Ver: “Lidando com o risco sistêmico”, M. Aglietta, Economia e Sociedade, Campinas, (11): 1-32, dez.
1998, pp.13-14. Em: “Macroeconomia financeira. 2. Crises financeiras e regulação monetária” (São
Paulo, Edições Loyola, 2004, p.34), Aglietta insiste: o afluxo maciço de capitais estrangeiros, sistemas
financeiros despreparados para uma liberalização precipitada âncora cambial baseada no dólar foram os
“fatores de risco sistêmico” da crise.
67
85
Em fevereiro de 2016 calculava-se em US% 6 trilhões os títulos globais com rentabilidade negativa.
Ver: https://oglobo.globo.com/economia/aumenta-numero-de-paises-com-juros-negativos-18641745
68
Assim:
1ª. Se ela toma sua forma primeira com a explosão na chamada bolha financeira das
hipotecas subprime (agosto de 2007 e não antes ou depois), teve por sua vez influência
significativa no colapso do próprio banco Lehman Brothers, lotado dessas hipotecas
inadimplentes e “empacotadas” por outros serviços bancários\financeiros. Noutras
palavras, a inadimplência e a desvalorização abruptas desses títulos imobiliários
transformaram uma crise de crédito clássica numa enorme crise financeira e bancária.
Onde os derivativos de crédito e os produtos estruturados desses créditos imobiliários
ampliaram os prejuízos originais e redistribuíram os riscos globalmente.86
2ª. Como vimos, em setembro de 2008, quando da falência do banco Lehman Brothers,
o sistema financeiro internacional colapsou completamente. Ou seja, nesse ano a crise
se torna sistêmica, isto é, houve interrupção súbita do financiamento do movimento do
capitalismo globalmente. Do centro à periferia. Todo o financiamento da economia
capitalista mundial sofreu abruptamente o chamado credit crunch, um estancamento ou
ruptura do crédito internacional. Configura-se aqui uma segunda fase da crise global.
Logo a seguir, o Fed (banco central dos EUA) adota uma política inédita e
completamente fora dos padrões: todas as instituições financeiras passaram ao estado de
risco sistêmico. Ou seja, além, dos bancos “grandes demais para quebrar” (too big to
break), tratava-se de salvar todas as instituições financeiras para restabelecer as leis do
mercado, em colapso. O banco central americano nada menos que assegurou a compra
de todos os títulos oferecidos, pagando por ele um valor até maior do que o praticado no
mercado.87
3ª. Após essas duas fases, em confluência, podemos visualizar uma outra fase de
impacto, que é a chamada crise das dívidas soberanas na Europa, que emerge em 2009-
2010. Ela foi o resultado de todas essas políticas “terapêuticas” que nós acompanhamos
desde 2007: os bancos centrais financiando a crise socorrendo os grandes bancos com
uma trilionária injeção de dólares. Uma montanha inimaginável de dinheiro e
incontrolável proliferação do capital fictício. Notadamente entre 2008 e 2013 os bancos
centrais dos EUA, da Europa (BCE), da Inglaterra, do Japão, passaram de
emprestadores de última instância a “compradores de última instância!
86
Ver: “A crise e as inovações financeiras”, desvelador ensaio de M. FARHI (2013, pp. 35-75), quem
lembra que Allan Greenspan baixou a taxa de juro para 1% desde o 11 de setembro; elevou-se o crédito
imobiliário de 60% (2001) para 97% (2007), onde o crédito para o suprime saiu de 8% para 21%.
GUTTMANN (2015, op.cit) registra que entre julho de 2004 e agosto de 2006 o banco central americano
elevou a taxa de juro em 17 pontos consecutivos, sendo que, desde 2000, proprietários de casas, chegando
a somar mais dois terços de todos os chefes de família norte-americanos, tiveram maior acesso a hipoteca,
incluindo aos refinanciamentos facilitados com taxas mais baixas, num processo que levou ao ápice as
vulnerabilidades.
87
Os mágicos americanos das finanças transformaram capitais que não valiam mais nada, em títulos
monetizados pelo Fed, elevando seu valor, embora, em consequência, a taxa de juro tenha ficado bem
abaixo da anteriormente praticada; o banco central passou de emprestador de última instância para
comprador de última instância.
69
4ª. Pode-se afirmar que, já a partir de 2011 uma outra fase da crise global se expandiu
fortemente para a América Latina, em especial. Como testemunhado pela CEPAL
(ONU), a fraqueza da economia mundial, causada principalmente pelas dificuldades que
enfrentam Europa, Estados Unidos e China, “incidiu no crescimento da região”,
informava seu Estudo Econômico da América Latina e do Caribe (2012).88 Em julho de
2016, a organização ainda informava que os países da América Latina e do Caribe
apresentariam uma retração em seu produto interno bruto (PIB) de - 0,8% em 2016,
queda maior que a observada em 2015 (-0,5%), com um comportamento muito
heterogêneo entre países e sub-regiões.89
88
Em: http://exame.abril.com.br/economia/cepal-crescimento-da-al-se-desacelerara-ate-3-2-em-2012/
89
Em: http://www.cepal.org/pt-br/comunicados/cepal-recuperacao-crescimento-america-latina-caribe-
depende-dinamismo-investimento
90
As observações que seguem encontram-se amplamente em: “Crise ou oportunidade: resposta da
china à crise financeira global”, de Cai FANG, Du YANG e Wang MEIYAN, pesquisadores do Instituto
de População e Economia do Trabalho da Academia Chinesa de Ciências Sociais – Pequim, China. Em:
Revista Tempo do Mundo, Brasília, IPEA (Instituto de Pesquisa Econômicas Aplicada), v. 1, n. 1, dez.
2009, pp. 97-119.
91
Assim, 1) a política macroeconômica sofreu uma brusca alteração: mudou-se o foco da contenção da
inflação para a manutenção do crescimento econômico (C. FANG, D. YANG e W. MEIYAN, idem, p.
108). A direção dessas mudanças ocorreu sob duas linhas estratégicas gerais de atuação: a) política
monetária moderadamente flexível, “evitar a excessiva desaceleração da economia” (idem, ibidem,); b)
política fiscal ativa; c) políticas do mercado de trabalho. A prioridade da política monetária moderada foi
centralmente em garantir suficiente liquidez no sistema bancário, sendo que, para isso o Banco do Povo
da China reduziu as operações de mercado aberto e aumentou o número de novos empréstimos. Segundo
os especialistas chineses, “o aumento da liquidez do sistema bancário” foi “a principal ferramenta política
de combate à crise por parte do governo chinês” (idem, p.110). Além das taxas de juros, reduzidas desde
outubro de 2008, o BPV ajustou também os níveis de reservas bancárias, conforme a evolução da crise.
Houve aumentos em seis ocasiões ao longo de 2007, e mais três vezes no primeiro semestre de 2008,
reduzindo-se a oferta de moeda. O BPC reduziu, depois da explosão da crise (segundo semestre de 2008),
por três vezes a exigência de reservas. 2) Na política fiscal, o governo chinês lançou um plano de 4
trilhões de iuanes (à época em torno de US$ 700 bilhões) para impulsionar a economia em desaceleração,
que se distribui nas seguintes áreas (i) construção de infraestrutura (38%); (ii) recuperação de áreas
afetadas por terremotos (25%); (iii) habitação subsidiada (10%); (iv) infraestrutura rural (9%);
investimentos em inovação e em reestruturação econômica (9%); (v) redução das emissões e proteção do
meio ambiente (5%); e (vi) desenvolvimento social (4%). (2009, idem, p.109) (detalhes em:
http://en.ndrc.gov.cn/). 3) Nas políticas para o mercado de trabalho, ademais de incentivos fiscais e
redução de encargos econômicos (principalmente para as pequenas e médias empresas), o governo chinês
adotou medidas como a oferta de treinamento para os trabalhadores migrantes, e para graduados com
70
dificuldades para arranjar emprego. Em 2008, o governo central destinou 3,51 bilhões de iuanes para
apoiar o desenvolvimento de pequenas e médias empresas. Em setembro de 2008, o Ministério de
Recursos Humanos e Seguridade Social e outros ministérios propuseram algumas medidas em apoio a
estas empresas, (flexibilização das condições de acesso ao mercado, melhorias na administração, maior
suporte por parte das políticas, diversificação dos canais de financiamento e aumento da oferta de
treinamento; 2009, idem, p. 111). De acordo com governo chinês, à época, dos 136 milhões de
trabalhadores migrantes, 15,3% deles perderam seus empregos durante a crise. Em fevereiro de 2009, o
Ministério de Recursos Humanos e Seguridade Social disponibilizou o Regulamento sobre o Sistema
Básico de Previdência Social para Trabalhadores Migrantes e o Regulamento sobre a Transferência e
Continuidade do Sistema Básico de Previdência Social para Trabalhadores de Empresas Urbanas.
Instituiu o Programa de Renda Mínima (Programa dibao; 2009, idem, p.113).
71
Como vimos examinando, a crise iniciada em 2007-8 trata-se, sim, de uma crise
gestada num padrão de acumulação capitalista francamente voltado para a acumulação
financeira, onde a financeirização dos mercados de riqueza se fez institucional.
Repetindo: o capital nunca foi somente máquinas, equipamentos e instalações,
tampouco apenas mercadorias: é também ativos financeiros que rendem juros e
dinheiro. Manipulado por capitalistas, o dinheiro produz mais dinheiro por ser reserva
de valor, por agir como capital a juros (capital-dinheiro), por potencialmente atrair mais
crédito. O capital procura valorizar-se sempre. Na operação crédito/capital a juros o
capital converte-se em mercadoria e exprime-se “cada vez mais como puro capital”, no
capital por ações, e outros títulos financeiros que representam o direito de apropriação
da riqueza. É uma dimensão do movimento de suas formas, que o gênio Karl Marx
denominou de “As três figuras do ciclo”:
“Sempre mudando de forma e se reproduzindo, parte do capital existe
como capital-mercadoria que se converte em dinheiro; outra, como
capital-dinheiro que se transforma em capital produtivo; uma terceira,
como capital produtivo que se torna capital-mercadoria. A existência
contínua dessas três formas decorre de o ciclo do capital global passar
por essas três fases”.92
Sempre direcionada para a produção do valor, ainda conforme Marx, “a força
motriz da produção capitalista é a valorização do capital, ou a seja a criação de mais-
valia, sem nenhuma consideração para com o trabalhador”.93 Daí que na dinâmica do
capitalismo, a crise, ou seja, as crises são partes constitutivas da sua dinâmica estrutural.
O que não quer dizer - que as crises são sempre estruturais desde priscas eras.
Crescimento, recessão, recuperação, expansão e instabilidade (também estagnação) são
as categorias fundamentais do capitalismo, portanto historicamente datadas.
Pelo seu caráter incontornavelmente expansivo, de outra parte não seria possível
a financeirização - padrão que passou a ser imprescindível ao dinamismo determinado
pela hegemonia da grande finança especulativa e concorrencial -, “brotar” da estagnação
(veremos adiante mais sobre isso). Nas grandes fases expansivas antecedem a dinâmica
das crises, geralmente: monopolização + “financeirização” + superacumulação (também
de riqueza financeira fictícia) + crises [podendo haver ou não estagnação].
92
Ver: O Capital, K. Marx, Livro 2, v. 3, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, s/data, p. 106.
93
Ver: “Capítulo inédito D’o Capital - resultado do processo de produção imediato”, K. Marx, Porto,
Escorpião, 1975, p. 20.
72
Por suposto, importa destacar que o monopólio não apenas reafirma a tendência
à superacumulação, como introduz novas determinações que terminam por agravar a
instabilidade e a incerteza do cálculo capitalista, próprias desse regime de produção;
muito mais ainda na época da “globalização financeira”.
E que a teorização dos processos mais recentes que catapultam as crises via
circuitos da “finança mundializada” (CHESNAIS) são similares aos mecanismos
originários das crises desse regime de produção. O que, mais uma vez, na presente crise
global, pode ser constatado cabalmente na ocorrência da destruição de vários dos
maiores bancos de “investimento”, gigantescos bancos e coração do sistema financeiro
dos EUA.
94
Ver: “A contribuição de Marx à teoria e à metodologia das ciências sociais”, de A. Castro, in:
“Conhecer o conhecimento”, Lisboa, Avante! 1989, p. 95. Também de A. Castro: “A revolução científica
e leis epistemológicas”, idem, ibidem.
73
95
Ver: “O Capital” K. Marx, Livro 3, v. 4, p. 292, Rio de Janeiro,Civilização Brasileira, s/ data .
74
96
Ver: “O Capital”, K. Marx, Livro 3, v. 5, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, s/d, p. 434.
97
Ver: “O Capital”, K. Marx, Livro 2, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, s/d, v. 3, p. 57.
75
98
“Abstração real”, que em Marx, sendo uma construção categorial do pensamento humano, na verdade
não se encontra nele, e sim imediatamente na natureza social - tempo e espaço – dos sistemas de troca, do
intercâmbio humano da evolução do capitalismo. Quer dizer, a prática do intercâmbio é a geradora de
abstração real, que vai determinando as configurações na “oficina humana” de formação dos conceitos.
Cf. o trabalho do marxista Alfred SOHN-RETHEL, em “Trabalho intelectual e trabalho manual. Crítica
da epistemologia”; na edição Trabajo intelectual y trabajo manual. Crítica de la epistemología,
Ediciones 2001, Barcelona, 1980, pp. 25-27.
99
Ver: São Paulo, Unesp, 2013, “Concorrência, crédito e crises: considerações a partir de Marx”,
Capítulo 3.
76
sistema financeiro internacional. Cada vez mais intensa, a instabilidade do sistema tende
a ser permanente, obstando a taxa de investimento, o que pode reduzir o ritmo da
acumulação e do crescimento econômico no centro capitalista e em parte da periferia do
sistema.
De outra parte, na direção oposta dos que ainda insistem na tese da “estagnação”
como produtora de “financeirização”, escreve Marx, desvelando já então um aspecto
estrutural (e contemporâneo) que integra as crises financeiras:
Nos três exemplos abaixo arrolados torna-se nítido de que não é a estagnação que
produz a financeirização, como alguns teóricos argumentam, quando examinamos a
ilustrativa experiência da longa estagnação japonesa (1990-2002).
Ver: “A crise da economia japonesa nos anos 1990: impacto da bolha especulativa”, E. T. Filho, São
100
de imóveis, ele foi estimado em 20% do PIB, contando apenas a partir dos anos 1992 a
1995.
Estamos afirmando então que, para Marx – e não para mutiladores de sua obra -,
simultaneamente se processa: a) a acumulação de capital à base da apropriação do
trabalho excedente; b) a taxa de lucro induzindo a taxa de juros; c) o capital portador de
juros gestando capital fictício. Isso conduz a um vetor que se relaciona com a busca
incessante de valorização do valor, para a qual a especulação passa a ser intrínseca ao
desenvolvimento do moderno sistema de crédito. Especulação, que, de acordo com uma
formulação (impressionante) de Marx é consequência do desenvolvimento do sistema de
crédito e lucro a partir dos juros, e:
“Reproduz nova aristocracia financeira, nova espécie de parasitas, na figura de
projetadores, fundadores e diretores puramente nominais; um sistema completo
de especulação e embuste no tocante à incorporação das sociedades,
lançamento e comércio de ações”. (Marx, Op. cit., Livro 3, v. 5, p. 510).
101
Ver: “A crise do sistema capitalista mundial”, P. Nakatani, s/d. em:
http://pendientedemigracion.ucm.es/info/ec/jec8/Datos/documentos/comunicaciones/Fundamentos/Nakat
ani%20Paulo.PDF
78
gerando os períodos de euforia com as ‘bolhas financeiras’; enfim, essa esfera passou a
comandar o conjunto do sistema”.
Importa então aqui relembrar simplificadamente que, para Marx, assim se deve
equacionar a Taxa de Lucro:
Taxa de Lucro: l= m/(c+v)
102
L.C. BRESSER-PEREIRA (1988) também realiza extenso debate sobre a LTQTL, em particular
envolvendo o progresso técnico e o “teorema de [Nobuo] Okshio”, para quem, ao decidir investir os
capitalistas não se orientam pelo critério da produtividade, mas pelo custo. Na conclusão de Bresser-
Pereira; “Só nos casos que vão se tornando cada vez mais raros historicamente nos países já
industrializados, de progresso técnico dispendioso de capital (mecanização) com a taxa de salários
aumentando à mesma taxa de produtividade, é que a taxa de lucro tenderá a cair” (p.79). Ora, isto
especificamente não tem nada a ver com a natureza ou interpretação da LTQTL: a lei para Marx assume
dimensão completamente distinta, como veremos em seguida. Ver: “Lucro, acumulação e crise. A
tendência da taxa de lucro declinante reexaminada”, de Bresser-Pereira, São Paulo, Brasiliense, 1988, 2ª
edição, cap. IV.
79
, vez que ela poderia explicar crises “historicamente determinadas, mas não é a
explicação de todas as crises”. (Braga, idem, pp. 174 e 176).
De acordo com Prado, que se coloca na crítica aos dois autores, numa “resposta
alternativa”: a) para se compreender a lei de Marx tal como está formulada em O
capital, exige-se procurar no texto que contradição real está na base do movimento de
acumulação de capital; b) para apreender esse enlace e desenlace contraditório que
emerge daí, Marx apresenta o desenvolvimentos destes nos capítulos XIII a XV no
Livro 3; c) é nessa perspectiva que se deve entender entre as tendências a favor e as que
contrariam a queda da taxa de lucro, as quais prevalecem no próprio processo de
acumulação. Por isso também, Prado considera que:
“A lei de Marx em sentido completo, ou seja, compreendendo as
tendências pró e contra a queda da taxa de lucro, é, portanto, nesse
sentido, transfactual e possibilista – contudo, ela nega tanto a férrea
necessidade quanto a pura contingência. Fazendo referência à
composição orgânica do capital e à taxa de mais-valia, ela indica certos
caminhos possíveis de evolução no tempo do processo de acumulação
capitalista, privilegiando a variável taxa média de lucro ocorrentes nesse
modo de produção mercantil generalizado”.104
O fato é que a (infindável) discussão sobre o comportamento da taxa de lucro
circundante à crise 2007 recebeu de M. MOLLO (2015) exaustiva análise - a nosso
juízo, similarmente convincente. O exame recente de autores com posições díspares
103
Braga também aponta: a) a forma e o ímpeto da concorrência nacional e internacional; b) políticas
monetária e fiscal; c) política creditícia; d) tipos de subsídios entre governo e empresas, como fatores que
“afetam a performance da taxa de lucro efetiva no mundo” (idem, p.182).
104
Ver: “Marx: pura lógica? Lei empírica?”, E. Prado, em: Revista Sociedade Brasileira de Economia
Política, São Paulo, nº 37, janeiro 2014, pp. 132-33.
80
105
Ver: “A crise mundial e suas consequências: um debate teórico”, M. L. R. Mollo, em: “Crítica
marxista”, nº 41, São Paulo, Fundação Editora da UNESP, 2015, pp. 52 e 56.
106
A partir das recentes pesquisas dos originais de Marx, na “Marx-Engels Gesamtausgabe” (MEGA2),
sobre a LTQTL, DEUS, YEMBA e MARQUES (2017) sugerem ao menos duas questões-sínteses: 1) até
os Manuscritos de 1864-5, Marx teria evoluído à ideia de que as contra-tendências à lei integrariam o
movimento tendencial de modo absoluto, vale dizer, não caberia ter “separado” as duas partes, como o fez
F. ENGELS. 2) Marx, depois de idas e vindas, teria “abandonado” uma conclusão da complexa questão,
após inúmeros estudos matemáticos em torno de taxa de mais-valia, taxa de lucro (1875), no sentido de
não conseguir o pretendido desvelamento dessas “leis de movimento” específicas. Ver o importante
estudo apresentado pelos autores à 45ª Encontro Nacional de Economia da ANPEC, em: “Lucro, taxa e
tendência nos manuscritos inéditos de O Capital”, L. de Deus, Bovick Yemba e Lucien Marques. Pesq.
Aqui: http://www.anpec.org.br/novosite/br/45-encontro-nacional-de-economia--trabalhos-selecionados
107
Ver: “Conspecto do livro de Hegel ‘Ciência da Lógica’, em: “Cadernos Filosóficos”, V.I. LÉNINE,
Obras Escolhidas em Seis Tomos, v. 6, Edições Avante! - Lisboa, Edições Progresso – Moscovo, 1989, p.
140. Lênin acrescenta acerca da conceituação de Hegel: “Isso é uma definição notavelmente materialista e
notavelmente certeira (com a palavra ‘ruhige’ [‘tranquilo’]”, ibidem, idem.
81
108
Ver: Livro 3, v. 5, Civilização Brasileira, s/data, p. 510.
82
109
Ver: “Crisis económica global. ¿Hasta cuándo?, ¿hasta dónde?”, de O. Martínez, in: rebelión.org
(29/4/2009).[ https://www.rebelion.org/noticias/2009/4/84528.pdf]
110
Em: http://www.destakjornal.com.br/seu-valor/detalhe/endividamento-mundial-cresceu-5-no-quarto-
trimestre-de-2017
83
111
Gráficos elaborados por Martin Wolf\Financial Times (2017). 1) De acordo com Robert Gordon, a
economia dos EUA não vem reproduzindo os notáveis ganhos de produtividade que conquistara “entre
1920 e 1970”; o quase colapso entre 1994-2014 seria uma explicação para o “investimento fraco desde a
crise financeira”. 2) O segundo gráfico – “que tanto intriga quanto preocupa”, diz Wolf – mostra parada
na queda dos preços dos semicondutores, descenso aquele que adviria do impacto da “revolução
tecnológica” atual. Ver: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/07/1903064-entenda-em-7-
graficos-as-grandes-transformacoes-na-economia-global.shtml
84
112
Em 2017, Summers voltou a reafirmar sua tese: “Quando fiz meus comentários em 2013, eles foram
formulados com dúvidas muito substanciais. Hoje, teria menos dúvidas. A essência de meu argumento era
que, devido a uma diversidade de fatores estruturais, a taxa de juros neutra estava muito mais baixa do
que antes e, portanto, chegar a uma taxa adequadamente baixa seria mais difícil. E isso funcionaria como
85
Ou ainda:
restrição à demanda agregada por mais tempo do que as pessoas pensavam. Em relação às previsões na
época, os juros estão muito menores, o crescimento tem sido muito menor, a inflação ficou muito menor
no mundo industrializado, e a política fiscal tem sido mais expansionista. Assim, o argumento
generalizante que apresentei parece mais verdadeiro hoje”. Em:
http://www.valor.com.br/internacional/4984050/larry-summers-dobra-aposta-em-hipotese-de-estagnacao-
secular
113
Streeck publicara antes vários artigos entre 2011 a 2015, sobre a mesma temática. Cf. p. ex.:
http://pubman.mpdl.mpg.de/pubman/item/escidoc:2065903/component/escidoc:2065906/Piaui_2014_Stre
eck.pdf; também: http://www.ihu.unisinos.br/169-noticias/noticias-2015/540406-capitalismo-do-pos-
guerra-esta-no-fim-diz-streeck-
114
Mais uma vez, sobre o endividamento mundial, um relatório do FMI (setembro, 2016) assinalara a
montanha de débitos globais ter atingido o recorde de US$ 152 trilhões, nada menos que 225% do PIB do
planeta, sendo destes dois terços de dívida privada (US$ 100 trilhões). Diz-se lá que “o elevado débito
privado não apenas aumenta as chances de uma crise financeira como também dificulta o crescimento,
pois devedores muito endividados eventualmente diminuem seu consumo e investimento”.
Em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/conjuntura/180320_cc38_economia_mundial.pdf
86
115
Ver: “O esgotamento da atual fase histórica do capitalismo”, de G. Cacherdi, em:
http://www.sinpermiso.info/textos/el-agotamiento-de-la-fase-historica-actual-del-capitalismo,
04/01/2017.
116
Cacherdi alinha ainda, como “fatores tendenciais secundários”, a) queda constante do emprego em
relação ao investimento em geral; b) constante descenso do “valor novo” como percentagem do valor
total, como fatores que demonstrariam o “esgotamento progressivo do capitalismo”. Assim, “O
capitalismo está em rota de colisão consigo mesmo. As contra-tendências atuam cada vez menos...”
(2017, idem). Mais adiante diz que, por isso, “A China, a Índia, os BRICS sofrem a mesma enfermidade
que aflige o mundo ocidental” (2017, idem). Evidente: imputar a situação econômica da África do Sul ou
do Brasil como sendo igual a da China, em 2017, só se for por razões exclusivamente ideológicas!
87
117
Traduzido para o português em : http://www.ocomuneiro.com/nr24_01_FrancoisChesnais.html
88
De acordo com Mason, esse pós-capitalismo é possível, agora, por três razões
fundamentais: 1) a informática reduziu “a necessidade de trabalho”, ela nubla as
fronteiras entre “trabalho e tempo livre” e afrouxa os vínculos entre “trabalho e
salários”. 2) Sendo atualmente a informação abundante, ao tempo em que o mercado se
baseia na escassez, “os bens de informação estão corroendo” a correção dos preços
formados nesses mercados - e o antigo sistema de defesa monopolístico gigantesco “não
podem durar”. 3) vivenciamos a ascensão vertiginosa da “produção cooperativa”: a
Wikipédia possui 27 mil voluntários, priva o comércio de enciclopédias e a indústria
publicitária de uma receita “estimada em 3 bilhões de dólares”, exemplifica Mason 119.
Que buscara atualizar ainda o importante debate sobre a problemática dos “ciclos
longos” (Cap. 2), para contextualizar a grande crise atual e suas perspectivas.120
118
Em: Companhia das Letras, São Paulo, 2017 [2015], p.16.
119
O estudo de P. Mason de 468 páginas, é insistentemente marcado pelo furioso viés ideológico
antissoviético, ao passo que, em verdade, aponta soluções utópicas e anarcóides à superação do
capitalismo tal como professa.
120
Para ele, se nos basearmos na teoria das ondas longas de Nikolai Kondratiev - envolvendo
desenvolvimento tecnológico, guerras e revoluções - e seus seguidores contemporâneos, encontramos: 1)
de 1790 a 1848, o sistema fabril, maquinário movido a vapor e canais a conformar “o novo paradigma”,
que sofre inflexão com a depressão da década de 1820. 2) De 1848 a meados de 1890 esse segundo ciclo
abarca as transformações advindas como as estradas de ferro, o telégrafo, os navios a vapor, moedas
estáveis e máquinas produzidas por máquinas, sendo que a “crise financeira” nos EUA e Europa
terminam na longa depressão de 1873-1896. 3) De 1890 a 1945, as tecnologias centrais são a da indústria
pesada, a engenharia elétrica, a administração científica e a produção em massa, quando a ruptura se dá
no final da 1ª Guerra Mundial e o descenso se aprofunda com a Grande Depressão de 1930 e a 2ª Guerra
Mundial. 4) De 1840 a 2008, onde o paradigma alcança desde os transistores, os materiais sintéticos, os
bens de consumo de massas, a automação fabril, o cálculo automático e o poder nuclear, tendo o declínio
que se seguiu ao “maior boom da história” ganhado expressão no “choque do petróleo” (1973), com um
longo período de instabilidade mas não um depressão. 5) “No final de 1990”, um quinto ciclo se ergueria
através da tecnologia de redes, comunicações móveis, um mercado “verdadeiramente global” e que
denomina de “bens de informação” (Mason, idem, pp. 90-91). Mason, aliás, inspira-se largamente no
89
conhecido estudo de Ernest MANDEL (1982), especialmente capítulos 1 e 4. Para uma visão crítica
consequente sobre a teoria dos ciclos de Kondratiev, ver ainda: HOBSBAWM, 1998-a; 1998-b.
121
Ver: “A noção heterodoxa de Crise Estrutural, R. Guttmann (Hofstra Universidade), em:
file:///C:/Users/S%C3%A9rgio/Downloads/The_heterodox_notion_of_structural_crisis.pdf [publicado
em: Review of Keynesian Economics, Vol. 3 No. 2, Summer 2015, pp. 194–212]. A tradução, inédita, é de
Mariana Rossi Venturini.
122
Segundo Guttmann, deve-se considerar pontos finais dessas ondas (a fase mais baixa) representados
após períodos de estagnação contínua, em turning-point peaks (picos de viragem) verificados
respectivamente em 1819, 1873, 1929, 1969, e 2007. De outra parte, ocorrem uma ou duas décadas de
crescimento lento, rapidamente frequentes declínios econômicos depois, nas fases de baixas (isto é 1842,
1897, 1939, 1982), onde rebaixamento dos preços e de capacidades de produção possibilitariam
amadurecer, “típica e suficientemente para que uma nova revolução tecnológica faça [fizesse] efeito e
impulsione a economia em direção a um caminho de crescimento acelerado nas próximas décadas” (idem,
p.2).
123
Guttmann refere-se a “Long Waves: Conceptual, Empirical and Modelling Issues”, de Silverberg, in:
Research Memorandum 015, Maastricht University, Maastricht Economic Research Institute on
Innovation and Technology (MERIT). Ver: file:///C:/Users/S%C3%A9rgio/Downloads/rm2003-015.pdf .
Para Silveberg, nas destacadas contribuições de N. Kondratief, J. Schumpeter e outros proponentes da
teoria de ondas longas pressupunha-se que elas poderiam ser detectados nos dados com técnicas
apropriadas que também resistiriam à crítica técnica. Contudo, conclui este autor: “inovações podem, de
fato, se agrupar, mas não em qualquer sentido determinista, e seu padrão pode lançar luz sobre um
mecanismo unificado, explicando uma gama de propriedades. Agregar atividade econômica,
simultaneamente com certos padrões de mudança estrutural, pode obedecer a certas leis que
dialeticamente entrelaçam o acaso e necessidade e produzir padrões robustos, mas que não se prestam a
previsão muito simples” (Op. cit., p. 14).
90
Nos processos que interligam a busca de saídas das crise capitalistas, no sentido
da já referida busca de novos circuitos de valorização do valor, e fundamental
compreender que, se a Primeira Revolução Industrial deve ser periodizada entre 1760 e
1840 - assinalada por Marx nos Grundisse e no Livro 1 de O Capital -, de outra parte,
são nos novos estudos sobre os escritos originais de Marx (e Engels), destacadamente
dos pesquisadores da nova MEGA2 (Marx e Engels – Gesamtausgabe2) onde se
encontram vários cadernos em que Marx examinou detalhadamente as crises capitalistas
de 1848, 1857-8, 1866 e 1873-4 124. Interessa ressaltar que, neles, usando fontes
como The Economist, The Money Market Review, estatísticas dos relatórios do Banco
de Inglaterra, e inquéritos parlamentares, Marx analisava as crises capitalistas e suas
características que ocorreram exatamente no processo que antecedeu a passagem da
primeira revolução industrial para a segunda 125.
124
Ver: “Marxismo e crises capitalistas”, original da edição especial de “Science & Society”, outubro de
2016, em: http://resistir.info/crise/editorial_ss_out16_p.html; similarmente ver também em: “A primeira
crise econômica mundial: Marx como jornalista econômico”, de Michael R. KRÄTKE, em:
http://outubrorevista.com.br/wp-content/uploads/2015/02/Revista-Outubro-Edic%CC%A7a%CC%83o-
19-Artigo-02.pdf , pp.43-44.
125
Sobre as características principais das três revoluções industriais ver, de BARROSO, A. Sérgio:
“Revoluções industriais e metamorfoses do capitalismo: aspectos históricos e teóricos”, set./out. 2017-b,
Em: http://www.revistaprincipios.com.br/artigos/150/capa/3180/revolucoes-industriais-e-metamorfoses-
do-capitalismo-aspectos-historicos-e-teoricos.html. Sobre a formação da grande indústria capitalista, a
primeira revolução industrial, as dimensões do processo da acumulação, ver a obra clássica de
BARBOSA de OLIVEIRA, C. A. “O processo da industrialização – do capitalismo originário ao
atrasado”, 2003, pp. 54-75. Em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/up000037.pdf
126
Em: “Capítulo do capital”, São Paulo/Rio de Janeiro, Boitempo/Editora UFRJ, 2013, pp. 387-88.
91
Mas, sublinhe-se então que, de acordo com Marx uma questão nodal é que ponto
de partida desse processo transformador e rupturista – a catapulta para o pioneiro
paradigma técnico do capitalismo - é constituído pela transformação da ferramenta em
máquina-ferramenta, ou seja, pelo estágio em que se retira a ferramenta das mãos do
trabalhador e a torna elemento de um mecanismo. Isto é:
“É desta parte da máquina, da máquina ferramenta, que parte a
revolução industrial do século XVIII”.127
Porém – prossegue Marx -, nesse estágio,
“A máquina da qual parte a revolução industrial substitui o
trabalhador que maneja uma única ferramenta por um
mecanismo que ao mesmo tempo opera com certo número de
ferramentas idênticas ou semelhantes àquela, e é acionada por
uma única fôrça motriz, qualquer que seja a sua forma. Temos
então a máquina, mas ainda como elemento simples da
produção mecanizada” (Marx, idem, p. 428).
127
Ver: “O capital”, K. Marx, Livro 1, V.I, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968, p. 426.
128
Apud: BARROSO, A., “Tendências do capitalismo contemporâneo”, em: Governos Lula e Dilma: o
ciclo golpeado: contexto internacional, realizações, lições e perspectivas, RABELO, R. e MONTEIRO,
A. (ORGS.), Sã Paulo, Anita Garibaldi\Fundação Maurício Grabois, 2017, pp.55-80.
92
129
Evidente que a primeira revolução industrial de Pérez deve estar subsumida da segunda, pois, como
vimos de Marx, é a máquina-ferramenta que caracteriza o “núcleo duro” da primeira.
130
Ver: “A quarta revolução industrial”, São Paulo Edipro, 2016; “Aplicando a quarta revolução
industrial”, Edipro, 2018, este livro com Nicholas Davis.
93
131
Ver: http://www3.weforum.org/docs/WEF_Future_of_Jobs.pdf
132
Uma análise detalhada sobre o fenômeno é feita por Luciano COUTINHO; ver: “A 4ª revolução
industrial: criativa ou disruptiva para o Brasil? ”. Em:
http://www.revistaprincipios.com.br/artigos/150/capa/3184/a-4a-revolucao-industrial-criativa-ou-
disruptiva-para-o-brasil.html
133
Ver:http://www.iedi.org.br/media/site/artigos/20180710_politicas_para_o_desenvolvimento_da_industr
ia_4_0_no_brasil.pdf
134
Ver: “A segunda era das máquinas. Trabalho, progresso e prosperidade numa época de tecnologias
brilhantes”, Rio de Janeiro, Alta Books, 2015. Relatam os autores: “O Google anunciou no blog, em
outubro de 2010, que seus carros completamente autônomos já estavam dirigindo com sucesso no
trânsito, por rodovias e autoestradas americanas. Quando fizemos nosso passeio, no verão de 2012, o
94
projeto Chauffer já havia se expandido para uma pequena frota de veículos que tinham registrado,
coletivamente, centenas d milhares de quilômetros sem envolvimento humano e com apenas dois
acidentes” (Op. cit., Cap. 2, p.21).
135
Algumas implicações imediatas merecem registro: (i) a venda mundial de robôs atingiu 225 mil em
2015, 12% a mais que o ano anterior; espera-se 400 mil em 2018, sendo que Ásia (especialmente China e
Coréia do Sul) controlam 60% das vendas, seguindo-se o Japão, EUA e Alemanha. (ii) Em 2014 o Face
book comprou o aplicativo WhatsApp por US$ 25 bilhões, que possuía 55 funcionários; a United
continental aérea foi capitalizada em dezembro de 2015 por fortuna similar, entretanto possuindo 82.300
funcionários. (iii) Estima-se que até 2020, 70% dos habitantes do planeta possuirão smartphones;
facebook, twitter, instagram, whatsapp passaram a integrar o dia-a-dia das pessoas no mundo inteiro. (iv)
Noutra direção, o supercomputador Watson (IBM), orientado por um grupo de pesquisadores, após estudo
revisado de 100 mil casos médicos e descobriu uma nova proteína para determinado tipo de câncer, o que
foi posteriormente confirmado por cientistas da área. Aliás, o sistema tipo Watson já processa traduções
simultâneas, respondem à pergunta de celulares, substituem procedimentos de médicos, de advogados, de
contadores, de policiais, de economistas, de operadores de mesa de bolsas de valores. A inteligência
artificial do Watson, que a IBM apresentou em 2007 como um supercomputador capaz de aprender e
conversar de igual para igual com humanos para em breve substituí-los em diversas tarefas.
95
entregues em um pacote por uma única instituição são agora oferecidos por vários
players, com vários produtos intermediários sendo oferecidos por firmas de fora do
setor tradicional. Abordando outro assunto, o banqueiro alemão alertou para o fato de “o
mundo está testemunhando um momento em que as bases para uma nova crise podem
estar sendo colocadas”.136
137
Em: https://www.valor.com.br/financas/4553953/loucura-dos-bcs-infla-bolha-do-mercado-de-bonus-
diz-professor
138
Em: https://www.oxfordmartin.ox.ac.uk/downloads/academic/The_Future_of_Employment.pdf , Carl
Benedikt Frey e Michael A. Osborne, 2013.
96
139
Em: http://www3.weforum.org/docs/WEF_Future_of_Jobs.pdf
140
Ver: “O futuro do emprego será inventar o seu próprio emprego”, Darlene Menconi, Valor Econômico,
07/11/2016. Em: https://www.valor.com.br/carreira/4766977/o-futuro-do-trabalho-sera-inventar-o-
proprio-emprego
141
Note-se bem: em agosto deste ano (2017), 116 especialistas em AI e tecnologia avançada, de 27 países
enviaram uma “Carta à Convenção das nações Unidas Sobre Certas Armas Não Convencionais”. Entre
eles Elon Musk, fundador da Tesla, e Mustafa Suleyman, nada menos que o criador do laboratório de
inteligência artificial da Google. Especialistas em AI, líderes políticos e religiosos, e inclusive prêmios
Nobel da Paz como Jody Williams advertem sobre os dilemas éticos e legais de se permitir que uma
máquina mate seres humanos (impossível determinar o responsável direto pelos “erros” que cometam
essas máquinas), assim como o perigo de se desenvolver armas independentes que tecnologicamente
estão impossibilitadas de distinguir alvos civis e militares. É necessário impedir uma nova carreira
armamentista nessas bases, declaram explicitamente. Em: http://www.lamarea.com/2017/08/22/piden-
prohibir-robots-asesinos/
142
Assim, Os EUA a Advanced Manufacturing (2011); Alemanha a Industry 4. 0 (2014); o Reino Unido a
Future of Manufactoring (2013). A França a Industrie du Futur (2015); a Coréia do Sul a Manufactoring
97
Inovation 3.0 (2015); a Índia a Make in Índia (2014); a China a China Manufactoring 2025 (2015).
Anote-se: a China apresentou em agosto passado um plano de desenvolvimento para se tornar o líder
mundial em inteligência artificial (AI) até 2030 (22,15 bilhões de dólares, até 2020; 400 bilhões de iuanes
(59,07 bilhões de dólares) até 2025), com o objetivo de superar seus rivais tecnologicamente e construir
uma indústria doméstica no valor de quase US$ 150 bilhões. Apud: BARROSO, A, Sérgio, “Revoluções
industriais e metamorfoses do capitalismo: aspectos históricos e teóricos”, em: Op. cit, 2017. Também:
em: https://br.reuters.com/article/internetNews/idBRKBN1A52NR-OBRIN
98
143
Esse processo de megaconcentração de capital já cursava, entretanto, mais recentemente um abrupto
salto mudou completamente o ranking das grandes corporações globais. Assim, a Apple foi a primeira
empresa a conseguir bater a marca de 1 trilhão de dólares de capitalização da bolsa; a Amazon chegou a
valer 889 bilhões de dólares, a Alphabet (matriz da Google), 856 bilhões, Microsoft, 828 bilhões, e
Facebook, 513 bilhões. As cinco empresas representam quase 20% do PIB americano e mais que o PIB
da Alemanha. O conjunto de ações tecnológicas concentra mais de 25% do valor do S&P 500, o índice
que reúne as 500 maiores empresas do mercado americano. Em:
http://www.jb.com.br/economia/noticias/2018/08/10/o-risco-que-representa-o-dominio-das-acoes-
tecnologicas-em-wall-street/ . No detalhado estudo “Os quatro. Apple, Amazon, Facebook e Google – O
segredo dos gigantes da tecnologia”, de Scott GALLOWAY, encontra-se, por exemplo, como em 2006 as
maiores (em bilhões de dólares) corporações globais eram Exxon Mobbil, GE, Microsoft, Citigroup, Bank
of America; em 2017, passaram a ser Apple, Alphabet, Microsoft, Amazon, Facebook (São Paulo, HSM,
2018, Cap. 1, p. 13).
144
Ver aqui: http://press.princeton.edu/quotes/q10544.html
145
Ver: BARROSO, A. Op. cit., “Tendências do capitalismo contemporâneo”, 2017. A discussão feita
por Gordon – não as opiniões do autor que o debate - encontra-se em:
https://eleuterioprado.files.wordpress.com/2015/04/perscrutando-o-horizonte-histc3b3rico-do-
capitalismo.pdf
99
De acordo com sua pesquisa, embora no início a terceira revolução industrial até
tenha trazido mais produtividade - processamento de dados no setor bancário, por
exemplo -, as inovações ao longo do tempo foram voltadas mais para o entretenimento e
as comunicações pessoais do que para os processos produtivos. Até porque, diz Gordon,
“a maioria das invenções recentes da informática não trouxe transformações
fundamentais, mas miniaturização”; o iPhone, por exemplo, só junta funções que
laptops e celulares antigos já tinham.
Considerações finais
A crise iniciada em 2007-8 gestou (trouxe em seu bojo), de outra parte, um novo
paradigma tecnológico estabelecendo plenamente na dinâmica do regime do capital o
conceituado por Karl Marx de “a contradição em processo”. 146 Do ponto de vista
formal, desenha um fenômeno similar ao ocorrido na denominada 1ª Grande Depressão
(1873-96) e a alavancagem à 2ª Revolução Industrial.
Isto significa que, ao invés da visão fatalista que sentencia ter o capitalismo
chegado aos seus “limites históricos”, o capitalismo neoliberal, da globalização
financeira, associou-se a uma emergente transformação de suas bases tecnológicas,
cujas alterações já estão atingindo violentamente a força de trabalho, descartando
massivamente, por conseguinte, a razão fundante de valorização do valor.
146
O significado histórico da formulação marxista, em “O capital”, “a contradição em processo” foi
explícita motivação da Tese de doutorada de F. MAZZUCHELLI, denominada (e aqui citada) “O
capitalismo e suas crises. A contradição em processo”, defendida em 1985. Foi por nós revisitada no
ensaio citado “Tendências do capitalismo contemporâneo”, BARROSO, A., em: “Governos Lula e
Dilma: o ciclo golpeado. Contexto internacional, realizações, lições e perspectivas”, RABELO, R. e
MONTEIRO, A. (orgs.), São Paulo, Fundação Maurício Grabois/Anita Garibaldi, 2017, pp. 55-80. Para
uma visão abrangente e profunda dessa problemática, no âmbito das ingentes transformações do
capitalismo contemporâneo, ver: “Capital fixo, General Intelect e a contradição em processo”, de L.
BELLUZZO, em: “Karl Marx: Desbravar um mundo novo no século XXI. Artigos acercada atualidade e
vitalidade da teoria marxista”, MONTEIRO, A. e BUONICORE, A. (orgs.), pp. 227-240.
100
147
Ver: “A crise de 1929 e o debate marxista sobre a teoria da crise”, E. Altvater, em: “História do
marxismo. O marxismo da Terceira Internacional: o novo capitalismo, o imperialismo, o terceiro mundo,
volume 8, HOBSBAWM, E. (org.), Rio de janeiro, Paz e Terra, 1987, pp. 132-3.
101
Capítulo 4
Chamamos desde logo a atenção para o fato de, passados 100 anos, da obra “O
imperialismo, fase superior do capitalismo”, de Vladimir Lênin, nada mais, nada
menos, antecipar-se ali, o teórico russo, em décadas à crítica da “estagnação” como
modo de ser (ontológico) do capitalismo monopolista (P. BARAN & P. SWEEZY,
1978). Nesse estudo – e em outros textos seus - avulta a tese de Lênin de que, “no seu
conjunto, o capitalismo cresce com uma rapidez incomparavelmente maior que
antes”.149
148
O capítulo é amplamente baseado no ensaio “Lênin: notas teóricas sobre crítica e crise do
capitalismo”, A. S. BARROSO, em: “Lênin: presença da revolução”, BARROSO, A. (org), São Paulo,
Fundação Maurício Grabois/Anita Garibaldi, 2017, pp. 51-78.
149
Lênin refere-se concretamente ao crescimento de certos ramos industriais, certos setores da burguesia,
em certos países: a) nos Estados rentistas espoliadores via exportação de capitais e o colonialismo; b) ao
caráter parasitário e desigual desse crescimento que alcança os países centrais, e os periféricos (“O
imperialismo, fase superior do capitalismo”, capítulo X, “O Lugar do imperialismo na história”, Lisboa,
Edições Avante! 1981, p. 668). Evidente que se só houvesse estagnação, jamais haveria crescimento.
Simultaneamente, no capítulo VIII, “O parasitismo e a decomposição do capitalismo”, afirmara Lênin:
“Mas não obstante, como todo monopólio, o monopólio capitalista gera inevitavelmente uma tendência
para a estagnação e para a decomposição” (idem, p.649). Enquanto afirmaram BARAN e SWEEZY:
“Como o excedente que não pode ser absorvido não será produzido, segue-se que o estado normal da
economia capitalista é a estagnação”; Ver: Baran, P., Sweezy, P. “Capitalismo monopolista. Ensaio sobre
a ordem econômica e social americana”. Rio de Janeiro, Zahar, 1978, p.113.
102
150
Ver: “Era dos extremos. O breve século XX 1914-1991”, E. Hobsbawm, São Paulo, Companhia das
Letras, 1995, 2ª edição, 48ª reimpressão, p. 92.
103
Não é à toa que, se há uma notícia que agita o mundo, pelo menos desde 1848,
essa foi “espalhada” por Karl Marx: a sociedade burguesa só será transformada ipisis
verbis através da revolução social - jamais ela cairá por implosão. E são amplamente
conhecidas suas inúmeras opiniões que conceituam o “papel sumamente
revolucionário” da burguesia no seu processo de ascensão, recorda com brilho J.
BARATA-MOURA.151 Também nos desenvolvimentos bem mais complexos em torno
da reestruturação das bases técnicas do capitalismo e seus processos de metamorfoses,
escreveu Marx, nos “Grundisse”:
Sob outro ângulo, notemos então que integrantes do marxismo vulgar utilizam
regularmente de subterfúgios para acusar os críticos do estagnacionismo permanente, de
professarem a “apologia” do capitalismo; ou mesmo desses serem adeptos do
“revisionismo” das teses de Marx ou de Lênin. Mas supondo que, no discurso de Marx
acerca do caráter progressista do capitalismo, isso era da época em que ele se
desenvolvia, não teria sido o próprio Vladimir Lênin um “apologista” do capitalismo,
por afirmar, não sem causar espanto ainda hoje, que, diante das dificuldades do período
imediato pós-Revolução Socialista na Rússia,
151
Ver: “Nota sobre a categoria bürgerliche gesellschaft em Karl Marx”. Separata da Sociedade Civil –
Entre miragem e oportunidade, BARATA-MOURA, J. Lisboa, abril de 2003.
Ver: “Elementos fundamentales para la crítica de la economía política (borrador) 1857-1858”, vol. 2,
152
Ressalte-se bem que tal visão de Lênin não se fixa num ou noutro registro. O
teórico russo retorna insistentemente ao tema da superioridade do desenvolvimento
capitalista alemão, frente ao capitalismo de Estado emergente na Rússia da “Nova
Política Econômica” (NEP). Notadamente no contundente artigo “Infantilismo de
‘esquerda’ e a mentalidade pequeno-burguesa” (1918), dirigido às formulações do
grupo “comunistas de esquerda”: a Alemanha de então, disse Lênin, era “a última
palavra da moderna técnica e da organização planificada, subordinadas ao imperialismo
junker-burguês”. Sobretudo porque, assevera Lênin, demonstrando uma profunda
compreensão da dinâmica do capitalismo àquela época:
153
Lênin, Apud: Domenico LOSURDO, “Antonio Gramsci: do liberalismo ao ‘comunismo crítico’”, Rio
de Janeiro, Revan, 2006, p. 188.
154
Em: “Lênin. Estado, ditadura do, proletariado e poder soviético”, BERTELLI, A. (org.), Belo
Horizonte, Oficina de Livros, 1988, pp. 188 e 189 respectivamente.
105
Sobre essa questão, com justeza assegura LOSURDO que, assim, Gramsci
“impressiona pela capacidade, de um lado de descrever sem indulgência a situação de
um país considerado imperialista, e, de outro, de perceber a capacidade de resistência e
de futuro do modelo norte-americano” (Losurdo, Op. cit., p.194). Emblematicamente, a
discussão encontra-se no capítulo denominado “Gramsci e o distanciamento da tese da
‘putrefação’ e da ‘ruína’do imperialismo” (Losurdo, idem, 2006, p. 190) - debate este
que veremos mais adiante.
“Os Estados Unidos não possuem concorrentes que os iguale, nem pela
a rapidez do desenvolvimento do capitalismo no final do século XIX e
início do XX, nem pelo nível extremamente elevado já atingido por este
desenvolvimento... território sobre o qual se aplica uma técnica que
representa a última palavra da ciência... nem pela liberdade política e o
nível cultural das massas da população”. Portanto, sob vários aspectos,
este país constitui o modelo e o ideal de nossa civilização burguesa”.155
155
Ver: “Capitalismo e agricultura nos Estados Unidos da América. Novos dados sobre as leis de
desenvolvimento do capitalismo na agricultura”, São Paulo, Brasil Debates, 1980, p. 1.
106
“Não há nenhuma razão para ver nessas palavras uma correção à teoria
da realização exposta no Tomo II [Livro II]. Marx se limita a manifestar
aqui uma contradição do capitalismo assinalada já em outras passagens
de O Capital, a saber: a contradição entre a tendência à ampliação
ilimitada da produção e necessidade de um consumo limitado (a
consequência da situação proletária das massas do povo)” (Lênin,
idem,1974, p. 210).
156
Ver: “Sobre el problema de los mercados”, Escritos económicos, LÊNIN, V. vol 3, Madrid, Siglo
Veinteuno editores s.a., 1974, p.17.
107
“a teoria da realização de Marx é uma teoria abstrata que demonstra como se realiza a
reprodução e a circulação de todo o capital social, o que deve ter como premissa a
abstração do comércio exterior ou dos mercados externos” – “embora jamais existiu ou
pôde existir uma sociedade capitalista sem comércio exterior” (Op. cit.,1974, p. 224).
Aduzindo Lênin, que, sendo ao mesmo tempo uma arma contra a apologia e a crítica
pequeno-burguesa do capitalismo, a teoria da realização:
157
Ver: “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia. O processo de formação do mercado para a
grande indústria”. Os Economistas, São Paulo, Abril Cultural, 1982, p. 26.
108
“A Era dos Impérios ou, como Lênin a chamou, o imperialismo, não foi,
evidentemente, “a etapa final” do capitalismo; mas, à época, Lênin
nunca afirmou realmente que fosse. Simplesmente a denominou, na
primeira versão de seu influente escrito, “a última etapa do capitalismo”
(HOBSBAWM, Op. cit., p. 27). Até porque – enfatiza o historiador –
todas as tentativas de isolar a explicação do imperialismo do
“desenvolvimento específico do capitalismo no fim do século XIX” não
passam de “exercícios ideológicos” (idem, p. 110).
158
Ver: “Reconstruindo Lênin – uma biografia intelectual”, T. Krausz, São Paulo, Boitempo, 2017, pp.
471-2.
159
Ver: “A Era dos Impérios (1875-1914)”, de E. HOBSBAWM, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2003, 8ª
edição.
109
161
Ver: “O político e as transformações. Crítica do capitalismo e ideologias da crise entre os anos vinte e
trinta”, de G. Marramao, Belo Horizonte, Oficina de livros, 1990.
162
Ver: “El futuro del capitalismo”, de C. Napoleoni, México, Siglo Veintiuno Editores, 1978.
110
163
Ver: “A contradição em processo. O capitalismo e suas crises”, de F. Mazzuchelli, Campinas,
Instituto de Economia/Unicamp, 2004, 2ª edição.
111
Importa notar que, então subscrito pelos dois destacados marxistas norte-americanos e
editorialistas, P. SWEEZY e H. MAGDOFF - declarados “estagnacionistas” e
“subconsumistas” -, o instrutivo e recente texto prossegue:
Por suposto, no epicentro dessa nossa discussão está o marxismo de Lênin. Com
inevitáveis apelos às citações de variadas obras clássicas, acerca da dinâmica capitalista;
e, porventura, fazendo-se certas e necessárias analogias de seus vínculos com
fenômenos econômico-sociais à época da globalização neoliberal-financeira.
164
Ver: “Da má tradução à má interpretação”, em: http://www.monthlyreview.org/nfte0104.htm
112
166
Mais ainda, MARX , parecendo ter perdido a paciência contra os
catastrofistas, sublinha: se existe uma sobredeterminação no modo de produção
capitalista, uma lei, esta,
165
Ver: “Grundissse. Manuscritos econômicos de 1857-1858. Esboço da crítica da economia política”,
São Paulo, Boitempo/Ed. UFRJ, 2011, p. 583.
166
Ver: “Capítulo inédito D’o Capital - resultados do processo de produção imediato”, de K. Marx,
Porto, Publicações Escorpião, dezembro de 1975, p. 45.
167
Ver: “Elementos fundamentales para la crítica de la economía política (borrador) 1857-1858”, vol.
1, México, Siglo Veinteuno editores s.a., 1971, p. 362.
113
Idêntica a trilha seguida por LÊNIN (1897), desta feita aludindo ao primeiro
aspecto dessa formulação de Marx - após poderosa interpretação em rechaço à visão
“subconsumista” com produtora das crises capitalistas, pelo “romanticismo” econômico
russo -, e pondo os pingos nos is sobre a configuração contraditória da dinâmica da
produção capitalista:
“Evidentemente, não. Reconhece plenamente este fato, mas assinala o lugar subalterno
que lhe corresponde, como um fato concernente a um setor da produção capitalista”
(idem, 1974, p. 99).
teóricos causados pelos nexos de tais teses, ontem e hoje. Vejamos aspectos centrais da
problemática e alguma correlação com o debate sobre questões hodiernas e enquadradas
no enfoque leninista.
169
Ver: “Teoria do desenvolvimento capitalista. Princípios de economia política”, P. Sweezy, Rio de
janeiro Zahar, 1973, p. 165, 3ª edição. Ver também a crítica da relação feita por Sweezy entre a
desproporção geral produção/consumo; a afirmação sobre a inexistência de uma teoria explícita sobre as
crises capitalistas, em Marx; e sua interpretação sobre a completa irrelevância de Lei da Tendência de
queda da taxa de lucro, de Marx, em: L. G. BELLUZZO, no estudo “Valor e capitalismo: um ensaio de
economia política”, Campinas, IE/Unicamp, 1998, pp.122-129, 3ª edição.
170
Ver o estudo importante de Jorge MIGLIOLI, “Acumulação de capital e demanda efetiva” (São
Paulo, Hucitec, 2004, p. 126, 2ª edição), onde encontra-se que esta concepção de Kalecki sobre a
determinação dos lucros já havia sido “sugerida por Marx”. A propósito, interessa observar que Miglioli
também considera que “Marx não apenas levantava o problema da realização (ou demanda efetiva) no
processo de reprodução como também lhe atribuía grande importância” (idem, p. 31).
115
171
Lênin, Op. cit., 1982, p. 26.
116
172
Ver: “Instabilidade capitalista e demanda efetiva (a razão de Kalecki)”, BRAGA, J.C.S., Revista de
Economia Política, Vol. 3, nº3, São Paulo, julho/setembro/1983. Nas palavras de J.C.S. Braga (1983, p.
37-38), “um desenvolvimento econômico vigoroso, e por isso marcado de instabilidades estruturais, no
curso das quais emerge uma crise que resulta numa trajetória estagnacionista, cuja reversão não é
automaticamente determinada pelo mercado (...), redunda em mutações estruturais (...), em ‘revoluções
tecnológicas’”, aonde vão se alterando as propriedades fundamentais desse modo de produção”. Também
A. C. MACEDO E SILVA, em exaustivo trabalho sobre as tendências e desempenho da economia
mundial afirma: “Uma das poucas regras gerais que se aplicam à economia global é esta: a economia
global se expande; mais bens, mais serviços, mais trabalho. (...). De lá [Grande Depressão de 1929-33]
para cá, o mundo tem crescido, ano após ano. O ritmo do crescimento, no entanto, varia de forma
importante. Além disso, nem sempre o que vale para o todo vale para suas partes: economias nacionais
estão sujeitas a períodos, às vezes prolongados, de contração ou estagnação em termos de produto e
emprego” (ver: “A montanha em movimento: uma notícia sobre as transformações recentes da economia
global”, em: Política Econômica em Foco - Boletim nº 07, Campinas, CECON/Unicamp,
nov.2005/abr.2006, p. 42.). Sobre a- o sentido da instabilidade sistêmica pós-crise, ver: ALMEIDA
FILHO e PAULANI, 2011, pp. 268-70.
174
Ver: “Os anos de chumbo. Economia e política internacional no entreguerras”, F. Mazzucchelli,
Facamp\Campinas, 2009, pp. 190-192. O período é enfaticamente definido pelo autor como de
“crescimento eufórico” (p. 190); “crescimento excepcional” (p.192).
118
que vai até 1973, aproximadamente, ficou conhecido como a chamada “Era de ouro”, ou
os “trinta gloriosos” da história do capitalismo moderno. Nesse longo e “atípico”
período, as taxas médias de crescimento da economia mundial alcançaram 4,9% a.a.
Mais adiante, mesmo após a grande crise 1981-3, também iniciada com forte
recessão nos EUA, mas irradiada pelo impacto da abrupta subida da taxa básica de juros
em 1979, a economia dos países centrais voltou a crescer, como mostra o quadro abaixo
com a variação real do PNB/PIB.
175
Em: “Desajuste global e modernização conservadora”, M.C. TAVARES e J. L. FIORI, Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1993.
176
Dados em: BIS (Banco de Compensações Internacionais, 2007), em:
https://www.bis.org/publ/arpdf/ar2007s2.pdf (gráfico pág. 13). E em: “Leste europeu cresce, mas sob
119
177
Porquanto, a definição atualizada do conceito encontra-se em “Qual conceito de financeirização
compreende o capitalismo contemporâneo?”, de J.C. BRAGA, em: “A grande crise capitalista
contemporânea: gênese, conexões e tendências”, BARROSO, A.S., SOUZA, R., São Paulo, Anita
Garibaldi/Fundação Maurício Grabois, 2013. François Chesnais, em sua distinta interpretação, apresenta
um debate extenso dobre o que denomina de “A teoria do regime de acumulação financeirizado”, Revista
Economia e Sociedade, Campinas Unicamp/IE, janeiro/junho 2002.
120
178
Ver: “Financeirização global. O padrão sistêmico de riqueza no capitalismo contemporâneo”, J.C.
Braga, em: “Poder e Dinheiro. Uma economia política da globalização”, TAVARES, M e FIORI,
J.(Orgs.), Rio de janeiro, Vozes, 1997, 2ª edição.
121
capitalismo. Desse modo, aspectos atuais das ideias de Lênin acerca do protagonismo
hegemônico (e transformações) do capital financeiro situam-se nesse universo da
referida “financeirização” da riqueza.
179
Ver o original em: https://monthlyreview.org/2006/11/01/the-explosion-of-debt-and-speculation/, F.
Magdoff.
180
Ver o original em: https://monthlyreview.org/2007/04/01/the-financialization-of-capitalism/ , J.B.
Foster. p.1. Sobre erros crassos semelhantes, ver também “O capital monopolista-financeiro”, de J. B.
Foster, Monthly Review, 12/2006, pp. 1, 3, 5 e 10, original em:
https://monthlyreview.org/2006/12/01/monopoly-finance-capital/
122
Pior ainda: há burla intelectual da parte de Foster. Quem, no mesmo texto (p.2),
imputa às teses estagnacionistas de SWEEZY e BARAN – desde o “Capitalismo
monopolista”, dizem estes -, a influência do “arcabouço (ou arquitetura) teórico”
(“theoretical framework”) do polonês Michal KALECKI, e do economista austríaco
Josef STEINDL – que seriam seus inspiradores da tese “estagnação” capitalista. Aqui é
simplesmente o que se chama de duas mentiras cabeludas, na medida em que omitem e
distorcem deliberadamente a evolução do pensamento desses autores. Vejamos isto
agora.
E ainda, explicitando sua visão de que a ‘tendência’ tanto pode ser para o
ciclo quanto para a flutuação, diz KALECKI noutro estudo:
“De fato, a tendência de longo prazo nada mais é do que um componente vagarosamente
mutável de uma cadeia de situações de curto prazo; ela não tem uma existência independente e
as duas relações básicas... devem ser formuladas de modo a dar como resultado o fenômeno da
tendência junta com o ciclo econômico” (Kalecki, Apud BRAGA, Op. cit.,1983, p. 25).
181
Ver: “Tendência e ciclo econômico”, M. Kalecki, em: “Crescimento e ciclo das economias
capitalistas”, São Paulo, Hucitec, 1983, 2ª edição, pp. 105-6. O artigo é datado de 1968, publicado
originalmente em “Economic Journal”.
123
americano.” [Com uma nova Introdução do autor], J. Steindel, Os economistas, São Paulo,
Nova Cultural, p. XVI. Ver também a carta de J. M. KEYNES a John HOBSON, dissertando seu
princípio da “demanda efetiva” (realização capitalista), como sendo independente, em qualquer sentido,
de uma suposta insuficiência de consumo, ou, ao revés, de um hipotético “excesso” de poupança, em: L.
BELLUZZO e M. C. TAVARES, “Ainda a controvérsia sobre a demanda efetiva: uma pequena
intervenção”. Revista de Economia Política, 1 (3), julho-setembro.1981, p. 110).
124
Considerações finais
O gráfico atualizado abaixo, com dados bem recentes do FMI (Fundo Monetário
Internacional), uma demonstração empírica e projeções da economia global, revela um
crescimento global da atividade econômica se recuperando, com o crescimento mundial
estimado em 3,7% (2017). Melhores resultados que as projeções aparecem na zona do
euro, Japão, Ásia emergente, Europa emergente e Rússia, e abaixo das expectativas do
Fundo nos Estados Unidos e o Reino Unido. “Mas – diz o mesmo relatório - a
recuperação não está completa: enquanto a perspectiva da linha de base está se
fortalecendo, o crescimento continua fraco em muitos países e a inflação está abaixo da
meta na maioria das economias avançadas”.183
Assim, uma vista nesses dados deve nos remeter a ideia-força que foi sustentada
neste Capítulo 4: a economia do capitalismo neoliberal, após a debacle, a estagnação e
a desaceleração, voltou, mais uma vez, a se reanimar, oscilantemente, ainda que tenha
agravado seus impasses estruturais.
183
Em: https://www.imf.org/en/Publications/WEO/Issues/2017/09/19/world-economic-outlook-october-
2017
125
O que também pode ser visto – mais uma vez, empiricamente – nos gráficos
abaixo, do ponto de vista de um panorama da evolução da renda per capita, bem como
ao se observar as flutuações que se representariam (como sempre) em tendências
projetadas.184 Atualizados, revelam a franca evolução do crescimento do PIB/PPC,
notadamente da China frente ao mundo. Apresenta-se a projeção para 2020 do PIB per
Capita de países na fatia da economia mundial. E aponta estagnação continuada nos
países da zona do euro e Japão, assim como maior crescimento nos EUA, e baixo
crescimento no Reino Unido.
184
Os gráficos encontram-se em: WOLF, M., op. cit., 2017
(https://medium.com/funda%C3%A7%C3%A3o-fhc/martin-wolf-grandes-tend%C3%AAncias-da-
economia-global-em-9-gr%C3%A1ficos-5a5987405a96); em Salvador Arias, Carta Económica: “Para
dónde va la Economía Mundial y el Capitalismo (Parte I”, elaboração de Salvador Arías (Unam-
México),
2017;ver:https://www.google.com/search?q=Salvador+Arias+carta+econ%C3%B3mica+para+donde+va
+la+economia+mundial+del+capitalismo&tbm=isch&source=iu&ictx=1&fir=uoUxFfjK2h2oRM%253A
%252Cnpjk82HfyFP3M%252C_&usg=AFrqEzdM4JChCJg9mqqsqN8eD3UceEp_rQ&sa=X&ved=2ahU
KEwim3v2J_MHdAhUDiIsKHZ6gD3YQ9QEwAXoECAYQBA#imgrc=uoUxFfjK2h2oRM
185
Ver: “Como mudar o mundo. Marx e o marxismo 1840-2011”. São Paulo, Companhia das Letras,
2011, p. 20.
128
CONCLUSÕES
Esta pesquisa indicou preliminarmente que a grande crise capitalista iniciada em 2007-8
se instaurou abruptamente como uma depressão, e não simplesmente como uma “grande
recessão”. Este mergulho profundo, que se irradia dos EUA em agosto de 2007, vai ao
fundo em 2008, prolonga-se efetivamente até o final de 2009, ano este em que, como já
registramos, o próprio Wolrd Economic and Financial Surveys do FMI considera ter
havido uma “contração global” de 1,3%.
Insistindo mais uma vez nesse ponto nodal, é na interpretação dialética de MARX que
se pode apreender melhor o conceito de depressão, sem “fetiches”, vale dizer, sem
nublar ou reduzir fenômeno a uma relativização desfiguradora de sua incidência
emblemática nesse capitalismo pós-crise 2007-8.187
186
Ver: “A economia política da grande depressão”, J. Choonara, 2018; em:
https://eleuterioprado.files.wordpress.com/2018/05/a-economia-polc3adtica-da-grande-depressc3a3o.pdf
187
Note-se: no capítulo XII do vol. 1 do Livro 1 de “O capital”, examinando episódios de crise e
crescimento que se arrastaram no ascenso da indústria inglesa, Marx denomina de depressão a crise
ocorrida na Inglaterra de 1815 a 1821; depressão em 1822 e prosperidade em1823; grande expansão das
fábricas e abolição das leis contar os sindicatos; em 1825 crise; em 1826 “grande miséria e revolta entre
os trabalhadores”; em 1835 “grande prosperidade”. Ao mesmo tempo “os tecelões morrem de fome”; em
1837 e 1838 “depressão e crise”. E prossegue ele minuciosamente a investigar anos a fio. Ver: Marx, Op.
cit., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, pp.520-1.
129
nos EUA -, para caracterizar a brutal concentração de renda e riqueza no último andar
da pirâmide.
Como assim, sociedade do 1%? Nos Estados Unidos, pesquisa de Thomas PIKETTY
revela que, nos últimos 30 anos, a renda dos 50% mais pobres permaneceu inalterada,
enquanto a do 1% mais rico aumentou 300%; em 2017 oito homens detêm a mesma
riqueza que a metade mais pobre do mundo.188
Grande crise que posteriormente levou a uma persistente estagnação na zona do euro, e
prolongou-a no Japão. Crise por sobre a qual M. AGLIETTA189 viu, a seguir, uma
“desaceleração americana” (2015), onde se lhe acrescenta o já constatado problema
estrutural da queda da produtividade nesse país. Crise que ensejou uma forte
desaceleração da economia chinesa, que passou de um crescimento de 10, 4% % do PIB
(Produto Interno Bruto), entre 2000-2008, para 6,8% em 2017.
188
Em: https://www.oxfam.org.br/sites/default/files/economia_para_99-relatorio_completo.pdf
189
Ver: “La desaceleración estadonidense”, M. Aglietta, 2016; em:
file:///C:/Users/s.barroso/Downloads/Michel%20Aglietta,%20La%20desaceleracin%20estadounidense,%
20NLR%20100,%20July-August%202016%20(1).pdf
190
Ver: “A teoria do desenvolvimento econômico”, J. Schumpeter, São Paulo, Abril Cultural, Os
Economistas, 1982, p. 86.
191
Ver: “A teoria geral do emprego, do juro e da moeda”, J.M. Keynes, São Paulo, Os Economistas,
Editora Nova Cultural Ltda., 1996, Cap. 24, pp. 343-44.
130
De outra parte, como vimos (Caps.2 e 3), segundo o FMI, por volta de meados de 2017 a
economia capitalista considerada desenvolvida passa apresentar um movimento de
retomada do crescimento (3,7%), nos EUA (2,3%), na zona do euro (2,4%) e mais baixo
no Japão (1,8%). Evidentemente que o crescimento global se deveu ainda amplamente
dos países rotulados de emergentes e em desenvolvimento (4,7%), e muito especialmente
ao da China (6,8%) e da Índia (6,7%). Em 2017, a CEPAL (Comissão Econômica para a
América Latina e o Caribe) revisou a taxa para 1,2% o crescimento dessa região.195
Analisando-se as políticas levadas a cabo com resposta pelos bancos centrais das
economias mais desenvolvidas constata-se que passou a ser consensual o fato de a
capacidade das políticas monetárias “heterodoxas” (“não convencionais”) enfrentar a
próxima tempestade financeira é nula ou quase isso. Isso após as injeções trilionárias para
salvar a banca e superendividar os Estados, depois de juros baixíssimos ou zero, da
expansão quantitativa (QE, que em 2018 ainda persiste sob o Banco Central Europeu -
BCE), da intensa pressão deflacionária não equacionada, dos bancos privados europeus
continuarem carregados de títulos “podres” e fortemente endividados, assim como da
persistência de baixas taxas do investimento notadamente nos países desenvolvidos.
“Bolhas” hiperinfladas agora sobrevoam as Bolsas de Valores do planeta a alarmar
novamente os corifeus do dinheiro.
195
Em: https://www.cepal.org/sites/default/files/pr/files/tabla-pib_ee2017_esp.pdf
196
No último Fórum Econômico Mundial (2018), o mesmo anti-keneysiano fanático K. ROGOFF
afirmou explicitamente: os bancos centrais “não têm sequer um plano A” para enfrentar uma nova
132
Noutros vieses, a tese da chegada dos “limites históricos” do capitalismo tem que ser -
mais uma vez - confrontada à capacidade autotransformadora das bases do progresso
técnico do modo de produção capitalista, na atualidade decisivamente impactada pela 4ª
Revolução Industrial. Também porque, essas novas transfigurações estão sim a elevar o
capitalismo do paroxismo financeiro como um “modo de ser” (“ontológico”); a engendrar
um novo estágio de configuração da lei de concentração e centralização, simultaneamente
a um horizonte de instabilidade e incerteza igualmente novo.197Ou seja, a ultra
concentração do capital associada à financeirização, e amplo domínio acionário de
oligopólios ou monopólios de alta tecnologia conjuga-se aos novos fenômenos
Assim, os dez anos que separaram o início da grande crise 2007-8 a meados de 2017
serviram de espécie de incubadora para nova (e paulatina) transfiguração sistêmica do
capitalismo – ou para outra metamorfose “larvar”. Ainda padecendo de significativo
bloqueio à destruição\desvalorização de capitais que abarrotam grandes bancos centrais
e privados na forma de capital fictício, a devastação social que a acompanhou tem seu
maior signo na ampliação generalizada das desigualdades sociais.
Plausível, de outra parte, assim assinalar o desígnio duma “criação destruidora” como
integrante de uma epistemologia do capitalismo hodierno, na medida em que a aliança
entre a financeirização universal fundada no capital fictício\portador de juros, com
“robôs armados”, metaforizariam a sociedade das formas mais avançadas (ou
desenvolvidas) do regime do capital.
198
Novo relatório do Fórum Econômico Mundial (2018) revela que a Inteligência Artificial: (i) está
mudando fundamentalmente a física dos serviços financeiros; (ii) denominado agora de “ecossistema
financeiro”, considera-se que todas as instituições entraram em feroz concorrência pela diversidade
dados, onde o gerenciamento de parcerias com concorrentes e potenciais concorrentes será crítico, “mas
repleto de riscos estratégicos e operacionais”; (iii) a IA irá “provocar rupturas na indústria” ao permitir
que quem a possua mais rapidamente supere estrategicamente os seus competidores (automação
eletrônica de serviços “em nuvem”, algoritmos com introdução de novos “ciber-riscos”). Em:
https://www.weforum.org/reports/the-new-physics-of-financial-services-how-artificial-intelligence-is-
transforming-the-financial-ecosystem
199
Ver: Belluzzo, L., Op. Cit., 2018, p. 237.
134
200
Colonialismo, transição, declínio e neocolonialismo em: MARX. Op. cit.,1984, Capítulo XXV;
ARRIGHI, G., 2008, pp. 202-220, p. 392; FERGUSSON, N., 2007;2011;2012; LOSURDO, D., 2018, pp.
186-190, pp.206-213.
201
Em nossa dissertação de Mestrado (2003) já criticávamos a infeliz ideia – mas nem de longe ingênua –
de I. WALLERSTEIN, datando para “2025 ou 2040” o fim do capitalismo; as opiniões cerca do “colapso
terminal” do capitalismo, similarmente as de G. ARRIGHI e as de R KURZ. Ver:
file:///C:/Users/S%C3%A9rgio/Downloads/Barroso_AloisioSergioRocha_M.pdf
135
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graficos-as-grandes-transformacoes-na-economia-global.shtml
APÊNDICE
SUMÁRIO
1) BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello
136
2) MANDEL, Ernest
136
3) SHAIK, Anwar
136
4) ALTVATER, Elmar:
136
5) MAZZUCCHELLI, Frederico
137
6) MOFFITT, Michael:
137
8) LIPIETZ, Alain
137
9) ALTVATER, Elmar
138
139
1) BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello, TAVARES, Maria 2) MANDEL, Ernest: “O capitalismo tardio”, Rio de
da Conceição: “Capital financeiro e empresa multinacional”. Janeiro, Abril Cultural, Os Economistas, 1982[1972], p.74-
In: Revista Temas, nº 9, pp. 113-124, 1980. 75.
“A grande empresa americana constrói seu o poder “Os movimentos ascendente e descendente da acumulação
monopolista sobre o caráter intrinsecamente financeiro da de capital no decorrer do ciclo econômico podem ser
associação capitalista que lhe deu origem. É desta dimensão, caracterizadas da maneira apresentada a seguir. Num
mais do que da base técnica, que deriva a capacidade de período de oscilação ascendente, há um acréscimo tanto na
crescimento e de gigantismo da organização capitalista massa quanto na taxa de lucros, e um aumento tanto no
‘trustificada’. Conquista de novos mercados, controle volume quanto no ritmo da acumulação. Ao contrário, numa
monopolista dede fontes de matérias-primas, valorização crise e no período subsequente de depressão, a massa e a
fictícia do capital, tendência irrefreável à conglomeração, tudo taxa de lucros declinarão, e o mesmo acontecerá ao volume
isso está inscrito na matriz originária da grande corporação e ao ritmo da acumulação de capital. O ciclo econômico
americana. E esta se desenvolve apoiada em dois pilares: a consiste, assim, na aceleração e desaceleração sucessivas da
finança e o protecionismo e privilégios concedidos por seu acumulação.
Estado ‘liberal’”.
[...] Durante a fase de oscilação ascendente, a acumulação
de capital se acelera. Todavia, quando esse movimento
atinge determinado ponto, torna-se difícil assegurar a
valorização da massa de capital acumulado; a queda na taxa
de lucros é o indício mais claro dessa linha divisória. A ideia
da superacumulação refere uma situação em que uma
parcela do capital acumulado só pode ser investida a uma
taxa de lucros inadequada, e, em proporção crescente,
apenas a uma taxa declinante de juros. O conceito de
superacumulação não é jamais absoluto, mas sempre
relativo: não há nunca capital em ‘demasia’, em termos
absolutos; há muito capital em disponibilidade para que se
atinja a taxa média de lucros esperada”.
3) SHAIK, Anwar: “Uma história das teorias das crises”, in: 4) ALTVATER, Elmar: “O capitalismo em vias de
172
Ensaios FEE, Porto Alegre, 1983, (5-45), pp.8 e 13. recuperação? Sobre teorias da ‘Onda Longa’ e dos
‘Estágios’”, in: Ensaios, FEE, Porta Alegre, 3(2) 5-30,
“É importante notar que, na teoria ortodoxa, um ciclo não é 1983, pp.10-11.
uma crise. Para ser consistente com a estrutura teórica global,
os ciclos têm de ser vistos como sendo essencialmente “Não é nada surpreendente o fato de que, dede meados dos
“pequenas flutuações”, variações de seguida ordem, as quais, anos 70, isto é, desde o fim do período de prosperidade do
numa primeira aproximação, podem ser negadas pós-guerra, tenha ressurgido o interesse pela s teorias das
justificadamente. Dessa forma, a natureza cíclica do processo ‘ondas longas’ da conjuntura. Estas teorias, com sua longa
de ajustamento não representa um limite á habilidade do tradição desde van Gelderen, ´passando por Trotzki,
sistema de se reproduzir. Kondratieff (1972) e Schumpeter (1961) até Forretser
(1977), Wallerstein (1979), Mandel (1972, 1979) ou
[...] Ciclos de expansão e retração não são estranhos à história Kleinknecht (1980), tanto afirmam ter uma explicação para
do capitalismo. Entretanto, ao mesmo tempo, o estudo da as causas de recuperação dos últimos 34 anos e para as
História mostra claramente que esses ciclos são causas de transição à crise quanto afirmam saber aas
acompanhados por um tremendo crescimento secular nas condições nas quais haveria uma saída da recessão atual.
atuais economias capitalistas - fato este que contrasta com o
capitalismo intrinsecamente estagnante, subentendido na [...] À primeira vista, um paradigma teórico não ganha
lógica subconsumista. Invariavelmente, portanto, as teorias de prestígio quando uma década inteira pode ser interpretada
subconsumo tinham que recorrer a fatores exógenos para através dele de maneiras diferentes ou até opostas. Mas isto
explicarem esse contraste acentuado entre a História e a deve-se à escolha dos indicadores e, ‘last but not least’, à
teoria. Nas duas próximas seções, que tratam, importância fundamental do enfoque crítico-pessimista ou
respectivamente, da história da teoria de subconsumo pré- afirmativo-otimista do autor, à sua ‘cosmovisão’
Marx e pós-Marx, veremos a posição importante que esses [Weltanschanuung], como escreve Wallerstein. Se, contudo,
elementos externos ocupam. considerarmos a periodização das ‘ondas longas’ dos
últimos 200 anos por parte de diferentes autores, podemos
constatar a existência de um consenso básico, pelo menos
com relação às grandes depressões na história do
capitalismo: a primeira grande depressão do
desenvolvimento industrial-capitalista inicia nos anos 20 do
século passado e passa, na segunda metade dos anos 30,
para uma nova fase de recuperação; a segunda grande
depressão inicia nos anos 70 e dura até o início dos anos 90;
e a terceira grande depressão não pode ser datada
univocamente, devido às duas guerras mundiais e à mudança
radical das estruturas do mercado mundial e devido ao
surgimento da União Soviética depois de 1917, mas seu
apogeu está, sem dúvida, na grande crise de 1929”.
“A ‘dimensão financeira’ do capitalismo monopolista inclui, “Uma dramática transformação da atividade bancária
por fim, a própria forma de organização da grande empresa internacional ocorreu ao longo da última década. Contudo,
capitalista. Esta, como observamos, mesmo quando as mudanças nos próximos dez anos podem ter um alcance
dominantemente vinculada a atividades produtivas, é forçada ainda maior. As mudanças desejadas pelos banqueiros
a uma especialização financeira de maneira a assegurara implicam na abolição das principais restrições aos bancos
mobilização do capital de terceiros, o alargamento da norte-americanos. Muitos banqueiros dizem que se isso
estrutura de aplicações e a administração combinada do acontecer haverá uma revolução nas instituições financeiras
conjunto de suas operações. Na verdade, a formação e o dos Estados Unidos”.
crescimento das grandes unidades capitalistas é correlata a
progressiva diversificação de estrutura das suas posições
passivas e ativas, a qual, combinada à própria escala das
173
7) MACARINI, José Pedro: “Crise e política econômica nos 8) LIPIETZ, Alain: “Por detrás da crise: a tendência à
Estados Unidos: 1977-1984”, Campinas, Instituto de queda da taxa de lucro; a contribuição de alguns trabalhos
Economia/Unicamp, 2007, pp. 145-145. franceses recentes”, in: Teoria sobre as crises. Questões de
economia política, Revista semestral do CEDE – ano 2, nº3,
“A eleições de Reagan em novembro de 1980 assinala a plena Porto Alegre, Centro de Estudos e Debates de Economia
explicitação da hegemonia do ideário conservador na Política, Mercado Aberto, 1986, p.26.
formulação de política econômica. É verdade que, soba “O final dos anos 60 em todos os grandes países industriais
liderança de Carter, o liberalismo centrista que dominou a é marcado por um esgotamento da contratendência à queda
política americana no pós-guerra desde o início exibiu um da taxa de lucro: a produtividade na seção 2 desacelera-se,
provocando em certos países uma elevação do valor da
viés conservador e ao final de sua presidência parecia mesmo força de trabalho; a produtividade aparente do capital
ter perdido completamente seus laços originais. (...) Mas é diminui por muitos países, o que se traduz por uma
igualmente verdadeiro que a liderança de Reagan, à frente de elevação da composição orgânica.
uma coalizão política inequivocamente conservadora,
Estes dois fatores engendram uma queda na lucratividade do
introduz aspectos novos no movimento da política econômica,
capital, aquilo que Marx chama de ‘superacumulação
os quais devem ser devidamente apreciados – e descortina
relativa’: o novo capital engajado produz cada vez menos
redirecionamento da política norte-americana, há muito em
mais-valia”.
gestação, que a presidência Democrata se não chegava a
ocultar no mínimo se prestava à confusão”.
9) ALTVATER, Elmar: “A crise de 1929 e o debate 10) TAVARES, Maria da Conceição: “Ajuste e
marxista sobre a teoria da crise”, in: História do marxismo. reestruturação nos países centrais: a modernização
O marxismo na época da terceira internacional: o novo conservadora”. In: Economia e Sociedade, nº 1, Campinas,
capitalismo, o imperialismo, o terceiro mundo, Hobsbawm, Unicamp/IE, agosto 1992, p.44.
E., (org.), v. 8, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987, 2ª edição,
p.131. As políticas de liberalização cambial e financeira
reorganizaram radicalmente os mercados financeiros em
“De uma forma ou de outra, as teorias por nós examinadas se direção à globalização, diversificação e rivalidade dos
revelam teorias do colapso ou ainda teorias sobre a ausência centros e instrumentos bancários. Globalização dos
de saída para o desenvolvimento capitalista. O capitalismo, mercados financeiros e o alto grau de endividamento do
Tesouro da maioria dos países retiraram a capacidade de
porém, encontrou uma saída, sem que constituísse um expansão autônoma, inclusive e particularmente do Fed.
problema o fato de que assim se abrisse um processo atroz de
destruição, que até hoje permanece sem para na história. Se, [...] A liberalização financeira da década de 80 resultou
nos anos 80, é possível buscara carências nas teorias da crise num aumento da rivalidade interbancária internacional,
dos anos 20 e 30, trata-se então de não partir mais do provocando deslocamentos nas posições de liderança dos
pressuposto de que o capitalismo seja um beco sem saída, principais bancos transnacionais”.
mas sim do de sua capacidade mortal de regeneração, contra
o qual é preciso encontrar meios diferentes dos que foram
elaborados pelas organizações políticas do movimento
174
11) BRAGA, José Carlos de Souza: “A financeirização da 12) CARDOSO DE MELLO, João Manuel: “A contra
riqueza: a macroestrutura financeira e a nova dinâmica dos revolução liberal-conservadora e a tradição crítica latino-
capitalismos centrais”, in: Economia e Sociedade, Campinas, americana. Um prólogo em homenagem a Celso Furtado”.
nº 2, agosto/1993, pp.47-48. In: Poder e Dinheiro. Uma economia política da
globalização, Tavares, M.C., Fiori, J.L.(orgs.), Petrópolis,
“Finalmente, compreende-se que em face da financeirização Vozes, 1997, 2ª edição, pp. 21 e 23.
e da correspondente macroestrutura internacionalizada, que
perpassa os países, o capitalismo central não é mais o “A reestruturação capitalista levou a contra-revolução
‘capitalismo industrial’ em que, na ausência de crise, e o liberal-conservadora desencadeada pela mundialização do
empresário inovador capta crédito, avança gastos produtivos, capital. Desemprego estrutural, heterogeneidade social,
compra força de trabalho, vende a produção, realiza lucros e dualidade no mercado de trabalho, decadência de regiões
tudo recomeça com vistas à produção, resultado na inteiras e desintegração industrial entronizaram a periferia
reprodução ampliada da renda e na reprodução global do nos países centrais.
sistema. Ao contrário, no capitalismo atual, em particular
desde o fim dos anos 60, guardadas as diferentes [...] Tudo se passa como se as tendências fundamentais do
temporalidades nacionais, os grupos empresariais – capitalismo reemergissem com intensidade redobrada. O
verdadeiras corporações capitalistas – atuam desenvolvimento monstruoso do capital financeiro revelou
simultaneamente, pela riqueza financeirizada e pela
produção, engendrando, intermitentemente, as instabilidades uma verdade incontestável: o capitalismo é um regime de
oriundas da contradição entre realização de renda (produto) e produção orientado para a busca da riqueza abstrata, da
de capitalização financeira. E, ademais, deixando o sistema, riqueza em geral expressa pelo dinheiro”.
neste processo, como que permanentemente m crise, ou
melhor, à beira da crise.
13) MINSKY, Hyman Paul: “Integração financeira e política 14) ARRIGHI, Giovanni: “O longo século XX. Dinheiro,
monetária”, in: Economia e Sociedade, Campinas, nº 3, poder e as origens do nosso tempo”, São Paulo, UNESP,
dezembro 1994, p.21. 1996, p.89.
“Um dos elementos centrais da hipótese de instabilidade “Nossa sucessão de ciclos sistêmicos de acumulação
financeira: uma economia capitalista que opere sem restrições constitui, de fato, ‘uma série de elevações’, sendo cada uma
e que possua um sistema financeiro sofisticado, complexo e resultante das atividades de um complexo particular de
em contínua evolução, apresenta períodos de estabilidade e agentes governamentais e empresariais, dotados da
períodos de comportamentos turbulento e até mesmo caótico. capacidade de levar a expansão da economia capitalista
Combinações de restrições ao caos criam um novo regime de mundial um passo além do que podiam ou queriam fazer os
estabilidade que pode estabelecer-se com baixos níveis de promotores e organizadores da expansão precedente. Cada
atividade econômica, sendo provável a estagnação sucedendo passo adiante implica numa troca de guarda no alto
a turbulência. comando da economia mundial capitalista e uma
concomitante ‘revolução organizacional’ nos processos de
[...;] Esse novo regime de estabilidade pode estabelecer-se acumulação de capital – uma troca de guarda e uma
com baixos níveis de atividade econômica: é provável que a revolução organizacional que, historicamente, sempre
estagnação caracterize a estabilidade que segue a ocorreram durante as fases de expansão financeira. Assim,
as expansões financeiras são vistas como anunciadoras, não
turbulência”. só da maturidade de um determinado estágio de
desenvolvimento de economias capitalista mundial, mas
também do início de um novo estágio.
15) BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello: “O declínio de 16) BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello: “Fim de
175
Bretton-Woods e a emergência dos mercados globalizados”, século”. In: Capitalismo – teoria e dinâmica atual, São
in: Economia e Sociedade, Campinas, nº 4, junho 1995, pp. Paulo em Perspectiva, v. 12, nº2, Revista da Fundação
15-16. SEADE, abrjun/1998, p.23.
“Foi sob o signo da desorganização financeira e monetária “A longa gestação do processo de globalização financeira
que se deu a formidável expansão do circuito financeiro foi, na verdade, resultado das políticas que buscaram
‘internacionalizado’, nos anos 70. A crise do sistema de enfrentar a desarticulação do bem sucedido arranjo
regulação de Bretton Woods, permitiu e estimulou o capitalista do pós-guerra.
surgimento das operações empréstimos/ depósitos que
escapavam ao controle dos bancos centrais. A fonte dessas As decisões políticas tomadas pelo governo americano, ante
operações foram certamente os dólares que excediam a a decomposição do sistema de Bretton Woods, já no final
demanda dos agentes econômicos e das autoridades dos anos 60, foram ampliando o espaço supranacional de
monetárias estrangeiras.
circulação do capital monetário. O poder dos mercados
[...] Nos anos 80, a ampliação dos dois déficits orçamentário financeiros desregulamentados tem como origem a
e comercial dos Estados Unidos foi um fator importante para recuperação do predomínio da alta finança nas hierarquias
dar um segundo impulso e uma nova direção ao processo de dos interesses que se digladiam no interior do estado
globalização financeira. Na prática, a ampliação dos plutocrático americano”.
mercados da dívida pública constituíram a base e sobre a qual
se assentou o desenvolvimento do processo de securitização.
Isto não apenas porque cresceu a participação dos títulos
americanos na formação da riqueza financeira demandada
pelos agentes privados americanos e de outros países, mas
também porque os papéis do governo dos Estados Unidos são
os produtos mais nobres e seguros does mercados integrados.
A expansão da posição devedora líquida norte-americana
permitiu o ajustamento, sem grandes traumas, das carteiras
dos bancos, na medida em que os créditos desvalorizados dos
países em desenvolvimento foram sendo substituídos por
dívida emitida pelo Tesouro Nacional dos Estados Unidos”.
17) BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello: Prefácio a 18) PLIHON, Dominique: “A ascensão das finanças
“Temporalidade da riqueza: teoria da dinâmica e especulativas”, in: Economia e Sociedade, Campinas, nº 5,
financeirização do capitalismo”, Braga, J.C.S., Campinas, dezembro 1995, p.61.
Unicamp/IE, 2000, pp. 24-25.
“A globalização financeira é a instauração de um mercado
“Ao invés de igualdade e simetria, temos hierarquia e unificado do dinheiro em âmbito planetário Isto significa
assimetria estrutural nas relações entre proprietários e que as empresas multinacionais industriais e financeiras
produtores diretos. Hierarquia de decisões e hierarquia de podem contratar empréstimos ou aplicar fundos sem limites
mercados. Phelps, em seu livro ‘Sete escolas de onde e quando queiram, usando todos os instrumentos
macroeconomia’, define a macroeconomia keynesiana como financeiros existentes”.
uma ‘economia de ativos’ em que as decisões quanto à posse
da riqueza – sob a forma de ativos reais e financeiros, novos
ou existentes, reprodutíveis ou não reprodutíveis –
determinam a trajetória da renda e do emprego.
Independentemente das transformações ‘institucionais’ que a
economia monetária da produção – o regime do capital –
possa sofrer em suas configurações históricas, não há como
escapar da função ‘reguladora’ dos mercados que avaliam os
direitos de apropriação da renda e da riqueza, estabelecendo
as condições em que se organiza e se efetua o processo de
valorização na esfera produtiva. Braga mostra que, ‘do ponto
de vista teórico, no centro deste padrão de riqueza está o
capital a juros, venha ele da grande corporação industrial ou
comercial, dos bancos, dos donos das terras, dos investidores
institucionais, das poupanças financeiras pessoais. O juro
sobre o dinheiro deve rigorosamente ser compreendido como
uma manifestação do capital enquanto pura propriedade,
enquanto mercadoria plena... cujo objetivo último não é a
troca de mercadorias por mercadorias, mas sim o circuito
dinheiro-mercadoria-dinheiro’”.
176
19) PLIHON, Dominique: “Desequilíbrios mundiais e 20) COUTINHO, Luciano: “Notas sobre a natureza da
instabilidade financeira (A responsabilidade das políticas globalização”, in: Economia e Sociedade, Campinas, nº 4,
liberais: um ponto de vista keneysiano)”, in: Economia e junho 1995, p. 25.
Sociedade, Campinas, n° 7, dez./1996, p. 95-96.
“Sob paridades cambiais flutuantes e ausência de um
“O encadeamento déficit público/globalização financeira standard confiável a instabilidade é inevitável e
estoura a partir dos EUA, que passa de equilíbrio ao déficit permanente. A elevada mobilidade dos capitais financeiros,
em 1983. O recurso massivo dos EUA ao endividamento expressa na enorme magnitude das transações cambiais,
internacional acarretou uma modificação profunda na amplia esta instabilidade e trona irresistível a especulação
reorientação dos movimentos internacionais de capital entre por parte de vários agentes líquidos, propensas ao risco. Ao
grandes regiões da economia mundial: emerge o processo da resto do sistema, frente à imprevisibilidade e à violência
globalização financeira”. potencial da especulação, não resta senão a prática
sistemática do hedge que se manifesta no formidável
crescimento do mercado de derivativos”.
21) CANUTO, Otaviano, LAPLANE, Mariano: 22) CHESNAIS, François: “A globalização e o curso do
“Especulação e instabilidade na globalização financeira”, capitalismo de fim de século”. In: Economia e Sociedade,
in: Economia e Sociedade, Campinas, n° 5, dez./1995, p.53. nº 5, Campinas, Unicamp/IE, dezembro 1995, p.6.
“Nas últimas três décadas, as transformações na esfera “A mundialização do capital apresenta-se portanto com uma
produtiva das economias capitalistas desenvolvidas têm fase específica de um processo muito mais longo de
tendido mais a agravar do que limitar a instabilidade constituição do mercado mundial em primeiro lugar e,
financeira.
depois, de internacionalização do capital, primeiro sob sua
Os impulsos dinâmicos associados à generalização do padrão forma financeira e, em seguida, sob sua forma de produção
industrial dos países desenvolvidos, sob hegemonia norte- no exterior”.
americana apresentaram sinais claros de esgotamento, na
segunda metade dos anos 60. A atividade industrial nos
países desenvolvidos experimentou sucessivas retrações e
surtos de recuperação até os primeiros anos da década de 80.
A expansão foi vigorosa desde 1983 até o final da década.
Houve nova desaceleração a partir de 1990 e fraca
recuperação a partir de 1992”.
23) CHESNAIS, François: “A teoria do regime de 24) KREGEL, Jean: “Riscos e implicações da
acumulação financeirizado”, in: Economia e Sociedade, globalização financeira para a autonomia de políticas
Campinas, nº18, jan./jun. 2002, pp. 7-8;40. nacionais”, in: Economia e Sociedade, Campinas, n° 7,
dez./1996, pp. 44 e 47.
“O regime financeirizado é uma produção dos países
capitalistas mais avançados, mais precisamente dos Estados “A maior integração dos mercados financeiros
Unidos e do reino unido, onde as finanças tiveram seu internacionais aumentou o grau de interdependência - e
enraizamento mais profundo até a crise de 1929. Não é consequentemente o risco de incompatibilidade – entre as
mundializado no sentido de abranger o conjunto da economia
mundial numa totalidade sistêmica verdadeira. políticas monetárias e financeiras adotadas por diferentes
países. Isso ocasionou uma crescente instabilidade
[...] Doravante a superprodução está latente de modo financeira. A crescente integração financeira aumentou
contínuo, transformando-se em superprodução aberta a cada também a instabilidade associada a conflitos de políticas
grande choque financeiro”. nacionais”.
25) GUTTMANN, Robert: “A transformação do capital 26) COUTINHO, Luciano G., BELLUZZO, Luiz G. de
financeiro”. In: Economia e Sociedade, Campinas, Mello: “Desenvolvimento e estabilização sob finanças
Unicamp/IE, n° 7, dez./1996, pp.68-69. globalizadas”, in: Economia e Sociedade, Campinas, n° 7,
dez./1996, p. 12.
“O crescente envolvimento de bancos comerciais nos
mercados de capitais tem sido um fator crucial na dominação “Desde logo é conveniente lembrar que o processo de
emergente do capital fictício. globalização, sobretudo em sua dimensão financeira – de
longe a mais importante -, foi o resultado das políticas que
[...] O crescimento da especulação financeira foi mais buscaram enfrentar a desarticulação do arranjo bem
pronunciado nos mercados de câmbio globais, onde a sucedido do pós-guerra.
natureza de capital fictício da moeda creditícia alcançou a sua
As decisões políticas tomadas pelo governo americano, ante
mais alta expressão, mais do que em qualquer outra parte. a decomposição do sistema de Bretton Woods, foram
Após a introdução de taxas de câmbio determinadas pelo ampliando o espaço supranacional de circulação do capital
177
27) BRAGA, José Carlos de Souza: “Financeirização 28) MIRANDA, José Carlos: “Dinâmica financeira e
global. O padrão sistêmico de riqueza no capitalismo política macroeconômica”, in: Poder e Dinheiro. Uma
contemporâneo”, in: Poder e Dinheiro. Uma economia economia política da globalização, Tavares, M.C., Fiori,
política da globalização, Tavares, M.C., Fiori, J.L.(orgs.), J.L.(orgs.), Petrópolis, Vozes, 1997, 2ª edição, p. 269.
Petrópolis, Vozes, 1997, 2ª edição, p. 211
“A reprodução ampliada do capital faz-se hoje a partir de
“Em síntese, no período analisado, se organiza nos Estados sua forma mais abstrata, enquanto capital financeiro. Sua
Unidos um padrão de riqueza difundível internacionalmente representação são direitos a propriedades e a créditos. Os
em que estão presentes: 1) a mudança da natureza do sistema processos de desregulamentação financeira e de
monetário-financeiro com o declínio da moeda e dos liberalização das contas de capitais implicaram
depósitos bancários enquanto substrato do financiamentos, interdependência dos mercados de moedas e de finanças
substituídos pelos ativos que geram juros; 2) a securitização cujos instrumentos se sobrepõem e imbricam para todos os
que interconecta os mercados creditícios e de capitais; 3) a lados”.
tendência à formação de ‘conglomerados de serviços
financeiros’; 4) a intensificação da concorrência financeira/
5) a ampliação das funções financeiras no interior das
corporações produtivas/ 6) a transnacionalização de bancos e
empresas; 7) a variabilidade interdependente de taxas de
juros e de câmbio; 8) a déficit público financeiro
endogeneizado; 9) o banco central Market oriented; 10) a
permanência do dólar como moeda estratégica mundial”.
29) CINTRA, Marcos Antonio Macedo: “A montagem de 30) SERFATI, Claude: “O papel dos grupos
um novo regime monetário-financeiro nos Estados Unidos predominantemente industriais na financeirização da
1982-1994”, in: Transformações institucionais dos sistemas economia”, in: A mundialização financeira. Gênese, custos
financeiros – um estudo comparado, Cintra, M.A.M., Freitas, e riscos, Chesnais, F. (org.), São Paulo, Xamã, 1998, p.169.
M.C.P., São Paulo, FUNDAP/FAPESP, 1998, p. 185.
“Ao mesmo tempo em que Revue d’Économie Financière,
“A securitização é, portanto, o resultado de um duplo em 1988, questionava o lugar ocupado pelas finanças,
movimento: de um lado, os credores líquidos procuram evitar vários fatores destacam seu caráter parasitário. O
os passivos bancários; de outro lado, os devedores buscam os
mercados de capitais como alternativa mais baratas de crescimento potencial das operações ligadas à valorização
endividamento e capitalização. Como resultado, os bancos financeira do capital centralizado pelos grupos afeta,
transformam títulos não negociáveis em títulos negociáveis profundamente, o processo de formação do investimento
no mercado. produtivo. Parte significativa dos recursos é consagrada à
aquisição de títulos e à remuneração de outros (sob a forma
As hipotecas residenciais se tornaram as operações de de juros e dividendos). Esses recursos são financiados,
empréstimos securitizados mais comuns. As agências essencialmente, por uma porção do valor criado no ciclo
governamentais (Federal National Mortgage Association, produtivo, que se desenrola tanto nas filiais industriais do
Government National Mortgage Association e Federal Home grupo como externamente”.
Loan Mortgage) instituíram programas de empréstimo para a
aquisição de moradia, utilizando a técnica de mortagage-
backed securities, e, assim, ajudaram a criar um ativo
mercado secundário. Nessas transações, empréstimos para a
compra de residências eram concedidos através da formação
de um conjunto de investidores, que compravam títulos com
determinada rentabilidade, cuja garantia colateral era dada
pelo próprio imóvel, e podiam ser negociados no mercado
secundário. A garantia colateral, ou colateralização, se
expandiu para um amplo espectro de operações, de
nominadas de asset-backed securities ou loan-backed”.
31) BRUNHOFF, Suzanne: “A instabilidade financeira 32) FHARI, Maryse: “Derivativos financeiros: hedge,
internacional”, in: A mundialização financeira. Gênese, especulação e arbitragem”. In: Economia e Sociedade,
custos e riscos, Chesnais, F. (org.), São Paulo, Xamã, 1998, nº13, Campinas, Unicamp/IE, dezembro 1999, pp. 101 e
178
“Na falta de uma norma monetária internacional, a taxa de “Quando novos instrumentos financeiros surgem, é
câmbio das moedas depende das relações entre políticas necessário um certo tempo para que a maioria dos agentes
monetárias e da arbitragem feita pelos mercados financeiros. entenda a sua dinâmica, dando, assim, uma vantagem
Ora, a mudança de regime monetário internacional na comparativa aos que já dominam a situação. Esta
década de 70, ligada aos movimentos das finanças vantagem comparativa foi usada para operações de
internacionais, seguiu-se, no fim da década de 80, uma arbitragem ou de tesouraria pelas instituições financeiras
alteração de regime financeiro, a partir dos estados Unidos e que dispunham de quadros tecnicamente mais preparados.
do Reino Unido. O enorme florescimento das finanças
desregulamentadas combinou-se, então, com políticas “[...] A definição clássica, de especulação foi dada por
internas de deflação monetária. Kaldor (1939): a compra (ou venda) de mercadorias tendo
em vista a revenda (ou recompra) a uma data posterior
[...] Uma norma de elevada rentabilidade financeira foi
quando o motivo de tal ação é a antecipação de uma
imposta universalmente pelos mercados financeiros, com
mudança nos preços em vigor e não uma vantagem
variações locais, dependendo da influência das arbitragens
resultante de seu uso ou uma transformação ou
financeiras privadas sobre as políticas monetárias nacionais.
transferência de um mercado para outro”.
A avaliação das moedas nacionais pelo mercado cambial foi
submetida a esse novo regime financeiro, assim como as
práticas dos bancos centrais”.
33) EICHENGREEN, Barry: “A globalização do capital. 34) AGLIETTA, Michel: “La globalización financiera”,
Uma história do sistema financeiro internacional”, São in: Sinpesmiso, (www.sinpermiso.info), Madrid, agosto
Paulo, editora 34, 2000, pp. 247-247. 2000, pp. 1 e 5.
“O quarto de século que se se seguiu ao desmoronamento do “Globalização financeira é o nome que se atribuí as
Sistema de Bretton Woods trouxe ambições frustradas e transformações que tem afetado os princípios de
concessões penosas. Os esforços para reconstruir um sistema funcionamento das finanças. Trata-se de profundas
transformações que associam de maneira muito estreita a
de taxas de câmbio fixas mas ajustáveis fracassaram liberalização dos sistemas financeiros nacionais e a
repetidas vezes. A raiz do fracasso está na inelutável integração internacional.
escaladas na mobilidade do capital internacional, que
fragilizou as âncoras cambiais e dificultou os ajustes [...] O antigo regime de crescimento favorecia os
periódicos. A mobilidade do capital aumentou a pressão rendimentos de escala na produção industrial. O aumento
sobre os países de moedas fracas que procuravam defender da produtividade do trabalho ia acompanhado do aumento
suas âncoras. Essa mobilidade intensificou relutância das do peso da intensidade capitalística, que se traduzia em
nações de moedas fortes em oferecer ajuda, em vista da alta do aumento da relação do capital relativamente ao
magnitude sem precedentes das operações de intervenção valor agregado, produzidas pelas sociedades privada não
necessárias. Um número crescente de governos se viu financeiras. No novo regime, a pressão dos investidores
forçado a praticar um câmbio flutuante”. institucionais para melhorar o rendimento do capital tem
provocado primeiro que se detivesse o aumento da razão
capital/produto na Europa, seguida de uma leve queda, e
uma sensível queda (em torno de 40%) desde o começo da
década de 80 nos Estados Unidos, acompanhada de um
débil aumento da produtividade do trabalho”.
35) BEINSTEIN, Jorge: “Capitalismo senil: a grande crise 36) SERRANO, Franklin: “A economia americana, o
da economia global”, Rio de janeiro, Record, 2001, p.249. padrão dólar flexível e a expansão mundial dos anos
2000”, in: Economia e Sociedade, nº19, Campinas jul./ dez
“Os países de alto desenvolvimento puderam amortecer, 2002, pp. 251 e 259.
postergar sua crise, iniciada nos anos 70 graças a diversos
mecanismos de globalização e financeirização durante as “O padrão flexível, que Nixon e Kissinger tentaram
décadas de 1980 e 90, mas não conseguiram superá-la. Desde implantar nos anos 1970 e que se tornou uma realidade a
a segunda metade da década de 1980 apareceram sintomas de partir dos anos 1980, permite então que os Estados unidos
deterioração (crise financeira de 1987), decadência japonesa
do início dos anos 90, crise mexicana de 1994-95 etc.), incorram em déficits de conta corrente permanentes. Em
culminado com a ruptura de 1997. A partir daí o sistema termos de nossa equação, o termo VO (saldo global do BP
global entrou em um período de distúrbios graves. = variação líquida do estoque de ouro) deixa de existir e
todo o excesso do valor absoluto de VACP (variação dos
[...] Os países centrais fabricaram gigantescas dívidas ativos externos de curto prazo) sobre VALP (saldo de
públicas e desse modo mantiveram a demanda interna, fluxos de capital de longo prazo) quando há um déficit em
atenuaram através de subsídios sociais um desemprego que se conta corrente significa um aumento de reserva de outros
tornou estrutural ou o distorceram por meio da generalização países que necessariamente, se quiserem participar da
do trabalho provisório, e estimularam a especulação economia monetária internacional, tem que aceitar
179
financeira, que apanhou em sua dinâmica os Estados e inflou acumular títulos em dólar (em geral a própria dívida pública
efêmeros mercados emergentes, desordenando ainda mais a americana)”.
periferia, desviando-se para negócios ilegais de alta
rentabilidade (narcotráfico etc.)”.
37) TEIXEIRA, Aloisio: “O império contra-ataca: notas 38) TEIXEIRA, Aloisio: “Estados Unidos: a curta marcha
sobre fundamentos da atual dominação norteamericana”, in: para a hegemonia”, in: Estados e moedas no
Economia e Sociedade, nº15, Campinas Dezembro 2000, pp. desenvolvimento das nações, Fiori, J.L.(org.), Petrópolis,
9-10. Vozes, 1999, pp. 183-184
“Essa é a novidade que caracteriza o novo quadro mundial e “No plano mais geral, pode-se observar também que, desde
que permite aos Estados Unidos assumirem o comando das o final dos anos 60, começam a se desfazer os mecanismos
principais alavancas de poder capitalista. A impor ao mundo de regulação constituídos a partir da hegemonia americana.
a soberania do dólar (e de um dólar desvinculado do ouro), a O aspecto financeiro é aqui essencial, pois, nesse período, a
economia americana passou a uma situação em que não está expansão dos mercados financeiro, privado e
mais sujeita a restrições no balanço de pagamentos. Pode internacionalizado, atingiu rapidamente dimensões
com isso importar livremente e, dessa forma, reestruturar seu gigantescas, tornando visíveis os riscos que implicava:
parque industrial, praticando déficits comerciais gigantescos; modificando o caráter da atividade bancária. Constituindo
o problema é do resto do mundo. Pode adotar estratégias que um mercado financeiro, unificado, privado e livre de
bem entender, tendo em vista a manutenção de seu regulamentação nacionais, transcendendo as fronteiras
crescimento interno, desconhecendo – se assim o quiser o os nacionais, ele tornava ineficazes as políticas monetária,
problemas para seus parceiros; estes que se ajustem como fiscal e cambial de qualquer país e criava as condições para
puderem”. a febre especulativa que viria por abaixo o sistema de
Bretton Woods, em um primeiro momento, e desestabilizar
a própria economia mundial, posteriormente”.
39) BRAGA, José Carlos de Souza: “Temporalidade da 40) HELLEINER, Eric: “Reflexiones braudelainas sobre
riqueza. Teoria da dinâmica e financeirização do globalización económica: el historiador como pionero”, in:
capitalismo”, Campinas, Unicamp/Instituto de Economia, Análisis político, nº39, IEPRI, Universidad Nacional de
2000, p.222. Colombia, 2000, p. 7.
“A hipótese que sustentamos diante desses processos é que o “Pelo contrário, desde uma perspectiva conjuntural, a
cálculo financeiro geral e a organização capitalista atual globalização econômica se manifesta mais pertinente vista
público-privada conduzem a um processo de capitalização como uma força transformadora que desafia as estruturas
financeira como uma novidade macroestrutural do existentes. A partir da década de 1960, por exemplo, se lhe
capitalismo contemporâneo. Ele é forjado pelos capitais considera como uma força central que mina as bases da
centralizados que, operando aquele cálculo, impulsionam nos ordem político-econômica mundial posterior a 1945 e,
mercados monetários, cambial, acionário, creditício, quiçá, também num nível mais profundo, as bases do
imobiliário, de capitais e de commodities uma massa de Estado-nação territorial. Dessa posição vantajosa, a
riqueza financeira (que em parte é riqueza/capital fictício) globalização econômica não é uma estrutura profundamente
expressa concretamente nos ativos financeiros e na liquidez implantada, senão, mais ainda, um fenômeno que fomenta a
existente, em cada momento, na economia. Constitui-se descontinuidade em relação ao passado recente. O
assim uma circulação (ampliável) de riqueza financeira, que surgimento dos processos de produção globalmente
não é como em outros tempos do capitalismo, uma realidade organizados e, no caso, a característica instantânea das
apenas dos períodos imediatamente anteriores a um crash transferências de dinheiro indicam algo profundamente
financeiro após o qual ela desapareceria por longo tempo”. novo. Como fenômeno conjuntural, a globalização
econômica, sem dúvida, é também um processo reversível
(como foi a tendência de globalização entre 1850 e 1914), e
a autores debatem em que medida outros processos
históricos conjunturais, com a trajetória hegemônica dos
Estados Unidos e a mudança no equilíbrio de forças sociais,
influíram na nessa globalização econômica”.
41) WRAY, Randall: Senhoriagem ou soberania?”, in: 42) GOWAN, Peter: “A roleta global. Uma aposta
Economia e Sociedade, Campinas, nº19, jul./dez. 2002,pp. faustiana de Washington para a dominação do mundo”,
209-210. Rio de Janeiro, Record, 2003, pp. 74 e 75.
“Entretanto, do ponto de vista analítico, é o poder soberano “As características das políticas de Reagan em questões de
do governo dos Estados Unidos que permite que o país emita política econômica foram duplas: em primeiro lugar,
moedas e reservas demandadas em nível doméstico e colocar o capital-dinheiro no centra da cena pela primeira
internacional. Se retirássemos dos Tesouro dos Estados vez em décadas; e, em seguindo lugar, expandir e explorar
180
Unidos o poder soberano de emitir impostos em dólar, a o DWSR [Regime do Dólar Wall Street] segundo os
demanda mundial por dólares iria definhar. Dessa forma, no interesses da liderança americana. Colocar o capital-
limite, a existência da ‘senhoriagem’ deriva do poder dinheiro como elemento central dignificava derrubara a
soberano. inflação (que corroía a remuneração do capital-dinheiro),
tomar medidas para desregulamentar o sistema bancário e
[...] A pergunta que nos resta é se isso é resultado do poder financeiro, promover consideráveis reduções tributárias
hegemônico dos Estados Unidos ou de regras auto-impostas para os ricos, que sempre buscam o setor financeiro para
adotadas por outras nações. Em primeiro lugar, precisamos atividade de rentier, buscar uma política de fortalecimento
do dólar.
reconhecer que os estados Unidos são a única superpotência
remanescente e que exerce o poder político e militar de [...] A primeira decisão da administração Thatcher, ao
acordo com os seus interesses. Se assim o desejarem, os tomar posse em 1979, foi acabar com os controles
Estados Unidos podem reduzir qualquer nação a pó e, britânicos sobre as movimentações financeiras. Holland
provavelmente, derrubar qualquer governo e impor outro seguiu o exemplo em 1981, e o chanceler Kohl fez
mais disposto a atender aos seus desejos”. rapidamente o mesmo ao tomara posse em 1982. Um
grande impulso para a campanha veio com a decisão do
governo francês em 1984 de promover a ideia do Mercado
Único Europeu: esta divisão esta divisão tratava sobretudo
de remover os controles das movimentações financeiras por
tida a Europa Ocidental. A Dinamarca liberalizou em 1988,
a Itália iniciou uma liberalização em estágios no mesmo ano
e a França começou a abandonar gradualmente os controles
de capital em 1989. Durante a década de 1980 os Estados
Unidos pressionaram como algum sucesso o governo
japonês para que liberalizasse as suas restrições a livre saída
e entrada de fundos. Este foi um passo importante para o
aumento do tamanho e do peso dos mercados financeiros
anglo-americanos”.
43) BRENNER, Robert: “O boom e a bolha. Os Estados 44) DESAI, Meghnad: “A vingança de Marx. Ressurgência
Unidos na economia mundial”, Rio de Janeiro, Record, 2003, do capitalismo e a morte do socialismo de estatal”, São
pp. 87-88. Paulo, Códez, 2003. P.401.
“Em resposta ao impasse do setor manufatureiro “No entanto, todas essas alternativas não passam de versões
internacional no final dos anos 1970, resultante do diferentes do capitalismo; não há no horizonte qualquer
aprofundamento da crise de lucratividade durante a décadamodo rival de produção que se possa considerar viável. O
anterior, os governos de todas as economias capitalistas
avançadas buscaram facilitar o ingresso em atividades capitalismo é o único jogo disponível, e a disputa se dá
financeiras e pavimentar o caminho para retornos mais entre duas versões distintas: a anglo-saxônica e a nipo-
européia. As forças do livre movimento do capital,
rápidos. Para fazê-lo, não só iniciaram uma guerra conta a
inflação como também encetaram um processo abrangente de decorrentes da liberalização do capital financeiro, as novas
desregulamentação financeira. Os tetos das taxas de juros e
tecnologias de transporte, de comunicação e transmissão de
afins foram rejeitados. As restrições ao acesso aos mercados
informações parecem favorecer o modelo anglo-saxão, pelo
para as instituições financeiras, descartadas. Os controles de
capitais, em quase toda a parte, finalmente eliminados. menos neste momento. Isto acontece porque, em termos de
Mesmo assim, dado o nível baixo da taxa de lucro na lucratividade, único teste seguro do sucesso do capitalismo,
economia real, a obtenção de lucro, seja emprestando a as economias anglo-saxônicas tiveram, na primeira metade
entidades privadas, seja pela especulação, não era tarefa fácil
da década completa da globalização (os anos 1990),
– e assegurar altos retornos em geral implicava altos riscos.
melhores resultados do que as economias corporativas. Os
lucros têm aumentado e, o que é mais importante, a
A consequência foi o retorno dos ciclos financeiros, que
despeito das previsões sombrias sobre ‘o fim do trabalho’,
geraram sucessivas crises financeiras”.
nas economias anglo-saxônicas têm prevalecido níveis
elevados de emprego, em comparação com os níveos da
Europa continental. Em termos de crescimento do PNB e de
aumento da renda, a perspectiva te m sido também
favorável”.
45) STIGLITZ, Joseph: “Os exuberantes anos 90. Uma 46) GILPIN, Robert: “O desafio do capitalismo global. A
nova interpretação da década mais próspera da história”, economia mundial no século XXI”, Rio de Janeiro, Record,
São Paulo, Companhia das Letras, 2003, pp.111 e 221. 2004, p. 27.
“A desregulamentação do setor de telecomunicações abriu “Vários livros sustentam que, queiramos ou não, o
caminho a bolha de superinvestimento, que depois estourou capitalismo global e a globalização vieram para ficar. Os
com tanta repercussão em 2001. A desregulamentação do mercados em peso, argumentam, é que comandam o mundo
181
setor elétrico levou à manipulação do mercado, o que hoje o mundo, e todos terão de se adaptar, por doloroso que
prejudicou a economia da Califórnia, o centro de boa parte da seja. Entretanto, considero que não obstante os benefícios
inovação nos Estados Unidos. A desregulamentação do setor do livre comércio e de outros aspectos a da economia
bancário – notadamente a rejeição da lei Glass-Steagall –
abriu novas oportunidades para os conflitos de interesses, global, uma economia global aberta e integrada não é
quando o que se precisava era de regulamentações mais fortes necessariamente tão ampla e inexorável nem tão irreversível
voltadas para os conflitos de interesses já existentes e quanto sustentam muitos. O capitalismo global e a
crescentes que acabariam de enfraquecer a confiança em globalização econômica tem-se escorado e devem continuar
nossos mercados de ações. A regulamentação frouxa da a escorar-se em sólidas bases políticas. Entretanto os
atividade contábil propiciou oportunidades e incentivos para fundamentos da economia global posterior à Segunda
o fornecimento de informações enganosas ou equivocadas.
Guerra Mundial vêm-se desgastando continuamente desde o
[...] A questão não é se a globalização pode ser uma força fim da ameaça soviética. Para garantir a sobrevivência da
para o bem que beneficie os pobres do mundo; é claro que economia global, os Estados Unidos e outras grandes
pode. Mas ela precisa ser gerida de maneira correta, e com potencias devem voltar a comprometer-se a trabalhar juntos
muita frequência não tem sido. para reconstruir seus enfraquecidos alicerces políticos”.
Embora outros possam ser sofrido com a má gestão da
globalização, e embora no longo prazo essa má gestão possa
sair caro para os Estados Unidos – na medida em que todos
os problemas do governo Clinton se multiplicaram e foram
ampliados pelo subsequente governo Bush -, no curto prazo
os EUA se beneficiaram, mostrando mais uma vez que o que
é bom para os Estados Unidos pode não ser bom para o resto
do mundo, e também que o que é ruim para o resto do mundo
pode não ser ruim para os Estados Unidos”.
47) AGLIETTA, Michel: “Macroeconomia financeira. 48) GALBRAITH, John Kenneth: “A economia das
fraudes inocentes. Verdades para o nosso tempo”, São
v.1 Mercado, crescimento e ciclos – Macroeconomia Paulo, Companhia das Letras, 2004, pp. 63-64.
financeira. V. 1 Mercado financeiro, crescimento e ciclo; v. 2
Crises financeiras e regulação monetária”, São Paulo, “A reputação falsa e favorável do Fed [Federal Reserve,
Edições Loyola, 2004. banco central dos EUA] tem uma base sólida: o poder e o
prestígio de bancos e banqueiros, e a mágica associada ao
(Volume 1, p.25-26) “A desregulamentação das finanças
abriu novas perspectivas para a poupança, que saiu de seus dinheiro. Isso funciona como suporte e apoio ao Fed e seus
refúgios tradicionais, nos bancos e nas cadernetas de bancos-membros. Se há recessão, a taxa de juros é reduzida
poupança, rumo a mercados de títulos e a aquisições pelo banco central e os bancos-membros, por sua vez,
imobiliárias. Esse redirecionamento foi canalizado pelos oferecem taxas mais baixas aos clientes, o que os encoraja a
investidores institucionais (companhias de seguros e fundos tomar empréstimos. Então, os produtores irão gerara bens e
de pensão) que foram forçados pela concorrência a realizar serviços, comprarão as fábricas e as máquinas que agora
administrações mais dinâmicas das carteiras que lhe eram
confiadas. Ele foi acelerado por novos intermediários de tem condições de financiar – e com as quais agora poderão
mercado, fundos de participação e negociadores de títulos de fazer dinheiro – e o consumo irá se expandir, pagos com
todos os tipos. A atração das famílias foi garantida pelas empréstimos mais baratos. A economia reagirá e a recessão
esperanças de ganho de capital suscitados pelos mercados terminará. Se acontecer então um boom e ameaça de
abertos, desregulamentados e vitaminados por incentivos inflação, um custo mais alto de empréstimos, também
fiscais. determinado pelo Fed, e imposto em seus empréstimos aos
A mudança de estrutura da poupança criou fluxos de liquidez bancos-membros fará subir as taxas de juros”.
rumo a mercados de ativos cuja oferta era ou completamente
rígida (como o mercado imobiliário antigo), ou em contração
(como as ações nos países anglo-saxões no período de fusão
de empresas), ou ainda fortemente subavaliada (como as
ações das empresas privatizáveis)”.
49) DUMÉNIL, Gerárd & LÉVY, Dominique: “O 50) DUMÉNIL, Gerárd & LÉVY, Dominique: “Crisis y
neoliberalismo sob hegemonia norte-americana”, in: Finança salida de La crisis. Orden y desorden neoliberales”,
Mundializada. Raízes sociais e políticas, configuração, México, Fondo de Cultura Económica, 2007[2006], p.175.
consequências, São Paulo, Boitempo, 2005, p. 85.
“O predomínio das finanças no neoliberalismo não é uma
“O capitalismo entrou em uma nova fase que se novidade na história do capitalismo. O período que se
convencionou chamar de neoliberalismo. Na afirmação de extende desde fins do século XIX até a crise de 1929
um fenômeno dessa complexidade, sempre é difícil atribuir correspondeu a uma primeira hegemonia das finanças
modernas, que acabavam de vir à luz. Esta situação se
uma data precisa. Quando o capitalismo neoliberal se impôs desmoronou com a depressão dos anos trinta e com a
ao mundo? Apesar da continuidade das transformações e suas segunda Guerra Mundial. Por essa razão podemos descrever
múltiplas facetas, a transição dos anos 70 aos anos 80 foi o neoliberalismo como o restabelecimento do domínio das
marcada por um acontecimento emblemático da nova ordem finanças após um período de retirada.
social: a decisão, em 1979, do banco central dos Estados
Unidos, o Federal Reserve (Fed), de elevar de elevara as A comparação dos dois períodos de dominação das finanças
taxas de juros aos níveis requeridos para a eliminação da – fins de século XIX até 1933 e aos anos 80 – é rica em
inflação, não importando o custo nos países no centro e da ensinamentos. Permite perceber melhor a noção mesma de
periferia. Nós denominamos essa decisão de golpe de 1979, hegemonia financeira e os riscos que tal situação envolve”.
pois se trata de uma violência política. O que se seguiu esteve
a altura desse primeiro passo: controle dos salários, erosão
gradual dos sistemas de proteção social, onde de desemprego,
crescimento lento e crises recorrentes nos países da periferia,
deslocalização das empresas, elevação das tensões
internacionais e novo militarismo”
51) FERGUSON, Niall: “A ascensão do dinheiro. A história 52) BLACKBURN, Robin: “las finanzas y la quarta
financeira do mundo”, São Paulo, Planeta, 2009 [2008], p. dimensión, in: New Left Review, nº39, Londres, jul./ago
15. 2006, (37-69), p. 66.
“A crise financeira que desabou sobre o mundo ocidental no “A financeirização se define pelo uso de sofisticadas
verão de 2007 ofereceu um lembrete oportuno de uma das técnicas matemáticas para distribuir e cobrir o risco, de tal
verdades perenes da história financeira. Mais cedo ou mais modo que cabe pensar que estes instrumentos são uma parte
tarde, a ganância se transforma em medo.
principal do ‘capitalismo cinza’. Mas isto seria um erro. As
[…] A causa imediata da incerteza econômica de 2008 era melhoras no cálculo do risco geralmente são bastante
financeira: para ser preciso, um espasmo nos mercados de legítimas; não obstante, os problemas surgem da própria
crédito, causados por atrasos avultados de pagamentos sobre estrutura incrustrada no ‘capitalismo cinza’. No mundo
um tipo de dívida conhecida eufemisticamente como altamente financeirizado de hoje, uma ameaça sistêmica
hipotecas subprime. De tal modo nosso sistema financeiro potencial da envergadura do LTCM (...) poderá reaparecer
globalizado se tornou intricado, que famílias relativamente facilmente, mas o mais provável é que seja resultado das
pobres nos estados americanos, do Alabama ao Wisconsin, débeis estruturas institucionais e não de cálculos
conseguiram comprar ou rehipotecar suas casas através de defeituosos. Depois do naufrágio da ENRON e WolrdCom,
empréstimos com frequência complexos. Essas hipotecas o complexo emaranhado de contratos de produtos
depois foram reagrupadas (sem que as famílias soubessem) a derivativos em jogo se desenrolou sem grandes
outros empréstimos similares, reempacotadas como contratos penalizações; o verdadeiro desastre chegou para os fundos
de empréstimo subsidiado (CDOs) e vendidas por bancos em de pensões e para os empregados que haviam investido em
Nova York e Londres, para (entre outros) bancos regionais ações e nos fundos financeiros oferecidos por estas
183
53) BLACKBURN, Robin: “La crisis de las hipotecas 54) REICH, Robert: “Supercapitalismo. Como o
subprime”, in: New Left Review, Madrid, Ediciones Akal, nº capitalismo tem transformado os negócios, a democracia e
50, may/jun 2008 (53-95), p. 53 o cotidiano”, Rio de Janeiro, Elsevier/Campus, 2008, pp.
65 e 67.
“No verão de 2007 muitos dos mais proeminentes bancos dos
Estados Unidos e Europa se viram afetados por uma queda no “O impulso da desregulamentação da economia – imagem
valor dos títulos com garantia hipotecária que eles mesmos invertida do avanço para a regulammenteção que ocorrera
entre as duas grandes guerras, impulsionado por Hebert
haviam criado e que para surpresa de muitos, resultaram ser Croly e pelos progressivistas da época – não raro é
uma parte importante de seu patrimônio. A morosidade atribuído à empolgação de Ronald Reagan pelo livre
provocava assim uma crise do crédito, pois a resposta das mercado. No entanto, quando Reagan assumiu a
instituições financeiras foi reforçar o caixa e elevar suas presidência, em 1981, a tendência rumo à
exigências antes de cumprir as demais. Entre julho de 2007 e desregulamentação já estava em andamento havia uma
março de 2008, os bancos de investimento e os brókers década, deflagrada pelo fato de que, mesmo na fatia de 15%
da economia, em que os preços e os termos de entrada eram
[corretores] de Wall Street sofreram uma sangria em seu estipulados por comissões reguladoras independentes, as
patrimônio de 175 bilhões de dólares, e em março Bear novas tecnologias criavam novas possibilidades de gerar
Stearns, o quinto maior, foi ‘resgatado’ por JP Morgan Chase lucro. As empresas que viam essas possibilidades queriam
por uma pechincha e com uma ajuda da Reserva Federal de explorara seu potencial. Em consequência, pressionaram aa
29 bilhões em garantias. Muitos dos demais sobreviveram à comissões, fizeram lobby no Congresso e nas legislaturas
estaduais e contrataram professores para que divulgassem
base da venda de grandes parcelas de ações preferenciais,
trabalhos demonstrando os benefícios da
com tipo de rendimento bonificado garantido, a um conjunto desregulamentação para os consumidores.
de ‘fundos soberanos’ de propriedade de governos de Abu
Dhabi, Cingapura, Coréia do Sul e China entre outros”. [...] Os grandes bancos e instituições financeiras lideraram
as pressões pela desregulamentação dos serviços
financeiros. Na década de 1970, já dispunham de novos
sistemas de pagamento eletrônico e de recuperação de
informações, para depósitos e empréstimos. Mas não
tinham acessos aos mercados onde bancos locais eram
protegidos da competição, razão por que começaram a
reivindicar a desregulamentação. No meio tempo, os fundos
de pensão, os fundos de investimento e as empresas de
seguros, municiadas com computadores e software, viam
lucros potenciais na gestão mais ativa das poupanças
pessoais, mas também estavam bloqueadas pela
regulamentação financeira. Em consequência, juntaram-se
às forças em favor da desregulamentação”.
55) SERRANO, Franklin: “A economia americana, o 56) GUTTMANN, Robert, PLIHON, Dominique: “O
padrão dólar flexível e a expansão mundial dos anos 2000”, endividamento do consumidor no cerne do capitalismo
in: O mito do colapso americano, Fiori, J., Medeiros, C., conduzido pelas finanças”, in: Economia e Sociedade,
Serrano, F., Rio de Janeiro, Record, 2008, p. 64. Campinas, nº17, dezembro 2008, Número Especial, 575-
611), p. 576.
“A crise financeira americana nada tem a ver com a questão
do papel internacional do dólar, e sim com o excesso de “Durante o verão de 2007 a crise imobiliária dos EUA
desregulamentação e falta de supervisão dos mercados transformou-se em um arrocho de crédito [credit crunch]
financeiros privados americanos. Em meio à recente, e global que está ameaçando transtornar a economia mundial.
plenamente compreensível, crise de confiança sobre o valor Enfrentamos hoje (meados de 2008) a perspectiva de uma
dos títulos privados que decorreu da crise financeira do desaceleração significativa ou mesmo de uma recessão
subprime, tem havido a tendência ao aumento dos spreads de global. Não importa qual desses cenários por fim se
risco entre as taxas de juros oferecidas pelo setor, público revelará, o arrocho progressivo colocou em xeque a
(que tem risco zero na moeda local) e pelo setor financeiro viabilidade a longo prazo de um padrão de crescimento
privado no mercado americano. Isto resulta em parte da ‘fuga global que, nas últimas décadas, contou em grande medida
para a segurança’ que aumentou significativamente a com os Estados Unidos como o “comprador de última
demanda por títulos públicos americanos, a tal ponto que o instância” do mundo.
Fed foi forçado a mudar sua atuação direta e fazer operações
indiretas de compra e financiamento de títulos privados, na Essa dramática reviravolta coloca em risco a transição
tentativa de evitar a contínua perda de valor destes em suave para um novo regime de acumulação conduzido pelas
relação ao ativo de reserva do sistema: os títulos públicos finanças [finance-led accumulation regime] e para um novo
americanos”.
padrão de crescimento multipolar. Se a crise ainda não é
[...] A argumentação desenvolvida neste longo artigo tentou sistêmica, o surto atual de problemas nos principais
184
mostrar que ao Estado e as classes proprietárias nos Estados mercados financeiros do mundo certamente sinaliza o
Unidos ainda restam, a despeito de crise financeira recente, primeiro grande teste de resistência desse novo regime. Nós
uma substancial capacidade de influencias decisivamente, e gostaríamos de enfocar, nesse artigo, um pilar central do
com frequência até certo ponto controlar, os seguintes fatores regime – o endividamento das famílias americanas – a fim
estratégicos: a classe trabalhadora americana; a tecnologia de de extrair algumas percepções plausíveis sobre a natureza e
ponta mundial na área civil e militar; a moeda mundial; o implicações da crise atual”.
preço internacional dos alimentos e o preço e o acesso as
principais reservas de energia do qual o resto do mundo
depende”.
57) GUTTMANN, Robert: “Uma introdução ao capitalismo 58) KRUGMAN, Paul: “A crise de 2008 e a economia da
dirigido pelas finanças”, São Paulo, Novos Estudos depressão”, Rio de Janeiro, Elsevier/Campus, 2008, p.177.
CEBRAP, nov./2008, (11-33), pp. 11 e 22.
“À esquerda, comum culpar a desregulamentação pela crise
“O conceito de “capital fictício” de Marx implica sobretudo – especificamente, a revogação parcial, em 1999, do Glass-
que o valor de mercado das letras poderia ser elevado sem Steagall Act, passando a permitir que bancos comerciais
nenhum aumento paralelo na avaliação dos ativos tangíveis, entrassem no negócio de bancos de investimentos e que,
por meio do uso de crédito, para o benefício da negociação da portanto, assumissem mais riscos. Em retrospectiva, essa
lucratividade de tais letras. O que ele descreve aqui equivale foi, sem dúvida, iniciativa na direção errada que pode ter
à negociação de valores mobiliários e outros títulos contribuído de maneira sutil para a crise – por exemplo,
financeiros de ganhos de capital derivados da diferença entre algumas das estruturas financeiras arriscadas, desenvolvidas
o preço de compra (presumivelmente mais baixo) e o preço durante os anos de prosperidade, era operações extra-
de venda (mais alto). contábeis (off balance sheet) dos bancos comerciais.
Contudo, a crise, em boa parte, não envolveu problemas
[...] Em comparação com a época de Marx, temos hoje em dia com instituições desregulamentadas, que assumira novos
uma formação infinitamente mais avançada de capital riscos. Ao contrário, girou em torno de riscos assumidos
fictício, com grande parte da virada recente dos empréstimos por instituições que, ´para começar, nunca foram
bancários para os valores mobiliários equivalendo a um salto regulamentadas.
quântico na sua evolução. Em outras palavras, o capitalismo
dirigido pelas finanças tem dado prioridade ao capital fictício, E essa, eu diria, é a essência dos acontecimentos. Coma
cujos novos condutos, como derivativos ou valores expansão do sistema bancário paralelo, a ponto de igualar
mobiliários lastreados em ativos, estão a vários níveis de ou mesmo ultrapassar em importância o sistema bancário
distância de qualquer atividade econômica real de criação de
valor. Nessa esfera, o objetivo principal é negociar ativos em tradicional, políticos autoridades do governo devem ter
papel de forma lucrativa para obter ganhos de capital, uma percebido que estávamos restabelecendo a espécie de
atividade mais bem definida como especulação. Muitos vulnerabilidade financeira que possibilitou a Grande
desenvolvimentos recentes das finanças, como a Depressão – ao que deveriam ter reagido com aumento da
securitização, a explosão em volume de negociação de regulação e com o reforço de rede de segurança financeira,
derivativos, a disseminação de fundos de hedge, compras de modo a abranger também as novas instituições”.
maciças de valores mobiliários por bancos etc., devem ser
compreendidos por este ângulo.
59) GUTTMANN, Robert: “Globalização financeira e 60) PAULANI, Maria Leda: “A crise do regime de
perspectivas pós-crise”, Brasília, Revista Tempos do Mundo, acumulação com dominância financeira e a situação do
nº 1, IPEA, dez/2009, (57-74), p.59
Brasil”, São Paulo, Estudos Avançados USP 66, Maio-
“A terceira lição a ser tirada das crises sistêmicas do passado Agosto 2009, (25-39), p.33
é que estas não acabam por conta própria. Ao contrário de
recessões autoajustáveis ou de crises normais no decurso das “A crise só matura em 2007 quando os primeiros sinais de
flutuações cíclicas, das quais a economia se recupera, inadimplência mostram-se irreversíveis e põem a nu a
185
cortando oferta em excesso abaixo da demanda, aas crises fragilidade do sistema, particularmente do chamado sistema
mais graves de natureza sistêmica não têm um caminho de bancário paralelo (shadow banking system), que agia
superação próprio. Há duas razões para esta incapacidade produzindo crédito e moeda ao desabrigo de qualquer tipo
estrutural. Uma é o dano geralmente causado ao sistema de regulação.
bancário durante estas crises – sendo essa a razão de serem
sistêmicas, em primeiro lugar -, necessitando de correções de Como se percebe, o regime de acumulação com dominância
longo prazo para ressuscitar. A outra é a força das respostas da valorização financeira tem a formações de crises,
racionias individuais à crise, que tornam as coisas piores ocasionadas pela recorrente geração de bolhas de ativos,
quando tomadas em conjunto e projetadas no nível
macroeconômico. como sua característica mais marcante. Ele é por isso
estruturalmente frágil. Ao longo dos últimos 30 anos, o
[...] Se aplicarmos essa lições à situação atual, devemos poder detido pela riqueza financeira foi moldando as
concluir que a crise de hoje é significativa e provavelmente instituições de forma a criar um modo de regulação
irá durar muitos anos, causar enormes prejuízos na renda e no compatível como um processo de reprodução capitalista sob
emprego e repercutir em todo o planeta. Tanto o grau de seu comando. Completado esse processo, o sistema
instabilidade financeira que a precedeu quanto o contágio encontra-se no auge de sua fragilidade”.
global testemunhado desde então indicam que esta crise
específica está entre as grandes nos anais do capitalismo
industrial Temos um sistema bancário bastante danificado e
mercados financeiros disfuncionais, o que desencadeou uma
espiral de deflação de dívidas propensas a reduzir
drasticamente o comercio e os fluxos de investimentos
estrangeiros”.
61) GOWAN, Peter: “Crise no centro. Consequências no 62) BRAGA, José Carlos de Souza: “Crise sistêmica da
novo sistema de Wall Street”, São Paulo, Estudos Avançados financeirização e a incerteza das mudanças”, São Paulo,
USP 65, Janeiro-Abril 2009, (49-72), p.59. Estudos Avançados USP 65, Janeiro-Abril 2009, (89-102),
p. 89.
“O Citigroup lançou uma campanha de um bilhão de dólares
com o tema ‘Viva ricamente’ nos anos 1990, com o objetivo “O que está acontecendo nessa crise é da natureza do
de fazer que proprietários de imóveis fizessem uma segunda capital e capitalismo desregulado. Não existe nenhuma
hipoteca para gastar com o que quisessem. Outros bancos de deformação, nenhum desvio da essência do processo de
Wall Street agiram de forma semelhante, com muito sucesso:
a dívida proveniente de segunda hipotecas subiu para mais de acumulação, tal como detectado por seus grandes
U$ 1 trilhão. intérpretes. Tanto da acumulação produtiva com da
articulação daquela com a acumulação financeira e da
A bolha que gerou a crise de crédito de 2007 repousava, autonomização desta última. E curioso que parte da crítica
porém, não apenas – e nem mesmo especialmente no de esquerda cobre um ‘produtivismo’ do ‘sistema de
mercado imobiliário, mas no próprio sistema financeiro. A mercado’ que justamente não é alcançável pela lógica pura
crise foi desencadeada não apenas pelo tamanho da bolha de do mercado. O capitalismo está cada vez parecido com ele
dívidas, mas por suas formas. Numa crise normal gerada por mesmo. Determinações econômicas e políticas têm
excesso de oferta de empréstimo, quando os bancos acabam concorrido para tanto. O período iniciado em 1970 que se
com empréstimos não honrados (como ocorreu no Japão na designa como o do capitalismo financeirizado (Braga,
década de 1990), tanto a localização quanto o tamanho do 2000b), ou do capitalismo sob dominância financeira, ou
problema podem ser identificados sem muita dificuldade. ainda o ‘Fianance Led capitalism’ (Guttmann& Plihon,
Mas, em 2007 a bolha de dívidas dentro do sistema financeiro 2008), já dura mais de 38 anos. Um capitalismo, como se
estava concentrada em derivativos do mercado de balcão, na verá adiante, em que a valorização da riqueza financeira
forma de CDO individuais que não tinham preço de mercado vinha preponderando sobre a produtiva sem impedi-la,
ou mecanismo de precificação – além da opinião de agências porém expandindo-se a velocidades superiores e
de classificação de risco – e que eram distribuídas às dezenas produzindo instabilidade econômico-financeira estrutura”.
de milhares de instituições no topo do sistema financeiro,
assim como seus órgão satélite, tais como os SIV”.
63) CAGNIN, Rafael Fagundes: “O ciclo dos imóveis e o 64) ZARIFIAN, Philippe: “Uma crise inédita do
crescimento econômico nos Estados Unidos 2002-2008”, São capitalismo, tanto em suas características como em sua
Paulo, Estudos Avançados USP 66, Maio-Agosto 2009, (147- gravidade: análise e perspectivas”, São Paulo, Estudos
168), pp. 152-153. Avançados USP 65, Janeiro-Abril, 2009, (7-26), p. 11.
“As transformações da estrutura e das práticas financeiras nos “A característica central dessa crise, como crise do
Estados Unidos estreitaram as relações entre os mercados capitalismo, em sua lógica própria e em um novo ambiente
imobiliários e os mercados financeiros, desencadeando um (globalização e financeirização), reside numa disjunção
processo de financeirização dos imóveis’, sobretudo a partir
dos anos 1980. Esse processor permitiu, de um lado, uma estrutural entre trabalho assalariado e capital em escala
diversificação dos contratos financeiros e a ampliação dos mundial. Desde Marx, sabemos que não existe capital sem
186
estoques de crédito, tendo em última instância imóveis como trabalho assalariado, e o inverso também é verdade! Essa
colateral, e de outro, aprofundou a dependência dos ciclos de disjunção, acompanhada de uma desconexão relativa, mina
preços e de produção á conjunturas dos mercados financeiros. o desenvolvimento do capital na fonte mesma de sua
De acordo com Dubach (2008), esse processo de
financeirização se deu por meio de dois mecanismos: a produção. Rigorosamente falando, do ponto de vista
expansão dos Real Estate Investiment Trust (Reit) e a econômico, (de economia capitalista), é necessário se
securitização das hipotecas residenciais. concentrar sobre a trabalho assalariado produtivo, sabendo
que a relação capital-trabalho pode se referir a todo tipo de
Os Reit são fundos de investimentos que permitem o produção: produção industrial, agrícola, de serviços,
fracionamento da propriedade dos imóveis, assim como sua intelectual...é a relação social que importa e não a
construção e gestão.
materialidade da produção. Mas, do ponto de vista social,
[...] A securitização das hipotecas residenciais, isto é, a os assalariados formam um todo: fazem parte dos
transformação de carteiras de crédito em títulos negociáveis, assalariados os trabalhadores ativos, mas também os
tem suas raízes na reforma do sistema de financiamento empregados, os precários, os aposentados e, de certa forma,
residencial capitaneado pelo governo americano no final da os jovens que estão estudando para se tronarem
década de 1960”. assalariados”.
65) GRESPAN, Jorge: “A crise de sobreacumulação”, in: 66) MIGLIOLI, Jorge: “É só mais uma crise”, in: Crítica
Crítica Marxista, nº 29, São Paulo, 2009, (9-17), p.16. Marxista, nº 29, São Paulo, 2009, (19-24), p.19.
“Na presente fase da crise, propiciada justo pela “A crise atual não é uma novidade. Além do movimento
redistribuição de valores e descolamento dos preços que cíclico usual de subidas e descidas do nível de produção, às
ocorreram de modo maciço nos últimos anos, assistimos a vezes também ocorrem crises. Até recentemente, a mais
movimentos vertiginosos e a uma destruição de valor em conhecida foi a de 1929-1932, que abalou os Estados
escala sem precedentes na história. Os setores para onde os Unidos e os países capitalistas europeus, com repercussões
excedentes de valor vinham sendo desviados e lastreavam o em outras áreas do mundo, inclusive no Brasil. A atua-la
credito ao consumo, não poderiam mesmo sustentar por também assume graves proporções. Começou e se agravou
muito tempo a posição que lhes era atribuída. Entre 2006 e como um problema de insuficiência de demanda para
2007, os preços inflados pela especulação no setor absorver a existente capacidade efetiva ou potencial de
imobiliário, em primeiro lugar, acabaram caindo muito, e produção; portanto, usando uma conhecida designação,
continuarão em queda até encontrar seus valores reais. Os poderia ser chamada de ‘crise de superprodução’”.
excedentes aplicados nele tiveram então de se desviar mais
uma vez, concentrando-se na especulação de commodities o
que chegou a causar temores de uma volta da ‘estagflação’
entre 2007 e começo de 2008. Com a falência dos grandes
bancos norte-americanos e europeus no fim do ano passado,
contudo, esse esboço esse esboço de inflação se esfumou: um
volume enorme de excedentes financeiros teve de ser
contabilmente cancelado, algo em torno de 60 trilhões de
dólares, diminuindo a necessidade e a possibilidade de
especulação; desvalorizou-se o lastro dos empréstimos ao
consumidor, contraindo o crédito e o consumo; produção e
emprego começaram finalmente a cair”.
67) PINTO, Nelson Alves: “Crise e capital”, in: Crítica 68) SAMPAIO JR., Plínio de Arruda: “Crise e barbárie”,
Marxista, nº 29, São Paulo, 2009, (33-40), p. 36. in: Crítica Marxista, nº 29, São Paulo, 2009, (41-47), pp.
412.
“Em tal sentido, a crise em curso deve ser examinada nos
termos do esgotamento de um período prolongado de “A especificidade da crise econômica mundial é dada pelo
crescimento econômico (valorização da riqueza privada) cuja processo de liberalização que solapou as restrições
manifestação inicial – as atribulações do crédito imobiliário institucionais que, nos primeiros anos do pós-guerra,
norte-americano – está longe de indicar sua natureza objetiva. tinham estabelecidos certos limites à atuação do capital
Ela apenas sinaliza um descompasso econômico cuja financeiro. Ao levar ao paroxismo a liberdade de
expressão assume a forma de desvalorização de determinados movimento dos capitais e a desregulamentação dos
haveres financeiros. A propagação desordenada desse mercados, o processo de liberalização liderado pelos
descompasso através das relações de interdependência que Estados Unidos, sob a batuta dos organismos financeiros
caracterizam o sistema financeiro contemporâneo só se internacionais, criou as condições ideais para o pleno
materializou à medida que refletiu os obstáculos já presentes desenvolvimento da especulação financeira mercantil e
no desenvolvimento anterior”. produtiva em escala global. O resultado era previsível. A
valorização do capital fictício descolou-se por completo da
187
69) CARCANHOLO, Reinaldo A. “A atual crise do 70) BEINSTEIN, Jorge: “Hacia una crisis prolongada de
capitalismo”, in: Crítica Marxista, nº 29, São Paulo, 2009, la civilización burguesa”, in: El largo crepúsculo del
(49-55), p. 53. capitalismo, Beinstein, J., Buenos Aires, Cartago, 2009,
p.21.
“É por tal razão que a etapa especulativa e parasitária do
capitalismo mundial, liderada por esse país [EUA], “A palavra ‘colapso’ foi aparecendo com crescente
inevitavelmente tem data para desaparecer, embora não intensidade desde fins de 2007 em entrevistas e artigos
saibamos quando será e nem, muito menos, como se dará. A jornalísticos, muitas vezes combinadas com outras
crise dos subprime e de todos os seus graves desdobramentos expressões não menos terríveis, em alguns casos adotando
em todo o mundo, e a qual assustou a todos, não constitui sentido mais popular (derrubada, queda catastrófica...) e em
senão o início do processo de colapso dessa etapa, que talvez outros sua forma mais rigorosa, quer dizer, como sucessão
seja mais longo dom que podemos imaginar. A atual crise irreversível de grave deterioração sistêmica ou como
está simplesmente em suas manifestações preliminares. decadência geral. Paul Craig Roberts (ex-secretário-adjunto
do Tesouro dos EUA governo Reagan, e x-editor do Wall
É necessário entender que essa crise, iniciada há mais ou Street Journal) publicou em 120 de março de 2008 um texto
menos dois anos, tinha e tem por função destruir capital intitulado: ‘O colapso da potência americana’, onde
fictício e restabelecer não certo equilíbrio, mas certa descreve os traços decisivos do declínio integral dos
Estados Unidos, e em 27 de março ‘The Economist
proporcionalidade dele com o capital produtivo, de maneira a intitulava ‘Esperando Armagedón’ a um artigo referido a
permitir um funcionamento mais ou menos articulado do onda irresistível de bancarrotas empresariais norte-
sistema, com uma nova lógica”. americanas”.
71) FREITAS, Maria Cristina Pendido de: “Origem e 72) CARVALHO, Pedro: “Elementos para a
desdobramentos da crise do mercado de hipotecas de alto caracterização da crise capitalista”, in: www.odiario.info
risco nos Estados Unidos”, in: Panorama das economias (dezembro 2010), pp.1 e 6.
internacional e brasileira, Biasoto Junior, G., Novais, L.F.,
Freitas, M. P. (orgs.), Fundap, São Paulo, 2009, (9-24), pp. “O sistema enfrenta o esgotamento das suas
11-12.
respostas, pois em cada resposta a(s) crise(s) prepara-se o
“As hipotecas de alto risco ou subprime são empréstimos caminho para novos episódios de crise(s), com
imobiliários concedidos a indivíduos sem histórico de crédito consequências mais gravosas. A questão do sistema hoje, na
ou com histórico de inadimplência, em geral famílias de depressão que enfrenta face a outras do passado (a Grande
baixa renda ou minorias (negros e hispânicos). Essas Deflação de 1873-1896 e a Grande Depressão de 1929-
hipotecas de alto risco integram o segmento não prime do 1938), é de «grau». O grau de sobreprodução dos principais
mercado, em conju8nto com as hipotecas Alt A que são os segmentos industriais do sistema capitalista mundial,
empréstimos imobiliários concedidos a indivíduos com bom nomeadamente o automóvel. O grau de sobre acumulação
histórico de crédito, mas sem comprovação de renda. Isto de capital sobre todas as formas, começando desde logo
significa que não contam com garantia governamental nem pelo excesso de capacidade produtiva instalada. O grau de
são adquiridos pelas empresas patrocinadas pelo governo que financeirização que o sistema atingiu, com a explosão dos
viabilizam o mercado secundário e a transformação de meios monetários em circulação, do crédito e do capital
hipotecas em ativos negociáveis (mortgage backed fictício, sem «cobertura» ao nível da produção, o que limita
securities). a expansão do capital financeiro. O grau de concentração e
centralização do capital atingido, com estabelecimento de
Esse tipo de hipoteca surgiu nos Estados Unidos na década de mercados monopolistas ou oligopolistas nos principais
1980, porém o mercado só ganhou importância na segunda sectores de actividade. O grau de sobre-extensão planetária
metade dos anos 1990. A expansão das hipotecas subprime do sistema e da mercantilização de todas as esferas da vida
humana, que limitam a expansão dos mercados.
foi impulsionada, sobretudo, por inovações financeiras que
viabilizaram sua negociabilidade, com o desenvolvimento do [...] A crise estrutural em que o sistema capitalista se
sistema de credit score (que facilitou a avaliação e encontra pode-se depreender das dificuldades crescentes do
precificação dos riscos) e dos chamados derivativos de sistema em restaurar as condições de valorização do capital,
crédito (credit swap, credit option e outros), que permitem a ou seja, as taxas de lucro. A questão é se o sistema ainda
transferência de risco de não pagamento (default). consegue revolucionar as relações sociais de produção,
Igualmente, ocorreram alterações na regulamentação do modificando o seu paradigma produtivo, tecnológico e
setor, as quase autorizavam a concessão de empréstimos energético, para encetar um novo ciclo de expansão? Isto
imobiliários com taxas de juros ajustáveis (ou seja, num quadro de sobre-acumulação de capital, de sobre-
flutuantes) e viabilizaram as vendas das hipotecas pelas extensão do sistema a nível planetário e em que os limites
188
instituições ‘originadoras’ dos empréstimos a vários da natureza se impõem, face ao libelo predatório da
intermediários ou ‘securitizadores’”. acumulação ilimitada de capital. No quadro do capitalismo,
só a guerra poderá provocar o grau de destruição do capital
necessário para a restauração das condições de valorização
do capital. A depressão e a guerra têm sido as duas marcas
constantes do desenvolvimento do sistema capitalista
mundial nos últimos 200 anos”.
73) FERGUSON, Neill: “A ascensão do dinheiro. A história 74) KINDLEBERGER, Charles, ALIBER, Robert Z. “Da
financeira do mundo”, São Paulo, Planeta, 2012, p. 318. euforia ao pânico. Uma história das crises financeiras”,
São Paulo, Gente, 2009, pp.27-28
“A partir do século XIII, os títulos go governo introduziram a
securitização de correntes de pagamentos de juros e os “Nos primeiros dois terços do século XIX, as crises
mercados de títulos revelaram os benefícios dos mercados ocorreram regularmente a intervalos de dez anos (1816,
públicos regulamentados para comercializar e apreçara bens e 1826, 1837, 1847, 1857, 1866) e, depois, com menos
valores imobiliários. A partir do século XVII, as ações de regularidade (1873,1907, 1921,1929). Um modelo
corporações podiam ser compradas e vendidas de maneira desenvolvido por Hyman Minsky é usado para interpretar
similares. Desde o século XVIII, aos fundos de seguro, e as crises financeiras nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha e
depois os fundos de pensão, se aproveitaram das economias em outras economias de mercado. Minsky deu destaque às
de escala e das leis das médias para promover proteção mudanças pró-cíclicas no suprimento de crédito, que
financeira contra o risco calculado. A partir do século XIX, aumentava quando a economia crescia e diminuía durante a
os futuros e as opções ofereceram instrumentos mais desaceleração. Durante a fase de expansão, os investidores
especializados e sofisticados: os primeiros derivativos. E, ficavam mais otimistas sobre o futuro e revisavam para
desde o século XX, as famílias foram encorajadas, por razões cima suas estimativas de lucratividade de uma vasta gama
políticas, a aumentar a alavancagem e a se desviar dos eu de empréstimos. Ao mesmo tempo, do ponto de vista dos
portfólio a favor do mercado imobiliário” credores, tanto suas avaliações de risco de investimentos
individuais quanto suas aversões ao risco diminuem e eles
ficam mais propensos a fazer empréstimos, inclusive para
alguns investimentos que anteriormente lhes pareciam
muito arriscados”.
75) KINDLEBERGER, Charles: “La grande crisis 76) FHARI, Maryse, CINTRA, Marcos Antonio Macedo:
económica 1929-1939”, Madrid, Capitán Swing, 2009, p. “A crise financeira e o global shadow banking system”, in:
460. Panorama das economias internacional e brasileira, Biasoto
Junior, G., Novais, L.F., Freitas, M. P. (orgs.), Fundap, São
“A explicação que este libro contem está em que a depressão Paulo, 2009, (25-45), pp.26-27.
de 1929 foi tão ampla, tão profunda, tão longa, devido a que
o sistema econômico internacional se fez instável pela “Os bancos concedem empréstimos com os recursos que
recebem de seus depositantes e com o seu próprio capital.
incapacidade britânica e falta de vontade norte-americana Mas, sobretudo, os bancos criam depósitos – moeda
para assumir a responsabilidade de estabilizá-lo bancária escritural – ao conceder crédito (Keynes, 1930).
desenvolvendo cinco funções: 1.Manter um mercado Emitem também títulos de dívidas para obter recursos e
relativamente aberto para bens com problemas. 2. conceder novos financiamentos (Chick, 1994). Em geral, os
Proporcionar empréstimos anticíclicos a longo prazo, ou pelo empréstimos concedidos têm prazos mais longos do que os
menos estáveis. 3. Estruturar um sistema estável de tipos de depósitos ou as dívidas. Em decorrência da criação de
depósitos e do descasamento de prazos, o sistema tende a
câmbio. 4. Assegurar a coordenação das políticas ser altamente instável, sujeito a processos de euforia ou
macroeconômicas. 5. Atuar como emprestador de última pessimismo e a corridas bancárias. Por essa razão, foram
instância, por meio do desconto ou outras formas, desenvolvidas instituições para garantir os depósitos, para
proporcionando liquidez nas crises financeiras”. atuar como ‘emprestadores de última instância’, para
regular e supervisionar o sistema, de modo a assegurara que
os bancas sempre detenham ativos suficientes para fazer
frente aos movimentos de saques dos depositantes.
77) FOSTER, John Bellamy. “A financeirização do capital e 78) WOLF, Martin. “As transições e o choque. O que
a crise”, in: Outubro, nº18, São Paulo, 1º semestre 2009, (8- aprendemos – e o que ainda temos de aprender – com a
25), pp. crise financeira”, São Paulo, Companhia das Letras,
2015[2014], p. 361-2.
“A mania especulativa caracteriza-se pelo rápido aumento no
volume de endividamento e um declínio igualmente rápido “Desde 1980, o mundo sofreu seis crises financeiras
em sua qualidade. O pesado endividamento é usado para globalmente importantes: a crise da dívida latino-americana
adquirir ativos financeiros, não com base no fluxo de renda do início da década de 1980; a crise japonesa da década de
que se espera que eles sejam capazes de gerar, mas 1990; a crise tequila de 1994, cujo epicentro foi o México,
meramente no aumento esperado no preço desses ativos. Isso mas que também afetou muitas partes da América Latina; a
é o que o economista Hyman Minsky chamou de ‘Ponzi crise do leste da Ásia de 1997-9; a crise financeira global de
fianance’ ou hiperespeculação. As CDOs, com sua exposição 2007-9; a crise financeira da zona do euro de 2010-3. Essa
a hipotecas subprime – ou o ‘lixo tóxico’ financeiro – lista deixa de lado muitas crises nacionais – a crise de 2001
crescentemente tomaram essa forma clássica. na Argentina, por exemplo – e crise regionais significativas,
entre elas a escandinava da década de 1990. Na verdade,
[...] Na raiz da tendência à financeirização, Magdoff e uma fonte autorizada estima que houve 147 crises bancárias
Sweezy argumentavam, encontrava-se a estagnação da entre 1970 e 2011.
economia real, que é o estado normal do capitalismo
moderno. Nessa visão, não seria a estagnação que (...) O mais assustador é que, com o passar do tempo, as
necessitaria de uma explicação, mas sim os períodos de crises parecem ter se tornado maiores e mais globalmente
rápido crescimento, tal como nos anos 1960. devastadoras. As duas últimas – aas crises financeira global
e da zona do euro – atingiram o núcleo do sistema
Economistas do mainstream têm colocado pouca ênfase na
econômico mundial, afetando economias que geram pouco
tendência à estagnação das economias maduras. Na ideologia
menos da metade do produto econômico global (se
econômica dominante o rápido crescimento é considerado
tratarmos a zona do euro como um único conjunto). Os
como sendo propriedade intrínseca do capitalismo como
países emergentes e em desenvolvimento conseguiram lidar
sistema. Confrontados com o que parecesse ser o princípio de
relativamente bem coma as consequências. Mas essa
uma grave desaceleração da economia somos assim
história não acabou...”.
encorajados a considera-la como um mero fenômeno cíclico
– doloroso, mas que se corrigirá automaticamente. Mais cedo
do que tarde uma recuperação total se dará e o crescimento
retomará seu acelerado passo normal”.
79) ZHOU, Xiaoliang. “Marxist Economic Analysis on the 80) ROGOFF Kenneth, e REINHART Carmen: “Oito
Causes of Crisis and Reflection on the Reform of China’s séculos de delírios financeiros. Desta vez é diferente”, Rio
Harmonious Development” [Análise econômica marxista de janeiro, Elsevier/Campus, 2009, pp.206 e 210.
sobre as causas da crise e reflexão sobre a reforma do
desenvolvimento harmonioso da China], in: The 4th Forum “A crise financeira global de fins de 2000, sob os critérios
of the World Association for Political Economy, Paris, de profundidade, amplitude e duração (potencial) da
France, 2009, p.10. recessão subsequente ou com base em seus efeitos
profundos sobre os mercados de ativos, se destaca como a
“Em conclusão, as razões para esta crise podem ser mais grave crise financeira global desde a Grande
resumidas como o resultado de grave desequilíbrio das várias Depressão e se caracteriza como ponto de inflexão na
relações no coração dos Estados Unidos e outros países história da economia global, cujas consequências
capitalistas, assim como países de economia de mercado provavelmente reformularão a política e a economia durante
global, sob o efeito do direito funcionamento básico da pelo menos uma geração.
190
economia de mercado, da propriedade privada e seus (...) No entanto, o Federal Reserve poderia ter prestado mais
inerentes movimentos contraditórios. Nos últimos 30 anos de atenção ao fato de que o aumento nos preços dos ativos
reforma e desenvolvimento, a China tem conseguido grandes estava sendo impulsionado pela elevação implacável no
conquistas históricas de crescimento econômico rápido e
sustentado. No entanto, o crescimento econômico também índice de endividamento das famílias sobre o PIB, contra o
sofreu uma superprodução mais grave, inflação e altos e pano de fundo de quedas sem precedentes nas taxas de
baixos. Especialmente o problema de se ajustar à situação popança pessoal. Esse índice, que se mantivera mais ou
econômica estrutural vem restringindo o desenvolvimento meno0s estável, em torno de 80% da renda pessoal, até
sustentável da economia chinesa. Neste momento de crise 1993, subira para 120%, em 2003, e para quase 13% em
financeira e econômica, os mercados de capital da China vêm meados de 2006. Trabalho empírico de Bordo e Jeanne e do
deixando cair drástica e rapidamente a inflação, o que afetou
seriamente o desenvolvimento da economia real. Este tem banco de Compensações Internacionais sugeriu que, quando
expostos os problemas dos desequilíbrios estruturais, devido os surtos habitacionais são acompanhados de grandes
à dependência da trajetória histórica do modelo de aumentos no endividamento, os riscos de crise são muito
crescimento econômico chinês e reformas desequilibradas maiores”.
orientadas para o mercado, bem como a participação no
sistema de divisão internacional. Assim, em uma nova fase de
desenvolvimento, qualquer que seja a partir de uma
perspectiva de desenvolvimento ou a partir da perspectiva de
reforma, há um problema sobre como melhorar a
coordenação e harmonia.
81) MORRIS, Charles: “O crash de 2008. Dinheiro fácil, 82) BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello: “Os
apostas arriscadas e o colapso global do crédito”, São antecedentes da tormenta. Origens da crise global”,
Paulo, Aracati, 2009, pp. 30 e 33. Unesp/FACAMP, 2009, p. 25-26.
“Em algum momento de outubro de 2008, os mercados “A desregulamentação, como foi dito, facilitou o
financeiros finalmente entenderam. O mundo estava envolvimento dos bancos no financiamento de posições nos
encalhado numa brutal escassez de crédito e oscilava à beira mercados de capitais e em operações ‘fora do balanço’ com
de uma recessão apavorante. Os mercados de ações derivativos. Essas relações entre bancos de depósitos e
despencaram em todos os lugares, as moedas oscilaram instituições financeiras não bancárias (os ‘bancos-sombra’)
violentamente, os empréstimos interbancários cessaram. Os proporcionaram maior liquidez aos mercados securitizados
governos injetaram trilhões de dólares em empréstimos, e ensejaram elevado grau de ‘alavancagem’ de fundos e
capitalização e planos de resgate, enquanto os mercados de bancos de investimento. Os bancos universais passaram a
crédito permaneciam obstinadamente ‘fechados’. O Federal ‘securitizar’ recebíveis de todos os tipos, em especial os
Reserve, em uma expansão inédita e unilateral de seus baseados em empréstimos hipotecários, dívidas de cartões
poderes, concedeu U$S 800 bilhões em novos empréstimos de crédito, mensalidades escolares – em suma, todo tipo de
em menos de um mês – bancos comerciais, bancos de cash flow com alguma possibilidade de ser pago pelos
investimento, uma grande seguradora, emissores de devedores finais. Os bancos trataram de ‘empacotar’ os
commercial papers e fundos de investimento do mercado créditos, os bons, os ruins, os péssimos, e remover a
191
83) SOUZA, Antônio Renildo: “Dominação global, 84) BARROSO, Aloisio Sérgio Rocha: “Características
neoliberal e financeira”, in: Capitalismo contemporâneo e a centrais do capitalismo contemporâneo – modificações dos
nova luta pelo socialismo – Seminário. São Paulo, Anita últimos trinta anos”, in: Capitalismo contemporâneo e a
Garibaldi/Instituto Mauricio Grabois, 2009, pp.46 e 52. nova luta pelo socialismo – Seminário. São Paulo, Anita
Garibaldi/Instituto Mauricio Grabois, 2009, p. 68.
“Hoje, sob o neoliberalismo, a superacumulação de capital se
expressa, mais visivelmente, no âmbito da esfera financeira “A enfática remissão ao ‘capital portador de juros’ – na
mundial. A instauração da flutuação cambial em 1973 levou a verdade retomada por Chesnais em A mundialização
especulação e a hipertrofia dos mercados de câmbio, à revelia financeira, 1996, com atraso vis-à-vis à interpretação de A
das necessidades produtivas e comerciais. O capital portador mundialização do capital, 1994 – parece-me dificultar –
de juros está, cada vez mais, dominando e redefinindo o pois insuficiente – o desvelamento de um dos vetores
circuito do capital industrial. Assim, as formas funcionais do principais que resulta da visão de conjunto acerca da
capital-dinheiro, do capital-produtivo e do capital-mercadoria dinâmica da financeirização: ‘A dominância financeira é a
se inscrevem em uma circulação subordinada à lógica do expressão geral das formas contemporâneas de definir, gerir
capital especulativo parasitário. Mas dominação não é e realizar a riqueza no capitalismo’ (Braga, 1993 [1988-9]).
exclusão. E existência da esfera financeira depende da
continuidade e da expansão das punções da mais-valia [...] Ademais, essa questão é fundamental para uma das
extraída no processo produtivo. A finança segue a produção, conclusões que devemos mirar: desregulamentou-se e
mas a lógica financeira domina a lógica produtiva.
liberalizou-se o sistema financeiro internacional, de maneira
[...] O capitalismo contemporâneo tem sido marcado por ‘regulada’! De uma série de atos e leis, datados dos anos
relevante desemprego crônico e aumento da desigualdade de 1970 nos EUA, do papel crescente do Fed e do Tesouro dos
renda e riqueza. Aumentaram os episódios das crises EUA aos bancos centrais, ao G-7, aos Acordos da Basiléia
financeiras, como os anos 1990 e 2000 demonstram. (1988, ou um ano após o crash de 1987, em Wall Street), à
Ademais, as crises cíclicas, periódicas, são fomentadas pela internacionalização dirigida dos derivativos pós-mercados
superprodução e superacumulação, sob o acicate da financeiros nacionais desregulados, à imposição quase
globalização da concorrência”. unânime da ‘lei’ da flutuação cambial etc.”.
85) MORAES, João Quartim de: “Para uma análise 86) BOYER, Robert: “Teoria da regulação. Os
marxista da crise”, in: Crítica Marxista, nº 28, São Paulo, fundamentos”, São Paulo, Estação Liberdade, 2009, pp.
2009, (11-14), pp.13-14 132-133.
“Exatamente porque todas as crises estão direta ou “Consequentemente, nos anos 1990, multiplicaram-se as
indiretamente ligadas à produção da riqueza social, é sequências que faziam alternar período de expansão
tautológica a afirmação, reiterada por certos marxistas mais econômica sem precedentes – visto que alavancada pela
abundância de crédito – com bruscas reviravoltas induzidas
apegados à letra do que ao espírito da teoria, de que a causa por fugas de capitais.
das crises está sempre na esfera produtiva. Com certeza, as
hipotecas podres, a especulação desenfreada, as Com intensidade e gravidade variáveis, combinavam-se
‘alavancagens’ mirabolantes são epifenômenos da crise de então crise bancárias e crises cambiais, crises imobiliárias e
superacumulação crônica do capital. Mas o método marxista crises das bolsas, falências bancárias e crises da dívida
consiste em explicar os fenômenos e não em desconsiderá- soberana. Assim, a globalização financeira veio
los. O potencialmente pujante desenvolvimento das forças desestabilizar modos de desenvolvimento que não estavam
produtivas já estava freada pelos limites que as relações desprovidos de tensões nem de contradições, mas cuja
capitalistas impõem à reprodução ampliada do processo viabilidade foi severamente comprometido em de
produtivo. As novas presdigitações para contornar esses ocorrência da erosão, pela finança, da maioria das formas
limites, fazendo dinheiro gerar dinheiro, configuraram uma institucionais e das próprias limitações do modo de
desenfreada fuga para a frente, que estirou as cordas da regulação, diante da novidade e da extensão do choque da
192
87) KOTZ, David: “Marxist Crisis Theory and the Severity 88) TAVARES, Maria da Conceição: “A crise financeira
of the Current Economic Crisis”, in: http://suciologicus. atual”, in: Seminário sobre a crise financeira, FUNAG
blogspot.pt/2011/08/teoria-marxista-da-crise- (IPRI/Itamaraty), Rio de Janeiro, maio 2009, pp.1 e 3.
eseveridade.html (dezembro 2009, pp. 3-4).
“A financeirização da riqueza passou a ser, desde a década
“A crise da década de 1970 não parece ser uma severa crise de 1980, um padrão sistêmico globalizado em que a
estrutural de acumulação da espécie representada pela Grande valorização e a concorrência no capitalismo operam sob
Depressão da década de 1930. De 1929-33 o PIB nos EUA dominância da lógica financeira. Esta lógica originou-se
declinou durante 3,5 anos, caindo em 30,5% ao longo nos EUA e transferiu-se para Londres, no Euromercado na
daquele período. Dez anos depois ele havia recuperado para década de 70. Regressou a Nova York na década de 80 com
apenas 2,8% acima do seu nível de 1929. O investimento fixo a diplomacia do dólar forte e tornou-se a lógica da
dos negócios, o qual em 1933 caiu 28,7% em relação ao seu globalização financeira. Ao alcançar Tóquio, no final da
nível de 1929, dez anos depois (1939) ainda era apenas década de 80, acabou pondo em risco o capitalismo
57,7% do seu nível de 1929. A taxa de desemprego atingiu os organizado japonês e seu ‘produtivismo triunfante’, levando
24,9% em 1933 e era de 17,9% em 1939. Todo o sistema o Japão a maior crise do pós-guerra, na década de 90.
bancário entrou em colapso em 1933, um contraste agudo Finalmente, a lógica da financeirização está sendo posta em
com a década de 1970 quando não se verificou nenhuma crise tela de juízo na atual crise mundial.
financeira séria.
[...] A multiplicação de derivativos especiais de crédito e a
Há muitas evidências de que a crise atual tornar-se-á uma criação de fundos de securitização (hedges funds), sem base
severa crise estrutural de acumulação, mais como aquela da de sustentação e supervisão bancária deram lugar a um
década de 1930 do que a da de 1970. A recessão no sector vasto ‘sistema sombra’.
real dos EUA começou oficialmente em dezembro de 2007,
[...] A crise financeira começou a ficar visível, com o
embora o PIB não tenha iniciado um declínio constante até o
estouro do mercado de derivativos especiais de crédito
terceiro trimestre de 2008. O lado financeiro da crise
hipotecário, os chamados subprime, em agosto de 2007,
começou muito mais dramaticamente, ganhando momento na
quando os fundos que consolidavam posições de alto risco
Primavera e Verão de 2008 e atingindo subitamente o ponto
em novos títulos no mercado secundário passaram a ser
do colapso financeiro em setembro de 2008, quando a maior
rejeitados no mercado monetário e atingiram violentamente
parte das maiores instituições financeiras nos EUA e em
as instituições do mercado hipotecário, em particular a
muitos outros países tornaram-se subitamente insolventes.
Fannie Mae e Freddie Mac”.
Um colapso financeiro total foi evitado pela Reserva Federal
e o Departamento do Tesouro dos EUA providenciando uns
estimados US$12,1 trilhões em várias formas de apoio a
instituições financeiras gigantes e aos mercados financeiros
em geral”.
89) WOLF, Martin: “Para a reconstrução do sistema 90) CHESNAIS, François: “Crisis de sobreacumulación,
financeiro”, Rio de Janeiro, Elsevier/campus, 2010, pp. 4 e crisis de civilización”, in: Hierramienta web 5, Buenos
31. Aires, mayo 2010, pp. 8-9.
“Na qualidade de maior economia do mundo, detentora da “A crise econômica e financeira que está em curso é parte
moeda mais importante do globo, os Estados Unidos são de três grandes crises para as quais convergem numerosos
muito mais capazes que qualquer outro país ou até que alguns processos. Será longa, porque seu substrato é uma
grupos de países, de captar grandes empréstimos no exterior. superacumulação de capacidades de produção. Assume a
Porém, mesmo nos Estados Unidos, a contrapartida interna forma de uma importante superprodução localizada em
de tomada de empréstimos externos acabou gerando o que setores e países determinados, mas seu marco é a economia
veio a revelar-se aumento insustentável no endividamento das mundializada. A superacumulação de capacidades de
famílias. Essa situação redundou na crise do ‘subprime’ – produção está acompanhada por uma imensa acumulação de
fenômeno mais amplo cujas raízes as fincam nas práticas do capital fictício, de direitos a receber parte de valor, mais-
sistema de financiamento hipotecário dos Estados Unidos – e valia e de ‘produtos financeiros derivados’. A crise
eclodiu como o choque financeiro cujas ondas começaram a começou na esfera financeira e neste sentido é a crises do
varrer os países de alta renda em 2007. O déficit externo dos regime de acumulação de proeminência financeira ou
Estados Unidos, então, começou a encolher, à medida que a financeirizado montado em fins da década de 80. Marca
demanda enfraquecia e o dólar despencava”. também o fim do período de hegemonia não compartilhada
dos Estados Unidos iniciado nos anos 80 e especialmente
(...) O ponto fundamental é simples: a liberalização dos desde 1992. Todos os recursos têm sido utilizados (e
sistemas financeiros introspectivos e reprimidos das décadas seguirão sendo utilizados) pelo governo estadunidense
de 1950 e 1960 acarretou excessos e, não raro, redundou em tratando de assegurar tanto da hegemonia estadunidense
como da dominação de Wall Street, dos bancos e dos
graves crises. Além disso, essas crises foram extremamente fundos de investimentos financeiros. A recuperação atual
exacerbadas pela interação dos sistemas financeiros com as [artigo de janeiro de 2010] é só um momento,
193
91) STIGLITZ, Joseph: “O mundo em queda livre. Os 92) BRUNHOFF, Suzanne: “Finança, capital, Estados”,
Estados Unidos, o mercado livre e o naufrágio da economia in: A finança capitalista, Brunhoff, S., Chesnais, F.,
mundial”, São Paulo, Companhia das Letras, 2010, pp.25, 44 Duménil, Gerárd, Lévy, Dominique,Husson, Michel, São
e 472. Paulo, Alameda, 2010 [2006], (32-93), pp.59.
“A única surpresa a respeito da crise econômica de 2008 foi “Em vista do desenvolvimento considerável da finança
que sua chegada pegou muita gente desprevenida. Para uns depois dos anos 1980 e da nova restrição da ‘criação de
poucos observadores, ela seguia exatamente o figurino: não valor para os acionistas’, essas ideias de Marx são de uma
só previsível, mas também prevista. Um mercado
desregulado, inundado de liquidez e com taxas de juros grande ajuda para decifrar o significado do papel
baixas, uma bolha imobiliária global e uma escalda de econômico e social da finança nesse início de século XXI.
empréstimos subprime formavam uma combinação tóxica. Depois do fim do século XX, os ‘excessos’ da finança e da
Acrescentem-se a isso os déficits fiscal e comercial dos ‘criação de valor para os acionistas’ são uma das fontes do
estados Unidos e a correspondente acumulação de enormes crescimento das desigualdades entre as classes sociais. Mas
reservas de dólares na China – ou seja, uma economia global se a crítica dessa ‘patologia’ se refere ao que poderia ser um
desequilibrada – e era claro que as coisas estavam,
terrivelmente mal. papel mais equilibrado das operações financeiras, ela se
esforça por definir uma norma somente para a finança.
[...] À medida que a profundidade da crise encontrava uma Como diz Marx, há somente um capital, sob duas formas
compreensão mais ampla – em abril de 2009 já se tornara a diferentes. A acumulação derivada da concorrência faz com
recessão mais prolongada desde a Grande Depressão -, era que o capital produtivo, apesar das diferenças ou
natural que se buscassem os culpados e que não faltasse culpa contradições secundárias, tenha parte ligada à finança”.
a ser distribuída. É essencial que saibamos a quem, ou pelo
menos a que, se deve atribuir culpas, para que possamos
reduzir as possibilidades de que algo assim volte a ocorrer e
para que possamos corrigir aspectos dos mercados
financeiros atuais que obviamente são disfuncionais.
Devemos nos acautelar contra as explicações demasiados
fáceis: muitas começam pela ganância excessiva dos
banqueiros. Isso pode ser correto, mas não oferece uma base
para a reforma. Os banqueiros agiram com ganância porque
tiveram incentivos e oportunidades para a fazê-lo, e isso é a
busca de lucro: devemos culpara os banqueiros por fazer
(talvez um pouco pior) o que todos na economia capitalista
devem fazer?
93) DUMÉNIL, Gerárd: “Economia”, in: Ler Marx, Renault, 94) ALTVATER, Elmar: “O fim do capitalismo como o
conhecemos. Uma crítica radical do capitalismo”, Rio de
E., Duménil, G., Lowy, M., São Paulo, UNESP, 2010, Janeiro, Civilização Brasileira, 2010, pp. 181-182 e 184.
(205303), pp. 294 e 302
“De resto, as crises financeiras das décadas anteriores
“Marx considera dois tipos de mecanismos suscetíveis de mostraram o grau de instabilidade do ‘regime de
levar ao crash e à depressão. O primeiro diz respeito à acumulação movido pela economia financeira’ e a
superacumulação do capital. (...) Há uma relação estreita com vulnerabilidade dos mercados financeiros desarraigados e
o quadro analítico da lei de acumulação capitalista. Trata-se liberados a crises. Isso se deve, não em último lugar, ao fato
da disponibilidade do trabalho e do efeito de uma escassez de os encargos financeiros da economia real e da sociedade
potencial de mão de obra sobre o poder de compra do salário. em muitos casos conduzirem a exigências excessivas à
O ponto de partida de Marx é a observação de uma fase de capacidade de rendimento na produção do excedente ou da
acumulação mais rápida, ‘geral’ (isto é, em um grande mais-valia. Essa pressão das finanças sobre a economia real
número de ramos), de capital e não de mercadorias. Essa poderia ser chamada de ‘repressão financeira’. Movido
superprodução de capital é característica da fase de pelas finanças, o regime de acumulação inaugura a
‘prosperidade’, em que as empresas contratam e, se esse possibilidade de forçar as expectativas de rendimentos dos
ritmo for muito acelerado (o que é descrito pela noção de atores do mercado financeiro, até a gora ‘represadas’, a
superacumulação), devem pagara salários mais elevados. altura tais que as taxas de lucro do capital real já não
bastam para satisfazer de modo sustentável as exigências
[...] Contudo, Marx insiste: o capital não existe duas vezes, monetárias.
como no ativo e no passivo do balanço das empresas. Ele vê
na multiplicação desses títulos a proliferação de um capital [...] Os proprietários de patrimônios financeiros, os grande
fictício. A questão da relação desse capital fictício com o de fundos e os aplicadores privados tornam-se, portanto,
capital que ele financia é complexa, já que esses títulos ainda mais ricos. A desigualdade crescente daí resultante
podem ser trocados e, por isso, possuem preços suscetíveis de pode ser observada em todas as sociedades e em escala
se desviar do preço do ‘verdadeiro’ capital que representam. mundial. O já citado Relatório sobre a riqueza mundial’
Se os possuidores desses títulos reclamassem conjuntamente (World Wealth Report) informa sobre isso
seu reembolso, o capitalismo entraria numa crise financeira. (www.capgemini.com/wolrdwealthreport06//ww06_1. asp),
Marx tem consciência dessa instabilidade potencial, da qual sobretudo diante do fundo de dados sobre a desigualdade
observou numerosos exemplos, e essa foi uma das razões que social no mundo, tal como publica Human Developemenmt
o levaram a desenvolver o conceito de capital fictício. Essa Report do UNDP (www.hdr.undp,org/
‘ficticidade’ é fonte de instabilidade, e a crise do fim dos reports/global/2005/pdfHDR05_chapteter.pdf).
anos 2000 nos fornece uma nova demonstração disso”.
95) HUSSON, Michel: “Finança, concorrência e 96) BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos: “A crise
reprodução do capital”, in: in: A finança capitalista, financeira global e depois: um novo capitalismo?”, São
Brunhoff, S., Chesnais, F., Duménil, Gerárd, Lévy, Paulo, Novos Estudos CEBRAP 86, Março 2010, (51-72),
Dominique, Husson, Michel, São Paulo, Alameda, 2010, pp.51-52.
pp.304-305.
“A crise bancária que teve início em 2007 e tornou-se uma
“O exame mais detalhado desasa ‘curvas das ‘economias crise global em 2008 provavelmente representará uma
capitalistas’ permite identificar claramente duas fases virada na história do capitalismo. Além de ser uma crise
sucessivas. Até o início dos anos 1980, o lucro e acumulação econômica mais severa enfrentada pelas economias
evoluíram paralelamente, mantendo-se em níveis elevados capitalistas desde 1929, é também uma crise social que,
durante os anos 1960; logo começam a diminuir, inicialmente segundo previsões da Organização Internacional do
nos Estados Unidos, em seguida no Japão e na Europa. A Trabalho, elevou o número de desempregados se cerca de
retomada que se situa entre os dois choques petrolíferos 20 milhões para 50 milhões ao fim de 2009. Segundo a
somente freia esta queda de maneira transitória. As duas FAO, com a queda da renda dos pobres devido à crise e
outras curvas, a do crescimento e a da produtividade, também manutenção dos preços internacionais de mercadorias
evoluem juntas. Então, é o conjunto do círculo vicioso dos alimentares em níveis elevados, o número de pessoas
anos fordistas que se desregula. A dinâmica do capital, desnutridas no mundo aumentou em 11% em 2009 e, pela
medida por essas quatro variáveis fundamentais, faz aparecer primeira vez, superou um bilhão.
uma grande coerência, tanto na prosperidade como na crise.
[...] Neste artigo, resumirei a grande mudança dos mercados
A história que se segue, nas duas últimas décadas, pode ser financeiros mundiais que ocorreu após o fim do sistema de
assim resumida: a taxa de lucro tende a se restabelecer Bretton Woods em 1971 e a associarei à financeirização e à
regularmente (ao menos até 1997) mas não tem sucesso em hegemonia de uma ideologia reacionária, o neoliberalismo.
encadear as outras variáveis, ou tem somente de maneira A financeirização será aqui entendida como um arranjo
195
transitória. Assim, no fim dos anos 1980, a economia financeiro distorcido, baseado na criação de riqueza
mundial parecia anestesiada pelo crash de 1987 e, contra toda financeira artificial, ou seja, riqueza financeira desligada da
a expectativa, apresenta uma bela retomada. O crescimento riqueza real ou da produção de bens e serviços. O
recomeça, e com ele a acumulação, a tal ponto que esse neoliberalismo, por sua vez, não deve ser compreendido
período é caracterizado por um renascimento do interesse apenas como um liberalismo econômico radical, mas
pelos ciclos longos; artigos e declarações otimistas na também como uma ideologia hostil aos pobres, aos
imprensa se multiplicam, então, para anunciar vinte novos trabalhadores e ao Estado de bem-estar social. Sustentarei
anos de crescimento”. que os desdobramentos perversos e a desregulação do
sistema financeiro, combinados com a recusa de regular
inovações financeiras posteriores, foram os novos fatos
históricos responsáveis pela crise. O capitalismo é
intrinsecamente instável, mas uma crise tão profunda e
danosa quanto a atual era desnecessária: poderia ter sido
evitada se o Estado democrático tivesse sido capaz de
resistir à desregulação dos mercados financeiros”.
97) DIERCKXSENS, Wim, CAMPANÁRIO, Paulo, 98) CHOSSUDOVSKY, Michel, MARSHALL, Andrew:
The Global Economic Crisis. The Great Depression of the
CARCANHOLO, Reinaldo, JARQUÍN, Antonio, NAKATANI, XXI Century, (Editors), Montreal, Global Research, 2010,
Paulo, HERRERA, Rémy: “Século XXI: crise de uma Prefácio, pp.2 e 3.
civilização. Fim da história ou começo de uma nova
história?”, Goiânia, CEPEC, 2010, pp.15 e 20. “A existência de uma “Grande Depressão” na escala da
década de 1930, se bem que muitas vezes reconhecida, é
“Uma crise muito peculiar desse regime de produção é obscurecida por um consenso inflexível: “A economia está
constituída pela crise do capital fictício. O capital fictício não a caminho da recuperação”. Apesar de haver conversas
é o próprio capital, e sim sua representação ou forma acerca de uma renovação económica, comentadores da Wall
derivada, sob a forma de ações, títulos da dívida pública e Street persistentemente e intencionalmente têm deixado de
privada. Nas últimas décadas esse desenvolvimento se lado o facto de que o colapso financeiro não é simplesmente
completou com segundas e terceiras formas de derivados, composto por uma bolha – a bolha imobiliária da habitação
sobretudo mediante o sistema de securitização. Esse – que já explodiu. De facto, a crise tem muitas bolhas, todas
desenvolvimento permite a troca de todas as formas de as quais superam a explodida bolha habitacional de 2008.
capital fictício entre si. Esse capital. Portanto, permite que o
capital seja transacionado com a maior facilidade; com isso Embora não haja desacordo fundamental entre os analistas
aumenta a velocidade de sua criação, um dos principais da corrente dominante acerca da ocorrência de uma
fatores de aumento dos lucros fictícios. De acordo com Jorge recuperação económica, há debates tempestuosos sobre
Altamira, o desenvolvimento do capital fictício é a última quando ocorrerá, se no próximo trimestre ou no terceiro
forma do capital, quando este perde sua forma concreta com trimestre do próximo ano, etc. Já no princípio de 2010, a
o trabalho e quando o capitalista se transforma em um “recuperação” da economia dos EUA fora prevista e
parasita absoluto, que prospera por meio de pura confirmada através de uma barragem de desinformação dos
transformação de papéis. media com palavras cuidadosamente escolhidas. Enquanto
isso, os problemas sociais do desemprego agravado na
[...] Se a esta crise forem acrescentadas as ameaças América foram escrupulosamente camuflados. Economistas
ecológicas e até mesmo o perigo de uma grande guerra, viram a bancarrota como um fenómeno microeconómico.
poderia surgir uma aliança política dos trabalhadores que
[...] A opinião pública continua a ser enganada quanto as
transcenda as fronteiras entre o Norte e o Sul. Isso porque, causas e as consequências da crise econômica, para não
em meio a tal crise civilizatória, o Bem Comum se encontra mencionar as soluções políticas. As pessoas são levadas a
mais longe mas é mais necessário que nunca. Nessa acreditar que a economia tem uma lógica por si própria a
conjuntura, a ética solidária poderia triunfar sobre a ética do qual de pende da livre inter-atuação de forças de mercado e
‘salve-se quem puder’. Por conseguinte, uma consciência que os poderosos atores financeiros, os quais puxam os
solidária e de cidadania mundial, acima das divisões entre cordéis nos gabinetes das administrações corporativas, não
poderiam, sob quaisquer circunstâncias, ter deliberadamente
culturas, fronteiras, taças, gerações, sexos, religiões, idiomas influenciado o curso dos acontecimentos econômicos.
e costumes, pode ser vislumbrada no horizonte como tábua
de esperança e salvação frente a uma profunda crise de [...] Vastas quantidades de riqueza monetárias são
civilização”. adquiridas através da manipulação do mercado.
Mencionada muitas vezes como ‘desregulamentação’, o
aparelho financeiro desenvolveu instrumentos refinados de
manipulação e engano sem rodeios. Com informação
interna e conhecimento antecipado, os principais atores
financeiros, utilizando os instrumentos do comércio
especulativo têm a capacidade para manipular e burlara os
movimentos do mercado em seu proveito, precipitar o
colapso de um competidor e arruinar economias de países
em desenvolvimento. Estas ferramentas de manipulação
tornaram-se parte integrante da arquitetura financeira; elas
196
99) HARVEY, David: “O enigma do capital e as crises do 100) SAIKH, Anwar: “The first great depression of the 21st
capitalismo”, São Paulo, Boitempo, 2011, pp.10 e 212. century”, Socialist Register, fall, 44-63, 2011, pp.44.
“No outono de 2008, no entanto, a ‘crise das hipotecas “A crise econômica geral que se desatou internacionalmente
subprime’ como veio a ser chamada, levou ao em 2008 é uma Grande depressão. Foi iniciada por uma
desmantelamento de todos os grandes bancos de Wall Street, crise financeira nos EUA, mas não foi a causa. A crise é
como mudanças de estatutos, fusões forçadas ou falências. O
dia em que o banco de investimento Lehman Brothers uma fase absolutamente normal de uma tendência
desabou – em 15 de setembro de 2008 – foi um momento recorrente a longo prazo da acumulação capitalista, na qual
decisivo. Os mercados globais de crédito congelaram, assim sucedem ondas longas expansivas e depressivas. Quando
como a maioria dos empréstimos do mundo. Como o tem lugar a transição, a saúde da economia muda de boa
venerável ex-presidente do Federal Reserve Paul Volcker para má. Numa onda longa depressiva um choque pode
(que cinco anos antes, juntamente vários outros comentaristas desencadear uma crise, exatamente como ocorreu com o
de prestígio previram a calamidade financeira se o governo
dos EUA não forçasse o sistema bancário a reformar seu colapso do mercado das hipotecas subprime em 2007, e
funcionamento observou, nunca antes as coisas haviam como choques anteriores desencadearam as crises dos 1820,
despencado ‘tão fácil e tão uniformemente ao redor do 1870, 1930 e 1970. Em sua justamente reconhecida obra A
mundo’. O resto do mundo, até então relativamente imune (à grande crise de 1919, John Kenneth Galbraith assinalou que
exceção do Reino Unido, onde problemas análogos no se a Grande Depressão dos anos 1930 foi precedida por
mercado de habitação já rinham vindo à tona, o que levou o
uma crescente especulação financeira, foi, não obstante, o
governo a nacionalizar uma casa de empréstimos importante,
a Northen Rock), foi arrastado precipitadamente para a lama, débil e frágil estado da economia em 1929 o que permitiu
gerada em particular pelo colapso financeiro dos EUA. No que a derrubada dos mercados bursáteis desencadeasse o
epicentro do problema estava a montanha de títulos de colapso econômico. O mesmo sucede hoje. Aqueles
hipotecas ‘tóxicos’ detidos pelos bancos ou comercializados preferem considerar cada um destes episódios como
por investidores incautos em todo o mundo. Todo mundo acontecimentos excepcionais, como a casual aparição de
tinha agido como se os preços dos imóveis pudessem subir
para sempre. um ‘cisne negro’ num bando até então de brancos,
esqueceram a dinâmica histórica que tentam explicar. E no
[...] O capital, concluí, nunca resolve suas tendências a crises, processo esquecem também, convenientemente, que é a
simplesmente as contorna. Faz isso num duplo sentido, de mesma lógica do benefício a que nos condena a repetir a
uma parte do mundo para outra e de um tipo de problema história uma outra vez.
para outro. Nesse sentido, a crise que eclodiu principalmente
no mercado imobiliário dos Sul e Sudoeste dos Estados
Unidos (juntamente com os do reino Unido, Irlanda e
Espanha) teve impactos nos mercados financeiros de Nova
York e Londres, antes de ‘tornar-se global’ e ameaçar o
comércio mundial, em quase toda a parte (depois de passar
pelos bancos islandeses, Dubai World, a falência da Letônia,
o desastre do orçamento da Califórnia e as crises da dívida
grega e, em seguida, irlandesa). Embora alguns sistemas
bancários nacionais, como os da Irlanda, Portugal e Espanha,
que vão ou poderão necessitar de mais ajuda do Estado, dado
o elevado volume de ativos tóxicos que restaram dos booms
fictício do mercado imobiliário que precederam a crise, o
sistema financeiro global parece estabilizado por um conjunto
de intervenções do governo”.
101) ASSIS, José Carlos, DÓRIA, Francisco Antonio: 102) MOLLO, Maria de Lourdes Rollemberg: “Crédito,
“Universo neoliberal em desencanto”, Rio de Janeiro, capital fictício, fragilidade financeira e crises: discussões
Civilização Brasileira, 2011, pp. 199 e 201. teóricas, origens e formas de enfrentamento da crise
atual”, in: Economia e Sociedade, Campinas, nº 43,
“É preciso notar que não estamos diante de uma conspiração dezembro 2011, pp. 450 e 465.
malvada de banqueiros. O comportamento especulativo deles
surge da própria natureza da crise em que estão mergulhados: ““A crise econômica atual abalou as convicções liberais
carregados de trilhões de dólares em títulos podres, têm de se conservadoras no poder autorregulador do mercado,
preparar para dar baixa deles no momento do vencimento. Se levando mesmo alguns liberais a, pragmaticamente,
efetivamente não forem pagos pelos devedores, nesse intitularem-se keynesianos com a defesa da intervenção
momento terão de abater o respectivo valor do seu lucro ou salvadora do Estado nas economias. Não há, porém,
do capital. Como os montantes podres são exagerados, isso consenso, mesmo de última hora, porque as prescrições de
pode representar a quebra de risco ou de estatização. política econômica dependem de teorias que permitam
inferir sobre a ocorrência de eventos como as crises e,
[...] Mais do que uma crise financeira, uma crise econômica desvendando suas razões, proponham formas de
enfrentamento mais adequadas. Nesse sentido, as teorias
197
de grandes proporções mantém estagnadas as economias dos ortodoxas liberais conservadoras não têm muito a dizer,
países industrializados avançados. A essência dessa crise é uma vez que a crença nos preços livres e flexíveis como os
uma arquitetura financeira fracassada, que se embebedou da melhores reguladores econômicos tornam a crise financeira
atual e as anteriores, inexplicáveis. Afinal, não há mercados
especulação até tornar-se disfuncional. O sistema bancário, em que os preços sejam mais flexíveis que os financeiros e,
que em outro tempo funcionava como o pulmão do apesar disso, foi neles que ela desencadeou-se.
capitalismo, e que tradicionalmente transformava depósitos e
poupanças de curto prazo em empréstimos produtivos de (...)Os custos sociais do neoliberalismo, mesmo antes da
longo prazo, voltou-se para operações especulativas de curto crise, foram incalculáveis. Ela pune os que perderam com o
prazo a fim de contrabalançar trilhões de dólares em neoliberalismo, ou seja, os trabalhadores, no início, com o
empréstimos podres que mantém em suas carteiras, herdados fim do chamado “compromisso keynesiano”, conforme
da fase ultraespeculativa, e dos quais deverá dar baixa ao Duménil e Lèvy (2004). Em seguida, com a concorrência
ritmo de seu vencimento”. acirrada, a busca de redução de custos acentuou-se em
particular sobre os salários, dada a dominação do capital
financeiro sobre o produtivo, que aumentava as taxas de
juros e, de forma a compensar tais custos, pressionava para
a redução dos salários, explicitando um dos fatores que
levam a financeirização a ser excludente, de acordo com
Salama (1996). As exigências de rendimentos elevados dos
investidores institucionais, dentro da lógica que privilegia o
acionista, são ajustadas por meio da queda da massa salarial
(Plihon, 1999)”.
103) BARROSO, A.S. e SOUZA, R. “A maior crise em 70 104) “FERGUSON, Charles: “O sequestro da América.
anos”, in: A grande crise capitalista global 2007-2013: Como as corporações financeiras corromperam os Estados
gênese, conexões e tendências, Barroso e Souza (orgs.), São Unidos”, Rio de Janeiro, Zahar, 2013, p. 263.
Paulo, Anita Garibaldi/Fundação Maurício Grabois, 2013, pp.
“Os maiores eminentes acadêmicos dos Estados Unidos,
327 e 341. particularmente aqueles que estudaram, escrevera sobre e/ou
trabalharam com regulamentação e desregulamentação
“A crise capitalista dos anos que corre, se inscreve num financeira, ganharam fortunas de Wall Street defendendo
cumulativo e dramático processo de severa regressão seus interesses no Congresso, em litígios regulatórios, nos
civilizatória das sociedades burguesas – sejamos enfáticos. tribunais e na imprensa. Iremos estudar em detalhes alguns
Notadamente os Estados Unidos e o “velho mundo” europeu exemplos, todos eles de grande destaque.
forma precitados pela crise, a um “afundamento” econômico-
Glenn Hubard, Larry Summers, Frederik Minshkin,
social assentado sobre sociedades já carcomidas, incapazes de
Richards Portes, Laura D’andrea Tyson, Martin Feldstein,
oferecer expectativas futurísticas às aspirações humanas duma
Hal Scott, John Campbell
superioridade civilizacional.
105) NUNES António Avelãs: “A crise do capitalismo: 106) BLYTH, Mark. Austeridade: a história de uma ideia
capitalismo, neoliberalismo, globalização”, Lisboa, Página a perigosa, São Paulo, Autonomia literária, 2017, p.323.
página, 2013, pp. 167-8, 6ª edição.
“Resgatar levou à dívida. A dívida levou à crise. A crise
“Não é de espantar, por isso mesmo, que o ‘tratamento de levou à austeridade. Talvez pudéssemos ter evitado esta
choque’ imposto à Grécia tenha provocado, desde o início da sequência – como este livro mostrou, houve momentos de
crise, uma baixa de 25% do PIB e uma taxa de desemprego opção. Não havia nada de inevitável na austeridade. Mesmo
que é a maior da Europa (27%). Ao mesmo tempo, enquanto que, na raiz, sua causa seja um sistema bancário grande
o povo sofre as penas deste ‘tratamento de choque’, os demais para resgatar, preso dentro de um padrão-ouro
senhores do capital (Grécia, em Portugal e em outros países), moderno e um aparelho monetário apocalíptico que parece
com a colaboração dos grandes governos nacionais e das ter limitado as opções a ‘adicionar’ a liquidez do Banco
autoridades europeias, vão colocando os seus milhões a bom Central, espremer o orçamento e rezar’”.
recato nos paraísos fiscais ao seu dispor”.
107) BRAGA, José Carlos de Souza: “Qual conceito de 108) SILVA, Luiz Afonso Simoens da: “Moeda e crise
Financeirização compreende o capitalismo econômica global”, São Paulo, Unesp, 2015, p.116.
contemporâneo?”, in: A grande crise capitalista global
2007-2013: gênese, conexões e tendências (Barroso, A.S e “Não era difícil supor, portanto, que esse mercado de lixo
Souza R, orgs.), São Paulo, Anita Garibaldi/ Fundação tóxico entraria em colapso, ainda que apenas uns poucos
Maurício Grabois, 2013, p. 127. analistas o tenham feito. Foi o que aconteceu entre junho e
setembro de 2007. Quando começaram as inadimplências,
“A interpretação da crise, das evoluções posteriores a elas e não apenas as subprimes, mas todas as outras carteiras que
as indicações de políticas públicas (regulação incluída) estão as continham também derreteram. Um clássico caso de
evidentemente interligadas. A tese aqui defendida é de que, contágio. Em junho e julho de 2007, começou o processo de
em primeiro lugar, mesmo essa ‘grande crise’ é um deflação de ativos e os mercados de notas promissórias
(AssetBacked Commercial Papers- ABCP) e os CDO
fenômeno estrutural (não episódico) da dinâmica do travaram. Na sequência, o mercado interbancário paralisou.
capitalismo financeirizado. Em segundo lugar, as evoluções Como a classificação dos papéis também começou a cair, os
dinâmicas – tanto na escalada quando na queda – das investidores institucionais começaram a vende-los porque,
economias nacionais e da economia internacional são por obrigação legal, seus títulos em carteira precisam ser
compatíveis com as determinações teóricas desse padrão compreendidos dentre os de melhor classificação.
sistêmico de riqueza que é a financeirização. E, em terceiro
Um terceiro complicador foi definir os papéis das
lugar, como assinalado por este autor em trabalho anterior
seguradoras nesse processo. Isso tem a ver com od
(Braga, 2009), as políticas de enfrentamento da crise
derivativos de crédito ou Credit Defualt Swaps (CDS)
sistêmica global (e das crises locais) apontam na direção da
sucedâneos do seguro de portfólio. O CDS é, em última
‘perpetuação’ do padrão vigente, o qual ficaria imutável, no
análise, uma troca: o banco quer melhorar a classificação de
fundamental, enquanto ao mesmo tempo tais políticas tratam
um papel e, para isso, paga a uma seguradora pata ter o seu
somente de aperfeiçoar a necessária, porém insuficiente,
rating. (...) Na crise, a situação das seguradoras ficou tão
estratégia vigente nos Acordos de Basileia”.
periclitante que os bancos foram obrigados a capitalizá-
las”.
109) PIKETTY, Thomas: “O capital no século XXI”, São 110) MARICHAL, Carlos: “Nova história das grandes
Paulo, Intrínseca, 2014, p.289. crises financeiras. Uma perspectiva global, 1873-2008”,
São Paulo, FGV Editora, 2016, p. 306.
“Vimos que a crise financeira em si não parece ter
influenciado a alta estrutural da desigualdade. Mas e a “Devido ao impacto e à profundidade das crises nos países
causalidade inversa? Seria possível que a alta da ricos, a maioria dos países membros das nações Unidas
desigualdade americana tivesse contribuído para a eclosão teme que no futuro próximo se reduzam os apoios
da crise de 2008? Considerando que a parcela do décimo financeiros às nações e sociedades mais necessitadas. O
superior na renda nacional americana a tingiu dois picos perigo é mãos que real pelo fato de que os governos dos
absolutos ao longo do último século, um em 1928 (às Estados Unidos, da Europa e do Japão estrarão ocupados
vésperas da crise de 1929) e o segundo em 2007 (às por um longo tempo na gestão dos programas de resgate de
vésperas da crise de 2008), é difícil evitar vessa pergunta. seus sistemas financeiros e no tratamento cada vez mais
complicados das gigantescas dívidas públicas que se têm
Do meu ponto de vista, não resta dúvida que o aumento da acumulado como consequência da catástrofe de 2008.
desigualdade contribuiu para fragilizar o sistema americano.
A razão é simples: a alta da desigualdade teve como A crise de 2008 obrigou grande número de governos dos
consequência uma quase estagnação do poder de compra países mais avançados a expandir o gasto público para
199
das classes populares e médias nos Estados Unidos. Daí só reduzir os efeitos perniciosos da queda da atividade
poderia resultar o endividamento crescente das famílias econômica. Em particular, foi canalizada enorme
menos abastadas, sobretudo considerando que o acesso ao quantidade de recursos para resgatar os bancos privados,
crédito foi ficando cada vez mais fácil e a falta de regulação em princípio para restabelecer a confiança em seus
dos bancos e instituições de intermediação financeira, cada impactados sistemas financeiros. Ao mesmo tempo, os
vez menos escrupulosa, ávidas por bons rendimentos, pela mecanismos estabilizadores, como a seguridade social e o
enorme poupança financeira injetada no sistema pelos mais apoio aos desempregados nos países desenvolvidos,
ricos”. exigiram o apoio das finanças públicas. Porém,
simultaneamente, a Grande Recessão dos anos 2008 e 2009
provou sérias quedas na arrecadação de impostos. A
consequência foi uma explosão dos déficits públicos, que
chegaram para ficar, na Europa, nos Estados Unidos e no
Japão”.