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Mestre em Ciências das Religiões – Universidade Federal da Paraíba (UFPB). E-mail:
fabianovidal.ufpb@hotmail.com.br
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Sobre a natureza de Jesus e seus poderes, Roustaing considerava que a obra de Allan
Kardec pouco esclarecia a respeito.
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O “corpo fluídico” é entendido por Allan Kardec como um corpo sem a coesão característica
de corpos materiais, ou seja, “a vida, neles, não repousa no funcionamento de órgãos
especiais, e neles não se podem produzir desordens análogas; um instrumento cortante, ou
qualquer outro, ali penetra como num vapor, sem lhe ocasionar lesão alguma. Eis porque os
gestação por Maria e o sofrimento de sua morte na cruz haveria ocorrido
apenas em aparência, concepção que posteriormente será rejeitada por Allan
Kardec na Revista Espírita de 1866 e no livro A Gênese (1868)4. Outras teses
roustainguistas também iam de encontro a princípios kardecistas: a
reencarnação, de acordo com Roustaing, serviria como uma punição de
pecados, se opondo ao ciclo evolutivo preconizado e defendido por Kardec,
segundo a qual o espírito reencarnaria tantas vezes fosse necessário até
atingir o estado de espírito puro, que não mais necessitaria reencarnar. Além
disso, Roustaing afirmava que o futuro espiritual da humanidade estaria
destinada à “Igreja do Cristo” e nas mãos do Papa (MAIOR, 2013, p.294).
Desde sua chegada ao Brasil, o Espiritismo, em fase anterior à
proclamação da República, foi severamente combatido pela religião oficial do
Império, o Catolicismo, e foi necessário realizar um grande esforço na busca de
sua legitimação em solo brasileiro. Considero a primeira tentativa nesse
sentido, a criação, em Salvador, do periódico O Écho de Além-Túmulo (1869),
idealizado pelo jornalista Luiz Olympio Telles de Menezes5, que defendia, em
conjunto com seus companheiros do Grupo de Estudos Espiríticos da Bahia
(ARRIBAS, 2010, p.63) a tese de que para ser espírita, não se fazia necessário
abandonar a crença no Catolicismo, pois considerava o Espiritismo “uma
filosofia de vida, uma conduta moral, que podia conviver, nesse momento, com
o Catolicismo”6 (GOMES, 2012, p.155).
seres fluídicos designados sob o nome de agêneres não podem ser mortos” (KARDEC, 2003,
p.303) (Grifo original do autor).
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Para Kardec, “Se durante sua vida Jesus tivesse estado nas condições dos seres fluídicos,
não teria experimentado nem a dor, nem nenhuma das necessidades do corpo. (...) Se tudo
nele era só aparência, todos os atos de sua vida (...) teria sido um vão simulacro, para enganar
com relação à sua natureza e fazer crer no sacrifício ilusório de sua vida, uma comédia indigna
de um homem honesto e simples, quanto mais, e por mais forte razão, de um ser também
superior; numa palavra, teria abusado da boa fé de seus contemporâneos e da posteridade.
Tais são as consequências lógicas desse sistema, consequências que não são admissíveis,
pois resultaria em diminuí-lo moralmente, em lugar de o elevar” (KARDEC, 2003, p.304).
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Criado como católico, Luiz Olympio Telles de Menezes é considerado pelo jornalista Luciano
dos Anjos, um dos maiores defensores da obra de Roustaing no Brasil, como um adepto das
teses roustainguistas, tendo feito, inclusive, a recomendação da leitura de sua obra: “O Sr.
Roustaing, espírita sério, tem a probidade da franqueza e a virtude da abnegação.
Recomendamos, portanto, a todos os espíritas sérios a leitura dessa obra incontestavelmente
de um mérito real”. (ANJOS, 1993, p.158).
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A tentativa de conciliar Espiritismo e Catolicismo por Telles de Menezes lhe valeu uma
reprimenda por parte de Armand Théodore Desliens, da Societé Anonyme à parts d’intérêts à
Capital Variable de La Caisse générale ET centrale du Spiritisme. Desliens considerava que “O
Espiritismo não deve adstringir-se a nenhuma forma religiosa determinada; é, e deve
permanecer uma filosofia progressiva e tolerante, abrindo seus braços a todos os deserdados,
Exemplares de Os Quatro Evangelhos chegaram ao Brasil em 1870,
ocasião em que se dá início a seu estudo e divulgação, não sem dificuldades,
visto que ainda encontrava-se publicada em seu idioma original – o francês.
Apenas em 1880, por ocasião da fundação da Sociedade Espírita Fraternidade,
ocorreu a primeira tentativa de traduzi-la para o português, em um manuscrito
feito por João Kall. De acordo com Barros e Martins, biógrafos de Roustaing,
esta primeira tentativa de tradução não possuía o objetivo de uma futura
publicação, o que ocorreria apenas em 1883, por iniciativa do Marechal
Francisco Raimundo Ewerton Quadros, apenas um ano antes da fundação da
Federação Espírita Brasileira – FEB (BARROS; MARTINS, 2005, p.560-561).
Empolgado com o Espiritismo, em 24 de agosto de 1871 Telles de
Menezes realiza a primeira tentativa de reconhecimento oficial do Espiritismo
ao entregar, para o Vice-Presidente da Bahia, Dr. Francisco José da Rocha,
requerimento onde pedia aprovação dos estatutos e autorização do que seria a
Sociedade Espírita Brasileira. Um decreto de número 2.711, de 19 de
dezembro de 1860 estabelecia que a aprovação por parte do governo de
qualquer sociedade religiosa não-católica deveria ser submetida para a
aprovação do Ordinário, D. Manoel Joaquim da Silveira, com quem Telles de
Menezes polemizara alguns anos antes. D. Joaquim nega a aprovação ao
afirmar que o Espiritismo era um “atentado formal contra a fé católica”, e que
uma doutrina que possuía por objetivo contrariar a religião do Estado, só
poderia ser contra esse mesmo Estado (VIDAL, 2014, p.12-13).
Com o insucesso de Telles de Menezes em formatar um Espiritismo à
brasileira no qual este dialoga com a doutrina católica, caberá a Bezerra de
Menezes a elaboração de um discurso que tem, em Roustaing, o elemento
necessário para viabilizar a formatação deste Espiritismo à brasileira idealizado
por Telles de Menezes, uma vez que a obra roustainguista possui teses em
comum com o catolicismo, a exemplo da virgindade de Maria, por também
entender que Jesus não poderia nascer fruto de um pecado.
Arribas considera que Bezerra de Menezes foi um
(...) dos líderes e intelectuais mais importantes que trabalharam para
a consolidação da doutrina espírita nos moldes ensejados pelo
campo religioso brasileiro em formação. Não é à toa que foi e ainda é
qualquer que seja sua nacionalidade e a crença religiosa a que pertençam” (FERNANDES,
2010, p.64).
reconhecido pela designação de “Allan Kardec brasileiro”, justamente
pelo fato de ter sido ele o “codificador” do espiritismo no Brasil, o seu
organizador. A partir daí, a ideia de uma “doutrina religiosa” –
enquanto corpo sistemático e organizado de princípios – só se tornou
possível através de sua interpretação (ARRIBAS, 2010, p.136-137).
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Estas cartas são reproduzidas e comentadas por Suely Caldas Schubert no livro
Testemunhos de Chico Xavier.
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O autor se refere ao fato de Chico Xavier ser adepto das teses de Jean Baptiste Roustaing.
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Também conhecida por fluidoterapia, esta é uma técnica onde os médiuns, “usando fluidos
energizados, utilizam para o tratamento das enfermidades físicas e espirituais.” (NÚCLEO
ESPÍRITA NOSSO LAR, acesso em 27 jan 2016. http://nenossolar.com.br/).
Roustaing difundido pela FEB que fez do Espiritismo “científico” pretendido por
Kardec uma nova religião no campo religioso brasileiro, de forte influência
católica e de Roustaing.
REFERÊNCIAS