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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

ALOISIO SERGIO ROCHA BARROSO

Dimensões e tendências da grande crise


capitalista contemporânea (2007-2017)

Campinas
2019
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA

ALOISIO SERGIO ROCHA BARROSO

Dimensões e tendências da grande crise


capitalista contemporânea (2007-2017)

Prof. Dr. Denis Maracci Gimenez – orientador

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da Universidade Estadual de
Campinas para obtenção do título de Doutor em Desenvolvimento Econômico na área
de Economia Social e do Trabalho.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À


VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO
ALUNO ALOISIO SERGIO ROCHA BARROSO,
ORIENTADO PELO PROF. DR. DENIS
MARACCI GIMENEZ.

Campinas
2019
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA

ALOISIO SERGIO ROCHA BARROSO

Dimensões e tendências da grande crise


capitalista contemporânea (2007-2017)

Prof. Dr. Denis Maracci Gimenez – orientador

Defendida em 14/02/2019

COMISSÃO JULGADORA

Prof. Dr. Denis Maracci Gimenez - Presidente


Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Prof. Dr. Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo


Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Prof. Dr. João Carlos Kfouri Quartim de Moraes


Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Prof. Dr. Antonio Renildo Santana Souza


Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Prof. Dr. Alessandro Cesar Ortuso


Faculdades de Campinas (FACAMP)

A Ata de Defesa, assinada pelos membros


da Comissão Examinadora, consta no
processo de vida acadêmica do aluno.
Agradecimentos

Ao Professor Doutor Denis Maracci Gimenez, sem o qual não teria tido o empenho de
retomar o trabalho desta pesquisa iniciado há alguns anos. Sua paciência,
desprendimento e sugestões foram responsáveis por ter sido finalizado o estudo. Denis
deu sequência em orientar à ideia inicial dessa discussão, que teve o Professor Doutor
Carlos Alonso B. de Oliveira como primeiro tutor.

Essa tese, no seu esboço, sofreu leitura e observações de José Carlos S. Braga, de Luiz
G. Belluzzo e de João Quartim de Moraes, mestres da mais alta relevância no estímulo e
formação de gerações de pesquisadores das Ciências Humanas no Brasil. A eles, o meu
sincero agradecimento.

Igualmente, sem o apoio de meus companheiros da direção nacional do PCdoB (Partido


Comunista do Brasil), especialmente de Adalberto Monteiro, Luciana Santos, Walter
Sorrentino e Renato Rabelo, liberando-me, na medida do possível, de tarefas,
dificilmente haveria de concluir esse trabalho.

Os amigos (as) incentivadores e funcionários (as) que estiveram envolvidos com as


minhas atribuições acadêmicas, do mesmo modo contribuíram para que levasse adiante
a conclusão do doutorado.

Muito obrigado a todos (as)

PS: Conclusivamente, foram críticos generosos da defesa desta Tese, os professores


doutores Alessandro Ortuso (FACAMP), Antonio Renildo Souza (UFBA), Denis
Maracci Gimenez (UNICAMP), João Quartim de Moraes (UNICAMP) e Luiz Gonzaga
Belluzzo (UNICAMP/FACAMP). Também Alonso Barbosa de Oliveira, Anselmo Luís
dos Santos e Denis M. Gimenez muito contribuíram quando da qualificação da pesquisa
para a discussão na banca examinadora. Reitero a todos meu enorme apreço.
Epígrafes

À minha querida mãe Maria José Rocha Barroso

A meus irmãos, Carlos Maurício e Marcos Antônio e a nossa


amizade - feito vinho

Em memória de Aloisio Barroso (1926-2008) o responsável


primeiro por nossa educação.

À Paula Vilhena, minha companheira, a quem não tenho


palavras para agradecer o tamanho de seu apoio
Resumo
Esta Tese discute as dimensões e as tendências atuais da crise capitalista global
detonada em 2007-8, em seu longo processo (2007-2017). Trabalha especialmente com
categorias nucleadas pelo marxismo, mas não só. Teoricamente, se insere nas variantes
da economia política de diversas escolas críticas da apologia do neoliberalismo. Assim,
debate as origens da grande crise deste início do século XXI, a partir da nova roupagem
do regime de acumulação financeirizado e substitutivo do acordado em Bretton-Woods.
Sublinha o colapso dos fundamentos teóricos do capitalismo neoliberal, a partir de uma
visão crítica da economia política neoclássica e suas explicações inverossímeis,
fantasiosas; assim como de saídas para a crise por caminhos que renegam suas próprias
bases epistemológicas - flagrante aporias. Ao apontar e caracterizar as fases dessa crise
– persistente, sistêmica e socialmente regressiva e reacionária - assinala tendências
contemporâneas deste capitalismo, ao tempo em que critica a ideia de “estagnação como
modo de ser” do capitalismo da época dos monopólios subsumido à grande finança.
Sugere transformações operadas na base técnica deste capitalismo (em crise), que
reconfiguram a fase desta etapa do imperialismo, e seus grandes impasses.
PALAVRAS-CHAVE – Crise sistêmica global – depressão – financeirização –
revolução industrial - estagnação/crescimento - desenvolvimento
Abstract

This thesis discusses the current dimensions and trends the global capitalist crisis
detonated in 2007-8, in his long process (2007-2017). It works especially with Marxism
nucleate categories, but not only. Theoretically, it is inserted in the variants of the
political economy of several openly critical of the apology of neoliberalism schools.
Thus, this thesis debates the great crisis of the earlier XXI Century origins, from its new
outward appearance of the financialized accumulation and substitutive of Bretton-
Woods Agreement regime. It stresses the collapse of neoliberal capitalism theoretical
foundations based on a critical view of neoclassical political economy and on its
implausible, fanciful explanations; as well as the crisis way outs that deny their own
epistemological bases — clear aporias. By indicating and characterizing the phases of
this — persistent, systemic, socially regressive and reactionary — crisis, it points to the
contemporary tendencies of capitalism, while criticizis the idea of "stagnation as mode
of being" of monopoly age subsumed to great finance capitalism. It suggests
transformations operated on technical basis of this capitalism (in crisis), which
reconfigure the phase of this stage of imperialism and its great impasses.

KEYWORDS - Global systemic crisis - depression - financialization - industrial


revolution - stagnation / growth – development
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 11-16
INTRODUÇÃO 17-21
CAPÍTULO 1. Espectros da grande crise global 22-43
1.1 - Outro “crepúsculo de ilusões” 22-24
1.2 - O “modelo” da depressão 25-26
1.3- O sistema bancário sombra (na depressão) 26-28
1.4 - Os gráficos “depressivos” de Eichengreen & O’Rourke 28-30
1.5 - Anwar Shaik e a primeira grande depressão do século XXI 30-31
1.6 - Michael Roberts e a “Longa depressão” 31-32
1.7 - Historicidade das categorias e dialética 32-37
CONSIDERAÇÕES FINAIS 37-43

CAPÍTULO 2 - Evolução e dinâmica à grande crise. Relato estilizado da construção da


crise global 44-56
2.1 - Emergência de um novo padrão de acumulação 44-45
2.2 - Liberalização financeira, instabilidade e crises 46-47
2.3 - O novo regime de “mercados autorregulados” (1980-90) 47-48
2.4 - Financeirização e crises 48-51
2.5 -A crise em sua tipificação exteriorizada 52-56

CAPÍTULO 3 - A grande crise e tendências do capitalismo contemporâneo 57-99


3.1 - Neoliberalismo, conceito e crise: reconfigurando o debate 57-60
3.2 - Globalização neoliberal e a nova divisão internacional do trabalho: no rastro da
crise 60-66
3.4 - Neoliberalismo e fases da crise iniciada em 2007-8: uma periodização 66-69
3.5 - A crise em sua definição plena 69-70
3.6 - Superacumulação e crises financeiras - um olhar a partir de Marx 70-72
3.7 - O histórico e o lógico. Desconhecimento e negação da teoria de Marx 72-74
3.8 – Abstração real, capital fictício e crises 74-76
3.9 - Superacumulação e a polêmica Lei da Tendência de Queda da Taxa de Lucro76-80
3.10 - Sistema de crédito, especulação e crises 80-82
3.11 - Um debate sobre tendências atuais do capitalismo 82-89
3.12 - Crises e revoluções industriais 88-94
3.13 - Desemprego estrutural e crescente 94-96
3.14 - Limites históricos ou nova fase do capitalismo? 96-98
CONSIDERAÇÕES FINAIS 98-99

CAPÍTULO 4 - Crise, estagnação, e crescimento no capitalismo dos monopólios: a


crítica marxista de Lênin 100-126
4.1 - Marxismo e escatologia 101-102
4.2 - Refúgios do marxismo vulgar 102-104
4.3 - Lênin desenvolve o marxismo 105-107
4.4 - Lênin e as controvérsias sobre a “teoria do colapso” 107-109
4.5 - Lênin, dialética e economia política 109-111
3.5 - “Subconsumismo” e “estagnacionismo”: deformações siamesas 112-115
3.6 - Crescimento-crise. Mutações do capital monopolista financeiro 115-120
4.7 - “Estagnação” de inspiração neoclássica X teoria de Lênin 120-123
CONSIDERAÇÕES FINAIS 123-126

CONCLUSÕES 127-133

BIBLIOGRAFIA 134-162

APÊNDICE 162-200
11

Apresentação

Esta investigação, em seu conjunto, possui uma orientação epistemológica nucleada na


economia política marxista - mas não só. Considera que os desenvolvimentos teóricos
em J. HOBSON, V. LÊNIN, J. SCHUMPETER, M. KALECKI, J.M. KEYNES, mais
recentemente J.P.H. MINSK, e vários de seus seguidores contemporâneos confluem
como construtores de um poderoso edifício da economia política crítica e progressista,
suficientemente consistente para explicar e perspectivar a natureza da dinâmica ciclo-
crise do capitalismo atual.

Focada na natureza e nas implicações gerais da tempestade financeira e


econômica que desabou desde 2007-8, argumenta que a teoria que sustenta a postulação
neoliberal – que a interpreta e projeta saídas dessa grande crise -, involuiu de tal
maneira a alcançar uma degeneração caricatural da economia política neoclássica. Não
se trata de retórica.

A Economia Política Neoclássica foi configurada numa escola do pensamento


econômico que passa a ser hegemônica (entre 1870 e 1930, aproximadamente), onde
suas bases teóricas tem como vértice a ideia de que o Estado não deve se intervir nos
assuntos do mercado; o mercado assim poderia funcionar livremente.1

Essa teoria não aceita o caráter endógeno das crises no regime econômico-social
do capital: elas são episódios eventuais em geral causados por “desequilíbrios dos
mercados” ou mesmo pela intervenção dele.2 Ora, ainda que não sejam idênticas as

1
Variante do liberalismo econômico, surgiu em fins do século XIX, com o austríaco Carl Menger (1840-
1921), o inglês William Stanley Jevons (1835-1882) e o suíço Léon Walras (1834-1910). Num outro
estágio, o inglês Alfred Marshall (1842-1924), o sueco Knut Wicksell (1851-1926), o italiano Vilfredo
Pareto (1848-1923) e o estadunidense Irving Fisher (1867-1947). Autores dividem-na em Escola
Walrasiana, Escola de Chicago e Escola Austríaca (CARNEIRO, 2002; SANDRONI, 2005). Nesta última
pontificou F. V. Hayek (1899-1992), também um líder teórico do individualismo e do subjetivismo
metodológico (ANDRADE, 2003).

2
Vale notar que, N. GIALL (2009) sublinha que a própria Anna J. SCHWARTZ, com Milton
FRIEDMAN co-autora de “História Monetária dos Estados Unidos” (1963), explicou o seguinte: “A
crise do crédito foi propagada pela securitização e, especialmente, pela adoção do modelo “originar para
distribuir” de concessão de crédito bancário, em substituição ao modelo tradicional “originar para
guardar”. Essas inovações bancárias, e, especialmente, as práticas da indústria de derivativos, agravaram
os problemas. (...) Os principais culpados pela crise atual são os engenheiros financeiros que inventaram
a securitização dos empréstimos hipotecários e também o empréstimo hipotecário de alto risco. A
securitização passou do setor de empréstimos hipotecários para a emissão de papéis comerciais, para o de
contas de cartão de crédito a receber e outras categorias de empréstimos”. (Ver: “Dinheiro, ganância,
tecnologia”, p. 8, itálico nosso http://www.estadao.com.br/ext/especiais/2008/09/gall.pdf).
12

teorias econômicas neoclássicas e a doutrina do neoliberalismo – trata-se de uma


espécie de remake -, o incontornável é que a crise que atormenta grandes massas
trabalhadoras e alastrou as desigualdades é uma incontestável débâcle multilateral da
sustentação ideológica do capitalismo contemporâneo, ainda que não haja ocorrido seu
funeral.
Em seu estudo clássico, e conforme criticou também H.P.MINSKY,3 eis a
síntese neoclássica: na ausência de choques externos, um sistema de livre mercado
sempre surgirá – sempre – “um equilíbrio autossustentado de pleno emprego e preços
estáveis”.
Essa teoria foi paulatinamente “sequestrada” pela financerização das diversas
formas de riqueza do capitalismo. Sequestro este que, a) tornou-a refém permanente do
oligopólio financeiro mundial, até liquidar-se o conjunto da legislação protetiva da
“repressão financeira” construída após a Grande Depressão dos anos 1930; b) o que
culmina no mergulho depressivo iniciado em 2007-8, fenômeno global que desde então
arrasta penosamente a economia mundial a violentos retrocessos.

Teoria neoclássica, aliás, deformada a tal ponto que chegou a ser defendida por
Douglass NORTH (Nobel em Economia) como geradora de extensão da teoria política
contemporânea. Mascarada de “institucionalista”, as postulações neoclássicas de North
vão desde: a) a ideia de que não temos nenhuma teoria convincente – “permanece sem
explicação” - da sociologia do conhecimento que dê conta da eficácia (ou ineficácia) de
ideologias; b) de que o modo “pelo qual a mente processa informações” embasa a
existência de instituições, sendo essencial no conjunto de escolhas na evolução das
sociedades, “tanto no curto quanto no longo prazo”; c) onde, ainda que não tenhamos
uma boa explicação “para as normas sociais”, podemos modelar essa normas com
“propriedade de maximização da riqueza” a partir da teoria do jogos, o que amplia
nossa compreensão de formas de troca “mais complexas, a exemplo da evolução inicial
dos mercados financeiros”; d) ou ainda que, é simplesmente “impossível” interpretar a
história ou as economias contemporâneas “sem reconhecer o papel central das

3
Ver: “Estabilizando uma economia instável. A inclinação natural das economias de mercado,
complexas e globais, em direção à instabilidade”, H.P. Minsky, São Paulo, Novo Século, 2013, p.194.
13

preferências subjetivas”, embora estejamos longe de “deter quaisquer modelos límpidos


de evolução cultural”.4

Enfim - e espantosamente -, North assim sintetiza o essencial de sua ambiciosa


teoria da religiosa “auto -regulação dos mercados”, agora criadora da teoria do
equilíbrio político!

“Os desdobramentos da teoria política dos últimos 25 anos foram


paralelos a desdobramentos na teoria econômica. Começavam em um
cenário a-institucional, em que o modelo se equiparava ao modelo a-
institucional da teoria econômica. Só que os resultados, em termos da
teoria formal, era que não se sucedia nenhum equilíbrio estável e que o
processo cíclico seria um padrão contínuo dos sistemas políticos (pelo
menos em modelos bipartidários não ideológicos). Como essa dedução
formal entrasse em conflito com estudos empíricos e descritivos, que
não apresentavam nenhuma indicação de tais características
desequilibrantes, restava dar um passo adiante na teoria política a fim de
sondar o traço da estrutura institucional que proporcionaria a evolução
de estados de equilíbrio no sistema político” (idem, pp.90-91)
Pior ainda: como veremos adiante, o arsenal (inédito) de medidas proposto à
saída da crise são a completa negação do núcleo teórico do neoclassicismo econômico;
ademais de nem de longe recompor crescimento econômico anterior à grande crise. Daí
afirmarmos ter sido incontornável uma débâcle multilateral da sustentação teórica5 do
capitalismo contemporâneo.

4
Ver: “Instituições, mudança institucional e desempenho econômico”, D.C. North, São Paulo, Três
Estrelas, 2018 [1990], pp. 79, 80, 81 e 82.
5
Exemplifico concretamente como expressão cabal de decomposição da economia política do
neoliberalismo com quatro registros: 1º) “Os quants: como uma nova raça de gênios da matemática
conquistou Wall Street e quase a destruiu”, intitula-se o livro de Scott Patterson, então jornalista do Wall
Street Journal. Diz lá Patterson: matemáticos geniais, cientistas e doutores somaram certa racionalidade à
“ganância” (O Estado de S. Paulo, 14-02-2010).2º) Warren Buffett e George Soros - tão cínicos quanto
magnatas e dos maiores especuladores do planeta - passaram a reconhecer: derivativos são “armas
financeiras de destruição em massa” (BUFFET, 2007); ou, os derivativos de crédito (swaps) “podem ser
também uma licença para matar” (SOROS, 2010). 3º) Em abril de 2010 o FMI passou a admitir o
controle da conta de capitais. Desconfiou-se que a joia de ouro da coroa era bijuteria. 4º) O denominado
“fundo dos gênios” (o fundo hedge Long Term Capital Management, LTCM) – de propriedade de dois
prêmios Nobel de economia, Myron SCHOLES e Robert C. MERTON (1997), e de um ex-vice-
presidente do Fed (Banco Central dos EUA) – entrou em colapso em meio à crise da Rússia (1998) e
quase leva os mercados financeiros globais à tempestade. Na mesma direção, impossível conceber maior
dissimulação: outros prêmios Nobel de economia (Milton FRIEDMAN, 1976; Gary BECKER, 1992;
Robert LUCAS JR., 1995) declararam em público “apoiar entusiasticamente o programa econômico de
George W. Bush” (HERRÉRA, 2006). Não há qualquer dúvida de que tal programa econômico empurrou
os EUA ao precipício, acelerando seu declínio econômico. Tal entusiasmo expressa mesmo é o fanatismo
cego que se apoderou desses porta-vozes ideológicos do “amor ao dinheiro” (KEYNES).
14

Incontornável, antes de tudo porque a economia política é, sobretudo, ciência


social e histórica, portanto avessa às certezas graníticas. Fundamentadamente
sobredeterminada pela lei do desenvolvimento desigual do capitalismo tanto entre
países do centro desenvolvido, quanto nestes, e entre estes e a periferia subdesenvolvida
(ou “em desenvolvimento”), ela recusa os malabarismos cientificistas da economia
política do mainstream. Ou na asseveração surpreendentemente “aberta” de Friedrich
ENGELS:

“(...) a economia política não pode ser a mesma para todos os países
nem para todas as épocas históricas. (...) A economia Política é,
portanto, uma ciência essencialmente histórica. A matéria sobre o que
versa é uma matéria histórica, isto é, sujeita a mudança constante”
(ENGELS: 1979, p.127).

Economia política que deve, sim, se voltar ao estudo das leis específicas de
determinados sistemas econômico-sociais, sempre historicamente situados. Como
afirmou LANGE, buscando esclarecer o funcionamento de vários modos de produção:
eles são “moldados pela história e seus respectivos sistemas sociais” (1981, p. 50).

Na verdade, como já se disse, mergulhou-se grande parte do mundo capitalista a


uma nova depressão, de impactos gerais e desiguais, com profundos efeitos
desestabilizadores, sequenciando numa estagnação - que se generalizou em grande parte
do planeta -, sobre o quadro de forças geopolítico internacional. Particularmente entre
2007-2013 acentuaram-se os percursos do declínio econômico relativo dos EUA, vis-à-
vis essencialmente à vertiginosa ascensão econômico-social da República Popular da
China. E os signos reversos das eleições de D. Trump à presidência dos EUA expressam
antes de tudo uma resposta a essa decadência.
Assim supondo, considerando necessário examinar o panorama aludido, a
pesquisa dissertará sobre o seguinte.

A Introdução, que versa sobre os termos mais gerias e os objetivos principais


da tese e apresenta um panorama reduzido das considerações principais que
acompanham o desenvolvimento da pesquisa. Busca delimitar os conceitos relativos às
teses e hipótese contidas e aclarar o encadeamento da discussão realizada.

O Capítulo 1º, denominado Espectros da grande crise global, versa


criticamente sobre a insuficiência gritante – e as ilusões - das denominações “Grande
15

recessão”, influenciada numa anterior “Grande moderação”, para a caracterização de um


suposto período abortado de instabilidades-crises; e da conceituação da crise iniciada
em 2007-8. Debate-se ainda o sentido histórico de categorias da Economia Política, de
sua utilização científica para o discernimento da dinâmica concreta do capitalismo
neoliberal. O objetivo é contestar a resultante do dissimulado argumento econômico
neoclássico e responsabilizá-lo pelo desenlace depressivo.

O Capítulo 2º, Evolução e dinâmica à grande crise. Relato estilizado da


construção da crise global, que discorre amplamente sobre os fenômenos que
emolduraram e acompanharam o conteúdo do longo processo de transformações do
modelo capitalista pós-Bretton Woods, até as manifestações gerais da grande crise.
Caracteriza com nitidez o novo padrão de acumulação. O que se realiza cotejando-se
com as opiniões/interpretações por importantes autores (as). O objetivo é assim
radiografar as mudanças que forjaram o novo padrão neoliberal e suas consequências
práticas. O Capítulo remeta a um Apêndice, cujo Quadro busca retratar o pensamento
de grande número de autores acerca dessas transformações e fundamenta as ideias
centrais do capítulo.

O Capítulo 3º, intitulado A grande crise e as tendências do capitalismo


contemporâneo, que recupera – alargando - uma trajetória do conceito de
neoliberalismo, especifica e demarca fases da crise por ele gestada, atualizando o
andamento da crise confluindo até 2017. Destaca como imprescindíveis questões
teóricas fundantes, em MARX, acerca dos processos do regime do capital incidentes em
sua órbita financeira, problemática que tem motivado estudos – e omissões - variados.
Posiciona-se sobre a relação entre a crise e as alterações das bases técnicas do
capitalismo (revoluções industriais), e algumas tendências principais, hoje. Situa ainda -
criticamente – as ideias que surgiram de “um novo normal” (2011) ou da “estagnação
secular” (2013) que passaram a acompanhar o pensamento contemporâneo do
mainstream - tentam explicar o quadro de impasses do capitalismo central. Discute
criticamente o retorno da chegada “dos limites históricos do capitalismo”. O objetivo é
caracterizar a crise em sua essencialidade, implicações e tendências.

O 4º Capítulo, Crise, estagnação, e crescimento no capitalismo dos


monopólios: a crítica de Lênin, que aborda a concepções e a crítica de V. LÊNIN (et
alii) sobre a dinâmica e a crise do capitalismo da etapa imperialista, contrastando suas
leituras com as teses da “estagnação” como suposta razão “ontológica” do capitalismo
16

monopolista (e financeirizado). São observações de uma polêmica teórica substantiva,


alicerçada em autores da economia política hodierna, que enfrentaram as perspectivas
do capitalismo enquanto modo produção, notadamente do século passado. O objetivo é
reexaminar questões cruciais dessa polêmica, à luz dos desenvolvimentos no trespassar
ao novo século, onde a profundidade e a amplitude grande crise analisada serve para
justificar novas teorizações, inclusive denominadas de “estagnação secular”.
17

Introdução
As reflexões desta tese sobre a grande crise capitalista global, a primeira do
século XXI, são relativamente abrangentes. Contudo, elas se assentam em duas ideias
centrais, articuladas e aqui demonstradas: 1) esta grande crise emerge como uma
depressão, não como uma recessão corriqueira ou mesmo acentuada; 2) as tendências
resultantes - e em curso – intensificam de maneira inédita a problematização do
processo de desenvolvimento da acumulação e reprodução do capitalismo
contemporâneo. Esse exame e sua interpretação são aqui vistos como parte integrante
das perspectivas – e interrogações - acerca do processo histórico do desenvolvimento
capitalista.
Essa problemática foi, sim, examinada visionária e cientificamente – inigualável,
asseveramos – por Karl MARX. Expondo no Livro 3 (Capítulo 15) de “O capital”,
Marx não só conceitua sinteticamente a natureza geral das crises no capitalismo, como
as integra no processo global desse modo econômico-social de desenvolver-se e
produzir riquezas. Conforme escreveu:
“Simultaneamente à queda da taxa de lucro cresce a massa dos capitais, e
paralelamente a essa queda ocorre uma desvalorização do capital existente, que
detém essa queda e imprime um impulso acelerador da acumulação de valor do
capital.
Simultaneamente ao desenvolvimento da força produtiva há o aumento
progressivo da composição do capital e a diminuição relativa da parte variável
em relação à parte constante.
Essas diversas influências se fazem sentir, ora de maneira mais justaposta no
espaço, ora de maneira mais sucessiva no tempo; o conflito entre as forças
antagônicas desemboca periodicamente em crises. Estas são sempre apenas
violentas soluções momentâneas das contradições existentes, erupções
violentas que restabelecem por um momento o equilíbrio perturbado”.6 (grifos
nossos)

Originariamente - cumpre um parêntesis -, a acumulação capitalista provocou,


de um lado a concentração contínua e cada vez maior da produção e do capital, vale
dizer, a crescente acumulação de riqueza e poder dos proprietários do capital; e, de outra
parte a enorme expansão do trabalho assalariado e suas frações de classes. Eis uma lição
histórica revelada plenamente como lei constitutiva do capitalismo, o que para nós
reclama a base metodológica marxista para a afirmação da hipótese desta pesquisa.
A hipótese afirma que, ao procurar respostas à natureza e as drásticas
consequências do fenômeno econômico-social catártico, recorrentemente comparado ao
desmoronamento da Grande Depressão dos anos 1930, essa grande crise gestada em
2007-8 não pode ser explicada pelas teorias do “subconsumismo” ou pelo
“estagnacionismo”, como fantasmas que insistem em sair do túmulo a cada crise de
maior jaez. Como veremos, L. SUMMERS é hoje o principal defensor dessa tese, à qual
se ajunta o subterfúgio da “escassez da demanda” como sendo a responsável pelo
impasse gestado pela crise global. Desvela-se, assim, o vínculo à aporia do fundamento
conceitual do pensamento neoclássico: as crises do capitalismo são exógenas à dinâmica
concreta de seu modo de produzir e reproduzir riquezas. Dupla falsidade.

6
Ver: “O Capital”, Livro III, São Paulo, Boitempo, 2017, p.288.
18

Três considerações en passant.


1)Aproximadamente entre 1987 e 2007 a economia dos Estados Unidos foi
impulsionada principalmente pelo consumo sem precedentes das famílias, tendo este
correspondido a 70% da demanda agregada às vésperas da crise de agosto de 2007,
sendo que entre 2004 e 2007 o “descolamento” desse consumo, da evolução da renda,
dos salários reais e do emprego exasperou-se; efeito-riqueza, concentrado, naqueles
últimos anos últimos anos, na valorização dos imóveis residenciais.7 Entre 1996 e 2006
a economia mundial cresceu em média 4% ao ano, de acordo com o FMI (Fundo
Monetário Internacional), bem como 4,9% entre 2003-2006, conforme o BIS (Banco de
Compensações Internacionais, 2007).8
2) O governo sueco enfrentou em 2009 uma recessão econômica de 0,8%, “a pior
registrada no país nórdico nos últimos 30 anos”; “Não temos números de crescimento
tão baixos há 30 anos", declarou o então ministro das Finanças, Anders Borg.
Paralelamente, o desemprego subiu a 7,7% e saltou para 8,5% em 2010, segundo as
estimativas oficiais. Acontece que a Suécia tinha em 2009 uma renda per capita de US$
46,2 mil (os EUA de US$ 47 mil). Crise na Suécia provocada por “subconsumismo” ?9

3) Fracassou a manipulação avassaladora reproduzida pelos aparelhos de dominação


político-ideológicos das classes e frações de classes “rentistas”, para fazer acreditar que
a economia dos “mercados autorregulados” (e sua teorização neoclássica) significa um
sistema social “natural” e compatível com o estágio civilizatório hodierno - são apenas
justificativas para eludir o caráter endógeno das crises no capitalismo. Foi o
agigantamento dos mercados financeiros “autorregulados” o amplificador da
instabilidade, o que serviu como detonador de uma sucessão de crises na era neoliberal.
Entrementes, ao observarmos o impacto das crises gestadas desde essa ascensão
neoliberal - a de 1987, a de 1997 e a de 2007-8 – verificamos uma clara evolução do
caráter destrutivo por elas provocadas. Sendo que a própria involução da relação
crescimento/desenvolvimento aparece como um seu oposto: o capitalismo central – o
“ocidente”, amplifica Neill FERGUSON - é revolvido por uma regressão violenta da
sociabilidade de seus capitalismos. Acresce a este saliente retrocesso a falência das
democracias representativas, temática cada vez mais desenvolvida na literatura
especializada (L. CANFORA, 2007; W. STREECK, 2018; S, LEVITSKY& D.
ZIBLATT, 2018).
Detalhando essa problemática essencial, vértice da atual transição no sistema de
relações internacionais, Ferguson (“Civilização. Ocidente X Oriente”, 2011) alude a um
instigante painel das diversas formas de decadências dos impérios, ao metaforiza-las nas
cinco pinturas de Thomas Cole, quem teria ali captado artisticamente a ideia da “teoria

7
Ver: “O consumidor americano”, L. Belluzzo. http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI1976849-
EI8212,00-O+consumidor+americano.html), 2007.
8
Ver: “Economía Mundial”, BPI, 2007. Em: file:///D:/Economia%20Mundial%20BIS-2007.pdf
9
Ver:http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL924895-9356,00-
SUECIA+PREVE+PIOR+RECESSAO+EM+ANOS+EM.html
19

dos ciclos civilizacionais”. As imagens de Cole desfilam sequencialmente com sendo


em O estado selvagem, O estado pastoral ou arcadiano, A consumação do império, A
destruição e concluem-se com A desolação: onde a lua sobre ela se ergue e não resta
uma alma viva, só umas poucas colunas cobertas de arbustos e heras, escreve Ferguson.
Vendo mais na frente, Ferguson faz então uma taxonomia de exemplos de declínios
civilizacionais, e mais adiante, destacando lembrar processos de casos de “colapsos
civilizacionais”, diz ele que eles “estão associados a crises financeiras e guerras”; que
após a crise financeira atual iniciada em 2007, “a economia chinesa poderia ultrapassar
a norte-americana em 2014” (o que ocorreu no final de 2013, em PIB por Paridade de
Poder de Compra!). Assim – arremata - a crise iniciada precisamente no colapso das
hipotecas subprime, deve ser compreendida “como aceleradora de uma tendência já
consolidada de relativo declínio ocidental”.10
Mais ainda. Mesmo o radical cientista político do imperialismo norte-americano,
Zbigniew BRZEZINSKI, em “Strategic vision. America and the crisis of global power”,
publicado quatro anos após o colapso do banco Lehman Brothers, não consegue,
repentinamente, disfarçar a sua decepção com a degradação estrutural dos EUA, embora
imagine ainda poder existir algum meio impeditivo do declínio da sustentação de uma
economia imperialista:
“Em breve, a crise do poder global será a consequência cumulativa da
mudança dinâmica no centro mundial de gravidade do oeste para o
leste, do revestimento acelerada do inquieto fenômeno do despertar
político global, e de performance nacional e internacional deficiente da
América desde, o seu surgimento em 1990 como a única superpotência
mundial”.11
De outra parte, ao se contestar as ressuscitadas do “estagnacionismo” reciclado,
entretanto, veremos aqui também a teoria de Marx, de Lênin e outros autores, acerca da
valorização do valor como objetivo e afã máximos da produção capitalista. Com efeito,
o que veio a se demonstrar incontestavelmente é que a “financeirização” do capital
passa a ser absolutizada na dinâmica capitalista, vis-à-vis às referidas crises crescentes e
fulminantes; assim como assistiu-se ao definhar do crescimento econômico e do
desenvolvimento no capitalismo avançado. Quer dizer, a ultra-concentração de lucros e
riqueza financeira fantásticos continuaram a “brotar” simultaneamente aos ciclos e as
crises nas décadas do neoliberalismo.
Cada vez mais fundamental, por isso mesmo, recordar a enorme contribuição
dos poloneses Michal KALECKI (1899-1970) e Oscar LANGE (1904-1965), que desde
cedo voltaram-se às grandes questões da crítica marxista do capitalismo, orientando
suas pesquisas exatamente para a transformação da natureza sobretudo classista de seu
desenvolvimento. Flutuações, ciclos, crises e planejamento marcaram fortemente as
teorias de Kalecki e Lange acerca dos processos de desenvolvimento. E não à toa os
dois, aliás, deram pioneiros aportes para uma teoria da construção econômica às
primeiras experiências do socialismo, especialmente após o final da 2ª Guerra Mundial.

10
N. Ferguson, Op. cit., Editora Planeta, 2011, pp. 345-7; 358-9.
11
Z. Brzezinski, Op. cit., Basic Books, 2012, “Introduction”, p.5.
20

Necessário acrescentar que desse aporte, nenhum deles foi tão longe - tão
audacioso – como o economista russo Nikolai KONDRATIEV (1892-1938). A
problemática crise/desenvolvimento do capitalismo aparece em toda a sua plenitude em
suas famosas teorias dos “ciclos longos”. Teoria de enorme alcance, cuja elaboração
corrobora-se da análise da Grande Depressão dos anos 30. Nos marcos de 50 anos,
Kondratiev observou uma regularidade da coexistência entre ascenso de cerca de 25
anos, e descensos do crescimento econômico em outros 25, advinda a instalação da
crise.
Eric HOBSBAWM (1917-2012), outro notável pensador marxista, examinou
com atenção as teses muito influentes de Kondratiev. Para Hobsbawm, não se
conseguira até então explicar tal regularidade – “sua existência foi negada por
estatísticos e outros cientistas”12 -, inobstante se reconhecesse que há periodicidade em
mudanças de longo prazo na economia e na sociedade. O fato é que os “Ciclos de longa
duração” do economista russo, que sofreu novos desdobramentos com o austríaco
Joseph SCHUMPETER (1883-1950) nomeando-o como “Ciclo de Kondratiev”, teve no
brasileiro Ignácio RANGEL (1914-1994) sua defesa mais contundente.13
Ora, as ideias dos “ciclos longos” de Kondratiev e Schumpeter foram retomadas
recentemente por P. MASON (2015), R. GUTTMANN (2015) dentro de uma
perspectiva mais ampla, relacionando-os a natureza da crise global e o
desenvolvimento. Com horizontes bem distintos, veremos que Mason também assume
uma posição “catastrofista”, onde o padrão tecnológico atual levaria ao fim deste
capitalismo, a) estando essa crise inserida nos ciclos de Kondratiev; b) agora numa
longa etapa francamente “estagnacionista”.14
R. Guttman, por sua feita, em seu ensaio “The heterodox notion of the structural
crisis” (2015), examinado mais à frente, defende que os seguidores das ondas de
Kondratiev falharam ao decifrar claramente como e porque a economia se move entre
fases de retomada e declínio. Ao concentrar-se na origem das tendências de preço de
longo prazo e padrões de mudança tecnológica, conseguiu distinguir períodos de boom
e estagnação, “mas não disse muito sobre a transição de um a outro” (Guttmann, op.
cit., p. 2)
Esse breve registro acima revela a importância crucial que alguns dos maiores
pesquisadores da economia política crítica – assim como discípulos contemporâneos -
dão à problemática ciclo-crise no desenvolvimento capitalista. Eis que, a partir da

12
Ver: “O que a história tema dizer-nos sobre a sociedade contemporânea? ”, E. Hobsbawm, em: “Sobre
história”, Hobsbawm, E., 2013 [1984], p. 49. Também “A história e a previsão do futuro”, Hobsbawm,
E., em: Op.cit, 2013 [1981], pp. 78-9.
13
Para Rangel, a assertiva (fulminante) de Kondratiev, de que a “Grande Depressão” dos anos 1930 se
reverteria com o término da fase b do ciclo, e seguir-se-ia a reanimação econômica mundial (fase a), pode
ter implicado, inclusive, em sua morte “em circunstâncias pouco claras”. Rangel alude aqui à questão do
dogmatismo do pensamento econômico soviético de Estado, cujo voluntarismo decretava então a
impossibilidade de recuperação pós-depressão – o oposto de Kondratiev e seus ciclos longos. Ver: “O
quarto ciclo de Kondratiev”, São Paulo, Revista de Economia Política, vol. 10, nº4 (40), outubro-
dezembro 1990.
14
Ver: Mason, 2017. https://medium.com/@britescrodrigo/hist%C3%B3ria-do-pensamento-
econ%C3%B4mico-com-paul-mason-repensando-metodologias-de-ensino-na-
gradua%C3%A7%C3%A3o-25703bf20b2c
21

grande crise global iniciada em 2007-8, as reflexões de pensadores do campo do


marxismo se voltaram tanto sobre as questões simbolizadas teoricamente por
Kondratiev - e os estudiosos do “ciclo longos” ou “ondas longas” -, quanto sobre as
perspectivas sombrias que o capitalismo financeirizado passou a anunciar. Vale dizer:
sobre o presente e o futuro deste capitalismo, suas transfigurações e a luta anticapitalista
numa visão estratégica de desenvolvimento.
Noutras palavras, junto as teorizações “estagnacionistas” do capitalismo atual
aparecem as formulações de viés escatológico alegando mais uma vez a chegada de seus
“limites históricos” ou das suas perspectivas dantescas num futuro relativamente
imediato. Nesse rol encontram-se o italiano G. CACHERDI, o francês F. CHESNAIS, o
alemão W. STREECK, acima referido. O exame realizado das ideias essenciais, não
idênticas, desses autores, mas que se aproximam de uma concepção teleológica, revela-
nos que, por mais bem atraentes que aparentem, seus supostos não conseguem uma
elucidação (científica) convincente das seguintes questões: 1) da constituição e
dinâmica do modo de produção capitalista em suas singularidades abstrata e concreta; 2)
que a finitude desse modo de produção tem como prerrogativa a sua superação política e
social, e não a partir de seus impasses econômicos recorrentes.
22

Capitulo 1
Espectros da grande crise global
“Lamento dizê-lo, mas apostaria que haverá depressão e que durará alguns anos” (Eric Hobsbawm,
30/3/2009). 15

A titulação deste capítulo em “Espectros” tem por objetivos: a) introduzir uma investigação
nucleada epistemologicamente na economia política marxista, partindo da crítica às opiniões
simplificadoras da natureza da grande crise capitalista que irrompe em 2007-8; b) argumenta-se, em
última instância, que a ideia de caracterizar essa crise com denominações superficiais conflui ao
objetivo de eludir os extraordinários impactos estratégicos e efeitos sócio-políticos regressivos que
põem numa (espécie de) transe o capitalismo global hoje.

A aguda e clara observação de HOBSBAWM acerca da natureza da grande crise


capitalista de 2007-8, por nós assinalada há anos, tem por base as fecundas pesquisas do
experiente historiador marxista britânico, quem analisou profundamente a ocorrência do
fenômeno (global) da depressão econômico-social e seus diversos aspectos. Mais uma
vez este pensador não se deixou levar por uma visão privilegiadora do “economicismo”
ou muito menos pelas fantasias negacionistas do pensamento neoliberal/neoclássico.

Tampouco esse teórico deixou confundir-se pelos efeitos ilusórios do


avassalador fetichismo da financeirização capitalista hodierna, fenômeno portentoso em
forjar a qualquer custo o domínio da aparência; [veremos melhor isso adiante].
Hobsbawm não se acorrentou a uma repetição conceitual a-histórica; a um clichê. Não
teve nenhum receio em identificar no profundo mergulho iniciado em 2007-8 a
expressão mais essencial da dinâmica catastrófica do capitalismo deste início de século.

De imediato ele captou o desastre vindouro, notadamente desde a falência do


banco Lehman Brothers (setembro de 2008), quando a crise financeira detonada em

15
Ver: “Além de injusto, o mercado absoluto é inviável”, Entrevista de Hobsbawm ao jornal argentino
Página 12, em: “Globalização neoliberal: da crise financeira à grande queda", BARROSO, A.S.R., Jornal
dos Economistas, CORECON, Rio de Janeiro, abril 2009. [Em: http://www.corecon-
rj.org.br/anexos/F12F8619B58DBA608F930F450B72FE39.pdf ] Ver também Outlook do FMI “Crisis
and recovery” (abril 2009, p. xii), onde se lê: “Além disso, a desaceleração é verdadeiramente global: a
produção per capita é projetada para diminuir em países que representam ¾ da economia global”. [Em:
file:///C:/Users/s.barroso/Downloads/_textpdf.pdf]
23

agosto de 2007 no crash das hipotecas subprime, nos EUA, tornou-a sistêmica
globalmente por súbita obstrução dos canais de financiamento da economia mundial. A
implosão revelou o mergulho depressivo e, inovadoramente, desvelou um tentacular
“sistema financeiro sombra”.

1.1 - Outro “crepúsculo de ilusões”


Retrospectivamente, recordemos que no famoso capítulo V de “A crise de 1929.
Anatomia de uma catástrofe financeira”, 16 John K. GALBRAITH registra às vésperas
da fúria especulativa e da hecatombe, o “imortal vaticínio” do economista norte-
americano então considerado brilhante, Irving Fischer: “As cotações das ações
atingiram aquilo que parece ser um nível permanentemente elevado”. Erro avassalador
de Fischer! Lembra igualmente Galbraith: a “Harvard Economic Society”, empresa
ligada à famosa Universidade, cujos “propósitos eram ajudar comerciantes e
especuladores a prever o futuro”, admitira que estava em curso uma recessão, “embora
de modo algum uma depressão”. Galbraith relata então que já em novembro de 1929 a
“Sociedade” declarou que: “não havia quaisquer possibilidades de se verificar uma
severa depressão como a de 1920-1921”. Mais: “Não enfrentamos uma situação de
liquidação prolongada”, prosseguiu ela - e ela defendeu esse ponto de vista “até ser
liquidada”, conclui o economista canadense-americano.

Mais de três décadas após a edição deste seu consagrado estudo, Galbraith
passou a acusar a moderna economia capitalista, centrada nos EUA, como sendo a das
“fraudes inocentes”17: nela não há nenhum sentido de culpa ou responsabilidade pelo
que acontece (de enganador; de trágico); ademais da expressão “capitalismo
monopolista” ter desaparecido “do vocabulário acadêmico e político”, ironizou (Idem,
p. 27). Destaca então que o mundo das finanças, das corporações financeiras, dos
bancos, dos mercados de seguros, dos fundos mútuos, das instituições de orientação e
aconselhamento financeiros como sendo “uma área bem conhecida de fraudes
inocentes”. Aqui, aduz, há um fato determinante “inegavelmente óbvio” que é o fato da
economia e sua passagem “dos bons tempos para a recessão ou a depressão – ou o
contrário –, não pode ser antecipado”. Existem muitas previsões, “mas nenhuma

16
Ver: Editora Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1972, pp. 127-128.
Ver: “A economia a das fraudes inocentes - verdades para o nosso tempo”, J.K. Galbraith, São Paulo,
17

Companhia das Letras, 2004, p. 57.


24

certeza”. Mais adiante, Galbraith, ao elogiar (supostas) virtudes morais do então


presidente do Fed, Allan Greenspan - e considerando ele ter “um talento teatral nada
desprezível” -, alerta que se e quando uma recessão retornasse, o banco central
americano “não tem[teria] papel decisivo”, pois achar que o Fed controlaria o consumo
geral e os gastos das empresas, “só sendo muito ingênuo” (Idem, p.67).

Porquanto, e identicamente, nada há de aleatório a interpretação do profundo


fenômeno iniciado em 2007-8 como sendo uma “recessão”,18 nada importando se ela
seria denominada de média, pequena ou grande – fugidia metáfora!

Note-se que isso ocorreu após o economista B. BERNANKE ter alcunhado o


período imediatamente anterior à explosão da crise das hipotecas podres de “A grande
moderação”. Bernanke foi indicado a presidente do Fed (banco central dos EUA) em
2006, após ter inventado o trapaceiro neologismo à Economia Política. (Logo depois da
publicação do livro de Galbraith, nos EUA). O fato se deu, ao vivo e a cores, quando o
economista de Princeton fez um importante discurso à Eastern Economic Association
(20 de fevereiro de 2004), intitulado “The great moderation”: a política monetária
havia-se tornado tão sofisticada que era capaz de eliminar a volatilidade na economia.
Além, devido ao avanço da técnica monetária, afirmou ele, “as recessões tornaram-se
menos frequentes e menos severas” 19.

1.2 - O “modelo” da depressão


As depressões fundamentalmente têm envolvido: a) uma queda severa do
crescimento do produto; b) elevado desemprego; e c) movimentos deflacionários.
Porém, do ponto de vista do historicismo dialético, cada depressão “submerge” numa
outra e singular situação – nada se repete, embora as determinações e características
principais do fenômeno sejam recorrentes e possam se assemelhar; ainda assim, passam
a ser vistas com espécie de “modelo”. E, no que nos importa, as crises sistêmicas do

18
Atualizaram ROSSI, P. e MELLO, G. o conceito clássico de recessão (Shiskin, 1974) prevê um
mínimo de dois trimestres consecutivos de queda do PIB (considerando trimestre contra trimestre
imediatamente anterior) para se caracterizar tecnicamente um momento recessivo; podendo-se considera-
la reducionista, à medida em que dá demasiada ênfase em uma única variável (o PIB), tal visão foi
recentemente atualizada e enriquecida (Achuthan & Banerji, 2008) para abarcar também variações no
emprego, na renda e no consumo das famílias. Em: http://brasildebate.com.br/wp-
content/uploads/NotaCecon1_Choque-recessivo-2.pdf

19
Em: https://mronline.org/2008/12/03/bernanke-and-the-great-moderation-four-years-later/
25

capitalismo são fenômenos sociais – das sociedades burguesas -, assim como também
sujeitos às tormentosas evoluções políticas que as acompanham.

Entretanto, com bem sublinha J-P. DUPUY em seu relevante estudo20, na


ciência, o modelo é o homem quem faz, cria: aí se sobrepõe “o imitante e o imitado”,
uma ideia platônica cujo real não é mais do que pálida cópia. “O modelo científico é
uma imitação humana da natureza que o cientista logo toma como modelo”, interpreta
ele.

Noutras palavras, pode tratar-se de mera superficialidade, de uma visão


fenomênica da “aparência”, deixar-se levar pelas armadilhas “fetichismo do conceito”.
Como assim? Na problematização epistemológica de L. GUSMÃO,

“O conhecimento de senso comum relativo à psicologia ou aos


fenômenos sociais, longe de se resumir em saber incompleto, trivial e
pouco confiável, etapa preliminar, na hipótese mais otimista, do
conhecimento científico, como sugerem os cientificistas, explícitos ou
enrustidos, na verdade, um acervo de observações e análises cujo
elevado valor cognitivo se coloca realmente acima da dúvida sensata”.21
Num exemplo concreto - acerca do aparato de mensuração da economia política
e suas crises profundas -, de acordo com William BLACK (professor de Economia e
Direito em Missouri, Kansas City e então especialista federal em regulação financeira e
prevenção de fraudes nos EUA),

“Os dados de desemprego nos Estados Unidos durante a Grande


Depressão [1929-1933/1939] estão exagerados consideravelmente
porque as pessoas que trabalhavam nos programas de obras públicas,
que realizavam trabalho altamente produtivo, foram registradas como
‘desempregadas’ nessa época. Isso significa que a Grande Depressão
foi, contudo, catastrófica, mas também que os dados do desemprego
mais precisos (porém ainda longe de serem perfeitos) da Grande
Recessão [a crise atual] demonstram que as crises são muito similares
em severidade na zona do euro quando se mede sua gravidade pela taxa
de desemprego. Na maior parte da zona do euro, a crise atual se poderia
definir mais exatamente com ‘A segunda Grande Depressão’”.22

Comprovadamente, um fracasso rotundo, enquanto suposição teórica, a repetição


à exaustão de que a era da grande finança liberalizada nos levaria a um mundo

20
Ver: “Nas origens das ciências cognitivas”, Jean-Pierre Dupuy, São Paulo, Unesp, 1996, pp. 23-23.
21
Ver: Luis Gusmão “O fetichismo do conceito. Limites do conhecimento teórico na investigação
social”, Rio de Janeiro, Topbooks, 2012, p.12.

22
Ver: “Comparación Del desempleo durante La Gran Depresión y la Gran Recesión”, W. Black,
Sinpermiso, 21/4/2013. Ver: http://www.sinpermiso.info/textos/comparacin-del-desempleo-durante-la-
gran-depresin-y-la-gran-recesin
26

globalizado solenemente convergente ao desenvolvimento nos mercados


autorregulados. O mesmo HOBSBAWM, noutro estudo alertara acerca da ascensão
vertiginosa de profundas desigualdades e assimetrias de renda e riqueza perpetradas
mundo afora implacavelmente pelo neoliberalismo, bem como um novo espraiamento
das desigualdades sociais e regionais, além duma crescente espiral da violência nas mais
variadas formas.23

1.3- O sistema bancário sombra (na depressão)


Certamente, trata-se de revelação cristalina das singularidades que acompanham
cada fenômeno nas depressões, a emergência, na crise 2007-8, de um “shadow banking
system”, adaptativo das falcatruas e as fraudes no desenvolvimento do moderno sistema
de crédito literalmente definidas por Marx, na época do neoliberalismo.

Nesta matéria, de modo nenhum se pode tirar os méritos de Paul KRUGMAN,


economista agraciado com o Nobel de 2008, de um lado, por surfar do lado do ex-
presidente Barack Obama, tanto em política externa quanto em política econômica; de
outro, por ter se alinhado sem disfarce às políticas keynesianas enquanto caminho de
saída para a nova grande crise, numa era em que quase todos ainda recusavam
desenterrar o cadáver do lorde britânico.

Pois bem: Krugman também foi dos primeiros a denunciar as vilanias do sistema
bancário sombra. Conforme escrevera Krugman, esse sistema - de empresas “não
bancos” ou bancos sem supervisão do banco central - se agigantou durante a fase
expansiva da economia “financeirizada”. Por exemplo, diz ele, os cinco grandes bancos
de investimento dos EUA somavam balanços patrimoniais da ordem de US$ 4 trilhões;
enquanto os ativos totais do sistema bancário do país em torno de US$ 10 trilhões.

Enfim, em “A crise de 2008 e a economia da depressão” (2008), Krugman


acusa ali os “instrumentos financeiros exóticos” (derivativos, instrumentos altamente
especulativos etc.) do sistema bancário sombra. Mas não se trataria de instituições que
foram “desregulamentadas”: na verdade – escreve -, foram responsáveis por riscos
assumidos por “instituições que, para começar, nunca foram regulamentadas”.24
Havendo concluído aquele livro com apelos do tipo: “O que deve ser feito? (...) quase

23
Ver: “Globalização, terrorismo e democracia”, Companhia das Letras, 2007. HOBSBAWM mantém
as preocupações com a célere ascensão do obscurantismo apontada ainda em 1995, no “A era dos
extremos”, São Paulo, Companhia das Letras.

24
Ver: “A crise de 2008 e a economia da depressão”, Campus/Elsevier, 2008, pp. 169-171.
27

sem dúvida, recorrer aos bons estímulos fiscais, no velho estímulo keynesiano”, Paul
Krugman acabou por publicar, cerca de três anos depois, o livro “Um basta à depressão
econômica. Propostas para uma recuperação plena e real da economia mundial”.25
Escrito bem depois do colapso, em 2012, nele Krugman identifica uma das tragédias
mais salientes do mergulho depressivo: “Depois da década de 1930, nunca tantos
americanos se viram tão enredados numa situação permanente de desemprego” (2012,
p.7; itálicos nossos).
Sim, se antes em dúvida, em 2012 Krugman chegara ao vaticínio de Hobsbawm, de
2009.

Noutro ângulo, Marcos M. CINTRA e Maryse FAHRI, em famoso ensaio26,


destacam que Paul McCulley, então diretor executivo da maior gestora de recursos do
mundo (Pimco), definia (2007) um “global shadow banking system” como a incluir
todos os agentes envolvidos em empréstimos alavancados que não têm (ou não tinham,
pela norma vigente antes da eclosão da crise) acesso aos seguros de depósitos e/ou às
operações de redesconto dos bancos centrais.

Esses agentes tampouco estão sujeitos às normas prudenciais dos Acordos de


Basileia, do Banco de Compensações Internacionais (BIS). Nesse conceito, os grandes
bancos de investimentos independentes (brokers-dealers), os hedges funds, os fundos de
investimentos, os fundos private equity, os diferentes veículos especiais de
investimento, os fundos de pensão e as seguradoras, estavam contidos. Além disso,
bancos regionais especializados em crédito hipotecário (sem acesso ao redesconto
formal), assim como agências semi-públicas (Fannie Mae e Freddie Mac) que proviam
liquidez ao mercado imobiliário nos EUA.

No curso da grande crise, ainda entre março e 2007 e junho de 2009, processou-
se o que Cintra e Fahri analisaram como “o desmanche” do shadow system. Ou seja, um
período de paralisação das operações interbancárias, espalhando a desconfiança dos
investidores nos sistemas financeiros, resultando em movimentos de pânico nos
mercados de ações, de câmbio, de derivativos e de crédito, em âmbito global, resultaram
em que “as instituições financeiras não bancárias sofreram uma verdadeira ‘corrida

25
P. Krugman, Campus\Elsevier, 2012.
26
Ver: “A crise financeira e o global shadow banking system”, M. A. M. Cintra e M. Farhi, in: Novos
estudos - CEBRAP nº. 82, São Paulo Nov. 2008.
28

bancária’ contra o global shadow banking system, ou a uma ‘corrida bancária’ contra
não bancos” (idem).

No entanto, em 2010 conforme cálculos de economistas do Fed, os passivos


dessas instituições (US$ 20 trilhões em meados de 2007) reduziram-se para US$ 16
trilhões em 2010. Ora, esse valor, era bem maior que o do passivo do sistema bancário
tradicional, então de US$ 14 trilhões! O que comprovaria “a resiliência do sistema
bancário na sombra e a continuidade do risco de novos episódios de turbulência”,
afirmaram com inteira razão Daniela PRATTES e Maryse FAHRI, em artigo de 2012,
“Instituições que levaram à crise estão vivas”.27

1.4 - Os gráficos “depressivos” de Eichengreen& O’Rourke


Como se para ratificar empírica e historicamente o vaticínio de Hobsbawm, em
abril de 2009 Barry EICHENGREEN e Kevin O'ROURKE, em artigo de enorme e
imediata repercussão demonstraram que a explosão de 2007-8 já poderia ser
compreendida como pior do que a que se registrou em 1929-33/39. Em suma,
concluíram que o mundo está atualmente passando por um choque econômico tão grave
como o choque da Grande Depressão de 1929-30. Onde, pinçar, até então, o
desempenho dos Estados Unidos levaria a se ignorar como a situação atual era
alarmante, mesmo se comparada com 1929-30.

Gráfico 1 - Volume do comércio mundial

27
Em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/39284-instituicoes-que-levaram-a-crise-estao-
vivas.shtml
29

Fonte: http://voxeu.org/article/tale-two-depressions-what-do-new-data-tell-us-february-2010-
update

Gráfico 2 - Produção industrial, ontem e hoje

Fonte: http://voxeu.org/article/tale-two-depressions-what-do-new-data-tell-us-february-2010-update

Gráfico 3 – Taxas de juros dos Bancos Centrais ontem e hoje (média de sete países)
30

Fonte: http://voxeu.org/article/tale-two-depressions-what-do-new-data-tell-us-february-2010-update

A seguir, em “O que os novos dados nos dizem?” (2010), esses autores não
vacilaram: “É certo que é uma depressão”, escreveram 28. O mundo – analisaram -
estava atualmente passando por um choque econômico tão grande quanto o choque da
Grande Depressão de 1929-30. Olhando apenas para os EUA leva a esquecer como
alarmante a situação atual é mesmo em comparação com 1929-30 (idem). E para
concluir, Eichengreen e O’Rourke insistiram então que, “globalmente estamos no rastro
ou fazendo ainda pior do que a Grande Depressão, se a métrica é a produção industrial,
exportações ou avaliações de ações”. Por isso, concentrar-se nos EUA fazia com que se
minimizasse esse fato alarmante. E explicitamente ali resumiram: “O rótulo ‘Grande
Recessão’ pode revelar-se muito otimista. Este é um evento de tamanho da Depressão”
(itálico nosso).

1.5 - Anwar Shaik e a primeira grande depressão do século XXI


Em 2011, no ensaio “A primeira grande depressão do século XXI”,29 o
economista A. SHAIK defendia que a “crise econômica geral”, desatada em 2008 foi
iniciada com uma crise financeira nos EUA, mas não teria sido ela a sua causa. No
interior das “ondas longas” expansivas e depressivas, a crise é uma fase “absolutamente
normal” das tendências de longo prazo na acumulação capitalista, dizia. Numa fase
depressiva da onda longa um choque poderia detonar a crise, “exatamente como a crise

28
Gráficos e os dois textos comparativos em: http://voxeu.org/article/tale-two-depressions-what-do-new-
data-tell-us-february-2010-update
29
Em: http://www.sinpermiso.info/textos/la-primera-gran-depresin-del-siglo-xxi
31

que colapsou o mercado das hipotecas subprime em 2007, assim como choques
anteriores deflagraram as crises de 1830, 1870, 1830 e 1970”. Shaik, no entanto,
referencia-se em John. K. Galbraith para recordar que, se a Grande Depressão dos anos
1930 foi precedida de uma crescente especulação financeira, foi a “situação frágil e
débil do estado da economia” que assim permitiu a sua ocorrência.

Gráfico 4 – Actual and Trend Rate of profit, US Nonfinancial Corporations 1947 – 2010

Fonte: SHAIK, Op. cit., p.5

A Depressão atual então teria como problema real a fato de que, sob a explosão
da bolha “subprime”, nos EUA, encontrava-se a inflexão na taxa de juros, assim como o
crescimento a dívida que havia alimentado o boom ter chegado a seu limite. Mas as
causas da Grande Depressão se vinculam aos fatores que explicam a recuperação das
economias capitalistas a partir de 1982: a taxa de lucros então se estabilizou. Mas por
que a queda na lucratividade estancara? Porque, argumenta Shaik: 1) o capital
desencadeou forte ataque aos trabalhadores de modo a que os salários não
acompanharam mais a produtividade como anteriormente; 2) a forte baixa na taxa de
juros a partir de 1981 possibilitou que se elevasse “substancialmente a taxa de lucros
das empresas” (Idem).

Em certa similaridade, mas noutro raciocínio, acerca da dimensão da crise


catapultada no colapso financeiro das hipotecas subprime, R. CARCANHOLO destaca
o papel do capital fictício – e “dos lucros fictícios”, diz – como particularidade das
contradições do capitalismo da era neoliberal. Para ele,
“O que assistimos no mundo é muito mais do que uma simples sucessão de
crises financeira, ou creditícias. Vivemos o que alguns chamamos de a Grande
Depressão do Século XXI. Não se trata de elementares crises cíclicas, das que
o sistema consegue se repor e voltara a funcionar normalmente. (...)
32

Assistimos, na atualidade, ao início do processo de colapso de uma etapa


específica do capitalismo”.
(...) Classificar a crise atual como uma crise de sobreprodução ou
sobreacumulação é praticamente não dizer nada”.30

1.6 - Michael Roberts e a “Longa depressão”


Consideramos, enfim, indispensáveis as conceituações de M. ROBERTS quanto
as diferenças entre recessão comum ou cíclica e uma depressão. Segundo descreve
Roberts, uma recessão e a recuperação subsequente podem conformar-se em forma de
V, a exemplo da que ocorreu classicamente em 1974-5; mas pode ocorrer também em
forma de U; ou representada por um W (“dupla caída”), como a de 1980-2. E
exemplifica graficamente:
Figura 1 – Depressions and recessions – a schematic view

Fonte: ROBERTS,M: http://www.sinpermiso.info/sites/default/files/textos//8desapalancamiento.pdf , p.1.

30
Ver: “Capital: essência e aparência”, R. Carcanholo, v.2, São Paulo, Expressão Popular, 2013, p.138.
E, a seguir: “Entender a atual depressão e as sucessivas crises desde uma perspectiva realmente marxista
(...) Exige também, e isso é fundamental, uma compreensão adequada da dialética dos conceitos de
capital fictício e lucros fictícios, conceitos esses que não são mais que do que derivações necessárias da
mencionada teoria do valor” (idem, p. 139).
33

Uma depressão –teoriza -, no entanto, parece bem mais ao símbolo de uma raiz
quadrada, iniciada com uma taxa de crescimento tendencial cai em depressão ou queda
profunda inicial, aparece a seguir como se no começo se recupera em V, mas logo se
estabiliza em uma linha que se firma abaixo daquela tendência anterior. Para Roberts,
“numa depressão, a tendência de crescimento plasmada anteriormente à crise nunca se
restaura em 10-15 ou inclusive 20 anos! ”.31

Em 2011, Roberts conceituou concretamente da seguinte maneira os caracteres


desta depressão hodierna, inobstante os seus claros limites aos marcos econômicos:

Por Longa Depressão quero dizer economias a crescerem sistematicamente


bem abaixo das suas taxas tendenciais anteriores, com desemprego emperrado
em níveis bem acima dos anteriores à Grande Recessão, e desinflação (redução
da inflação) a transformar-se em deflação (queda de preços). Acima de tudo, é
um ambiente económico onde o investimento em capital produtivo está abaixo
dos níveis médios anteriores, com poucos sinais de que venha a levantar-se.32

1.7 - Historicidade das categorias e dialética


Segundo outra das visionárias descobertas de Karl MARX, nas estruturas sociais
anteriores ao capitalismo a “mistificação econômica era menor, manifestando-se
principalmente no tocante ao dinheiro e ao capital portador de juros”, quando se volta à
análise da organização interna deste modo de produção. Na interpretação da economia
vulgar e sua “presunçosa superficialidade” (Marx) deu-se por inverter a lógica da
conexão causal expressas nas relações capital-juro-renda-terra-salário, onde a
irracionalidade e a alienação reificaram essas mesmas relações dissolvidas na aparência
da conspurcação do valor. Aliás, conclui então celebremente Marx: toda ciência seria
supérflua se houvesse coincidência imediata (fenomênica) entre a aparência e a
essência das coisas.33

MARX já havia enfrentado esse problema do caráter controverso do pensamento


científico em junho de 1865, no célebre discurso que preferiu ao Conselho Geral da
Associação Internacional do Trabalhadores ou Primeira Internacional. Denominado
depois de “Salário, preço e lucro” é também onde ele expõe publicamente, pela

31
Ver: “Dívida, desalavancagem e depressão”, M. Roberts, Madrid, Sinpermiso, 05\10\2014. Em:
http://www.sinpermiso.info/sites/default/files/textos//8desapalancamiento.pdf
32
Ver: “Uma depressão keynesiana ou marxista”, M. Roberts, em:
https://thenextrecession.wordpress.com/2013/11/20/a-keynesian-or-marxist-depression/
33
Ver: “O Capital, Livro 3, v. 6, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, s/d, pp. 939; 952-3.
34

primeira, vez as bases da teoria da mais-valia. Afirmando que ser-se-ia “completamente


incapaz” de explicar-se o lucro pela proporção da quantidade de trabalho realizadas nas
mercadorias, Marx conclui lapidarmente a sexta parte de sua exposição, assim:
“A verdade científica é sempre paradoxal, se julgada pela experiência
de todos os dias, que apenas apanha a aparência enganadora das
coisas”.34

Com efeito, em Marx o desvelamento epistemológico do movimento


contraditório e impulsionador da estrutura (material e ideal) encontra-se profundamente
ligado às conexões internas do fenômeno. Mas tal dialeticidade de nenhum modo exclui
ou “apaga” as aparências ou as manifestações exteriores imediatas. Quer dizer, o
essencial precisa ser desvendado em suas expressões materiais internas em seu devir: à
consciência científica corresponde o movimento real e a conexão real das coisas e dos
processos. Na dialética marxista, por conseguinte, as teorias, as representações da
consciência e a formulação de categorias não podem ser nunca desvinculadas do
movimento histórico “conectado” às determinadas relações objetivas e emanadas de sua
essência - não da simples aparência.35

Por isso mesmo, em “Filosofia em O Capital. Uma aproximação”, BARATA-


MOURA,36 recordando a conceituação contida em formulações marxianas dos Livros I,
II e III, repõe a ideia de que se encontra na essência a operação do movimento da
contradição como sendo a “fonte manante da dialética” (idem, pp. 124-5); enquanto que
a economia política burguesa “vê é aquilo que lhe aparece” (idem, pp. 127);
distinguindo tal processo de desvelamento epistêmico da visibilidade que Marx
exemplifica em “Mais-valia e taxa de mais-valia”, como sendo “relativamente, o
invisível e o essencial a investigar”, enquanto taxa de lucro (ou a forma da mais-valia
como lucro) mostram-se “à superfície do fenômeno” (ibidem, n. 129).

Analogamente - e não por acaso –, J. QUARTIM DE MORAES (2017) e J.


BIDET (2010) consideram a análise de Marx (O Capital, Livro 1) sobre as
considerações de Aristóteles em torno da igualdade na equivalência de mercadorias,

34
Ver: “Salário, preço e lucro”, K. Marx, em: Marx-Engels – Obras Escolhidas em três tomos, v. II,
Lisboa, Edições Avante!/Edições Progresso, Moscou, 1983, p. 55; ver ainda a nota 25 da tradução, p.477.
35
Ver: “Marx e a cientificidade do saber”, J. Barata-Moura, em: “Materialismo e subjetividade. Ensaios
em torno de Marx”, Lisboa, Avante!, 1997, pp. 91-98.
36
Em: Edições Avante!, Lisboa, 2013, 2ª edição.
35

uma extraordinária problemática envolvendo as relações “entre ideologia e ciência” ou a


“historicidade do fetichismo”.37 Isto é, para Marx, o trabalho escravo que projetava a
teorização aristotélica fundava-se em relações sociais o impedia de compreender “o
segredo da expressão do valor” contendo a equivalência de todos os trabalhos nas
mercadorias, uma vez que “isso só é possível numa sociedade onde a forma mercadoria
tornou-se a forma geral dos produtos do trabalho” e assim na relação social dominante
(Apud: Quartim de Moraes, idem, p. 47). Daí porque o fetichismo apenas se configura
na sociedade burguesa moderna, ou seja, numa “estrutura de classe de base mercantil”, e
o mercado aparece “como portador de uma tal ‘revelação’, a da igualdade”, como
princípio do fetichismo (Bidet, idem, p. 89).

A propósito, há significado na discussão em foco recordar ainda que, Marx


(“Teoria da Mais-valia”, v. II), ao criticar com veemência as concepções de D. Ricardo
sobre a crise econômica no capitalismo ou da impossibilidade da superprodução de
capitais (e mercadorias), salienta o aguçar de “todas as contradições da economia
burguesa”, e a “convergência real e o ajuste à força” desde a regularidade das crises no
“mercado mundial”. Diz lá Marx, isso tratar-se de “charlatanice fantasiada de teoria” (a
de J-B. Say), referindo-se à negação da Economia Política Clássica, uma teoria que “se
contenta em como negar a catástrofe”.38

Seguindo nessa miríade teórica, I. MÉZÁROS39 disserta amplamente sobre os


signos da “alienação”, conforme Marx, não apenas como conceito eminentemente
historicista, ainda que isto não represente “nenhuma garantia de que os edifícios
intelectuais que se utilizem deles sejam históricos”, uma vez que as mistificações se
infiltram numa ou noutra fase de determinada análise. Para Mézáros, ideologias
utópicas, vácuos ideológicos ou um “positivismo acrítico” aparecem nos tempos de uma
“crise histórica”, com aquela que irrompeu na passagem do século XVIII ao XIX na
ascensão do capitalismo (idem, p. 50). Noutras palavras, as grandes crises abalam

37
Ver: “As abstrações, entre a ideologia e a ciência”, J.Q. de Moraes, em: Crítica Marxista, São Paulo,
nº 44, Fundação Editora da Unesp, 2017, pp. 46-7; “Explicação e reconstrução do Capital”, J. Bidet,
Campinas, Editora Unicamp, 2010, pp. 89-90
38
Cf. a discussão de H. REICHELET, em “Sobre a estrutura lógica do conceito de capital em Karl
Marx”, Campinas, Editora Unicamp, 2013, p. 192-3. Sobre a problemática dessa crise, tem assim razão
Reichelet quando assinala que sua ocorrência “sempre precisa ser encarada de maneira nova” (Idem, p.
194).
39
Ver: “A teoria da alienação em Marx”, São Paulo, Boitempo, 2006, p. 40.
36

fortemente a configuração dos processos ideológicos, em particular os da ideologia


dominante.

Noutro andar gnosiológico, importa ter em conta que, Terry EAGLETON, em


seu conhecido trabalho “Ideologia. Uma introdução”40, após extenso e importante
debate sobre a abordagem dessa temática, conclui que uma visão racionalista de
ideologias como sistema articulado de crenças conscientes, é claramente inadequado:
escapam dela “dimensões afetivas, inconscientes, míticas ou simbólicas da ideologia”;
do mesmo modo como esta configura relações vividas aparentemente espontâneas do
sujeito, pintando uma “cor invisível da própria vida cotidiana”. Assim como e até
mesmo a ideia “suspeitosamente limitada da disposição de falsas ideias” - aquelas
diretamente propagada por uma classe dominante. A falsidade (da ideologia) pode ser,
também, “epistêmica” (pp. 193-4).

De maneira bem mais abrangente, as relações entre a disposições de falsas ideias


podem ser inseridas nas novas teses sobre a racionalidade, no vigor polêmico de
I. PRIGOGINE. Em seu consagrado estudo “O fim das certezas” 41
, onde o paradoxo
do tempo envolve uma totalidade científica nova – na química, na geologia, na
cosmologia, na biologia ou nas ciências humanas -, Prigogine apresenta a ideia da
superação do paradigma newtoniano e das leis físicas que, “deterministicamente”
afirmavam a equivalência entre passado e futuro. Nessa perspectiva, as últimas décadas
do final do século XX assistiram o desenvolvimento duma “nova ciência”, onde - muito
resumidamente – a física dos processos de não-equilíbrio gestou novos conceitos (auto-
organização; estruturas dissipativas) “amplamente utilizados” em áreas que vão da
cosmologia, a ecologia, as ciências sociais, a química e a biologia. Simultaneamente, a
emergência dos “sistemas dinâmicos instáveis”, estabeleceram um papel primordial das
flutuações e da instabilidade: escolhas múltiplas e “horizontes de previsibilidade
limitados” forjaram o conceito de “caos” a invadir, como se disse, todos os campos da
ciência alcançando igualmente à economia (op. cit., pp. 10-12).

Disso se agrupa e deriva uma grande questão: vivemos uma época de


questionamentos gerais de paradigmas científicos. Notadamente a circundar (e acelerar
o passo), exatamente no curso dos anos 70 do século passado, novos elementos
40
Ver: Editora Boitempo, São Paulo,1997, pp. 193-4.
41
Ver: Editora Unesp, São Paulo, 1996, pp. 10-12.
37

epistemológicos e metodológicos surgem a reivindicar estatutos de cientificidade.


Sendo necessário o rigor para separar o joio do trigo, emergiram as teorias “da
complexidade”, do “caos e não linearidade”, a “teoria de redes”, “dos conjuntos
borrosos”, entre outras pari passu às transformações regressivas do capitalismo do pós-
guerra.

Particularmente os chamados sistemas complexos tipo redes envolvem grandes


áreas do conhecimento (física, matemática, informática, biologia, ecologia, economia);
e também as ciências políticas, antropologia, psicologia, e até as ciências da
administração. E passaram a não prescindir, antes de tudo, da interdisciplinaridade ou
da transdisciplinaridade científica – certamente companhias indispensáveis à renovação
do pensamento materialista dialético. Aliás, esta última ideia é amplamente possível de
ser compartilhada, a exemplo, pelos neurobiólogos CHANGEAUX e CONNES42 (1996,
p. 36), ao reivindicarem sobre fundamentos da construção metodológica
verdadeiramente científica: “defendo uma epistemologia materialista forte”, pois esta
seria – escreveram – a única aceitável a um cientista rigoroso e coerente.

A complexa correlação dessa temática adquire concretude (e clareza) quando o


cientista GASTON-GRANGER43, nos marcos de conhecidas e fecundas ressalvas,
defende ser “inaceitável” recusar a integração no estatuto de ciências humanas da
história e suas diversas formas; bem como de seus métodos de conhecimento – sublinha
–, por estarem sujeitos ao “mesmo tipo de regras” que submete as ciências da natureza.
Michel PATY44 (1995, p. 31), indo ao âmago dessa questão, assevera: nos
diferentes domínios do conhecimento científico as crises que anunciam e acompanham
reavaliações são “consubstanciais ao desenvolvimento da ciência”, inclusive a reclamar
o perquirir crítico às dúvidas que cercam o processo e as proposições do saber; trata-se
da reflexividade crítica, denomina o físico e filósofo da ciência. Isto é, a historicidade
do conceito vincula-se duplamente à ciência da história, portanto fundamental na
definição de prolegômenos metodológicos numa era de rupturas do conhecimento, ou
das condições reais de possibilidades do conhecimento científico (idem, p.33).

42
Ver: “Matéria e pensamento”, Jean-Pierre Changeux e Alain Connes, São Paulo, Unesp, 1996, p. 36.
43
Ver: “A ciência e as ciências”, São Paulo, Unesp, 1994, pp. 85-86.
44
Ver: “A matéria roubada. A apropriação crítica do objeto da física contemporânea”, M. Paty, São
Paulo, Unesp, 1995, p. 31.
38

Por conseguinte, e como acabamos de ver, a ambiguidade na escolha


metodológica anula uma referência científica efetivamente próspera da identificação
teórica. O que diz respeito à falsidade deliberada a que chegaram as alegorias da
economia política neoclássica em decomposição, com na atualidade.

Considerações finais

A grande crise capitalista global desatada em 2007-8, e que permanece sem


perspectivas de retomada de crescimento econômico mundial consistente, no início de
2017 (registrando taxas de crescimento econômico muito inferiores às do período 2003-
2007), não comporta ser conceituada como uma “Grande recessão”. Tampouco resolve
alguma coisa ao se tentar fantasiar o argumento numa epistemologia esfarrapada pelos
acontecimentos reais.

É bem o caso do malabarismo dos liberais (fanáticos) Carmen REINHART e


Kenneth ROGOFF, que, denominando a gigantesca crise capitalista global de “A
segunda grande contração”, não merecem ser levados a sério. Amontoados numa
taxonomia à beira da inutilidade, mas de adornada aparência científica, a obra deles
“Oito séculos de delírios financeiros. Desta vez é diferente” (2011) evidencia-se, de
fato, esquizoide. Não só por repetir ipsis verbis os pressupostos teóricos-metodológicos
considerados como uma verdadeira fraude,45 ao correlacionarem, num outro estudo
simultâneo, o crescimento da dívida pública implicando necessariamente na conclusão
de que o estímulo ao investimento público e o consequente endividamento, como parte
de políticas anticíclicas, conspirariam contra os propósitos desejados: logo que
ultrapassasse a marca de 90% do PIB a dívida se tornaria uma barreira ao crescimento e
não um estímulo. Ora, intencionalmente e com os mesmos objetivos, Reinhart e Rogoff,
ex-assessores do Fundo Monetário Internacional, apresentam no livro acima referido
infindáveis platitudes e afirmando “princípios” como:

a) “a teoria econômica nos ensina que os governos suficientemente


frugais não são muito vulneráveis a crises de confiança” (p.XXVI); b)
“Os economistas não conhecem muito bem o os tipos de eventos que
mudam o nível de confiança nem sabem avaliar o grau de
vulnerabilidade da confiança” (p.XXVII); c) “O que se vê
reiteradamente é que quando um acidente está prestes a ocorrer, ele

45
Ver a longa e importante crítica em: “Austeridade’: história de uma fraude teórica”, de Álvaro Bianchi; em:
http://outraspalavras.net/posts/austeridade-historia-de-uma-fraude-teorica/
39

acaba ocorrendo”(idem, ibidem); d) “Altas exageradas nos preços dos


ativos, induzidas por dívidas, que parecem boas demais para serem
autênticas, provavelmente são artificiais” (idem, ibidem).46

São suspeitas as dúvidas (“frugais”) de que Reinhart e Rogoff não são apenas
anti-keynesianos compulsivos, mas sim persistentes mercadores de ilusões. São esses
economistas, que consideravam, antes do crash, gozar o capitalismo de muito boa
saúde, eludindo a objetividade de sua dinâmica, dissimulam alegremente que “a
instabilidade capitalista” é “devido à sua própria natureza”. 47 Exatamente por isso,
afirma MINSKY: “A teoria ortodoxa atual não é, e não pode ser referência para
políticas econômicas sérias” (idem, ibidem; itálico nosso).

Ora, diretamente ao contrário dos devaneios de Reinhart e Rogoff - interessante


notar -, o experiente economista britânico Adair TURNER (“Barão Turner de
Ecchinswell”), ex-diretor-geral da Confederação da Indústria Britânica e ex-presidente
da poderosa Autoridade dos Serviços Financeiros da Grã-Bretanha (SFA), debatendo a
grande crise em 2014 fez questão de relembrar a famosa “tirada” da monarca de seu
país, Elizabeth, que em 2009 perguntou a economistas do departamento da London
School of Economics: “Como ninguém viu que isso fosse acontecer?”. Turner, quem
retoma a ideia de Milton Friedman do “dinheiro de helicóptero”, em alternativa ao
Quantitative Easing, considera que, a) houve uma “falha absoluta”, em 2005, 2006 ou
2007, “em entender que estávamos caminhando rumo a um grande colapso financeiro”;
b) uma segunda falha, já no curso da crise em 2008 (“primavera de 2009”): “não prever
quão difícil e lenta seria a recuperação”.48

Também numa enfática apreciação, em julho de 2013 o por muitos autores


destacado, economista J. Bradford DeLONG escreveu uma série de três artigos (“A
segunda grande depressão”) desmontando as teses que escondiam da grande crise os
traços fundamentais de uma nova depressão. DeLong dissertara explícito ali que, a
maioria dos economistas afirmavam que viam pelo menos uma fresta “na recessão
econômica” e que esta não era tão má como a Grande Depressão. DeLong diz então que
até recentemente ele concordara com tal ideia, e que tinha chamado o episódio “a menor

46
Ver: Editora Elsevier/Campus, Rio de Janeiro, 2010, 8ª tiragem. O conceito de crise financeira global
desses autores – uma invencione inacreditável – encontra-se na página 256.
47
Em: Minsky, “Estabilizando uma economia instável”, 2013, op. cit., p.193. Segundo ele, os
fundamentos da teoria da instabilidade financeira já podiam ser derivados da Teoria Geral de Keynes, da
descrição sobre deflação de ativos de I. Fischer, e dos trabalhos de H. Simons (idem, ibidem).
48
Ver: “Alavancagem, estabilidade financeira e deflação”, de A. Turner, em: “O que nós aprendemos? A
política macroeconômica no pós-crise”, ARKELOF, G., STIGLITZ, J., ROMER, D., BLANCHARD, O.,
Rio de Janeiro, Alta Books, 2014, p. 133.
40

depressão. Agora, desconfio que estava errado”, asseverou. Porque se deveria, sim,
comparar a crise em curso com a da Grande Depressão dos anos 30, “e não há quase
nada que seja “menor” na comparação” entre os dois fenômenos, arrematou ele. Relata
ainda que, naquele momento, a economia europeia estava “em pior posição em relação a
2007, do que em 1935 relativamente a 1929, quando a Grande Depressão espoletou”.
Parecia-lhe que a economia dos EUA, estaria “a enfrentar certamente uma década
perdida e talvez até mesmo duas” 49.

Ainda em 2013, desta feita foi a vez do referido Paul KRUGMAN, como vimos
um escritor de um programa contra a depressão, em 2011. Segundo afirmou (5 de Julho
de 2013) num artigo curto intitulado “On the Political Economy of Permanent
Stagnation” (“Sobre a economia política da estagnação permanente”) 50, argumentando
que os Estados Unidos, a Europa e o Japão poderiam estar a enfrentar crescimento lento
e alto subemprego/desemprego “por um período muito longo”. Acrescentou ainda:

“Na verdade, alguma coisa podia surgir – uma nova tecnologia que induzisse
muito investimento, uma guerra, ou talvez apenas uma acumulação suficiente
de “uso, decadência e obsolescência”, nas palavras de Keynes. Mas neste ponto
tenho dúvidas reais sobre se haverá eventos que forcem ação política” 51.

Quase quatro anos depois, em 4 de março de 2017, uma análise viva e marcante
de Larry ELLIOTT, editor de economia do britânico The Guardian (“A crise de 1930
revisitada. O colapso atual: o que a Grande Depressão nos revela sobre o futuro?”),
parecia sintetizar o longo e grave processo iniciado em agosto de 2007. Assim como a
implicações políticas, econômicas e sociais da Grande Depressão de 1929, “do mesmo
modo”, escreveu Elliot, sem os efeitos prolongados do choque de 2008, não haveria
ocorrido o movimento Brexit; Donald Trump continuaria sendo um construtor da cidade
de Nova York, e a Europa não estaria “tremendo ante a possibilidade de que Marine Le
Pen substitua Franços Hollande como presidente francês”.52

A seguir, Elliott reforça sua ideia citando Robert SIDELSKY, o famoso biógrafo
de John M. Keynes, quem, invertendo, considera termos chegado “à Grande Depressão

49
Em: https://www.foreignaffairs.com/reviews/review-essay/second-great-depression
50
Citado em “Nota dos Editores”, Monhtly Review, 01\09\2013. Em:
https://monthlyreview.org/2013/09/01/mr-065-04-2013-08_0/
51
Citado em: https://monthlyreview.org/2013/09/01/mr-065-04-2013-08_0/
52
Em: https://www.theguardian.com/society/2017/mar/04/crash-1929-wall-street-what-the-great-
depression-reveals-about-our-future?CMP=
41

pela mesma que em 2008: havia uma grande pilha de dívidas, havia apostas na margem
no mercado de valores houve hiperinflação de ativos, e taxas de juros eram
demasiadamente altas para apoiar um nível de investimentos de pleno emprego” (idem,
ibidem).

Portanto, do que vimos até aqui, consideramos tratar-se do velho (superado e


nocivo) formalismo lógico supor que a grande crise capitalista global iniciada em 2007-
8 constitui episódio similar a uma “Grande recessão” ou de que não se tratou de uma
outra depressão, a par de sus singularidades e diferenças com constantes em todas elas.
53
A propósito disto, H. MINSKY , a exemplo, descreve ilustrativamente com
perspicácia que a Inglaterra, com a desvalorização da libra em 1931, “experimentou um
pequeno boom, embora a depressão mundial já estivesse acontecendo”.

Afinal, foi Charles P. KLINDERBERGER, em sua clássica obra “The world in


depression, 1929-1939”54 quem dissertou, de maneira clara e simples, que as crises
financeiras tiveram grande regularidade no século XIX e antes do final da Segunda
Guerra Mundial: 1816, 1825, 1836, 1847, 1857, 1866, 1873, 1890, 1907, 1921,1929,
1937. “Algumas delas se converteram em grandes depressões” (itálico nosso).

Klinderberger, relembrando a de 1873-1896, escreve que se “pode considerar o


período que vai de 1929 a 1939 como um período único”. Em seguida registra “o crash
da Bolsa em 1826 e uma depressão” (idem, p.35). Onde esta “depressão de 1826 quiçá
não foi uma depressão tão profunda nem tão ampla como a de 1929, ou como as de
1873 e 1848 que vieram em continuação” (idem, ibidem). Prosseguido em importante
caracterização tipológica, escreve ele que, “A um nível mais profundo, é possível
detectar um paralelismo entre a crise de 1848 no continente europeu e a depressão de
1929” (idem, p. 36). Ambas representariam “falhas no sistema econômico em uma etapa
de transição” de um conjunto a outro de instituições e formas sociais (idem, ibidem).

Por tais razões e argumentos, muito distintamente afirmamos que por suas
imensas implicações econômicas, sociais, políticas e ideológicas, essa grande crise55

53
Ver: “John Maynard Keynes”, Hyman P. Minsky, Campinas, Editora Unicamp, 2011, p. 84.
54
Ver: “La crisis económica, 1929-1939”, C. P. Klinderberger, Madrid, Editorial Capitán Swing, 2009,
p.34.
55
G. DUMÉNIL, interpretando recentemente (2009) a dinâmica das crises cíclicas longas, conforme uma
das leituras de Marx, no Livro 3 de “O capital”, retoma a ideia de que a duração das crises de
42

poderia até ser chamada de “O Grande Colapso do século XXI”, ou “A Grande


Destruição do Século XXI”, ainda que todos os seus terríveis efeitos não tenham
aflorados até aqui. A grande crise dos dias que correm tem que ser dimensionada por
sua verdadeira devastação que vem promovendo, precisamente, num sistema de
relações internacionais em transição. Seus impactos [como veremos no Capítulo 3], já
estão transformando profundamente as estruturas da sociabilidade capitalista, nos
marcos da configuração neoliberal financeirizada.

Nesse sentido, opinamos que o argumento (importante) sobre a maciça


intervenção dos bancos centrais e\ou estatal mundo afora, na verdade teria impedido que
a economia global não mergulhasse na depressão56; posto que, essa foi a principal razão
a não bloquear o ocorrido em 1929 etc., não passa a mera tautologia.

Ora, no caso dos EUA, esse “socorro” de trocar dívidas que não valiam nada por
títulos seguros do Tesouro se manteve diariamente até o final de 2009; mas seguiu
mensalmente até o final de 2013! E o Fed continua (até o final de 2017) a comprar os
papéis adquiridos nesse período em cada vencimento. Calculava-se até então um
montante dos papéis em carteira do Fed que havia chegado a US$ 3 trilhões; o mercado
financeiro de Wall Street, até meados de 2017 não consegue operar de maneira
independente ou de per si: precisa da rolagem desses títulos para evitar novo colapso!

De outra parte, a massa crescente de títulos da Alemanha, Áustria, Bélgica,


Dinamarca, Finlândia, França, Holanda, Suécia e Suíça foram negociados com juros
negativos, até o final de 2017!

Claro que a pergunta que se deve fazer é: se com uma intervenção sem quaisquer
precedentes dos Estados capitalistas mais importantes e seus bancos centrais –
persistente de certo modo ainda nos EUA, e fortemente na Europa e no Japão - a
economia mundial cambaleou por cerca de 10 anos, ficou muito longe de voltar a

superprodução (superacumulação) de capital, seguidas “do crash e da depressão, isto é, da queda


drástica da produção” (itálico nosso) seriam “tipicamente de dez anos”. Interrogando-se sobre o porquê
desse número, explica Duménil que Marx vincula-o ao limite para a obsolescência da maquinaria ou do
capital fixo. Ver: “Economia”, cap. 2, em: “Ler Marx”, E. RENAULT, G. DUMÉNIL, M. LOWY, São
Paulo, Unesp, 2011, p.293.

56
A melhor e mais fundamentada argumentação nessa linha encontra-se em “A grande depressão dos
anos 1930 e a crise atual: contrapontos e reflexões”, de F. MAZZUCCHELLI (2013).
43

anunciar uma fase de prosperidade econômica e social. Ao contrário! Ademais – insista-


se -, há quase uma década, nos Estados Unidos e em vários países da Europa, e há três
décadas no Japão, os juros reais estão muito próximos de zero, ou mesmo negativos.

Por conseguinte, de uma parte podemos interpretar que a irrupção inédita de um


sistema financeiro sombra - maquiavélico aperfeiçoamento daquilo que Marx acusou de
“sistema [de crédito] puro e gigantesco de especulação e jogo”57 -, identifica um dos
mecanismos centrais da vasta operação global que subsumiu à alavancagem
extraordinária do capital fictício à deflagração da crise. De outra parte, a atual ascensão
nítida de partidos políticos de extrema-direita e neofascistas na Europa, especialmente,
parece insinuar (mimetizando) a repetição trágica da trajetória do avanço do nazi-
fascismo dos anos 1930, na Europa e no Japão.

Nada mais emblemático: a história (parece) se repetir como tragédia ou farsa.

57
Ver: “O Capital”, Karl Marx, Livro 3, v. 5, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, s/data, p. 510.
44

Capítulo 2

Evolução e dinâmica à grande crise. Relato estilizado da construção da


crise global

Esse capítulo é fundamentado pelo Quadro, em forma de Apêndice (83 autores


em 110 formulações), o que nos dá uma visão bastante abrangente da evolução do
capitalismo neoliberal, suas características principais, no desaguar de sua primeira
grande crise global do século XXI. Perpassando as questões principais dessa trajetória,
dele podemos certamente apresentar – e confluir para - algumas ideias centrais, num
debate que capta das formulações dos autores, acrescido de novas referências
bibliográficas.

2.1 - Emergência de um novo padrão de acumulação

Ainda em 1980, BELLUZZO e TAVARES captaram o fenômeno do distinto papel


do capital financeiro, afirmando que a valorização fictícia do capital irrefreável à
grande corporação americana apoiava-se na finança, no protecionismo e privilégios
concedidos por seu Estado ‘liberal’. Nos meados dos 1980, vê-se que, em seu destacado
ensaio “A retomada da hegemonia norte-americana” (1985), Conceição TAVARES
recorda o ambiente de crise dos anos 70, onde Paul Volcker, então presidente do Fed
(banco central dos EUA), decreta violenta elevação da taxa básica de juros (1979).
Volcker não só abandonara abruptamente uma reunião mundial do FMI, como alertara a
todos: os EUA não permitiriam a continuidade da desvalorização do dólar (desde 1971);
a moeda do império teria sua força recomposta, anunciou ele. A crise de
superacumulação e superprodução de capitais de 1974-75, gestada a partir dos EUA,
impôs a acelerar a redefinição de mando no sistema monetário internacional.

Sabe-se que pelas mãos do ex-presidente do Fed o establishment americano levou o


mundo a uma grande recessão global, quebradeira, falências e desemprego (1981-83);
ao colapso de empresas e bancos nos EUA; à “década perdida” na América Latina
durante os 80. Com efeito, a alta dos juros teve fortíssimo impacto mundial; forçaram-se
“ajustes” generalizados nos países capitalistas (e socialistas) “engatados” na política
monetária do Fed. A “diplomacia do dólar
45

forte” (1979-85) enquadrou gregos e troianos, resultando dali que taxas de


crescimento econômico, de câmbio e de juros tornaram-se um movimento convergente à
dependência da política macroeconômica encetada pelos Estados Unidos.

A economia mundial volta a crescer em já em 1984, às custas de importações


baratas para os EUA, quem promove a reestruturação de sua indústria, elevam muito o
déficit comercial e abocanham os juros astronômicos de todo o mundo endividado em
dólar. A propósito, as previsões catastrofistas de então sobre o duplo déficit norte-
americano (transações correntes e fiscal) redundando numa grande crise foram então
“dribladas” com os acordos do Plaza (1985) e do Louvre (1987) que: a) desvalorizam de
maneira consentida o dólar; b) passam a coordenação de políticas macroeconômicas do
G-7 para os EUA. Particularmente o Japão teve goela abaixo enfiada a ultravalorização
do ien.

Constatou-se nessa modelagem o processamento da emergência de um novo padrão


de acumulação marcado essencialmente por um protagonismo inédito do capital
financeiro – no sentido do conceito marxista exposto por Robert GUTTMANN. Se no
movimento anterior: (i) a crise dos anos 1970 impulsionara a desintegração do sistema
monetário de Bretton Woods; (ii) a seguir, deriva-se dessa fase a intensa assunção do
capital financeiro em suas duas variantes: o portador de juros e especialmente do
capital fictício (ações negociadas nas bolsas, títulos públicos e a própria moeda
creditícia) (GUTTMANN, 1996, pp. 53 e 65).

Data ainda de meados dos anos 80 a enorme expansão das “inovações financeiras” e
dos derivativos para a securitização dos passivos do mercado financeiro dos EUA, ainda
imobilizado internamente pelo choque de juros. Ainda que esse período corresponda à
reafirmação do comando imperialista norte-americano sobre o capitalismo global - e
caráter de superpotência -, as manobras de seu grande capital financeiro não adiaram o
“exuberante” crash, logo ali, em outubro de 1987.

Assim e retrospectivamente, a partir da ruptura com os acordos de Bretton Woods, o


dólar como moeda fiduciária (1971), o fim da fixidez (relativa) nas taxas de câmbio
(1973) e a violenta alta nas taxas de juros (1979) programou-se o caminho da
hegemonia norte-americana na “financeirização” neoliberal da riqueza. O que implicara
– disse depois L. BELLUZZO - em: a) liberalização financeira e cambial como norma;
46

b) alteração nos padrões de concorrência capitalista global; c) mudança das regras


institucionais do comércio e do investimento.

2.4 - Liberalização financeira, instabilidade e crises

Na evolução dos anos 1990, como nos mostram sistematicamente BRAGA (1993),
MINSKY (1994), PLIHON (1995); COUTINHO (1995), CHESNAIS (1995),
COUTINHO E BELLUZZO (1996); KEGEL (1996), CARDOSO DE MELLO (1987),
MIRANDA (1987), GUTTMANN (1996), CINTRA (1998), FHARI (1999),
AGLIETTTA (2000; 2004), ALTVATER (2010), por exemplos, conectam-se forte e
globalmente: a) os processos de desregulamentação/liberalização como traços marcantes
da “globalização financeira”; b) os novos instrumentos do capital financeiro sobrepujam
crescentemente o antigo sistema de intermediação bancária; b) anuncia-se
explicitamente uma nova era de instabilidade (e crises financeiras) na economia
capitalista.

De fato, a referida (e forte) quebra financeira de 1987 refletiu a contra-face da


crescente onda das finanças liberalizadas, ademais da forte expansão da economia dos
países capitalistas centrais, a qual enroscara simultaneamente a Inglaterra, a seguir a
Alemanha, a França e o Japão - em suas particularidades e ritmos (GOWAN, 2003).
Superacumulação de capitais, instabilidades e o primeiro crash impactante da
globalização financeira. Além disso, importa notar que os EUA então começaram a
passar da posição de credor internacional a devedor, na medida em que também sua
dívida pública se expandiu fortemente, assim como a da Europa, devido às taxas de
juros e a hipervalorização do dólar.

Paralelamente à constituição de uma nova divisão internacional do trabalho


centrada na Ásia, e em especial na cooperação conflitiva e polarizada entre EUA e a
China, os anos 1980/1990 são também de expansão dos processos de abertura
comercial, das privatizações e da liberalização financeira (especialmente da conta de
capitais), formando o núcleo destrutivo da cartilha “Consenso de Washington”, e na
aplicação do receituário à América Latina endividada e miserável – fala-se de uma
política neoliberal ainda no Chile da ditadura de Pinochet.

As características da dinâmica do capitalismo hodierno sofreram assim


impactantes alterações com o advento da “globalização financeira” neoliberal.
Sobreveio do que se passou por inconteste: o império norte-americano então quase
47

absoluto da grande finança capitalista e seus mercados da riqueza. As transfigurações


sistêmicas acompanharam o desenvolvimento/desestruturação do modelo; alcunhado
como “sino-americano” por alguns autores, e desenhado a partir do final dos anos 1970.

Notadamente, sua impulsão ocorre com o programa da grande burguesia e do


estado norte-americanos: (i) padrão dólar como moeda financeira; (ii) livre flutuação
cambial; (iii) grande elevação da taxa básica de juro. A curva descendente que atinge
esse modelo pode ser estabelecida a partir da crise financeira de 1987.

O crash da bolsa de New York (1987), a violenta crise financeira/imobiliária no


Japão iniciada em 1989-90; o ataque à libra esterlina por grandes fundos de
investimento (1990-92) e breve recessão nos EUA; as crises do México (1994-1995); da
crise global que abalou a Ásia e iniciada na Tailândia (1997); com a incidência na
Rússia, na Venezuela e Turquia (1998); no Brasil a crise do balanço de pagamentos no
(1999); a crise das empresas de alta tecnologia com ações comercializadas na Nasdaq
(2000); da Argentina (2001) formaram uma espécie de “calendário” antecipador da
tempestade iniciada nos EUA, de 20 anos depois da debacle bolsista em Wall Streeet,
com a crise das hipotecas subprimes, nos EUA e países da Europa, tornada sistêmica
com a falência do banco Lehman Brothers; o que se desdobra na fase de uma crise
global europeia, classificada como das “dívidas soberanas”.

2.3 - O novo regime de “mercados autorregulados” (1980-90)

Ao menos em três questões estruturais chaves as mudanças circundaram: a) o


comércio exterior/nova divisão internacional do trabalho; b) as transações financeiras
sob a base da moeda reserva-dólar; c) transformações geopolíticas internacionais
policêntricas.
Sob essas mudanças, as duas décadas cristalizaram então uma sequência de
antinomias - oriundas, por sua vez, da antítese produzida pelo novo regime de
acumulação substitutivo daquele criado pelos Acordos de Bretton Woods -,
teoricamente por nós assim elencadas:

1) doutrina da autorregulação e equilíbrio dos mercados, baseados em relações


quantitivas entre produção, mercadorias e indivíduos como garantia do
desenvolvimento, contrapostos à implacável realidade da incerteza e de instabilidades,
48

da concentração/centralização financeira da riqueza, inéditas assimetrias sociais e à


intervenção dos Estados nas economias;
2) fabricação ideológica de um individualismo societário insidioso, desagregador e
penetrante, oposto à correspondência de um planeta cada vez mais reprodutor do
trabalho social em escala gigantesca e reclamante de laços humanos solidarizados;
3) processos de desregulamentação e liberalização internacional de mercados, de
serviços e de capitais, fomentadores de crises financeiras devastadoras versus a
apologia das “expectativas racionais”, da estabilidade via metas de inflação para
promoção do crescimento e do desenvolvimento;
4) informações-comunicações estratégicas de propalado acesso democrático e de livre
mercado-concorrência, em oposição ao poder oligopólico de concentração do padrão
tecnológico, controle e patentes das novas tecnologias de informação e comunicação
em relação às economias subdesenvolvidas;
5) flexibilização e desregulamentação do mercado de trabalho para maior crescimento e
“empregabilidade”, em confronto com o altíssimo e crescente desemprego em escala
mundial, a generalização da precarização e a redução ou eliminação de direitos sociais e
trabalhistas; e
6) prática da naturalização da especulação sem limites (não só “natural” como
“benéfica”), incluindo a financeirização clandestina (shadow finance system),
enquanto se adota e se difunde a ética do “moral hazard” (“risco moral”).

2.4 - Financeirização e crises

Consideramos que, notadamente em BRAGA (1997; 2000; 2009), a ideia da


financeirização como “novo padrão sistêmico de acumulação” assume a fisionomia
teórica pioneira (e plena). Em cuja estrutura conceitual, articulação e projeção dinâmica
o distingue o início às interpretações de CHESNAIS (mundialização; capital portador de
juros, 2002) ou ARRIGHI (ciclos sistêmicos de acumulação,1996). Para Braga (1997), a
dominância financeira sistêmica passou a ser expressão geral das formas
contemporâneas de definir, gerir e realizar riqueza no capitalismo, quer dizer, um
padrão sistêmico - formulação esta que o distingue de inúmeros autores. É esse padrão
que passa a incidir “organicamente” na relação entre crescente instabilidade e crises
frequentes.
49

Mas isto quer dizer que, esse padrão contemporâneo internacional, como
conceituou BRAGA (2000, p. 274) - está marcado por:
a) mudança do sistema monetário-financeiro com o declínio da moeda
e dos depósitos bancários como substrato dos financiamentos
substituídos pelos ativos que geram juros; b) securitização
(elasticidade para negociação de ativos) que interconecta os
mercados creditício e de capitais; c) a tendência à formação de
“conglomerados de serviços financeiros”; d) intensificação da
concorrência financeira; e) ampliação das funções financeiras no
interior das corporações produtivas; f) transnacionalização de bancos
e empresas; g) variabilidade interdependente de taxas de juros e
câmbio; h) déficit público financeiro endogeneizado; i)banco central
market oriented (voltado para o mercado); j) permanência do dólar
como moeda estratégica mundial.

Trata-se certamente de um fenômeno relativamente recente da economia


mundial, precedendo em que, ao se libertar das amarras da conversibilidade ao ouro, os
Estados Unidos incorrendo em déficits comerciais recorrentes resultaram em ser
devedor líquido, sendo o país emissor da moeda-chave. E insista-se que, notadamente a
partir dos anos 1980, a progressiva liberalização dos fluxos de capitais foi
progressivamente montando um mercado unificado de dinheiro e ativos financeiros em
escala global, sob o comando do sistema financeiro estadunidense. São os novos
“mercados da riqueza”, denominou-os L. BELLUZZO em vários textos.

Desse modo, contemporaneamente, o conceito de “finanças dolarizadas” mais se


assemelha aos bancos múltiplos que atuam como supermercados financeiros, sob a
proteção do Fed (Banco Central dos EUA). Diante do poderio dos mercados financeiros
norte-americanos (liquidez, profundidade, sofisticação, introdução de inovações e
custos de emissão) o sistema financeiro dos EUA e o padrão dólar (também chamado de
“flexível”) passaram a atuar como o mercado mundial de crédito e de capitais, por
serem: a) o mais internacionalizado de todos os mercados nacionais; b) comandar o
dinheiro que se apresenta como “o verdadeiro dinheiro mundial” (BRAGA e
CINTRA, 2004).
Tal padrão de acumulação, nos EUA, passara a apresentar, ademais, um
crescimento do consumo excepcionalmente descolado do nível da renda – notadamente
dos salários e do emprego -, estreitamente vinculado ao chamado “efeito riqueza”, isto
é, à sensação que ativos imobiliários ou financeiros sofrem contínuo processo de
valorização e ganhos, o que faz com que empréstimos e mais gastos se repitam. Assim,
nos EUA, em 1982, a taxa de poupança pessoal era de 11% da renda disponível; em
50

2006, caiu para quase zero. Entre o 1º trimestre de 1998 e o mesmo período de 2008, o
PIB dos Estados Unidos cresceu 31%, ou seja, 2,7% ao ano; o consumo das famílias
subiu 3,4% ao ano, elevando sua participação no PIB de 67,1% para 71,6%. Evidente: a
redução da poupança das famílias despencou de 4,7% para 0,2% do PIB; ou seja, os
gastos das famílias norte-americanas excederam bem acima da renda disponível,
turbinados pelo aumento rápido do endividamento.58

Noutro ângulo, de acordo com Robert GUTTMANN (2008),59 em seu


desenvolvimento, o “capitalismo dirigido pelas finanças” sempre apresentou tendências
a crises financeiras em momentos fundamentais de sua expansão territorial ao trazer
economias até então dirigidas pelo Estado para o âmbito da regulamentação do
mercado. Acrescentando a seguir, de maneira enfática uma particularidade histórica
dessa gestada em 2007:

“A crise atual, todavia, é diferente. Não apenas emanou do centro, em


vez surgir de algum ponto da periferia, como também revelou falhas
estruturais profundas na arquitetura institucional de contratos, fundos
e mercados que compunham o sistema financeiro novo e
desregulamentado. Em outros termos, estamos diante de uma crise
sistêmica, que é sempre um evento de proporções épicas e efeitos
duradouros”.
Numa direção similar, e em balanço consistente denominado “Um ano depois do
crash bancário e financeiro”, F. CHESNAIS trata do modo seguinte as raízes da crise
global de 2007-8, asseverando que:

“Claramente temos enfrentado uma crise de grande importância.


Simultaneamente à crise de um regime de acumulação de dominância
financeira e de condições históricas transitórias que asseguraram aos
Estados Unidos una hegemonia indivisível. A crise tem como substrato
uma elevada superacumulação de capital e uma forte
superprodução”.60
Igualmente esclarecedora é a explicitação de outra faceta deste padrão, por L.
PAULANI, acerca das características das mudanças ocorridas no capitalismo
contemporâneo, correlacionando-as com a vertente financeira da crise:

58
Ver: “Consumidores aloprados ou contribuintes lesados?”, de L. Belluzzo, in: Terra Magazine,
25/9/2008.Em:http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3208437-EI8212,00-
Consumidores+aloprados+ou+contribuintes+lesados.html
59
Ver: Ver: “Uma introdução ao regime dirigido pelas finanças”, de R. Guttmann, em: Novos
Estudos/CEBRAP, São Paulo, novembro 2008.
60
Em: http://www.rebelion.org/noticia.php?id=97811 , de F, Chesnais, “Un año después del crack
bancario y financiero”, 29-12-2009.
51

“Evidentemente, crise e financeirização estão diretamente ligadas.


Quando se fala em financeirização, o fenômeno que se quer capturar é
o aumento crescente da importância da lógica financeira, de caráter
rentista, que o capitalismo vem experimentando desde pelo menos o
início dos anos 1980 do século passado. Empiricamente, isto é visível
na comparação entre o crescimento da riqueza financeira mundial
(ações e debêntures, títulos de dívida privados e públicos e aplicações
bancárias) e o crescimento do PIB mundial. Entre 1980 e 2006, o
primeiro cresceu mais de 14 vezes, enquanto o segundo não chegou a
cinco”.61
Fique patenteado que os anos que cruzam 1990 e 2000 foram de explosão das
“finanças diretas” (ativos, títulos, ações etc.), de multiplicação para trilhões os valores
nocionais dos derivativos (especulação financeira sobre ativos futuros) e de crises
financeiras cada vez mais demolidoras. Claro, um arsenal infindável de “inovações”
financeiras entronizou-se de modo a universalizar o agigantamento do capital fictício.
Exemplificando: os MBS (títulos lastreados em hipotecas); Junk Bonds (títulos de alto
risco); ativos tóxicos; Black-Scholes option price model (modelo Black-Scholes para
determinar o preço de uma opção); CBO (obrigação de títulos garantidos); CDO
(obrigação de dívida garantida); CDS (swap [troca baseada em instrumentos
financeiros] de inadimplência de crédito); CMO (obrigação hipotecária garantida);
Carry trade (operação alavancada baseada no jogo com taxa de juros internacionais), e
muitos outros mecanismos da febre especulativa, levaram a ganância, e a concorrência
bancária/financeira ao delírio.

Importa aqui, assim, repor: 1) neoliberalismo e “globalização financeira” não


apenas reafirmam a tendência à superacumulação de capital, como introduziram novas
determinações agravantes da instabilidade e da incerteza do cálculo capitalista próprias
desse regime de produção na época dos monopólios; 2) especialmente instrumentos e
“inovações” financeiras, e a as obscuras relações se amplificaram progressivamente
entre o sistema bancário tradicional e o “sistema financeiro sombra” (shadow banking
system), fenômenos decisivos que estiveram no centro da deflagração da crise, em
agosto de 2007 e setembro de 2008. 3) desenvolveu-se nova e furiosa campanha
permanente de ataque e desmonte das conquistas do trabalho, um aríete de
recomposição das taxas de lucros; 4) De acordo com David KOTZ (2009), ocorreram
três desenvolvimentos fundamentais no neoliberalismo: a) ascensão das desigualdades
econômico-sociais; b) proliferaram grandes bolhas de ativos; c) a expansão de um setor

Ver: “Réquiem para o neoliberalismo? Ainda é cedo”. Entrevista especial com Leda Paulani”, Instituto
61

Humanitas Unisinos, 4/10/2008.


52

financeiro especulativo e propenso ao risco, visivelmente contrastantes, por exemplo,


com os EUA durante o período “regulado” 1948-73 (“The Golden Age”).

2.5 -A crise em sua tipificação exteriorizada

É necessário destacar que, durante à crise do crédito imobiliário, das hipotecas


de alto risco, então espraiada pelo o sistema financeiro mundial, dezenas de bancos dos
Estados Unidos e da Europa foram socorridos pelos governos porta-vozes dos
“mercados autorregulados”, desde a ascensão do neoliberalismo. Mesmos governos e
bancos centrais praticantes de uma política econômica de juros baixos, crédito farto e
riscos elevados, notadamente aqueles atrelados aos financiamentos habitacionais.
No caso da Grã-Bretanha, em fevereiro de 2008, o governo teve que ser obrigado a
estatizar o Northern Rock, conduta não vista desde a década de 1970. Nos EUA, ainda
em março o JPMorgan Chase comprou o Bear Stearns (5º maior banco de investimento
dos EUA), operação também conduzida e aprovada pelo Fed.

No caso do colapso do Lehman Brothers, abandonou-se completamente a


ditadura do “grande demais para quebrar”. O LB, o 4º maior banco de investimentos
estadunidense: fundado em 1850, o gigante pediu falência no fatídico 15 de setembro,
afundando as bolsas de valores de todo o mundo e revelando já o tamanho da crise
global. Já a AIG, gigante da área de seguros do pais, recebeu dois dias depois um foi
socorrida dois dias depois em US$ 85 bilhões. O plano de ajuda ao sistema financeiro
anunciado pelo governo Bush, então, já ultrapassava US$ 2,6 trilhão.

Quanto à Europa, teve logo que demandar a intervenção do governo português


no Banco Espírito Santo (BES), ao que se seguiu um “aporte” de quase €5 bilhões - para
tentar conter a crise bancária e fiscal de então. A Inglaterra, a nacionalização de várias
instituições e ajuda ao setor bancário chegava a US$ 1 trilhão (2008). Na Alemanha, a
maior intervenção desde a “queda do Muro de Berlim”, o governo anunciou uma ajuda
recorde a bancos: €500 bilhões.

Numa demonstração de que as imensas intervenções de governos e bancos


centrais se mostraram totalmente insuficientes, em 2012, ou quatro anos depois, a
53

falência financeira da Grécia, outra onda de socorro: quatro instituições financeiras


gregas receberam mais de US$ 22 bilhões. Na Espanha, outros quatro bancos foram
socorridos com uma injeção de capital de US$ 48 bilhões. A Europa experimentava
taxas recordes de desemprego, assim como extraordinário endividamento público.

Claro ficou que os vetores da crise, sim, assinalam uma crise gestada num
padrão de acumulação capitalista francamente voltado para a acumulação financeira
neoliberal, onde a financeirização dos mercados de riqueza institucionalizou-se
globalmente. Quer dizer, se explicitaram como nunca as relações do poder político no
comando direto das operações que recompuseram as forças sociais do grande capital
financeiro, após a operação de liquidação de fundamentos centrais originários dos
acordos de Breton Woods do pós-Segunda Guerra.

Foram imposições políticas a desregulamentação e a liberalização dos mercados


financeiros – nada de devaneios de “crise de confiança” (REINHART e ROGOFF) –,
condutas alavancadoras dum turbilhão de acumulação/especulação de ativos
financeiros, que levaram, a seguir, ao estilhaçamento da economia capitalista, em
especial as do capitalismo central.

Aliás, segundo Peter GOWAN, a estratégia original do grande capital financeiro


norte-americano e britânico impunha a inflação baixa para manter a função da moeda
“como um padrão fixo de valor de acordo com os interesses do capital-dinheiro” - tendo
sido esta a “verdadeira base para a inauguração do neoliberalismo do Atlântico”.
Extraindo consequências do conceito, diz CHESNAIS: o “predomínio financeiro puro”
do ressurgimento das formas do “capital-dinheiro concentrado”, a manejar as alavancas
de controle do sistema capitalista mundial, “acentuou o processo de financeirização
crescente” dos grupos industriais.62

Recapitulando aqui: a crise detonada em agosto 2007 com a chamada “bolha”


imobiliária e suas hipotecas subprime (inadimplentes), nos EUA, foi agravada
severamente com a quebra do banco Lehman Brothers (setembro de 2008); emergiu dos

62
Ver respectivamente: “A roleta global. Uma aposta faustiana de Washington para a dominação do
mundo”, P. Gowan, Rio de Janeiro, Record, 2003 p. 81; e “Da noção de imperialismo e da análise de
Marx do capitalismo: previsões da crise”, F. Chesnais, in: “O Incontornável Marx”, Nóvoa, J. (org),
Salvador/São Paulo, Unesp/Edufba, 2007, p. 64.
54

porões do sistema, para a sofisticação da trapaça financeira, como vimos, até o shadow
financial system. Sim, os maiores bancos de investimento do mundo, particularmente os
símbolos norte-americanos da grande finança, omitiam de seus balanços operações e
contratos fraudulentos. Bancos e um sistema financeiro “sombra”, serenamente
observado pelo Fed e todos os bancos centrais dos países capitalistas centrais, e
sancionado pelas “agências de risco” internacionais (criadas pelos grandes bancos).

Observemos nesse sentido que, para GUTTMANN (2015),63 a “incrível


expansão da finança”, marcada na tendência de financeirização passou a ser um
fenômeno de escala mundial numa “implacável globalização financeira”. Nela, os
bancos se tornaram “verdadeiros atores transnacionais, os fundos diversificaram seus
portfólios globalmente, conectando mercados nacionais anteriormente separados através
das fronteiras. Um vasto mercado do comércio exterior (então com um volume de
transação diário próximo dos $4 trilhões) impulsionou uma plataforma “altamente
eficiente para movimentar grandes fundos para dentro e para fora dos mercados, países
e moedas na velocidade da luz”.

A evolução da grande crise financeira do capitalismo da nossa época, fabricada


no centro do império norte-americano, em ondas gigantescas vieram assim devastando
todas as conexões que alimentaram suas próprias estruturas globais de acumulação
“financeirizada” do capital.

Assim, as 10 economias consideradas as mais desenvolvidas do capitalismo, de


2000 a 2008 elevaram em US$ 40 trilhões64 a mais as dívidas somadas do setor
financeiro, das famílias e dos governos (alta de 60%); isso significou um crescimento,
em relação ao PIB desses países, de 200% em 1990 para 330% em 2008. A dívida

63
Ver: “A noção heterodoxa de crise estrutural”, R. Guttmann, em:
https://www.elgaronline.com/view/journals/roke/3-2/roke.2015.02.04.xml. Segundo Guttmann, seriam
dois shadow banking system a auxiliar a globalização, cada um abre negócios em uma escala global,
operando “além do alcance das autoridades nacionais” e livre das coações regulatórias. O primeiro, teria
emergindo como uma força nos anos 1960 com o chamado Eurocurrency markets (Mercados da
Euromoeda): uma cadeia bancária global somando algumas centenas de imensas instituições financeiras,
conectadas umas às outras através de sistemas de pagamento informatizados (Swift, Chips), ao lado de
um enorme mercado interbancário para fundos de curto prazo. O segundo, o já descrito acima e iniciado a
partir da ascensão neoliberal, com destaque para o movimento dos fundos institucionais, a
internacionalização crescente do comércio, envolvendo serviços, cadeias produtivas, processos offshoring
ou outsourcing, etc.

64
Ver: “Dívida dos países desenvolvidos dá salto de US$ 40 tri”, Valor Econômico, 9/02/2010.
55

pública dos EUA já alcançara US 12 trilhões em dezembro de 2009, segundo o Tesouro


americano. Enquanto a zona do euro (15 países) convivia com a especulação contra a
sua moeda, estagnação econômica, o desemprego massivo, com alguns de seus
governos introduzindo então “reformas” e a “austeridade” fiscal que até hoje tentam a
derrocada do Estado de Bem-Estar Social.

Sobre essa grave problemática, e anotando outra tendência que passou a incidir
nos EUA durante a ascensão do neoliberalismo, o especialista em estudos do mercado
de trabalho R. FREEMAN afirmava65 que, dos anos 1980 a meados dos 2000, esse país
apresentou uma crescente e reiterativa distância entre a recuperação da economia e o
desempenho do nível de emprego, um problema recente e crucial. Ali - argumenta
amplamente o economista de Harvard (codiretor em programa de mão de obra na
London School of Economics) -, houve “recuperação sem emprego” no período Bill
Clinton, até que surgisse o boom da internet no final dos anos 90; “e nova recuperação
sem empregos” sob o governo de G.W. Bush, após a crise-recessão de 2001. Segundo
ainda Freeman, de 2007 a outubro de 2009 os EUA haviam liquidado quase 8 milhões
de empregos; a duração desse desemprego “é a maior desde a Depressão”, sendo difícil
imaginar que os EUA voltem a encontrar o pleno emprego “num prazo previsível”.

Em fevereiro de 2010, observando mais amiúde aquilo que economistas e


governos denominam de “economias mais industrializadas”, dados e projeções da The
Economist/OCDE sobre o desemprego na UE assinalavam a seguinte evolução (oficial):
2008=7,2%; 2009=10,1%; 2010=11,0%. Na OCDE, de conjunto a coisa era pior ainda:
a) no fim de 2010 a taxa deveria superar 10%, recorde óbvio pós-1945; b) entre 2007e
2010 os desempregados novos somariam 25 milhões, devendo atingir 53 milhões o total
destes; na Alemanha 10,8%, França 10,9%, Irlanda 15,1%, Polônia 12%, e a campeã
Espanha 20,5% (entre os jovens atingira 40%). A Grã-Bretanha estava sendo
considerado o “nó” das grandes economias centrais: o PIB teve 6 trimestres de queda
livre (-61%), no 4º de 2009 chegara a 0,1% e deveria ter 10% de desemprego em 2010.
A Alemanha viu sua economia desabar em -5% do PIB, em 2009, de longe o pior
quadro desde 1945.

65
Ver: “Uma recuperação sem empregos?”, de R. Freeman, Folha de S. Paulo, 10/1/2010. Também, R.
Freeman, https://www.valor.com.br/internacional/2837492/economia-dos-eua-da-sinais-de-melhora-
mostra-censo
56

Não é esdrúxulo notar que, 40 anos depois de ter levado o mundo a uma violenta
recessão - como vimos acima, fortalecendo por um longo período o reposicionamento
internacional dos EUA e quebrado a periferia do capitalismo -, o mesmo Paul
VOLCKER foi “ressuscitado” pelo então presidente dos EUA, Barack Obama: para
apresentar uma proposta (“regra Volcker”, lei Dodd-Frank) de reforma do sistema
financeiro dos EUA que se orienta para uma “proteção” contra os grandes bancos.
Segundo afirmara Volcker,66 a regra se voltava aos bancos “que se desviam da norma” -
na realidade outrora comerciais, que passaram a operar em investimentos especulativos
de toda a espécie e no curto prazo. Gigantescos supermercados financeiros que
deveriam, segundo a proposta: a) limitar seu capital para operações de sua própria
tesouraria, incluindo a manipulação de fundos hedges (“seguros” e altamente
especulativos); b) reduzir a sua alavancagem (relação entre capitais próprios e de
terceiros e a multiplicação dos valores investidos); c) melhorar a atuação das
(fracassadas e mentirosas) agências de risco.

Duplamente curioso: de um lado, a proposta de Volcker regredia, no


fundamental, a algumas das reformas de Roosevelt, dos anos 1930, então para buscar
soerguer o país da Grande Depressão – o que nem Roosevelt conseguiu. Se hoje (como
ontem) buscou-se salvar os bancos, evidentemente depois de distribuir centenas de
bilhões de dólares do Estado ao sistema financeiro, o ex-presidente do Fed tenta
medidas para torná-los mais eficazes e seguros!

De outra parte, vê-se bem que seria, desde o espraiamento da crise, até meados
de 2017, inimaginável uma subida sequer abrupta do juro básico americano - como foi
feito para restaurar o poder da moeda norte-americana e seu status de potência imperial
-, quanto mais elevar-se a taxa às alturas para fortalecer sua moeda.

Como veremos (Capítulo 3), taxas de juros negativas, e a ideia de “estagnação


secular” das economias capitalistas centrais, e especialmente a dos EUA, foram algumas
das consequências da grande crise que vêm alterando as respostas tradicionais de
políticas monetárias adotadas pela economia política neoclássica, em franca decadência.

**********************************************

66
Em: “A reforma do sistema financeiro dos EUA”, O Estado de S. Paulo, 2/2/2010. E conclui Volcker:
“Precisamos enfrentar as mudanças estruturais e colocá-las em lei. Fazer menos significará um fracasso
final – fracasso em aceitar a responsabilidade de aprender com as lições do passado e antecipar as
necessidades do futuro”. Em: https://www.estadao.com.br/noticias/geral,a-reforma-do-sistema-financeiro-
dos-eua,506138
57

Como afirmamos, o capítulo se complementa com o longo Quadro (Apêndice ao


Capítulo 2), metodologicamente elaborado em torno de circunstâncias historicamente
correlacionadas, do desenvolvimento na nova fase da acumulação capitalista à crise
iniciada em 2007.

Capítulo 3

A grande crise e tendências do capitalismo contemporâneo


A evolução da grande crise iniciada em 2007-8 resultou em: a) estagnação
prolongada do crescimento econômico, especialmente no capitalismo desenvolvido;67 b)
na queda da produtividade do trabalho; c) no endividamento público e privado
ascendente; d) na persistência do processo de financeirização capitalista global; e) em
desigualdades sociais galopantes e no agravamento do desemprego estrutural como
fenômenos amplificados; f) o que vem se entrecruzando com a passagem a uma nova
revolução industrial: a “4ª revolução Industrial” ou “Indústria 4.0”.

São alterações estruturais que ocorreram em simultâneo a uma nova divisão


internacional do trabalho, alteram a dinâmica do grande capital produtivo global,
confluindo aos graves impasses da acumulação do capitalismo financeirizado. Há
sugestão, ademais, à passagem a uma nova fase – degrau, estágio – deste capitalismo da
etapa imperialista.

3.1 - Neoliberalismo, conceito e crise: reconfigurando o debate


Numa perspectiva teórica ex-post, devemos concluir da trajetória deste estudo
que o neoliberalismo pode ser conceituado como um programa (deformado) da
economia política neoclássica da era do capitalismo financeirizado. Representa-se
numa plataforma dirigida pelo poderio do grande capital financeiro patrocinador da
explosão do capital fictício, sendo central o protagonismo do capital portador de juros.

Como visto, o neoliberalismo é envolvido por um padrão de acumulação que se


desenvolve a partir da crise dos anos 1970 com vistas a recompor a hegemonia do
poderio econômico do imperialismo norte-americano. Recapitulando, esse programa foi
paulatinamente estruturado, inicialmente pela Inglaterra e os EUA, de modo a
materializar políticas globais de: (i) desregulamentação e liberalização financeiras; (ii)

67
É indispensável sempre reafirmar que, para MARX (1980, pp. 932 n. e 933), “Não há crises permanentes”
no capitalismo, mas passaram a existir “quase regular periodicidade das crises do mercado mundial”
(Teorias da Mais-Valia). Segundo LÊNIN (1981, p.668), “no seu conjunto, o capitalismo cresce com uma
rapidez incomparavelmente maior que antes”. Simultaneamente, no capítulo VIII, “O parasitismo e a
decomposição do capitalismo”, afirmara Lênin: “Mas não obstante, como todo monopólio, o monopólio
capitalista gera inevitavelmente uma tendência para a estagnação e para a decomposição”. Veremos esse
debate detalhadamente no Cap. 3.
58

as privatizações de empresas estatais e públicas; e (iii) a abertura comercial


internacional e desnacionalização generalizadas.

Outrossim, no debate que vem prosseguindo e conforme se consolidava os


elementos do ideário constitutivo da globalização neoliberal e financeira, seu desenho
(aberto) de totalidade, e sua influência na fisionomia que o percurso da crise adquiriu,
deve-se reter substantivamente o que segue.

Para E. REINERT a globalização neoliberal tem como pano de fundo a


teorização do prêmio Nobel, Paul Samuelson (1949), que defendeu ser o livre comércio
internacional o fator principal de “equalização de preços dos fatores” (capital e
trabalho), que assim, tenderiam a ser iguais em todo o mundo.68 Samuelson atreveu-se a
provar “matematicamente” o fenômeno, diz Reinert, quando hoje comprova-se
fartamente o desastre. E o que levou o Ocidente à confusão e à desordem atuais foi uma
teoria econômica que abdicou de estudar aspectos fundamentais da dinâmica capitalista,
inclusive a dinâmica da tecnologia e das crises financeiras, escreve ele (Posfácio, 2016).

Numa outra confluência, P. ANDERSON e R. BRENNER chamaram a atenção


para o ataque cerrado que a ascensão neoliberal assestou no Estado e no movimento
sindical, notadamente advinda da queda da lucratividade que passou a atravessar o
capitalismo central desde o final do 1960. Para Anderson, ademais, o proselitismo
reacionário de F. Hayek, contra a “servidão moderna” do pós-guerra ocupou lugar
central na “ideologia do neoliberalismo”. Segundo Brenner, desde o final dos anos 70,
instala-se a dominação crescente do capital financeiro; as políticas neoliberais visam
garantir, proteger e expandir o campo de lucros para o capital financeiro e as
multinacionais, e garantir os interesses do capital financeiro implementou-se às
expensas das bases da economia, em geral, e da classe trabalhadora, em particular.69

De acordo com o sociólogo francês P. BORDIEU, a teoria do neoliberalismo “é


pura ficção matemática”, fundada desde o início numa “abstração formidável”. Sua
concepção estreita e estrita da racionalidade como racionalidade individual vinculam-se
às condições econômicas e sociais das orientações racionais “e as estruturas econômicas
e sociais que condicionam a sua aplicação”.70 O programa neoliberal - analisa ele -
deriva o seu poder social do poder político e econômico, daqueles cujos interesses
expressa: acionistas, operadores financeiros, industriais, políticos conservadores e
68
Ver: “Como os países ficaram ricos... e por que os países pobres continuam pobres”, E. Reinert, Rio
de Janeiro, Contraponto/Centro celso Furtado de políticas para o desenvolvimento, 2016, p.92.

69
Ver: “Balanço do Neoliberalismo”, Perry Anderson, em: Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o
Estado democrático”, Sader, E. e Gentili, P. (Orgs.), Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1995. “A crise
emergente do capitalismo mundial: do neoliberalismo à depressão?”, R. Brenner, Revista Actuel
Marx/Centre National de la Recherche Scientifique da França, 30 de setembro de 1998, Sorbonne, Paris.

70
Ver: “A essência do neoliberalismo”, P. Bordieu, em: www.diario.info (2017 [1998]).
https://www.odiario.info/a-essencia-do-neoliberalismo/
59

sociais-democratas que foram transformados nos subprodutores tranquilizantes do


laissez faire, altos funcionários financeiros decididos a impor políticas que procuram a
sua própria extinção.

“Uma nova razão do mundo”, é a formulação síntese alcançada pelos


pesquisadores P. DARDOT e C. LAVAL,71 onde o neoliberalismo abrangeria mais
vastamente: a) a conquista do poder político pelas forças neoliberais; b) o rápido
crescimento do capitalismo financeiro global; c) a individualização das relações sociais
às expensas das solidariedades coletivas; d) a polarização extrema entre ricos e pobres;
e, e) o surgimento de um novo sujeito, o desenvolvimento de novas patologias
psíquicas. Assim, o neoliberalismo seria, “longe de limitar-se à esfera econômica”,
integrador de “todas as dimensões da existência humana”.

Segundo G. DUMENIL e D. LEVY, o neoliberalismo não poderia ser definido


abstratamente como “geral”, vez que ele é seria diferente nos EUA e Europa, daquele
existente no Japão, etc. Correspondendo fundamentalmente à reafirmação do poder da
finança, ainda que ele conteria: a) tendências em mudanças técnicas e rentabilidade; b)
em estruturas de classes; c) em formas de poder estatal; d) em quadros institucionais etc.
Contraditoriamente, acreditam esses pesquisadores marxistas que o neoliberalismo é um
“novo estágio do capitalismo”, caracterizado por uma estratégia das classes capitalistas
aliados aos administradores de alto escalão do setor financeiro, para reforçar sua
hegemonia e expandi-la pelo mundo.72 A crise iniciada em 2007-8 seria assim uma
“crise do neoliberalismo”.
P. GOWAN, 73 entretanto, nos dá novamente uma visão bastante precisa do
processo direcionado de espraiamento do neoliberalismo, no sentido que ele veio
conformando o “programa” acima referido e caracterizando sua subordinação à
“globalização financeira”. O primeiro ato do governo Thatcher foi liquidar os controles
britânicos sobre as movimentações financeiras (1979); em 1981 foi a vez do
Conselheiro F. Hollande seguir a britânica; H. Kohl igualmente o fez logo ao tomar
posse (1982); em 1984 aparece a ideia de Mercado Único Europeu que sobretudo
alavancou a remoção dos controles da movimentação financeira em toda a Europa
Ocidental; a Dinamarca liberalizou as finanças em 1988, assim como o fez a Itália; em
1989 a França abandona gradualmente o controle da conta de capitais. Durante toda a

71
Ver: “A nova razão do mundo. Ensaio sobre a sociedade neoliberal”, P. Dardot e C. Laval, São
Paulo, Boitempo, 2016.

72
Ver: “O neoliberalismo sob hegemonia americana”, G. Dumenil e D. Levy, em: “A finança
mundializada – raízes sociais e políticas, configuração, consequências”, Chesnais, F. (org), São Paulo,
Boitempo, 2005. Também “A crise do neoliberalismo”, G. Dumenil e D. Levy, São Paulo, Boitempo,
2014.

73
[7]Ver: “A roleta global. Uma aposta faustiana de Washington para a dominação do mundo”, P.
Gowan, Rio de janeiro, Record, 2003, pp. 73-75.
60

década – relata Gowan - de 1980 os Estados Unidos pressionaram o Japão “com algum
sucesso” para liberalizar as restrições de saída e entrada de fundos, “um passo
importante para o aumento do tamanho e do peso dos mercados financeiros anglo-
americanos”.

Não só. O neoliberalismo é entronizado com uma mudança radical do Sistema


Monetário Internacional. Desde 1980 o dólar deixa de ser um padrão de valor
tradicional dos regimes monetários pré-existentes (ouro-libra e ouro-dólar). Mas passas
a cumprir sobretudo o papel mais importante de “moeda financeira” num sistema
desregulado e de paridades cambiais inexistentes, ademais de “o valor do dólar é fixado
pela taxa de juros norte-americana”, a referência básica do sistema financeiro global, na
medida em que ao EUA mantém a sua dívida pública “como título de segurança
máxima”, afiançaram TAVARES, M e FIORI, L.74 (itálico nosso).

E. HOBSBAWM75 advertira que a “globalização acompanhada de mercados


livres” trouxe consigo uma “dramática acentuação” das desigualdades econômicas e
sociais nas nações e entre elas. Embora a pobreza extrema geral estivesse diminuindo
não havia sinais que tal polarização não continuasse, assim como ela deveria ser
considerada na base de importantes tensões sociais e políticas no começo do século
XXI. Para ele, na “era do neoliberalismo” estabeleceu-se uma “época gloriosa das
finanças especulativas internacionais” (itálico nosso), onde se calcula as atividades das
empresas “nem mesmo em um ano”, implicando no abandono dos “valores” que
construíram a grande empresa capitalista do pós-2ª Guerra: insegurança permanente e
mudança contínua de trabalhadores e administradores.

L. BELLUZZO, por sua vez, ressalta o caráter eminentemente especulativo e de


criação contábil de capital fictício desse capital financeiro, universal, na medida em que
a sua capacidade mobilizadora de grandes massas de capital-dinheiro força “a supressão
de barreiras tecnológicas e de mercado”. A desregulamentação e a liberalização dos
mercados financeiros e cambiais iniciaram-se antes - “desde meados de 1960” - da
ruptura ao sistema Bretton Woods e contribuíram para a sua derrocada. Assim, os
mercados financeiros contemporâneos apresentam grande inclinação para episódios de
euforia e de alavancagem imprudente, ante uma “extrema sensibilidade aos riscos de
contração súbita da liquidez”.76

74
[8] Ver: “A hegemonia americana”, M.C. Tavares e L.Fiori, Revista Lua Nova, São Paulo, nº 50,
2000.

75
Ver: “Globalização, terrorismo e democracia”, E. Hobsbawm, São Paulo, Companhia das Letras,
2007. Também, “O novo século. Entrevista a Antonio Polito”, E. Hobsbawm, São Paulo, Companhia das
Letras, 2007.

76
Em: “Prefácio” à “A finança mundializada”, L. Belluzzo, de Chesnais, F. (org.), 2005, op.cit.
61

3.2 - Globalização neoliberal e a nova divisão internacional do


trabalho: no rastro da crise
Um dos complexos fenômenos que ocorre simultaneamente às transformações
advindas com a “globalização financeira” do neoliberalismo se relaciona diretamente
com as alterações do movimento internacional do capital produtivo. A liberalização
financeira em larguíssima escala, e um novo redirecionamento da expansão das relações
capitalistas de produção necessitam ser vistas como espécie de “força motrizes” em que
se assentaram as ondas “financeirizadas” de valorização do valor, com implicações
diretas na grande crise. Por isso mesmo é factual articular a expansão dos circuitos de
valorização financeira do capital à verdadeira diáspora que transportou a indústria
manufatureira – e sua base técnica – da estrutura monopolística do capitalismo central à
periferia.
Uma reversão do padrão industrial distinta da que emergiu do pós-2ª Guerra é
entronizado, onde a anterior divisão internacional do trabalho fez com que um número
cada vez maior de países fizesse parte do processo internacional de produção, então
denominados Países Recentemente Industrializados (NIC's - Newly Industrializing
Countries). Nela, o capitalismo progressivamente transnacionalizado promovia o
espraiamento de monopólios e oligopólios, além do deslocamento das empresas no
espaço, buscando maiores taxas de acumulação e incorporando novas áreas geográficas
ao sistema capitalista mundial. A acumulação avançara então a um processo em escala
mundial, com mecanismos de concentração e centralização do capital a evoluir num
outro patamar. Naquela nova divisão internacional, novos espaços são incorporados e
novas funções passaram a ser impostas aos países que procederam um tipo de ascensão.

De caráter: a) não homogêneo; b) enfatizando-se os limites e potencialidades das


industrializações periféricas; c) sublinhando-se ademais o indispensável do papel do
Estado nesse impulso daquela divisão internacional do trabalho, cumpre notar ser
inegável e importante a transformação no papel dessa periferia do capitalismo. Pois, ao
passar a ser incorporada progressivamente “à fronteira de acumulação produtiva do
grande capital internacional”, esse grupo de economias nacionais agora “campo de
absorção de investimentos produtivos” propiciaram que alguns países deixassem de ser
exclusivos exportadores de países primários (L. COUTINHO e L. BELLUZZO, 1998)
77
.

Notadamente na Ásia, a acentuada valorização do iene (acordos de Plaza, 1985),


catapultou o deslocamento industrial e produtivo do capital japonês para países asiáticos
sabidamente de industrialização diferenciada. Coréia do Sul, Formosa, Cingapura,
Hong-Kong (“tigres asiáticos”) tiveram suas moedas fortemente valorizadas no final dos
anos 1980, afetados pelo reposicionamento dos EUA no Sistema Monetário

77
Ver: “Estado, financiamento e forma de manifestação da crise: 1929-1979”, em: “Desenvolvimento
capitalista no Brasil. Ensaios sobre a crise”, BELLUZZO, L., COUTINHO, R. (orgs.) v. 1., Campinas,
IE/Unicamp, 1998[1983], pp. 31-2, 4ª edição.
62

Internacional. Tailândia, Malásia, Indonésia e Filipinas também processaram um


movimento similar de mudança industrial, o que reestrutura e expande a própria divisão
regional de trabalho. Para isso concorreram especialmente o investimento direto
estrangeiro, a substituição de importações e a promoções de exportações.

Entretanto, de acordo com C. MEDEIROS, (1997) 78, o desempenho dos países


industrializados latino-americanos – exemplos de Brasil e México -, se foram similares
aos asiáticos em termos de crescimento econômico, a situação se altera completamente
no decorrer dos anos 1980. Vis-à-vis ao extraordinário crescimento entre 1960 e 1980
de Brasil e México,

“O desempenho da Ásia dos anos 80 foi amplo e generalizado. Economias


completamente distintas, tanto em termos de instituições quanto em termos de
padrão de desenvolvimento, como a Índia (fechada e continental) e Formosa, a
Indonésia e Hong-Kong, China e Tailândia cresceram a taxas muito elevadas”
(Op. cit., p. 285).

Para Medeiros, a descontinuidade dos anos 80 e a regionalização do crescimento


colocavam indagações e questionamentos em algumas das principais proposições acerca
as diferenças observadas entre economias em desenvolvimento, especialmente em
interpretações excessivamente centradas em “fatores endógenos”, no que tange a
explicações sobre por que países de economias tão díspares tiveram a tal convergência
quanto ao crescimento verificado (idem, ibidem).

Estruturalmente, o decurso dos anos 1980 foi surpreendido por dois processos
significativos na evolução da nova divisão internacional do trabalho: a diplomacia
americana do “dólar forte”, e a liderança da reestruturação industrial pelo Japão e a
Alemanha. Num ensaio do início da década de 1990, M.C. TAVARES (1992) assinala
que: 1) os EUA passaram a um endividamento global “com uma velocidade
impressionante”, de modo a reverter uma situação de país credor internacional que vigia
desde 1914, a devedores líquidos entre 1982 a 1985; 2) as tendências emergentes na
nova divisão internacional do trabalho combinaram a “Terceira Revolução Industrial” e
uma outra onda de transnacionalização 79.

Noutro estudo, L. BELLUZZO (2014) entende que, em seu desenvolvimento, as


profundas mudanças que sustentaram a globalização dos anos 1990, entrelaçaram
também: (i) grande aporte de capitais para os EUA, apesar do crescente déficit em conta
78
Ver: “Globalização e a inserção internacional diferenciada da Ásia e da América Latina”, C.A.
Medeiros, em: “Globalização, império e hegemonia”, FIORI, J.L. e TAVARES, M.C. (Orgs.), Petrópolis,
Vozes, 1997, pp. 279-285, 2ª edição).
79
Ver: “Ajuste e reestruturação nos países centrais: a modernização conservadora”, M. C. Tavares, em:
“Desajuste global e modernização conservadora”, de Tavares, M. e Fiori, L., Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1993, pp. 21-51. Para Tavares, o Japão operou, naquela direção, uma modernização de “sucesso
fulminante” (p. 47); a Alemanha, em função de seu enraizamento nos mercados comerciais e financeiros
europeus não necessitou de um “esforço tão radical de transformação estrutural” na nova realidade (p.
48).
63

corrente; (ii) a acumulação de reservas nos países asiáticos, vis-à-vis a expansão dos
déficits em conta corrente dos EUA; e, (iii) um crescimento “espantoso” da expansão do
crédito, juntamente à inflação de ativos nas economias centrais80 .

Desse modo, o que Belluzzo denominara (precisamente) de “metástase do


sistema empresarial” dos EUA, do Japão e da Alemanha, especialmente dos dois
primeiros, determinaram: a) uma “impressionante” alteração nos fluxos do comércio
global; b) um papel decisivo do fenômeno do global sourcing - não apenas o avanço do
comércio intra-firmas -, sobretudo nas estratégias de “internacionalização das cadeias de
fornecedores que, desde a década dos 90, beneficiaram as economias asiáticas”, e
notadamente a China. Sintetizando, escreve Belluzzo:
“O ‘modelo asiático’ em sua forma atual tem uma relação simbiótica com as
transformações financeiras e organizacionais que deram origem às novas
formas de concorrência entre as empresas dominantes da tríade desenvolvida,
Estados Unidos, Europa e Japão. As andanças da nova concorrência
responderam, sim, às políticas liberalizantes dos anos 80. E, em sua resposta, o
movimento da grande empresa realizou o projeto de reconfiguração do
ambiente internacional” (idem, ibidem).

Num artigo anterior (2013), “A crise e o subterrâneo da ‘velha toupeira


capitalista’”, BELLUZZO já argumentara ampla e nitidamente acerca do referido
processo de configuração da “mancha manufatureira” em sequiosa busca de recursos
naturais em torno da China 81. Descreve que, por detrás da internacionalização das
carteiras da riqueza, do crescimento do mercado de derivativos e dos grandes
investidores institucionais a expandir as manobras para a alavancagem, a arbitragem e
especulação encontravam-se:
“O jogo da grande empresa... [onde] as ‘novas’ formas da concorrência
esconde, sob o diáfano véu da liberdade, o aumento brutal da centralização do
capital, a concentração do poder sobre os mercados, a enorme capacidade de

Ver: “A internacionalização recente do regime do capital”, L. Belluzzo, em: http://cesit.net.br/wp/wp-


80

content/uploads/2014/11/Carta-Social-e-do-Trabalho-27.pdf

81
Evolutivamente, sublinhe-se aqui, a título de desdobramento, que na multifacetada evolução da nova
divisão do trabalho, conforme singular estudo do economista russo I. TSELICHTCHEV, “China versus
ocidente: o deslocamento do poder global no século XXI”: 1) Xangai, já faz tempo, é o maior centro
industrial do mundo, onde uma enorme batalha pelo mercado chinês estaria apenas começando, e o Ocidente
(EUA, Reino Unido, França, Alemanha, Itália) deveria agir rápido para não ficar “de fora dessa guerra”. 2)
A China não é somente uma “fábrica mundial”, assevera ele, mas se transformou num gigantesco
laboratório de pesquisas, inclusive em energia “verde”, setor em que já lidera. Em relação às perspectivas da
competição no desenvolvimento com o assim denominado Ocidente, argumenta ainda o economista russo
que, a China: a) continua a manter a sua moeda desvalorizada; b) as empresas chinesas contam com forte
apoio do Estado e investimentos de fundos do governo nessas companhias; c) já é bastante extensa a lista de
aquisições chinesas de empresas ocidentais, enquanto o controle acionário de importantes empresas chinesas
por companhias ocidentais vem se revelando “efetivamente impossível”; d) o acesso de empresas e
investidores ocidentais a segmentos do mercado chinês ou a negócios no país associam-se à transferência de
tecnologia; e) políticas e o direito chineses continuam a facilitar o acesso ao “roubo” de tecnologias
ocidentais. (Ver: São Paulo, Editora DSV, Introdução, Caps. 1, 2 e 3; 2015).
64

ocupar e abandonar territórios e de alterar as condições de vida das


populações”. 82

Frisando ainda ali o caráter decisivo de uma macroeconomia “aberta” da


globalização, no forjar dessa nova divisão internacional do trabalho, ele insiste no papel
central da força da moeda dos EUA, e na resiliência de seu mercado financeiro em que
suas grandes corporações assentaram a migração para países de menor custo relativo.
Graficamente83 demonstra então que foram “as entradas de investimento de portfólio”
que financiaram a saída líquida de capital produtivo.

Gráfico 5 – Conta de Capital - % do PIB - EUA

Fonte: BELLUZZO, L., “A crise e o subterrâneo da ‘velha toupeira capitalista’”, 2013, p.28.

82
Em: “A grande crise capitalista global 2007-2013: gênese, conexões e tendências”, BARROSO, A., E
SOUZA, R. (Orgs.), São Paulo, Anita Garibaldi/Fundação Maurício Grabois, 2013, pp. 26-27.
83
Ver: L. Belluzzzo, “A crise e o subterrâneo da ‘velha toupeira capitalista”, em: “A grande crise
capitalista global 2007-2013: gênese, conexões e tendências”, BARROSO, A. E SOUZA, R. (Orgs.), São
Paulo, Anita Garibaldi/Fundação Mauricio Grabois, 2013, pp. 28 e 29, 31e 32. [gráficos FACAMP]
65

Gráfico 6 – Conta corrente e conta de capital - % do PIB - EUA

Fonte: BELLUZZO, L., Op. cit., 2013, p.29.

Gráfico 7 – Investimento direto no exterior - % do PIB – EUA


66

Fonte: BELLUZZO, Op. cit., 2013, p. 31.

Analisando as consequências do conjunto dessas transformações operadas na


década de 1990, M. AGLIETA considera que a liberalização financeira foi o motor das
crises financeiras, “as mais graves desde a grande depressão” dos anos 30 do século
passado. Notadamente a grande crise asiática da segunda metade de 1997, mas diz ele que
antes, a do início de1995 no México, a da Rússia em agosto de 1998, e a do Brasil de fins
de 1998 provocaram violentas e extensas repercussões internacionais.
Segundo Aglietta, a crise asiática surgiu após de um “longo período de
crescimento elevado e estável”, com a dívida financiando a acumulação, o que
fundamentalmente se sustentou enquanto os sistemas financeiros dos países da região
permaneceram regulados. A liberalização financeira passara a ser entendida como uma
inovação sistêmica, o que “destruiu a coerência anterior sem criar uma nova”. Na
medida em que a liberalização financeira implicou num descontrole “súbito do crédito
por parte do Estado”,
“Os métodos de gerenciamento prevalecentes, tão criticados ultimamente pelos
mesmos comentaristas que aplaudiam o milagre asiático no começo da década,
eram de fato incompatíveis com a abertura dos mercados financeiros”. 84

3.4 - Neoliberalismo e fases da crise: uma periodização


Essas particularidades do neoliberalismo, como reconfiguração de uma tipologia
de capitalismo visando trilhar uma “época gloriosa das finanças especulativas

84
Ver: “Lidando com o risco sistêmico”, M. Aglietta, Economia e Sociedade, Campinas, (11): 1-32, dez.
1998, pp.13-14. Em: “Macroeconomia financeira. 2. Crises financeiras e regulação monetária” (São
Paulo, Edições Loyola, 2004, p.34), Aglietta insiste: o afluxo maciço de capitais estrangeiros, sistemas
financeiros despreparados para uma liberalização precipitada âncora cambial baseada no dólar foram os
“fatores de risco sistêmico” da crise.
67

internacionais” (HOBSBAWM, 2007) são, portanto, fenômenos correspondentes a


exigências objetivas de superação dos entraves à expansão - a qualquer custo – das rotas
de sequestro da mais-valia, com a superexploração do trabalho. O que veio se
materializando, a partir de fins dos anos 1970, numa nova institucionalidade global
construída a serviço de políticas econômico-sociais da plutocracia, em toda a parte.

Inevitável, portanto, que a nova dinâmica percorresse abalos crescentemente


“sísmicos” percursando também manifestações contraditórias e inéditas, como: a)
trajetória das taxas de juros no capitalismo central sinuosamente baixas, a partir dos
anos 1980-90, elevadas desde 2000[ver: gráfico abaixo];85 b) bancos centrais
diretamente operando securities próprias e sancionadores do shadow banking system; c)
políticas monetárias (QE) inteiramente opostas à doutrina de sustentação à não
intervenção do Estado.

Gráfico 8 – Long-term interest rates

Fonte: European Central Bank, 2017

Ainda pouco desveladas por pesquisas, a expansão assimétrica da globalização


financeira ensejou tentativas de respostas homogêneas no desenrolar da crise global.
Mas é possível sintetizar, para compreender melhor, nessa longa evolução, a
conformação de fases dessa crise, assim como das características principais que
emanam na iniciada de 2007-8 aos seus estágios mais recentes.

85
Em fevereiro de 2016 calculava-se em US% 6 trilhões os títulos globais com rentabilidade negativa.
Ver: https://oglobo.globo.com/economia/aumenta-numero-de-paises-com-juros-negativos-18641745
68

Assim:

1ª. Se ela toma sua forma primeira com a explosão na chamada bolha financeira das
hipotecas subprime (agosto de 2007 e não antes ou depois), teve por sua vez influência
significativa no colapso do próprio banco Lehman Brothers, lotado dessas hipotecas
inadimplentes e “empacotadas” por outros serviços bancários\financeiros. Noutras
palavras, a inadimplência e a desvalorização abruptas desses títulos imobiliários
transformaram uma crise de crédito clássica numa enorme crise financeira e bancária.
Onde os derivativos de crédito e os produtos estruturados desses créditos imobiliários
ampliaram os prejuízos originais e redistribuíram os riscos globalmente.86

2ª. Como vimos, em setembro de 2008, quando da falência do banco Lehman Brothers,
o sistema financeiro internacional colapsou completamente. Ou seja, nesse ano a crise
se torna sistêmica, isto é, houve interrupção súbita do financiamento do movimento do
capitalismo globalmente. Do centro à periferia. Todo o financiamento da economia
capitalista mundial sofreu abruptamente o chamado credit crunch, um estancamento ou
ruptura do crédito internacional. Configura-se aqui uma segunda fase da crise global.
Logo a seguir, o Fed (banco central dos EUA) adota uma política inédita e
completamente fora dos padrões: todas as instituições financeiras passaram ao estado de
risco sistêmico. Ou seja, além, dos bancos “grandes demais para quebrar” (too big to
break), tratava-se de salvar todas as instituições financeiras para restabelecer as leis do
mercado, em colapso. O banco central americano nada menos que assegurou a compra
de todos os títulos oferecidos, pagando por ele um valor até maior do que o praticado no
mercado.87
3ª. Após essas duas fases, em confluência, podemos visualizar uma outra fase de
impacto, que é a chamada crise das dívidas soberanas na Europa, que emerge em 2009-
2010. Ela foi o resultado de todas essas políticas “terapêuticas” que nós acompanhamos
desde 2007: os bancos centrais financiando a crise socorrendo os grandes bancos com
uma trilionária injeção de dólares. Uma montanha inimaginável de dinheiro e
incontrolável proliferação do capital fictício. Notadamente entre 2008 e 2013 os bancos
centrais dos EUA, da Europa (BCE), da Inglaterra, do Japão, passaram de
emprestadores de última instância a “compradores de última instância!

86
Ver: “A crise e as inovações financeiras”, desvelador ensaio de M. FARHI (2013, pp. 35-75), quem
lembra que Allan Greenspan baixou a taxa de juro para 1% desde o 11 de setembro; elevou-se o crédito
imobiliário de 60% (2001) para 97% (2007), onde o crédito para o suprime saiu de 8% para 21%.
GUTTMANN (2015, op.cit) registra que entre julho de 2004 e agosto de 2006 o banco central americano
elevou a taxa de juro em 17 pontos consecutivos, sendo que, desde 2000, proprietários de casas, chegando
a somar mais dois terços de todos os chefes de família norte-americanos, tiveram maior acesso a hipoteca,
incluindo aos refinanciamentos facilitados com taxas mais baixas, num processo que levou ao ápice as
vulnerabilidades.
87
Os mágicos americanos das finanças transformaram capitais que não valiam mais nada, em títulos
monetizados pelo Fed, elevando seu valor, embora, em consequência, a taxa de juro tenha ficado bem
abaixo da anteriormente praticada; o banco central passou de emprestador de última instância para
comprador de última instância.
69

4ª. Pode-se afirmar que, já a partir de 2011 uma outra fase da crise global se expandiu
fortemente para a América Latina, em especial. Como testemunhado pela CEPAL
(ONU), a fraqueza da economia mundial, causada principalmente pelas dificuldades que
enfrentam Europa, Estados Unidos e China, “incidiu no crescimento da região”,
informava seu Estudo Econômico da América Latina e do Caribe (2012).88 Em julho de
2016, a organização ainda informava que os países da América Latina e do Caribe
apresentariam uma retração em seu produto interno bruto (PIB) de - 0,8% em 2016,
queda maior que a observada em 2015 (-0,5%), com um comportamento muito
heterogêneo entre países e sub-regiões.89

Cabendo aqui um “parêntese” indispensável, recoloquemos no debate as linhas


gerais das respostas da China à grande crise 2007-890. Sofrendo o violento impacto
imediato da crise global, a economia chinesa mantinha considerável taxa de crescimento
antes do quarto trimestre de 2008; a economia cresceu 7% no último trimestre de 2008 e
caiu para 6,1% no primeiro trimestre de 2009. O colapso de demanda nos países
capitalistas centrais afetou intensamente todo o setor exportador chinês. Houve
fechamento de empresas nas áreas costeiras - a região mais desenvolvida do país, e,
sendo a maioria destas empresas intensivas em mão de obra, atingiu-se dessa forma o
mercado de trabalho (não no crescimento econômico em si) 91.

88
Em: http://exame.abril.com.br/economia/cepal-crescimento-da-al-se-desacelerara-ate-3-2-em-2012/
89
Em: http://www.cepal.org/pt-br/comunicados/cepal-recuperacao-crescimento-america-latina-caribe-
depende-dinamismo-investimento
90
As observações que seguem encontram-se amplamente em: “Crise ou oportunidade: resposta da
china à crise financeira global”, de Cai FANG, Du YANG e Wang MEIYAN, pesquisadores do Instituto
de População e Economia do Trabalho da Academia Chinesa de Ciências Sociais – Pequim, China. Em:
Revista Tempo do Mundo, Brasília, IPEA (Instituto de Pesquisa Econômicas Aplicada), v. 1, n. 1, dez.
2009, pp. 97-119.

91
Assim, 1) a política macroeconômica sofreu uma brusca alteração: mudou-se o foco da contenção da
inflação para a manutenção do crescimento econômico (C. FANG, D. YANG e W. MEIYAN, idem, p.
108). A direção dessas mudanças ocorreu sob duas linhas estratégicas gerais de atuação: a) política
monetária moderadamente flexível, “evitar a excessiva desaceleração da economia” (idem, ibidem,); b)
política fiscal ativa; c) políticas do mercado de trabalho. A prioridade da política monetária moderada foi
centralmente em garantir suficiente liquidez no sistema bancário, sendo que, para isso o Banco do Povo
da China reduziu as operações de mercado aberto e aumentou o número de novos empréstimos. Segundo
os especialistas chineses, “o aumento da liquidez do sistema bancário” foi “a principal ferramenta política
de combate à crise por parte do governo chinês” (idem, p.110). Além das taxas de juros, reduzidas desde
outubro de 2008, o BPV ajustou também os níveis de reservas bancárias, conforme a evolução da crise.
Houve aumentos em seis ocasiões ao longo de 2007, e mais três vezes no primeiro semestre de 2008,
reduzindo-se a oferta de moeda. O BPC reduziu, depois da explosão da crise (segundo semestre de 2008),
por três vezes a exigência de reservas. 2) Na política fiscal, o governo chinês lançou um plano de 4
trilhões de iuanes (à época em torno de US$ 700 bilhões) para impulsionar a economia em desaceleração,
que se distribui nas seguintes áreas (i) construção de infraestrutura (38%); (ii) recuperação de áreas
afetadas por terremotos (25%); (iii) habitação subsidiada (10%); (iv) infraestrutura rural (9%);
investimentos em inovação e em reestruturação econômica (9%); (v) redução das emissões e proteção do
meio ambiente (5%); e (vi) desenvolvimento social (4%). (2009, idem, p.109) (detalhes em:
http://en.ndrc.gov.cn/). 3) Nas políticas para o mercado de trabalho, ademais de incentivos fiscais e
redução de encargos econômicos (principalmente para as pequenas e médias empresas), o governo chinês
adotou medidas como a oferta de treinamento para os trabalhadores migrantes, e para graduados com
70

3.5 - A Crise em sua definição plena


Conceituando, teoricamente, os signos gerais dessa grande crise, pensamos ser
fundamental ter em conta que:

Do ponto de vista do marxismo, sobre a base da superprodução ou superacumulação


de capitais (máquinas, equipamentos, instalações, matérias-primas, ativos financeiros),
a crise se instala quando da parada súbita que interrompe o ciclo da realização
capitalista, quer dizer, a dinâmica cíclica do investimento. Noutras palavras, as crises
no capitalismo não podem ser separadas da regularidade de sua dinâmica expansiva. O
capitalismo, segundo Marx, objetiva produzir em larguíssima escala, até superproduzir
capital. Isto é, sobreinvestir para fazer crescer a produtividade social do trabalho e
suplantar a concorrência; superproduzir para superlucrar, superacumulando capital
em excesso e em todas as suas formas, referenciando-se numa dada taxa média de
lucro.

3.6 - Superacumulação e crises financeiras - um olhar a partir de Marx


Depois dessa definição mais abrangente das crises contemporâneas do
capitalismo, cabe um debate com objetivo de aclarar a questão da existência ou não da
dimensão financeira das crises - existem interpretações que eludem tal fenômeno -, em
particular na visão de Marx.

A valorização do valor (da mais-valia) é objetivo central da produção capitalista,


o que resulta, do ponto de vista sistêmico, sempre em superacumulação de capital - que
também são ativos financeiros. Fenómenos que se manifestaram na origem e no
desenrolar da crise global que analisamos. Certamente que as crises no capitalismo não
podem ser separadas da sua dinâmica própria, intrínseca. O capitalismo, em seu móvel
de acumular por acumular, jamais se interessará pelas “necessidades sociais” das massas
trabalhadoras. Isto diz respeito à sua “missão”, a qual, segundo Marx, é produzir em
larguíssima escala, até superproduzir capital. Quer dizer, sobreinvestir para fazer crescer
a produtividade social do trabalho e suplantar a concorrência, superproduzir para
superlucrar, e superacumular capital em excesso e em todas as suas formas,
referenciando-se numa dada taxa média de lucro.

dificuldades para arranjar emprego. Em 2008, o governo central destinou 3,51 bilhões de iuanes para
apoiar o desenvolvimento de pequenas e médias empresas. Em setembro de 2008, o Ministério de
Recursos Humanos e Seguridade Social e outros ministérios propuseram algumas medidas em apoio a
estas empresas, (flexibilização das condições de acesso ao mercado, melhorias na administração, maior
suporte por parte das políticas, diversificação dos canais de financiamento e aumento da oferta de
treinamento; 2009, idem, p. 111). De acordo com governo chinês, à época, dos 136 milhões de
trabalhadores migrantes, 15,3% deles perderam seus empregos durante a crise. Em fevereiro de 2009, o
Ministério de Recursos Humanos e Seguridade Social disponibilizou o Regulamento sobre o Sistema
Básico de Previdência Social para Trabalhadores Migrantes e o Regulamento sobre a Transferência e
Continuidade do Sistema Básico de Previdência Social para Trabalhadores de Empresas Urbanas.
Instituiu o Programa de Renda Mínima (Programa dibao; 2009, idem, p.113).
71

Portanto, a superprodução de capital – essencialmente de máquinas,


equipamentos, instalações, matérias-primas, e ativos financeiros – é uma “novidade” do
século 19, então anunciada por Marx na crítica às teorias A. Smith e D. Ricardo. Mais
além, constitui imenso equívoco borrar as formas das crises mimetizadas no
desenvolvimento do capitalismo.

Como vimos examinando, a crise iniciada em 2007-8 trata-se, sim, de uma crise
gestada num padrão de acumulação capitalista francamente voltado para a acumulação
financeira, onde a financeirização dos mercados de riqueza se fez institucional.
Repetindo: o capital nunca foi somente máquinas, equipamentos e instalações,
tampouco apenas mercadorias: é também ativos financeiros que rendem juros e
dinheiro. Manipulado por capitalistas, o dinheiro produz mais dinheiro por ser reserva
de valor, por agir como capital a juros (capital-dinheiro), por potencialmente atrair mais
crédito. O capital procura valorizar-se sempre. Na operação crédito/capital a juros o
capital converte-se em mercadoria e exprime-se “cada vez mais como puro capital”, no
capital por ações, e outros títulos financeiros que representam o direito de apropriação
da riqueza. É uma dimensão do movimento de suas formas, que o gênio Karl Marx
denominou de “As três figuras do ciclo”:
“Sempre mudando de forma e se reproduzindo, parte do capital existe
como capital-mercadoria que se converte em dinheiro; outra, como
capital-dinheiro que se transforma em capital produtivo; uma terceira,
como capital produtivo que se torna capital-mercadoria. A existência
contínua dessas três formas decorre de o ciclo do capital global passar
por essas três fases”.92
Sempre direcionada para a produção do valor, ainda conforme Marx, “a força
motriz da produção capitalista é a valorização do capital, ou a seja a criação de mais-
valia, sem nenhuma consideração para com o trabalhador”.93 Daí que na dinâmica do
capitalismo, a crise, ou seja, as crises são partes constitutivas da sua dinâmica estrutural.
O que não quer dizer - que as crises são sempre estruturais desde priscas eras.
Crescimento, recessão, recuperação, expansão e instabilidade (também estagnação) são
as categorias fundamentais do capitalismo, portanto historicamente datadas.

Pelo seu caráter incontornavelmente expansivo, de outra parte não seria possível
a financeirização - padrão que passou a ser imprescindível ao dinamismo determinado
pela hegemonia da grande finança especulativa e concorrencial -, “brotar” da estagnação
(veremos adiante mais sobre isso). Nas grandes fases expansivas antecedem a dinâmica
das crises, geralmente: monopolização + “financeirização” + superacumulação (também
de riqueza financeira fictícia) + crises [podendo haver ou não estagnação].

Está em Marx a ideia central que, o desenvolvimento do moderno sistema de


crédito decorre da imperiosa necessidade de centralização de massas de capitais, o que

92
Ver: O Capital, K. Marx, Livro 2, v. 3, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, s/data, p. 106.

93
Ver: “Capítulo inédito D’o Capital - resultado do processo de produção imediato”, K. Marx, Porto,
Escorpião, 1975, p. 20.
72

coincide com o processo de autonomização do capital a juros, configurando um circuito


financeiro que mobiliza, utiliza e centraliza capital monetário e valoriza capital fictício.
É assim que: a) a proliferação de títulos financeiros passa “a ter uma circulação e
valorização próprias”; b) as variadas formas de ativos “passam a ser disputadas pelas
massas centralizadas de capital”, onde o investimento busca todos os espaços de
valorização; onde a sistemática “transformação dos lucros em excedentes financeiros”
se submetem “a uma lógica particular de valorização”. (MAZZUCHELLI, 2004, pp. 84-
90)

Por suposto, importa destacar que o monopólio não apenas reafirma a tendência
à superacumulação, como introduz novas determinações que terminam por agravar a
instabilidade e a incerteza do cálculo capitalista, próprias desse regime de produção;
muito mais ainda na época da “globalização financeira”.

E que a teorização dos processos mais recentes que catapultam as crises via
circuitos da “finança mundializada” (CHESNAIS) são similares aos mecanismos
originários das crises desse regime de produção. O que, mais uma vez, na presente crise
global, pode ser constatado cabalmente na ocorrência da destruição de vários dos
maiores bancos de “investimento”, gigantescos bancos e coração do sistema financeiro
dos EUA.

Aliás, além de superacumulação-produção, devemos insistir em que a


desproporção entre os departamentos e a lei de tendência de queda da taxa de lucro são
igualmente fenômenos expressivos da dinâmica da crise. Crises que, conforme Marx,
em última instância tem como determinação originária o antagonismo intrínseco:
apropriação cada vez mais privada X produção cada vez mais expansivamente social.

A crescente integração dos mercados financeiros em cada país e a interligação


global entre as praças financeiras são necessárias às operações da gigantesca riqueza
financeira atual. Como expusemos, aumentaram os episódios das crises financeiras,
como os anos de 1990 e 2000 demonstraram.

A dominância sistêmica do capital financeiro e da grande finança em geral é fato


amplamente comprovado, não se tratando de artificialização intelectual, muito menos
sua transformação em meras rivalidades ideológicas. A obra de economia política de
Karl Marx – vale insistir - não só é complexa como necessita de uma visão do conjunto
de suas teses essenciais. Num exemplo teórico de formulações centrais do estatuto
científico do marxismo, escreve o epistemólogo Armando Castro:
“A totalidade teórica organiza e enuncia um sistema de relações entre
representações (cujo centro são as leis), permitindo chegar à explicação
de um conjunto de relações com propriedades próprias e diferentes das
que se reconhecem nos seus elementos interligados”.94

94
Ver: “A contribuição de Marx à teoria e à metodologia das ciências sociais”, de A. Castro, in:
“Conhecer o conhecimento”, Lisboa, Avante! 1989, p. 95. Também de A. Castro: “A revolução científica
e leis epistemológicas”, idem, ibidem.
73

Expliquemos isso com vagar.

3.7 - O histórico e o lógico. Desconhecimento e negação da teoria de Marx


Numa dimensão histórica, consistem em fatos reconhecidos e fartamente
analisados a regulamentação do comércio e das finanças internacionais,
institucionalizada pelo sistema de Bretton Woods (1944), através das limitações
aduaneiras protetivas na periferia e no centro capitalista e também por restrições ao livre
movimento de capitais. O que foi sucedido pelo móvel da globalização neoliberal: no
que se seguiu uma forte valorização da riqueza financeira, impulsionada pelos novos
instrumentos (inovações financeiras) e seus mercados. A propósito, recorde-se aqui: em
2007-8 completaram-se dez anos da crise iniciada na Ásia, inicialmente na Tailândia,
detonada por uma onda de sucessivos ataques especulativos a várias moedas da região,
fazendo desabar países (produto e emprego) que particularmente desregulamentaram
liberalizaram a configuração de seus mercados financeiros.

Noutra seara, do ponto de vista teórico, as ideias de Marx, ainda do final do


século XIX, sobre o caráter das crises do capitalismo, demonstraram não só ser de uma
força histórica inigualável; elas abrigam duas questões cruciais à compreensão da
dinâmica sistêmica do capitalismo: a) assinalam a ruptura do ciclo ascensional, por
“parada” ou bloqueio dos investimentos, com “queima de capital”; b) afirmam o
imperativo da sua própria estrutura e funcionamento no movimento constitutivo e
contraditório de expansão-instabilidade-crise.

Dito de outra maneira, não se tratam apenas de “problemas relevantes” na esfera


financeira. Para Marx, o próprio desenvolvimento do capital e do sistema de crédito
sofre, nas crises, interrupção em
“inúmeros pontos da cadeia de obrigações de pagamento em prazos
determinados, e se agravam com o consequente desmoronamento do sistema de
crédito que se desenvolve junto com o capital. Assim redundam em crises
violentas, agudas, em depreciações bruscas, brutais, estagnação e perturbação
física do processo de reprodução e, por conseguinte em decréscimo real da
produção”.95

Hodiernamente, na medida em que o “capital portador de juros” (MARX) passou


a ser o motor das operações financeiras na ascensão do neoliberalismo, assim como foi
promotor de uma época crônica de instabilidade e crises financeiras mais frequentes,
deve-se acentuar que:
“Sob o aspecto qualitativo, o juro é mais-valia, proporcionada pela nua
propriedade do capital, pelo capital em si, embora o proprietário esteja

95
Ver: “O Capital” K. Marx, Livro 3, v. 4, p. 292, Rio de Janeiro,Civilização Brasileira, s/ data .
74

fora do processo de reprodução; é mais-valia que o capital rende,


dissociado de seu processo”.96
Como assim, “dissociado”? É que, no processo de valorização do capital
portador de juros,
“O ciclo D...D’ entrelaça-se com a circulação geral de mercadorias, sai
dela e nela entra e é parte dela. Entretanto, constitui, para o capitalista
individual, movimento próprio autônomo do valor-capital, movimento
que se efetua parte na esfera da circulação geral de mercadorias e parte
fora dela, mas conservando sempre seu caráter autônomo”.97
Não deixando dúvidas, mais enfaticamente diz ele ainda sobre a especificidade
do capital portador de juros e sua relação com a tendência à superacumulação
capitalista:
“Assim, o ciclo do capital-dinheiro é a forma mais exclusiva, mais
contundente e mais característica de manifestar-se o ciclo do capital
industrial. O objetivo e o motivo propulsor deste nele saltam aos olhos:
expandir o valor, fazer dinheiro e acumular (comprar, para vender mais
caro)” (MARX, idem, p. 60).
No entanto, recordando a poderosa interpretação dialética de Marx (“As três
figuras do ciclo”), do movimento do capital-dinheiro, capital-mercadoria e capital
produtivo, referidas, é imprescindível que assim compreendamos a totalidade desse
movimento:
“Mas, cada parte ininterrupta e sucessivamente de uma fase, [pode passar] de
uma forma funcional para outra. As formas são portanto fluidas e sua
simultaneidade decorre de sua sucessão”. “(...) Só na unidade dos três ciclos se
realiza a continuidade do processo global... O capital global da sociedade
possui sempre essa continuidade e seu processo possui sempre a unidade dos
três ciclos” (MARX, idem, p. 107).

Mas não apenas “formas” e “unidade dos três ciclos”.


3.8 – “Abstração real”, capital fictício e crises

É nesse contexto que a teorização de Marx acerca da “abstração real” adquire


enorme relevância ao entendimento dos novos fenômenos envolvendo valor e capital
fictício. Para Marx, a forma da mercadoria sendo abstrata, essa abstração envolve a sua
própria ontologia – e a sua imersão “socialmente”. Sendo o valor de troca um valor
também abstrato, contrastando com o valor de uso da mercadoria, quantitativamente, a
diferenciação entre a natureza dos dois valores prossegue abstrata em favor do valor de
troca. Essa abstração, que evolui até o dinheiro, atravessando a transição das relações

96
Ver: “O Capital”, K. Marx, Livro 3, v. 5, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, s/d, p. 434.

97
Ver: “O Capital”, K. Marx, Livro 2, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, s/d, v. 3, p. 57.
75

mercantis até o capital fictício (portador de juros/financeiro), conceitua


economicamente o valor como uma abstração real.98

Num recente estudo, “O capital e suas metamorfoses”,99 L. BELLUZZO analisa


amplamente a temática do capital e das formas mais “desenvolvidas, aparenciais e
necessárias” do processo geral de valorização, em Marx. Porque:

1) Formas mais desenvolvidas são, precisamente, categorias mais concretas que


estruturam o modo de produção capitalista, e simultaneamente aquelas que levam ao
“paroxismo” o processo de abstração real acompanhante dos desdobramentos dessas
formas (Op. cit., p.87).

2) No capitalismo de forças produtivas características, o capital a juros, enquanto forma


de existência do capital, efetiva o processo contínuo de expansão e valorização além de
seus limites de seus movimentos geral e elementar de circulação e reprodução: a)
necessita existir de forma “livre e líquida”, crescentemente centralizado, para
revolucionar sua base técnica, subordinar força de trabalho massivamente e criar novos
mercados; b) as metamorfoses e a dinâmica no capitalismo têm na concorrência-crédito-
concentração-centralização a “parte mais rica” das pesquisas teóricas de Marx, nessa
matéria (idem, p. 88); c) o crédito e o capital a juros, uma vez introduzidos, atingem “o
ápice do desenvolvimento” do modo de produção cujas determinações mercantis e
capitalistas nada têm de distorcidas (idem, p. 89).

3) É o sistema de crédito e suas tendências em concentrar escalas de produção e


centralizar capitais quem leva a concentração de poder decisório e influenciador “nas
mãos dos bancos”. Assim, ao controlar a riqueza em sua forma líquida, o sistema de
crédito reforça “o poder do capital em geral” sobre a força de trabalho determinando
consequências políticas (idem, p. 97).

4) Um fetiche crescente que dissimula o domínio do capital em geral sobre o trabalho


coletivo é impulsionado pela “financeirização” do desenvolvimento capitalista
contemporâneo (idem, p. 98). Onde, o capital financeiro, em sua “fúria de valorização
fictícia da riqueza” explicita a tendência de jogar a economia capitalista (global) em
sucessivas crises de superacumulação e de crédito (idem, p. 109).

Objetivamente vê-se que a globalização financeira adveio, no essencial, da


liberalização do movimento de capitais e da transposição de fronteiras econômicas, ao
par de decisões do Estado norte-americano – e sua moeda hegemônica - em catapultar a
grande finança especulativa para resgatar a hegemonia então abalada do comando do

98
“Abstração real”, que em Marx, sendo uma construção categorial do pensamento humano, na verdade
não se encontra nele, e sim imediatamente na natureza social - tempo e espaço – dos sistemas de troca, do
intercâmbio humano da evolução do capitalismo. Quer dizer, a prática do intercâmbio é a geradora de
abstração real, que vai determinando as configurações na “oficina humana” de formação dos conceitos.
Cf. o trabalho do marxista Alfred SOHN-RETHEL, em “Trabalho intelectual e trabalho manual. Crítica
da epistemologia”; na edição Trabajo intelectual y trabajo manual. Crítica de la epistemología,
Ediciones 2001, Barcelona, 1980, pp. 25-27.

99
Ver: São Paulo, Unesp, 2013, “Concorrência, crédito e crises: considerações a partir de Marx”,
Capítulo 3.
76

sistema financeiro internacional. Cada vez mais intensa, a instabilidade do sistema tende
a ser permanente, obstando a taxa de investimento, o que pode reduzir o ritmo da
acumulação e do crescimento econômico no centro capitalista e em parte da periferia do
sistema.

Desse modo, as crises canalizadas pelas esferas financeiras, desse estágio do


capitalismo monopolista e fortemente oligopolizado do ponto de vista do poder
financeiro, mantêm a mesma lógica, numa vertente fortemente detonada pelo caráter
fictício da acumulação financeira da crise de superprodução; refletindo o excesso de
valorização do capital em relação à determinada taxa de juros.

Mas se exacerbaram seguidamente alguns traços típicos dessas crises como a


rapidez da propagação e a recorrência. O que significa dizer: desde fins do século
passado as crises se tornam mais frequentes, por conta da explosão especulativa e do
volume na acumulação fictícia. O que, por sua vez é decorrente da
quantidade/velocidade das transações com ativos financeiros, cada vez mais
abrangentes, se propagando mais rapidamente pelos mercados nacionais e alcançando
facilmente regiões inteiras ou mesmo o mundo.

Observe-se: divulgou-se então à época do desenrolar da crise, em 2008, que a


relação entre a riqueza (fictícia) nocional financeira (aquela que é alavancada e
derivativa) seria de US$ 350 trilhões, enquanto o PIB (Produto Interno Bruto) dos
países do planeta alcançaria US$ 56 trilhões [valores aproximados].

De outra parte, na direção oposta dos que ainda insistem na tese da “estagnação”
como produtora de “financeirização”, escreve Marx, desvelando já então um aspecto
estrutural (e contemporâneo) que integra as crises financeiras:

“Esse capital fictício reduz-se enormemente nas crises, e em consequência o


poder dos respectivos aos proprietários de obter com ele no mercado. A baixa
nominal desses valores mobiliários no boletim da Bolsa não tem relação com o
capital real que representam, mas tem muito que ver com a solvência do
proprietário” (MARX, op. cit., Livro 2, v. 3, p. 106).

Nos três exemplos abaixo arrolados torna-se nítido de que não é a estagnação que
produz a financeirização, como alguns teóricos argumentam, quando examinamos a
ilustrativa experiência da longa estagnação japonesa (1990-2002).

1) Conforme o pesquisador Ernani TORRES FILHO100, entre 1983 e 1991 - exatamente


o período que antecede a grande crise do país -, o crescimento médio da economia
japonesa foi de 4,4%, bem maior que o dos EUA (3,0%) ou da Alemanha (3,1%). 2) O
período que vai de 1992 a 1995 – exatamente no período que o Japão afundava na
estagnação -, esse crescimento foi de 0,7%, o dos EUA 3,2%, o da Alemanha 1,1%. 3)
Para se ter ideia do custo fiscal do Japão para enfrentar a estagnação, deflagrada com a
desvalorização de riqueza e a deflação, posteriores à especulação da bolsa de valores e

Ver: “A crise da economia japonesa nos anos 1990: impacto da bolha especulativa”, E. T. Filho, São
100

Paulo, Revista de Economia Política, nº1 (65), jan/mar/1997.


77

de imóveis, ele foi estimado em 20% do PIB, contando apenas a partir dos anos 1992 a
1995.

Estamos afirmando então que, para Marx – e não para mutiladores de sua obra -,
simultaneamente se processa: a) a acumulação de capital à base da apropriação do
trabalho excedente; b) a taxa de lucro induzindo a taxa de juros; c) o capital portador de
juros gestando capital fictício. Isso conduz a um vetor que se relaciona com a busca
incessante de valorização do valor, para a qual a especulação passa a ser intrínseca ao
desenvolvimento do moderno sistema de crédito. Especulação, que, de acordo com uma
formulação (impressionante) de Marx é consequência do desenvolvimento do sistema de
crédito e lucro a partir dos juros, e:
“Reproduz nova aristocracia financeira, nova espécie de parasitas, na figura de
projetadores, fundadores e diretores puramente nominais; um sistema completo
de especulação e embuste no tocante à incorporação das sociedades,
lançamento e comércio de ações”. (Marx, Op. cit., Livro 3, v. 5, p. 510).

Ademais, um processo especulativo (e cíclico) que se vincula também


claramente à deflagração de crises:
“Quem precisa de uma casa nova escolhe-a entre as construídas para
especular... Levantam-se recursos por meio de hipotecas, e o empresário vai
recebendo dinheiro na medida em que anda a construção das diversas casas.
Sobrevindo uma crise que paralise o recebimento das cotas devidas..., na pior
[das hipóteses], são penhoradas e vendidas pela metade do preço” (MARX, Op.
cit., Livro 2, v. 3, pp. 245-6).

3.9 -- Superacumulação e a polêmica Lei da Tendência de Queda da Taxa de Lucro


Pensamos ser compreensível, assim, a correlação anunciada entre valorização do
valor e superacumulação - desdobrando-se em valorização financeira. À guisa de
introdução, passemos então a outra correlação (inversa): entre a superacumulação e a
Lei de Tendência de Queda da Taxa de Lucro.

Não apenas porque, a) a tendência à queda da taxa de lucro é efetivamente,


segundo afirmara Marx, uma expressão típica desse modo de produção, na medida em
que o processo de acumulação capitalista necessita, obrigatoriamente, continuar a
expansão da produtividade social do trabalho; b) mas notadamente porque, a partir da
segunda metade do século 20, a enorme expansão do sistema internacional de crédito
potencializa a superacumulação de capital.
Expansão essa que, de acordo com interpretação (algo diferenciada) de P.
NAKATANI (s/data) 101, acerca do que denomina “desenvolvimento da esfera
financeira”, terminou se manifestando na esfera financeira em escala mundial. De uma
parte – diz ele -, a expansão do sistema financeiro teria absorvido o excesso de capital
monetário da esfera produtiva; de outra parte, “gerou uma remuneração que encobriu,
pelo menos parcialmente e contraditoriamente, a tendência à queda na taxa de lucro,

101
Ver: “A crise do sistema capitalista mundial”, P. Nakatani, s/d. em:
http://pendientedemigracion.ucm.es/info/ec/jec8/Datos/documentos/comunicaciones/Fundamentos/Nakat
ani%20Paulo.PDF
78

gerando os períodos de euforia com as ‘bolhas financeiras’; enfim, essa esfera passou a
comandar o conjunto do sistema”.

Importa então aqui relembrar simplificadamente que, para Marx, assim se deve
equacionar a Taxa de Lucro:
Taxa de Lucro: l= m/(c+v)

Sabemos que m é a Taxa de Mais-Valia, c o capital constante e v o valor da força


de trabalho (salários). Como afirmamos, para o capitalista é decisivo o investimento em
c (máquinas, equipamentos, instalações, matérias-primas), no sentido de aumentar a
produtividade do trabalho (força produtiva social). Na mesma medida em que ele
mesmo descarta ou até “aniquila” a força de trabalho. Ou seja, ficaria evidente que a
tendência da taxa de lucro é cair.

Nas palavras de Marx, cujo idêntico raciocínio crucial persiste especialmente


nos Capítulos XII, XIV e XV do Livro 3, v. 4 (também no Livro 1):
“Assim, ao progredir o modo capitalista de produção, o
desenvolvimento da produtividade social do trabalho se configura na
tendência à baixa progressiva da taxa de lucro e, além disso, no
aumento absoluto da massa de mais-valia ou lucro extraído” (MARX,
Op. cit., Livro 3, v. 4, p. 255).
Entretanto, há muito se discute que é o próprio Marx quem apresenta fatores que
contrariariam esta tendência de queda, encarando-a como sendo lei de longo prazo. Diz
ele que esses fatores seriam: a) o aumento do grau de exploração do trabalho; b) a
redução dos salários; c) a baixa no preço dos elementos que compõem o capital
constante; d) a superpopulação relativa (o exército industrial de reserva da Lei Geral da
acumulação capitalista); e) o comércio exterior; f) o aumento do capital por ações
(juros+rentismo).

Porém, antes da grande crise atual,102 o debate contemporâneo acerca do papel e


do sentido da LTQTL na deflagração das crises no capitalismo foi, em nossa
compreensão, sistematizado adequadamente por J.C. BRAGA (2000). Segundo
argumenta, o termo “trend” ou no sentido de direção determinada, não cabe na
interpretação de Marx, na medida em que “queda tendencial da taxa de lucro” expressa
sempre seu caráter contraditório, não monocórdio ou secularmente unidirecional. Muito
menos a LTQTL deve ser lida como lei do limite no sentido matemático - revestindo-a
do logicismo formal dos velhos sistemas fechados (Kant, Hegel etc. – sublinhar nosso) -

102
L.C. BRESSER-PEREIRA (1988) também realiza extenso debate sobre a LTQTL, em particular
envolvendo o progresso técnico e o “teorema de [Nobuo] Okshio”, para quem, ao decidir investir os
capitalistas não se orientam pelo critério da produtividade, mas pelo custo. Na conclusão de Bresser-
Pereira; “Só nos casos que vão se tornando cada vez mais raros historicamente nos países já
industrializados, de progresso técnico dispendioso de capital (mecanização) com a taxa de salários
aumentando à mesma taxa de produtividade, é que a taxa de lucro tenderá a cair” (p.79). Ora, isto
especificamente não tem nada a ver com a natureza ou interpretação da LTQTL: a lei para Marx assume
dimensão completamente distinta, como veremos em seguida. Ver: “Lucro, acumulação e crise. A
tendência da taxa de lucro declinante reexaminada”, de Bresser-Pereira, São Paulo, Brasiliense, 1988, 2ª
edição, cap. IV.
79

, vez que ela poderia explicar crises “historicamente determinadas, mas não é a
explicação de todas as crises”. (Braga, idem, pp. 174 e 176).

Haveria, conclusivamente para ele, dois “descaminhos” na compreensão dessa


lei de Marx: 1) a visão de direção determinada dela como trajetória de declínio secular
efetivo, ou aqueles que na verdade estão facilitando a tarefa de destruição “à sustentação
da obra de Marx”, assim como “bloqueando a possibilidade de interpretar o mundo
contemporâneo” (Braga, idem, p. 185). 2) Os que, ao desqualificar a lógica da
contradição marxista presente na análise da lei da dinâmica do capitalismo, em verdade
terminam “pretendendo eliminar a questão no plano da lógica formal” (Braga, idem, p.
186).103

Recentemente, já no âmbito da discussão das causas da grande crise de 2007-8,


E. PRADO (2014) procede a um profícuo debate sobre a LTQTL, a partir de posições
nuclearmente opostas frente à polêmica, expressas por M. HEINRICH e M. ROBERTS.
Como introduz Prado, o primeiro autor, seguindo à tradição marxista contestadora da
lei, veio por afirmar que ela não é nem empiricamente testável nem logicamente
coerente; Roberts, numa outra na vertente marxista defensora da lei, refutou esses
argumentos sustentando justamente o contrário.

De acordo com Prado, que se coloca na crítica aos dois autores, numa “resposta
alternativa”: a) para se compreender a lei de Marx tal como está formulada em O
capital, exige-se procurar no texto que contradição real está na base do movimento de
acumulação de capital; b) para apreender esse enlace e desenlace contraditório que
emerge daí, Marx apresenta o desenvolvimentos destes nos capítulos XIII a XV no
Livro 3; c) é nessa perspectiva que se deve entender entre as tendências a favor e as que
contrariam a queda da taxa de lucro, as quais prevalecem no próprio processo de
acumulação. Por isso também, Prado considera que:
“A lei de Marx em sentido completo, ou seja, compreendendo as
tendências pró e contra a queda da taxa de lucro, é, portanto, nesse
sentido, transfactual e possibilista – contudo, ela nega tanto a férrea
necessidade quanto a pura contingência. Fazendo referência à
composição orgânica do capital e à taxa de mais-valia, ela indica certos
caminhos possíveis de evolução no tempo do processo de acumulação
capitalista, privilegiando a variável taxa média de lucro ocorrentes nesse
modo de produção mercantil generalizado”.104
O fato é que a (infindável) discussão sobre o comportamento da taxa de lucro
circundante à crise 2007 recebeu de M. MOLLO (2015) exaustiva análise - a nosso
juízo, similarmente convincente. O exame recente de autores com posições díspares

103
Braga também aponta: a) a forma e o ímpeto da concorrência nacional e internacional; b) políticas
monetária e fiscal; c) política creditícia; d) tipos de subsídios entre governo e empresas, como fatores que
“afetam a performance da taxa de lucro efetiva no mundo” (idem, p.182).
104
Ver: “Marx: pura lógica? Lei empírica?”, E. Prado, em: Revista Sociedade Brasileira de Economia
Política, São Paulo, nº 37, janeiro 2014, pp. 132-33.
80

como A. KLIMAN, S. MOHUM, A. SHAIKH, G. DUMÉNIL E D. LÉVY, C.


LAPAVITSAS leva Mollo a conclusões fundamentais. De uma parte, ela ratifica a ideia
marxista basilar e incontornável acerca do elemento central deflagrador das crises
econômicas nas sociedades burguesas: “No capitalismo todas as crises são de
superprodução”. De outra parte, extrai de sua pesquisa uma conclusão clara e
indispensável:
“Como vimos, várias das mensurações da taxa de lucro interrompeu a
tendência de queda justamente no período da dita globalização, em
particular a financeira, que caracterizou o neoliberalismo, e que
precedeu imediatamente a crise, o que já é um argumento para tornar
discutível a hipótese da queda da taxa de lucro como razão para a
crise”.105
Assim, e finalmente, a complexa questão da interpretação da LTQTL continua a
orientar polemicamente a problemática das causas da crise capitalista. Como vimos,
inobstante o caráter concreto da historicidade do desenvolvimento capitalista, da
incursão do progresso técnico a determinar a relação entre taxa de lucro, capital
constante e capital variável não avalizam a obsessiva “ideia fixa” de que é a queda da
taxa de lucro a (única) causa da eclosão das crises econômicas.106

Principalmente porque, na autêntica interpretação marxista de LÊNIN acerca das


leis (econômicas):
“o conceito de lei é um dos degraus do conhecimento pelo homem da
unidade e da conexão, da interdependência e totalidade do processo
mundial. (...) é uma luta contra a absolutização do conceito de lei,
contra a sua simplificação, contra a sua fetichização”.
(...) A lei toma o tranquilo – e por isso a lei, qualquer lei é estreita,
incompleta, aproximada”.107 “(O fenômeno é mais rico que a lei)”
(LÉNINE, idem, p.141).
3.10 - Sistema de crédito, especulação e crises
“Se o sistema de crédito é o propulsor principal da superprodução e da
especulação excessiva... (...) acelera o desenvolvimento material das
forças produtivas e a formação do mercado mundial... (...) Ao mesmo

105
Ver: “A crise mundial e suas consequências: um debate teórico”, M. L. R. Mollo, em: “Crítica
marxista”, nº 41, São Paulo, Fundação Editora da UNESP, 2015, pp. 52 e 56.
106
A partir das recentes pesquisas dos originais de Marx, na “Marx-Engels Gesamtausgabe” (MEGA2),
sobre a LTQTL, DEUS, YEMBA e MARQUES (2017) sugerem ao menos duas questões-sínteses: 1) até
os Manuscritos de 1864-5, Marx teria evoluído à ideia de que as contra-tendências à lei integrariam o
movimento tendencial de modo absoluto, vale dizer, não caberia ter “separado” as duas partes, como o fez
F. ENGELS. 2) Marx, depois de idas e vindas, teria “abandonado” uma conclusão da complexa questão,
após inúmeros estudos matemáticos em torno de taxa de mais-valia, taxa de lucro (1875), no sentido de
não conseguir o pretendido desvelamento dessas “leis de movimento” específicas. Ver o importante
estudo apresentado pelos autores à 45ª Encontro Nacional de Economia da ANPEC, em: “Lucro, taxa e
tendência nos manuscritos inéditos de O Capital”, L. de Deus, Bovick Yemba e Lucien Marques. Pesq.
Aqui: http://www.anpec.org.br/novosite/br/45-encontro-nacional-de-economia--trabalhos-selecionados
107
Ver: “Conspecto do livro de Hegel ‘Ciência da Lógica’, em: “Cadernos Filosóficos”, V.I. LÉNINE,
Obras Escolhidas em Seis Tomos, v. 6, Edições Avante! - Lisboa, Edições Progresso – Moscovo, 1989, p.
140. Lênin acrescenta acerca da conceituação de Hegel: “Isso é uma definição notavelmente materialista e
notavelmente certeira (com a palavra ‘ruhige’ [‘tranquilo’]”, ibidem, idem.
81

tempo, o crédito acelera as erupções violentas dessa contradição, as


crises... (...) levando a um sistema puro e gigantesco de especulação e
jogo” (MARX, O Capital, op. cit.).108

Prosseguindo no enfoque teórico, vimos que, segundo Marx, a) mutantes, o


capital-dinheiro, o capital-mercadoria e o capita-produtivo formam as “três figuras do
ciclo”, isto querendo dizer que são distintas as formas que o capital assume, mantendo-
se a unidade do ciclo; b) nas crises do capitalismo – (que se expressam regularmente
nos fenômenos de superprodução/superacumulação, lei da tendência de queda da taxa
de lucros e desproporção entre os departamentos), a manifestação em uma de suas
esferas (como em 2007-8, iniciada na financeira) é inseparável da dinâmica do ciclo
global do capital.

Quer dizer, não há sentido algum apartar a esfera financeira da produtiva


(circulação e produção), ou falar-se que “a crise não é só financeira, é econômica”, do
ponto de vista do modo de produção capitalista. Dito de outro modo, a existência
contínua das três formas referidas decorre de o ciclo do capital global passar por essas
três fases. Mas o mesmo não se pode dizer da “autonomização” que realiza o capital
financeiro enquanto formas distintas: a) de capital portador de juros; b) de capital
fictício. Por que, como assim?

“Da totalidade do capital destaca-se e se torna autônoma determinada


parte, na forma de capital-dinheiro [como capital portador de juros],
tendo a função capitalista de efetuar com exclusividade essas operações
para toda a classe dos capitalistas industriais e comerciais” (MARX,
idem, p. 363).

Finalmente, é necessário sublinhar que ainda há intelectuais que, se alcunhando


de marxistas “ortodoxos”, repetem que a financeirização capitalista global é “suposta”.
Os mesmo que insistem em que a queda da globalização neoliberal, com a crise de
2007-8, não teve como nítida expressão uma forma financeira das crises do regime do
capital. Esses, não só desconhecem o vetor resultante da verdadeira inundação
planetária do capital financeiro (seja o portador de juros, seja o fictício), como
fenômeno absolutamente real dos últimos 40 anos, aproximadamente. Revelam também
solene desprezo à imensa legião de pesquisadores que se esforçam sistematicamente
para o desvendamento das singularidades do desenvolvimento capitalista
contemporâneo – e as maneiras e meios de enfrentá-los. Por exemplo, neste esforço,
escrevera o economista cubano Oswaldo MARTÍNEZ:
“A partir do verão de 2008 a crise econômica capitalista avançou com
rapidez desde uma crise setorial de valores imobiliários nos Estados
Unidos, que adveio pouco depois da crise financeira nesse país, para
estender-se de imediato a todo o mercado financeiro globalizado e por

108
Ver: Livro 3, v. 5, Civilização Brasileira, s/data, p. 510.
82

último, revelar-se como a crise econômica global que hoje envolve a


economia real e faz sentir seus efeitos à escala mundial”.109
Assim, retomando sobre o percurso da crise, focando agora o caso da crise das
chamadas “dívidas soberanas” na Europa têm-se tudo a ver com os títulos e as dívidas
públicos, quando os bancos centrais passaram, na verdade, a cobrir o buraco
financiando a banca privada, à custa do Estados e dos povos. Outro fenômeno revelador
da imensa fragilidade da teoria dos mercados autorregulados: eles se “equilibram” ou se
autorregulam, mas só tentam resolver as crises com essa intervenção avassaladora do
Estado.

Ora, praticaram políticas e operações que nunca tiveram precedentes na história


do capitalismo. Noutras palavras, da execração e do ataque cerrado ao Estado em geral
passou-se à manipulação descarada das finanças públicas estatais para salvar bancos e
financistas do desastre por eles criados. Mais uma vez: os teóricos do mercado
autorregulado passaram cerca de 30 anos dizendo que tinha que ser tudo
desregulamentado e a economia protegida pelos mercados.
Se analisarmos as referências do endividamento dos bancos e do endividamento
dos Estados europeus antes de 2007-8, e em, por exemplo, 2016, vemos que ele foi se
multiplicando e não parou. Houve um processo de agigantamento dessas dívidas.
Continua crescendo e provocando um endividamento extraordinário: 270% do PIB
(Produto Interno Bruto), no Japão; 170% na Itália; 106% nos EUA; mais que dobrando
na Grécia, em Portugal e na Espanha.
Segundo ainda relatório do insuspeito Instituto de Finança Internacional (IIF -
sigla em inglês), o endividamento global aumentou 5% nos últimos quatro meses de
2017: em valores, o endividamento passou de US$ 226 bilhões para US$ 237 bilhões
(ou R$ 803,5 bilhões), uma alta de cerca de US$ 11 bilhões, o que corresponderia ao
PIB da China desse ano. O aumento do nível do endividamento das famílias, em
particular nos países desenvolvidos, foi apontado como o principal responsável pelo
crescimento do endividamento global, que agrega as dívidas dos Estados, das empresas
e das famílias.
Entre os países atingidos estão Bélgica, Canadá, França, Luxemburgo, Noruega, Suécia
e Suíça. Entretanto, o peso do endividamento no PIB (Produto Interno Bruto) mundial
diminuiu sete pontos percentuais na comparação com o terceiro trimestre de 2017. A
justificativa seria o crescimento da economia no mundo 110.

109
Ver: “Crisis económica global. ¿Hasta cuándo?, ¿hasta dónde?”, de O. Martínez, in: rebelión.org
(29/4/2009).[ https://www.rebelion.org/noticias/2009/4/84528.pdf]

110
Em: http://www.destakjornal.com.br/seu-valor/detalhe/endividamento-mundial-cresceu-5-no-quarto-
trimestre-de-2017
83

3.11 - Um debate sobre tendências atuais do capitalismo


Como é sabido, a grande crise iniciada em 2007-8 reacendeu – renovou – a velha
discussão sobre as perspectivas do capitalismo. De fato, são incontestáveis as evidências
empíricas desalentadoras aos mesmos próceres que inventaram a prosperidade que,
agora, viria convergente para o desenvolvimento mundial, na era da “globalização”.
Acontece que, a “convergência” verdadeira veio a se manifestara,
negativamente, em matéria de produtividade no país do centro do império atual, os
EUA, assim como uma generalizada deterioração salarial dos trabalhadores, como se vê
abaixo.111

Gráfico 9 – Taxa de crescimento da produtividade total nos EUA % ao ano

Fonte: Martin Wolf/Financial Times, 2017

Gráfico 10 – Preços de produção de semi-condutores e dispositivos


semelhantes dos EUA em relação aos preços de todas as commodities* -
Janeiro de 1970 = 100

111
Gráficos elaborados por Martin Wolf\Financial Times (2017). 1) De acordo com Robert Gordon, a
economia dos EUA não vem reproduzindo os notáveis ganhos de produtividade que conquistara “entre
1920 e 1970”; o quase colapso entre 1994-2014 seria uma explicação para o “investimento fraco desde a
crise financeira”. 2) O segundo gráfico – “que tanto intriga quanto preocupa”, diz Wolf – mostra parada
na queda dos preços dos semicondutores, descenso aquele que adviria do impacto da “revolução
tecnológica” atual. Ver: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/07/1903064-entenda-em-7-
graficos-as-grandes-transformacoes-na-economia-global.shtml
84

Fonte: Martin Wolf/Financial Times, 2017.

Gráfico 11 – Proporção de famílias com renda estagnada ou em queda em


relação aos salários e capital – 2005 a 2012-2014*

Fonte: Martin Wolf/Financial Times, 2017.

Essas (e outras) foram razões suficientes para que o indiano e ex-economista


chefe do FMI Mohamed A. El-Erian chamara (2011) esse quadro deflagrado pela crise
de “o novo normal”. Em 2013, Larry Summers, ex-secretário do Tesouro dos EUA, a
partir do declínio da economia estadunidense, repetiu termos do keynesiano Alvin
Hansen, expressos na grande depressão de 1930, ao denominar de “estagnação secular”
aquele estágio de afundamento da economia global 112. No final de 2014, Christine

112
Em 2017, Summers voltou a reafirmar sua tese: “Quando fiz meus comentários em 2013, eles foram
formulados com dúvidas muito substanciais. Hoje, teria menos dúvidas. A essência de meu argumento era
que, devido a uma diversidade de fatores estruturais, a taxa de juros neutra estava muito mais baixa do
que antes e, portanto, chegar a uma taxa adequadamente baixa seria mais difícil. E isso funcionaria como
85

Lagarde, diretora-gerente do FMI afirmou, acerca da situação da economia mundial,


estarmos vivenciando “uma nova mediocridade”.
A seguir, situado num arco ideológico oposto aos citados economistas da
mainstream, o sociólogo alemão Wolfgang STREECK causou certa celeuma com seu
livro “Como vai acabar o capitalismo? ” (Verso, setembro de 2016) 113. Segundo
imagina Streeck,

“o capitalismo, após mais de 200 anos, tornou-se insustentável porque


se tornou ingovernável. Por trás desse distúrbio está aquilo que veio a
ser sumariamente chamado de ‘globalização’: a expansão das relações
capitalistas de mercado para além do alcance dos governos unificou o
capitalismo, mas fragmentou a ação política coletiva”(Streck, 2014, Op.
cit.).

Ou ainda:

“Antes do capitalismo acabar, ele permanecerá em um limbo, morto ou


quase morrendo em função de uma overdose de si mesmo, mas ainda
bastante presente, na medida que ninguém terá o poder para retirar seu
corpo decadente do caminho (Idem, 2016, p.36).

Ainda de acordo com Streeck, três tendências se desenvolveram em paralelo no


conjunto das ricas democracias capitalistas desde a década de 1970: a) crescimento em
declínio; b) aumento da desigualdade de renda e de riqueza; c) expansão da dívida
pública, privada e total 114. Hoje, essas três tendências parecem estar “se reforçando
mutuamente”, onde o baixo crescimento contribui para a desigualdade através da
intensificação do conflito distributivo; a desigualdade amortece o crescimento, pois
reduz a demanda efetiva; os altos níveis das dívidas existentes obstruem os mercados de
crédito, aumentando assim o risco de crises financeiras; um “setor financeiro inchado”
tanto resulta quanto contribui para a desigualdade econômica, etc.

restrição à demanda agregada por mais tempo do que as pessoas pensavam. Em relação às previsões na
época, os juros estão muito menores, o crescimento tem sido muito menor, a inflação ficou muito menor
no mundo industrializado, e a política fiscal tem sido mais expansionista. Assim, o argumento
generalizante que apresentei parece mais verdadeiro hoje”. Em:
http://www.valor.com.br/internacional/4984050/larry-summers-dobra-aposta-em-hipotese-de-estagnacao-
secular
113
Streeck publicara antes vários artigos entre 2011 a 2015, sobre a mesma temática. Cf. p. ex.:
http://pubman.mpdl.mpg.de/pubman/item/escidoc:2065903/component/escidoc:2065906/Piaui_2014_Stre
eck.pdf; também: http://www.ihu.unisinos.br/169-noticias/noticias-2015/540406-capitalismo-do-pos-
guerra-esta-no-fim-diz-streeck-

114
Mais uma vez, sobre o endividamento mundial, um relatório do FMI (setembro, 2016) assinalara a
montanha de débitos globais ter atingido o recorde de US$ 152 trilhões, nada menos que 225% do PIB do
planeta, sendo destes dois terços de dívida privada (US$ 100 trilhões). Diz-se lá que “o elevado débito
privado não apenas aumenta as chances de uma crise financeira como também dificulta o crescimento,
pois devedores muito endividados eventualmente diminuem seu consumo e investimento”.
Em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/conjuntura/180320_cc38_economia_mundial.pdf
86

Noutro viés, segundo o economista italiano Guglielmo CACHERDI 115 pode-se


mensurar o que conceitua de “esgotamento histórico do capitalismo” pelo crescente
número de crises financeiras e recessões, no período posterior a 1945 até o final do
século XX. Entretanto, é em função da LTQTL que ele imagina ser a causa subjacente
às depressões regulares e recorrentes na produção capitalista. Baseando seus gráficos
numa demonstração feita por ele próprio, de evolução histórica da rentabilidade
empresarial dos EUA, Cacherdi apresenta então um gráfico em que ele mesmo afirma
não ser uma manifestação mundial essa mesma queda da taxa de lucro 116. E escreve
Cacherdi:

“Note-se a diferença entre a taxa de lucro do G7 e o resto do mundo.


Para começar, desde os últimos anos da década de 1980 os países do G7
sofreram uma crise de rentabilidade (tendência negativa), enquanto a
taxa de lucro tem uma tendência global positiva. Isto significa que
outros países desempenharam um papel cada vez maior para manter a
taxa de lucro em todo o mundo”.

Gráfico 12 - Taxa de lucro em todo o mundo e do G7, 1963-2008 (índice


1963= 100)

Fonte: G. Cacherdi, 2017

115
Ver: “O esgotamento da atual fase histórica do capitalismo”, de G. Cacherdi, em:
http://www.sinpermiso.info/textos/el-agotamiento-de-la-fase-historica-actual-del-capitalismo,
04/01/2017.
116
Cacherdi alinha ainda, como “fatores tendenciais secundários”, a) queda constante do emprego em
relação ao investimento em geral; b) constante descenso do “valor novo” como percentagem do valor
total, como fatores que demonstrariam o “esgotamento progressivo do capitalismo”. Assim, “O
capitalismo está em rota de colisão consigo mesmo. As contra-tendências atuam cada vez menos...”
(2017, idem). Mais adiante diz que, por isso, “A China, a Índia, os BRICS sofrem a mesma enfermidade
que aflige o mundo ocidental” (2017, idem). Evidente: imputar a situação econômica da África do Sul ou
do Brasil como sendo igual a da China, em 2017, só se for por razões exclusivamente ideológicas!
87

Numa perspectiva semelhante, François CHESNAIS, bem recentemente, em “O


capitalismo encontrou limites intransponíveis?”, projeta um quadro sistêmico global
onde as consequências políticas e sociais de “um baixo crescimento e de uma
instabilidade financeira endêmica”, acrescidos de um “caos político” decorrente,
ensejam agora, em partes do mundo “e, potencialmente, noutras ainda”, que
convergiriam para a deterioração resultante das mudanças climáticas 117.

Ao exibir o gráfico a seguir, que em certa medida parece sintetizar a condução


empírica do movimento persistente a envolver depressão-recuperação-estagnação, a
partir da crise 2007-8, Chesnais concentra-se em duas questões de fundo. Essa grande
crise poderia ser compreendida como um daquelas que encontra seu ponto de
reprodução alargada do capital, reaberta à escala de um “mercado mundial finalmente
constituído”; distintamente, seria como o ponto de partida numa quadra histórica “em
que o capitalismo irá se confrontar com limites que não poderá mais ultrapassar”?
(Chesnais, 2017, idem)

Gráfico 13 – Contribution to growth from: United States, China, Other


rich countries, Other emerging economies – percentage points

Fonte: F Chesnais, 2017

Num ambicioso estudo, de forte repercussão, “Pós-capitalismo: um guia para


nosso futuro”, o pesquisador britânico Paul MASON acredita que a era da internet já
nos levou a um tal “infocapitalismo”. Lançando mão de uma metáfora espacial
ficcional, diz que se um marciano que tivesse nos visitado no início dos anos 1990, e
depois, em 2015 notaria que ao invés de uma economia mundial dirigida por grandes
corporações e afins, teríamos agora uma onde trabalhadores chegam a consumir dentro
das empresas, nela sobressaindo-se o trabalho gratuito, graças à robotização e a
automação. Segundo pensa,

“A informática é diferente de todas as tecnologias anteriores. (...) sua


tendência espontânea é a de dissolver mercados, destruir propriedade e

117
Traduzido para o português em : http://www.ocomuneiro.com/nr24_01_FrancoisChesnais.html
88

romper a relação entre trabalho e usuários. E é esse o terreno profundo


da crise que estamos atravessando” 118.

Sendo – ironiza Mason - o neoliberalismo uma doutrina de “mercados sem


controle” que expressam a prosperidade individual, também é nele que um Estado
pequeno é apenas grande em suas “tropas antitumulto e sua polícia secreta”; onde “a
desigualdade é boa”, assim como a especulação financeira. Então, como o estado
natural da humanidade é ser uma horda de indivíduos “sem escrúpulos, competindo uns
com os outros”, implicando no maior surto de desenvolvimento que o mundo já que o
mundo já conheceu e desencadeou um progresso exponencial em tecnologias centrais de
informação. Entretanto, “no processo, ele reavivou uma desigualdade próxima à
situação de cem anos atrás e agora originou uma situação de luta pela sobrevivência
(Mason idem, p.14).

Assim: a) a crise atual não sinaliza apenas o fim do modelo, também é um


“sintoma do descompasso de longo prazo entre sistemas de mercado e uma economia
baseada na informação” (Mason, idem, p. 12); b) para substituir o neoliberalismo, não
precisamos apenas de uma ideia brilhante, “mas um modelo novo, holístico, que possa
gerar a si mesmo e proporcionar tangivelmente um resultado melhor”, baseado em
“micromecanismos”, não em “programas ou diretrizes: tem que funcionar
espontaneamente”, e é isso que se chama pós-capitalismo (idem, p. 14).

De acordo com Mason, esse pós-capitalismo é possível, agora, por três razões
fundamentais: 1) a informática reduziu “a necessidade de trabalho”, ela nubla as
fronteiras entre “trabalho e tempo livre” e afrouxa os vínculos entre “trabalho e
salários”. 2) Sendo atualmente a informação abundante, ao tempo em que o mercado se
baseia na escassez, “os bens de informação estão corroendo” a correção dos preços
formados nesses mercados - e o antigo sistema de defesa monopolístico gigantesco “não
podem durar”. 3) vivenciamos a ascensão vertiginosa da “produção cooperativa”: a
Wikipédia possui 27 mil voluntários, priva o comércio de enciclopédias e a indústria
publicitária de uma receita “estimada em 3 bilhões de dólares”, exemplifica Mason 119.
Que buscara atualizar ainda o importante debate sobre a problemática dos “ciclos
longos” (Cap. 2), para contextualizar a grande crise atual e suas perspectivas.120

118
Em: Companhia das Letras, São Paulo, 2017 [2015], p.16.
119
O estudo de P. Mason de 468 páginas, é insistentemente marcado pelo furioso viés ideológico
antissoviético, ao passo que, em verdade, aponta soluções utópicas e anarcóides à superação do
capitalismo tal como professa.
120
Para ele, se nos basearmos na teoria das ondas longas de Nikolai Kondratiev - envolvendo
desenvolvimento tecnológico, guerras e revoluções - e seus seguidores contemporâneos, encontramos: 1)
de 1790 a 1848, o sistema fabril, maquinário movido a vapor e canais a conformar “o novo paradigma”,
que sofre inflexão com a depressão da década de 1820. 2) De 1848 a meados de 1890 esse segundo ciclo
abarca as transformações advindas como as estradas de ferro, o telégrafo, os navios a vapor, moedas
estáveis e máquinas produzidas por máquinas, sendo que a “crise financeira” nos EUA e Europa
terminam na longa depressão de 1873-1896. 3) De 1890 a 1945, as tecnologias centrais são a da indústria
pesada, a engenharia elétrica, a administração científica e a produção em massa, quando a ruptura se dá
no final da 1ª Guerra Mundial e o descenso se aprofunda com a Grande Depressão de 1930 e a 2ª Guerra
Mundial. 4) De 1840 a 2008, onde o paradigma alcança desde os transistores, os materiais sintéticos, os
bens de consumo de massas, a automação fabril, o cálculo automático e o poder nuclear, tendo o declínio
que se seguiu ao “maior boom da história” ganhado expressão no “choque do petróleo” (1973), com um
longo período de instabilidade mas não um depressão. 5) “No final de 1990”, um quinto ciclo se ergueria
através da tecnologia de redes, comunicações móveis, um mercado “verdadeiramente global” e que
denomina de “bens de informação” (Mason, idem, pp. 90-91). Mason, aliás, inspira-se largamente no
89

De outra parte, a velha problemática dos “ciclos longos” a incidir


contemporaneamente na grande crise iniciada em 2007 é examinada de modo acurado
por R. GUTTMANN, em “A noção heterodoxa de crise de estrutural.121

Argumentando profundamente, Guttmann sustenta que: (i) se levarmos a sério a


ideia de revoluções tecnológicas como força motriz (ondas longas), a periodização
principal da primeira Revolução Industrial (1787 - 1843) compreenderia, a) a era da
ferrovia e da locomotiva a vapor (1842 – 1897); b) a era do aço, da eletricidade, e da
combustão interna (1897 – 1939); c) período de rápida expansão (durante e no pós-
guerra), do enraizamento nos subúrbios e em torno das casas e carros (1939 – 1982); d)
a era pós-industrial da “Revolução da Informação” centrada na internet (1982 - ??) (Op.
cit, p. 1).122
Entretanto conforme, assertivamente, Guttmann, se nas teorias dos ciclos há
“boa dose de noção de tecnologia conduzindo as ondas longas”,
“o excelente estudo de Gerald Silverberg (2003)123 deixa claro ao
mesmo tempo quão difícil é traçar essas tendências de longo prazo ou

conhecido estudo de Ernest MANDEL (1982), especialmente capítulos 1 e 4. Para uma visão crítica
consequente sobre a teoria dos ciclos de Kondratiev, ver ainda: HOBSBAWM, 1998-a; 1998-b.

121
Ver: “A noção heterodoxa de Crise Estrutural, R. Guttmann (Hofstra Universidade), em:
file:///C:/Users/S%C3%A9rgio/Downloads/The_heterodox_notion_of_structural_crisis.pdf [publicado
em: Review of Keynesian Economics, Vol. 3 No. 2, Summer 2015, pp. 194–212]. A tradução, inédita, é de
Mariana Rossi Venturini.
122
Segundo Guttmann, deve-se considerar pontos finais dessas ondas (a fase mais baixa) representados
após períodos de estagnação contínua, em turning-point peaks (picos de viragem) verificados
respectivamente em 1819, 1873, 1929, 1969, e 2007. De outra parte, ocorrem uma ou duas décadas de
crescimento lento, rapidamente frequentes declínios econômicos depois, nas fases de baixas (isto é 1842,
1897, 1939, 1982), onde rebaixamento dos preços e de capacidades de produção possibilitariam
amadurecer, “típica e suficientemente para que uma nova revolução tecnológica faça [fizesse] efeito e
impulsione a economia em direção a um caminho de crescimento acelerado nas próximas décadas” (idem,
p.2).
123
Guttmann refere-se a “Long Waves: Conceptual, Empirical and Modelling Issues”, de Silverberg, in:
Research Memorandum 015, Maastricht University, Maastricht Economic Research Institute on
Innovation and Technology (MERIT). Ver: file:///C:/Users/S%C3%A9rgio/Downloads/rm2003-015.pdf .
Para Silveberg, nas destacadas contribuições de N. Kondratief, J. Schumpeter e outros proponentes da
teoria de ondas longas pressupunha-se que elas poderiam ser detectados nos dados com técnicas
apropriadas que também resistiriam à crítica técnica. Contudo, conclui este autor: “inovações podem, de
fato, se agrupar, mas não em qualquer sentido determinista, e seu padrão pode lançar luz sobre um
mecanismo unificado, explicando uma gama de propriedades. Agregar atividade econômica,
simultaneamente com certos padrões de mudança estrutural, pode obedecer a certas leis que
dialeticamente entrelaçam o acaso e necessidade e produzir padrões robustos, mas que não se prestam a
previsão muito simples” (Op. cit., p. 14).
90

modelá-las conceitualmente. Está simplesmente para além dos métodos


quantitativos-estatísticos normais compreender completamente as
dimensões chave das revoluções tecnológicas e sua propagação através
de uma matriz do dinamismo (iniciativa) da economia” (idem, ibidem).

3.12 - Crises e revoluções industriais

Nos processos que interligam a busca de saídas das crise capitalistas, no sentido
da já referida busca de novos circuitos de valorização do valor, e fundamental
compreender que, se a Primeira Revolução Industrial deve ser periodizada entre 1760 e
1840 - assinalada por Marx nos Grundisse e no Livro 1 de O Capital -, de outra parte,
são nos novos estudos sobre os escritos originais de Marx (e Engels), destacadamente
dos pesquisadores da nova MEGA2 (Marx e Engels – Gesamtausgabe2) onde se
encontram vários cadernos em que Marx examinou detalhadamente as crises capitalistas
de 1848, 1857-8, 1866 e 1873-4 124. Interessa ressaltar que, neles, usando fontes
como The Economist, The Money Market Review, estatísticas dos relatórios do Banco
de Inglaterra, e inquéritos parlamentares, Marx analisava as crises capitalistas e suas
características que ocorreram exatamente no processo que antecedeu a passagem da
primeira revolução industrial para a segunda 125.

A propósito, simplesmente notável que Marx tenha assim formulado algumas de


suas conclusões, ainda em 1857-58, dos estudos dos Grundisse 126:
“No entanto, à medida em que a grande indústria se desenvolve, a
criação de riqueza efetiva passa a depender menos do tempo de trabalho
e do quantum de trabalho empregado que do poder dos agentes postos
em movimento durante o tempo de trabalho, poder que – sua ‘poderosa
efetividade’ -, por sua vez, não tem nenhuma relação como o tempo de
trabalho imediato que custa sua produção, mas que depende, ao
contrário, do nível geral da ciência e do progresso da tecnologia, ou da
aplicação dessa ciência à produção. (Por seu lado, o próprio
desenvolvimento dessa ciência, especialmente da ciência natural e, com
esta, todas as demais, está relacionado ao desenvolvimento da produção
material”).

124
Ver: “Marxismo e crises capitalistas”, original da edição especial de “Science & Society”, outubro de
2016, em: http://resistir.info/crise/editorial_ss_out16_p.html; similarmente ver também em: “A primeira
crise econômica mundial: Marx como jornalista econômico”, de Michael R. KRÄTKE, em:
http://outubrorevista.com.br/wp-content/uploads/2015/02/Revista-Outubro-Edic%CC%A7a%CC%83o-
19-Artigo-02.pdf , pp.43-44.
125
Sobre as características principais das três revoluções industriais ver, de BARROSO, A. Sérgio:
“Revoluções industriais e metamorfoses do capitalismo: aspectos históricos e teóricos”, set./out. 2017-b,
Em: http://www.revistaprincipios.com.br/artigos/150/capa/3180/revolucoes-industriais-e-metamorfoses-
do-capitalismo-aspectos-historicos-e-teoricos.html. Sobre a formação da grande indústria capitalista, a
primeira revolução industrial, as dimensões do processo da acumulação, ver a obra clássica de
BARBOSA de OLIVEIRA, C. A. “O processo da industrialização – do capitalismo originário ao
atrasado”, 2003, pp. 54-75. Em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/up000037.pdf
126
Em: “Capítulo do capital”, São Paulo/Rio de Janeiro, Boitempo/Editora UFRJ, 2013, pp. 387-88.
91

Mas, sublinhe-se então que, de acordo com Marx uma questão nodal é que ponto
de partida desse processo transformador e rupturista – a catapulta para o pioneiro
paradigma técnico do capitalismo - é constituído pela transformação da ferramenta em
máquina-ferramenta, ou seja, pelo estágio em que se retira a ferramenta das mãos do
trabalhador e a torna elemento de um mecanismo. Isto é:
“É desta parte da máquina, da máquina ferramenta, que parte a
revolução industrial do século XVIII”.127
Porém – prossegue Marx -, nesse estágio,
“A máquina da qual parte a revolução industrial substitui o
trabalhador que maneja uma única ferramenta por um
mecanismo que ao mesmo tempo opera com certo número de
ferramentas idênticas ou semelhantes àquela, e é acionada por
uma única fôrça motriz, qualquer que seja a sua forma. Temos
então a máquina, mas ainda como elemento simples da
produção mecanizada” (Marx, idem, p. 428).

Bem recentemente, numa outra linha de atualização teórica sobre as transformações


dos sistemas industriais modernos, em seu estudo “Revoluciones tecnológicas y capital
financiero. La dinámica de las grandes burbujas financieras y las épocas de bonanza”
(2004), 128 a pesquisadora Carlota PÉREZ (Harvard) conclui que, impulsionando a
mudança do paradigma teco-econômico estão as indústrias como núcleo de cada
revolução técnico-científica, que podem ser agrupadas em três categorias principais:

 Os ramos industriais motores, produtores de insumos chave de uso quase


universal: os semicondutores hoje, o petróleo e os plásticos da onda anterior, o
aço barato na terceira revolução industrial, o carvão na segunda, e a energia
hidráulica (moinhos de água e transporte por canais) na primeira.
 Os ramos vetores, são as usuárias mais visíveis e ativas do insumo chave e
representam os produtos paradigmáticos da revolução. São os ramos industriais
que difundem a “a notícia” sobre as novas oportunidades: os computadores, os
programas (software) e os telefones celulares de hoje; os automóveis e artefatos
elétricos na quarta revolução, os vapores de aço na terceira, os trens ferroviários
com motores a vapor na segunda, e a maquinaria têxtil na primeira.
 As infraestruturas, que tecnologicamente formam parte da revolução, deixam
sentir seu impacto definindo e expandindo as fronteiras de mercado para todas
as indústrias: a internet hoje, as rodovias e a eletricidade na quarta, a rede

127
Ver: “O capital”, K. Marx, Livro 1, V.I, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968, p. 426.

128
Apud: BARROSO, A., “Tendências do capitalismo contemporâneo”, em: Governos Lula e Dilma: o
ciclo golpeado: contexto internacional, realizações, lições e perspectivas, RABELO, R. e MONTEIRO,
A. (ORGS.), Sã Paulo, Anita Garibaldi\Fundação Maurício Grabois, 2017, pp.55-80.
92

mundial de transportes na terceira (ferrovias continentais rotas e portos para os


navios a vapor), as ferrovias nacionais na segunda, e os canais na primeira.

Utilizando-se de uma periodização diferenciada,129 Pérez apresenta assim o


amplo quadro das grandes transformações nas bases técnicas do capitalismo:

Quadro 1 – Un paradigma tecnoeconómico diferente para cada revolución


tecnológica desde 1770 hasta más allá del 2000

Fonte: Pérez, CARLOTA, “Revoluciones tecnológicas y capital financiero. La dinámica de las


grandes burbujas financieras y las épocas de bonanza”, 2004, p. 36. Cuadro 2.3.

No entanto, analisando a aceleração das mudanças tecnológicas anteriores, às


mais recentes, estudos pioneiros de K. SCHWAB (2016; 2018)130 interpretam que a 4ª
revolução industrial, disruptiva, promove uma “fusão de tecnologias, borrando as linhas

129
Evidente que a primeira revolução industrial de Pérez deve estar subsumida da segunda, pois, como
vimos de Marx, é a máquina-ferramenta que caracteriza o “núcleo duro” da primeira.
130
Ver: “A quarta revolução industrial”, São Paulo Edipro, 2016; “Aplicando a quarta revolução
industrial”, Edipro, 2018, este livro com Nicholas Davis.
93

divisórias entre as esferas físicas, digitais e biológicas”. Ela fomenta a inteligência


artificial, a robótica, a impressão 3d, os drones, a nanotecnologia, a biotecnologia, a
estocagem de dados (big data) e de energia, os veículos autônomos, os novos materiais,
a internet das coisas etc. Velocidade, amplitude e profundidade, impacto sistêmico
distinguiriam a transformação do paradigma à 4ª revolução industrial (Schwab, 2016, p.
13). Também denominada de “Indústria 4.0”, a diversificação de tecnologias aplicadas à
produção manufatureira é seu pré-requisito. Dentre aquelas que são citadas com mais
frequência estão: sistemas ciber-físicos (cps), big data analytics, computação em
nuvem, internet das coisas (IOT) e internet dos serviços (IOS), impressão 3d e outras
formas de manufatura aditiva, inteligência artificial, digitalização, colheita de energia
(energy harvesting) e realidade aumentada.

Conforme interpreta o próprio “Fórum Econômico Mundial” (2016), presidido por


Schwab, a chamada Indústria 4.0 caracteriza-se por: (i) clientelização em massa,
baseada no uso de tecnologias avançadas, com recurso a tecnologias em 3D na produção
de design e protótipos a baixo custo, o que favorece a descentralização da produção para
junto de potenciais clientes; (ii) interconexão entre plataformas digitais facilitadoras de
rapidez, com possibilidade de trabalho à distância e ofertas de serviços inovadores,
nomeadamente através da internet das coisas; (iii) desenvolvimento da robótica
autônoma, difundindo uma nova geração de robôs adaptáveis a diferentes contextos,
necessidades e serviços; (iv) redes de produção descentralizada geradoras de um ponto
de viragem na organização produtiva, nomeadamente promovendo um maior equilíbrio
de poderes entre grandes e pequenas empresas; (v) a fragmentação cada vez mais
generalizada de funções produtivas e cadeias de valor numa escala global, aumentando
o recurso ao trabalho digital; (vi) reconfiguração e mistura de fronteiras entre indústria e
serviços e entre produção e consumo.131

Mas o conceito não se limita à aplicação combinada dessas tecnologias. A


indústria 4.0 cria e articula “fábricas inteligentes”132 em um sistema produtivo e de
comercialização substancialmente diferentes (IEDI, “Indústria 4.0: desafios e
oportunidades para o brasil”, 2017).133 Também para os pesquisadores do MIT
(Massachussets Institute of Tecnology), Andrew McAFEE, Erik BRYNJOLFSSON, por
exemplo, entramos na “2ª era da máquina”,134 onde seu traço principal é a fusão dessas
tecnologias e a interação entre os domínios físico, digital e biológico.

131
Ver: http://www3.weforum.org/docs/WEF_Future_of_Jobs.pdf

132
Uma análise detalhada sobre o fenômeno é feita por Luciano COUTINHO; ver: “A 4ª revolução
industrial: criativa ou disruptiva para o Brasil? ”. Em:
http://www.revistaprincipios.com.br/artigos/150/capa/3184/a-4a-revolucao-industrial-criativa-ou-
disruptiva-para-o-brasil.html
133
Ver:http://www.iedi.org.br/media/site/artigos/20180710_politicas_para_o_desenvolvimento_da_industr
ia_4_0_no_brasil.pdf
134
Ver: “A segunda era das máquinas. Trabalho, progresso e prosperidade numa época de tecnologias
brilhantes”, Rio de Janeiro, Alta Books, 2015. Relatam os autores: “O Google anunciou no blog, em
outubro de 2010, que seus carros completamente autônomos já estavam dirigindo com sucesso no
trânsito, por rodovias e autoestradas americanas. Quando fizemos nosso passeio, no verão de 2012, o
94

Entretanto, importa assinalar que, mantendo-se o princípio da propagação


assimétrica e lenta do espraiamento do progresso técnico, a segunda revolução industrial
ainda precisaria alcançar 17% da população do planeta, pois cerca de1,3 bilhão de
pessoas não têm acesso à energia elétrica. Em relação à segunda R.I., mais da metade da
população não têm ainda acesso à internet ou cerca de 4 bilhões de pessoas. [dados de
2016]. Mas – enfatiza Shawb -, se o tear mecânico levou quase 120 anos para atingir
países fora da Europa, a internet espalhou-se em cerca de uma década.135

Simultaneamente, as chamadas operações de alta frequência – realizadas por


programas de computadores com algoritmos que compram e vendem ativos financeiros
em milésimos de segundos – corresponderiam (2016) a 70% do volume negociado do
mercado de ações norte-americano e 30 a 40% no mercado europeu.

Perseguindo a temática das transformações financeiras, Andreas DOMBRET


(então diretor do Bundesbank, o banco central alemão) afirmara então: a) que os bancos
precisam entender que as demandas do cliente estão em evolução e que a cadeia de
valor da intermediação financeira está sendo reorganizada; b) a digitalização já estaria
minando a base de clientes dos bancos. Além disso, o que os clientes mais jovens
esperam é bem diferente do que esperam os clientes atuais - e essas expectativas estão
em processo de mudança; c) a concorrência das fintechs (tecnologia financeira), com
seus modelos de negócios inovadores, já está corroendo a participação de mercado de
muitos bancos; d) a cadeia financeira de valor tradicional já estaria sendo desmontada e
reorganizada pelas novas rivais. Isso significa que os serviços que costumavam ser

projeto Chauffer já havia se expandido para uma pequena frota de veículos que tinham registrado,
coletivamente, centenas d milhares de quilômetros sem envolvimento humano e com apenas dois
acidentes” (Op. cit., Cap. 2, p.21).
135
Algumas implicações imediatas merecem registro: (i) a venda mundial de robôs atingiu 225 mil em
2015, 12% a mais que o ano anterior; espera-se 400 mil em 2018, sendo que Ásia (especialmente China e
Coréia do Sul) controlam 60% das vendas, seguindo-se o Japão, EUA e Alemanha. (ii) Em 2014 o Face
book comprou o aplicativo WhatsApp por US$ 25 bilhões, que possuía 55 funcionários; a United
continental aérea foi capitalizada em dezembro de 2015 por fortuna similar, entretanto possuindo 82.300
funcionários. (iii) Estima-se que até 2020, 70% dos habitantes do planeta possuirão smartphones;
facebook, twitter, instagram, whatsapp passaram a integrar o dia-a-dia das pessoas no mundo inteiro. (iv)
Noutra direção, o supercomputador Watson (IBM), orientado por um grupo de pesquisadores, após estudo
revisado de 100 mil casos médicos e descobriu uma nova proteína para determinado tipo de câncer, o que
foi posteriormente confirmado por cientistas da área. Aliás, o sistema tipo Watson já processa traduções
simultâneas, respondem à pergunta de celulares, substituem procedimentos de médicos, de advogados, de
contadores, de policiais, de economistas, de operadores de mesa de bolsas de valores. A inteligência
artificial do Watson, que a IBM apresentou em 2007 como um supercomputador capaz de aprender e
conversar de igual para igual com humanos para em breve substituí-los em diversas tarefas.
95

entregues em um pacote por uma única instituição são agora oferecidos por vários
players, com vários produtos intermediários sendo oferecidos por firmas de fora do
setor tradicional. Abordando outro assunto, o banqueiro alemão alertou para o fato de “o
mundo está testemunhando um momento em que as bases para uma nova crise podem
estar sendo colocadas”.136

Preocupações – e vaticínios semelhantes – apresentou o economista e banqueiro


Patrick ARTUS (2016), analisando questões estruturais que avultaram a partir da
debacle: a crise de 2007-2008 levou a um estado de “crise financeira permanente” na
economia mundial. Em entrevista,137 fala num livro sobre o assunto, intitulado “A
loucura dos bancos centrais”, Artus disse o seguinte: “Hoje - disse à época - há um
excesso de liquidez de circulação, onde a base monetária do mundo, ou a liquidez criada
pelos bancos centrais, é de 23 trilhões de dólares, comparada a 2 trilhões de dólares, há
20 anos. E essa liquidez, criada pelos Bancos Centrais, representa cerca de 30% do PIB
mundial hoje. Era 6% no final dos anos 1990”.

3.13 - Desemprego estrutural e crescente

No denso e referenciado estudo “The Future of Employment: How susceptible


are Jobs to Computerisation?” (“O futuro do emprego. Como são suscetíveis os postos
de trabalho com a informatização?”, 2013),138, de Carl Benedikt FREY e Michael A.
OSBORNE, que aborda o que se chama de “desemprego tecnológico”, com foco nos
EUA, defende-se que, à medida que as tecnologias de “machine learning” e robótica
avançarem, será inevitável a substituição de funções ocupadas por humanos hoje.
Tarefas e procedimentos bem definidos e repetitivos poderão ser substituídos por
algoritmos sofisticados. O estudo estima também que nada menos que 47% dos atuais
empregos nos EUA estão em risco. Entre estas funções estão motoristas de veículos
como caminhões e táxis, estagiários de advocacia, jornalistas, auditores,
desenvolvedores de software, administradores de sistemas de computação, etc.
136
Ver: “Bases de uma nova crise estão colocadas, diz diretor do Bundesbank”, Flavia Lima, Valor
Econômico, 26/10/2016. Em: http://www.valor.com.br/financas/4755929/bases-para-nova-crise-estao-
colocadas-diz-diretor-do-bundesbank

137
Em: https://www.valor.com.br/financas/4553953/loucura-dos-bcs-infla-bolha-do-mercado-de-bonus-
diz-professor

138
Em: https://www.oxfordmartin.ox.ac.uk/downloads/academic/The_Future_of_Employment.pdf , Carl
Benedikt Frey e Michael A. Osborne, 2013.
96

Por sua feita, no extenso documento apresentado ao Fórum Econômico Mundial


(Davos, fevereiro, 2016), “The Future of Jobs: Employment, Skills and Workforce
Strategy for the Fourth Industrial Revolution” (“O futuro dos empregos: emprego,
habilidades e Estratégia da Força de Trabalho para a Quarta Revolução
Industrial”),139 com base em pesquisa com 15 grandes economias do capitalismo
desenvolvido e em desenvolvimento, conclui-se que haverá até 2020 um acréscimo de
perda líquida e de empregos da ordem de 5 milhões de empregos, sendo a razão de 7,1
milhões para a criação de 2,1 milhões.

Conforme ainda Jerome GLENN (diretor-executivo e co-fundador do projeto


Millennium, organização sem fins lucrativos internacional dedicada a analisar e projetar
cenários futuros): “Não sabemos se a inteligência artificial vai ou não se tornar um
pesadelo da ficção científica, mas certamente terá impacto fundamental na natureza do
trabalho”, avalia o filósofo americano. As interações entre inteligências artificiais e a
proliferação da nanotecnologia, da robótica e da automação poderão produzir um
cenário de desemprego sem precedentes, avalia Glenn, que há quarenta anos faz
projeções para instituições que trabalham com a produção e a difusão de conhecimento,
os think tanks.140 Segundo concluiu Glenn em um de seus “cenários” prospectivos, “A
tendência é de mais desemprego onde não houver planejamento e estratégias públicas de
longo prazo, sobretudo em relação a não adoção de novas tecnologias”. E acrescenta:
“A expectativa e que a biologia sintética estimule o crescimento econômico, mas
também seja fonte para os desastres biológicos e insumo para o terrorismo”.141

Enfrentando causas e consequências do vasto fenômeno, alguns países do G-


142
20 encaminharam estratégias recentes de médio e longo prazo, apostando firmemente

139
Em: http://www3.weforum.org/docs/WEF_Future_of_Jobs.pdf
140
Ver: “O futuro do emprego será inventar o seu próprio emprego”, Darlene Menconi, Valor Econômico,
07/11/2016. Em: https://www.valor.com.br/carreira/4766977/o-futuro-do-trabalho-sera-inventar-o-
proprio-emprego

141
Note-se bem: em agosto deste ano (2017), 116 especialistas em AI e tecnologia avançada, de 27 países
enviaram uma “Carta à Convenção das nações Unidas Sobre Certas Armas Não Convencionais”. Entre
eles Elon Musk, fundador da Tesla, e Mustafa Suleyman, nada menos que o criador do laboratório de
inteligência artificial da Google. Especialistas em AI, líderes políticos e religiosos, e inclusive prêmios
Nobel da Paz como Jody Williams advertem sobre os dilemas éticos e legais de se permitir que uma
máquina mate seres humanos (impossível determinar o responsável direto pelos “erros” que cometam
essas máquinas), assim como o perigo de se desenvolver armas independentes que tecnologicamente
estão impossibilitadas de distinguir alvos civis e militares. É necessário impedir uma nova carreira
armamentista nessas bases, declaram explicitamente. Em: http://www.lamarea.com/2017/08/22/piden-
prohibir-robots-asesinos/

142
Assim, Os EUA a Advanced Manufacturing (2011); Alemanha a Industry 4. 0 (2014); o Reino Unido a
Future of Manufactoring (2013). A França a Industrie du Futur (2015); a Coréia do Sul a Manufactoring
97

na ideia dessa 4ª revolução industrial como irreversível. A própria China - que se


autodefine como economia socialista de mercado ou numa fase primária do socialismo -
, que presidiu a reunião de 2016 do G-20, propôs globalmente um “Plano de Ação sobre
a Nova Revolução Industrial” para estabelecer respostas conjuntas quando ao impacto
no emprego, na formação profissional, infraestrutura, proteção da propriedade
intelectual e auxílio a industrialização nos países em desenvolvimento.

3.14 – “Limites históricos” ou nova fase do capitalismo?

Essa é a questão que nos parece central perscrutar: as grandes transformações


financeiras e técnicas sequenciais que ocorrem no capitalismo desde o início dos anos
1980 com a ascensão do neoliberalismo, impulsionadas pela crise dos anos 1970,
originaram uma nova fase no capitalismo: um novo patamar – degrau – no interior do
estágio imperialista do capitalismo.

Recordemos – lateralmente - ademais que, para Joseph Schumpeter, em seu


consagrado estudo “Teoria do desenvolvimento econômico” (1982), o processo do
desenvolvimento, nucleado pelo “empresário inovador”, e o crédito, compreendia: a)
introdução de um novo produto; b) introdução de um novo método de produção,
baseado numa descoberta cientificamente inovadora; c) abertura de novos mercados; d)
conquista de uma nova fonte de matérias-primas e) estabelecimento de um novo modo
de organização de qualquer indústria (reestruturação, fragmentação de uma posição de
monopólio, por exemplo).

Nesse rastro, a quarta Revolução Industrial desenha-se como um estágio


qualitativamente superior ao desencadeado pela revolução técnico-científica baseada na
microeletrônica. Distintamente desta (anterior) terceira revolução industrial, que não
sofreu direta influência de tormentosas crises nos países do capitalismo central, a
relacionada à Indústria 4.0 gesta-se incontornavelmente no seio das crises financeiras
sucessivas da era neoliberal da financeirização - fenômeno aqui exaustivamente descrito
no Capítulo 1.

No curso atual dessa 4ª revolução industrial, sem margem a dúvidas, a) se


reforçará a direção da acumulação capitalista no estrito sentido de inédita

Inovation 3.0 (2015); a Índia a Make in Índia (2014); a China a China Manufactoring 2025 (2015).
Anote-se: a China apresentou em agosto passado um plano de desenvolvimento para se tornar o líder
mundial em inteligência artificial (AI) até 2030 (22,15 bilhões de dólares, até 2020; 400 bilhões de iuanes
(59,07 bilhões de dólares) até 2025), com o objetivo de superar seus rivais tecnologicamente e construir
uma indústria doméstica no valor de quase US$ 150 bilhões. Apud: BARROSO, A, Sérgio, “Revoluções
industriais e metamorfoses do capitalismo: aspectos históricos e teóricos”, em: Op. cit, 2017. Também:
em: https://br.reuters.com/article/internetNews/idBRKBN1A52NR-OBRIN
98

ultraconcentração143 do capital; b) ampliar-se-ão as denominadas assimetrias


tecnológicas entre o capitalismo central e o periférico, e, com isso, as desigualdades
econômicas e sociais; c) se golpeará mais profundamente a força de trabalho, elevando
mais ainda o desemprego e estendendo-o às qualificadas e também à novas categorias
profissionais; d) a intrigante problematização da queda do crescimento da
produtividade, estruturalmente, passa a revelar flagrante contradição com as
possibilidades da prosperidade anunciada pelo novo padrão técnico. A propósito,
detenhamo-nos mais sobre esta última e importante questão.

Examinando a crise sob esse ângulo, Robert GORDON – em livro elogiado de


Satanás a Jesus Cristo!144 - afirma que as novidades criadas pela revolução da internet
não aumentam a produtividade da economia e empalidecem diante dos avanços trazidos
pelo século XX. Há 50 anos pesquisando a temática, as conclusões de Gordon são
expostas no livro “The Rise and Fall of American Growth” (“Acensão e Queda do
Crescimento Americano”): “As invenções de hoje têm um impacto mais restrito que o
surgimento do automóvel ou do ar-condicionado”, afirma Gordon.145

Estudando a produtividade da economia dos EUA desde 1870, para Gordon os


resultados são incontestáveis: a) nas cinco décadas entre 1920 e 1970, o crescimento da
produtividade devido à inovação foi quase três vezes maior do que no período seguinte;
b) houve uma década, entre 1994 e 2004, em que a revolução digital deu sinais de que
entregaria a sua promessa, mas depois disso os ganhos de produtividade caíram
novamente; c) por isso seria preciso concluir que as tecnologias processadas entre “1920
e 1970 tiveram um impacto transformador mais profundo na economia e em nossos
padrões de vida do que o computador e as tecnologias de informação que definem nossa
época”.

143
Esse processo de megaconcentração de capital já cursava, entretanto, mais recentemente um abrupto
salto mudou completamente o ranking das grandes corporações globais. Assim, a Apple foi a primeira
empresa a conseguir bater a marca de 1 trilhão de dólares de capitalização da bolsa; a Amazon chegou a
valer 889 bilhões de dólares, a Alphabet (matriz da Google), 856 bilhões, Microsoft, 828 bilhões, e
Facebook, 513 bilhões. As cinco empresas representam quase 20% do PIB americano e mais que o PIB
da Alemanha. O conjunto de ações tecnológicas concentra mais de 25% do valor do S&P 500, o índice
que reúne as 500 maiores empresas do mercado americano. Em:
http://www.jb.com.br/economia/noticias/2018/08/10/o-risco-que-representa-o-dominio-das-acoes-
tecnologicas-em-wall-street/ . No detalhado estudo “Os quatro. Apple, Amazon, Facebook e Google – O
segredo dos gigantes da tecnologia”, de Scott GALLOWAY, encontra-se, por exemplo, como em 2006 as
maiores (em bilhões de dólares) corporações globais eram Exxon Mobbil, GE, Microsoft, Citigroup, Bank
of America; em 2017, passaram a ser Apple, Alphabet, Microsoft, Amazon, Facebook (São Paulo, HSM,
2018, Cap. 1, p. 13).

144
Ver aqui: http://press.princeton.edu/quotes/q10544.html
145
Ver: BARROSO, A. Op. cit., “Tendências do capitalismo contemporâneo”, 2017. A discussão feita
por Gordon – não as opiniões do autor que o debate - encontra-se em:
https://eleuterioprado.files.wordpress.com/2015/04/perscrutando-o-horizonte-histc3b3rico-do-
capitalismo.pdf
99

Ainda, num estudo (2012) sobre as revoluções industriais, Gordon concluíra


então que, se, 1) motor a vapor e ferrovias, que são de 1750 a 1830; 2) eletricidade,
motor de combustão interna, água encanada, petróleo e indústria química, de 1870 a
1900; 3) computadores, internet e celulares, de 1960 até hoje, “a segunda revolução foi
a mais importante: teve consequências até os anos 1970, com aviões, ar condicionado,
autoestradas e urbanização”. A internet não teria tido o mesmo sucesso: nos anos 1970,
o crescimento médio da produtividade nos EUA teve uma queda brusca de quase 2% ao
ano para 0,8%, o padrão das últimas décadas; exemplo seria o próprio Boeing 707, que
é de 1958.

De acordo com sua pesquisa, embora no início a terceira revolução industrial até
tenha trazido mais produtividade - processamento de dados no setor bancário, por
exemplo -, as inovações ao longo do tempo foram voltadas mais para o entretenimento e
as comunicações pessoais do que para os processos produtivos. Até porque, diz Gordon,
“a maioria das invenções recentes da informática não trouxe transformações
fundamentais, mas miniaturização”; o iPhone, por exemplo, só junta funções que
laptops e celulares antigos já tinham.

Considerações finais
A crise iniciada em 2007-8 gestou (trouxe em seu bojo), de outra parte, um novo
paradigma tecnológico estabelecendo plenamente na dinâmica do regime do capital o
conceituado por Karl Marx de “a contradição em processo”. 146 Do ponto de vista
formal, desenha um fenômeno similar ao ocorrido na denominada 1ª Grande Depressão
(1873-96) e a alavancagem à 2ª Revolução Industrial.

Isto significa que, ao invés da visão fatalista que sentencia ter o capitalismo
chegado aos seus “limites históricos”, o capitalismo neoliberal, da globalização
financeira, associou-se a uma emergente transformação de suas bases tecnológicas,
cujas alterações já estão atingindo violentamente a força de trabalho, descartando
massivamente, por conseguinte, a razão fundante de valorização do valor.

Como veremos a seguir, no Capítulo 4, a compreensão sobre a dinâmica e as


crises do modo capitalista de produção – nomeadamente as grandes crises - sofreram
sempre tentativas as mais variadas de uma acurada percepção perspectivante. Por isso
também faz muito sentido revisitar as conclusivas análises percucientes do grande
cientista político, economista e sociólogo alemão Elmar ALTVATER (1938-2018).

146
O significado histórico da formulação marxista, em “O capital”, “a contradição em processo” foi
explícita motivação da Tese de doutorada de F. MAZZUCHELLI, denominada (e aqui citada) “O
capitalismo e suas crises. A contradição em processo”, defendida em 1985. Foi por nós revisitada no
ensaio citado “Tendências do capitalismo contemporâneo”, BARROSO, A., em: “Governos Lula e
Dilma: o ciclo golpeado. Contexto internacional, realizações, lições e perspectivas”, RABELO, R. e
MONTEIRO, A. (orgs.), São Paulo, Fundação Maurício Grabois/Anita Garibaldi, 2017, pp. 55-80. Para
uma visão abrangente e profunda dessa problemática, no âmbito das ingentes transformações do
capitalismo contemporâneo, ver: “Capital fixo, General Intelect e a contradição em processo”, de L.
BELLUZZO, em: “Karl Marx: Desbravar um mundo novo no século XXI. Artigos acercada atualidade e
vitalidade da teoria marxista”, MONTEIRO, A. e BUONICORE, A. (orgs.), pp. 227-240.
100

Ao destrinchar as teorias marxistas da crise, em torno do colapso da Grande


Depressão de 1929-30, Altvater147 rechaçando a teoria do “desequilíbrio ou da
desproporção” dos departamentos; assim como a famosa teoria “do subconsumo”; ou a
teoria do “do colapso” (Henrik Grossmann); ou a teoria do subconsumo acrescida com
“elementos da superacumulação” (Eugen Varga), e outras, chega a uma conclusão
incontornável:
“O capitalismo, porém, encontrou uma saída, sem que constituísse um
problema o fato de que assim se abrisse um processo atroz de
destruição, que até hoje permanece sem para na história. Se, nos anos
80, é possível buscar lições nas carências das teorias da crise dos anos
20 e 30, trata-se então de não partir mais do pressuposto de que o
capitalismo seja um beco sem saída, mas sim do de sua capacidade
mortal de regeneração, contra a qual é preciso encontrar meios
diferentes dos que foram elaborados pelas organizações políticas do
movimento operário no início dos anos 30”.

147
Ver: “A crise de 1929 e o debate marxista sobre a teoria da crise”, E. Altvater, em: “História do
marxismo. O marxismo da Terceira Internacional: o novo capitalismo, o imperialismo, o terceiro mundo,
volume 8, HOBSBAWM, E. (org.), Rio de janeiro, Paz e Terra, 1987, pp. 132-3.
101

Capítulo 4

Crise, estagnação, e crescimento no capitalismo dos monopólios: a


crítica marxista de Lênin
O capítulo148 argumenta e polemiza com a tese de que, com a crise emergida em
2007-8 chegamos – mais uma vez – a uma circunstância de “limites históricos” do
capitalismo. Assim como são falsas as teses do “estagnacionismo” revivido
recentemente como “secular” por L SUMMERS et alii. Estas duas questões examinadas
no capítulo anterior sofrem tratamento teórico a partir das ideias centrais de V.LÊNIN
acerca da dinâmica e da crise no capitalismo.

Chamamos desde logo a atenção para o fato de, passados 100 anos, da obra “O
imperialismo, fase superior do capitalismo”, de Vladimir Lênin, nada mais, nada
menos, antecipar-se ali, o teórico russo, em décadas à crítica da “estagnação” como
modo de ser (ontológico) do capitalismo monopolista (P. BARAN & P. SWEEZY,
1978). Nesse estudo – e em outros textos seus - avulta a tese de Lênin de que, “no seu
conjunto, o capitalismo cresce com uma rapidez incomparavelmente maior que
antes”.149

Crucial, tal questão permanece no centro das indagações sobre as perspectivas


do capitalismo contemporâneo, a partir da visão marxista de finitude e superação radical
dos modos de produção. Guarda, portanto, similar incidência crítica às teorias que
afirmam haver chegado “os limites históricos” do capitalismo neoliberal financeirizado,
especialmente após sua grande crise iniciada em 2007-8.

148
O capítulo é amplamente baseado no ensaio “Lênin: notas teóricas sobre crítica e crise do
capitalismo”, A. S. BARROSO, em: “Lênin: presença da revolução”, BARROSO, A. (org), São Paulo,
Fundação Maurício Grabois/Anita Garibaldi, 2017, pp. 51-78.

149
Lênin refere-se concretamente ao crescimento de certos ramos industriais, certos setores da burguesia,
em certos países: a) nos Estados rentistas espoliadores via exportação de capitais e o colonialismo; b) ao
caráter parasitário e desigual desse crescimento que alcança os países centrais, e os periféricos (“O
imperialismo, fase superior do capitalismo”, capítulo X, “O Lugar do imperialismo na história”, Lisboa,
Edições Avante! 1981, p. 668). Evidente que se só houvesse estagnação, jamais haveria crescimento.
Simultaneamente, no capítulo VIII, “O parasitismo e a decomposição do capitalismo”, afirmara Lênin:
“Mas não obstante, como todo monopólio, o monopólio capitalista gera inevitavelmente uma tendência
para a estagnação e para a decomposição” (idem, p.649). Enquanto afirmaram BARAN e SWEEZY:
“Como o excedente que não pode ser absorvido não será produzido, segue-se que o estado normal da
economia capitalista é a estagnação”; Ver: Baran, P., Sweezy, P. “Capitalismo monopolista. Ensaio sobre
a ordem econômica e social americana”. Rio de Janeiro, Zahar, 1978, p.113.
102

4.1 - Marxismo e escatologia

Evidenciamos assim que, até a evolução da grande crise capitalista global


iniciada em 2007-8, aquela conclusão persiste como linha de demarcação entre o
marxismo e as fantasias fatalistas na economia política crítica. Ademais, aquela
formulação de Lênin revelou-se das mais fecundas contribuições ao desenvolvimento
teórico da doutrina marxista ao nosso tempo; e antídoto à compulsão da “estagnação”
capitalista – faça chuva ou faça sol. Pois tal visão, como vimos em observações de E.
ALTVATER (Cap. 2), ignora surpreendentemente o fato de que, se o capitalismo
congenitamente estivesse fadado à marcha batida da “estagnação” seria igualmente
inexorável a sua implosão.

Aliás, esse “colapso” já deveria ter ocorrido, e sistemicamente não sobrevivido a


duas guerras mundiais, bem como a pelo menos três grandes depressões sistêmicas
(1873-96, 1930-1933/39, 2007-8...). Do ponto de vista da dinâmica do capitalismo
monopolista, as consequências práticas dessa visão escatológica têm sido nefastas à
conduta política do pensamento marxista consequente. Porque negar-se a existência
sistêmica do ciclo e da crise capitalistas ou negar o dinamismo cíclico do capitalismo é,
em última instância, negar o desenvolvimento das forças produtivas. Como aprendemos
na história evolutiva dos modos de produção predominantes, estas forças podem ser
travadas, ou redirecionadas a um novo poder de classes sociais; mas até hoje têm
seguido o horizonte geral da marcha do desenvolvimento - sempre desigual – desses
sistemas e dessas sociedades.

Foi E. HOBSBAWM150 - relevante aqui destacar - que, em seu consagrado


estudo “A era dos extremos” (1995), chamou a atenção a respeito da história da
economia mundial, a partir da 1ª Revolução Industrial, como vir sendo de acelerado
progresso técnico, e contínuo, mas irregular crescimento econômico. Além de
“crescente globalização” (divisão mundial do trabalho cada vez mais elaborada e
complexa), assevera que a mesmo na Era da catástrofe, iniciada com a Grande
Depressão de 1929-1933, “o crescimento econômico não cessou nessas décadas”.

“Embora na vida da maioria dos homens e mulheres as experiências


econômicas centrais da era tivessem sido cataclísmicas, culminando na

150
Ver: “Era dos extremos. O breve século XX 1914-1991”, E. Hobsbawm, São Paulo, Companhia das
Letras, 1995, 2ª edição, 48ª reimpressão, p. 92.
103

Grande Depressão de 1929-33, o crescimento econômico não cessou


nessa década” (Idem, ibidem).

Não é à toa que, se há uma notícia que agita o mundo, pelo menos desde 1848,
essa foi “espalhada” por Karl Marx: a sociedade burguesa só será transformada ipisis
verbis através da revolução social - jamais ela cairá por implosão. E são amplamente
conhecidas suas inúmeras opiniões que conceituam o “papel sumamente
revolucionário” da burguesia no seu processo de ascensão, recorda com brilho J.
BARATA-MOURA.151 Também nos desenvolvimentos bem mais complexos em torno
da reestruturação das bases técnicas do capitalismo e seus processos de metamorfoses,
escreveu Marx, nos “Grundisse”:

“Na medida em que, sem embargo, a grande indústria se desenvolve, a


criação real de riqueza se torna menos dependente do tempo de trabalho
e da quantidade de trabalho empregados, que do poder dos agentes
postos em movimento durante o tempo de trabalho, poder que, por sua
poderosa eficácia não guarda relação alguma com o tempo de trabalho
imediato que custa sua produção, mas depende mais do estado geral da
ciência e do progresso da tecnologia, ou da aplicação desta ciência à
produção. (...) O capital mesmo é a contradição em processo”.152

4.2 - Refúgios do marxismo vulgar

Sob outro ângulo, notemos então que integrantes do marxismo vulgar utilizam
regularmente de subterfúgios para acusar os críticos do estagnacionismo permanente, de
professarem a “apologia” do capitalismo; ou mesmo desses serem adeptos do
“revisionismo” das teses de Marx ou de Lênin. Mas supondo que, no discurso de Marx
acerca do caráter progressista do capitalismo, isso era da época em que ele se
desenvolvia, não teria sido o próprio Vladimir Lênin um “apologista” do capitalismo,
por afirmar, não sem causar espanto ainda hoje, que, diante das dificuldades do período
imediato pós-Revolução Socialista na Rússia,

“Acontece que exatamente o alemão encarna, agora junto como um


imperialismo feroz, também os princípios da disciplina, da organização,
da colaboração harmônica com base na indústria moderna mecanizada,

151
Ver: “Nota sobre a categoria bürgerliche gesellschaft em Karl Marx”. Separata da Sociedade Civil –
Entre miragem e oportunidade, BARATA-MOURA, J. Lisboa, abril de 2003.

Ver: “Elementos fundamentales para la crítica de la economía política (borrador) 1857-1858”, vol. 2,
152

Buenos Aires, Siglo Veinteuno editores, 1972, pp. 227-229.


104

do inventário e do controle mais rigoroso. É isso exatamente que nos


falta. Exatamente o que devemos aprender”.153

Ressalte-se bem que tal visão de Lênin não se fixa num ou noutro registro. O
teórico russo retorna insistentemente ao tema da superioridade do desenvolvimento
capitalista alemão, frente ao capitalismo de Estado emergente na Rússia da “Nova
Política Econômica” (NEP). Notadamente no contundente artigo “Infantilismo de
‘esquerda’ e a mentalidade pequeno-burguesa” (1918), dirigido às formulações do
grupo “comunistas de esquerda”: a Alemanha de então, disse Lênin, era “a última
palavra da moderna técnica e da organização planificada, subordinadas ao imperialismo
junker-burguês”. Sobretudo porque, assevera Lênin, demonstrando uma profunda
compreensão da dinâmica do capitalismo àquela época:

“O socialismo é inconcebível sem a grande técnica capitalista nos


últimos descobrimentos da ciência moderna” (...). Nós, os marxistas,
sempre afirmamos isto e não vale a pena gastar dois segundos para falar
disto com pessoas que nem sequer o entendem”.154

E, mais adiante de modo explícito, Lênin assim se dirige ao “comunista de


esquerda”, Osinski, advertindo antes que os operários russos não deveriam “ter medo do
grande capitalismo de Estado”:

“Mas é um pouco estranho ouvir tais coisas de um marxista que


aprendeu a que o socialismo é impossível sem o aproveitamento das
conquistas da técnica e da cultura criadas pelo grande capitalismo. Ali
não restou nada de marxismo” (Lênin, Apud: BERTELLI, p.261).

Ainda no interior desta temática, A. GRAMSCI seria também um apologista do


regime burguês de produção, onde, após analisar ser o caso do desenvolvimento
capitalista nos EUA ter sido ausente um passado feudal, como a causa da não existência
de “classes absolutamente parasitárias” como as da velha Europa (embora, diz, não
faltando “novos parasitas” ligados à especulação e a Bolsa de Valores), ressalta ele
estarem os EUA introduzindo “uma forma moderníssima de produção”. Esta seria
gerada “por um novo mecanismo de acumulação e distribuição do capital financeiro
originário imediatamente da produção industrial”.

153
Lênin, Apud: Domenico LOSURDO, “Antonio Gramsci: do liberalismo ao ‘comunismo crítico’”, Rio
de Janeiro, Revan, 2006, p. 188.
154
Em: “Lênin. Estado, ditadura do, proletariado e poder soviético”, BERTELLI, A. (org.), Belo
Horizonte, Oficina de Livros, 1988, pp. 188 e 189 respectivamente.
105

Sobre essa questão, com justeza assegura LOSURDO que, assim, Gramsci
“impressiona pela capacidade, de um lado de descrever sem indulgência a situação de
um país considerado imperialista, e, de outro, de perceber a capacidade de resistência e
de futuro do modelo norte-americano” (Losurdo, Op. cit., p.194). Emblematicamente, a
discussão encontra-se no capítulo denominado “Gramsci e o distanciamento da tese da
‘putrefação’ e da ‘ruína’do imperialismo” (Losurdo, idem, 2006, p. 190) - debate este
que veremos mais adiante.

Trata-se, assim, de não recusarmos o combate contra “um certo marxismo”,


fossilizado e incapaz, de apreender as duas categorias centrais da dialética: totalidade e
contradição. Porque, a partir delas, a crítica das concepções dogmáticas da dinâmica
capitalista torna indispensável o retorno a questões formuladas por Lênin e marxistas
vinculados ao seu pensamento, especialmente para se contrapor as ideias extremamente
prejudiciais à formação dos jovens intelectuais, acadêmicos e estudiosos interessados
em compreender as bases epistemológicas do marxismo desenvolvido à época do
imperialismo ou do predomínio avassalador do capital financeiro, conforme o mesmo
Lênin.

O que é comprovado pela inigualável interpretação de Lênin sobre a natureza


dos estágios (desiguais) que alcançaram os próprios países do capitalismo central, bem
como acentuadamente frente à configuração periférica desse sistema. Pouco antes de
escrever sua formidável obra (1916), sobre o capitalismo da era dos monopólios, Lênin,
ainda em fins de 1915, se debruçara também sobre o desenvolvimento na agricultura
dos EUA. Abrindo sua excelente pesquisa baseada nos censos agrícolas (de 1900,1910 e
o resumo de 1911) daquele país, ele assim se refere acerca características estruturais do
imperialismo norte-americano:

“Os Estados Unidos não possuem concorrentes que os iguale, nem pela
a rapidez do desenvolvimento do capitalismo no final do século XIX e
início do XX, nem pelo nível extremamente elevado já atingido por este
desenvolvimento... território sobre o qual se aplica uma técnica que
representa a última palavra da ciência... nem pela liberdade política e o
nível cultural das massas da população”. Portanto, sob vários aspectos,
este país constitui o modelo e o ideal de nossa civilização burguesa”.155

4.3 - Lênin desenvolve o marxismo

155
Ver: “Capitalismo e agricultura nos Estados Unidos da América. Novos dados sobre as leis de
desenvolvimento do capitalismo na agricultura”, São Paulo, Brasil Debates, 1980, p. 1.
106

Foi Lênin, em “A propósito do chamado problema dos mercados”, escrevendo


aos 23 anos de idade (1893), quem enfatizou: “a única dedução correta que se pode
extrair destas investigações de Marx [sobre a tendência do maior crescimento do capital
constante frente ao variável] é que na sociedade capitalista a produção de meios de
produção aumenta mais rapidamente que a produção de meios de consumo”. O que é
consequência direta – continua Lênin – da “conhecidíssima tese de que a produção
capitalista cria uma técnica incomensuravelmente mais avançada que a dos tempos
anteriores”.156

Fixemo-nos noutro estudo, desta feita, “Observação sobre o problema da teoria


dos mercados (Por motivo da polêmica entre os senhores Tugán-Baraovski e
Bulgákov”), escrito cinco anos depois (1898). Lênin ali amplia de maneira notável a
explicação marxista sobre a tendência preponderante de desenvolvimento no
capitalismo, inclusive, uma vez estabelecendo suas forças produtivas específicas, e
formado seu mercado interno, podendo mesmo “dispensar” o comércio exterior. Diz
ele:

“a produção capitalista, ao desenvolver-se, cria seu próprio mercado às


expensas fundamentalmente dos meios de produção e não dos meios de
consumo; que a realização da produção em geral e da mais-valia em
particular pode perfeitamente explicar-se sem recorrer ao mercado
exterior” (Lênin, Op. cit., 1974, p. 208).

Prosseguindo este estudo, e examinando a fundo uma determinada passagem


onde Tugán-Baranóvski (citando Marx) afirma poder ocorrer situações em que os
produtos não encontrem mercado, apesar de ter havido uma distribuição proporcional
entre os departamentos, observa mais adiante Lênin que:

“Não há nenhuma razão para ver nessas palavras uma correção à teoria
da realização exposta no Tomo II [Livro II]. Marx se limita a manifestar
aqui uma contradição do capitalismo assinalada já em outras passagens
de O Capital, a saber: a contradição entre a tendência à ampliação
ilimitada da produção e necessidade de um consumo limitado (a
consequência da situação proletária das massas do povo)” (Lênin,
idem,1974, p. 210).

156
Ver: “Sobre el problema de los mercados”, Escritos económicos, LÊNIN, V. vol 3, Madrid, Siglo
Veinteuno editores s.a., 1974, p.17.
107

Um ano após (1899), o ensaio “Algo mais sobre o problema da teoria da


realização”, se constitui numa resposta de Lênin à crítica de seu livro sobre o problema
dos mercados, pelo famoso populista russo P. B. Struve. Numa elaboração teórica
permeada por ensinamentos da dialética, segundo Lênin interpreta,

“a teoria da realização de Marx é uma teoria abstrata que demonstra como se realiza a
reprodução e a circulação de todo o capital social, o que deve ter como premissa a
abstração do comércio exterior ou dos mercados externos” – “embora jamais existiu ou
pôde existir uma sociedade capitalista sem comércio exterior” (Op. cit.,1974, p. 224).

Aduzindo Lênin, que, sendo ao mesmo tempo uma arma contra a apologia e a crítica
pequeno-burguesa do capitalismo, a teoria da realização:

“conduz inevitavelmente ao reconhecimento do caráter historicamente


progressista do capitalismo (desenvolvimento dos meios de produção e,
por conseguinte, das forças produtivas da sociedade), mostrando, em
lugar de ocultar, a transitoriedade histórica do capitalismo” (Lênin,
idem, p. 236).

Diz também Lênin, sempre coerentemente com sua formação marxiana


profunda, em passagem de “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia” (1899),157
contra as concepções os populistas russos, que,

“Ademais, não há nada mais absurdo que das contradições do


capitalismo deduzir a sua impossibilidade, seu caráter não-progressista
etc., o que implica nas celestes regiões dos devaneios românticos
refúgio contra uma realidade desagradável, porém indiscutível”.

Na verdade, impressiona a coerência de Lênin em levar bem mais adiante a sua


sólida interpretação da teoria de Marx - trilhar pelas novas veredas aberta pelo real -, o
que se traduziu num legado de uma práxis decisiva para equacionamento dos dilemas da
construção da transição socialista russa.

Exemplificando novamente: Tamás KRAUSZ, no inovador e profundo estudo


“Reconstruindo Lênin” (2017, 637 páginas), resgata essa coerência, bem como a
perspicácia do teórico russo. E reconfigurando o (áspero) debate sobre a montanha de
desafios com que se defrontavam para a passagem à nova sociedade, ficava claro a

157
Ver: “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia. O processo de formação do mercado para a
grande indústria”. Os Economistas, São Paulo, Abril Cultural, 1982, p. 26.
108

distância que separava Lênin de uma suposta “ingenuidade”. Novamente em relação ao


papel e o lugar “dos mercados”, ele se opôs à ideia da e uma “introdução” do socialismo
naquela realidade concreta. Isto é, para Lênin o socialismo simplesmente não poderia
ser “introduzido”, na medida em se trata de uma formação econômico-social. Escreveu
então:

“Aqueles líderes enganam a si e ao povo ao dizer que a ‘Rússia não está


pronta para a introdução ao socialismo’. Por que devemos tratar tais
afirmações com logro? Porque, por meio dessas afirmações, a situação é
representada equivocadamente para que pareça uma questão se
mudanças inigualavelmente difíceis e complicadas, do tipo que acabará
com o estilo de vida normal de milhões de pessoas. A situação é
representada equivocadamente para fazer crer que alguns desejam
“introduzir” o socialismo na Rússia por decreto, sem considera o nível
técnico existente, o grande número de pequenos empreendimentos nem
os hábitos e os desejos da maioria da população. Isso é uma mentira do
início ao fim”.158

4.4 - Lênin e as controvérsias sobre a “teoria do colapso”

A teoria de Lênin é de clara oposição ao catastrofismo monocórdio. Os que


ainda hoje nela insistem, em verdade o fazem sobretudo por injustificada ignorância (ou
má fé) sobre uma enorme quantidade de material teórico acumulado acerca do
pensamento de Lênin, assim como sobre as controvérsias das marchas e contramarchas
do capitalismo. Não é por ser algo dispensável que, exatamente sobre este assunto, E.
HOBSBAWM159 sentenciou sobre os sólidos fundamentos da construção teórica de
Lênin:

“A Era dos Impérios ou, como Lênin a chamou, o imperialismo, não foi,
evidentemente, “a etapa final” do capitalismo; mas, à época, Lênin
nunca afirmou realmente que fosse. Simplesmente a denominou, na
primeira versão de seu influente escrito, “a última etapa do capitalismo”
(HOBSBAWM, Op. cit., p. 27). Até porque – enfatiza o historiador –
todas as tentativas de isolar a explicação do imperialismo do
“desenvolvimento específico do capitalismo no fim do século XIX” não
passam de “exercícios ideológicos” (idem, p. 110).

Também F. ANDREUCCI, em “A questão colonial e o imperialismo”,


interpreta ser, no livro de Lênin, a palavra-chave o adjetivo russo novejsij, que significa

158
Ver: “Reconstruindo Lênin – uma biografia intelectual”, T. Krausz, São Paulo, Boitempo, 2017, pp.
471-2.

159
Ver: “A Era dos Impérios (1875-1914)”, de E. HOBSBAWM, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2003, 8ª
edição.
109

“última”, no sentido de a “mais recente”: a tradução exata seria “imperialismo, etapa


mais recente do capitalismo”. Como e quando teriam se modificadas as palavras, “não é
simples” – diz Andreucci.160

Alternativamente, tem certa razão G. MARRAMO161 quando do vasto exame do debate


marxista, dos anos 1920-30, sobre as “vicissitudes da ‘teoria do colapso”, destaca o erro
grosseiro dos que não distinguiam e faziam referências indevidas entre o “plano lógico”
e o “plano histórico”, isto é, a exposição científica das leis tendenciais, e o movimento
real, tanto na defesa como na crítica da análise marxiana do capitalismo
(MARRAMAO, Op. cit., p.102). Sob outro ângulo, esta análise do sistema capitalista,
interpreta ele,

“é científica não porque reflete a história real do modo de produção,


mas porque define suas prerrogativas estruturais através do estudo das
formas em que se reproduz a relação contraditória fundamental” –
forças produtivas e relações de produção, passagem da reprodução
simples para a ampliada (MARRAMAO, idem, p. 109).

De acordo ainda com C. NAPOLEONI,162 ao merecer particular atenção entre


marxistas, entre o fim do século XIX e o XX, a questão “del derrumbe del capitalismo”
tinha uma segunda posição que postulava a impossibilidade da realização em geral,
podendo adotar daí a premissa necessária “para a tese de um desenlace catastrófico, pelo
progressivo agravamento da crise conectada justamente com tal dificuldade de
realização” (Op. cit. 1978, p. 40). Noutras palavras, a superprodução na época dos
monopólios. A “dificuldade de realização” assim levaria à estagnação e ao subsequente
colapso.

Esticando mais a controvérsia, em pontos específicos, podemos dizer que a


interpretação do citado pensador D. LOSURDO é no mínimo instigante. Para Losurdo,
em meio à barbárie da Primeira Guerra - quando se parecia confirmar estar plasmada

Em: “História do Marxismo IV. O marxismo da época da II Internacional (Terceira parte)”,


160

HOBSBAWM, E. (org.), p. 274, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1984, 2ª edição.

161
Ver: “O político e as transformações. Crítica do capitalismo e ideologias da crise entre os anos vinte e
trinta”, de G. Marramao, Belo Horizonte, Oficina de livros, 1990.

162
Ver: “El futuro del capitalismo”, de C. Napoleoni, México, Siglo Veintiuno Editores, 1978.
110

uma burguesia moribunda política, ideológica e culturalmente -, dever-se-ia


compreender a configuração do imperialismo realizada por Lênin como sendo “fase de
putrefação radical e irreversível, no âmbito da qual a burguesia resulta incapaz de
desenvolvimento no plano propriamente econômico e de iniciativa no plano, ideológico
e político”. Um “paradoxo” (idem, p. 188), afirma o pensador marxista italiano, diante
da firme disposição de Lênin em enfrentar as vicissitudes do desenvolvimento
econômico na Rússia revolucionária.

Entretanto, prosseguindo, assinala Losurdo que:

“Relendo o célebre opúsculo do dirigente revolucionário sobre o tema,


nos ocorre que, enquanto continua a conservar uma clara atualidade no
que diz respeito à análise e do imperialismo como tendência das
grandes potências à hegemonia, à rivalidade e ao confronto, se
apresenta totalmente obsoleto na definição do capitalismo monopolista
como simples podridão” (LOSURDO, Op. cit.,2006, p. 185).

Definitivamente, esta não é a interpretação de F. MAZZUCCHELLI. 163 Assim,


quando Lênin qualificava o imperialismo de “capitalismo parasitário” ou em “estado de
decomposição”, isso significava que o caráter progressista deste regime de produção

“se torna problematizada com o advento do monopólio, o que resulta da


predominância da 'oligarquia financeira', do controle dos mercados, e da
possibilidade econômica de ‘conter artificialmente o progresso
técnico’”. (Op. cit., p. 153)

Em nossa opinião, com acerto, interpreta ainda Mazzucchelli: a “decomposição”


que Lênin caracteriza não significa “um juízo moral sobre a ordem capitalista”; trata-se
– citando Lênin - de relações econômicas e de propriedades privadas constituindo “uma
envoltura que não mais corresponde ao conteúdo (social da produção)”. O que, dessa
forma, expressaria uma crise de estrutura própria de uma etapa de transição – conclui o
economista (Idem, p.154).

4.5 - Lênin, dialética e economia política

“Lênin era na prática, assim como por profissão, um revolucionário


otimista. (...) Mas a sua vasta perspectiva teórica não excluía uma luta

163
Ver: “A contradição em processo. O capitalismo e suas crises”, de F. Mazzuchelli, Campinas,
Instituto de Economia/Unicamp, 2004, 2ª edição.
111

muito mais prolongada entre socialismo e capitalismo, envolvendo um


declínio e queda do sistema capitalista que se estenderia bastante no
futuro” (Monthly Review, Editorial, 01/2004).164

Importa notar que, então subscrito pelos dois destacados marxistas norte-americanos e
editorialistas, P. SWEEZY e H. MAGDOFF - declarados “estagnacionistas” e
“subconsumistas” -, o instrutivo e recente texto prossegue:

“Lênin não previu uma sequência histórica definida de eventos


conduzindo à rápida e inevitável morte do capitalismo em todas as suas
formas. Não havia nenhum determinismo absoluto no seu pensamento”.
E mais à frente, convincentemente: “Não pode haver maior distorção do
materialismo histórico do que concebê-lo como conduzindo a um estrito
determinismo que, então, torna-se uma base pseudocientífica para
profetizar desenvolvimentos históricos antes de eles acontecerem”
(Editorial MR, idem).

Por suposto, no epicentro dessa nossa discussão está o marxismo de Lênin. Com
inevitáveis apelos às citações de variadas obras clássicas, acerca da dinâmica capitalista;
e, porventura, fazendo-se certas e necessárias analogias de seus vínculos com
fenômenos econômico-sociais à época da globalização neoliberal-financeira.

Tratemos agora de “estagnação”, “crise” e “expansão”. Preliminarmente vistos


por nós desde o marco de uma antinomia capitalista estrutural: ciclo-crise. “Ciclo e
tendência” (trend), aduziria em variante M. Kalecki, destacado economista marxista
polonês. Mais uma vez em oposição aos chavões escatológicos, o que termina por
desabar numa deliberada elegia do desconhecimento.

Concretamente: trata-se de devaneio extrair da ciência social marxiana um


capitalismo em marcha batida às catacumbas. Igualmente e como já vimos, é
unilateralidade deletéria imputar ao marxismo o anátema de uma “estagnação”
capitalista ontológica. Ora, o movimento do capital, definitivamente, é valorização e
desvalorização. O capital é o afã de valorização máxima, o que implica em busca
frenética da negação máxima do trabalho socialmente necessário; o que só se atinge a
partir da “maníaca” produção pela própria produção. Originariamente emanam
precisamente destas características particulares do capitalismo as suas crises - e não da
cabeça de teóricos voluntaristas.

164
Ver: “Da má tradução à má interpretação”, em: http://www.monthlyreview.org/nfte0104.htm
112

Aliás, MARX é por demais enfático ao repisar nos “Grundisse”165 que a


tendência do capital é conferir à produção um caráter científico, onde o exame mais
rigoroso do desenvolvimento do capital demonstra que, de uma parte, ele pressupõe
determinado desenvolvimento das forças produtivas - “dentre essas forças produtivas
também a ciência” -, de outra parte, força e impulsiona essas forças produtivas.

166
Mais ainda, MARX , parecendo ter perdido a paciência contra os
catastrofistas, sublinha: se existe uma sobredeterminação no modo de produção
capitalista, uma lei, esta,

“A autovalorização do capital – a criação de mais-valia – é pois objetivo


determinante, predominante e avassalador do capitalista, impulso e
conteúdo absoluto de suas ações”.

Os argumentos contra a fraseologia “del derrumbe”, por exemplo, em cujo


bordão o essencial é tentar entranhar cientificidade numa “ideologia” do colapso do
capitalismo – alhures ou algures - , procuram demonstrar que é bem outra a perspectiva
teórica de Marx, e da teoria (e prática) de Lênin sobre a destinação histórica da
sociedade burguesa moderna ou hodierna. O que nada – zero mesmo - tem a ver com
uma suposta circularidade histórica do movimento do capital, um raciocínio primário.
Pois é fundante e explícito o corpo (dialético) de ideias em Marx, para quem,167 o
capital:

“Opera destrutivamente contra tudo isto [barreiras e prejuízos nacionais,


divinização da natureza, necessidades existentes e a reprodução do
velho modo de vida], é constantemente revolucionário, derruba todas
as barreiras que obstaculizam o desenvolvimento das forças produtivas,
a ampliação das necessidades, a diversidade da produção e a exploração
e intercâmbio das forças naturais e espirituais” (negrito nosso).

3.5 - “Subconsumismo” e “estagnacionismo”: deformações siamesas

165
Ver: “Grundissse. Manuscritos econômicos de 1857-1858. Esboço da crítica da economia política”,
São Paulo, Boitempo/Ed. UFRJ, 2011, p. 583.

166
Ver: “Capítulo inédito D’o Capital - resultados do processo de produção imediato”, de K. Marx,
Porto, Publicações Escorpião, dezembro de 1975, p. 45.

167
Ver: “Elementos fundamentales para la crítica de la economía política (borrador) 1857-1858”, vol.
1, México, Siglo Veinteuno editores s.a., 1971, p. 362.
113

Idêntica a trilha seguida por LÊNIN (1897), desta feita aludindo ao primeiro
aspecto dessa formulação de Marx - após poderosa interpretação em rechaço à visão
“subconsumista” com produtora das crises capitalistas, pelo “romanticismo” econômico
russo -, e pondo os pingos nos is sobre a configuração contraditória da dinâmica da
produção capitalista:

“Pelo contrário, se explicamos as crises pela contradição entre o caráter


social da produção e o caráter individual da apropriação, reconhecemos
com isso a realidade e o caráter progressivo do caminho capitalista
(...)”.168

E complementa o pensamento Lênin, a respeito de como se move o capitalismo


diante das crises:

“Com isso, reconhecemos que quanto mais se desenvolve esta


contradição, mais fácil [lhe] é encontrar uma saída, e que esta saída está
contida precisamente no desenvolvimento do regime estabelecido”
(Lênin, idem, ibidem).

Insistindo neste ponto crucial, pensamos que a explicação de Lênin, a partir de


Marx, sobre o caráter essencialmente endógeno das crises capitalistas originárias,
sobrepassa em clareza às formulações do próprio fundador da teoria revolucionária.
Segundo ilumina o marxista russo, ao invés de crise motivada pelo “subconsumo”:

“Esta teoria explica as crises mediante outra contradição, a saber: a


contradição entre o caráter social da produção (socializada pelo
capitalismo, e o caráter privado, individual da apropriação)”. Isto
significa dizer – afirma a seguir Lênin – que a versão subconsumista das
crises “vê a raiz do fenômeno fora da produção”; a teoria de Marx “a vê
precisamente nas condições da produção” (Lênin, Op. cit., 1974, p. 98).

Todavia, como cientista (revolucionário) que era, Lênin dá os contornos gerais


da caracterização marxista das crises da época, ao perguntar se a “nossa teoria” nega a
existência de uma contradição entre a produção e o consumo. Enfático, responde Lênin:

“Evidentemente, não. Reconhece plenamente este fato, mas assinala o lugar subalterno
que lhe corresponde, como um fato concernente a um setor da produção capitalista”
(idem, 1974, p. 99).

Relacionar-se-iam, desse modo, teorias que professam crises por “subconsumo”


e a “estagnação” capitalista? Afirmamos que sim. E não são pequenos os prejuízos
168
Ver: “Para una caraterización del romanticismo econômico. (Sismondi y nuestros sismondistas
nacionales”), de V. I. Lênin, p. 104, in: “Sobre el problema de los mercados”, Escritos económicos, vol
3, Madrid, Siglo Veinteuno editores s.a., 1974.
114

teóricos causados pelos nexos de tais teses, ontem e hoje. Vejamos aspectos centrais da
problemática e alguma correlação com o debate sobre questões hodiernas e enquadradas
no enfoque leninista.

Pioneiro na matéria, P. SWEEZY, destacado marxista norte-americano, partiu do


“subconsumismo” como razão para a crise na dinâmica capitalista, e chegou às últimas
consequências do grosseiro equívoco em sentenciar que, na medida em que na fase do
capitalismo monopolista o excedente “não pode ser absorvido”, segue que “o estado
normal da economia capitalista é a estagnação” (BARAN E SWEEZY, Op., 1978,
p.113).

É que, para Sweezy, desde sua obra “Teoria do desenvolvimento capitalista”


(1942),169 a característica central do estágio atual da dinâmica do capitalismo é a
desproporção crescente entre a capacidade de produção e a capacidade de consumo, que
ele atira no meio de outras “numerosas contradições”. Escreveu ali Sweezy, por
exemplo, que seria “absurdo” dizer que a causa da crise é [o processo da] a
superprodução:

“pelo contrário, é evidente que ele é resultado da crise. (...) Se


pudéssemos descobrir – prossegue ele – por que A [alguém] vendeu e
deixou de comprar, teremos então a causa, pelo menos no sentido
aproximado, da crise”(Sweezy, 1973, idem, ibidem).

Não é nada do que afirmou Sweezy - e continuam a afirmar seus discípulos. Na


medida em que é o investimento que permite a reprodução de capital e dos lucros
(KALECKI)170, quer dizer, em máquinas, equipamentos, instalações, ativos financeiros,

169
Ver: “Teoria do desenvolvimento capitalista. Princípios de economia política”, P. Sweezy, Rio de
janeiro Zahar, 1973, p. 165, 3ª edição. Ver também a crítica da relação feita por Sweezy entre a
desproporção geral produção/consumo; a afirmação sobre a inexistência de uma teoria explícita sobre as
crises capitalistas, em Marx; e sua interpretação sobre a completa irrelevância de Lei da Tendência de
queda da taxa de lucro, de Marx, em: L. G. BELLUZZO, no estudo “Valor e capitalismo: um ensaio de
economia política”, Campinas, IE/Unicamp, 1998, pp.122-129, 3ª edição.

170
Ver o estudo importante de Jorge MIGLIOLI, “Acumulação de capital e demanda efetiva” (São
Paulo, Hucitec, 2004, p. 126, 2ª edição), onde encontra-se que esta concepção de Kalecki sobre a
determinação dos lucros já havia sido “sugerida por Marx”. A propósito, interessa observar que Miglioli
também considera que “Marx não apenas levantava o problema da realização (ou demanda efetiva) no
processo de reprodução como também lhe atribuía grande importância” (idem, p. 31).
115

etc. Que é a acumulação de capital – não o consumo – que impulsiona o processo


contínuo, “dinâmico e inexorável de geração ampliada dos lucros”, ou seja, o processo
contínuo de valorização do capital. Torna-se risível, para não dizer ridícula, qualquer
versão que enxergue principalidade no “subconsumismo” como indutor da crise
capitalista.

LÊNIN, em sua já citada obra clássica “O desenvolvimento do capitalismo na


Rússia”, referindo-se a variadas passagens do texto magno de Marx, enfatiza que:

“Nada é mais insensato que extrair delas [teses subconsumistas] a


conclusão de que Marx não admitia a possibilidade de realização da
mais-valia na sociedade capitalista, de que ele explicava as crises pelo
subconsumo etc.”.171

Crise por “subconsumo”, interpretação aliás certeiramente criticada por


MAZZUCCHELLI (idem, p. 60), que compreende tratar-se de crise por
superacumulação de capital, integrada em seu interior também por “excesso de capital”
nos setores que produzem bens de consumo (capitalista e popular). No entanto, a crise
de superacumulação somente assume “caráter geral” quando irrompe uma crise de
realização interna “às relações interindustriais e setoriais”. Ademais, sua propagação se
efetiva quando há sobreacumulação de capital em setores produtores de meios de
produção, nestes destinados à produção de meios de produção e naqueles voltados à
produção de meios de produção de bens de consumo.

Afirmamos aqui: em direção oposta ao discurso linear da “tendência à


estagnação”, na vigência do capitalismo monopolizado, isto é, na fase imperialista do
capitalismo, o que se apresenta é a exacerbação das suas tendências imanentes, de
instabilidade crescente - agravadas (in extremis) continuamente pela hegemonia
esmagadora das finanças desregulamentadas. Onde não só o desenvolvimento das forças
produtivas – “progressos da era capitalista” -, apontado inúmeras vezes por Marx (e
Lênin), se amplifica, como igualmente explicitam-se abertamente suas contradições e
antagonismos. Isto mais que sugere ser esta a interpretação que se deve depreender do
pensamento clássico do marxismo e dos seus desenvolvimentos na economia política
crítica. Ou seja,

171
Lênin, Op. cit., 1982, p. 26.
116

1) No monopólio, o que se reafirma é a tendência à superacumulação, bem como


surgem novas determinações que “terminam por agravar a instabilidade própria da
economia capitalista” (MAZZUCCHELLI, Op. cit., 2004, p. 99). Que nesse
capitalismo há “instabilidades permanentes” (BRAGA, 1983, p. 37).172

2) O capitalismo monopolista caracteriza-se, dominantemente, como uma economia


financeiro-monetária, que dizer, é esta a razão estrutural de sua dinâmica de
valorização do capital (BRAGA, 1983, idem, p. 36).

3) Da concentração do grande poder do monopólio em determinado setor poderia


ocorrer o “represamento” de excedentes de capitais, levando a uma queda da
rentabilidade, depressão e até a uma crise disruptiva; todavia isso não ocorre: tais
obstáculos são superados “por uma nova forma de imobilização que se consubstancia
no surgimento de uma nova órbita: a financeira. É necessário, portanto, que o capital
assuma de novo sua forma mais abstrata e portanto mais desenvolvida para que
acumulação possa de novo fluir livremente” (CARDOSO DE MELLO, 1977).173

3.6 - Crescimento-crise. Mutações do capital monopolista financeiro

“A oligarquia financeira, que tece uma densa rede de relações de


dependência entre todas as instituições econômicas e políticas da

172
Ver: “Instabilidade capitalista e demanda efetiva (a razão de Kalecki)”, BRAGA, J.C.S., Revista de
Economia Política, Vol. 3, nº3, São Paulo, julho/setembro/1983. Nas palavras de J.C.S. Braga (1983, p.
37-38), “um desenvolvimento econômico vigoroso, e por isso marcado de instabilidades estruturais, no
curso das quais emerge uma crise que resulta numa trajetória estagnacionista, cuja reversão não é
automaticamente determinada pelo mercado (...), redunda em mutações estruturais (...), em ‘revoluções
tecnológicas’”, aonde vão se alterando as propriedades fundamentais desse modo de produção”. Também
A. C. MACEDO E SILVA, em exaustivo trabalho sobre as tendências e desempenho da economia
mundial afirma: “Uma das poucas regras gerais que se aplicam à economia global é esta: a economia
global se expande; mais bens, mais serviços, mais trabalho. (...). De lá [Grande Depressão de 1929-33]
para cá, o mundo tem crescido, ano após ano. O ritmo do crescimento, no entanto, varia de forma
importante. Além disso, nem sempre o que vale para o todo vale para suas partes: economias nacionais
estão sujeitas a períodos, às vezes prolongados, de contração ou estagnação em termos de produto e
emprego” (ver: “A montanha em movimento: uma notícia sobre as transformações recentes da economia
global”, em: Política Econômica em Foco - Boletim nº 07, Campinas, CECON/Unicamp,
nov.2005/abr.2006, p. 42.). Sobre a- o sentido da instabilidade sistêmica pós-crise, ver: ALMEIDA
FILHO e PAULANI, 2011, pp. 268-70.

Ver: “O Estado brasileiro e os limites da estatização”, CARDOSO de MELLO, J. M., Cadernos de


173

Opinião, São Paulo, 1977.


117

sociedade burguesa contemporânea sem exceção: tal é a


manifestação mais evidente deste monopólio” (Lênin, 1981, p.
667; itálico nosso).

Hodiernamente, se cotejadas com as referidas formulações teóricas de


extraordinário alcance, de Lênin, o exame de novos fenômenos do capitalismo
contemporâneo talvez seja suficiente para indagarmos se seus estudos clássicos sobre o
imperialismo permaneceriam atuais. Tais fenômenos, por Lênin analisados com
percuciência (e inovação) convergem para o significado da gigantesca “financeirização”
da riqueza capitalista, num quadro geral de desequilíbrios econômicos estruturais,
reiterada instabilidade financeira sistêmica global e crises menos espaçadas e
prolongadas.

Consideramos, no entanto, que os desdobramentos do desenvolvimento da fase


imperialista numa era de absolutismo do capital financeiro autorizam a essência do
pensamento de Lênin - sabidamente datado, mas notavelmente prospectivo. Prospectivo
em que sentido?

Na catástrofe do pós-1ª Guerra Mundial, segundo estudo de


MAZZUCCHELLI,174 a economia dos EUA ingressou em um “ciclo de crescimento
virtuoso”: entre 1921 e 1929, o PIB (Produto Interno Bruto) cresceu 45% e a produção
industrial, 88% (idem, 2009). Analisando as determinações deste ciclo – diz
Mazzucchelli -, ele se sustentou em dois pilares fundamentais: a expansão do crédito; e
na articulação efetiva de uma rede de investimentos interindustriais: automobilística,
malha rodoviária, petróleo, construção residencial e comercial, bens duráveis
domésticos, geração e distribuição de energia elétrica e demais setores associados a
estes.

Olhando então os anos do início deste novo século, desde o desborde da


carnificina e trágica destruição da 2ª Guerra Mundial, não havia ocorrido no capitalismo
global, em termos de crescimento econômico médio da economia mundial, taxas tão
elevadas. São hoje conhecidas as razões do crescimento da economia mundial, em
particular a do capitalismo central, a partir dos acordos de Bretton Wodds (1944) - e
seus denominados “compromissos keynesianos”. Um novo ciclo de desenvolvimento

174
Ver: “Os anos de chumbo. Economia e política internacional no entreguerras”, F. Mazzucchelli,
Facamp\Campinas, 2009, pp. 190-192. O período é enfaticamente definido pelo autor como de
“crescimento eufórico” (p. 190); “crescimento excepcional” (p.192).
118

que vai até 1973, aproximadamente, ficou conhecido como a chamada “Era de ouro”, ou
os “trinta gloriosos” da história do capitalismo moderno. Nesse longo e “atípico”
período, as taxas médias de crescimento da economia mundial alcançaram 4,9% a.a.

Mais adiante, mesmo após a grande crise 1981-3, também iniciada com forte
recessão nos EUA, mas irradiada pelo impacto da abrupta subida da taxa básica de juros
em 1979, a economia dos países centrais voltou a crescer, como mostra o quadro abaixo
com a variação real do PNB/PIB.

Tabela 1 – Evolução do crescimento nas economias avançadas. Variação real


PIB\PNB
1984 1985 1986 1987 1988 1989
EUA 6,8 3,4 2,8 3,4 3,9 3,0

Japão 5,1 4,9 2,5 4,5 5,7 4,9

RFA 3,3 1,8 2,3 1,8 3,4 2,7

ReinoUnido 2,2 3,5 3,2 4,6 3,7 2,3

França 1,3 1,9 2,3 1,9 3,4 2,7

Itália 3,0 2,6 2,3 3,0 3,9 3,3

Fonte: OCDE/NEIT-Unicamp 1981,1984,1986 e 1989; dados selecionados.175. Em: “Ajuste e


reestruturação nos países avançados: a modernização conservadora”, TAVARES, M.C. (1992)

Com efeito, na fase precedente de consolidação da hegemonia neoliberal, que


registra exatamente a partir de 1987 e na década de 1990 a antinomia estrutural da
dinâmica capitalista expansão-crise apresentou entre 2002-2006: a) um crescimento
econômico médio global de 4,7% do PIB; b) um crescimento médio do comércio
internacional de 7%; c) um expressivo aumento dos fluxos de IED (Investimento
Estrangeiro Direto) da ordem de 28%; d) uma alta na valorização de commodities de
60%. Impressiona igualmente que países do leste europeu tenham obtido crescimento
excepcional do PIB (2006), entre eles: Letônia (11,6%), Bulgária (6,0%), Estônia
(11,5%), Lituânia (7,4%), Romênia (7,8%), Eslováquia (7,0%).176

175
Em: “Desajuste global e modernização conservadora”, M.C. TAVARES e J. L. FIORI, Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1993.

176
Dados em: BIS (Banco de Compensações Internacionais, 2007), em:
https://www.bis.org/publ/arpdf/ar2007s2.pdf (gráfico pág. 13). E em: “Leste europeu cresce, mas sob
119

Dessa maneira, a análise mais profunda das transformações operadas na


economia mundial desde a assunção da “globalização financeira”, tornou-se problema
fundamental notadamente porque, qual fantasma, porta-vozes da vulgata estagnacionista
teimaram em ressuscitam da escuridão teórica. Costumeiramente negam sem desfaçatez
os fatos, as conexões concretas emanadas pelo real; ou eludem facciosamente
ensinamentos e formulações cruciais da teoria crítica da economia política. Um exemplo
incontornável: no próprio pensamento econômico marxista não faltaram os discursos
radicalizados sobre o “colapso iminente do padrão dólar” a percorrer toda a década de
1990 e a de 2000. Fenômeno esse jamais ocorrido, sabidamente.

Relativamente aos novos fenômenos na esfera da alta finança, opinamos que,


resguardado o excepcional alcance fundacional e prospectivo de “O imperialismo, fase
superior do capitalismo” (1916), seria, todavia, reducionismo teórico querer enquadrar
(a fórceps) a categoria “financeirização”177 da riqueza contemporânea, contidas em
formulações teóricas de LÊNIN. Dito de outro modo - como aprendemos na
metodologia de Marx -, é uma categoria lógico-histórica concreta; integra a evolução de
determinada fase do imperialismo – a contemporânea – e nomeadamente de seu
programa de economia política neoclássica, o neoliberalismo. Configura um padrão de
acumulação em uma nova fase da etapa imperialista do capitalismo, insistimos.

Mas é claríssimo o conceito teórico de Lênin da nova situação criada com a já


avassaladora hegemonia financeira na época emergente dos monopólios.

muitas incertezas”, Valor Econômico, 13/3/2007. Ao mesmo tempo, ver:


https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,bis-destaca-expansao-da-al-em-relatorio,272549. A
propósito, impressiona, no estudo do BIS, não só o quadro de expansão global generalizada às vésperas
grande crise iniciada em 2007, bem como as projeções ufanistas para a economia mundial neste mesmo
ano.

177
Porquanto, a definição atualizada do conceito encontra-se em “Qual conceito de financeirização
compreende o capitalismo contemporâneo?”, de J.C. BRAGA, em: “A grande crise capitalista
contemporânea: gênese, conexões e tendências”, BARROSO, A.S., SOUZA, R., São Paulo, Anita
Garibaldi/Fundação Maurício Grabois, 2013. François Chesnais, em sua distinta interpretação, apresenta
um debate extenso dobre o que denomina de “A teoria do regime de acumulação financeirizado”, Revista
Economia e Sociedade, Campinas Unicamp/IE, janeiro/junho 2002.
120

Compreendendo o capital financeiro e a formação da “oligarquia financeira”,


relembremos, de modo completo, a interpretação essencial do marxista russo:

“O imperialismo, ou domínio do capital financeiro, é o capitalismo no


seu grau superior, em que essa separação [do capital aplicado à
produção e o capital-dinheiro do rentista] adquire proporções imensas.
O predomínio do capital financeiro sobre todas as demais formas
implica o predomínio do rentier e da oligarquia financeira, a situação
destacada de uns Estados de ‘poder’ financeiro em relação a todos os
restantes” (LÊNIN, Op. cit.,1981, p. 619).

Enfim, para Lênin, o capitalismo monopolista (surgido “dos bancos”, que de


modestas empresas “intermediárias se transformaram em monopolistas do capital
financeiro”, ibidem, ibidem) leva à agudização de “todas as contradições” ou “a força
motriz mais poderosa do período histórico de transição iniciado coma vitória definitiva
do capital financeiro mundial” (idem, p. 668). Explicita-se, desde então, certamente de
modo pioneiro, o caráter instável do capitalismo conduzido pelas finanças.

Para BRAGA (1997, p. 239),178 tal instabilidade, “perversa” e


contemporaneamente existente pelo menos desde o fim da conversibilidade do dólar
(1971), combina alta especulação financeira com crescimento “capaz de evitar colapso,
garantir todo o tipo de lucros”. A financeirização, argumentara Braga, na atualidade é
modo de ser sistêmico do capitalismo contemporâneo – “nem colapso, nem
desenvolvimento” -, por conseguinte “padrão de riqueza econômica, social e
historicamente limitado”.

Assim, insuflando crises, há hoje um padrão determinado de gestão institucional


da riqueza “financeirizada”, evidente e quantitativamente distinto daquele operado na
dinâmica do imperialismo das primeiras décadas do século XX. Agora, a canalização do
enorme paroxismo do capital financeiro forja, reproduz e amplifica ficticiamente e de
maneira constante novos circuitos da valorização do valor, capital originariamente
produzido no “chão da fábrica”.

O que significa dizer, além, que: os processos reais de estagnação que


acompanham certas grandes crises sistêmicas do capitalismo são imersas nas
circunstâncias históricas distintas e nas próprias características evolutivas desse

178
Ver: “Financeirização global. O padrão sistêmico de riqueza no capitalismo contemporâneo”, J.C.
Braga, em: “Poder e Dinheiro. Uma economia política da globalização”, TAVARES, M e FIORI,
J.(Orgs.), Rio de janeiro, Vozes, 1997, 2ª edição.
121

capitalismo. Desse modo, aspectos atuais das ideias de Lênin acerca do protagonismo
hegemônico (e transformações) do capital financeiro situam-se nesse universo da
referida “financeirização” da riqueza.

4.7 - “Estagnação” de inspiração neoclássica X teoria de Lênin

Nesse propósito, são iníquas as manobras argumentativas de vários discípulos


“estagnacionistas” radicais da escola sweezyana - importando examiná-los. Por
exemplo, F. MAGDOFF, em “A explosão da dívida e a especulação” (Monthly
Review, 11/2006),179 não se inibe em afirmar que:

“A estagnação, naturalmente, não significa que não haja crescimento de


todo. Significa que a economia funciona abaixo de seu potencial – com
apreciável capacidade produtiva não realizada e desemprego
significativo e subemprego” (MAGDOFF, p.1, texto original)

Sofisticador do assunto, o professor J. B. FOSTER, um dos editores da citada


tradicional revista marxista, em “A financeirização do capitalismo”180 remenda
bijuterias na tentativa de “atualizar” o estagnacionismo. Diz ele, tentando aqui resumir a
coisa que,

“Em vez de avançar em uma direção fundamental, o capital está preso


na armadilha de um aparentemente interminável ciclo de estagnação e
explosão financeira”.

Ora, tal “armadilha” é outra invenção dos “estagnacionistas”. Como já se viu, o


movimento estrutural do capitalismo monopolista contemporâneo é instabilidade-crise-
expansão-instabilidade; ou se se quiser, assincronia global entre crescimento e
estagnação. E enquanto este capitalismo assim for, não vai avançar em “outra direção”,
até porque não existe “armadilha” nenhuma. Qual direção deveria ser? A de um
crescimento saudável, duradouro, que leve seu dinamismo “potencial” ao limite, como
(sugerindo) inventou Magdoff? Alternativamente, a marcha batida da “estagnação”
levaria o capitalismo à rota dos funerais, é óbvio. Ah, então não se trata de “armadilha”:
é beco sem saída por consequência de ficção teórica? Sim, sem dúvida.

179
Ver o original em: https://monthlyreview.org/2006/11/01/the-explosion-of-debt-and-speculation/, F.
Magdoff.
180
Ver o original em: https://monthlyreview.org/2007/04/01/the-financialization-of-capitalism/ , J.B.
Foster. p.1. Sobre erros crassos semelhantes, ver também “O capital monopolista-financeiro”, de J. B.
Foster, Monthly Review, 12/2006, pp. 1, 3, 5 e 10, original em:
https://monthlyreview.org/2006/12/01/monopoly-finance-capital/
122

Pior ainda: há burla intelectual da parte de Foster. Quem, no mesmo texto (p.2),
imputa às teses estagnacionistas de SWEEZY e BARAN – desde o “Capitalismo
monopolista”, dizem estes -, a influência do “arcabouço (ou arquitetura) teórico”
(“theoretical framework”) do polonês Michal KALECKI, e do economista austríaco
Josef STEINDL – que seriam seus inspiradores da tese “estagnação” capitalista. Aqui é
simplesmente o que se chama de duas mentiras cabeludas, na medida em que omitem e
distorcem deliberadamente a evolução do pensamento desses autores. Vejamos isto
agora.

1)Analisando um conjunto de estudos seus desenvolvidos, KALECKI (1968),


debate a questão central de que o ciclo econômico não poderia ser separado da
tendência (trend), apresentando a seguinte a compreensão:

“Eu mesmo abordei esse problema em minha ‘Teoria do


Desenvolvimento Econômico’ [1952] e minhas ‘Observações sobre a
Teoria do Crescimento’ [1962] de um modo que agora não considero
inteiramente satisfatório: comecei desenvolvendo uma ‘teoria do ciclo
econômico puro’ numa economia estacionária e modifiquei as
respectivas equações para introduzir a tendência. Com essa separação
das influências de curto e longo prazo, deixei de levar em conta certas
repercussões do progresso técnico que afetam o processo dinâmico
como um todo”. 181

E ainda, explicitando sua visão de que a ‘tendência’ tanto pode ser para o
ciclo quanto para a flutuação, diz KALECKI noutro estudo:

“De fato, a tendência de longo prazo nada mais é do que um componente vagarosamente
mutável de uma cadeia de situações de curto prazo; ela não tem uma existência independente e
as duas relações básicas... devem ser formuladas de modo a dar como resultado o fenômeno da
tendência junta com o ciclo econômico” (Kalecki, Apud BRAGA, Op. cit.,1983, p. 25).

E prossegue KALECKI a explicar a questão anterior:

“No argumento em que as teorias do ciclo se baseavam certas grandezas


eram tomadas como constantes (isto estava parcialmente ligado com a
inadequada consideração pelo progresso técnico) mas que, numa
economia em expansão, certamente devem crescer. Assim é necessário
tratar dessa limitação – que amarra a teoria do ciclo a uma economia
estacionária – e chegar a um movimento que compreenda tanto a
tendência como as flutuações cíclicas” (Kalecki, Apud BRAGA, 1983,
idem, ibidem).

181
Ver: “Tendência e ciclo econômico”, M. Kalecki, em: “Crescimento e ciclo das economias
capitalistas”, São Paulo, Hucitec, 1983, 2ª edição, pp. 105-6. O artigo é datado de 1968, publicado
originalmente em “Economic Journal”.
123

2) Sobre a principal obra de STEINDL - a propósito da acusação leviana feita


por Foster -, Luciano COUTINHO (1983), no minucioso estudo que fez de
“Maturidade e estagnação no capitalismo americano” (original de1952), destaca a
“autocrítica” radical e pública do autor pelo dito “estagnacionismo”. Na nova
Introdução de Steindl à sua obra (1976, portanto, havia muito conhecida) sintetiza,
Coutinho, relevantemente, o que se encontra no texto, dito pelo economista austríaco:

a) o papel do progresso técnico como criador de novas fronteiras de investimento;

b) que sua hipótese de existência de obstáculos à intermediação financeira é descabida e


desnecessária;

c) o necessário relevo à internacionalização do oligopólio como fator de expansão;

d) a importância da forte expansão do gato público agregado para a sustentação do


crescimento nas economias capitalistas. 182

Ou seja, as teorizações do marxista Foster são baseadas em pressupostos falsos, na


preguiça intelectual que omite deliberadamente teorizações datadas ainda dos anos 50 e
60, ou de quem olha categorias e formulações de um autor da importância de Kalecki de
maneira facciosa, forçando a mão para ali encontrar uma pretensa “estagnação” do
capitalismo enquanto “estado normal” da estrutura monopolista - isto sim, vulgata do
marxismo inventada especialmente por Sweezy e seus discípulos; alhures e aqui. É bem
mais que evidente: em 2007, nada justificaria essa ignorância teórica e persistência no
erro.

Insistamos. Tal visão da dinâmica capitalista é errática, falsa. O capitalismo, em


seu móvel de acumular por acumular, jamais se interessará pelas “necessidades sociais”
das massas trabalhadoras. Por isso que desemprego e subemprego lhe é sempre
condição de funcionalidade, coisa “natural”. Sua missão é, segundo Marx, produzir em

Ver: “Apresentação”, de Luciano Coutinho, à “Maturidade e estagnação no capitalismo


182

americano.” [Com uma nova Introdução do autor], J. Steindel, Os economistas, São Paulo,
Nova Cultural, p. XVI. Ver também a carta de J. M. KEYNES a John HOBSON, dissertando seu
princípio da “demanda efetiva” (realização capitalista), como sendo independente, em qualquer sentido,
de uma suposta insuficiência de consumo, ou, ao revés, de um hipotético “excesso” de poupança, em: L.
BELLUZZO e M. C. TAVARES, “Ainda a controvérsia sobre a demanda efetiva: uma pequena
intervenção”. Revista de Economia Política, 1 (3), julho-setembro.1981, p. 110).
124

larguíssima escala até superproduzir capital, em excesso e em todas as suas formas, a


“uma dada taxa de lucro”.

Considerações finais

O gráfico atualizado abaixo, com dados bem recentes do FMI (Fundo Monetário
Internacional), uma demonstração empírica e projeções da economia global, revela um
crescimento global da atividade econômica se recuperando, com o crescimento mundial
estimado em 3,7% (2017). Melhores resultados que as projeções aparecem na zona do
euro, Japão, Ásia emergente, Europa emergente e Rússia, e abaixo das expectativas do
Fundo nos Estados Unidos e o Reino Unido. “Mas – diz o mesmo relatório - a
recuperação não está completa: enquanto a perspectiva da linha de base está se
fortalecendo, o crescimento continua fraco em muitos países e a inflação está abaixo da
meta na maioria das economias avançadas”.183

Tabela 2 – Crescimento do PIB: observado e projeções do FMI em janeiro


de 2018 (%)

Assim, uma vista nesses dados deve nos remeter a ideia-força que foi sustentada
neste Capítulo 4: a economia do capitalismo neoliberal, após a debacle, a estagnação e
a desaceleração, voltou, mais uma vez, a se reanimar, oscilantemente, ainda que tenha
agravado seus impasses estruturais.

183
Em: https://www.imf.org/en/Publications/WEO/Issues/2017/09/19/world-economic-outlook-october-
2017
125

O que também pode ser visto – mais uma vez, empiricamente – nos gráficos
abaixo, do ponto de vista de um panorama da evolução da renda per capita, bem como
ao se observar as flutuações que se representariam (como sempre) em tendências
projetadas.184 Atualizados, revelam a franca evolução do crescimento do PIB/PPC,
notadamente da China frente ao mundo. Apresenta-se a projeção para 2020 do PIB per
Capita de países na fatia da economia mundial. E aponta estagnação continuada nos
países da zona do euro e Japão, assim como maior crescimento nos EUA, e baixo
crescimento no Reino Unido.

Gráfico 14 – PIB per capita – Dados de 2015 sobre paridade do poder de


compra (em milhares de dólares)

Fonte: The Conference Board, em: M. Wolf, 2017 (b)

Gráfico 15 – Projecyones del PIB

184
Os gráficos encontram-se em: WOLF, M., op. cit., 2017
(https://medium.com/funda%C3%A7%C3%A3o-fhc/martin-wolf-grandes-tend%C3%AAncias-da-
economia-global-em-9-gr%C3%A1ficos-5a5987405a96); em Salvador Arias, Carta Económica: “Para
dónde va la Economía Mundial y el Capitalismo (Parte I”, elaboração de Salvador Arías (Unam-
México),
2017;ver:https://www.google.com/search?q=Salvador+Arias+carta+econ%C3%B3mica+para+donde+va
+la+economia+mundial+del+capitalismo&tbm=isch&source=iu&ictx=1&fir=uoUxFfjK2h2oRM%253A
%252Cnpjk82HfyFP3M%252C_&usg=AFrqEzdM4JChCJg9mqqsqN8eD3UceEp_rQ&sa=X&ved=2ahU
KEwim3v2J_MHdAhUDiIsKHZ6gD3YQ9QEwAXoECAYQBA#imgrc=uoUxFfjK2h2oRM

E ainda: http://www.imf.org/externa/datamapper/datasests/WEO [acesso em janeiro de 2018]


126

Fonte: S. Arias, 2017; com base nos dados do FMI e OMC

Gráfico 16 – The Asian Convergence – Share in Wolrd GDP At PPP


(excluding CIS) (percent) (Source: IMF)

Fonte: M. Wolf, 2017 (b)


127

Portanto, do que argumentamos nos Caps. 3 e 4, devemos sublinhar a seguinte


lição espécie de síntese - de E. HOBSBAWM185, em seus últimos estudos acerca da
economia política crítica do regime do capital:

“Mas duas coisas, com certeza, nunca perderam a relevância para os


nossos dias: a visão que Marx tinha do capitalismo como sistema
historicamente temporário e a análise que fez de seu modus operandi –
continuamente expansionista e concentrador, gerador de crises e
autotransformador”.
Sim, essa era, essencialmente, a visão de Vladimir Lênin acerca da dinâmica do
modo de produção capitalista.

185
Ver: “Como mudar o mundo. Marx e o marxismo 1840-2011”. São Paulo, Companhia das Letras,
2011, p. 20.
128

CONCLUSÕES

Esta pesquisa indicou preliminarmente que a grande crise capitalista iniciada em 2007-8
se instaurou abruptamente como uma depressão, e não simplesmente como uma “grande
recessão”. Este mergulho profundo, que se irradia dos EUA em agosto de 2007, vai ao
fundo em 2008, prolonga-se efetivamente até o final de 2009, ano este em que, como já
registramos, o próprio Wolrd Economic and Financial Surveys do FMI considera ter
havido uma “contração global” de 1,3%.

Viu-se que expressivos intérpretes da constituição, história, dinâmica e crises do sistema


capitalista como E. HOBSBAWM (2009), B. EICHENGREEN e K. O'ROURKE (2009;
2010), A. SHAIK (2011), M. ROBERTS (2012), P. KRUGMAN (2012), W. BLACK
(2013), R. CARCANHOLO (2013), J. CHOONARA (2018),186 sob diferentes prismas e
aparatos teóricos enxergaram o fenômeno de maneira bastante similar: vale dizer,
vivenciamos um quadro depressivo no início do século 21.

Insistindo mais uma vez nesse ponto nodal, é na interpretação dialética de MARX que
se pode apreender melhor o conceito de depressão, sem “fetiches”, vale dizer, sem
nublar ou reduzir fenômeno a uma relativização desfiguradora de sua incidência
emblemática nesse capitalismo pós-crise 2007-8.187

Por óbvio, entre 2007 e 2017 revelaram-se nefastas as consequências econômicas,


políticas, sociais do cataclismo, com retrocessos civilizatórios inigualáveis. Não são
poucas as vozes especializadas que interpretam existir, cumulativamente, a involução da
sociabilidade, espantosa falência das democracias representativas em toda a parte.
Processa-se profunda erosão das conquistas econômicas, sociais e políticas do pós-2ª
Guerra Mundial que, inclusive, interrogam o futuro do sistema atual. A amplificação
inusitada das desigualdades rotinizaram a alcunha de “sociedade do 1%” – desde logo

186
Ver: “A economia política da grande depressão”, J. Choonara, 2018; em:
https://eleuterioprado.files.wordpress.com/2018/05/a-economia-polc3adtica-da-grande-depressc3a3o.pdf
187
Note-se: no capítulo XII do vol. 1 do Livro 1 de “O capital”, examinando episódios de crise e
crescimento que se arrastaram no ascenso da indústria inglesa, Marx denomina de depressão a crise
ocorrida na Inglaterra de 1815 a 1821; depressão em 1822 e prosperidade em1823; grande expansão das
fábricas e abolição das leis contar os sindicatos; em 1825 crise; em 1826 “grande miséria e revolta entre
os trabalhadores”; em 1835 “grande prosperidade”. Ao mesmo tempo “os tecelões morrem de fome”; em
1837 e 1838 “depressão e crise”. E prossegue ele minuciosamente a investigar anos a fio. Ver: Marx, Op.
cit., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, pp.520-1.
129

nos EUA -, para caracterizar a brutal concentração de renda e riqueza no último andar
da pirâmide.

Como assim, sociedade do 1%? Nos Estados Unidos, pesquisa de Thomas PIKETTY
revela que, nos últimos 30 anos, a renda dos 50% mais pobres permaneceu inalterada,
enquanto a do 1% mais rico aumentou 300%; em 2017 oito homens detêm a mesma
riqueza que a metade mais pobre do mundo.188

Deterioração esta repetida e crescentemente anunciada - e denunciada


(CHOSSUDVSKI, 1999; FITOUSSI, e ROSANVALON, 2003; ANDREAS, 2007;
BEINSTEIN, 2009; PIKETTY, 2014; SCHWAB, 2016).

Grande crise que posteriormente levou a uma persistente estagnação na zona do euro, e
prolongou-a no Japão. Crise por sobre a qual M. AGLIETTA189 viu, a seguir, uma
“desaceleração americana” (2015), onde se lhe acrescenta o já constatado problema
estrutural da queda da produtividade nesse país. Crise que ensejou uma forte
desaceleração da economia chinesa, que passou de um crescimento de 10, 4% % do PIB
(Produto Interno Bruto), entre 2000-2008, para 6,8% em 2017.

Reafirmou-se assim que, desde 1980, a emergência e a evolução do capitalismo


neoliberal fizeram-no transmutar-se flagrantemente de maneira a operar transformações
financeiras e produtivas formidáveis, onde a mistificação assustadora de seu aríete
financista encarregou-se de abrir (e espraiar) as fortalezas de capital fictício;
contrariando, recordemos, a ideia do “quartel-general” do moderno capitalismo “para o
desenvolvimento”, como pensava SCHUMPETER.190 Já para KEYNES, o fim do
reinado do juro alto levaria – “estou convencido”, enfatizou - ainda assim à “eutanásia
do rentier e, consequentemente, à eutanásia do poder cumulativo de opressão do
capitalista em explorar o valor de escassez do capital”,191 fase transitória, que
desaparecerá logo que tenha desempenhado sua função. Nenhuma coisa nem outra...

Adveio ainda, no curso da crise analisada, a revelação de um sistema financeiro sombra


(shadow banking system) forjado com a anuência dos bancos centrais do capitalismo

188
Em: https://www.oxfam.org.br/sites/default/files/economia_para_99-relatorio_completo.pdf
189
Ver: “La desaceleración estadonidense”, M. Aglietta, 2016; em:
file:///C:/Users/s.barroso/Downloads/Michel%20Aglietta,%20La%20desaceleracin%20estadounidense,%
20NLR%20100,%20July-August%202016%20(1).pdf
190
Ver: “A teoria do desenvolvimento econômico”, J. Schumpeter, São Paulo, Abril Cultural, Os
Economistas, 1982, p. 86.
191
Ver: “A teoria geral do emprego, do juro e da moeda”, J.M. Keynes, São Paulo, Os Economistas,
Editora Nova Cultural Ltda., 1996, Cap. 24, pp. 343-44.
130

avançado durante a expansão da globalização financeira. O que confluiu para um


processo de deterioração do sistema financeiro global, também marcado por manipulação
de negócios ilegais em altas esferas do circuito bancário/financeiro, e trapaças notórias de
sua “engenharia financeira”. Não significando isto – note-se bem - denunciar
“anormalidade” no caráter abstrato e especulativo instituído na formação e
desenvolvimento do capital fictício/portador de juros: o fenômeno já exprimia a
integralidade do regime do capital na teoria de MARX. Noutro léxico, o caráter fetichista
da produção capitalista já é originário e implícito na forma mercadoria-dinheiro,
irredutivelmente sua forma mais abstrata.192

Contudo, aprofundou-se corriqueiramente a instabilidade sistêmica da economia


capitalista mundial, já anunciada como de si mesma por MARX, LÊNIN,
SCHUMPETER, KEYNES e MINSKY, principalmente. Aliás, este último advertira –
concluindo - que são exatamente nos períodos de maior prolongamento da expansão
econômica capitalista que surgem as estruturas financeiras frágeis e instáveis.193

Recordemos que as grandes tormentas de 1873-96, a 1929-33\39, a de 1979-82 tiveram


um alcance capaz de alterar o panorama político e econômico global e, por isso mesmo,
ultrapassaram o recorrente desígnio de uma “recessão” cíclica, tendo sido elas pequena,
média ou grande. Ademais, notamos que a eclosão de vastas crises financeiro-econômicas
da era da financeirização neoliberal, como as de 1987 (EUA), 1997 (Tailândia\Ásia) e
2007 (EUA) não só guardaram em seu interior outras de impacto diferenciado, como
inauguraram impressionante regularidade temporal.194

Por isso mesmo, é fundamental reiterarmos: a fantástica amplitude das transformações


ocorridas neoliberalismo e “globalização financeira” não apenas reafirmaram a
tendência à superacumulação de capital, como introduziram novas determinações
agravantes da instabilidade, e da incerteza do cálculo capitalista próprias desse regime
de produção na época dos monopólios. Instrumentos e “inovações” financeiras
enroscaram-se em obscuras relações, a seguir, entre o sistema bancário tradicional e um
“sistema financeiro sombra”.
192
Ver: TEIXEIRA, Aloisio, 2000.
193
Ver: H.P.Minsky, Op. cit., 2013, p.194. De outra parte, é estatística conhecida do FMI (Fundo
Monetário Internacional) que a economia mundial cresceu 4,5% entre 2002 e 2006.
194
Vale registrar que MARX assinalava um “ciclo industrial”, o ciclo vital”, na regularidade de um “ciclo
decenal”, compreendendo ascenso e crise na dinâmica capitalista. Clément JUGLAR (1862) considerava
o ciclo econômico no intervalo de 6\7 a 10 anos.
131

Resultou-se, ademais, uma economia global convergindo regressivamente para: a)


endividamento público e privado perigoso; b) médias de crescimento econômico muito
baixas (exceto notadamente as da China e Índia); c) generalização e crescimento das
desigualdades sociais; d) pressões deflacionárias nos principais países capitalistas; e)
persistência de volumes gigantescos de títulos “podres” no sistema bancário do
capitalismo central; f) crescentes manifestações ideológicas neofascistas, inclusive
ascensão partidária neonazista (Alemanha, Grécia etc.), originariamente germinadas no
mesmo centro capitalista em crise.

De outra parte, como vimos (Caps.2 e 3), segundo o FMI, por volta de meados de 2017 a
economia capitalista considerada desenvolvida passa apresentar um movimento de
retomada do crescimento (3,7%), nos EUA (2,3%), na zona do euro (2,4%) e mais baixo
no Japão (1,8%). Evidentemente que o crescimento global se deveu ainda amplamente
dos países rotulados de emergentes e em desenvolvimento (4,7%), e muito especialmente
ao da China (6,8%) e da Índia (6,7%). Em 2017, a CEPAL (Comissão Econômica para a
América Latina e o Caribe) revisou a taxa para 1,2% o crescimento dessa região.195

Analisando-se as políticas levadas a cabo com resposta pelos bancos centrais das
economias mais desenvolvidas constata-se que passou a ser consensual o fato de a
capacidade das políticas monetárias “heterodoxas” (“não convencionais”) enfrentar a
próxima tempestade financeira é nula ou quase isso. Isso após as injeções trilionárias para
salvar a banca e superendividar os Estados, depois de juros baixíssimos ou zero, da
expansão quantitativa (QE, que em 2018 ainda persiste sob o Banco Central Europeu -
BCE), da intensa pressão deflacionária não equacionada, dos bancos privados europeus
continuarem carregados de títulos “podres” e fortemente endividados, assim como da
persistência de baixas taxas do investimento notadamente nos países desenvolvidos.
“Bolhas” hiperinfladas agora sobrevoam as Bolsas de Valores do planeta a alarmar
novamente os corifeus do dinheiro.

Esse quadro de horizontes dramáticos para a perspectiva da economia mundial foi,


inclusive, recentemente alertado por destacados economistas do mainstream.196 No

195
Em: https://www.cepal.org/sites/default/files/pr/files/tabla-pib_ee2017_esp.pdf

196
No último Fórum Econômico Mundial (2018), o mesmo anti-keneysiano fanático K. ROGOFF
afirmou explicitamente: os bancos centrais “não têm sequer um plano A” para enfrentar uma nova
132

entanto, a particularidade do desenvolvimento da grande crise do padrão financeirizado


do capitalismo apressa a problemática de sua busca de saídas para os severos impasses
criados ora sistemicamente, ora estruturalmente.

Por suposto, não se trata de subscrevermos as ideias de “estagnação secular”, ou “o novo


normal”, ou ainda o sofisma da “era da mediocridade” para descrever a situação do
sistema capitalista pós-crise. Inescapável constar: essas formulações, surgidas somente a
partir de 2011, são em si as mais relevantes evidências de que o arquétipo neoliberal vem
sociopoliticamente desmoronando. E a manutenção de políticas que “sancionem” os
mercados “autorregulados” aproximam esse capitalismo da falência múltipla. Mais ainda,
esse discurso dos gurus do financismo não só parece “combinado”, como se camufla
numa taxonomia de “crises existenciais”: cotejado o vaticínio estagnacionista desses do
mainstream com o vigoroso crescimento econômico da Índia capitalista, dos últimos 30
anos - atravessando praticamente incólume a grande crise –, só lhes caberia a galhofa.

Noutros vieses, a tese da chegada dos “limites históricos” do capitalismo tem que ser -
mais uma vez - confrontada à capacidade autotransformadora das bases do progresso
técnico do modo de produção capitalista, na atualidade decisivamente impactada pela 4ª
Revolução Industrial. Também porque, essas novas transfigurações estão sim a elevar o
capitalismo do paroxismo financeiro como um “modo de ser” (“ontológico”); a engendrar
um novo estágio de configuração da lei de concentração e centralização, simultaneamente
a um horizonte de instabilidade e incerteza igualmente novo.197Ou seja, a ultra
concentração do capital associada à financeirização, e amplo domínio acionário de
oligopólios ou monopólios de alta tecnologia conjuga-se aos novos fenômenos

surpresa nos mercados (ver: https://jornaleconomico.sapo.pt/noticias/alto-endividamento-chines-


apontado-como-principal-ameaca-a-economia-mundial-259925). Em 2017, O. BLANCHARD já havia
alertado: “O mundo não está preparado para crise” (ver:
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/02/1860074-mundo-nao-esta-preparado-para-crise-diz-ex-
economista-chefe-do-fmi.shtml). Para o guru das políticas do QE, o ex-presidente do BC americano, B.
BERNANKE (2018), os estímulos monetários do Fed poderiam estar distorcendo a curva de Treasuries,
ressalvando, entretanto, que “hoje os EUA parecem ter menos ferramentas para enfrentar uma crise grave
do que em 2008” (ver: https://www.valor.com.br/financas/5676699/curva-de-juro-nos-eua-aciona-alerta-
de-recessao).
197
Após o anúncio aqui já registrado sobre a APPLE (1976), foi a vez da norte-americana e gigante de
Seattle AMAZON (1994) declarar que seu “valor de mercado” bateu em US$ 1 trilhão.
133

decorrentes da 4ª Revolução Industrial e sua extraordinária impulsão à concorrência


capitalista.198

Assim, os dez anos que separaram o início da grande crise 2007-8 a meados de 2017
serviram de espécie de incubadora para nova (e paulatina) transfiguração sistêmica do
capitalismo – ou para outra metamorfose “larvar”. Ainda padecendo de significativo
bloqueio à destruição\desvalorização de capitais que abarrotam grandes bancos centrais
e privados na forma de capital fictício, a devastação social que a acompanhou tem seu
maior signo na ampliação generalizada das desigualdades sociais.

Desigualdades e assimetrias econômico-técnicas que, como descrevemos, já estão sendo


acrescidas com a chamada “era da segunda máquina”, ou do capitalismo das “máquinas
inteligentes” de porvir enigmático. Desemprego, assim ensejado, por conseguinte
inexorável; desdobramentos na atual divisão internacional do trabalho; governos
altamente endividados por toda a parte; e exuberância (anárquica) da financeirização,
entranhada no que L. BELLUZZO conceituou como “hiperindustrialização”.199

Plausível, de outra parte, assim assinalar o desígnio duma “criação destruidora” como
integrante de uma epistemologia do capitalismo hodierno, na medida em que a aliança
entre a financeirização universal fundada no capital fictício\portador de juros, com
“robôs armados”, metaforizariam a sociedade das formas mais avançadas (ou
desenvolvidas) do regime do capital.

Percorrem pari passu a esse turbilhão de mudanças o que vem se convencionando


chamar de “desglobalização”. De fato, como vimos desde o Capítulo 1 desta tese, a
entrada em cena do “Brexit”, assim como assunção na governança dos EUA de um

198
Novo relatório do Fórum Econômico Mundial (2018) revela que a Inteligência Artificial: (i) está
mudando fundamentalmente a física dos serviços financeiros; (ii) denominado agora de “ecossistema
financeiro”, considera-se que todas as instituições entraram em feroz concorrência pela diversidade
dados, onde o gerenciamento de parcerias com concorrentes e potenciais concorrentes será crítico, “mas
repleto de riscos estratégicos e operacionais”; (iii) a IA irá “provocar rupturas na indústria” ao permitir
que quem a possua mais rapidamente supere estrategicamente os seus competidores (automação
eletrônica de serviços “em nuvem”, algoritmos com introdução de novos “ciber-riscos”). Em:
https://www.weforum.org/reports/the-new-physics-of-financial-services-how-artificial-intelligence-is-
transforming-the-financial-ecosystem

199
Ver: Belluzzo, L., Op. Cit., 2018, p. 237.
134

perigoso neo-protecionismo, em primeira instância devem ser entendidos como


respostas à franca letalidade da “globalização financeira” e suas crises devastadoras;
bem como, em última instância, às turbulências tectônicas de uma transição no sistema
de relações internacionais, em que a clivagem neocolonialista do declínio americano
tenta nova fuga para a frente.200

Finalmente, se discordamos enfaticamente das ideias contidas no discurso (pós-crise


2007) marcando data da chegada dos “limites históricos” do capitalismo,201
sustentamos que maior instabilidade e incerteza, agravamento das tensões geopolíticas,
novas “bolhas financeiras” e muito especialmente tecnológicas estão sim a apressar a
necessidade de sua superação sócio-política e econômica. O caráter histórico - e lógico
– do regime do capital, suas contradições e iniquidades dilacerantes clamam pela
transformação radical de sua própria sociabilidade mistificadora, fabricante de riqueza –
e de zumbis.

200
Colonialismo, transição, declínio e neocolonialismo em: MARX. Op. cit.,1984, Capítulo XXV;
ARRIGHI, G., 2008, pp. 202-220, p. 392; FERGUSSON, N., 2007;2011;2012; LOSURDO, D., 2018, pp.
186-190, pp.206-213.
201
Em nossa dissertação de Mestrado (2003) já criticávamos a infeliz ideia – mas nem de longe ingênua –
de I. WALLERSTEIN, datando para “2025 ou 2040” o fim do capitalismo; as opiniões cerca do “colapso
terminal” do capitalismo, similarmente as de G. ARRIGHI e as de R KURZ. Ver:
file:///C:/Users/S%C3%A9rgio/Downloads/Barroso_AloisioSergioRocha_M.pdf
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164

APÊNDICE

Evolução na formulação de autores sobre a dinâmica e a grande crise

SUMÁRIO
1) BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello
136

2) MANDEL, Ernest
136

3) SHAIK, Anwar
136

4) ALTVATER, Elmar:
136

5) MAZZUCCHELLI, Frederico
137

6) MOFFITT, Michael:
137

7) MACARINI, José Pedro


137

8) LIPIETZ, Alain
137

9) ALTVATER, Elmar
138

10) TAVARES, Maria da Conceição


138

11) BRAGA, José Carlos de Souza –


138

12) CARDOSO DE MELLO, João Manuel


138

13) MINSKY, Hyman Paul:


165

139

14) ARRIGHI, Giovanni


139

15) BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello


139

16) BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello


139

17) BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello


140

18) PLIHON, Dominique


140

19) PLIHON, Dominique


140

20) COUTINHO, Luciano


140

21) CANUTO, Otaviano, LAPLANE, Mariano


140

22) CHESNAIS, François


140

23) CHESNAIS, François


141

24) KREGEL, Jean


141

25) GUTTMANN, Robert


141

26) COUTINHO, Luciano G., BELLUZZO, Luiz G. de Mello


141

27) BRAGA, José Carlos de Souza


141

28) MIRANDA, José Carlos


141
166

29) CINTRA, Marcos Antonio Macedo


141

30) SERFATI, Claude


141

31) BRUNHOFF, Suzanne


142

32) FHARI, Maryse


142

33) EICHENGREEN, Barry


142

34) AGLIETTA, Michel


142

35) BEINSTEIN, Jorge


143

36) SERRANO, Franklin


143

37) TEIXEIRA, Aloisio


143

38) TEIXEIRA, Aloisio


143

39) BRAGA, José Carlos de Souza


143

40) HELLEINER, Eric


143

41) WRAY, Randall


144

42) GOWAN, Peter


144

43) BRENNER, Robert


144

44) DESAI, Meghnad


144
167

45) STIGLITZ, Joseph


145

46) GILPIN, Robert


145

47) AGLIETTA, Michel


146

48) GALBRAITH, John Kenneth


145

49) DUMÉNIL, Gerárd & LÉVY, Dominique


146

50) DUMÉNIL, Gerárd & LÉVY, Dominique


146

51) FERGUSON, Niall


146

52) BLACKBURN, Robin


147

53) BLACKBURN, Robin


147

54) REICH, Robert


147

55) SERRANO, Franklin


148

56) GUTTMANN, Robert, PLIHON, Dominique


148

57) GUTTMANN, Robert


148

58) KRUGMAN, Paul


148

59) GUTTMANN, Robert


149

60) PAULANI, Maria Leda


149
168

61) GOWAN, Peter


149

62) BRAGA, José Carlos de Souza


149

63) CAGNIN, Rafael Fagundes


150

64) ZARIFIAN, Philippe


150

65) GRESPAN, Jorge


150

66) MIGLIOLI, Jorge


150

67) PINTO, Nelson Alves


151

68) SAMPAIO JR., Plínio de Arruda


151

69) CARCANHOLO, Reinaldo A


151

70) BEINSTEIN, Jorge


151

71) FREITAS, Maria Cristina Pendido de


151

72) CARVALHO, Pedro


151

73) FERGUSON, Neill


152

74) KINDLEBERGER, Charles, ALIBER, Robert Z.


152

75) KINDLEBERGER, Charles


152

76) FHARI, Maryse, CINTRA, Marcos Antonio Macedo


152
169

77) FOSTER, John Bellamy


153

78) WOLF, Martin.


153

79) ZHOU, Xiaoliang


154

80) ROGOFF Kenneth, e REINHART


154

81) MORRIS, Charles


155

82) BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello


155

83) SOUZA, Antônio Renildo:


155

84) BARROSO, Aloisio Sérgio Rocha


155

85) MORAES, João Quartim de


156

86) BOYER, Robert


156

87) KOTZ, David


156

88) TAVARES, Maria da Conceição


156

89) WOLF, Martin


156

90) CHESNAIS, François:


156

91) STIGLITZ, Joseph


157

92) BRUNHOFF, Suzanne


157
170

93) DUMÉNIL, Gerárd


158

94) ALTVATER, Elmar


158

95) HUSSON, Michel


158

96) BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos


158

97) DIERCKXSENS, Wim, CAMPANÁRIO, Paulo,


159

98) CHOSSUDOVSKY, Michel, MARSHALL


159

99) HARVEY, David


160

100) SAIKH, Anwar


160

101) ASSIS, José Carlos, DÓRIA, Francisco Antonio


161

102) MOLLO, Maria de Lourdes Rollemberg


161

103) BARROSO, A.S. e SOUZA, R


161

104) “FERGUSON, Charles


161

105) NUNES António Avelãs


162

106) BLYTH, Mark


162

107) BRAGA, José Carlos de Souza


162

108) SILVA, Luiz Afonso Simoens da


162
171

109) PIKETTY, Thomas


163

110) MARICHAL, Carlos


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“A grande empresa americana constrói seu o poder “Os movimentos ascendente e descendente da acumulação
monopolista sobre o caráter intrinsecamente financeiro da de capital no decorrer do ciclo econômico podem ser
associação capitalista que lhe deu origem. É desta dimensão, caracterizadas da maneira apresentada a seguir. Num
mais do que da base técnica, que deriva a capacidade de período de oscilação ascendente, há um acréscimo tanto na
crescimento e de gigantismo da organização capitalista massa quanto na taxa de lucros, e um aumento tanto no
‘trustificada’. Conquista de novos mercados, controle volume quanto no ritmo da acumulação. Ao contrário, numa
monopolista dede fontes de matérias-primas, valorização crise e no período subsequente de depressão, a massa e a
fictícia do capital, tendência irrefreável à conglomeração, tudo taxa de lucros declinarão, e o mesmo acontecerá ao volume
isso está inscrito na matriz originária da grande corporação e ao ritmo da acumulação de capital. O ciclo econômico
americana. E esta se desenvolve apoiada em dois pilares: a consiste, assim, na aceleração e desaceleração sucessivas da
finança e o protecionismo e privilégios concedidos por seu acumulação.
Estado ‘liberal’”.
[...] Durante a fase de oscilação ascendente, a acumulação
de capital se acelera. Todavia, quando esse movimento
atinge determinado ponto, torna-se difícil assegurar a
valorização da massa de capital acumulado; a queda na taxa
de lucros é o indício mais claro dessa linha divisória. A ideia
da superacumulação refere uma situação em que uma
parcela do capital acumulado só pode ser investida a uma
taxa de lucros inadequada, e, em proporção crescente,
apenas a uma taxa declinante de juros. O conceito de
superacumulação não é jamais absoluto, mas sempre
relativo: não há nunca capital em ‘demasia’, em termos
absolutos; há muito capital em disponibilidade para que se
atinja a taxa média de lucros esperada”.

3) SHAIK, Anwar: “Uma história das teorias das crises”, in: 4) ALTVATER, Elmar: “O capitalismo em vias de
172

Ensaios FEE, Porto Alegre, 1983, (5-45), pp.8 e 13. recuperação? Sobre teorias da ‘Onda Longa’ e dos
‘Estágios’”, in: Ensaios, FEE, Porta Alegre, 3(2) 5-30,
“É importante notar que, na teoria ortodoxa, um ciclo não é 1983, pp.10-11.
uma crise. Para ser consistente com a estrutura teórica global,
os ciclos têm de ser vistos como sendo essencialmente “Não é nada surpreendente o fato de que, dede meados dos
“pequenas flutuações”, variações de seguida ordem, as quais, anos 70, isto é, desde o fim do período de prosperidade do
numa primeira aproximação, podem ser negadas pós-guerra, tenha ressurgido o interesse pela s teorias das
justificadamente. Dessa forma, a natureza cíclica do processo ‘ondas longas’ da conjuntura. Estas teorias, com sua longa
de ajustamento não representa um limite á habilidade do tradição desde van Gelderen, ´passando por Trotzki,
sistema de se reproduzir. Kondratieff (1972) e Schumpeter (1961) até Forretser
(1977), Wallerstein (1979), Mandel (1972, 1979) ou
[...] Ciclos de expansão e retração não são estranhos à história Kleinknecht (1980), tanto afirmam ter uma explicação para
do capitalismo. Entretanto, ao mesmo tempo, o estudo da as causas de recuperação dos últimos 34 anos e para as
História mostra claramente que esses ciclos são causas de transição à crise quanto afirmam saber aas
acompanhados por um tremendo crescimento secular nas condições nas quais haveria uma saída da recessão atual.
atuais economias capitalistas - fato este que contrasta com o
capitalismo intrinsecamente estagnante, subentendido na [...] À primeira vista, um paradigma teórico não ganha
lógica subconsumista. Invariavelmente, portanto, as teorias de prestígio quando uma década inteira pode ser interpretada
subconsumo tinham que recorrer a fatores exógenos para através dele de maneiras diferentes ou até opostas. Mas isto
explicarem esse contraste acentuado entre a História e a deve-se à escolha dos indicadores e, ‘last but not least’, à
teoria. Nas duas próximas seções, que tratam, importância fundamental do enfoque crítico-pessimista ou
respectivamente, da história da teoria de subconsumo pré- afirmativo-otimista do autor, à sua ‘cosmovisão’
Marx e pós-Marx, veremos a posição importante que esses [Weltanschanuung], como escreve Wallerstein. Se, contudo,
elementos externos ocupam. considerarmos a periodização das ‘ondas longas’ dos
últimos 200 anos por parte de diferentes autores, podemos
constatar a existência de um consenso básico, pelo menos
com relação às grandes depressões na história do
capitalismo: a primeira grande depressão do
desenvolvimento industrial-capitalista inicia nos anos 20 do
século passado e passa, na segunda metade dos anos 30,
para uma nova fase de recuperação; a segunda grande
depressão inicia nos anos 70 e dura até o início dos anos 90;
e a terceira grande depressão não pode ser datada
univocamente, devido às duas guerras mundiais e à mudança
radical das estruturas do mercado mundial e devido ao
surgimento da União Soviética depois de 1917, mas seu
apogeu está, sem dúvida, na grande crise de 1929”.

5) MAZZUCCHELLI, Frederico: “A contradição em 6) MOFFITT, Michael: “O dinheiro do mundo. De Bretton


processo. O capitalismo e suas crises”, São Paulo, Woods à beira da insolvência”. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
Brasiliense,1985, pp. 105 e 110. 1984, p. 236.

“A ‘dimensão financeira’ do capitalismo monopolista inclui, “Uma dramática transformação da atividade bancária
por fim, a própria forma de organização da grande empresa internacional ocorreu ao longo da última década. Contudo,
capitalista. Esta, como observamos, mesmo quando as mudanças nos próximos dez anos podem ter um alcance
dominantemente vinculada a atividades produtivas, é forçada ainda maior. As mudanças desejadas pelos banqueiros
a uma especialização financeira de maneira a assegurara implicam na abolição das principais restrições aos bancos
mobilização do capital de terceiros, o alargamento da norte-americanos. Muitos banqueiros dizem que se isso
estrutura de aplicações e a administração combinada do acontecer haverá uma revolução nas instituições financeiras
conjunto de suas operações. Na verdade, a formação e o dos Estados Unidos”.
crescimento das grandes unidades capitalistas é correlata a
progressiva diversificação de estrutura das suas posições
passivas e ativas, a qual, combinada à própria escala das
173

operações, impõe a necessidade de um ‘controle financeiro


geral’ e de uma estratégia de cálculo eminentemente
financeira.

[...] A própria ‘estabilidade’ da ordem capitalista se vê


atingida pelo movimento das massas de capital. Como se viu,
é inerente ao capitalismo o choque entre ‘os limites dentro dos
quais se deve mover a conservação e a valorização do valor-
capital’ e ‘os métodos de produção que o capital se vê
obrigado a empregar para conseguir seus fins’ (Marx). Isto
significa que o capital, na busca do lucro máximo, trona-se
periodicamente ocioso ou ‘excessivo’ em relação à taxa de
lucro esperada, daí resultando as crises. O afã da valorização
ilimitada redunda, assim, na sistemática desvalorização do
capital, fenômeno que exprime a tendência da acumulação a
ultrapassar de modo recorrente os marcos particulares que
condicionam o conjunto da valorização”.

7) MACARINI, José Pedro: “Crise e política econômica nos 8) LIPIETZ, Alain: “Por detrás da crise: a tendência à
Estados Unidos: 1977-1984”, Campinas, Instituto de queda da taxa de lucro; a contribuição de alguns trabalhos
Economia/Unicamp, 2007, pp. 145-145. franceses recentes”, in: Teoria sobre as crises. Questões de
economia política, Revista semestral do CEDE – ano 2, nº3,
“A eleições de Reagan em novembro de 1980 assinala a plena Porto Alegre, Centro de Estudos e Debates de Economia
explicitação da hegemonia do ideário conservador na Política, Mercado Aberto, 1986, p.26.
formulação de política econômica. É verdade que, soba “O final dos anos 60 em todos os grandes países industriais
liderança de Carter, o liberalismo centrista que dominou a é marcado por um esgotamento da contratendência à queda
política americana no pós-guerra desde o início exibiu um da taxa de lucro: a produtividade na seção 2 desacelera-se,
provocando em certos países uma elevação do valor da
viés conservador e ao final de sua presidência parecia mesmo força de trabalho; a produtividade aparente do capital
ter perdido completamente seus laços originais. (...) Mas é diminui por muitos países, o que se traduz por uma
igualmente verdadeiro que a liderança de Reagan, à frente de elevação da composição orgânica.
uma coalizão política inequivocamente conservadora,
Estes dois fatores engendram uma queda na lucratividade do
introduz aspectos novos no movimento da política econômica,
capital, aquilo que Marx chama de ‘superacumulação
os quais devem ser devidamente apreciados – e descortina
relativa’: o novo capital engajado produz cada vez menos
redirecionamento da política norte-americana, há muito em
mais-valia”.
gestação, que a presidência Democrata se não chegava a
ocultar no mínimo se prestava à confusão”.

9) ALTVATER, Elmar: “A crise de 1929 e o debate 10) TAVARES, Maria da Conceição: “Ajuste e
marxista sobre a teoria da crise”, in: História do marxismo. reestruturação nos países centrais: a modernização
O marxismo na época da terceira internacional: o novo conservadora”. In: Economia e Sociedade, nº 1, Campinas,
capitalismo, o imperialismo, o terceiro mundo, Hobsbawm, Unicamp/IE, agosto 1992, p.44.
E., (org.), v. 8, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987, 2ª edição,
p.131. As políticas de liberalização cambial e financeira
reorganizaram radicalmente os mercados financeiros em
“De uma forma ou de outra, as teorias por nós examinadas se direção à globalização, diversificação e rivalidade dos
revelam teorias do colapso ou ainda teorias sobre a ausência centros e instrumentos bancários. Globalização dos
de saída para o desenvolvimento capitalista. O capitalismo, mercados financeiros e o alto grau de endividamento do
Tesouro da maioria dos países retiraram a capacidade de
porém, encontrou uma saída, sem que constituísse um expansão autônoma, inclusive e particularmente do Fed.
problema o fato de que assim se abrisse um processo atroz de
destruição, que até hoje permanece sem para na história. Se, [...] A liberalização financeira da década de 80 resultou
nos anos 80, é possível buscara carências nas teorias da crise num aumento da rivalidade interbancária internacional,
dos anos 20 e 30, trata-se então de não partir mais do provocando deslocamentos nas posições de liderança dos
pressuposto de que o capitalismo seja um beco sem saída, principais bancos transnacionais”.
mas sim do de sua capacidade mortal de regeneração, contra
o qual é preciso encontrar meios diferentes dos que foram
elaborados pelas organizações políticas do movimento
174

operário do início dos anos 30”.

11) BRAGA, José Carlos de Souza: “A financeirização da 12) CARDOSO DE MELLO, João Manuel: “A contra
riqueza: a macroestrutura financeira e a nova dinâmica dos revolução liberal-conservadora e a tradição crítica latino-
capitalismos centrais”, in: Economia e Sociedade, Campinas, americana. Um prólogo em homenagem a Celso Furtado”.
nº 2, agosto/1993, pp.47-48. In: Poder e Dinheiro. Uma economia política da
globalização, Tavares, M.C., Fiori, J.L.(orgs.), Petrópolis,
“Finalmente, compreende-se que em face da financeirização Vozes, 1997, 2ª edição, pp. 21 e 23.
e da correspondente macroestrutura internacionalizada, que
perpassa os países, o capitalismo central não é mais o “A reestruturação capitalista levou a contra-revolução
‘capitalismo industrial’ em que, na ausência de crise, e o liberal-conservadora desencadeada pela mundialização do
empresário inovador capta crédito, avança gastos produtivos, capital. Desemprego estrutural, heterogeneidade social,
compra força de trabalho, vende a produção, realiza lucros e dualidade no mercado de trabalho, decadência de regiões
tudo recomeça com vistas à produção, resultado na inteiras e desintegração industrial entronizaram a periferia
reprodução ampliada da renda e na reprodução global do nos países centrais.
sistema. Ao contrário, no capitalismo atual, em particular
desde o fim dos anos 60, guardadas as diferentes [...] Tudo se passa como se as tendências fundamentais do
temporalidades nacionais, os grupos empresariais – capitalismo reemergissem com intensidade redobrada. O
verdadeiras corporações capitalistas – atuam desenvolvimento monstruoso do capital financeiro revelou
simultaneamente, pela riqueza financeirizada e pela
produção, engendrando, intermitentemente, as instabilidades uma verdade incontestável: o capitalismo é um regime de
oriundas da contradição entre realização de renda (produto) e produção orientado para a busca da riqueza abstrata, da
de capitalização financeira. E, ademais, deixando o sistema, riqueza em geral expressa pelo dinheiro”.
neste processo, como que permanentemente m crise, ou
melhor, à beira da crise.

[...] Este processo – a financeirização da riqueza - é, em


suma, um verdadeiro paroxismo nos capitalismos centrais,
nos quais a gestão especulativa da riqueza é levada a
extremos e, ainda assim, paradoxalmente articulada com a
reprodução ampliada, redefinindo a dinâmica das crises e das
reestruturações, como se demonstrou. E, enquanto paradoxo,
põe em xeque sistemas e pressupostos, de diferentes escolas,
na interpretação do capitalismo, que até hoje são apresentadas
como atuais, consistentes e incontestáveis”.

13) MINSKY, Hyman Paul: “Integração financeira e política 14) ARRIGHI, Giovanni: “O longo século XX. Dinheiro,
monetária”, in: Economia e Sociedade, Campinas, nº 3, poder e as origens do nosso tempo”, São Paulo, UNESP,
dezembro 1994, p.21. 1996, p.89.

“Um dos elementos centrais da hipótese de instabilidade “Nossa sucessão de ciclos sistêmicos de acumulação
financeira: uma economia capitalista que opere sem restrições constitui, de fato, ‘uma série de elevações’, sendo cada uma
e que possua um sistema financeiro sofisticado, complexo e resultante das atividades de um complexo particular de
em contínua evolução, apresenta períodos de estabilidade e agentes governamentais e empresariais, dotados da
períodos de comportamentos turbulento e até mesmo caótico. capacidade de levar a expansão da economia capitalista
Combinações de restrições ao caos criam um novo regime de mundial um passo além do que podiam ou queriam fazer os
estabilidade que pode estabelecer-se com baixos níveis de promotores e organizadores da expansão precedente. Cada
atividade econômica, sendo provável a estagnação sucedendo passo adiante implica numa troca de guarda no alto
a turbulência. comando da economia mundial capitalista e uma
concomitante ‘revolução organizacional’ nos processos de
[...;] Esse novo regime de estabilidade pode estabelecer-se acumulação de capital – uma troca de guarda e uma
com baixos níveis de atividade econômica: é provável que a revolução organizacional que, historicamente, sempre
estagnação caracterize a estabilidade que segue a ocorreram durante as fases de expansão financeira. Assim,
as expansões financeiras são vistas como anunciadoras, não
turbulência”. só da maturidade de um determinado estágio de
desenvolvimento de economias capitalista mundial, mas
também do início de um novo estágio.

Portanto, o ponto de partida de nossa sequência de ciclos


sistêmicos de acumulação, que tomaremos como ‘ponto
zero’ do desenvolvimento do capitalismo como sistema
mundial, será a expansão financeira deslanchada no fim da
expansão comercial do século XIII e início do século XIV”.

15) BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello: “O declínio de 16) BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello: “Fim de
175

Bretton-Woods e a emergência dos mercados globalizados”, século”. In: Capitalismo – teoria e dinâmica atual, São
in: Economia e Sociedade, Campinas, nº 4, junho 1995, pp. Paulo em Perspectiva, v. 12, nº2, Revista da Fundação
15-16. SEADE, abrjun/1998, p.23.

“Foi sob o signo da desorganização financeira e monetária “A longa gestação do processo de globalização financeira
que se deu a formidável expansão do circuito financeiro foi, na verdade, resultado das políticas que buscaram
‘internacionalizado’, nos anos 70. A crise do sistema de enfrentar a desarticulação do bem sucedido arranjo
regulação de Bretton Woods, permitiu e estimulou o capitalista do pós-guerra.
surgimento das operações empréstimos/ depósitos que
escapavam ao controle dos bancos centrais. A fonte dessas As decisões políticas tomadas pelo governo americano, ante
operações foram certamente os dólares que excediam a a decomposição do sistema de Bretton Woods, já no final
demanda dos agentes econômicos e das autoridades dos anos 60, foram ampliando o espaço supranacional de
monetárias estrangeiras.
circulação do capital monetário. O poder dos mercados
[...] Nos anos 80, a ampliação dos dois déficits orçamentário financeiros desregulamentados tem como origem a
e comercial dos Estados Unidos foi um fator importante para recuperação do predomínio da alta finança nas hierarquias
dar um segundo impulso e uma nova direção ao processo de dos interesses que se digladiam no interior do estado
globalização financeira. Na prática, a ampliação dos plutocrático americano”.
mercados da dívida pública constituíram a base e sobre a qual
se assentou o desenvolvimento do processo de securitização.
Isto não apenas porque cresceu a participação dos títulos
americanos na formação da riqueza financeira demandada
pelos agentes privados americanos e de outros países, mas
também porque os papéis do governo dos Estados Unidos são
os produtos mais nobres e seguros does mercados integrados.
A expansão da posição devedora líquida norte-americana
permitiu o ajustamento, sem grandes traumas, das carteiras
dos bancos, na medida em que os créditos desvalorizados dos
países em desenvolvimento foram sendo substituídos por
dívida emitida pelo Tesouro Nacional dos Estados Unidos”.

17) BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello: Prefácio a 18) PLIHON, Dominique: “A ascensão das finanças
“Temporalidade da riqueza: teoria da dinâmica e especulativas”, in: Economia e Sociedade, Campinas, nº 5,
financeirização do capitalismo”, Braga, J.C.S., Campinas, dezembro 1995, p.61.
Unicamp/IE, 2000, pp. 24-25.
“A globalização financeira é a instauração de um mercado
“Ao invés de igualdade e simetria, temos hierarquia e unificado do dinheiro em âmbito planetário Isto significa
assimetria estrutural nas relações entre proprietários e que as empresas multinacionais industriais e financeiras
produtores diretos. Hierarquia de decisões e hierarquia de podem contratar empréstimos ou aplicar fundos sem limites
mercados. Phelps, em seu livro ‘Sete escolas de onde e quando queiram, usando todos os instrumentos
macroeconomia’, define a macroeconomia keynesiana como financeiros existentes”.
uma ‘economia de ativos’ em que as decisões quanto à posse
da riqueza – sob a forma de ativos reais e financeiros, novos
ou existentes, reprodutíveis ou não reprodutíveis –
determinam a trajetória da renda e do emprego.
Independentemente das transformações ‘institucionais’ que a
economia monetária da produção – o regime do capital –
possa sofrer em suas configurações históricas, não há como
escapar da função ‘reguladora’ dos mercados que avaliam os
direitos de apropriação da renda e da riqueza, estabelecendo
as condições em que se organiza e se efetua o processo de
valorização na esfera produtiva. Braga mostra que, ‘do ponto
de vista teórico, no centro deste padrão de riqueza está o
capital a juros, venha ele da grande corporação industrial ou
comercial, dos bancos, dos donos das terras, dos investidores
institucionais, das poupanças financeiras pessoais. O juro
sobre o dinheiro deve rigorosamente ser compreendido como
uma manifestação do capital enquanto pura propriedade,
enquanto mercadoria plena... cujo objetivo último não é a
troca de mercadorias por mercadorias, mas sim o circuito
dinheiro-mercadoria-dinheiro’”.
176

19) PLIHON, Dominique: “Desequilíbrios mundiais e 20) COUTINHO, Luciano: “Notas sobre a natureza da
instabilidade financeira (A responsabilidade das políticas globalização”, in: Economia e Sociedade, Campinas, nº 4,
liberais: um ponto de vista keneysiano)”, in: Economia e junho 1995, p. 25.
Sociedade, Campinas, n° 7, dez./1996, p. 95-96.
“Sob paridades cambiais flutuantes e ausência de um
“O encadeamento déficit público/globalização financeira standard confiável a instabilidade é inevitável e
estoura a partir dos EUA, que passa de equilíbrio ao déficit permanente. A elevada mobilidade dos capitais financeiros,
em 1983. O recurso massivo dos EUA ao endividamento expressa na enorme magnitude das transações cambiais,
internacional acarretou uma modificação profunda na amplia esta instabilidade e trona irresistível a especulação
reorientação dos movimentos internacionais de capital entre por parte de vários agentes líquidos, propensas ao risco. Ao
grandes regiões da economia mundial: emerge o processo da resto do sistema, frente à imprevisibilidade e à violência
globalização financeira”. potencial da especulação, não resta senão a prática
sistemática do hedge que se manifesta no formidável
crescimento do mercado de derivativos”.

21) CANUTO, Otaviano, LAPLANE, Mariano: 22) CHESNAIS, François: “A globalização e o curso do
“Especulação e instabilidade na globalização financeira”, capitalismo de fim de século”. In: Economia e Sociedade,
in: Economia e Sociedade, Campinas, n° 5, dez./1995, p.53. nº 5, Campinas, Unicamp/IE, dezembro 1995, p.6.

“Nas últimas três décadas, as transformações na esfera “A mundialização do capital apresenta-se portanto com uma
produtiva das economias capitalistas desenvolvidas têm fase específica de um processo muito mais longo de
tendido mais a agravar do que limitar a instabilidade constituição do mercado mundial em primeiro lugar e,
financeira.
depois, de internacionalização do capital, primeiro sob sua
Os impulsos dinâmicos associados à generalização do padrão forma financeira e, em seguida, sob sua forma de produção
industrial dos países desenvolvidos, sob hegemonia norte- no exterior”.
americana apresentaram sinais claros de esgotamento, na
segunda metade dos anos 60. A atividade industrial nos
países desenvolvidos experimentou sucessivas retrações e
surtos de recuperação até os primeiros anos da década de 80.
A expansão foi vigorosa desde 1983 até o final da década.
Houve nova desaceleração a partir de 1990 e fraca
recuperação a partir de 1992”.

23) CHESNAIS, François: “A teoria do regime de 24) KREGEL, Jean: “Riscos e implicações da
acumulação financeirizado”, in: Economia e Sociedade, globalização financeira para a autonomia de políticas
Campinas, nº18, jan./jun. 2002, pp. 7-8;40. nacionais”, in: Economia e Sociedade, Campinas, n° 7,
dez./1996, pp. 44 e 47.
“O regime financeirizado é uma produção dos países
capitalistas mais avançados, mais precisamente dos Estados “A maior integração dos mercados financeiros
Unidos e do reino unido, onde as finanças tiveram seu internacionais aumentou o grau de interdependência - e
enraizamento mais profundo até a crise de 1929. Não é consequentemente o risco de incompatibilidade – entre as
mundializado no sentido de abranger o conjunto da economia
mundial numa totalidade sistêmica verdadeira. políticas monetárias e financeiras adotadas por diferentes
países. Isso ocasionou uma crescente instabilidade
[...] Doravante a superprodução está latente de modo financeira. A crescente integração financeira aumentou
contínuo, transformando-se em superprodução aberta a cada também a instabilidade associada a conflitos de políticas
grande choque financeiro”. nacionais”.

25) GUTTMANN, Robert: “A transformação do capital 26) COUTINHO, Luciano G., BELLUZZO, Luiz G. de
financeiro”. In: Economia e Sociedade, Campinas, Mello: “Desenvolvimento e estabilização sob finanças
Unicamp/IE, n° 7, dez./1996, pp.68-69. globalizadas”, in: Economia e Sociedade, Campinas, n° 7,
dez./1996, p. 12.
“O crescente envolvimento de bancos comerciais nos
mercados de capitais tem sido um fator crucial na dominação “Desde logo é conveniente lembrar que o processo de
emergente do capital fictício. globalização, sobretudo em sua dimensão financeira – de
longe a mais importante -, foi o resultado das políticas que
[...] O crescimento da especulação financeira foi mais buscaram enfrentar a desarticulação do arranjo bem
pronunciado nos mercados de câmbio globais, onde a sucedido do pós-guerra.
natureza de capital fictício da moeda creditícia alcançou a sua
As decisões políticas tomadas pelo governo americano, ante
mais alta expressão, mais do que em qualquer outra parte. a decomposição do sistema de Bretton Woods, foram
Após a introdução de taxas de câmbio determinadas pelo ampliando o espaço supranacional de circulação do capital
177

mercado (flexíveis) em 1973, os preços das moedas se monetário”.


tornaram muito mais instáveis”.
[...] O que é decisivo para a autonomia das políticas
nacionais é a forma e o grau de dependência em relação aos
mercados financeiros sujeitos à instabilidade das
expectativas”.

27) BRAGA, José Carlos de Souza: “Financeirização 28) MIRANDA, José Carlos: “Dinâmica financeira e
global. O padrão sistêmico de riqueza no capitalismo política macroeconômica”, in: Poder e Dinheiro. Uma
contemporâneo”, in: Poder e Dinheiro. Uma economia economia política da globalização, Tavares, M.C., Fiori,
política da globalização, Tavares, M.C., Fiori, J.L.(orgs.), J.L.(orgs.), Petrópolis, Vozes, 1997, 2ª edição, p. 269.
Petrópolis, Vozes, 1997, 2ª edição, p. 211
“A reprodução ampliada do capital faz-se hoje a partir de
“Em síntese, no período analisado, se organiza nos Estados sua forma mais abstrata, enquanto capital financeiro. Sua
Unidos um padrão de riqueza difundível internacionalmente representação são direitos a propriedades e a créditos. Os
em que estão presentes: 1) a mudança da natureza do sistema processos de desregulamentação financeira e de
monetário-financeiro com o declínio da moeda e dos liberalização das contas de capitais implicaram
depósitos bancários enquanto substrato do financiamentos, interdependência dos mercados de moedas e de finanças
substituídos pelos ativos que geram juros; 2) a securitização cujos instrumentos se sobrepõem e imbricam para todos os
que interconecta os mercados creditícios e de capitais; 3) a lados”.
tendência à formação de ‘conglomerados de serviços
financeiros’; 4) a intensificação da concorrência financeira/
5) a ampliação das funções financeiras no interior das
corporações produtivas/ 6) a transnacionalização de bancos e
empresas; 7) a variabilidade interdependente de taxas de
juros e de câmbio; 8) a déficit público financeiro
endogeneizado; 9) o banco central Market oriented; 10) a
permanência do dólar como moeda estratégica mundial”.

29) CINTRA, Marcos Antonio Macedo: “A montagem de 30) SERFATI, Claude: “O papel dos grupos
um novo regime monetário-financeiro nos Estados Unidos predominantemente industriais na financeirização da
1982-1994”, in: Transformações institucionais dos sistemas economia”, in: A mundialização financeira. Gênese, custos
financeiros – um estudo comparado, Cintra, M.A.M., Freitas, e riscos, Chesnais, F. (org.), São Paulo, Xamã, 1998, p.169.
M.C.P., São Paulo, FUNDAP/FAPESP, 1998, p. 185.
“Ao mesmo tempo em que Revue d’Économie Financière,
“A securitização é, portanto, o resultado de um duplo em 1988, questionava o lugar ocupado pelas finanças,
movimento: de um lado, os credores líquidos procuram evitar vários fatores destacam seu caráter parasitário. O
os passivos bancários; de outro lado, os devedores buscam os
mercados de capitais como alternativa mais baratas de crescimento potencial das operações ligadas à valorização
endividamento e capitalização. Como resultado, os bancos financeira do capital centralizado pelos grupos afeta,
transformam títulos não negociáveis em títulos negociáveis profundamente, o processo de formação do investimento
no mercado. produtivo. Parte significativa dos recursos é consagrada à
aquisição de títulos e à remuneração de outros (sob a forma
As hipotecas residenciais se tornaram as operações de de juros e dividendos). Esses recursos são financiados,
empréstimos securitizados mais comuns. As agências essencialmente, por uma porção do valor criado no ciclo
governamentais (Federal National Mortgage Association, produtivo, que se desenrola tanto nas filiais industriais do
Government National Mortgage Association e Federal Home grupo como externamente”.
Loan Mortgage) instituíram programas de empréstimo para a
aquisição de moradia, utilizando a técnica de mortagage-
backed securities, e, assim, ajudaram a criar um ativo
mercado secundário. Nessas transações, empréstimos para a
compra de residências eram concedidos através da formação
de um conjunto de investidores, que compravam títulos com
determinada rentabilidade, cuja garantia colateral era dada
pelo próprio imóvel, e podiam ser negociados no mercado
secundário. A garantia colateral, ou colateralização, se
expandiu para um amplo espectro de operações, de
nominadas de asset-backed securities ou loan-backed”.

31) BRUNHOFF, Suzanne: “A instabilidade financeira 32) FHARI, Maryse: “Derivativos financeiros: hedge,
internacional”, in: A mundialização financeira. Gênese, especulação e arbitragem”. In: Economia e Sociedade,
custos e riscos, Chesnais, F. (org.), São Paulo, Xamã, 1998, nº13, Campinas, Unicamp/IE, dezembro 1999, pp. 101 e
178

pp. 50-51. 103.

“Na falta de uma norma monetária internacional, a taxa de “Quando novos instrumentos financeiros surgem, é
câmbio das moedas depende das relações entre políticas necessário um certo tempo para que a maioria dos agentes
monetárias e da arbitragem feita pelos mercados financeiros. entenda a sua dinâmica, dando, assim, uma vantagem
Ora, a mudança de regime monetário internacional na comparativa aos que já dominam a situação. Esta
década de 70, ligada aos movimentos das finanças vantagem comparativa foi usada para operações de
internacionais, seguiu-se, no fim da década de 80, uma arbitragem ou de tesouraria pelas instituições financeiras
alteração de regime financeiro, a partir dos estados Unidos e que dispunham de quadros tecnicamente mais preparados.
do Reino Unido. O enorme florescimento das finanças
desregulamentadas combinou-se, então, com políticas “[...] A definição clássica, de especulação foi dada por
internas de deflação monetária. Kaldor (1939): a compra (ou venda) de mercadorias tendo
em vista a revenda (ou recompra) a uma data posterior
[...] Uma norma de elevada rentabilidade financeira foi
quando o motivo de tal ação é a antecipação de uma
imposta universalmente pelos mercados financeiros, com
mudança nos preços em vigor e não uma vantagem
variações locais, dependendo da influência das arbitragens
resultante de seu uso ou uma transformação ou
financeiras privadas sobre as políticas monetárias nacionais.
transferência de um mercado para outro”.
A avaliação das moedas nacionais pelo mercado cambial foi
submetida a esse novo regime financeiro, assim como as
práticas dos bancos centrais”.

33) EICHENGREEN, Barry: “A globalização do capital. 34) AGLIETTA, Michel: “La globalización financiera”,
Uma história do sistema financeiro internacional”, São in: Sinpesmiso, (www.sinpermiso.info), Madrid, agosto
Paulo, editora 34, 2000, pp. 247-247. 2000, pp. 1 e 5.

“O quarto de século que se se seguiu ao desmoronamento do “Globalização financeira é o nome que se atribuí as
Sistema de Bretton Woods trouxe ambições frustradas e transformações que tem afetado os princípios de
concessões penosas. Os esforços para reconstruir um sistema funcionamento das finanças. Trata-se de profundas
transformações que associam de maneira muito estreita a
de taxas de câmbio fixas mas ajustáveis fracassaram liberalização dos sistemas financeiros nacionais e a
repetidas vezes. A raiz do fracasso está na inelutável integração internacional.
escaladas na mobilidade do capital internacional, que
fragilizou as âncoras cambiais e dificultou os ajustes [...] O antigo regime de crescimento favorecia os
periódicos. A mobilidade do capital aumentou a pressão rendimentos de escala na produção industrial. O aumento
sobre os países de moedas fracas que procuravam defender da produtividade do trabalho ia acompanhado do aumento
suas âncoras. Essa mobilidade intensificou relutância das do peso da intensidade capitalística, que se traduzia em
nações de moedas fortes em oferecer ajuda, em vista da alta do aumento da relação do capital relativamente ao
magnitude sem precedentes das operações de intervenção valor agregado, produzidas pelas sociedades privada não
necessárias. Um número crescente de governos se viu financeiras. No novo regime, a pressão dos investidores
forçado a praticar um câmbio flutuante”. institucionais para melhorar o rendimento do capital tem
provocado primeiro que se detivesse o aumento da razão
capital/produto na Europa, seguida de uma leve queda, e
uma sensível queda (em torno de 40%) desde o começo da
década de 80 nos Estados Unidos, acompanhada de um
débil aumento da produtividade do trabalho”.

35) BEINSTEIN, Jorge: “Capitalismo senil: a grande crise 36) SERRANO, Franklin: “A economia americana, o
da economia global”, Rio de janeiro, Record, 2001, p.249. padrão dólar flexível e a expansão mundial dos anos
2000”, in: Economia e Sociedade, nº19, Campinas jul./ dez
“Os países de alto desenvolvimento puderam amortecer, 2002, pp. 251 e 259.
postergar sua crise, iniciada nos anos 70 graças a diversos
mecanismos de globalização e financeirização durante as “O padrão flexível, que Nixon e Kissinger tentaram
décadas de 1980 e 90, mas não conseguiram superá-la. Desde implantar nos anos 1970 e que se tornou uma realidade a
a segunda metade da década de 1980 apareceram sintomas de partir dos anos 1980, permite então que os Estados unidos
deterioração (crise financeira de 1987), decadência japonesa
do início dos anos 90, crise mexicana de 1994-95 etc.), incorram em déficits de conta corrente permanentes. Em
culminado com a ruptura de 1997. A partir daí o sistema termos de nossa equação, o termo VO (saldo global do BP
global entrou em um período de distúrbios graves. = variação líquida do estoque de ouro) deixa de existir e
todo o excesso do valor absoluto de VACP (variação dos
[...] Os países centrais fabricaram gigantescas dívidas ativos externos de curto prazo) sobre VALP (saldo de
públicas e desse modo mantiveram a demanda interna, fluxos de capital de longo prazo) quando há um déficit em
atenuaram através de subsídios sociais um desemprego que se conta corrente significa um aumento de reserva de outros
tornou estrutural ou o distorceram por meio da generalização países que necessariamente, se quiserem participar da
do trabalho provisório, e estimularam a especulação economia monetária internacional, tem que aceitar
179

financeira, que apanhou em sua dinâmica os Estados e inflou acumular títulos em dólar (em geral a própria dívida pública
efêmeros mercados emergentes, desordenando ainda mais a americana)”.
periferia, desviando-se para negócios ilegais de alta
rentabilidade (narcotráfico etc.)”.

37) TEIXEIRA, Aloisio: “O império contra-ataca: notas 38) TEIXEIRA, Aloisio: “Estados Unidos: a curta marcha
sobre fundamentos da atual dominação norteamericana”, in: para a hegemonia”, in: Estados e moedas no
Economia e Sociedade, nº15, Campinas Dezembro 2000, pp. desenvolvimento das nações, Fiori, J.L.(org.), Petrópolis,
9-10. Vozes, 1999, pp. 183-184

“Essa é a novidade que caracteriza o novo quadro mundial e “No plano mais geral, pode-se observar também que, desde
que permite aos Estados Unidos assumirem o comando das o final dos anos 60, começam a se desfazer os mecanismos
principais alavancas de poder capitalista. A impor ao mundo de regulação constituídos a partir da hegemonia americana.
a soberania do dólar (e de um dólar desvinculado do ouro), a O aspecto financeiro é aqui essencial, pois, nesse período, a
economia americana passou a uma situação em que não está expansão dos mercados financeiro, privado e
mais sujeita a restrições no balanço de pagamentos. Pode internacionalizado, atingiu rapidamente dimensões
com isso importar livremente e, dessa forma, reestruturar seu gigantescas, tornando visíveis os riscos que implicava:
parque industrial, praticando déficits comerciais gigantescos; modificando o caráter da atividade bancária. Constituindo
o problema é do resto do mundo. Pode adotar estratégias que um mercado financeiro, unificado, privado e livre de
bem entender, tendo em vista a manutenção de seu regulamentação nacionais, transcendendo as fronteiras
crescimento interno, desconhecendo – se assim o quiser o os nacionais, ele tornava ineficazes as políticas monetária,
problemas para seus parceiros; estes que se ajustem como fiscal e cambial de qualquer país e criava as condições para
puderem”. a febre especulativa que viria por abaixo o sistema de
Bretton Woods, em um primeiro momento, e desestabilizar
a própria economia mundial, posteriormente”.

39) BRAGA, José Carlos de Souza: “Temporalidade da 40) HELLEINER, Eric: “Reflexiones braudelainas sobre
riqueza. Teoria da dinâmica e financeirização do globalización económica: el historiador como pionero”, in:
capitalismo”, Campinas, Unicamp/Instituto de Economia, Análisis político, nº39, IEPRI, Universidad Nacional de
2000, p.222. Colombia, 2000, p. 7.

“A hipótese que sustentamos diante desses processos é que o “Pelo contrário, desde uma perspectiva conjuntural, a
cálculo financeiro geral e a organização capitalista atual globalização econômica se manifesta mais pertinente vista
público-privada conduzem a um processo de capitalização como uma força transformadora que desafia as estruturas
financeira como uma novidade macroestrutural do existentes. A partir da década de 1960, por exemplo, se lhe
capitalismo contemporâneo. Ele é forjado pelos capitais considera como uma força central que mina as bases da
centralizados que, operando aquele cálculo, impulsionam nos ordem político-econômica mundial posterior a 1945 e,
mercados monetários, cambial, acionário, creditício, quiçá, também num nível mais profundo, as bases do
imobiliário, de capitais e de commodities uma massa de Estado-nação territorial. Dessa posição vantajosa, a
riqueza financeira (que em parte é riqueza/capital fictício) globalização econômica não é uma estrutura profundamente
expressa concretamente nos ativos financeiros e na liquidez implantada, senão, mais ainda, um fenômeno que fomenta a
existente, em cada momento, na economia. Constitui-se descontinuidade em relação ao passado recente. O
assim uma circulação (ampliável) de riqueza financeira, que surgimento dos processos de produção globalmente
não é como em outros tempos do capitalismo, uma realidade organizados e, no caso, a característica instantânea das
apenas dos períodos imediatamente anteriores a um crash transferências de dinheiro indicam algo profundamente
financeiro após o qual ela desapareceria por longo tempo”. novo. Como fenômeno conjuntural, a globalização
econômica, sem dúvida, é também um processo reversível
(como foi a tendência de globalização entre 1850 e 1914), e
a autores debatem em que medida outros processos
históricos conjunturais, com a trajetória hegemônica dos
Estados Unidos e a mudança no equilíbrio de forças sociais,
influíram na nessa globalização econômica”.

41) WRAY, Randall: Senhoriagem ou soberania?”, in: 42) GOWAN, Peter: “A roleta global. Uma aposta
Economia e Sociedade, Campinas, nº19, jul./dez. 2002,pp. faustiana de Washington para a dominação do mundo”,
209-210. Rio de Janeiro, Record, 2003, pp. 74 e 75.

“Entretanto, do ponto de vista analítico, é o poder soberano “As características das políticas de Reagan em questões de
do governo dos Estados Unidos que permite que o país emita política econômica foram duplas: em primeiro lugar,
moedas e reservas demandadas em nível doméstico e colocar o capital-dinheiro no centra da cena pela primeira
internacional. Se retirássemos dos Tesouro dos Estados vez em décadas; e, em seguindo lugar, expandir e explorar
180

Unidos o poder soberano de emitir impostos em dólar, a o DWSR [Regime do Dólar Wall Street] segundo os
demanda mundial por dólares iria definhar. Dessa forma, no interesses da liderança americana. Colocar o capital-
limite, a existência da ‘senhoriagem’ deriva do poder dinheiro como elemento central dignificava derrubara a
soberano. inflação (que corroía a remuneração do capital-dinheiro),
tomar medidas para desregulamentar o sistema bancário e
[...] A pergunta que nos resta é se isso é resultado do poder financeiro, promover consideráveis reduções tributárias
hegemônico dos Estados Unidos ou de regras auto-impostas para os ricos, que sempre buscam o setor financeiro para
adotadas por outras nações. Em primeiro lugar, precisamos atividade de rentier, buscar uma política de fortalecimento
do dólar.
reconhecer que os estados Unidos são a única superpotência
remanescente e que exerce o poder político e militar de [...] A primeira decisão da administração Thatcher, ao
acordo com os seus interesses. Se assim o desejarem, os tomar posse em 1979, foi acabar com os controles
Estados Unidos podem reduzir qualquer nação a pó e, britânicos sobre as movimentações financeiras. Holland
provavelmente, derrubar qualquer governo e impor outro seguiu o exemplo em 1981, e o chanceler Kohl fez
mais disposto a atender aos seus desejos”. rapidamente o mesmo ao tomara posse em 1982. Um
grande impulso para a campanha veio com a decisão do
governo francês em 1984 de promover a ideia do Mercado
Único Europeu: esta divisão esta divisão tratava sobretudo
de remover os controles das movimentações financeiras por
tida a Europa Ocidental. A Dinamarca liberalizou em 1988,
a Itália iniciou uma liberalização em estágios no mesmo ano
e a França começou a abandonar gradualmente os controles
de capital em 1989. Durante a década de 1980 os Estados
Unidos pressionaram como algum sucesso o governo
japonês para que liberalizasse as suas restrições a livre saída
e entrada de fundos. Este foi um passo importante para o
aumento do tamanho e do peso dos mercados financeiros
anglo-americanos”.

43) BRENNER, Robert: “O boom e a bolha. Os Estados 44) DESAI, Meghnad: “A vingança de Marx. Ressurgência
Unidos na economia mundial”, Rio de Janeiro, Record, 2003, do capitalismo e a morte do socialismo de estatal”, São
pp. 87-88. Paulo, Códez, 2003. P.401.

“Em resposta ao impasse do setor manufatureiro “No entanto, todas essas alternativas não passam de versões
internacional no final dos anos 1970, resultante do diferentes do capitalismo; não há no horizonte qualquer
aprofundamento da crise de lucratividade durante a décadamodo rival de produção que se possa considerar viável. O
anterior, os governos de todas as economias capitalistas
avançadas buscaram facilitar o ingresso em atividades capitalismo é o único jogo disponível, e a disputa se dá
financeiras e pavimentar o caminho para retornos mais entre duas versões distintas: a anglo-saxônica e a nipo-
européia. As forças do livre movimento do capital,
rápidos. Para fazê-lo, não só iniciaram uma guerra conta a
inflação como também encetaram um processo abrangente de decorrentes da liberalização do capital financeiro, as novas
desregulamentação financeira. Os tetos das taxas de juros e
tecnologias de transporte, de comunicação e transmissão de
afins foram rejeitados. As restrições ao acesso aos mercados
informações parecem favorecer o modelo anglo-saxão, pelo
para as instituições financeiras, descartadas. Os controles de
capitais, em quase toda a parte, finalmente eliminados. menos neste momento. Isto acontece porque, em termos de
Mesmo assim, dado o nível baixo da taxa de lucro na lucratividade, único teste seguro do sucesso do capitalismo,
economia real, a obtenção de lucro, seja emprestando a as economias anglo-saxônicas tiveram, na primeira metade
entidades privadas, seja pela especulação, não era tarefa fácil
da década completa da globalização (os anos 1990),
– e assegurar altos retornos em geral implicava altos riscos.
melhores resultados do que as economias corporativas. Os
lucros têm aumentado e, o que é mais importante, a
A consequência foi o retorno dos ciclos financeiros, que
despeito das previsões sombrias sobre ‘o fim do trabalho’,
geraram sucessivas crises financeiras”.
nas economias anglo-saxônicas têm prevalecido níveis
elevados de emprego, em comparação com os níveos da
Europa continental. Em termos de crescimento do PNB e de
aumento da renda, a perspectiva te m sido também
favorável”.

45) STIGLITZ, Joseph: “Os exuberantes anos 90. Uma 46) GILPIN, Robert: “O desafio do capitalismo global. A
nova interpretação da década mais próspera da história”, economia mundial no século XXI”, Rio de Janeiro, Record,
São Paulo, Companhia das Letras, 2003, pp.111 e 221. 2004, p. 27.

“A desregulamentação do setor de telecomunicações abriu “Vários livros sustentam que, queiramos ou não, o
caminho a bolha de superinvestimento, que depois estourou capitalismo global e a globalização vieram para ficar. Os
com tanta repercussão em 2001. A desregulamentação do mercados em peso, argumentam, é que comandam o mundo
181

setor elétrico levou à manipulação do mercado, o que hoje o mundo, e todos terão de se adaptar, por doloroso que
prejudicou a economia da Califórnia, o centro de boa parte da seja. Entretanto, considero que não obstante os benefícios
inovação nos Estados Unidos. A desregulamentação do setor do livre comércio e de outros aspectos a da economia
bancário – notadamente a rejeição da lei Glass-Steagall –
abriu novas oportunidades para os conflitos de interesses, global, uma economia global aberta e integrada não é
quando o que se precisava era de regulamentações mais fortes necessariamente tão ampla e inexorável nem tão irreversível
voltadas para os conflitos de interesses já existentes e quanto sustentam muitos. O capitalismo global e a
crescentes que acabariam de enfraquecer a confiança em globalização econômica tem-se escorado e devem continuar
nossos mercados de ações. A regulamentação frouxa da a escorar-se em sólidas bases políticas. Entretanto os
atividade contábil propiciou oportunidades e incentivos para fundamentos da economia global posterior à Segunda
o fornecimento de informações enganosas ou equivocadas.
Guerra Mundial vêm-se desgastando continuamente desde o
[...] A questão não é se a globalização pode ser uma força fim da ameaça soviética. Para garantir a sobrevivência da
para o bem que beneficie os pobres do mundo; é claro que economia global, os Estados Unidos e outras grandes
pode. Mas ela precisa ser gerida de maneira correta, e com potencias devem voltar a comprometer-se a trabalhar juntos
muita frequência não tem sido. para reconstruir seus enfraquecidos alicerces políticos”.
Embora outros possam ser sofrido com a má gestão da
globalização, e embora no longo prazo essa má gestão possa
sair caro para os Estados Unidos – na medida em que todos
os problemas do governo Clinton se multiplicaram e foram
ampliados pelo subsequente governo Bush -, no curto prazo
os EUA se beneficiaram, mostrando mais uma vez que o que
é bom para os Estados Unidos pode não ser bom para o resto
do mundo, e também que o que é ruim para o resto do mundo
pode não ser ruim para os Estados Unidos”.

47) AGLIETTA, Michel: “Macroeconomia financeira. 48) GALBRAITH, John Kenneth: “A economia das
fraudes inocentes. Verdades para o nosso tempo”, São
v.1 Mercado, crescimento e ciclos – Macroeconomia Paulo, Companhia das Letras, 2004, pp. 63-64.
financeira. V. 1 Mercado financeiro, crescimento e ciclo; v. 2
Crises financeiras e regulação monetária”, São Paulo, “A reputação falsa e favorável do Fed [Federal Reserve,
Edições Loyola, 2004. banco central dos EUA] tem uma base sólida: o poder e o
prestígio de bancos e banqueiros, e a mágica associada ao
(Volume 1, p.25-26) “A desregulamentação das finanças
abriu novas perspectivas para a poupança, que saiu de seus dinheiro. Isso funciona como suporte e apoio ao Fed e seus
refúgios tradicionais, nos bancos e nas cadernetas de bancos-membros. Se há recessão, a taxa de juros é reduzida
poupança, rumo a mercados de títulos e a aquisições pelo banco central e os bancos-membros, por sua vez,
imobiliárias. Esse redirecionamento foi canalizado pelos oferecem taxas mais baixas aos clientes, o que os encoraja a
investidores institucionais (companhias de seguros e fundos tomar empréstimos. Então, os produtores irão gerara bens e
de pensão) que foram forçados pela concorrência a realizar serviços, comprarão as fábricas e as máquinas que agora
administrações mais dinâmicas das carteiras que lhe eram
confiadas. Ele foi acelerado por novos intermediários de tem condições de financiar – e com as quais agora poderão
mercado, fundos de participação e negociadores de títulos de fazer dinheiro – e o consumo irá se expandir, pagos com
todos os tipos. A atração das famílias foi garantida pelas empréstimos mais baratos. A economia reagirá e a recessão
esperanças de ganho de capital suscitados pelos mercados terminará. Se acontecer então um boom e ameaça de
abertos, desregulamentados e vitaminados por incentivos inflação, um custo mais alto de empréstimos, também
fiscais. determinado pelo Fed, e imposto em seus empréstimos aos
A mudança de estrutura da poupança criou fluxos de liquidez bancos-membros fará subir as taxas de juros”.
rumo a mercados de ativos cuja oferta era ou completamente
rígida (como o mercado imobiliário antigo), ou em contração
(como as ações nos países anglo-saxões no período de fusão
de empresas), ou ainda fortemente subavaliada (como as
ações das empresas privatizáveis)”.

(Volume 2, p. 11 e 13) “A globalização financeira provoca


acidentes disparatados e recorrentes há um quarto se século.

“Foram vastas crises de mercados que ilustram a


instabilidade das dinâmicas de preços nos mercados
financeiros e a falta de liquidez que pode se revelar nessas
crises. Elas foram, por exemplo, a crise do mercado de
commercial papers nos Estados Unidos em 1970 e dos junk
bonds de 1989 nos mercados de divisas. As crises mais
violentas ocorreram nos mercados de ativos patrimoniais: as
bolsas em 1987 e 1989, o setor imobiliário em vários países
na virada dos anos 1990. Esses diferentes episódios
evidenciaram as fontes de risco que têm potencial de
182

propagação no conjunto dos sistemas financeiros: os


aumentos brutais e não previstos da taxa de juros, as quedas
súbitas do preço dos ativos, a perda de liquidez nos mercados
estreitos.

[...] As crises de liquidez são os processos de propagação


mais fulminantes. Sabe-se que eles podem passar pelos
bancos (fuga de depósitos ou corte nos compromissos
interbancários) ou prelos mercados (adiantamentos
contagiosos de vendas excedentes entre mercados em seguida
a uma crise de valorização de um desses mercados As crises
de crédito resultantes da subavaliação dos riscos privados e
do excesso de endividamento são desordens cujas
consequências são mais lentas mas frequentemente mis
insidiosas para a economia real”.

49) DUMÉNIL, Gerárd & LÉVY, Dominique: “O 50) DUMÉNIL, Gerárd & LÉVY, Dominique: “Crisis y
neoliberalismo sob hegemonia norte-americana”, in: Finança salida de La crisis. Orden y desorden neoliberales”,
Mundializada. Raízes sociais e políticas, configuração, México, Fondo de Cultura Económica, 2007[2006], p.175.
consequências, São Paulo, Boitempo, 2005, p. 85.
“O predomínio das finanças no neoliberalismo não é uma
“O capitalismo entrou em uma nova fase que se novidade na história do capitalismo. O período que se
convencionou chamar de neoliberalismo. Na afirmação de extende desde fins do século XIX até a crise de 1929
um fenômeno dessa complexidade, sempre é difícil atribuir correspondeu a uma primeira hegemonia das finanças
modernas, que acabavam de vir à luz. Esta situação se
uma data precisa. Quando o capitalismo neoliberal se impôs desmoronou com a depressão dos anos trinta e com a
ao mundo? Apesar da continuidade das transformações e suas segunda Guerra Mundial. Por essa razão podemos descrever
múltiplas facetas, a transição dos anos 70 aos anos 80 foi o neoliberalismo como o restabelecimento do domínio das
marcada por um acontecimento emblemático da nova ordem finanças após um período de retirada.
social: a decisão, em 1979, do banco central dos Estados
Unidos, o Federal Reserve (Fed), de elevar de elevara as A comparação dos dois períodos de dominação das finanças
taxas de juros aos níveis requeridos para a eliminação da – fins de século XIX até 1933 e aos anos 80 – é rica em
inflação, não importando o custo nos países no centro e da ensinamentos. Permite perceber melhor a noção mesma de
periferia. Nós denominamos essa decisão de golpe de 1979, hegemonia financeira e os riscos que tal situação envolve”.
pois se trata de uma violência política. O que se seguiu esteve
a altura desse primeiro passo: controle dos salários, erosão
gradual dos sistemas de proteção social, onde de desemprego,
crescimento lento e crises recorrentes nos países da periferia,
deslocalização das empresas, elevação das tensões
internacionais e novo militarismo”

51) FERGUSON, Niall: “A ascensão do dinheiro. A história 52) BLACKBURN, Robin: “las finanzas y la quarta
financeira do mundo”, São Paulo, Planeta, 2009 [2008], p. dimensión, in: New Left Review, nº39, Londres, jul./ago
15. 2006, (37-69), p. 66.

“A crise financeira que desabou sobre o mundo ocidental no “A financeirização se define pelo uso de sofisticadas
verão de 2007 ofereceu um lembrete oportuno de uma das técnicas matemáticas para distribuir e cobrir o risco, de tal
verdades perenes da história financeira. Mais cedo ou mais modo que cabe pensar que estes instrumentos são uma parte
tarde, a ganância se transforma em medo.
principal do ‘capitalismo cinza’. Mas isto seria um erro. As
[…] A causa imediata da incerteza econômica de 2008 era melhoras no cálculo do risco geralmente são bastante
financeira: para ser preciso, um espasmo nos mercados de legítimas; não obstante, os problemas surgem da própria
crédito, causados por atrasos avultados de pagamentos sobre estrutura incrustrada no ‘capitalismo cinza’. No mundo
um tipo de dívida conhecida eufemisticamente como altamente financeirizado de hoje, uma ameaça sistêmica
hipotecas subprime. De tal modo nosso sistema financeiro potencial da envergadura do LTCM (...) poderá reaparecer
globalizado se tornou intricado, que famílias relativamente facilmente, mas o mais provável é que seja resultado das
pobres nos estados americanos, do Alabama ao Wisconsin, débeis estruturas institucionais e não de cálculos
conseguiram comprar ou rehipotecar suas casas através de defeituosos. Depois do naufrágio da ENRON e WolrdCom,
empréstimos com frequência complexos. Essas hipotecas o complexo emaranhado de contratos de produtos
depois foram reagrupadas (sem que as famílias soubessem) a derivativos em jogo se desenrolou sem grandes
outros empréstimos similares, reempacotadas como contratos penalizações; o verdadeiro desastre chegou para os fundos
de empréstimo subsidiado (CDOs) e vendidas por bancos em de pensões e para os empregados que haviam investido em
Nova York e Londres, para (entre outros) bancos regionais ações e nos fundos financeiros oferecidos por estas
183

alemães e autoridades municipais norueguesas, que desse empresas”.


modo se tornaram verdadeiros credores dessas hipotecas”.

53) BLACKBURN, Robin: “La crisis de las hipotecas 54) REICH, Robert: “Supercapitalismo. Como o
subprime”, in: New Left Review, Madrid, Ediciones Akal, nº capitalismo tem transformado os negócios, a democracia e
50, may/jun 2008 (53-95), p. 53 o cotidiano”, Rio de Janeiro, Elsevier/Campus, 2008, pp.
65 e 67.
“No verão de 2007 muitos dos mais proeminentes bancos dos
Estados Unidos e Europa se viram afetados por uma queda no “O impulso da desregulamentação da economia – imagem
valor dos títulos com garantia hipotecária que eles mesmos invertida do avanço para a regulammenteção que ocorrera
entre as duas grandes guerras, impulsionado por Hebert
haviam criado e que para surpresa de muitos, resultaram ser Croly e pelos progressivistas da época – não raro é
uma parte importante de seu patrimônio. A morosidade atribuído à empolgação de Ronald Reagan pelo livre
provocava assim uma crise do crédito, pois a resposta das mercado. No entanto, quando Reagan assumiu a
instituições financeiras foi reforçar o caixa e elevar suas presidência, em 1981, a tendência rumo à
exigências antes de cumprir as demais. Entre julho de 2007 e desregulamentação já estava em andamento havia uma
março de 2008, os bancos de investimento e os brókers década, deflagrada pelo fato de que, mesmo na fatia de 15%
da economia, em que os preços e os termos de entrada eram
[corretores] de Wall Street sofreram uma sangria em seu estipulados por comissões reguladoras independentes, as
patrimônio de 175 bilhões de dólares, e em março Bear novas tecnologias criavam novas possibilidades de gerar
Stearns, o quinto maior, foi ‘resgatado’ por JP Morgan Chase lucro. As empresas que viam essas possibilidades queriam
por uma pechincha e com uma ajuda da Reserva Federal de explorara seu potencial. Em consequência, pressionaram aa
29 bilhões em garantias. Muitos dos demais sobreviveram à comissões, fizeram lobby no Congresso e nas legislaturas
estaduais e contrataram professores para que divulgassem
base da venda de grandes parcelas de ações preferenciais,
trabalhos demonstrando os benefícios da
com tipo de rendimento bonificado garantido, a um conjunto desregulamentação para os consumidores.
de ‘fundos soberanos’ de propriedade de governos de Abu
Dhabi, Cingapura, Coréia do Sul e China entre outros”. [...] Os grandes bancos e instituições financeiras lideraram
as pressões pela desregulamentação dos serviços
financeiros. Na década de 1970, já dispunham de novos
sistemas de pagamento eletrônico e de recuperação de
informações, para depósitos e empréstimos. Mas não
tinham acessos aos mercados onde bancos locais eram
protegidos da competição, razão por que começaram a
reivindicar a desregulamentação. No meio tempo, os fundos
de pensão, os fundos de investimento e as empresas de
seguros, municiadas com computadores e software, viam
lucros potenciais na gestão mais ativa das poupanças
pessoais, mas também estavam bloqueadas pela
regulamentação financeira. Em consequência, juntaram-se
às forças em favor da desregulamentação”.

55) SERRANO, Franklin: “A economia americana, o 56) GUTTMANN, Robert, PLIHON, Dominique: “O
padrão dólar flexível e a expansão mundial dos anos 2000”, endividamento do consumidor no cerne do capitalismo
in: O mito do colapso americano, Fiori, J., Medeiros, C., conduzido pelas finanças”, in: Economia e Sociedade,
Serrano, F., Rio de Janeiro, Record, 2008, p. 64. Campinas, nº17, dezembro 2008, Número Especial, 575-
611), p. 576.
“A crise financeira americana nada tem a ver com a questão
do papel internacional do dólar, e sim com o excesso de “Durante o verão de 2007 a crise imobiliária dos EUA
desregulamentação e falta de supervisão dos mercados transformou-se em um arrocho de crédito [credit crunch]
financeiros privados americanos. Em meio à recente, e global que está ameaçando transtornar a economia mundial.
plenamente compreensível, crise de confiança sobre o valor Enfrentamos hoje (meados de 2008) a perspectiva de uma
dos títulos privados que decorreu da crise financeira do desaceleração significativa ou mesmo de uma recessão
subprime, tem havido a tendência ao aumento dos spreads de global. Não importa qual desses cenários por fim se
risco entre as taxas de juros oferecidas pelo setor, público revelará, o arrocho progressivo colocou em xeque a
(que tem risco zero na moeda local) e pelo setor financeiro viabilidade a longo prazo de um padrão de crescimento
privado no mercado americano. Isto resulta em parte da ‘fuga global que, nas últimas décadas, contou em grande medida
para a segurança’ que aumentou significativamente a com os Estados Unidos como o “comprador de última
demanda por títulos públicos americanos, a tal ponto que o instância” do mundo.
Fed foi forçado a mudar sua atuação direta e fazer operações
indiretas de compra e financiamento de títulos privados, na Essa dramática reviravolta coloca em risco a transição
tentativa de evitar a contínua perda de valor destes em suave para um novo regime de acumulação conduzido pelas
relação ao ativo de reserva do sistema: os títulos públicos finanças [finance-led accumulation regime] e para um novo
americanos”.
padrão de crescimento multipolar. Se a crise ainda não é
[...] A argumentação desenvolvida neste longo artigo tentou sistêmica, o surto atual de problemas nos principais
184

mostrar que ao Estado e as classes proprietárias nos Estados mercados financeiros do mundo certamente sinaliza o
Unidos ainda restam, a despeito de crise financeira recente, primeiro grande teste de resistência desse novo regime. Nós
uma substancial capacidade de influencias decisivamente, e gostaríamos de enfocar, nesse artigo, um pilar central do
com frequência até certo ponto controlar, os seguintes fatores regime – o endividamento das famílias americanas – a fim
estratégicos: a classe trabalhadora americana; a tecnologia de de extrair algumas percepções plausíveis sobre a natureza e
ponta mundial na área civil e militar; a moeda mundial; o implicações da crise atual”.
preço internacional dos alimentos e o preço e o acesso as
principais reservas de energia do qual o resto do mundo
depende”.

57) GUTTMANN, Robert: “Uma introdução ao capitalismo 58) KRUGMAN, Paul: “A crise de 2008 e a economia da
dirigido pelas finanças”, São Paulo, Novos Estudos depressão”, Rio de Janeiro, Elsevier/Campus, 2008, p.177.
CEBRAP, nov./2008, (11-33), pp. 11 e 22.
“À esquerda, comum culpar a desregulamentação pela crise
“O conceito de “capital fictício” de Marx implica sobretudo – especificamente, a revogação parcial, em 1999, do Glass-
que o valor de mercado das letras poderia ser elevado sem Steagall Act, passando a permitir que bancos comerciais
nenhum aumento paralelo na avaliação dos ativos tangíveis, entrassem no negócio de bancos de investimentos e que,
por meio do uso de crédito, para o benefício da negociação da portanto, assumissem mais riscos. Em retrospectiva, essa
lucratividade de tais letras. O que ele descreve aqui equivale foi, sem dúvida, iniciativa na direção errada que pode ter
à negociação de valores mobiliários e outros títulos contribuído de maneira sutil para a crise – por exemplo,
financeiros de ganhos de capital derivados da diferença entre algumas das estruturas financeiras arriscadas, desenvolvidas
o preço de compra (presumivelmente mais baixo) e o preço durante os anos de prosperidade, era operações extra-
de venda (mais alto). contábeis (off balance sheet) dos bancos comerciais.
Contudo, a crise, em boa parte, não envolveu problemas
[...] Em comparação com a época de Marx, temos hoje em dia com instituições desregulamentadas, que assumira novos
uma formação infinitamente mais avançada de capital riscos. Ao contrário, girou em torno de riscos assumidos
fictício, com grande parte da virada recente dos empréstimos por instituições que, ´para começar, nunca foram
bancários para os valores mobiliários equivalendo a um salto regulamentadas.
quântico na sua evolução. Em outras palavras, o capitalismo
dirigido pelas finanças tem dado prioridade ao capital fictício, E essa, eu diria, é a essência dos acontecimentos. Coma
cujos novos condutos, como derivativos ou valores expansão do sistema bancário paralelo, a ponto de igualar
mobiliários lastreados em ativos, estão a vários níveis de ou mesmo ultrapassar em importância o sistema bancário
distância de qualquer atividade econômica real de criação de
valor. Nessa esfera, o objetivo principal é negociar ativos em tradicional, políticos autoridades do governo devem ter
papel de forma lucrativa para obter ganhos de capital, uma percebido que estávamos restabelecendo a espécie de
atividade mais bem definida como especulação. Muitos vulnerabilidade financeira que possibilitou a Grande
desenvolvimentos recentes das finanças, como a Depressão – ao que deveriam ter reagido com aumento da
securitização, a explosão em volume de negociação de regulação e com o reforço de rede de segurança financeira,
derivativos, a disseminação de fundos de hedge, compras de modo a abranger também as novas instituições”.
maciças de valores mobiliários por bancos etc., devem ser
compreendidos por este ângulo.

[...] Muito tem se falado sobre a crise dos subprimes e o seu


avanço para uma quebra global de crédito. Aqui não é o lugar
para repetir os desdobramentos da crise, embora seja
apropriado reforçar que ela seguiu o padrão clássico da
superampliação movida pela euforia, um momento de
instabilidade aguda que marcou um ponto de inflexão e a
retração pelo pânico. Ainda assim, como sempre acontece
com crises financeiras importantes, esta também tem
características únicas. Particularmente surpreendentes têm
sido a velocidade, o alcance e a ferocidade das rupturas, uma
vez que as condições da crise transbordaram de uma fatia
razoavelmente pequena do mercado de hipotecas norte-
americano e engolfaram, além de desmontar, diversas
camadas de securitização interconectadas”.

59) GUTTMANN, Robert: “Globalização financeira e 60) PAULANI, Maria Leda: “A crise do regime de
perspectivas pós-crise”, Brasília, Revista Tempos do Mundo, acumulação com dominância financeira e a situação do
nº 1, IPEA, dez/2009, (57-74), p.59
Brasil”, São Paulo, Estudos Avançados USP 66, Maio-
“A terceira lição a ser tirada das crises sistêmicas do passado Agosto 2009, (25-39), p.33
é que estas não acabam por conta própria. Ao contrário de
recessões autoajustáveis ou de crises normais no decurso das “A crise só matura em 2007 quando os primeiros sinais de
flutuações cíclicas, das quais a economia se recupera, inadimplência mostram-se irreversíveis e põem a nu a
185

cortando oferta em excesso abaixo da demanda, aas crises fragilidade do sistema, particularmente do chamado sistema
mais graves de natureza sistêmica não têm um caminho de bancário paralelo (shadow banking system), que agia
superação próprio. Há duas razões para esta incapacidade produzindo crédito e moeda ao desabrigo de qualquer tipo
estrutural. Uma é o dano geralmente causado ao sistema de regulação.
bancário durante estas crises – sendo essa a razão de serem
sistêmicas, em primeiro lugar -, necessitando de correções de Como se percebe, o regime de acumulação com dominância
longo prazo para ressuscitar. A outra é a força das respostas da valorização financeira tem a formações de crises,
racionias individuais à crise, que tornam as coisas piores ocasionadas pela recorrente geração de bolhas de ativos,
quando tomadas em conjunto e projetadas no nível
macroeconômico. como sua característica mais marcante. Ele é por isso
estruturalmente frágil. Ao longo dos últimos 30 anos, o
[...] Se aplicarmos essa lições à situação atual, devemos poder detido pela riqueza financeira foi moldando as
concluir que a crise de hoje é significativa e provavelmente instituições de forma a criar um modo de regulação
irá durar muitos anos, causar enormes prejuízos na renda e no compatível como um processo de reprodução capitalista sob
emprego e repercutir em todo o planeta. Tanto o grau de seu comando. Completado esse processo, o sistema
instabilidade financeira que a precedeu quanto o contágio encontra-se no auge de sua fragilidade”.
global testemunhado desde então indicam que esta crise
específica está entre as grandes nos anais do capitalismo
industrial Temos um sistema bancário bastante danificado e
mercados financeiros disfuncionais, o que desencadeou uma
espiral de deflação de dívidas propensas a reduzir
drasticamente o comercio e os fluxos de investimentos
estrangeiros”.

61) GOWAN, Peter: “Crise no centro. Consequências no 62) BRAGA, José Carlos de Souza: “Crise sistêmica da
novo sistema de Wall Street”, São Paulo, Estudos Avançados financeirização e a incerteza das mudanças”, São Paulo,
USP 65, Janeiro-Abril 2009, (49-72), p.59. Estudos Avançados USP 65, Janeiro-Abril 2009, (89-102),
p. 89.
“O Citigroup lançou uma campanha de um bilhão de dólares
com o tema ‘Viva ricamente’ nos anos 1990, com o objetivo “O que está acontecendo nessa crise é da natureza do
de fazer que proprietários de imóveis fizessem uma segunda capital e capitalismo desregulado. Não existe nenhuma
hipoteca para gastar com o que quisessem. Outros bancos de deformação, nenhum desvio da essência do processo de
Wall Street agiram de forma semelhante, com muito sucesso:
a dívida proveniente de segunda hipotecas subiu para mais de acumulação, tal como detectado por seus grandes
U$ 1 trilhão. intérpretes. Tanto da acumulação produtiva com da
articulação daquela com a acumulação financeira e da
A bolha que gerou a crise de crédito de 2007 repousava, autonomização desta última. E curioso que parte da crítica
porém, não apenas – e nem mesmo especialmente no de esquerda cobre um ‘produtivismo’ do ‘sistema de
mercado imobiliário, mas no próprio sistema financeiro. A mercado’ que justamente não é alcançável pela lógica pura
crise foi desencadeada não apenas pelo tamanho da bolha de do mercado. O capitalismo está cada vez parecido com ele
dívidas, mas por suas formas. Numa crise normal gerada por mesmo. Determinações econômicas e políticas têm
excesso de oferta de empréstimo, quando os bancos acabam concorrido para tanto. O período iniciado em 1970 que se
com empréstimos não honrados (como ocorreu no Japão na designa como o do capitalismo financeirizado (Braga,
década de 1990), tanto a localização quanto o tamanho do 2000b), ou do capitalismo sob dominância financeira, ou
problema podem ser identificados sem muita dificuldade. ainda o ‘Fianance Led capitalism’ (Guttmann& Plihon,
Mas, em 2007 a bolha de dívidas dentro do sistema financeiro 2008), já dura mais de 38 anos. Um capitalismo, como se
estava concentrada em derivativos do mercado de balcão, na verá adiante, em que a valorização da riqueza financeira
forma de CDO individuais que não tinham preço de mercado vinha preponderando sobre a produtiva sem impedi-la,
ou mecanismo de precificação – além da opinião de agências porém expandindo-se a velocidades superiores e
de classificação de risco – e que eram distribuídas às dezenas produzindo instabilidade econômico-financeira estrutura”.
de milhares de instituições no topo do sistema financeiro,
assim como seus órgão satélite, tais como os SIV”.

63) CAGNIN, Rafael Fagundes: “O ciclo dos imóveis e o 64) ZARIFIAN, Philippe: “Uma crise inédita do
crescimento econômico nos Estados Unidos 2002-2008”, São capitalismo, tanto em suas características como em sua
Paulo, Estudos Avançados USP 66, Maio-Agosto 2009, (147- gravidade: análise e perspectivas”, São Paulo, Estudos
168), pp. 152-153. Avançados USP 65, Janeiro-Abril, 2009, (7-26), p. 11.

“As transformações da estrutura e das práticas financeiras nos “A característica central dessa crise, como crise do
Estados Unidos estreitaram as relações entre os mercados capitalismo, em sua lógica própria e em um novo ambiente
imobiliários e os mercados financeiros, desencadeando um (globalização e financeirização), reside numa disjunção
processo de financeirização dos imóveis’, sobretudo a partir
dos anos 1980. Esse processor permitiu, de um lado, uma estrutural entre trabalho assalariado e capital em escala
diversificação dos contratos financeiros e a ampliação dos mundial. Desde Marx, sabemos que não existe capital sem
186

estoques de crédito, tendo em última instância imóveis como trabalho assalariado, e o inverso também é verdade! Essa
colateral, e de outro, aprofundou a dependência dos ciclos de disjunção, acompanhada de uma desconexão relativa, mina
preços e de produção á conjunturas dos mercados financeiros. o desenvolvimento do capital na fonte mesma de sua
De acordo com Dubach (2008), esse processo de
financeirização se deu por meio de dois mecanismos: a produção. Rigorosamente falando, do ponto de vista
expansão dos Real Estate Investiment Trust (Reit) e a econômico, (de economia capitalista), é necessário se
securitização das hipotecas residenciais. concentrar sobre a trabalho assalariado produtivo, sabendo
que a relação capital-trabalho pode se referir a todo tipo de
Os Reit são fundos de investimentos que permitem o produção: produção industrial, agrícola, de serviços,
fracionamento da propriedade dos imóveis, assim como sua intelectual...é a relação social que importa e não a
construção e gestão.
materialidade da produção. Mas, do ponto de vista social,
[...] A securitização das hipotecas residenciais, isto é, a os assalariados formam um todo: fazem parte dos
transformação de carteiras de crédito em títulos negociáveis, assalariados os trabalhadores ativos, mas também os
tem suas raízes na reforma do sistema de financiamento empregados, os precários, os aposentados e, de certa forma,
residencial capitaneado pelo governo americano no final da os jovens que estão estudando para se tronarem
década de 1960”. assalariados”.

65) GRESPAN, Jorge: “A crise de sobreacumulação”, in: 66) MIGLIOLI, Jorge: “É só mais uma crise”, in: Crítica
Crítica Marxista, nº 29, São Paulo, 2009, (9-17), p.16. Marxista, nº 29, São Paulo, 2009, (19-24), p.19.

“Na presente fase da crise, propiciada justo pela “A crise atual não é uma novidade. Além do movimento
redistribuição de valores e descolamento dos preços que cíclico usual de subidas e descidas do nível de produção, às
ocorreram de modo maciço nos últimos anos, assistimos a vezes também ocorrem crises. Até recentemente, a mais
movimentos vertiginosos e a uma destruição de valor em conhecida foi a de 1929-1932, que abalou os Estados
escala sem precedentes na história. Os setores para onde os Unidos e os países capitalistas europeus, com repercussões
excedentes de valor vinham sendo desviados e lastreavam o em outras áreas do mundo, inclusive no Brasil. A atua-la
credito ao consumo, não poderiam mesmo sustentar por também assume graves proporções. Começou e se agravou
muito tempo a posição que lhes era atribuída. Entre 2006 e como um problema de insuficiência de demanda para
2007, os preços inflados pela especulação no setor absorver a existente capacidade efetiva ou potencial de
imobiliário, em primeiro lugar, acabaram caindo muito, e produção; portanto, usando uma conhecida designação,
continuarão em queda até encontrar seus valores reais. Os poderia ser chamada de ‘crise de superprodução’”.
excedentes aplicados nele tiveram então de se desviar mais
uma vez, concentrando-se na especulação de commodities o
que chegou a causar temores de uma volta da ‘estagflação’
entre 2007 e começo de 2008. Com a falência dos grandes
bancos norte-americanos e europeus no fim do ano passado,
contudo, esse esboço esse esboço de inflação se esfumou: um
volume enorme de excedentes financeiros teve de ser
contabilmente cancelado, algo em torno de 60 trilhões de
dólares, diminuindo a necessidade e a possibilidade de
especulação; desvalorizou-se o lastro dos empréstimos ao
consumidor, contraindo o crédito e o consumo; produção e
emprego começaram finalmente a cair”.

67) PINTO, Nelson Alves: “Crise e capital”, in: Crítica 68) SAMPAIO JR., Plínio de Arruda: “Crise e barbárie”,
Marxista, nº 29, São Paulo, 2009, (33-40), p. 36. in: Crítica Marxista, nº 29, São Paulo, 2009, (41-47), pp.
412.
“Em tal sentido, a crise em curso deve ser examinada nos
termos do esgotamento de um período prolongado de “A especificidade da crise econômica mundial é dada pelo
crescimento econômico (valorização da riqueza privada) cuja processo de liberalização que solapou as restrições
manifestação inicial – as atribulações do crédito imobiliário institucionais que, nos primeiros anos do pós-guerra,
norte-americano – está longe de indicar sua natureza objetiva. tinham estabelecidos certos limites à atuação do capital
Ela apenas sinaliza um descompasso econômico cuja financeiro. Ao levar ao paroxismo a liberdade de
expressão assume a forma de desvalorização de determinados movimento dos capitais e a desregulamentação dos
haveres financeiros. A propagação desordenada desse mercados, o processo de liberalização liderado pelos
descompasso através das relações de interdependência que Estados Unidos, sob a batuta dos organismos financeiros
caracterizam o sistema financeiro contemporâneo só se internacionais, criou as condições ideais para o pleno
materializou à medida que refletiu os obstáculos já presentes desenvolvimento da especulação financeira mercantil e
no desenvolvimento anterior”. produtiva em escala global. O resultado era previsível. A
valorização do capital fictício descolou-se por completo da
187

capacidade de consumo da sociedade”.

69) CARCANHOLO, Reinaldo A. “A atual crise do 70) BEINSTEIN, Jorge: “Hacia una crisis prolongada de
capitalismo”, in: Crítica Marxista, nº 29, São Paulo, 2009, la civilización burguesa”, in: El largo crepúsculo del
(49-55), p. 53. capitalismo, Beinstein, J., Buenos Aires, Cartago, 2009,
p.21.
“É por tal razão que a etapa especulativa e parasitária do
capitalismo mundial, liderada por esse país [EUA], “A palavra ‘colapso’ foi aparecendo com crescente
inevitavelmente tem data para desaparecer, embora não intensidade desde fins de 2007 em entrevistas e artigos
saibamos quando será e nem, muito menos, como se dará. A jornalísticos, muitas vezes combinadas com outras
crise dos subprime e de todos os seus graves desdobramentos expressões não menos terríveis, em alguns casos adotando
em todo o mundo, e a qual assustou a todos, não constitui sentido mais popular (derrubada, queda catastrófica...) e em
senão o início do processo de colapso dessa etapa, que talvez outros sua forma mais rigorosa, quer dizer, como sucessão
seja mais longo dom que podemos imaginar. A atual crise irreversível de grave deterioração sistêmica ou como
está simplesmente em suas manifestações preliminares. decadência geral. Paul Craig Roberts (ex-secretário-adjunto
do Tesouro dos EUA governo Reagan, e x-editor do Wall
É necessário entender que essa crise, iniciada há mais ou Street Journal) publicou em 120 de março de 2008 um texto
menos dois anos, tinha e tem por função destruir capital intitulado: ‘O colapso da potência americana’, onde
fictício e restabelecer não certo equilíbrio, mas certa descreve os traços decisivos do declínio integral dos
Estados Unidos, e em 27 de março ‘The Economist
proporcionalidade dele com o capital produtivo, de maneira a intitulava ‘Esperando Armagedón’ a um artigo referido a
permitir um funcionamento mais ou menos articulado do onda irresistível de bancarrotas empresariais norte-
sistema, com uma nova lógica”. americanas”.

Em 14 de abril o Financial Times publicava artigo de


Richard Haass, presidente doo Conselho de Relações

Internacionais dos Estados Unidos onde assinalava que ‘a


era unipolar, período sem precedentes de domínio
estadunidense, terminou. Durou cerca de duas décadas, algo
mais que um instante em termos históricos”.

71) FREITAS, Maria Cristina Pendido de: “Origem e 72) CARVALHO, Pedro: “Elementos para a
desdobramentos da crise do mercado de hipotecas de alto caracterização da crise capitalista”, in: www.odiario.info
risco nos Estados Unidos”, in: Panorama das economias (dezembro 2010), pp.1 e 6.
internacional e brasileira, Biasoto Junior, G., Novais, L.F.,
Freitas, M. P. (orgs.), Fundap, São Paulo, 2009, (9-24), pp. “O sistema enfrenta o esgotamento das suas
11-12.
respostas, pois em cada resposta a(s) crise(s) prepara-se o
“As hipotecas de alto risco ou subprime são empréstimos caminho para novos episódios de crise(s), com
imobiliários concedidos a indivíduos sem histórico de crédito consequências mais gravosas. A questão do sistema hoje, na
ou com histórico de inadimplência, em geral famílias de depressão que enfrenta face a outras do passado (a Grande
baixa renda ou minorias (negros e hispânicos). Essas Deflação de 1873-1896 e a Grande Depressão de 1929-
hipotecas de alto risco integram o segmento não prime do 1938), é de «grau». O grau de sobreprodução dos principais
mercado, em conju8nto com as hipotecas Alt A que são os segmentos industriais do sistema capitalista mundial,
empréstimos imobiliários concedidos a indivíduos com bom nomeadamente o automóvel. O grau de sobre acumulação
histórico de crédito, mas sem comprovação de renda. Isto de capital sobre todas as formas, começando desde logo
significa que não contam com garantia governamental nem pelo excesso de capacidade produtiva instalada. O grau de
são adquiridos pelas empresas patrocinadas pelo governo que financeirização que o sistema atingiu, com a explosão dos
viabilizam o mercado secundário e a transformação de meios monetários em circulação, do crédito e do capital
hipotecas em ativos negociáveis (mortgage backed fictício, sem «cobertura» ao nível da produção, o que limita
securities). a expansão do capital financeiro. O grau de concentração e
centralização do capital atingido, com estabelecimento de
Esse tipo de hipoteca surgiu nos Estados Unidos na década de mercados monopolistas ou oligopolistas nos principais
1980, porém o mercado só ganhou importância na segunda sectores de actividade. O grau de sobre-extensão planetária
metade dos anos 1990. A expansão das hipotecas subprime do sistema e da mercantilização de todas as esferas da vida
humana, que limitam a expansão dos mercados.
foi impulsionada, sobretudo, por inovações financeiras que
viabilizaram sua negociabilidade, com o desenvolvimento do [...] A crise estrutural em que o sistema capitalista se
sistema de credit score (que facilitou a avaliação e encontra pode-se depreender das dificuldades crescentes do
precificação dos riscos) e dos chamados derivativos de sistema em restaurar as condições de valorização do capital,
crédito (credit swap, credit option e outros), que permitem a ou seja, as taxas de lucro. A questão é se o sistema ainda
transferência de risco de não pagamento (default). consegue revolucionar as relações sociais de produção,
Igualmente, ocorreram alterações na regulamentação do modificando o seu paradigma produtivo, tecnológico e
setor, as quase autorizavam a concessão de empréstimos energético, para encetar um novo ciclo de expansão? Isto
imobiliários com taxas de juros ajustáveis (ou seja, num quadro de sobre-acumulação de capital, de sobre-
flutuantes) e viabilizaram as vendas das hipotecas pelas extensão do sistema a nível planetário e em que os limites
188

instituições ‘originadoras’ dos empréstimos a vários da natureza se impõem, face ao libelo predatório da
intermediários ou ‘securitizadores’”. acumulação ilimitada de capital. No quadro do capitalismo,
só a guerra poderá provocar o grau de destruição do capital
necessário para a restauração das condições de valorização
do capital. A depressão e a guerra têm sido as duas marcas
constantes do desenvolvimento do sistema capitalista
mundial nos últimos 200 anos”.

73) FERGUSON, Neill: “A ascensão do dinheiro. A história 74) KINDLEBERGER, Charles, ALIBER, Robert Z. “Da
financeira do mundo”, São Paulo, Planeta, 2012, p. 318. euforia ao pânico. Uma história das crises financeiras”,
São Paulo, Gente, 2009, pp.27-28
“A partir do século XIII, os títulos go governo introduziram a
securitização de correntes de pagamentos de juros e os “Nos primeiros dois terços do século XIX, as crises
mercados de títulos revelaram os benefícios dos mercados ocorreram regularmente a intervalos de dez anos (1816,
públicos regulamentados para comercializar e apreçara bens e 1826, 1837, 1847, 1857, 1866) e, depois, com menos
valores imobiliários. A partir do século XVII, as ações de regularidade (1873,1907, 1921,1929). Um modelo
corporações podiam ser compradas e vendidas de maneira desenvolvido por Hyman Minsky é usado para interpretar
similares. Desde o século XVIII, aos fundos de seguro, e as crises financeiras nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha e
depois os fundos de pensão, se aproveitaram das economias em outras economias de mercado. Minsky deu destaque às
de escala e das leis das médias para promover proteção mudanças pró-cíclicas no suprimento de crédito, que
financeira contra o risco calculado. A partir do século XIX, aumentava quando a economia crescia e diminuía durante a
os futuros e as opções ofereceram instrumentos mais desaceleração. Durante a fase de expansão, os investidores
especializados e sofisticados: os primeiros derivativos. E, ficavam mais otimistas sobre o futuro e revisavam para
desde o século XX, as famílias foram encorajadas, por razões cima suas estimativas de lucratividade de uma vasta gama
políticas, a aumentar a alavancagem e a se desviar dos eu de empréstimos. Ao mesmo tempo, do ponto de vista dos
portfólio a favor do mercado imobiliário” credores, tanto suas avaliações de risco de investimentos
individuais quanto suas aversões ao risco diminuem e eles
ficam mais propensos a fazer empréstimos, inclusive para
alguns investimentos que anteriormente lhes pareciam
muito arriscados”.

75) KINDLEBERGER, Charles: “La grande crisis 76) FHARI, Maryse, CINTRA, Marcos Antonio Macedo:
económica 1929-1939”, Madrid, Capitán Swing, 2009, p. “A crise financeira e o global shadow banking system”, in:
460. Panorama das economias internacional e brasileira, Biasoto
Junior, G., Novais, L.F., Freitas, M. P. (orgs.), Fundap, São
“A explicação que este libro contem está em que a depressão Paulo, 2009, (25-45), pp.26-27.
de 1929 foi tão ampla, tão profunda, tão longa, devido a que
o sistema econômico internacional se fez instável pela “Os bancos concedem empréstimos com os recursos que
recebem de seus depositantes e com o seu próprio capital.
incapacidade britânica e falta de vontade norte-americana Mas, sobretudo, os bancos criam depósitos – moeda
para assumir a responsabilidade de estabilizá-lo bancária escritural – ao conceder crédito (Keynes, 1930).
desenvolvendo cinco funções: 1.Manter um mercado Emitem também títulos de dívidas para obter recursos e
relativamente aberto para bens com problemas. 2. conceder novos financiamentos (Chick, 1994). Em geral, os
Proporcionar empréstimos anticíclicos a longo prazo, ou pelo empréstimos concedidos têm prazos mais longos do que os
menos estáveis. 3. Estruturar um sistema estável de tipos de depósitos ou as dívidas. Em decorrência da criação de
depósitos e do descasamento de prazos, o sistema tende a
câmbio. 4. Assegurar a coordenação das políticas ser altamente instável, sujeito a processos de euforia ou
macroeconômicas. 5. Atuar como emprestador de última pessimismo e a corridas bancárias. Por essa razão, foram
instância, por meio do desconto ou outras formas, desenvolvidas instituições para garantir os depósitos, para
proporcionando liquidez nas crises financeiras”. atuar como ‘emprestadores de última instância’, para
regular e supervisionar o sistema, de modo a assegurara que
os bancas sempre detenham ativos suficientes para fazer
frente aos movimentos de saques dos depositantes.

Nas últimas décadas, verificaram-se três movimentos


simultâneos e complementares. Em primeiro lugar, os
bancos comerciais, submetidos à regulação prudencial e ao
acirramento da concorrência, alimentaram
extraordinariamente o volume de crédito concedido. Para
fazê-lo, tiveram que retirar parte dos ativos (e, portanto, dos
riscos) de seus balanços, uma vez que o capital próprio
(reservas) era insuficiente para atender às exigências dos
Acordos da Basiléia. Dessa forma, deixaram de atuar como
189

fornecedores de crédito e assumiram o papel crescente de


intermediadores de recursos em troca de comissões.
Romperam, por conseguinte, as relações diretas,
anteriormente existentes, com os tomadores de crédito que
costumavam ser monitorados de perto, pois serviam de
‘indicador antecedente’ de riscos de inadimplência. Em
segundo lugar, os bancos passaram administrar fundos de
investimentos, oferecer serviços de gestão de ativos por
meio de seus vários departamentos, fornecerem seguros
financeiros (hedges) como dealers no mercado de
derivativos e ofertar linhas de crédito nas emissões de
commercial papers e outros títulos de dívida no mercado de
capitais (Farhi, 2002). Em terceiro lugar, uma grande
variedade de instituições evoluiu no sentido de
desempenhar papel semelhante ao dos bancos comerciais
sem estarem incluídos na estrutura regulatória existente, e,
portanto, sem disporem das requeridas reservas em capital”.

77) FOSTER, John Bellamy. “A financeirização do capital e 78) WOLF, Martin. “As transições e o choque. O que
a crise”, in: Outubro, nº18, São Paulo, 1º semestre 2009, (8- aprendemos – e o que ainda temos de aprender – com a
25), pp. crise financeira”, São Paulo, Companhia das Letras,
2015[2014], p. 361-2.
“A mania especulativa caracteriza-se pelo rápido aumento no
volume de endividamento e um declínio igualmente rápido “Desde 1980, o mundo sofreu seis crises financeiras
em sua qualidade. O pesado endividamento é usado para globalmente importantes: a crise da dívida latino-americana
adquirir ativos financeiros, não com base no fluxo de renda do início da década de 1980; a crise japonesa da década de
que se espera que eles sejam capazes de gerar, mas 1990; a crise tequila de 1994, cujo epicentro foi o México,
meramente no aumento esperado no preço desses ativos. Isso mas que também afetou muitas partes da América Latina; a
é o que o economista Hyman Minsky chamou de ‘Ponzi crise do leste da Ásia de 1997-9; a crise financeira global de
fianance’ ou hiperespeculação. As CDOs, com sua exposição 2007-9; a crise financeira da zona do euro de 2010-3. Essa
a hipotecas subprime – ou o ‘lixo tóxico’ financeiro – lista deixa de lado muitas crises nacionais – a crise de 2001
crescentemente tomaram essa forma clássica. na Argentina, por exemplo – e crise regionais significativas,
entre elas a escandinava da década de 1990. Na verdade,
[...] Na raiz da tendência à financeirização, Magdoff e uma fonte autorizada estima que houve 147 crises bancárias
Sweezy argumentavam, encontrava-se a estagnação da entre 1970 e 2011.
economia real, que é o estado normal do capitalismo
moderno. Nessa visão, não seria a estagnação que (...) O mais assustador é que, com o passar do tempo, as
necessitaria de uma explicação, mas sim os períodos de crises parecem ter se tornado maiores e mais globalmente
rápido crescimento, tal como nos anos 1960. devastadoras. As duas últimas – aas crises financeira global
e da zona do euro – atingiram o núcleo do sistema
Economistas do mainstream têm colocado pouca ênfase na
econômico mundial, afetando economias que geram pouco
tendência à estagnação das economias maduras. Na ideologia
menos da metade do produto econômico global (se
econômica dominante o rápido crescimento é considerado
tratarmos a zona do euro como um único conjunto). Os
como sendo propriedade intrínseca do capitalismo como
países emergentes e em desenvolvimento conseguiram lidar
sistema. Confrontados com o que parecesse ser o princípio de
relativamente bem coma as consequências. Mas essa
uma grave desaceleração da economia somos assim
história não acabou...”.
encorajados a considera-la como um mero fenômeno cíclico
– doloroso, mas que se corrigirá automaticamente. Mais cedo
do que tarde uma recuperação total se dará e o crescimento
retomará seu acelerado passo normal”.

79) ZHOU, Xiaoliang. “Marxist Economic Analysis on the 80) ROGOFF Kenneth, e REINHART Carmen: “Oito
Causes of Crisis and Reflection on the Reform of China’s séculos de delírios financeiros. Desta vez é diferente”, Rio
Harmonious Development” [Análise econômica marxista de janeiro, Elsevier/Campus, 2009, pp.206 e 210.
sobre as causas da crise e reflexão sobre a reforma do
desenvolvimento harmonioso da China], in: The 4th Forum “A crise financeira global de fins de 2000, sob os critérios
of the World Association for Political Economy, Paris, de profundidade, amplitude e duração (potencial) da
France, 2009, p.10. recessão subsequente ou com base em seus efeitos
profundos sobre os mercados de ativos, se destaca como a
“Em conclusão, as razões para esta crise podem ser mais grave crise financeira global desde a Grande
resumidas como o resultado de grave desequilíbrio das várias Depressão e se caracteriza como ponto de inflexão na
relações no coração dos Estados Unidos e outros países história da economia global, cujas consequências
capitalistas, assim como países de economia de mercado provavelmente reformularão a política e a economia durante
global, sob o efeito do direito funcionamento básico da pelo menos uma geração.
190

economia de mercado, da propriedade privada e seus (...) No entanto, o Federal Reserve poderia ter prestado mais
inerentes movimentos contraditórios. Nos últimos 30 anos de atenção ao fato de que o aumento nos preços dos ativos
reforma e desenvolvimento, a China tem conseguido grandes estava sendo impulsionado pela elevação implacável no
conquistas históricas de crescimento econômico rápido e
sustentado. No entanto, o crescimento econômico também índice de endividamento das famílias sobre o PIB, contra o
sofreu uma superprodução mais grave, inflação e altos e pano de fundo de quedas sem precedentes nas taxas de
baixos. Especialmente o problema de se ajustar à situação popança pessoal. Esse índice, que se mantivera mais ou
econômica estrutural vem restringindo o desenvolvimento meno0s estável, em torno de 80% da renda pessoal, até
sustentável da economia chinesa. Neste momento de crise 1993, subira para 120%, em 2003, e para quase 13% em
financeira e econômica, os mercados de capital da China vêm meados de 2006. Trabalho empírico de Bordo e Jeanne e do
deixando cair drástica e rapidamente a inflação, o que afetou
seriamente o desenvolvimento da economia real. Este tem banco de Compensações Internacionais sugeriu que, quando
expostos os problemas dos desequilíbrios estruturais, devido os surtos habitacionais são acompanhados de grandes
à dependência da trajetória histórica do modelo de aumentos no endividamento, os riscos de crise são muito
crescimento econômico chinês e reformas desequilibradas maiores”.
orientadas para o mercado, bem como a participação no
sistema de divisão internacional. Assim, em uma nova fase de
desenvolvimento, qualquer que seja a partir de uma
perspectiva de desenvolvimento ou a partir da perspectiva de
reforma, há um problema sobre como melhorar a
coordenação e harmonia.

Se a China quiser reduzir o impacto da crise financeira e


econômica, ela deve embarcar em um caminho de reforma e
desenvolvimento harmoniosos com características chinesas.
Assim, em teoria, a partir da perspectiva de resposta para a
crise no curto prazo, devemos, sob a orientação da economia
marxista, consolidar e aperfeiçoar o sistema de base
econômica socialista, e nos esforçar para estabelecer uma
base sólida para as grandes massas de rendimentos e
produtividade do trabalho e crescimento do PIB na base
institucional de sincronização, ao mesmo tempo, o foco na
prevenção à crise financeira e econômica causadas pela
crescente disparidade de renda do sistema. Enquanto isso,
devemos aprender com os ocidentais economia neo-clássica e
economia keynesiana, para fortalecer a gestão
macroeconômica do governo sob a base do aperfeiçoamento
do sistema de mercado e mecanismos de mercado. Do ponto
de vista da reforma de longo prazo e desenvolvimento
harmoniosos, devemos explorar a lei do modelo de
desenvolvimento econômico e social do socialismo na teoria
estruturalista, com referência ao pensamento econômico
harmonioso baseado no sistema do marxismo, estrutura social
e da teoria do valor do trabalho, e aprofundar o estudo da
economia de mercado socialista e a característica essencial da
reforma, a fim de inovar e melhorar a teoria econômica do
socialismo com características chinesas”.

81) MORRIS, Charles: “O crash de 2008. Dinheiro fácil, 82) BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello: “Os
apostas arriscadas e o colapso global do crédito”, São antecedentes da tormenta. Origens da crise global”,
Paulo, Aracati, 2009, pp. 30 e 33. Unesp/FACAMP, 2009, p. 25-26.

“Em algum momento de outubro de 2008, os mercados “A desregulamentação, como foi dito, facilitou o
financeiros finalmente entenderam. O mundo estava envolvimento dos bancos no financiamento de posições nos
encalhado numa brutal escassez de crédito e oscilava à beira mercados de capitais e em operações ‘fora do balanço’ com
de uma recessão apavorante. Os mercados de ações derivativos. Essas relações entre bancos de depósitos e
despencaram em todos os lugares, as moedas oscilaram instituições financeiras não bancárias (os ‘bancos-sombra’)
violentamente, os empréstimos interbancários cessaram. Os proporcionaram maior liquidez aos mercados securitizados
governos injetaram trilhões de dólares em empréstimos, e ensejaram elevado grau de ‘alavancagem’ de fundos e
capitalização e planos de resgate, enquanto os mercados de bancos de investimento. Os bancos universais passaram a
crédito permaneciam obstinadamente ‘fechados’. O Federal ‘securitizar’ recebíveis de todos os tipos, em especial os
Reserve, em uma expansão inédita e unilateral de seus baseados em empréstimos hipotecários, dívidas de cartões
poderes, concedeu U$S 800 bilhões em novos empréstimos de crédito, mensalidades escolares – em suma, todo tipo de
em menos de um mês – bancos comerciais, bancos de cash flow com alguma possibilidade de ser pago pelos
investimento, uma grande seguradora, emissores de devedores finais. Os bancos trataram de ‘empacotar’ os
commercial papers e fundos de investimento do mercado créditos, os bons, os ruins, os péssimos, e remover a
191

monetário. ‘mercadoria’ dos balanços, mediante a criação de Special


Investiment Vehicles (SIVs.).
[...] E surgiram novas revelações alarmantes. Os grandes
bancos, especialmente o Citigroup, mantinham, ao que [...] A cadeia de montanha de detritos financeiros foi
parecia, centenas de bilhões de empréstimos de longo prazo construída mediante a multiplicação e a negociação de
ativos lastreados em créditos hipotecários e a disseminação
em misteriosas entidades que não constavam dos balanços de derivativos que que garantiram os investidores contra o
chamadas SIV, que eles financiavam no mercado de default, os indefectíveis Credit Default Swaps (CDS).
commercial papers de curto prazo. O choque da revelação
provocou uma interrupção gradual dos empréstimos [...] O colapso dos preços dos imóveis afetou o preço dos
interbancários”. ativos originados das operações de crédito hipotecário,
detonou os mercados de commercial papers e levou às
alturas os prêmios dos CDS. Os bancos-sombra viram
sumir o funding para carregar os papéis e as seguradoras de
crédito, como a AIG, tiveram que recorrer ao socorro do
Tesouro e Fed”.

83) SOUZA, Antônio Renildo: “Dominação global, 84) BARROSO, Aloisio Sérgio Rocha: “Características
neoliberal e financeira”, in: Capitalismo contemporâneo e a centrais do capitalismo contemporâneo – modificações dos
nova luta pelo socialismo – Seminário. São Paulo, Anita últimos trinta anos”, in: Capitalismo contemporâneo e a
Garibaldi/Instituto Mauricio Grabois, 2009, pp.46 e 52. nova luta pelo socialismo – Seminário. São Paulo, Anita
Garibaldi/Instituto Mauricio Grabois, 2009, p. 68.
“Hoje, sob o neoliberalismo, a superacumulação de capital se
expressa, mais visivelmente, no âmbito da esfera financeira “A enfática remissão ao ‘capital portador de juros’ – na
mundial. A instauração da flutuação cambial em 1973 levou a verdade retomada por Chesnais em A mundialização
especulação e a hipertrofia dos mercados de câmbio, à revelia financeira, 1996, com atraso vis-à-vis à interpretação de A
das necessidades produtivas e comerciais. O capital portador mundialização do capital, 1994 – parece-me dificultar –
de juros está, cada vez mais, dominando e redefinindo o pois insuficiente – o desvelamento de um dos vetores
circuito do capital industrial. Assim, as formas funcionais do principais que resulta da visão de conjunto acerca da
capital-dinheiro, do capital-produtivo e do capital-mercadoria dinâmica da financeirização: ‘A dominância financeira é a
se inscrevem em uma circulação subordinada à lógica do expressão geral das formas contemporâneas de definir, gerir
capital especulativo parasitário. Mas dominação não é e realizar a riqueza no capitalismo’ (Braga, 1993 [1988-9]).
exclusão. E existência da esfera financeira depende da
continuidade e da expansão das punções da mais-valia [...] Ademais, essa questão é fundamental para uma das
extraída no processo produtivo. A finança segue a produção, conclusões que devemos mirar: desregulamentou-se e
mas a lógica financeira domina a lógica produtiva.
liberalizou-se o sistema financeiro internacional, de maneira
[...] O capitalismo contemporâneo tem sido marcado por ‘regulada’! De uma série de atos e leis, datados dos anos
relevante desemprego crônico e aumento da desigualdade de 1970 nos EUA, do papel crescente do Fed e do Tesouro dos
renda e riqueza. Aumentaram os episódios das crises EUA aos bancos centrais, ao G-7, aos Acordos da Basiléia
financeiras, como os anos 1990 e 2000 demonstram. (1988, ou um ano após o crash de 1987, em Wall Street), à
Ademais, as crises cíclicas, periódicas, são fomentadas pela internacionalização dirigida dos derivativos pós-mercados
superprodução e superacumulação, sob o acicate da financeiros nacionais desregulados, à imposição quase
globalização da concorrência”. unânime da ‘lei’ da flutuação cambial etc.”.

85) MORAES, João Quartim de: “Para uma análise 86) BOYER, Robert: “Teoria da regulação. Os
marxista da crise”, in: Crítica Marxista, nº 28, São Paulo, fundamentos”, São Paulo, Estação Liberdade, 2009, pp.
2009, (11-14), pp.13-14 132-133.

“Exatamente porque todas as crises estão direta ou “Consequentemente, nos anos 1990, multiplicaram-se as
indiretamente ligadas à produção da riqueza social, é sequências que faziam alternar período de expansão
tautológica a afirmação, reiterada por certos marxistas mais econômica sem precedentes – visto que alavancada pela
abundância de crédito – com bruscas reviravoltas induzidas
apegados à letra do que ao espírito da teoria, de que a causa por fugas de capitais.
das crises está sempre na esfera produtiva. Com certeza, as
hipotecas podres, a especulação desenfreada, as Com intensidade e gravidade variáveis, combinavam-se
‘alavancagens’ mirabolantes são epifenômenos da crise de então crise bancárias e crises cambiais, crises imobiliárias e
superacumulação crônica do capital. Mas o método marxista crises das bolsas, falências bancárias e crises da dívida
consiste em explicar os fenômenos e não em desconsiderá- soberana. Assim, a globalização financeira veio
los. O potencialmente pujante desenvolvimento das forças desestabilizar modos de desenvolvimento que não estavam
produtivas já estava freada pelos limites que as relações desprovidos de tensões nem de contradições, mas cuja
capitalistas impõem à reprodução ampliada do processo viabilidade foi severamente comprometido em de
produtivo. As novas presdigitações para contornar esses ocorrência da erosão, pela finança, da maioria das formas
limites, fazendo dinheiro gerar dinheiro, configuraram uma institucionais e das próprias limitações do modo de
desenfreada fuga para a frente, que estirou as cordas da regulação, diante da novidade e da extensão do choque da
192

lucratividade até a bancarrota financeira detonada pela financeirização”.


falência do Lehman Brothers. A crise internacional do
crédito, que repercutiu imediatamente na esfera da produção,
foi uma consequência da orgia financeira neoliberal”.

87) KOTZ, David: “Marxist Crisis Theory and the Severity 88) TAVARES, Maria da Conceição: “A crise financeira
of the Current Economic Crisis”, in: http://suciologicus. atual”, in: Seminário sobre a crise financeira, FUNAG
blogspot.pt/2011/08/teoria-marxista-da-crise- (IPRI/Itamaraty), Rio de Janeiro, maio 2009, pp.1 e 3.
eseveridade.html (dezembro 2009, pp. 3-4).
“A financeirização da riqueza passou a ser, desde a década
“A crise da década de 1970 não parece ser uma severa crise de 1980, um padrão sistêmico globalizado em que a
estrutural de acumulação da espécie representada pela Grande valorização e a concorrência no capitalismo operam sob
Depressão da década de 1930. De 1929-33 o PIB nos EUA dominância da lógica financeira. Esta lógica originou-se
declinou durante 3,5 anos, caindo em 30,5% ao longo nos EUA e transferiu-se para Londres, no Euromercado na
daquele período. Dez anos depois ele havia recuperado para década de 70. Regressou a Nova York na década de 80 com
apenas 2,8% acima do seu nível de 1929. O investimento fixo a diplomacia do dólar forte e tornou-se a lógica da
dos negócios, o qual em 1933 caiu 28,7% em relação ao seu globalização financeira. Ao alcançar Tóquio, no final da
nível de 1929, dez anos depois (1939) ainda era apenas década de 80, acabou pondo em risco o capitalismo
57,7% do seu nível de 1929. A taxa de desemprego atingiu os organizado japonês e seu ‘produtivismo triunfante’, levando
24,9% em 1933 e era de 17,9% em 1939. Todo o sistema o Japão a maior crise do pós-guerra, na década de 90.
bancário entrou em colapso em 1933, um contraste agudo Finalmente, a lógica da financeirização está sendo posta em
com a década de 1970 quando não se verificou nenhuma crise tela de juízo na atual crise mundial.
financeira séria.
[...] A multiplicação de derivativos especiais de crédito e a
Há muitas evidências de que a crise atual tornar-se-á uma criação de fundos de securitização (hedges funds), sem base
severa crise estrutural de acumulação, mais como aquela da de sustentação e supervisão bancária deram lugar a um
década de 1930 do que a da de 1970. A recessão no sector vasto ‘sistema sombra’.
real dos EUA começou oficialmente em dezembro de 2007,
[...] A crise financeira começou a ficar visível, com o
embora o PIB não tenha iniciado um declínio constante até o
estouro do mercado de derivativos especiais de crédito
terceiro trimestre de 2008. O lado financeiro da crise
hipotecário, os chamados subprime, em agosto de 2007,
começou muito mais dramaticamente, ganhando momento na
quando os fundos que consolidavam posições de alto risco
Primavera e Verão de 2008 e atingindo subitamente o ponto
em novos títulos no mercado secundário passaram a ser
do colapso financeiro em setembro de 2008, quando a maior
rejeitados no mercado monetário e atingiram violentamente
parte das maiores instituições financeiras nos EUA e em
as instituições do mercado hipotecário, em particular a
muitos outros países tornaram-se subitamente insolventes.
Fannie Mae e Freddie Mac”.
Um colapso financeiro total foi evitado pela Reserva Federal
e o Departamento do Tesouro dos EUA providenciando uns
estimados US$12,1 trilhões em várias formas de apoio a
instituições financeiras gigantes e aos mercados financeiros
em geral”.

89) WOLF, Martin: “Para a reconstrução do sistema 90) CHESNAIS, François: “Crisis de sobreacumulación,
financeiro”, Rio de Janeiro, Elsevier/campus, 2010, pp. 4 e crisis de civilización”, in: Hierramienta web 5, Buenos
31. Aires, mayo 2010, pp. 8-9.

“Na qualidade de maior economia do mundo, detentora da “A crise econômica e financeira que está em curso é parte
moeda mais importante do globo, os Estados Unidos são de três grandes crises para as quais convergem numerosos
muito mais capazes que qualquer outro país ou até que alguns processos. Será longa, porque seu substrato é uma
grupos de países, de captar grandes empréstimos no exterior. superacumulação de capacidades de produção. Assume a
Porém, mesmo nos Estados Unidos, a contrapartida interna forma de uma importante superprodução localizada em
de tomada de empréstimos externos acabou gerando o que setores e países determinados, mas seu marco é a economia
veio a revelar-se aumento insustentável no endividamento das mundializada. A superacumulação de capacidades de
famílias. Essa situação redundou na crise do ‘subprime’ – produção está acompanhada por uma imensa acumulação de
fenômeno mais amplo cujas raízes as fincam nas práticas do capital fictício, de direitos a receber parte de valor, mais-
sistema de financiamento hipotecário dos Estados Unidos – e valia e de ‘produtos financeiros derivados’. A crise
eclodiu como o choque financeiro cujas ondas começaram a começou na esfera financeira e neste sentido é a crises do
varrer os países de alta renda em 2007. O déficit externo dos regime de acumulação de proeminência financeira ou
Estados Unidos, então, começou a encolher, à medida que a financeirizado montado em fins da década de 80. Marca
demanda enfraquecia e o dólar despencava”. também o fim do período de hegemonia não compartilhada
dos Estados Unidos iniciado nos anos 80 e especialmente
(...) O ponto fundamental é simples: a liberalização dos desde 1992. Todos os recursos têm sido utilizados (e
sistemas financeiros introspectivos e reprimidos das décadas seguirão sendo utilizados) pelo governo estadunidense
de 1950 e 1960 acarretou excessos e, não raro, redundou em tratando de assegurar tanto da hegemonia estadunidense
como da dominação de Wall Street, dos bancos e dos
graves crises. Além disso, essas crises foram extremamente fundos de investimentos financeiros. A recuperação atual
exacerbadas pela interação dos sistemas financeiros com as [artigo de janeiro de 2010] é só um momento,
193

características centrais da política macroeconômica, possivelmente breve, de um processo de crise econômica


mormente os regimes de taxas cambiais e políticas que se prolongará durante muitos anos.
monetárias e fiscal. A maioria das grandes crises e todas as
que se mostraram menos manejáveis pelas autoridades O longo desenvolvimento da crise econômica e financeira
interna ocorreram em economias emergentes – e se tornaram ocorrerá num contexto histórico no qual. será um aspecto de
tratáveis principalmente porque envolviam grandes passivos uma crise muito maior, uma crise de civilização. Os
em moeda estrangeira”. trabalhadores, os explorados e os dominados já pagam os
custos e continuarão fazendo cada vez mais. De maneira
imediata, enfrenta-se um conjunto de medidas tomadas por
governos e empresas com o objetivo não só de jogar o peso
da crise sobre eles, senão em utilizar a mudança na
correlação de forças favoráveis ao capital, derivada do
aumento do desemprego, para agravar ainda mais as
condições de exploração. Num horizonte temporal mais
amplo, os explorados e dominados deverão enfrentar a
interpenetração (as quais vemos as primeiras expressões na
África e Ásia) entre a crise econômica mundial, a crise
alimentar, que golpeia as populações mais vulneráveis, e os
impactos das mudanças climáticas, compreendida como
crise das condições de reprodução social em relação aos
ecossistemas planetários e a degradação da biosfera”.

91) STIGLITZ, Joseph: “O mundo em queda livre. Os 92) BRUNHOFF, Suzanne: “Finança, capital, Estados”,
Estados Unidos, o mercado livre e o naufrágio da economia in: A finança capitalista, Brunhoff, S., Chesnais, F.,
mundial”, São Paulo, Companhia das Letras, 2010, pp.25, 44 Duménil, Gerárd, Lévy, Dominique,Husson, Michel, São
e 472. Paulo, Alameda, 2010 [2006], (32-93), pp.59.

“A única surpresa a respeito da crise econômica de 2008 foi “Em vista do desenvolvimento considerável da finança
que sua chegada pegou muita gente desprevenida. Para uns depois dos anos 1980 e da nova restrição da ‘criação de
poucos observadores, ela seguia exatamente o figurino: não valor para os acionistas’, essas ideias de Marx são de uma
só previsível, mas também prevista. Um mercado
desregulado, inundado de liquidez e com taxas de juros grande ajuda para decifrar o significado do papel
baixas, uma bolha imobiliária global e uma escalda de econômico e social da finança nesse início de século XXI.
empréstimos subprime formavam uma combinação tóxica. Depois do fim do século XX, os ‘excessos’ da finança e da
Acrescentem-se a isso os déficits fiscal e comercial dos ‘criação de valor para os acionistas’ são uma das fontes do
estados Unidos e a correspondente acumulação de enormes crescimento das desigualdades entre as classes sociais. Mas
reservas de dólares na China – ou seja, uma economia global se a crítica dessa ‘patologia’ se refere ao que poderia ser um
desequilibrada – e era claro que as coisas estavam,
terrivelmente mal. papel mais equilibrado das operações financeiras, ela se
esforça por definir uma norma somente para a finança.
[...] À medida que a profundidade da crise encontrava uma Como diz Marx, há somente um capital, sob duas formas
compreensão mais ampla – em abril de 2009 já se tornara a diferentes. A acumulação derivada da concorrência faz com
recessão mais prolongada desde a Grande Depressão -, era que o capital produtivo, apesar das diferenças ou
natural que se buscassem os culpados e que não faltasse culpa contradições secundárias, tenha parte ligada à finança”.
a ser distribuída. É essencial que saibamos a quem, ou pelo
menos a que, se deve atribuir culpas, para que possamos
reduzir as possibilidades de que algo assim volte a ocorrer e
para que possamos corrigir aspectos dos mercados
financeiros atuais que obviamente são disfuncionais.
Devemos nos acautelar contra as explicações demasiados
fáceis: muitas começam pela ganância excessiva dos
banqueiros. Isso pode ser correto, mas não oferece uma base
para a reforma. Os banqueiros agiram com ganância porque
tiveram incentivos e oportunidades para a fazê-lo, e isso é a
busca de lucro: devemos culpara os banqueiros por fazer
(talvez um pouco pior) o que todos na economia capitalista
devem fazer?

[...] A crise ainda não terminou. Muito perlo contrário. O que


está acontecendo parece ser um desastre de trens em câmera
lenta: pode-se prever a grande destruição que ocorrerá devido
ao excesso de velocidade com que o trem entra na curva. E a
esta altura, quando dizemos que os resgates funcionaram, o
máximo que podemos estar certos é que eles evitaram um
desastre imediato, uma vez que a economia global saiu da
beira do abismo em que fora colocada. O curso da história
194

que se seguirá, é, para dizer o mínimo, incerto. Tudo o que


podemos dizer nove anos depois que o Fed desenvolveu sua
política de criar bolha imobiliária como estratégia para
promover a recuperação despois do rompimento da bolha
tecnológica é que esta recuperação não tem alicerces sólidos
e que o estado da economia mundial parece precário”.

93) DUMÉNIL, Gerárd: “Economia”, in: Ler Marx, Renault, 94) ALTVATER, Elmar: “O fim do capitalismo como o
conhecemos. Uma crítica radical do capitalismo”, Rio de
E., Duménil, G., Lowy, M., São Paulo, UNESP, 2010, Janeiro, Civilização Brasileira, 2010, pp. 181-182 e 184.
(205303), pp. 294 e 302
“De resto, as crises financeiras das décadas anteriores
“Marx considera dois tipos de mecanismos suscetíveis de mostraram o grau de instabilidade do ‘regime de
levar ao crash e à depressão. O primeiro diz respeito à acumulação movido pela economia financeira’ e a
superacumulação do capital. (...) Há uma relação estreita com vulnerabilidade dos mercados financeiros desarraigados e
o quadro analítico da lei de acumulação capitalista. Trata-se liberados a crises. Isso se deve, não em último lugar, ao fato
da disponibilidade do trabalho e do efeito de uma escassez de os encargos financeiros da economia real e da sociedade
potencial de mão de obra sobre o poder de compra do salário. em muitos casos conduzirem a exigências excessivas à
O ponto de partida de Marx é a observação de uma fase de capacidade de rendimento na produção do excedente ou da
acumulação mais rápida, ‘geral’ (isto é, em um grande mais-valia. Essa pressão das finanças sobre a economia real
número de ramos), de capital e não de mercadorias. Essa poderia ser chamada de ‘repressão financeira’. Movido
superprodução de capital é característica da fase de pelas finanças, o regime de acumulação inaugura a
‘prosperidade’, em que as empresas contratam e, se esse possibilidade de forçar as expectativas de rendimentos dos
ritmo for muito acelerado (o que é descrito pela noção de atores do mercado financeiro, até a gora ‘represadas’, a
superacumulação), devem pagara salários mais elevados. altura tais que as taxas de lucro do capital real já não
bastam para satisfazer de modo sustentável as exigências
[...] Contudo, Marx insiste: o capital não existe duas vezes, monetárias.
como no ativo e no passivo do balanço das empresas. Ele vê
na multiplicação desses títulos a proliferação de um capital [...] Os proprietários de patrimônios financeiros, os grande
fictício. A questão da relação desse capital fictício com o de fundos e os aplicadores privados tornam-se, portanto,
capital que ele financia é complexa, já que esses títulos ainda mais ricos. A desigualdade crescente daí resultante
podem ser trocados e, por isso, possuem preços suscetíveis de pode ser observada em todas as sociedades e em escala
se desviar do preço do ‘verdadeiro’ capital que representam. mundial. O já citado Relatório sobre a riqueza mundial’
Se os possuidores desses títulos reclamassem conjuntamente (World Wealth Report) informa sobre isso
seu reembolso, o capitalismo entraria numa crise financeira. (www.capgemini.com/wolrdwealthreport06//ww06_1. asp),
Marx tem consciência dessa instabilidade potencial, da qual sobretudo diante do fundo de dados sobre a desigualdade
observou numerosos exemplos, e essa foi uma das razões que social no mundo, tal como publica Human Developemenmt
o levaram a desenvolver o conceito de capital fictício. Essa Report do UNDP (www.hdr.undp,org/
‘ficticidade’ é fonte de instabilidade, e a crise do fim dos reports/global/2005/pdfHDR05_chapteter.pdf).
anos 2000 nos fornece uma nova demonstração disso”.

95) HUSSON, Michel: “Finança, concorrência e 96) BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos: “A crise
reprodução do capital”, in: in: A finança capitalista, financeira global e depois: um novo capitalismo?”, São
Brunhoff, S., Chesnais, F., Duménil, Gerárd, Lévy, Paulo, Novos Estudos CEBRAP 86, Março 2010, (51-72),
Dominique, Husson, Michel, São Paulo, Alameda, 2010, pp.51-52.
pp.304-305.
“A crise bancária que teve início em 2007 e tornou-se uma
“O exame mais detalhado desasa ‘curvas das ‘economias crise global em 2008 provavelmente representará uma
capitalistas’ permite identificar claramente duas fases virada na história do capitalismo. Além de ser uma crise
sucessivas. Até o início dos anos 1980, o lucro e acumulação econômica mais severa enfrentada pelas economias
evoluíram paralelamente, mantendo-se em níveis elevados capitalistas desde 1929, é também uma crise social que,
durante os anos 1960; logo começam a diminuir, inicialmente segundo previsões da Organização Internacional do
nos Estados Unidos, em seguida no Japão e na Europa. A Trabalho, elevou o número de desempregados se cerca de
retomada que se situa entre os dois choques petrolíferos 20 milhões para 50 milhões ao fim de 2009. Segundo a
somente freia esta queda de maneira transitória. As duas FAO, com a queda da renda dos pobres devido à crise e
outras curvas, a do crescimento e a da produtividade, também manutenção dos preços internacionais de mercadorias
evoluem juntas. Então, é o conjunto do círculo vicioso dos alimentares em níveis elevados, o número de pessoas
anos fordistas que se desregula. A dinâmica do capital, desnutridas no mundo aumentou em 11% em 2009 e, pela
medida por essas quatro variáveis fundamentais, faz aparecer primeira vez, superou um bilhão.
uma grande coerência, tanto na prosperidade como na crise.
[...] Neste artigo, resumirei a grande mudança dos mercados
A história que se segue, nas duas últimas décadas, pode ser financeiros mundiais que ocorreu após o fim do sistema de
assim resumida: a taxa de lucro tende a se restabelecer Bretton Woods em 1971 e a associarei à financeirização e à
regularmente (ao menos até 1997) mas não tem sucesso em hegemonia de uma ideologia reacionária, o neoliberalismo.
encadear as outras variáveis, ou tem somente de maneira A financeirização será aqui entendida como um arranjo
195

transitória. Assim, no fim dos anos 1980, a economia financeiro distorcido, baseado na criação de riqueza
mundial parecia anestesiada pelo crash de 1987 e, contra toda financeira artificial, ou seja, riqueza financeira desligada da
a expectativa, apresenta uma bela retomada. O crescimento riqueza real ou da produção de bens e serviços. O
recomeça, e com ele a acumulação, a tal ponto que esse neoliberalismo, por sua vez, não deve ser compreendido
período é caracterizado por um renascimento do interesse apenas como um liberalismo econômico radical, mas
pelos ciclos longos; artigos e declarações otimistas na também como uma ideologia hostil aos pobres, aos
imprensa se multiplicam, então, para anunciar vinte novos trabalhadores e ao Estado de bem-estar social. Sustentarei
anos de crescimento”. que os desdobramentos perversos e a desregulação do
sistema financeiro, combinados com a recusa de regular
inovações financeiras posteriores, foram os novos fatos
históricos responsáveis pela crise. O capitalismo é
intrinsecamente instável, mas uma crise tão profunda e
danosa quanto a atual era desnecessária: poderia ter sido
evitada se o Estado democrático tivesse sido capaz de
resistir à desregulação dos mercados financeiros”.

97) DIERCKXSENS, Wim, CAMPANÁRIO, Paulo, 98) CHOSSUDOVSKY, Michel, MARSHALL, Andrew:
The Global Economic Crisis. The Great Depression of the
CARCANHOLO, Reinaldo, JARQUÍN, Antonio, NAKATANI, XXI Century, (Editors), Montreal, Global Research, 2010,
Paulo, HERRERA, Rémy: “Século XXI: crise de uma Prefácio, pp.2 e 3.
civilização. Fim da história ou começo de uma nova
história?”, Goiânia, CEPEC, 2010, pp.15 e 20. “A existência de uma “Grande Depressão” na escala da
década de 1930, se bem que muitas vezes reconhecida, é
“Uma crise muito peculiar desse regime de produção é obscurecida por um consenso inflexível: “A economia está
constituída pela crise do capital fictício. O capital fictício não a caminho da recuperação”. Apesar de haver conversas
é o próprio capital, e sim sua representação ou forma acerca de uma renovação económica, comentadores da Wall
derivada, sob a forma de ações, títulos da dívida pública e Street persistentemente e intencionalmente têm deixado de
privada. Nas últimas décadas esse desenvolvimento se lado o facto de que o colapso financeiro não é simplesmente
completou com segundas e terceiras formas de derivados, composto por uma bolha – a bolha imobiliária da habitação
sobretudo mediante o sistema de securitização. Esse – que já explodiu. De facto, a crise tem muitas bolhas, todas
desenvolvimento permite a troca de todas as formas de as quais superam a explodida bolha habitacional de 2008.
capital fictício entre si. Esse capital. Portanto, permite que o
capital seja transacionado com a maior facilidade; com isso Embora não haja desacordo fundamental entre os analistas
aumenta a velocidade de sua criação, um dos principais da corrente dominante acerca da ocorrência de uma
fatores de aumento dos lucros fictícios. De acordo com Jorge recuperação económica, há debates tempestuosos sobre
Altamira, o desenvolvimento do capital fictício é a última quando ocorrerá, se no próximo trimestre ou no terceiro
forma do capital, quando este perde sua forma concreta com trimestre do próximo ano, etc. Já no princípio de 2010, a
o trabalho e quando o capitalista se transforma em um “recuperação” da economia dos EUA fora prevista e
parasita absoluto, que prospera por meio de pura confirmada através de uma barragem de desinformação dos
transformação de papéis. media com palavras cuidadosamente escolhidas. Enquanto
isso, os problemas sociais do desemprego agravado na
[...] Se a esta crise forem acrescentadas as ameaças América foram escrupulosamente camuflados. Economistas
ecológicas e até mesmo o perigo de uma grande guerra, viram a bancarrota como um fenómeno microeconómico.
poderia surgir uma aliança política dos trabalhadores que
[...] A opinião pública continua a ser enganada quanto as
transcenda as fronteiras entre o Norte e o Sul. Isso porque, causas e as consequências da crise econômica, para não
em meio a tal crise civilizatória, o Bem Comum se encontra mencionar as soluções políticas. As pessoas são levadas a
mais longe mas é mais necessário que nunca. Nessa acreditar que a economia tem uma lógica por si própria a
conjuntura, a ética solidária poderia triunfar sobre a ética do qual de pende da livre inter-atuação de forças de mercado e
‘salve-se quem puder’. Por conseguinte, uma consciência que os poderosos atores financeiros, os quais puxam os
solidária e de cidadania mundial, acima das divisões entre cordéis nos gabinetes das administrações corporativas, não
poderiam, sob quaisquer circunstâncias, ter deliberadamente
culturas, fronteiras, taças, gerações, sexos, religiões, idiomas influenciado o curso dos acontecimentos econômicos.
e costumes, pode ser vislumbrada no horizonte como tábua
de esperança e salvação frente a uma profunda crise de [...] Vastas quantidades de riqueza monetárias são
civilização”. adquiridas através da manipulação do mercado.
Mencionada muitas vezes como ‘desregulamentação’, o
aparelho financeiro desenvolveu instrumentos refinados de
manipulação e engano sem rodeios. Com informação
interna e conhecimento antecipado, os principais atores
financeiros, utilizando os instrumentos do comércio
especulativo têm a capacidade para manipular e burlara os
movimentos do mercado em seu proveito, precipitar o
colapso de um competidor e arruinar economias de países
em desenvolvimento. Estas ferramentas de manipulação
tornaram-se parte integrante da arquitetura financeira; elas
196

estão incorporadas no sistema”.

99) HARVEY, David: “O enigma do capital e as crises do 100) SAIKH, Anwar: “The first great depression of the 21st
capitalismo”, São Paulo, Boitempo, 2011, pp.10 e 212. century”, Socialist Register, fall, 44-63, 2011, pp.44.

“No outono de 2008, no entanto, a ‘crise das hipotecas “A crise econômica geral que se desatou internacionalmente
subprime’ como veio a ser chamada, levou ao em 2008 é uma Grande depressão. Foi iniciada por uma
desmantelamento de todos os grandes bancos de Wall Street, crise financeira nos EUA, mas não foi a causa. A crise é
como mudanças de estatutos, fusões forçadas ou falências. O
dia em que o banco de investimento Lehman Brothers uma fase absolutamente normal de uma tendência
desabou – em 15 de setembro de 2008 – foi um momento recorrente a longo prazo da acumulação capitalista, na qual
decisivo. Os mercados globais de crédito congelaram, assim sucedem ondas longas expansivas e depressivas. Quando
como a maioria dos empréstimos do mundo. Como o tem lugar a transição, a saúde da economia muda de boa
venerável ex-presidente do Federal Reserve Paul Volcker para má. Numa onda longa depressiva um choque pode
(que cinco anos antes, juntamente vários outros comentaristas desencadear uma crise, exatamente como ocorreu com o
de prestígio previram a calamidade financeira se o governo
dos EUA não forçasse o sistema bancário a reformar seu colapso do mercado das hipotecas subprime em 2007, e
funcionamento observou, nunca antes as coisas haviam como choques anteriores desencadearam as crises dos 1820,
despencado ‘tão fácil e tão uniformemente ao redor do 1870, 1930 e 1970. Em sua justamente reconhecida obra A
mundo’. O resto do mundo, até então relativamente imune (à grande crise de 1919, John Kenneth Galbraith assinalou que
exceção do Reino Unido, onde problemas análogos no se a Grande Depressão dos anos 1930 foi precedida por
mercado de habitação já rinham vindo à tona, o que levou o
uma crescente especulação financeira, foi, não obstante, o
governo a nacionalizar uma casa de empréstimos importante,
a Northen Rock), foi arrastado precipitadamente para a lama, débil e frágil estado da economia em 1929 o que permitiu
gerada em particular pelo colapso financeiro dos EUA. No que a derrubada dos mercados bursáteis desencadeasse o
epicentro do problema estava a montanha de títulos de colapso econômico. O mesmo sucede hoje. Aqueles
hipotecas ‘tóxicos’ detidos pelos bancos ou comercializados preferem considerar cada um destes episódios como
por investidores incautos em todo o mundo. Todo mundo acontecimentos excepcionais, como a casual aparição de
tinha agido como se os preços dos imóveis pudessem subir
para sempre. um ‘cisne negro’ num bando até então de brancos,
esqueceram a dinâmica histórica que tentam explicar. E no
[...] O capital, concluí, nunca resolve suas tendências a crises, processo esquecem também, convenientemente, que é a
simplesmente as contorna. Faz isso num duplo sentido, de mesma lógica do benefício a que nos condena a repetir a
uma parte do mundo para outra e de um tipo de problema história uma outra vez.
para outro. Nesse sentido, a crise que eclodiu principalmente
no mercado imobiliário dos Sul e Sudoeste dos Estados
Unidos (juntamente com os do reino Unido, Irlanda e
Espanha) teve impactos nos mercados financeiros de Nova
York e Londres, antes de ‘tornar-se global’ e ameaçar o
comércio mundial, em quase toda a parte (depois de passar
pelos bancos islandeses, Dubai World, a falência da Letônia,
o desastre do orçamento da Califórnia e as crises da dívida
grega e, em seguida, irlandesa). Embora alguns sistemas
bancários nacionais, como os da Irlanda, Portugal e Espanha,
que vão ou poderão necessitar de mais ajuda do Estado, dado
o elevado volume de ativos tóxicos que restaram dos booms
fictício do mercado imobiliário que precederam a crise, o
sistema financeiro global parece estabilizado por um conjunto
de intervenções do governo”.

101) ASSIS, José Carlos, DÓRIA, Francisco Antonio: 102) MOLLO, Maria de Lourdes Rollemberg: “Crédito,
“Universo neoliberal em desencanto”, Rio de Janeiro, capital fictício, fragilidade financeira e crises: discussões
Civilização Brasileira, 2011, pp. 199 e 201. teóricas, origens e formas de enfrentamento da crise
atual”, in: Economia e Sociedade, Campinas, nº 43,
“É preciso notar que não estamos diante de uma conspiração dezembro 2011, pp. 450 e 465.
malvada de banqueiros. O comportamento especulativo deles
surge da própria natureza da crise em que estão mergulhados: ““A crise econômica atual abalou as convicções liberais
carregados de trilhões de dólares em títulos podres, têm de se conservadoras no poder autorregulador do mercado,
preparar para dar baixa deles no momento do vencimento. Se levando mesmo alguns liberais a, pragmaticamente,
efetivamente não forem pagos pelos devedores, nesse intitularem-se keynesianos com a defesa da intervenção
momento terão de abater o respectivo valor do seu lucro ou salvadora do Estado nas economias. Não há, porém,
do capital. Como os montantes podres são exagerados, isso consenso, mesmo de última hora, porque as prescrições de
pode representar a quebra de risco ou de estatização. política econômica dependem de teorias que permitam
inferir sobre a ocorrência de eventos como as crises e,
[...] Mais do que uma crise financeira, uma crise econômica desvendando suas razões, proponham formas de
enfrentamento mais adequadas. Nesse sentido, as teorias
197

de grandes proporções mantém estagnadas as economias dos ortodoxas liberais conservadoras não têm muito a dizer,
países industrializados avançados. A essência dessa crise é uma vez que a crença nos preços livres e flexíveis como os
uma arquitetura financeira fracassada, que se embebedou da melhores reguladores econômicos tornam a crise financeira
atual e as anteriores, inexplicáveis. Afinal, não há mercados
especulação até tornar-se disfuncional. O sistema bancário, em que os preços sejam mais flexíveis que os financeiros e,
que em outro tempo funcionava como o pulmão do apesar disso, foi neles que ela desencadeou-se.
capitalismo, e que tradicionalmente transformava depósitos e
poupanças de curto prazo em empréstimos produtivos de (...)Os custos sociais do neoliberalismo, mesmo antes da
longo prazo, voltou-se para operações especulativas de curto crise, foram incalculáveis. Ela pune os que perderam com o
prazo a fim de contrabalançar trilhões de dólares em neoliberalismo, ou seja, os trabalhadores, no início, com o
empréstimos podres que mantém em suas carteiras, herdados fim do chamado “compromisso keynesiano”, conforme
da fase ultraespeculativa, e dos quais deverá dar baixa ao Duménil e Lèvy (2004). Em seguida, com a concorrência
ritmo de seu vencimento”. acirrada, a busca de redução de custos acentuou-se em
particular sobre os salários, dada a dominação do capital
financeiro sobre o produtivo, que aumentava as taxas de
juros e, de forma a compensar tais custos, pressionava para
a redução dos salários, explicitando um dos fatores que
levam a financeirização a ser excludente, de acordo com
Salama (1996). As exigências de rendimentos elevados dos
investidores institucionais, dentro da lógica que privilegia o
acionista, são ajustadas por meio da queda da massa salarial
(Plihon, 1999)”.

103) BARROSO, A.S. e SOUZA, R. “A maior crise em 70 104) “FERGUSON, Charles: “O sequestro da América.
anos”, in: A grande crise capitalista global 2007-2013: Como as corporações financeiras corromperam os Estados
gênese, conexões e tendências, Barroso e Souza (orgs.), São Unidos”, Rio de Janeiro, Zahar, 2013, p. 263.
Paulo, Anita Garibaldi/Fundação Maurício Grabois, 2013, pp.
“Os maiores eminentes acadêmicos dos Estados Unidos,
327 e 341. particularmente aqueles que estudaram, escrevera sobre e/ou
trabalharam com regulamentação e desregulamentação
“A crise capitalista dos anos que corre, se inscreve num financeira, ganharam fortunas de Wall Street defendendo
cumulativo e dramático processo de severa regressão seus interesses no Congresso, em litígios regulatórios, nos
civilizatória das sociedades burguesas – sejamos enfáticos. tribunais e na imprensa. Iremos estudar em detalhes alguns
Notadamente os Estados Unidos e o “velho mundo” europeu exemplos, todos eles de grande destaque.
forma precitados pela crise, a um “afundamento” econômico-
Glenn Hubard, Larry Summers, Frederik Minshkin,
social assentado sobre sociedades já carcomidas, incapazes de
Richards Portes, Laura D’andrea Tyson, Martin Feldstein,
oferecer expectativas futurísticas às aspirações humanas duma
Hal Scott, John Campbell
superioridade civilizacional.

(...) A globalização econômica, a reestruturação produtiva e a


desregulamentação neoliberal beneficiaram o crescimento
desmesurado da finança até o estouro da crise em2007-2008.
Prosperou o ‘capital portador de juros”, em geral, a matriz de
todas as formas aloucadas [de capital] (MARX). A
liberalização favoreceu as ‘inovações’ financeiras, resultando
em episódios de superespeculação, a exemplo das bolhas tanto
das bolsas Nasdaq (empresas de tecnologia de informação e
comunicação – TIC), em 2000-2001, quanto do mercado
imobiliário, nos Estados Unidos”.
198

105) NUNES António Avelãs: “A crise do capitalismo: 106) BLYTH, Mark. Austeridade: a história de uma ideia
capitalismo, neoliberalismo, globalização”, Lisboa, Página a perigosa, São Paulo, Autonomia literária, 2017, p.323.
página, 2013, pp. 167-8, 6ª edição.
“Resgatar levou à dívida. A dívida levou à crise. A crise
“Não é de espantar, por isso mesmo, que o ‘tratamento de levou à austeridade. Talvez pudéssemos ter evitado esta
choque’ imposto à Grécia tenha provocado, desde o início da sequência – como este livro mostrou, houve momentos de
crise, uma baixa de 25% do PIB e uma taxa de desemprego opção. Não havia nada de inevitável na austeridade. Mesmo
que é a maior da Europa (27%). Ao mesmo tempo, enquanto que, na raiz, sua causa seja um sistema bancário grande
o povo sofre as penas deste ‘tratamento de choque’, os demais para resgatar, preso dentro de um padrão-ouro
senhores do capital (Grécia, em Portugal e em outros países), moderno e um aparelho monetário apocalíptico que parece
com a colaboração dos grandes governos nacionais e das ter limitado as opções a ‘adicionar’ a liquidez do Banco
autoridades europeias, vão colocando os seus milhões a bom Central, espremer o orçamento e rezar’”.
recato nos paraísos fiscais ao seu dispor”.

107) BRAGA, José Carlos de Souza: “Qual conceito de 108) SILVA, Luiz Afonso Simoens da: “Moeda e crise
Financeirização compreende o capitalismo econômica global”, São Paulo, Unesp, 2015, p.116.
contemporâneo?”, in: A grande crise capitalista global
2007-2013: gênese, conexões e tendências (Barroso, A.S e “Não era difícil supor, portanto, que esse mercado de lixo
Souza R, orgs.), São Paulo, Anita Garibaldi/ Fundação tóxico entraria em colapso, ainda que apenas uns poucos
Maurício Grabois, 2013, p. 127. analistas o tenham feito. Foi o que aconteceu entre junho e
setembro de 2007. Quando começaram as inadimplências,
“A interpretação da crise, das evoluções posteriores a elas e não apenas as subprimes, mas todas as outras carteiras que
as indicações de políticas públicas (regulação incluída) estão as continham também derreteram. Um clássico caso de
evidentemente interligadas. A tese aqui defendida é de que, contágio. Em junho e julho de 2007, começou o processo de
em primeiro lugar, mesmo essa ‘grande crise’ é um deflação de ativos e os mercados de notas promissórias
(AssetBacked Commercial Papers- ABCP) e os CDO
fenômeno estrutural (não episódico) da dinâmica do travaram. Na sequência, o mercado interbancário paralisou.
capitalismo financeirizado. Em segundo lugar, as evoluções Como a classificação dos papéis também começou a cair, os
dinâmicas – tanto na escalada quando na queda – das investidores institucionais começaram a vende-los porque,
economias nacionais e da economia internacional são por obrigação legal, seus títulos em carteira precisam ser
compatíveis com as determinações teóricas desse padrão compreendidos dentre os de melhor classificação.
sistêmico de riqueza que é a financeirização. E, em terceiro
Um terceiro complicador foi definir os papéis das
lugar, como assinalado por este autor em trabalho anterior
seguradoras nesse processo. Isso tem a ver com od
(Braga, 2009), as políticas de enfrentamento da crise
derivativos de crédito ou Credit Defualt Swaps (CDS)
sistêmica global (e das crises locais) apontam na direção da
sucedâneos do seguro de portfólio. O CDS é, em última
‘perpetuação’ do padrão vigente, o qual ficaria imutável, no
análise, uma troca: o banco quer melhorar a classificação de
fundamental, enquanto ao mesmo tempo tais políticas tratam
um papel e, para isso, paga a uma seguradora pata ter o seu
somente de aperfeiçoar a necessária, porém insuficiente,
rating. (...) Na crise, a situação das seguradoras ficou tão
estratégia vigente nos Acordos de Basileia”.
periclitante que os bancos foram obrigados a capitalizá-
las”.

109) PIKETTY, Thomas: “O capital no século XXI”, São 110) MARICHAL, Carlos: “Nova história das grandes
Paulo, Intrínseca, 2014, p.289. crises financeiras. Uma perspectiva global, 1873-2008”,
São Paulo, FGV Editora, 2016, p. 306.
“Vimos que a crise financeira em si não parece ter
influenciado a alta estrutural da desigualdade. Mas e a “Devido ao impacto e à profundidade das crises nos países
causalidade inversa? Seria possível que a alta da ricos, a maioria dos países membros das nações Unidas
desigualdade americana tivesse contribuído para a eclosão teme que no futuro próximo se reduzam os apoios
da crise de 2008? Considerando que a parcela do décimo financeiros às nações e sociedades mais necessitadas. O
superior na renda nacional americana a tingiu dois picos perigo é mãos que real pelo fato de que os governos dos
absolutos ao longo do último século, um em 1928 (às Estados Unidos, da Europa e do Japão estrarão ocupados
vésperas da crise de 1929) e o segundo em 2007 (às por um longo tempo na gestão dos programas de resgate de
vésperas da crise de 2008), é difícil evitar vessa pergunta. seus sistemas financeiros e no tratamento cada vez mais
complicados das gigantescas dívidas públicas que se têm
Do meu ponto de vista, não resta dúvida que o aumento da acumulado como consequência da catástrofe de 2008.
desigualdade contribuiu para fragilizar o sistema americano.
A razão é simples: a alta da desigualdade teve como A crise de 2008 obrigou grande número de governos dos
consequência uma quase estagnação do poder de compra países mais avançados a expandir o gasto público para
199

das classes populares e médias nos Estados Unidos. Daí só reduzir os efeitos perniciosos da queda da atividade
poderia resultar o endividamento crescente das famílias econômica. Em particular, foi canalizada enorme
menos abastadas, sobretudo considerando que o acesso ao quantidade de recursos para resgatar os bancos privados,
crédito foi ficando cada vez mais fácil e a falta de regulação em princípio para restabelecer a confiança em seus
dos bancos e instituições de intermediação financeira, cada impactados sistemas financeiros. Ao mesmo tempo, os
vez menos escrupulosa, ávidas por bons rendimentos, pela mecanismos estabilizadores, como a seguridade social e o
enorme poupança financeira injetada no sistema pelos mais apoio aos desempregados nos países desenvolvidos,
ricos”. exigiram o apoio das finanças públicas. Porém,
simultaneamente, a Grande Recessão dos anos 2008 e 2009
provou sérias quedas na arrecadação de impostos. A
consequência foi uma explosão dos déficits públicos, que
chegaram para ficar, na Europa, nos Estados Unidos e no
Japão”.

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