O Orçamento Impositivo e A Perspectiva Do Tribunal de Contas Da União

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O Orçamento Impositivo e a perspectiva o Tribunal de Contas

da União

Renila Lacerda Bragagnoli


Advogada da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba –
Codevasf.

Por ocasião da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2014, as


emendas parlamentares individuais passaram a ter execução obrigatória,
sendo destinado 1,2% da receita corrente líquida do exercício anterior a ser
dividido igualmente entre os parlamentares, cabendo a ressalva que metade
dos recursos destinados às emendas individuais deveriam ser destinados às
ações e serviços públicos de saúde.

Como cediço, a EC 86/2015 tornou impositiva a execução das


emendas individuais dos parlamentares ao Orçamento da União, de maneira
que o Poder Executivo é obrigado a executar as emendas parlamentares ao
Orçamento até o limite de 1,2% da receita corrente líquida realizada no ano
anterior, nos termos do art. 166, §9º 1, havendo ressalva que metade (0,6%)
será destinada a ações e serviços públicos de saúde, o que inclui o custeio do
Sistema Único de Saúde (SUS).

Convém salientar que, embora as emendas parlamentares


individuais sejam, em regra, de execução obrigatória, o próprio texto
constitucional prevê duas hipóteses de exceção: a) quando a arrecadação real
da receita ficar abaixo da estimativa orçamentária e for preciso recorrer à
limitação de empenhos para o cumprimento da meta de resultado fiscal (art.
166, § 18º; e b) quando houver impedimento de ordem técnica, verificado e
justificado pelo órgão setorial, caso em que o parlamentar poderá remanejar a
programação (art. 166, § 13º).

Além da instituição do orçamento impositivo, caracterizado pela


execução obrigatória dos limites impostos pelo orçamento, houve a relevação
da necessidade de apresentação das certidões de regularidade 2 do
beneficiário que receberá tais valores, nos moldes determinados pela nova
redação do art. 166 da Constituição Federal.

A Emenda Constitucional nº 86, de 2015, incluiu o §13 ao art. 166


da Constituição Federal, segundo o qual, in verbis:

Art. 166. [...]


§ 13. Quando a transferência obrigatória da União, para a execução
da programação prevista no §11 deste artigo, for destinada a
Estados, ao Distrito Federal e a Municípios, independerá da
adimplência do ente federativo destinatário e não integrará a base de

1
Art. 166 [...] § 9º As emendas individuais ao projeto de lei orçamentária serão aprovadas no
limite de 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento) da receita corrente líquida prevista no
projeto encaminhado pelo Poder Executivo, sendo que a metade deste percentual será
destinada a ações e serviços públicos de saúde. 
2
Art. 195 [...]  3º A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como
estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios. 

1
cálculo da receita corrente líquida para fins de aplicação dos limites
de despesa de pessoal de que trata o caput do art. 169.

Acerca da desnecessidade de adimplência do ente federativo


destinatário o, à época, Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e
Gestão, através do Departamento de Transferências Voluntárias, emitiu o
Comunicado n.º 12/20163, orientando à Administração Pública Federal a adotar
o entendimento exarado no Parecer Jurídico n.º
00996/2016/CGJOE/CONJUR-MP, que, analisando a “necessidade, ou não,
de adimplência do ente destinatário, para a realização de transferências, da
União para outros entes federativos, de recursos advindos de emendas
parlamentares individuais impositivas, diante da Emenda Constitucional n°
86/2015, que incluiu o § 13 ao art. 166 da CF” concluiu, em suma, pela
dispensa da regularidade, nos termos postos pela Constituição Federal.

A Advocacia Geral da União fundamentou sua decisão também


com base no entendimento exarado pelo Tribunal de Contas da União, que
entendeu que as emendas parlamentares individuais impositivas, dentre elas,
as transferências da União para outros entes da federação, configuram-se,
essencialmente, como voluntárias:

Além disso, na realização de transferências para execução das


emendas individuais, o novel texto constitucional dispensou
somente o requisito da adimplência do ente, permanecendo
aplicáveis, portanto, as demais exigências elencadas no art. 25
da LRF para realização de transferências voluntárias.
[…] o Ministério Público de Contas corrobora o entendimento da
unidade técnica de que as transferências de recursos federais para
Estados, Municípios e o Distrito Federal decorrentes da execução
financeira das EPIss caracterizam-se, essencialmente, como
transferências voluntárias, sujeitando-se, pois, às restrições da
Lei Eleitoral (art. 73, VI, "a", da Lei 9.504/1 997) e aos requisitos do
art. 25 da Lei de Responsabilidade Fiscal, à exceção do requisito da
adimnlência do ente federativo beneficiário (art. 25. & 1°. IV. "a", da
LC 101/2000). único expressamente ressalvado pela Constituição
(art. 166. § 13).
[…] Se as emendas fossem efetivamente despesas obrigatórias, não
haveria necessidade, ou seria redundante, afirmar que a
transferência das mesmas não depende da adimplência do ente,
uma vez que a LRF não impõe condições para a transferência de
recursos relacionados a despesas efetivamente obrigatórias, a
exemplo do FPM ou FPE [...] A intenção foi a de garantir a
transferência de recursos da União para os demais entes, ainda que
em débito com a União. [...] (Acórdão n°287/2016. Relator Ministro
José Múcio Monteiro. Data da Sessão: 17/02/2016) - destacamos

Assim, concluiu o Parecer da AGU que “a transferência de


recursos advindos de emendas parlamentares individuais impositivas deve ser
instrumentalizada por meio de 'Convênios', 'Contratos de Repasse' ou outro
instrumento similar, com atenção aos atos normativos aplicáveis, dispensando-
se, a partir do exercício financeiro de 2016, a adimplência do ente destinatário,
em respeito ao previsto no § 13 do art. 166 da CF, incluído pela Emenda
Constitucional n° 86/2015.”

3
Disponível em http://portal.convenios.gov.br/noticias/comunicado-n-012-de-2016

2
Desta maneira, instituído em 2014, a partir do exercício financeiro
de 2016 o orçamento impositivo tratou-se de um relevante instituto em prol do
fortalecimento das ações destacadas dos parlamentares, ao passo que
também fomentou a distribuição orçamentária para entes federativos que, em
outras situações, se encontrariam impossibilitados de receber recursos em
face de sua inadimplência perante o sistema da seguridade social.

Pois bem. Devidamente integradas ao orçamento geral, o Tribunal


de Contas da União iniciou, em 2018, auditoria sobre emendas parlamentares
individuais ao interesse do Congresso Nacional, tendo como objeto as
emendas impositivas referentes ao Ministério da Saúde, Ministério do
Desenvolvimento Regional, Ministério da Economia e Secretaria de Governo da
Presidência da República.

Delimitando o objeto da auditoria, o TCU informou que objetivo


principal seria aprimorar a aplicação dos recursos públicos oriundos de
emendas parlamentares, verificar a aderência desses investimentos às
políticas públicas, assim como a efetividade dos resultados e a transparência
nos processos relacionados, considerado nas análises o período de 2014 e
2017, e de acordo com o Relatório, ao longo do tempo de vigência do
orçamento impositivo, não se empenhou toda a dotação prevista, ou seja, não
se alcançou o limite mínimo de execução orçamentária e financeira imposto no
art. 166, § 11, da Constituição Federal 4, sendo o volume dessas despesas
inscritas em restos a pagar, numerário que tem sido elevado ao longo dos
anos. Registrou, o TCU, que o valores inscritos em restos a pagar não
processados - que correspondem aquelas despesas que foram empenhadas,
mas não foram liquidadas - foram superiores a 70% dos valores empenhados
durante os quatro anos de execução das emendas, concluindo que o volume
de despesas inscritas em restos a pagar não processados é reflexo da
dificuldade de execução das emendas dentro do exercício de sua aprovação.

A auditoria do Tribunal de Contas da União apurou, ainda, que


entre 2014 e 2017, em relação à dotação total autorizada de R$ 36,54 bilhões
em emendas parlamentares individuais, somente R$ 24 bilhões (65,7%) foram
empenhados, dos quais R$ 20,2 bilhões (84,2%) resultaram em inscrições em
restos a pagar não processados, aduzindo, ademais, que “esse expressivo
volume de despesas empenhadas sem liquidação demonstra a dificuldade de
se concretizarem os projetos no mesmo exercício em que as emendas
parlamentares foram fixadas”. Ainda chama a atenção, o Tribunal, para a
disposição dos numerários: dos R$ 24 bilhões empenhados no período, 51%
foram para a área de saúde, 21% para a de infraestrutura urbana e ínfimos 4%
para atendimento da área de educação.

Além das dificuldades de concretização dos projetos, a Corte de


Contas ainda destacou “o uso político que se faz das emendas parlamentares,
na negociação de votações de matérias que tramitam no Congresso Nacional.

4
Art. 196 [... ] § 10. A execução do montante destinado a ações e serviços públicos de saúde
previsto no § 9º, inclusive custeio, será computada para fins do cumprimento do inciso I do § 2º
do art. 198, vedada a destinação para pagamento de pessoal ou encargos sociais. 

3
É que, embora as emendas sejam de execução obrigatória, podem ser alvo de
contingenciamento, como qualquer despesa discricionária, com vistas ao
cumprimento da meta de resultado primário”, de maneira que, além dos
entraves de execução, a atividade política também influi de maneira negativa
nos resultados sobre a efetividade do orçamento impositivo.

Para o Tribunal de Contas da União,


[...] as emendas parlamentares individuais possibilitam a
discricionariedade ao parlamentar para a escolha alocativa do
recurso, ou seja, para onde e em que objeto o congressista irá
destinar o valor emendado. A fim de prover o parlamentar de
informações relevantes para sua tomada de decisão, seria desejável
que houvesse um levantamento prévio de necessidades e de
prioridades para a alocação desses recursos do erário federal, que
possibilitasse uma atuação sinérgica entre parlamentares, órgãos
setoriais e entes beneficiários, e uma destinação de recursos públicos
que promovesse maior efetividade para as questões prioritárias, bem
como maior uniformização dos critérios utilizados para a alocação.
Contudo, isso não tem acontecido em todos os casos.

O Relatório de Auditoria do TCU foi, sem dúvidas, um relevante documento


de análise do instituto do orçamento impositivo, especialmente por revelar que os
municípios, de maneira geral, não dispõem de um levantamento prévio das suas
necessidades prioritárias, nem de um canal de articulação com os congressistas, o que
colabora, sobremaneira, para a dificuldade de alocação e implementação das emendas
impositivas, além de destacar que as emendas envolvem recursos que são distribuídos
e executados de forma isonômica entre parlamentares e partidos políticos, embora não
constituam um instrumento hábil para promover equidade na redução das desigualdades
regionais, considerando que os entes federativos mais populosos findam por conseguir
mais recursos do referido orçamento impositivo por contarem com maior número de
congressistas, distorção que merece ser revista.

Em face dos resultados da auditoria, proferiu-se o Acórdão nº 2704/2019,


do Plenário do TCU, apresentando às seguintes recomendações: que o Ministério da
Economia, à Secretaria Executiva do Ministério da Saúde e à Secretaria Nacional de
Desenvolvimento Regional e Urbano do Ministério do Desenvolvimento Regional que
adotem medidas institucionais e estruturadas, alinhadas com o cronograma do ciclo das
emendas parlamentares, no sentido de elencar e informar ao Parlamento objetos
prioritários e aptos ao recebimento de recursos federais oriundos dessas emendas,
contemplando, inclusive, obras paralisadas por falta de verbas. Destacou, ainda,
especificamente para o Ministério da Economia que avalie a possibilidade de estruturar,
na Plataforma Mais Brasil ou em outro sistema informatizado adequado, ferramenta que
possibilite implementar a recomendação referente às medidas institucionais retro
referidas, permitindo sua ampla visualização por parlamentares, gestores públicos e a
sociedade em geral, a fim de auxiliar a tomada de decisão pelos congressistas e
possibilitar o engajamento social acerca da gestão municipal, recomendando, ainda, a
necessidade de estruturar ferramentas de governança para que não sejam iniciados
novos projetos de obras públicas financiados com recursos de emendas parlamentares
caso não haja previsão de recursos orçamentários e financeiros, para o exercício
corrente, suficientes para suportar a execução regular de todos aqueles
empreendimentos já em curso.

4
Por fim, houve a determinação à Secretaria de Fiscalização de
Infraestrutura Urbana do TCU (SeinfraUrbana) para que monitore a implementação das
recomendações que foram apresentadas pelo Acórdão nº 2704/2019, de modo é
esperada, em um futuro próximo, alterações acerca da execução das verbas referentes
ao orçamento impositivo, visando maior efetividade no cumprimento do comando
constitucional de destinar parte do orçamento geral para utilização igualitária dos
membros do parlamento, especialmente visando a diminuição das desigualdades
regionais, em prol de um país menos desigual.

Destarte, à semelhança do que aconteceu em outros Acórdãos do Tribunal


de Contas da União que resultaram em alterações no ordenamento jurídico visando
maior eficiência no cumprimento dos institutos existentes, espera-se que o Acórdão nº
2704/2019 seja uma mola propulsora de mudanças positivas na execução das emendas
individuais (orçamento impositivo), visando o fiel cumprimento das disposições
constitucionais, não apenas para fortalecer as ações parlamentares, mas para combater
as desigualdades regionais e contemplar os entes federativos mais carentes com as
ações específicas que sua população mais precisa.

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