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Fronteiras e Relações Internacionais


Tomaz Espósito Neto

Editora Íthala

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Front eiras e Relações Int ernacionais (Edit ora Ít hala, 2015)


Nahuel Oddone, Rebeca St eiman, Crist ian Ovando Sant ana, Henrique Sart ori de Almeida Prado

A cooperação descent ralizada e a polít ica para a front eira no Brasil.


Henrique Sart ori de Almeida Prado

INT EGRAÇÃO PRODUT IVA PARAGUAI-BRASIL: NOVOS PASSOS NO RELACIONAMENT O BILAT ERAL
Gust avo Rojas
FRONTEIRAS
e relações internacionais

Organizadores:

Henrique Sartori de Almeida Prado

Tomaz Espósito Neto


CONSELHO EDITORIAL
Ana Claudia Santano: Doutora e Mestre em Ligia Maria Silva Melo de Casimiro: Mestre
Ciências Jurídicas e Políticas pela Universidad em Direito do Estado pela PUC/SP. Professo-
de Salamanca, Espanha. Pós-doutoranda em ra da Faculdade Paraíso – FAP, em Juazeiro
Direito Público Econômico pela PUC/PR. Pro- do Norte-CE, de graduação e pós graduação.
fessora de diversos cursos de pós-graduação Professora substituta da Universidade Regio-
no Brasil e exterior. nal do Cariri – URCA, professora colaborado-
Emerson Gabardo: Professor de Direito Admi- ra do Instituto Romeu Felipe Bacellar desde
nistrativo da Universidade Federal do Paraná. 2006, em Curitiba/PR.
Professor de Direito Econômico da Pontifícia Luiz Fernando Casagrande Pereira: Doutor
Universidade Católica do Paraná. Pós-doutor e Mestre em Direito pela UFPR. Coordenador
em Direito Público Comparado pela Fordham da pós-graduação em Direito Eleitoral da Uni-
University. versidade Positivo. Autor de livros e artigos de
Fernando Gama de Miranda Netto: Doutor processo civil e direito eleitoral.
em Direito pela UGF/RJ. Professor Adjunto de Rafael Santos de Oliveira: Doutor em Direi-
Direito Processual da Universidade Federal to pela UFSC. Mestre e Graduado em Direito
Fluminense e membro do corpo permanente pela UFSM. Professor na graduação e pós-
do Programa de Mestrado e Doutorado em graduação em Direito da UFSM. Coordenador
Sociologia e Direito (UFF). do Curso de Direito da UFSM. Editor da Revista
Direitos Emergentes na Sociedade Global e da
Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM.

Fronteiras e relações internacionais / organização de


F935 Henrique Sartori de Almeida Prado, Tomaz Espósito
Neto – Curitiba: Ithala, 2015.
310p.: il.; 23 cm

ISBN 978-85-61868-98-7

1. Relações internacionais. 2. Fronteiras. I. Prado,


Henrique Sartori de Almeida (org.). II. Espósito Neto,
Tomaz (org.).

CDD 337.09 (22.ed)


CDU 327

Editora Íthala Ltda. Capa: Karla Shimene Fortes Couceiro


Rua Aureliano Azevedo da Silveira, 49 Revisão: Vera Lúcia Barbosa
Bairro São João
Projeto Gráfico e Diagramação: Karla Shimene
82.030-040 – Curitiba – PR
Fortes Couceiro
Fone: +55 (41) 3093-5252
Fax: +55 (41) 3093-5257
http://www.ithala.com.br
E-mail: editora@ithala.com.br

Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores a emissão de conceitos publicados na


obra. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a
prévia autorização da Editora Íthala. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº
9.610/98 e punido pelo art. 184 do Código Penal.
FRONTEIRAS
e relações internacionais

Organizadores

Henrique Sartori de Almeida Prado

Tomaz Espósito Neto

EDITORA ÍTHALA
CURITIBA – 2015
PREFÁCIO

A coletânea organizada por Henrique Sartori de Almeida Prado


e Tomaz Espósito Neto traz, para o debate brasileiro de Relações
Internacionais, o tema da fronteira, tão trabalhado em outros campos
das Ciências Humanas, mormente na Geografia. Pode parecer curioso
que, em 2015, o tema da fronteira seja escolhido para organizar um
diálogo entre pesquisadores de diferentes instituições brasileiras (UFGD,
UFPEL, UFMS, IESB, UNIFAI, UFRJ, UNB, UFRGS e UNIPAMPA) e de
outros países da região (Argentina, Chile, México e Paraguai,). Porém,
ao trabalharem em torno de dois eixos (integração política e agendas em
zona de fronteira, de um lado, e as relações entre segurança e história, em
especial a cooperação na área de defesa e segurança, de outro), os autores
deste livro buscam resgatar a análise de questões fundamentais para
pensá-la nas relações internacionais: a cooperação (e o conflito inerente
a quaisquer agendas de cooperação); as políticas públicas fronteiriças;
o papel das entidades subnacionais e da cooperação descentralizada; as
tensões entre o “eu” e o “outro” na região fronteiriça na história e nos
dias atuais; as dinâmicas e os atores presentes na política de defesa na
fronteira.

Por que o debate sobre a fronteira é relevante para pensar a política


internacional? No começo dos anos 1990, eram recorrentes as hipóteses
(infundadas) sobre o fim do território, o fim da geografia e da história,
sobre o papel secundário (senão irrelevante) da materialidade das trocas
para a compreensão da política internacional. Os fluxos (econômicos,
culturais, ambientais, tecnológicos etc.) eram priorizados em detrimento
da fixidez do território-lugar (e dos recursos imóveis, a exemplos dos
recursos energéticos). Ao longo dos anos 1990, assistia-se ao “império
analítico da globalização” (interdependência econômica e democracia
liberal), frequentemente rimado com a derrocada do Estado-nacional,
a perda de importância da identidade nacional, ou ainda com a
irrelevância do orçamento público e das despesas militares dos Estados
(que seguiriam, acreditavam alguns, curvas fortemente decrescentes).
A fronteira enquanto elemento de diferenciação entre Estados, em
muitas interpretações, então em voga, quase desaparecia. Minorava-
se a relevância da fronteira do nacional e do território soberano em
prol de visões exclusivamente transnacionais do mundo e de marcos
interpretativos cosmopolitas das relações internacionais. O problema
estava na ideia de exclusividade: as relações internacionais sempre foram
habitadas por atores sociais e fluxos transnacionais, mas não deixaram de
ser o espaço das cooperações e dos conflitos entre os Estados – ou seja, o
mundo da geopolítica.

O debate sobre a fronteira é epistemologicamente fundamental


para as Relações Internacionais, inclusive porque são muitos os sentidos
acerca dela. A fronteira entre os Estados é limite que separa e que afasta
(donde os vistos e os controles de acesso), mas ela também é espaço
de interação social em que têm lugar inúmeras formas de intercâmbio
e cooperação. É pela fronteira que cruzam as mercadorias (e onde
incidem eventuais impostos ou procedimentos que podem dificultar seu
ingresso) e as pessoas (migrantes, turistas, viajantes, estudantes, gerentes
de empresas privadas, líderes de movimentos sociais e organizações da
sociedade civil, bem como representantes de instituições públicas). No
primeiro, como no segundo, casos incidem normas de diferenciação
quanto ao acesso. No entanto, a fronteira também é o espaço a partir
do qual se pode olhar para a história das relações entre dois (ou mais)
Estados nacionais sob uma ótica distinta, longe das rivalidades entre as
capitais e os centros do poder institucional - sendo, portanto, a fronteira,
igualmente, espaço de construção de identidades. É com essa dupla
perspectiva dos fatores materiais e ideacionais da fronteira que nos
brindam os autores desta coletânea e suas interessantes análises que, em
última instância, resgatam a possibilidade de repensar, no diálogo com
a Ciência Política, a Geografia, a História e a Sociologia, a agenda de
pesquisas sobre a fronteira no século XXI, particularmente importante
no contexto sul-americano.

Rio de Janeiro, 8 de maio de 2015.


Carlos R. S. Milani
Professor e Pesquisador, IESP-UERJ
APRESENTAÇÃO

Historicamente, o conceito de fronteira é central para o campo


das Relações Internacionais, pois, uma porção considerável dos
estudos parte do pressuposto de que a fronteira é uma fina e porosa
linha, cuja função é separar as dimensões da política interna e a sua
conjuntura (policy) e da política internacional (politics), ou melhor,
do relacionamento dinâmico entre os Estados. No âmbito doméstico,
o Estado possuiria a soberania, ou seja, o monopólio legítimo da
força em um dado território. Já no campo externo, as relações sociais,
econômicas e políticas ocorreriam de forma diferenciada, pois não
existe uma entidade superior aos agentes estatais, caracterizando a
anarquia no sistema internacional.

Com o incremento dos fluxos de comércio, informações e


pessoas, nos últimos anos, as temáticas envolvendo a inter-relação
entre as fronteiras e as relações internacionais entraram em voga
na agenda político-econômica e social dos Estados. Os fenômenos
internacionais se tornaram, cada vez mais, multidimensionais e de
grande complexidade. Ademais, existe uma enorme distância entre
o que ocorre nos gabinetes ministeriais e a realidade do cotidiano das
regiões de fronteira.

A presente obra traz uma coletânea de artigos de estudiosos


e representantes de centros de pesquisas nacionais e estrangeiros,
dedicados a apresentar a evolução e a relevância dos assuntos
envolvendo Relações Internacionais e Fronteiras. Para tanto, enfatiza-
se dois grandes eixos: (i) a integração política e agendas em zona de
fronteira, em especial a cooperação subnacional, a dinâmica produtiva
internacional e políticas públicas dedicadas para a região; e (ii) a
segurança e a história, em especial a cooperação na área de defesa e
segurança. Com isso, far-se-á um panorama sobre os diversos assuntos
que contribuem para o debate e a compreensão da temática, abordando
desde cooperação internacional até a área das políticas públicas.
Com isso, espera-se incentivar novas pesquisas e fortalecer
uma rede internacional de pesquisadores sobre fronteiras e relações
internacionais - um tema ainda pouco explorado e carente de
referências no campo da Ciência Política e Relações Internacionais. É
pretensão dessa obra estimular, nos cursos de Relações Internacionais
presentes na faixa de fronteira do Brasil, a consolidação e o registro
dos estudos que envolvem a temática fronteiriça, além de auxiliar na
divulgação científica desse campo em crescimento.

A iniciativa de compilar estudos de Fronteira dentro da área de


Ciência Política e Relações Internacionais abre novas perspectivas. No
Brasil, atualmente, a temática vem se consolidando como importante
linha de pesquisa em muitos centros de pesquisa e pós-graduação. A
criação de uma rede de contatos entre esses centros e pesquisadores faz
com que a importância do livro para a área tome proporções positivas
para a consolidação dessa temática, por exemplo.

A presença de estudiosos renomados e envolvidos diretamente


com essa temática, oportuniza a divulgação de pesquisas e
conhecimentos a outros centros que buscam informações e fontes.
A participação de autores estrangeiros (Argentina, Chile, Paraguai
e México) e de diversas instituições de ensino e pesquisa (UFGD,
UFPEL, UFMS, UNIFAI, UFRJ, UNB, UFRGS e UNIPAMPA) também
serve de ponto fulcral para que a obra garanta um bom acesso de
informação e à diversidade de pontos de vista sobre o tema.

Neste contexto, no capítulo inicial, o professor Marcio Augusto


Scherma (UFGD) apresenta o debate entre as teorias de relações
internacionais e os assuntos de fronteira. No capítulo seguinte, é a vez
do professor Bruno Sadeck (UFPEL) e da mestre em Direito pela UNB,
Paula Ravanelli, abordar o papel da fronteira no processo de integração
regional, ilustrando o caso do consórcio intermunicipal da fronteira.
No capítulo 3, o professor Henrique Sartori de Almeida Prado (UFGD)
trata da temática da cooperação internacional descentralizada no
processo de integração regional e a política de fronteira do Brasil.
No quarto capítulo, Nahuel Oddone (CEPAL) e Horácio
Rodríguez Vázquez analisam a atual situação da cooperação
transfronteiriça na América Latina, trazendo um panorama sobre os
projetos e as políticas implementadas. No capítulo 5, o professor Fábio
Régio Bento (UNIPAMPA) apresenta um tema de suma importância
para os estudos fronteiriços: o papel das cidades-gêmeas. Em seguida,
Márcio Augusto Scherma e Sara Solange Alves Ferraz (IESB) escrevem
sobre a cooperação em saúde e o desenvolvimento de políticas públicas
envolvendo entidades subnacionais nas fronteiras. No capítulo 7,
seguindo a discussão acerca de tais políticas, as professoras Lídia Maria
Ribas (UFMS) e Soraya Saab (Facsul) ilustram a educação na fronteira
e o caso de Ponta Porã, analisando a gestão das políticas públicas na
região de fronteira entre Brasil e Paraguai. No capítulo 8, Gustavo Rojas
(CADEP- Paraguai) apresenta matéria sobre a integração produtiva
entre Brasil e Paraguai e a importância do relacionamento bilateral.
No capítulo seguinte, a professora Rebeca Steiman (UFRJ) discute as
questões ambientais com foco nas áreas protegidas transfronteiriças,
importante abordagem para os assuntos que envolvem fronteira,
geografia e relações internacionais.

No capítulo 10, Carlos Eduardo Riberi Lobo (UNIFAI) inaugura


a sessão dedicada à segurança e história, apresentando um importante
texto sobre forças armadas, geopolítica e fronteira. No capítulo 11, a
professora Lisandra Pereira Lamoso (UFGD) explora um estudo sobre
a segurança pública nas fronteiras de Mato Grosso do Sul. No capítulo
12, o professor Tomaz Espósito Neto (UFGD) apresenta uma discussão
relevante para os estudos de fronteira relacionados a Brasil e Paraguai,
sob um enfoque histórico. Por fim, mas não menos importante, os
Professores Cristian Ovando Santana e Sérgio González Miranda
(Arturo Prat-Chile) analisam um estudo de caso sobre os imaginários
de fronteira acerca da demanda de integração física entre Chile e
Bolívia.

Este livro não tem a pretensão de esgotar o assunto e nem de


ser um marco único da interpretação sobre fronteiras, mas traz, em
seu escopo, a realização do desejo de estudiosos de demonstrar seus
pontos de vista e de propagar resultados sobre um tema que é rico mas
pouco explorado na área de Ciência Política e Relações Internacionais,
além de demonstrar a importância do diálogo interdisciplinar com
outras áreas do conhecimento.

Por fim, é importante mencionar que se trata de uma obra


importante para a área das relações internacionais no Brasil,
primeiramente por existirem poucas obras dedicadas a essa temática
específica e, por outro lado, por condensar tal gama de instituições,
autores e diversidade de abordagens.

Dourados (MS), 10 de maio de 2015.

Henrique Sartori de Almeida Prado


Tomaz Espósito Neto

Organizadores
SUMÁRIO

1 - As Fronteiras nas Relações Internacionais....................................................13

2 - O papel da fronteira na integração regional – o caso do


consórcio intermunicipal da fronteira...............................................................37

3 - A cooperação descentralizada e transfronteiriça no


mercosul: a construção de um regime simbólico...............................................55

4 - Cross-border cooperation In Latin America..................................................83

5 - Cidades-gêmeas e conurbadas e fronteira - na vanguarda da integração


regional..........................................................................................................101

6 - Cooperação em saúde nas fronteiras: os entes subnacionais e o


desenvolvimento do SIS-Fronteira....................................................................115

7 - Políticas Públicas de Fronteira - a educação de base na integração


transfronteiriça em Ponta Porã.......................................................................131

8 - Integración Productiva Paraguay - Brasil: Nuevos Pasos en el


Relacionamiento Bilateral...............................................................................151

9 - Iniciativas de conservação transfronteiriça na amazônia brasileira: gênese e


evolução recente............................................................................................175

10 - Forças Armadas, Geopolítica e Fronteira - As relações entre o Paraguai e o


Brasil no período Stroessner: 1954-1989..............................................................199

11 - Segurança Pública nas fronteiras de Mato Grosso do Sul...............................213

12 - A evolução da questão de limites nas relações entre Brasil e Paraguai de


1822 a 1864: da independência à guerra........................................................239

13 - Imaginarios de frontera en torno a los proyectos y demandas de integración


física entre Tarapacá y Oruro.........................................................................267
Capítulo 1

AS FRONTEIRAS NAS RELAÇÕES


INTERNACIONAIS

Márcio Augusto Scherma*

INTRODUÇÃO

A disciplina de Relações Internacionais se constituiu como campo


de estudos, no sentido moderno, no início do século XX. Como o próprio
nome sugere, a disciplina nasceu com o intuito de estudar as relações entre
nações (ou entre Estados) e suas consequências. Ou seja, a disciplina só
pôde emergir a partir do surgimento e consolidação destes Estados e da
sistematização das relações entre eles. Na verdade, a principal preocupação
dos estudos de Relações Internacionais à época eram as guerras. De modo
especial, essa preocupação se intensificou a partir da I Guerra Mundial
(1914-1918).

Devido à guerra ser o principal objeto de estudo e os Estados serem


considerados os únicos atores internacionais à época do surgimento da
disciplina, ela fundamentou sua existência em alguns conceitos-chave,
como “Estado”, “território” e “soberania”. Num mundo onde Estados

* Professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande


Dourados. Doutor em Relações Internacionais pela UNICAMP.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 13


territoriais soberanos se relacionavam e inexistia um poder superior,
criara-se um “sistema internacional” cuja essência era a “anarquia”.

Estes cinco conceitos (Estado, território, soberania, sistema


internacional e anarquia) têm grande relevância até os dias atuais,
constituindo o cerne de inúmeros debates no campo das Relações
Internacionais.

Entretanto, existe um outro conceito que permeia esse debate


mas é pouco explorado pelo mainstream de pesquisa das Relações
Internacionais. Trata-se do conceito de “fronteira”, ou seja, uma porção
específica de território localizada na divisa entre dois Estados e que,
exatamente devido a esta característica geográfica, é um ponto onde as
“Relações Internacionais” são mais corriqueiras.

O objetivo principal deste trabalho é, assim, introduzir à discussão


teórica acerca das Relações Internacionais, o conceito de “fronteira”. Para
isso, é necessário situar o leitor quanto aos conceitos-chave da disciplina
e quanto à evolução do debate em torno destes até a contemporaneidade.

A hipótese apresentada sugere que o modo como os conceitos-chave


que enumeramos anteriormente foram abordados pelo mainstream das
Relações Internacionais, resultou nesse “silêncio” em torno do conceito
de “fronteira”. Isso, por sua vez, dificultou a abordagem do tema pelos
teóricos e gerou um gap entre as teorias tradicionais e a realidade
cotidiana das fronteiras.

Assim, o trabalho estrutura-se da seguinte maneira: inicialmente,


serão abordados os conceitos-chave utilizados pela disciplina das
Relações Internacionais, oriundos de outras ciências sociais. A
seguir, será realizada uma análise acerca da apropriação e utilização
desses conceitos pelas duas principais vertentes teóricas das Relações
Internacionais: realismo/neorrealismo e liberalismo/neoliberalismo
(chamadas, neste trabalho, de teorias do mainstream). Em cada uma
dessas análises, buscar-se-á, ainda, descrever ou inferir (quando não
esteja explícito) o conceito de fronteira, seu papel nesse campo teórico
e quais os desdobramentos possíveis (possibilidades e limitações) para
pesquisa a partir de cada vertente teórica.

14 - MÁRCIO AUGUSTO SCHERMA -


ESTADO, TERRITÓRIO, SOBERANIA E FRONTEIRA

Como dissemos, para que os estudos das Relações Internacionais


surgissem, era necessário haver Estados1. Estes Estados surgiram como
organizações sociopolíticas em torno de um dado território, ou seja, de
um espaço geográfico delimitado. Historicamente,

o Estado surgiu e se consolidou na Europa entre os séculos XIII e


XIX, já se apresentando, no XVII, como modelo de organização política
dominante no conjunto das relações socioeconômicas, de tal forma que entre
o final do século XV e o início do XVII começam a se definir os contornos
do moderno sistema político internacional (SANTOS JUNIOR, 2007: 29).

Diversos teóricos, se debruçaram sobre a definição de Estado, seu


surgimento e sua relevância, sobretudo os ligados à Ciência Política
como Mann (1992); Tilly (1996) e Weber (2009). Certamente, um dos
autores mais importantes, e cuja definição de “Estado” é uma das mais
utilizadas nos trabalhos acadêmicos, é Max Weber. Para o sociólogo
alemão, o Estado define-se a partir da presença de quatro elementos
principais2:

1 Uma análise interessante sobre os conceitos de “Estado”, “nação” e “Estado-nação” pode


ser encontrada em BRESSER PEREIRA (2008). Salientamos que, no presente trabalho,
o conceito utilizado de “Estado” não se confunde com o de “Estado-nação”. Na distin-
ção feita por Bresser Pereira (2008: 03): “A nação é a sociedade que compartilha um
destino comum e logra ou tem condições de dotar-se de um estado tendo como prin-
cipais objetivos a segurança ou autonomia nacional e o desenvolvimento econômico; já
a sociedade civil é a sociedade politicamente organizada que se motiva principalmente
pela garantia dos direitos civis e dos direitos sociais. O estado, por sua vez, é o sistema
constitucional-legal e a organização que o garante; é a organização ou aparelho for-
mado de políticos e burocratas e militares que tem o poder de legislar e tributar, e a
própria ordem jurídica que é fruto dessa atividade.”
2 Análises dos aspectos ligados ao conceito de Estado permeiam uma parcela signifi-
cativa da extensa obra de Weber, por isso reproduzimos a síntese apresentada por Mi-
chael Mann (1992) e utilizada em seu trabalho. A definição de Estado em função do
monopólio do uso legítimo da força física pode ser encontrada em “A política como
vocação” de Max Weber: “(...) temos de dizer que o Estado é uma comunidade humana
que pretende, com êxito, o monopólio do uso legítimo da força física dentro de um
determinado território” (WEBER, 1982:53).

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 15


1) um conjunto diferenciado de instituições e funcionários expressando
2) centralidade, no sentido de que as relações políticas se irradiam de um
centro para cobrir uma 3) área demarcada territorialmente, sobre a qual
ele exerce 4) um monopólio do estabelecimento de leis autoritariamente
obrigatórias, sustentado pelo monopólio dos meios de violência física
(MANN, 1992: 67).

Segundo esta definição, o Estado é a autoridade mais importante a


regular um certo território geográfico a partir da formulação de leis e da
fiscalização do cumprimento das mesmas por meio do monopólio dos
meios de coerção física.

Para o sociólogo Michael Mann, os Estados se fortaleceram e


se desenvolveram, ampliando sua capacidade de penetração logística
– infraestrutura. Ao contrário dos modelos de organização política
anteriores, o Estado ampliou seu poder de influência sobre seu interior de
tal forma que chega a afetar o comportamento de todos que encontram-
se sob sua influência. Segundo Mann
(...) o Estado pode avaliar e taxar nossa renda e riqueza na fonte,
sem o nosso consentimento ou o de nossos próximos ou parentes (...); ele
estoca e pode usar imediatamente uma maciça quantidade de informações
sob cada um de nós; pode fazer cumprir a sua vontade no mesmo dia em
quase todos os lugares sob seu domínio; sua influência sobre a economia
global é enorme; ele até provê diretamente a subsistência da maioria de
nós (via os empregos que oferece, as pensões previdenciárias etc (MANN,
1992: 169).

Dessa forma, através de um aumento nos recursos infraestruturais,


foi possível ao Estado ampliar seu poder político. Foi justamente esse
poder político ampliado que levou o conceito de “soberania” a ocupar
o posto de uma das principais instituições da sociedade moderna.

Segundo Beaulac (2003), embora alguns digam que ele não


inventou o conceito, a maioria dos analistas considera Jean Bodin
como o “pai” da soberania devido ao fato de que ele realizou a primeira
discussão sistemática sobre a natureza dessa palavra. De acordo com

16 - MÁRCIO AUGUSTO SCHERMA -


Bodin (1992: 01) “Sovereignty is the absolute and perpetual power of
a commonwealth”. Mais adiante, Bodin (1992: 03) confere ainda maior
ênfase ao dizer que “Sovereignty, then, is not limited either in power,
or in function, or in length of time”.

Ainda segundo Bodin, a soberania é indivisível. É impossível ao


príncipe soberano compartilhar seu poder com alguém, sem perder
seu status de soberano. Vejamos:

It is also by the common opinion of the lawyers manifest, that


those royal rights cannot by the sovereign be yielded up, distracted or
any otherwise alienated; or by any tract of time be prescribed against
… and if it chance a sovereign prince to communicate them with his
subject, he shall make him of his servant, his companion in the empire:
in which doing he shall lose his sovereignty, and be no more a sovereign:
for that he only is a sovereign, which has none his superior or companion
with himself in the same kingdom (BODIN apud BEAULAC, 2003: 12).

Portanto, o poder soberano centra-se, em última instância, na


comunidade política. Assim, somente os Estados possuem a prerrogativa
legal para agir em suas fronteiras domésticas, sem a interferência de
outras forças, sejam elas internas ou externas. Esse ponto de vista é
reforçado por aquela característica que Bodin (1955: 43) considera a
mais marcante de um príncipe soberano: a capacidade de fazer leis: “The
first attribute of the sovereign prince therefore is the power to make law
binding on all his subjects in general and on each in particular”.

Segundo a análise de Nicola Matteucci (1998:1881), temos ainda que

(...) desde o início há consenso constante sobre algumas características


formais da soberania: para Bodin ela é ‘absoluta’, ‘perpétua’, ‘indivisível’,
‘inalienável’, ‘imprescretível’. Com estas conotações ele procura, por outro
lado, mostrar que a soberania é um poder originário, que não depende de
outros.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 17


O que mais nos interessa é que, historicamente, vários Estados
foram nascendo quase que concomitantemente, o que, pouco a pouco,
foi transformando o espaço global num sistema em que coexistiam vários
Estados soberanos. Inicialmente o movimento ocorre no continente
europeu; todavia, esta forma de organização política espalha-se para
outros continentes até abarcar a totalidade do globo.

No continente europeu, o primeiro a vivenciar esse processo, o


momento histórico que melhor simboliza a transição para um sistema
internacional – ou seja, um sistema de Estados soberanos – é a chamada
paz de Westphalia.

Fruto do final da Guerra dos 30 anos, a paz de Westphalia – uma


série de tratados que se seguiram ao final da guerra – incluiu tratados que
reconheciam a autonomia política de muitas entidades que compunham
o Sacro Império Romano, promovendo pela primeira vez o princípio da
soberania como norteador das relações entre os Estados.
Alexander Murphy analisa essa transição como gradual, ou seja,
antes de Westphalia criaram-se as condições para que tais tratados
pudessem ser firmados. Contudo, após posto em prática, este modelo
político mostrou-se o mais adequado à realidade social e econômica da
época, e prevaleceu sobre os demais. Segundo o autor:

(...) the trend toward wider acceptance of the sovereign territorial


ideal was a product of the emergence of political territories that were
meaningful perceptual and functional regions, and the subsequent symbiotic
relationship that developed between changing political arrangements and
the sovereign territorial ideal. The political geographic importance of the
ideal was no less than to crowd out competing conceptions of how power
might be organized to the point where sovereign territorial ideal became
the only imaginable spatial framework for political life (MURPHY, 1996:
91).

Assim, os tratados da Guerra dos 30 anos não colocaram fim à


antiga ordem territorial, mas imputaram a idéia de que a soberania não
era apenas uma característica de alguns Estados, e sim um princípio que
deveria governar as relações entre Estados. Criaram ainda um ambiente

18 - MÁRCIO AUGUSTO SCHERMA -


no qual cada autoridade podia consolidar o controle de seus domínios
mais facilmente. Como conseqüência desse novo arranjo:

(...) the states themselves became increasingly significant foci of


identity for rulers and subjects alike. Social structures and individual
rights became more strongly linked to the state in which they were situated,
and the attention of rulers was directed away from their status in relation
to quasi-feudal or imperial hierarchies and toward the development of
territorial resources and the protection of state boundaries (MURPHY,
1996: 92).

Nessa nova lógica de arranjo territorial, “(…) the boundaries


between territories can become increasingly meaningful dividers between
social, economic, and cultural systems” (MURPHY, 1996: 90).

Para analisarmos o conceito de fronteira, é preciso recorrer à


geografia, ou mais especificamente, à geopolítica, disciplina que tem
trabalhado com maior afinco o tema, e que, portanto, tem sido a fonte
conceitual para muitos acadêmicos e policy makers quando o assunto é
fronteira.

O sueco Kjéllen, considerado um dos "pais" da geopolítica,


apresenta ponto de vista organicista a respeito do Estado e das fronteiras.
Para o autor, o Estado é como um “organismo vivo” - nasce, tem infância,
juventude (e, portanto, cresce), adquire maturidade e o poder; estagna
ou expande-se. Kjéllen compara, analogamente, as fronteiras do Estado
à epiderme de um corpo vivo - é ela que recebe e transmite em primeira
mão, assim, todas as manifestações de poder emitidas ou dirigidas ao
“cérebro” estatal - destinadas ou vindas do exterior. As fronteiras, deste
modo, são constantemente modificadas durante a história3.

3 Não é à toa que Kjellén, na sua obra, O Estado como organismo vivo, de 1916, conceitua
a geopolítica como “o ramo da política que estuda o Estado como organismo geográfico
ou como fenômeno de espaço, portanto como país, territoriun e dominiun (...)” , (apud
BACKHEUSER, 1942: 12). A relevância do tema “fronteiras” para a geopolítica e uma
análise história do tratamento conferido ao tema pelos principais geopolíticos podem
ser encontradas em MIYAMOTO (1995).

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 19


Como epiderme, a fronteira corresponderia a uma linha
divisória, que separa os ambientes interno e externo. Contudo,
alguns autores enxergam a existência de uma faixa de fronteira, ou
seja, um dado espaço territorial de transição, no qual convivem ainda
características físicas, políticas e sociais de ambos os lados.

Nesse ponto, faz-se necessário distinguir entre “fronteira-linha”


e “fronteira-faixa” (ou faixa de fronteira). O General Meira Matos,
recuperando diversos geógrafos como Ratzel, Kjéllen, Sieger, Vallaux
e Prescott nos apresenta a seguinte definição:

(...) os limites entre as nacionalidades se caracterizam por uma


faixa de transição onde os valores de cada parte, particularmente a
língua, raça, religião, ideologia, costumes e comércio, se interpenetram.
Realmente, as faixas fronteiriças, quando habitadas, são regiões de
endosmose cultural, daí a caracterização sociológica do chamado
homem fronteiriço. Esta interpenetração se faz natural e pacificamente
quando se trata de Estados amigos e é limitada e mesmo proibida
quando se trata de Estados rivais. Mas, se a caracterização jurídica
da fronteira é a linha, a sua realidade cultural ou administrativa
(instalação de postos de controle, alfândegas, elementos de vigilância
ou defesa) é a faixa. Por isso, Ratzel justifica sua tese sobre a realidade
da faixa e a subjetividade da linha de fronteira (MEIRA MATTOS,
1990: 34).

No Brasil, a legislação tem utilizado o critério de faixa de


fronteira. Miyamoto (1995) apresenta o processo de evolução do
tratamento jurídico que define a extensão da faixa de fronteira, que
vai da Constituição de 1891 à Lei n. 6.634/79, que definiu a faixa de
fronteira como um território de 150 quilômetros a partir da linha
limítrofe. Essa definição foi corroborada pelo Decreto n° 85.064,
de 26 de agosto de 1980, cujo teor foi ratificado pela Constituição
Federal de 1988, no parágrafo segundo do artigo 20.

20 - MÁRCIO AUGUSTO SCHERMA -


TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS E FRONTEIRAS

O REALISMO
A escola de pensamento que mais influenciou – e que talvez
ainda seja a que mais influencie – o campo de estudos das Relações
Internacionais é o realismo. Trata-se, sem dúvida, de um grupo
muito vasto de autores4, e não é pretensão deste trabalho adentrar nos
meandros das diferenças entre eles. Buscar-se-á, neste tópico, destacar
algumas premissas comuns aos autores realistas e, de modo especial,
destacar como esse modo de analisar as Relações Internacionais afetou
o estudo do tema das fronteiras.

Tal qual a denominação faz pressupor, os teóricos realistas estão


preocupados em tratar “as coisas como elas são”. Devido, especialmente,
ao momento histórico de seu surgimento (do entreguerras ao princípio
da Guerra Fria) o realismo é marcadamente preocupado com as
possibilidades de ocorrência de uma nova guerra. Talvez também por
isso, esteja permeado de um ponto de vista pessimista acerca da natureza
humana e da História.

Foram os realistas que mais beberam nas fontes dos clássicos. Com
heranças de leituras de Tucídides, Maquiavel e Hobbes temos o seguinte
cenário: a natureza humana é marcada pelo medo, pelo prestígio e pela
ambição. O maior dos medos é o de deixar de existir, e por isso a busca
pela sobrevivência permeia a vida dos Estados tal qual ocorria com os
homens no “estado de natureza”. Para que isso não ocorra, é preciso
buscar o prestígio, trazido na maior parte dos casos pelo poder, o que
gera a ambição da busca por esse poder.

Se essa é a natureza e todos os atores raciocinam semelhante-


mente, na ausência de um poder acima do poder soberano Estatal,
temos um “estado de natureza” hobbesiano no sistema internacional,

4 Como autores da escola realista, podemos citar Raymond Aron, Hans Morgenthau,
Hedley Bull, Alexander Wendt, Robert Gilpin, John Mearsheimer, dentre muitos out-
ros.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 21


ou seja, uma situação de anarquia. Como a interpretação de “anarquia”
utilizada deriva da obra de Thomas Hobbes (1974), há um sentido im-
plícito ao conceito, a saber, de que no “estado de natureza” no qual os
Estados se encontram, a guerra é uma possibilidade sempre presente.
“Among states, the state of nature is a state of war” (WALTZ, 1979: 102).

Para os realistas, o Estado é o ator central das Relações


Internacionais, como vimos. Nessa linha de pensamento, teria duas
funções primordiais: uma de âmbito interno (garantir a paz dentro de
suas fronteiras) e uma de âmbito externo (garantir a segurança frente a
possíveis ameaças externas – ou seja, garantir sua sobrevivência).

Outra característica marcante dos atores (Estados), para os


realistas, é sua racionalidade; ou seja, os atores calculam de modo
preciso os custos e benefícios de cada uma de suas ações. Essas ações,
como vimos, voltam-se sempre, em última instância, para a busca do
poder, como fim em si mesmo ou como meio para atingir outros fins.

Nessa linha de pensamento, o conceito de soberania sofre algumas


variações, entre os autores e também frente ao modelo proposto por
Bodin. É ilustrativo apresentar a análise do conceito de soberania
para alguns autores “clássicos” da escola realista. Iniciemos com Hans
Morgenthau:

A soberania pressupõe a suprema autoridade legal de uma nação


para aprovar leis e fazê-las cumprir dentro de um determinado território
e, como consequência, a independência em relação à autoridade de
qualquer outra nação e igualdade com a mesma nos termos do direito
internacional (MORGENTHAU, 2003: 578).

Ainda para Morgenthau, um Estado pode perder sua soberania


(ou seja, ela pode ser finita) em duas condições específicas, quais sejam:
a) quando o Estado assume obrigações legais que acabam por transferir
o poder supremo de legislar e fazer as leis; e b) quando perde sua
“impenetrabilidade”, seja pela invasão de seu território ou pela tomada
de controle do governo por um outro Estado (CARDOSO, 2008: 17-18).

22 - MÁRCIO AUGUSTO SCHERMA -


Já Edward Carr insere a análise da soberania em uma lógica
mais ampla. Na interpretação de Cardoso (2008: 11-12), para Carr,
toda política, no sistema internacional, é uma política de poder: “(...) é
possível inferir que a soberania, segundo Carr, é um poder derivado – e
não um poder originário – e depende da disputa de poder compreendida
como força militar e econômica”. Justamente por ser um poder derivado,
Cardoso (2008: 14) identifica que, para Carr, “Os Estados poderosos
são soberanos para pactuar, cumprir e denunciar tratados, enquanto
os Estados fracos não dispõem de soberania”. Nota-se mais uma vez a
possibilidade de interrupção (ou mesmo inexistência) da soberania.

Para Kenneth Waltz (1979), um dos principais expoentes do


neorealismo, a soberania não pode ser confundida com a habilidade
dos Estados de fazer o que querem. Há também, na análise de Waltz, o
elemento da política de poder, assim como em Carr. Para Waltz (1979:
95), tratar os Estados como os atores do sistema internacional significa
dizer que são unidades políticas autônomas, ou seja, que são soberanos.
Essa soberania, contudo, é relativizada de acordo com as pressões às quais
o Estado em questão está submetido e também em relação às capacidades
(poder) de que dispõe para lidar com essas pressões. Vejamos:

To say that a state is sovereign means that it decides for itself how
it will cope with its internal and external problems, including whether
or not to seek assistance from others and in doing so to limit its freedom
by making commitments to them. (…) It is no more contradictory to say
that sovereign states are always constrained and often tightly so than is to
say that free individuals often make decisions under the heavy pressure of
events (WALTZ, 1979: 96).

Por fim, quando Waltz analisa as diferenças entre a violência


dentro e fora das fronteiras do Estado, conclui que o Estado não tem o
monopólio do uso da força, internamente, mas sim o monopólio do uso
legítimo da força. E é justamente a forma como reage ao uso da força por
outrem, dentro ou fora de suas fronteiras, que diferencia o nacional do
internacional: “The difference between national and international politics
lies not in the use of force, but in the different modes of organization to do
something about it” (WALTZ, 1979: 103).

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 23


Em suma, para os realistas a soberania pode não ser ‘absoluta’
ou, ainda, ‘perpétua’. Trata-se não mais de um poder originário, mas
está inscrito em uma série de relações de poder dentro do sistema
internacional. Nesse sentido, haveria uma “hierarquia” de soberania
entre os diversos Estados.

Ora, dentro desse contexto é possível a um Estado “perder” sua


soberania, como vimos em Morgenthau. Uma das maneiras para que
isso ocorra é a invasão territorial, de modo a incutir ali outra autoridade
que não o Estado. A esse respeito, Raymond Aron (2002: 254) disse que:
“A violação da linha que separa o território das unidades políticas é um
casus belli por excelência e prova de agressão”.

Esse tipo de acontecimento é muito mais provável de ocorrer na


região fronteiriça do que na capital do país. As fronteiras, muitas vezes,
são constituídas por obstáculos naturais, regiões onde a vigilância em
geral é menor, dada a dificuldade de transpassar esses obstáculos. Em
geral, quando se chega de um país a outro diretamente pela capital a
fiscalização é bastante mais intensa. Isso é especialmente verdade num
país com fronteiras vastas e vocação litorânea como o Brasil. Mais
adiante trataremos das consequências desse cenário no tratamento às
fronteiras brasileiras.

Morgenthau analisa a influência da geografia na ameaça à


segurança dos Estados e confirma essa linha de raciocínio. Quando
analisa o caso da Rússia, o autor afirma:

Não existe, portanto, qualquer obstáculo natural a uma invasão pela


fronteira ocidental da Rússia. (...) Assim, desde o século XIV até os dias
de hoje, a Rússia Branca e o setor mais ocidental da Rússia propriamente
dita têm sido o cenário de contínuos ataques e contra-ataques e um
campo de batalha em que têm se encontrado a Rússia e seus vizinhos
ocidentais. A ausência de uma fronteira natural, isto é, de uma fronteira
predeterminada por fatores geográficos, como a italiana ou a espanhola,
tem constituído uma fonte permanente de conflito entre a Rússia e o
Ocidente (MORGENTHAU, 2003: 219).

24 - MÁRCIO AUGUSTO SCHERMA -


Hedley Bull (2002: 214), em sua análise das guerras, remonta à
possibilidade de ganhos territoriais por parte do vencedor, chegando
em última instância à anexação do outro Estado (ou seja, a “morte” do
Estado perdedor). Vejamos:

“É a guerra e a ameaça da guerra que ajudam a determinar


a sobrevivência ou eliminação de certos Estados, seu crescimento ou
declínio, se as suas fronteiras mudam, se seus povos têm este ou aquele
governo (...)”.

Por ora, o mais importante é salientar que as fronteiras, para


os realistas, estão entre os principais pontos de entrada de pessoas e
bens indesejáveis e que constituiriam assim um ponto nevrálgico para
manutenção da soberania do Estado. Nesse raciocínio, a vigilância dessas
regiões é a política mais adequada, uma vez que perder a soberania
significa perder poder e, no limite, deixar de existir enquanto unidade
autônoma.

No realismo, os Estados são atores unitários e racionais. No


modelo billiard ball, os realistas tratam o Estado como uma “caixa-
preta”. Não é necessário para o analista descobrir como são formuladas
as políticas de atuação internacional, pois é possível deduzi-las a partir
da estrutura do sistema e das características intrínsecas ao Estado, que
tem seus interesses já determinados, como vimos.

Exatamente por isso, o papel que cabe às fronteiras no realismo


também é derivado dessa perspectiva estadocêntrica; ou seja, as
fronteiras são relevantes na medida em que representam uma região
delicada para o Estado, apenas. O realismo é, assim, incapaz de levar em
conta a importância regional das fronteiras, não analisando os fatos que
ali ocorrem como frutos de lógica específica de uma região diferenciada
das demais. Em nenhuma hipótese, para os realistas, uma condição
específica regional poderia levar, por exemplo, à adoção de uma política
para as fronteiras que contrariasse o “interesse nacional” – este definido
sempre em termos de poder.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 25


Portanto, a visão monolítica do realismo acerca do Estado
conduziu a região de fronteira a uma importância secundária em sua
agenda de pesquisa. Mais do que isso, reduziu a importância dessa
região ao aspecto da defesa da soberania e, assim, a um tratamento
eminentemente marcado pelas políticas de segurança.

O PENSAMENTO LIBERAL

Antes da emergência do realismo, o liberalismo foi a primeira


corrente de pensamento a ganhar força. Tal qual o realismo, o liberalismo
baseou sua visão de mundo em autores clássicos; contudo, de outra
vertente, tais como Immanuel Kant e Hugo Grotius.

Para os liberais, todos os seres humanos, pelo simples fato de


terem nascido, são possuidores de certos direitos naturais que devem
ser respeitados (direito à vida, à liberdade, à propriedade, por exemplo).
Assim, a preocupação fundamental destes teóricos reside em assegurar
uma ordem social que garanta o pleno exercício desses direitos naturais.
O universalismo seria o meio pelo qual essa ordem viria a ser alcançada.

A ideia liberal de criar uma comunidade de Estados na qual se


discutiriam os problemas internacionais e se submeteriam alguns
assuntos como as declarações de guerra, à opinião pública, foi posta
em prática com a criação da Liga das Nações, após o final da Primeira
Guerra Mundial. O cenário belicoso persistiu após o final da I Guerra
Mundial, e, como indicado por Miyamoto (2004), por uma série de
razões a Liga das Nações não obteve o sucesso almejado, e o realismo
ganhou em poder de explicação, passando a ocupar o posto de teoria
mais utilizada.

Foi somente a partir dos anos 1970 que o pensamento liberal


voltou a ganhar força. Desta feita, contudo, não mais tão marcado pelo
idealismo do começo do século, mas mais preocupado com o “dever
ser”, buscava propor uma reorganização do sistema internacional de
acordo com seus valores. O ideal liberal volta como uma revisão daquele
pensamento do início do século: o neoliberalismo.

26 - MÁRCIO AUGUSTO SCHERMA -


Deram força a essa nova vertente as mudanças ocorridas durante
a Guerra Fria, mas que se tornaram mais visíveis após os anos 1970
e, sobretudo, a partir do fim da União Soviética e da derrocada dos
sistemas políticos socialistas.

As novas tecnologias de informação e comunicação conferiram


a base material que permitiu um incremento significativo no fluxo de
bens, pessoas, culturas, informações e capitais. Concomitantemente,
ganharam importância outros atores para além do Estado, que
começaram a atuar além das fronteiras nacionais e, dos quais, ONGs
e empresas transnacionais são o maior exemplo. Esse fenômeno ficou
conhecido como globalização.

Essa nova realidade material colocou questionamentos importantes


à teoria realista. O papel do Estado tornou-se um dos principais pontos
de discussão, diante de um mundo no qual as novas conexões globais
não obedeciam, a priori, à lógica restritiva das fronteiras nacionais.

Dois dos principais expoentes dessa vertente teórica são Joseph


Nye e Robert Keohane. Sua obra Power and Interdependence, de 1977
é certamente um marco na consolidação do neoliberalismo. No livro,
os autores analisam o fenômeno da interdependência como uma
relação entre dois ou mais países na qual as decisões tomadas em
cada país implica efeitos em outros países. Assim, a interdependência
diz que vários atores podem ser atingidos, em grau maior ou menor,
por acontecimentos ocorridos longe de seus domínios e por decisões
tomadas por outros governos.

“Interdependence, most simply defined, means mutual dependence.


Interdependence in world politics refers to situations characterized by
reciprocal effects among countries or among actors in different countries.
These effects often result from international transactions - flows of
money, goods, people and messages across international boundaries”
(KEOHANE;NYE, 2001: 07).

Importante salientar que os autores não desconsideram a dimensão do


poder na política mundial. Para eles, a interdependência pode ser uma fonte

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 27


de conflito e também ser utilizada como instrumento de poder, como vemos
explicitamente na passagem “We do not limit the term interdependence to
situations of mutual benefit” (KEOHANE;NYE, 2001: 09).

No mundo interdependente, a união de forças para aumentar


poder e competir em escala global também passa a ser um fenômeno
recorrente. Tanto o estabelecimento de regimes internacionais5 quanto
de blocos econômicos são decorrentes dessas novas necessidades. Países
menores buscariam parcerias para aumentar seu poder e se prevenir
frente às implicações da interdependência.

Desse modo, para os neoliberais, uma política de poder na era


da interdependência passa pela integração. Seja pelo pertencimento
a blocos econômicos ou a regimes transnacionais, a cooperação pode
ser uma maneira de angariar maior poder de barganha no sistema
internacional (MARIANO, 1995).

Krasner (2001: 230) analisa como esses movimentos afetam o


conceito de soberania. Segundo ele:
The contemporary international system has its own rules and
actors. Sovereign states are the building blocks, the basic actors, for the
modern state system. Sovereign states are territorial units with juridical
independence; they are not formally subject to some external authority.
Sovereign states have also de facto autonomy. Although the power
and preferences of foreign actors will limit the feasible options for any
state, sovereign states are not constrained because external actors have
penetrated or controlled their domestic authority structures.

O autor reconhece que a globalização tem imposto desafios à


soberania dos Estados. Contudo, sua análise diz que é muito cedo para
falar no fim do sistema de Estados soberanos. Define assim, o que chama
de “soberania da interdependência”: “Interdependence sovereignty
refers to the ability of states to control movement across their borders”
(KRASNER, 2001: 02).

5 Sobre regimes internacionais, consultar KRASNER (1981, 1982); YOUNG (1982);


KEOHANE (2005), dentre outros.

28 - MÁRCIO AUGUSTO SCHERMA -


Isso ocorre porque, em seu ponto de vista:
The ability of states to effectively regulate their borders and to exclude
external sources of authority could never be taken for granted. Historically
some large and powerful states, most obviously the United States, have been
very successful at maintaining all elements of sovereignty. Smaller and weaker
states have had a harder time” (KRASNER, 2001: 02).

Assim, os movimentos oriundos com a globalização já eram


existentes. O que, de fato, alterou-se foram a velocidade e a intensidade
com que se dão agora. Apesar disso, o autor não enxerga a possibilidade
de alterações radicais no sistema de Estados soberanos, ao menos no
curto prazo. Ao invés disso, alenta a possibilidade de existência mútua
de outros arranjos para além da soberania estatal, como é o caso da
União Europeia, por exemplo.

Exatamente por identificar a soberania como um arranjo fraco, vez


que não elimina estratégias alternativas, mas convive com elas, o autor
conclui que os detentores de poder no sistema internacional não têm
incentivos para estabelecer um novo arranjo de regras do jogo.

É possível notar, portanto, algumas características do pensamento


neoliberal em relação à soberania e às fronteiras. Em primeiro lugar,
sobressai a utilização dos mesmos conceitos-chave das Relações
Internacionais (Estado, território, soberania, sistema internacional
e anarquia) dos realistas. Excetuando-se o caso da “soberania”, os
pressupostos conceituais são basicamente os mesmos. Isso não quer dizer
que o Estado funcione com as mesmas características que são descritas
pelos realistas; mas o conceito de Estado é o mesmo, basicamente aquele
weberiano – unidade política territorial com monopólio legítimo da
violência.

O diferencial é que, para os realistas e neorrealistas o Estado tem


um dado objetivo e para alcançá-lo atua de uma determinada maneira.
Para os liberais e neoliberais, tanto o objetivo quanto o modo de atuação
são diferentes. O olhar é outro, e por isso as conclusões são distintas;
todavia as peças são muito semelhantes. A diferença mais significativa
reside no conceito de sistema internacional (os neoliberais admitem
outras unidades, além do Estado).

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 29


Mesmo o conceito de soberania que Krasner “flexibiliza” e apresenta
como “soberania da interdependência”, é sobremaneira similar ao realista.
Relaciona-se com a capacidade (ou poder) que um dado Estado detém
de exercer sua vontade frente aos fluxos externos (para os realistas, como
vimos em Waltz, é frente aos outros Estados).

Dessa forma, apesar do exemplo de Krasner, não é raro encontrar


em alguns autores neoliberais, falas como “fim do Estado” ou, ainda,
“erosão da soberania estatal” ou “ameaças à soberania”. Isso ocorre
porque não ressignificam os conceitos, mas buscam colocá-los frente à
nova realidade que enxergam.

Não obstante, as semelhanças no trato conceitual, a implicação


desses desenvolvimentos teóricos para as fronteiras é diferente da realista.
Para os neoliberais, a globalização – que é um fenômeno inexorável – cria
redes globais que não respeitam as fronteiras nacionais, e organizam-se
por todo o globo, com auxílio das tecnologias de comunicação. Essas
redes são tanto de atividades lícitas (comércio, finanças) quanto de
atividades ilícitas (tráfico de drogas, armas, pessoas, imigração ilegal).

Caberia aos Estados, assim, controlar as fronteiras de modo a filtrar


os fluxos, facilitando a entrada daqueles tidos como interessantes ao
Estado e cercear as redes de ilícitos; algo como o que Peter Andreas (2003:
107) chamou de smart borders. Esse funcionamento da fronteira, ora
como barreira, ora como corredor de entrada, tem sido de difícil obtenção
mesmo para os países mais desenvolvidos.

De acordo com esse raciocínio, podemos deduzir que, para


os neoliberais, as fronteiras podem ter um papel importante no
desenvolvimento do Estado. Destacamos que não foi possível encontrar
literatura específica a esse respeito, devido ao fato de que mesmo os
neoliberais utilizam basicamente o conceito de Estado quando vão tratar
da cooperação internacional, não existindo uma abordagem específica
para região de fronteira. Há autores que falam em redes, como vimos,
mas para esses autores tampouco existe uma preocupação específica
com essa região.

30 - MÁRCIO AUGUSTO SCHERMA -


Portanto, assim como no realismo, as questões relativas às regiões
de fronteira têm importância secundária na agenda de pesquisa. Apesar
de podermos inferir que o papel dessa região é outro para os teóricos
neoliberais, são poucas as referências específicas ao tema. Na análise
dos processos de integração regional, por exemplo, onde muitas vezes
são utilizados modelos da teoria dos jogos para explicar a existência da
cooperação, a racionalidade dos atores é sempre pensada do seu próprio
ponto de vista – dos Estados nacionais.

A concepção de Estado como “caixa-preta” persiste na maior parte


dos estudos, alterando-se apenas os fins que buscam atingir e os meios,
a partir dos quais, buscam esses fins. Há alguns avanços no tratamento
de regiões, em especial nos estudos sobre fundos compensatórios para
regiões menos desenvolvidas que surgem em blocos de integração
regional6, abrindo a possibilidade de que questões regionais levem a
políticas nacionais; entretanto, estudos sistemáticos sobre as regiões de
fronteira ainda são escassos.

TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS E FRONTEIRAS –


ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Conforme exposto, o tema “fronteiras” tem sido pouco explorado


pelos teóricos das Relações Internacionais. Seu conceito foi bastante mais
estudado pela geografia e pela geopolítica, que acabou influenciando,
sobremaneira, estudos em outras áreas do conhecimento.

É possível, todavia, estudar a região de fronteira a partir da ótica


das Relações Internacionais. O conceito de fronteira é derivado de
outros conceitos-chave da disciplina, como Estado, território, soberania,
sistema internacional e anarquia – todos estes, temas fundamentais na
agenda de pesquisa da academia.

Se há uma relação tão próxima entre os conceitos mais


pesquisados e o conceito de fronteira, por que motivo então o tema
encontra-se relegado a um plano eminentemente secundário nessa

6 A esse respeito, consultar, dentre outros: HOOGHE; MARKS (1996); HARVEY (2006);
dentre outras possibilidades.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 31


mesma agenda de pesquisa? A resposta oferecida por este trabalho
passa pelas características intrínsecas das teorias mais utilizadas nas
relações internacionais – o realismo/neorrealismo e o liberalismo/
neoliberalismo.

Como vimos, o primeiro grupo de teóricos tem no Estado um


ente unitário, e não se preocupa com o que nele ocorre internamente.
Além disso, pelos seus pressupostos teóricos, as escolhas desses
entes já estão dadas – e também os meios pelos quais agem. Assim,
as fronteiras não possuiriam nenhuma especificidade merecedora de
atenção analítica especial; apenas se inseririam na lógica geral de
funcionamento do Estado, dentro do sistema internacional. Como
os conceitos dos realistas não apresentam grandes variações, é difícil
imaginar uma abertura para a inclusão do tema em sua pauta de
pesquisas.

Já o segundo grupo, o dos liberais/neoliberais, é um pouco


mais flexível. Legitimam outras entidades como atores do sistema
internacional, mas mantém uma lógica de análise centrada no
“interesse nacional” dos Estados, ainda quando este interesse se refira
às políticas internacionais com finalidade de beneficiar determinadas
regiões. Esse grupo de teóricos capta a importância dos fluxos e
a porosidade das fronteiras, mas pecam na análise ao focalizar
eminentemente o Estado. Por isso, quase sempre o que encontramos
é “o Estado perde soberania” ou “o Estado perde poder” ou ainda “o
Estado precisa controlar os fluxos”.

Há alguns autores que analisam a globalização com foco nas


cidades, que formariam uma rede global de cooperação. Existem também
grupos que pesquisam a chamada “cooperação subnacional”, ou seja, a
atuação internacional de entes subnacionais, como estados, províncias
e municípios7. Esses estudos destacam aspectos muito relevantes dos
movimentos em curso atualmente; no entanto, são relativamente poucos
aqueles que os relacionam às políticas nacionais, interpretando-os mais

7 A esse respeito, consultar, dentre outros: CASTELLS (1996), SASSEN (1998, 2006),
MARIANO (2005).

32 - MÁRCIO AUGUSTO SCHERMA -


como uma forma individual de “fuga” de uma cooperação oficial nacional,
lenta na busca de resultados mais rápidos.

De fato, o neoliberalismo abre brechas importantes para um


estudo focalizado nas regiões fronteiriças e, embora não seja possível
identificar muitos trabalhos nessa linha, algumas correntes parecem
caminhar nessa direção. Porém, dois aspectos levam à minimização
do poder explicativo desta teoria. O primeiro deles é a imutabilidade
dos conceitos – como dissemos, em grande parte ainda persistem os
conceitos de Estado, soberania e anarquia da mesma forma que para os
realistas, o que confere certa limitação à análise.

O segundo aspecto é eminentemente metodológico: o


neoliberalismo, tal qual o realismo, desconsidera a influência das ideias
na formação de identidades dos atores. Assim, motivações e meios são
presumidos a partir de certas concepções sobre “a natureza humana”.
É apenas o desenvolvimento material que influencia o comportamento
dos atores e conforma a estrutura.

A análise das fronteiras nas Relações Internacionais foi, assim,


prejudicada pelo ponto de vista das teorias do mainstream, que mantém
conceitos estáticos que, em muitos casos, não apenas encontram-se
defasados do ponto de vista da realidade social como também não são
facilitadores na análise das fronteiras.

Portanto, a aplicação de outros pontos de vista teóricos pode


ser um importante instrumento para que o tema das fronteiras possa
ser de fato incorporado nas análises das Relações Internacionais,
abarcando o tema em suas nuances específicas, incorporando, assim, à
disciplina um campo de estudos ainda pouco explorado, mas que tem
muito a oferecer.

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- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 33


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- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 35


Capítulo 2

O PAPEL DA FRONTEIRA NA
INTEGRAÇÃO REGIONAL:
o caso do consórcio intermunicipal
da fronteira

Paula Ravanelli Losada*


Bruno Sadeck**

INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é apresentar como a fronteira é tratada no


âmbito das relações internacionais, e mostrar uma iniciativa em curso,
na esfera sul-americana, que fomenta a cooperação fronteiriça entre as
localidades neste espaço geográfico.

Há algum tempo existe um debate sobre o papel das fronteiras


dentro das relações internacionais. O processo de formação de
blocos regionais e o advento de novas perspectivas para os países sul-
americanos, propiciaram um horizonte pacífico e de respeito mútuo
entre os povos da região, deixando para trás séculos e séculos de
desconfianças e disputas.

* Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo e Mestre em Direito pela


Universidade de Brasília.
** Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, Mestre em Ciência
Política pela Universidade de Brasília e Doutor em Ciência Política pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Professor do Curso de Relações Internacionais da UFPEL.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 37


De acordo com conceitos clássicos do Direito e das Relações
Internacionais, existem três elementos que formam um Estado
soberano (território, povo e governo). O Estado nacional moderno está
fundamentado nestas características. Suas principais funções foram
desenvolvidas ao longo dos anos com esta perspectiva.

Para este artigo, nos interessa tratar do território mais


especificamente, do limite geográfico que finaliza a soberania de um
país: a fronteira. Estas sempre foram tratadas como a linha de divisória
entre os Estados nacionais, desde a época da colonização, passando pelo
período de independência até os dias atuais, além de serem, usualmente,
locais mais distantes dos grandes centros urbanos desenvolvidos.
Portanto, existe uma dívida histórica para com estas localidades de
diversas naturezas e formas.

As fronteiras são um espaço natural de interação entre os


habitantes da região fronteiriça. Assim, um passo importante para o
aprofundamento da integração entre os países sul-americanos passa
necessariamente, por pensar essa área, envolvendo os atores locais,
da sociedade, do Estado e do setor econômico, com vistas a criar um
ambiente propício para o crescimento sustentável e a construção de
bens públicos regionais.

FRONTEIRA, SOBERANIA, COOPERAÇÃO E AS RELAÇÕES


INTERNACIONAIS

Do ponto de vista de formação dos Estados modernos e da


manutenção do equilíbrio de poder, a Paz Westphalia, em 1648,
(conhecida também pelo nome de Tratado de Münster ou Osnabrück),
foi o primeiro marco de reconhecimento mútuo sobre os territórios
dos países europeus nos séculos XVI e XVII. Os principais conceitos
instituídos por este tratado, dentro das Relações Internacionais e do
Direito Internacional, foram: soberania, territorialidade, autonomia e
legalidade (BOBBIT: 2003, 55).

A nova percepção do Estado moderno pós-Westphalia impôs,


para a ordem internacional, a ideia de centralização, baseada em uma
distinção entre o âmbito público e o âmbito privado. Dentro do seu
território, o Estado teria o monopólio do uso da força, enquanto que,

38 - PAULA RAVANELLI LOSADA | BRUNO SADECK -


fora dele, teria a incumbência primordial de assegurar a manutenção de
suas fronteiras contra possíveis invasões.

Nesse sentido, o equilíbrio de poder pode ser avaliado como um


caminho escolhido pelos países em manter um sistema até o momento
em que um destes Estados consiga atingir uma possível supremacia
(NOUR: 2004, 96). Caberia aos países mais ambiciosos e beligerantes a
manutenção e/ou rompimento da paz negociada.

Por fim, a Paz de Westphalia também foi uma tentativa de estabelecer


o equilíbrio em uma sociedade internacional anárquica, na qual os
próprios países se organizavam e faziam por si mesmos, especialmente os
mais fortes, valer o comportamento de outros países, de acordo com seus
interesses e objetivos, por meio do citado tratado.

A soberania, a fronteira e a cooperação são objetos de alguns


estudos de teóricos das escolas das Relações Internacionais. Dentre
os escolhidos para compor este trabalho, podemos destacar Hans
Morgenthau, Kenneth Waltz e Robert Keohane.

Morgenthau, da escola realista, afirma que exercer a soberania,


a partir do seu território, corresponde ao fato de toda nação ter a
liberdade para exercer sua autonomia e administrar seus assuntos
internos e externos, da melhor maneira que os governantes e população
decidirem, conforme as seguintes palavras:

Cada nação tem o direito de dar a si própria a constituição que lhe


aprouver, de promulgar leis que desejar, independentemente dos seus efeitos
sobre seus próprios cidadãos e de escolher qualquer tipo de sistema de
administração. A nação tem plena liberdade para adotar qualquer tipo de
estabelecimento militar, com vistas à concretização dos propósitos de sua
política externa (MORGENTHAU: 2002, 572).

Para o autor, no campo da segurança e defesa, a fronteira significa


o ponto limite de um Estado e, por conseguinte, o começo de outro,
porém, caso haja um conflito de interesses ou disputa pelo poder
(exemplo a: fronteira franco-alemã) a região fronteiriça será o local
onde, provavelmente, se iniciará um confronto, rompendo o ambiente
de tranquilidade.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 39


Dessa maneira, a busca por compreender a relação soberania x
fronteira está diretamente ligada ao processo de formação e consolidação
dos Estados nacionais, o que implica em uma necessidade de afirmação
de força e manutenção dos seus territórios, diante de uma sociedade
internacional anárquica.
Para Waltz, da escola neorrealista, os Estados nacionais possuem a
características de serem soberanos, tomando decisões por si só de como o
gerenciamento de seus assuntos na esfera doméstica e externa. No âmbito
interno, cada instituição do país tem seu papel definido, de acordo com
suas competências e responsabilidades. No âmbito internacional, os
Estados podem ser considerados como unidades não diferenciadas entre
si, uma vez que todos executam, ou deveriam executar, suas funções
básicas, ou seja, a possibilidade de assimetria entre os países é observada
em termos funcionais (WALTZ: 2002, 43).

Dentro dessa mesma ótica, a capacidade dos países realizarem, ou


não, suas atividades primordiais, deve ser comparada entre os Estados,
conforme suas condições e estruturas. O fator central na relação entre os
Estados, é a capacidade relativa de garantir suas funções, notadamente,
no que diz respeito à segurança nacional.

Na visão neorrealista, Waltz define um conceito de balança de


poder, baseado na ordem anárquica e no desejo de sobrevivência dos
países. Neste cenário, os Estados não se movimentam de forma unitária
e automática, uma vez que há possiblidades de agirem de maneira
conjunta quando um Estado pode se tornar líder. E outros tendem a
acompanhá-lo, pois eles podem querer estar ao lado dos vencedores,
num eventual conflito beligerante.

Na visão liberal, Robert Keohane apresenta uma abordagem


diferenciada dos realistas sobre a relação entre os Estados, sob a
perspectiva de cooperação internacional, na medida em que existam
objetivos comuns entre determinados países, especialmente, na esfera
da economia política global (KEOHANE: 1984. 66).

Segundo esse autor, a cooperação é um ato essencialmente


político e que acontece simplesmente por interesses mútuos (bilateral,
trilateral ou multilateral) para sua realização. Todo processo envolve

40 - PAULA RAVANELLI LOSADA | BRUNO SADECK -


aproximação, negociações, convergência de posicionamentos e ações
coordenadas que definem uma agenda mínima de cooperação.

As possíveis dificuldades em executar a cooperação são derivadas


das diferenças culturais, de informação, de regras e de comunicação
entre os países. A falta de uma autoridade supranacional que possa
colaborar para incentivar a cooperação, não cria obstáculos para
fomentar a aproximação entre os países.

Assim sendo, esse contexto de aproximação dos Estados em prol


do desenvolvimento de atividades conjuntas, e em detrimento de ações
únicas de proteção e segurança das fronteiras nacionais, propiciou uma
mudança de postura dos países e deflagrou um ambiente adequado para
uma nova ordem mundial.

O papel da fronteira é fundamental no cenário de globalização pelo


qual passamos, uma vez que esta região é o caminho natural por onde
podem ser executados programas e projetos de cooperação bilateral ou
multilateral, com vistas à aproximação dos países, além de ser um lugar
para negócios lícitos ou ilícitos.

CARACTERIZAÇÃO DA FRONTEIRA BRASILEIRA


O Brasil possui alguns aspectos marcantes que caracterizam a
fronteira nacional. A extensão territorial é de, aproximadamente, 16 mil
quilômetros terrestres, o que corresponde a 26% do território nacional,
abrangendo 11 Estados, três regiões e fazendo divisa com 10 países da
América do Sul1.

A faixa de fronteira brasileira é derivada do processo histórico que


teve como principal fundamento a preocupação com a segurança e a
soberania nacionais, desde os tempos do descobrimento, da Colônia,
passando pelos dois períodos do Império, pelas fases da República e
chegando até os dias recentes.
O arcabouço jurídico que trata desse espaço geográfico está
fundamentado na Lei nº 6.634 de 1979, no Decreto no 85.064 de 1980 e
1 ..Ministério da Integração Nacional. Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fron-
teira. Brasília. 2005, pág. 15.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 41


na Constituição brasileira de 1988, que estipulam que a faixa de fronteira
nacional é composta por 150 quilômetros largura para dentro do território
(limite já estipulado em outras cartas magnas anteriores).

O órgão federal que tem a incumbência de aplicar a mencionada


lei é o Conselho de Defesa Nacional (CDN), que poderá definir as
seguintes regras para a faixa de fronteira, conforme os interesses de
proteção do território nacional2.
- ocupação,
- exploração econômica,
- trânsito.
Nessa região estão situados 588 municípios com as mais variadas
realidades e que pode ser classificados de duas formas: lindeiros e não-
lindeiros.
Os lindeiros possuem três categorias, elencadas da seguinte forma:
a) aquela em que o território do município faz limite com o país
vizinho e sua sede se localiza no limite internacional, podendo ou não,
apresentar uma conurbação ou semi-conurbação com uma localidade
vizinha (chamada de cidades-gêmeas);
b) aquela cujo território faz divisa com o país vizinho, mas, a sede
político-administrativa não se situa no limite internacional da fronteira;
c) aquela cujo território faz divisa com o país vizinho, mas a sede
político-administrativa está fora da faixa de fronteira3.

O grupo de municípios não-lindeiros, localizados na retaguarda


da faixa de fronteira, são classificados como: a) aqueles com sede na
faixa de fronteira e b) aqueles com sede fora da faixa da fronteira.
De acordo com esta descrição, podemos observar que a faixa de
fronteira abrange um número de aproximadamente, 10% de cidades
brasileiras e 3 regiões que estão agrupadas da seguinte maneira.
- Região Sul: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná;
- Região Centro-Oeste: Mato Grosso e Mato Grosso do Sul;
- Região Norte: Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Amapá e Pará.

2 Constituição Federal de 1988, artigo 20, parágrafo 2º.


3 Ministério da Integração Nacional. Bases para uma proposta de Desenvolvimento e
Integração da Faixa de Fronteira – Grupo de Trabalho Interfederativo de Integração
Fronteiriça, Brasília. 2010, pág 18.

42 - PAULA RAVANELLI LOSADA | BRUNO SADECK -


Segue, abaixo, a distribuição dos municípios por Estado de
fronteira, conforme o Censo IBGE 2010.

Como se nota na distribuição acima, muitas áreas da faixa de


fronteira são heterogêneas e divergentes, como por exemplo: baixa
ocupação territorial, o que implica numa densidade demográfica
reduzida e índices socioeconômicos preocupantes.

AÇÕES DO GOVERNO FEDERAL PARA AS FRONTEIRAS

Com base no levantamento dos programas e projetos em


andamento do governo federal, podemos elencar algumas de suas ações
direcionadas especificamente para as fronteiras nacionais4.

4 Mapeamento realizado nos sites institucionais dos Ministérios do Planejamento, da


Justiça, da Saúde, da Educação, da Defesa, dentre outros.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 43


Para começar mostramos inicialmente os programas das áreas de
segurança e defesa, vinculados aos Ministérios da Defesa e da Justiça. O
primeiro é o Projeto Calha Norte que, oriundo do governo Sarney, possui
dupla função. A primeira visa responder as demandas de proteção da
fronteira e a segunda consolidar a presença do Estado na região norte
do país, pontualmente, no espaço da margem direita do Rio Amazonas,
a qual faz divisa com Colômbia, Venezuela e Peru.

O Calha Norte também tem por objetivo a implantação de projetos


nas áreas de infraestrutura, comunicações, transportes e energia. No
entanto, poucas ações foram executadas de fato, exceto aquelas sob
responsabilidade das forças armadas.

No início dos anos 2000, o projeto foi reformulado e ganhou uma


linha civil que visa a compra de equipamentos, por meio de convênios
celebrados entre os três níveis de governo, federal, estadual e municipal,
bem como a construção de rodovias e manutenção de pequenas centrais
elétricas nas regiões mais afastadas. Atualmente, o Calha Norte atende
194 cidades, sendo 95 situadas em faixa de fronteira5. Do ponto de vista
militar, destaca-se a criação e execução da infraestrutura dos pelotões de
fronteira, numa totalidade de 28, localizados em áreas de difícil acesso
da fronteira nacional.

O Plano Estratégico de Fronteira foi criado em 2011 e reúne ações


destinadas ao fortalecimento da prevenção, do controle, da fiscalização e
repressão de delitos transfronteiriços, por meio de atividades integradas
dos órgãos de Segurança Pública, da Secretaria da Receita Federal e das
Forças Armadas. Este plano possui uma característica diferenciada que
é a possibilidade de cooperação internacional com países vizinhos, a fim
de buscar maior eficácia das ações planejadas.

Ainda no campo da segurança, existe a Estratégia Nacional de


Segurança Pública nas Fronteiras – ENAFRON que é coordenado
pelo Ministério da Justiça e visa promover a articulação dos atores
governamentais também nos três níveis de governo, fomentar políticas

5 www.defesa.gov.br/arquivos/programa_calha_norte/livro/pcn_livro.pdf Acessado em 19
set. 2014.

44 - PAULA RAVANELLI LOSADA | BRUNO SADECK -


públicas de fronteira, e homogeneizar ações para aperfeiçoar os recursos
em segurança pública na fronteira.

A articulação do governo federal com os governos subnacionais


é feita pelos Gabinetes de Gestão Integrada de Fronteiras – GGIFs,
formados por membros da Secretaria de Segurança Pública de cada
estado fronteiriço, autoridades federais lotadas nas fronteiras e órgãos
municipais de fiscalização. Estes atuam de modo integrado com a
finalidade de prevenir, controlar e reprimir os delitos transfronteiriços6.

Outra ação nessa vertente em execução é o Sistema Integrado de


Monitoramento de Fronteiras – SISFRON, coordenado pelo Exército
Brasileiro, que trabalha com sistemas de comunicação, radares e
vigilância aérea envolvendo outras forças militares (Polícia Federal,
Polícia Rodoviária Federal e Polícias Militares). Esse processo permitirá
o monitoramento de toda faixa de fronteira nacional, possibilitando
resposta imediata por parte das forças armadas diante de algum crime
ou ação ilegal naquele espaço geográfico do país.

Um exemplo do que poderia ser uma ação coordenada e conjunta


de proteção das fronteiras nacionais é a Operação Ágata, feita sob a
responsabilidade do Estado Maior das Forças Armadas – EMCFA,
do Ministério da Defesa, e que envolve diretamente todas as forças
mencionadas para o combate aos ilícitos internacionais, além de ações
de inclusão social destinada à população situada nessa região.

No plano social, foram identificadas algumas ações que serão


detalhadas a seguir. O Projeto Escola Intercultural Bilíngue de Fronteira
– PEIF tem o intuito de promover o intercâmbio entre professores e
estudantes dos países do MERCOSUL. Criado em 2005, por uma ação
bilateral envolvendo Brasil e Argentina, o projeto foi ampliado por
decisão dos Ministros de Educação e possui atualmente 26 escolas em 5
dos países que fazem parte do bloco.

6 www.justica.gov.br/sua-seguranca/seguranca-publica/enafron
Acessado em 12 set. 2014.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 45


O foco do projeto é a integração, a partir da quebra da barreira
fronteiriça, além da ampliação das oportunidades do aprendizado da
língua espanhola do lado brasileiro e da língua portuguesa por parte da
Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela.

A metodologia elaborada e adotada no projeto é o ensino por meio


de ações de aprendizagem onde os professores ensinam em sua língua
materna, criando um ambiente real de bilingüismo para os alunos de
cada lado da fronteira7.

Outro programa que pode ser mencionado no âmbito do governo


federal é o Saúde e nas Fronteiras, gerenciado pelo Ministério da Saúde
que atendia a alguns municípios que fazem parte da faixa da fronteira.
Não está mais em execução.

O Programa Turismo nas Fronteiras - FRONTUR foi outro caso


de ação governamental que tinha por objetivo incrementar o fluxo de
turistas entre os países vizinhos, bem como auxiliar a preparação dos
estados fronteiriços para os megaeventos de 2014 e 2016. Não há, no
entanto, registros oficiais sobre a sua efetiva implementação.

Por fim, vale ressaltar a existência da Comissão Permanente para


o Desenvolvimento e Integração da Faixa da Fronteira - CDIF, que
foi criada em 2010 pelo Decreto Presidencial de 08 de setembro, sob a
coordenação do Ministério da Integração Nacional.

A CDIF é composta por 20 ministérios, 10 entidades associadas e


visa propor medidas e ações que possam fomentar o desenvolvimento e
a integração na área abrangida pela faixa de fronteira, nas diversas áreas
do governo.

Um dos pontos interessantes da CDIF é a tarefa de apresentar


planos regionalizados, respeitando as diversidades presentes para
cada região fronteiriça, bem como a criação de núcleos regionais
estabelecidos nos estados fronteiriços e compostos por representantes
7 http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=836&id=12586&option=com_
content&view=article Acessado em 15 set. 2014.

46 - PAULA RAVANELLI LOSADA | BRUNO SADECK -


dos governos subnacionais e instituições locais, para debater e propor
ações específicas para o seu respectivo desenvolvimento.

FORTALECIMENTO DOS GOVERNOS SUBNACIONAIS - A LEI DOS


CONSÓRCIOS PÚBLICOS

Em busca do fortalecimento das ações conjuntas dos governos


subnacionais, notadamente os municípios, foi criada a lei nº 11.107/2005,
que vem complementar e aprimorar o desenho federativo brasileiro que
emerge junto a Constituição de 1988. A chamada Lei dos Consórcios
Públicos dá nova regulamentação à cooperação horizontal e vertical entre
as três esferas de governo para gestão compartilhada de políticas públicas
e institui um arcabouço legal e institucional para a concretização do
Federalismo Cooperativo no país.

A fundamentação jurídica da Lei dos Consórcios Públicos está


diretamente vinculada à emenda constitucional n°19 de 1998, que
modificou a redação do art. 241 para os seguintes termos:
“União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão
por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre
entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem
com a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens
essenciais à continuidade dos serviços transferidos.”

O Consórcio Público constitui essencialmente um novo


instrumento de gestão intergovernamental que possibilita uma maior
articulação das iniciativas e políticas públicas entre as diferentes esferas
de governo. Colocou-se assim, à disposição dos entes federados, um
arranjo institucional que possibilita uma nova prática de pactuação e
cooperação intergovernamental no espaço macro e subrregional.

Contudo, o novo instrumento ainda carece de incentivos para a


sua efetiva utilização na prestação dos serviços públicos. A instituição
de um consórcio público não é tarefa simples, requer todo um processo
de debate, articulação e negociação política em torno da definição
das cláusulas do contrato de constituição do consórcio, bem como

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 47


considerar o peso político de cada ente na articulação institucional, os
objetivos comuns e a forma de financiamento da gestão compartilhada,
entres outros.

As definições expressas nas cláusulas do contrato de constituição


do consórcio (protocolo de intenções) devem, ainda, ser apreciadas
pelas respectivas casas legislativas de cada unidade federativa
participante (ratificação por lei), em respeito à autonomia de cada ente
assegurada na Constituição. A ratificação por lei dos protocolos de
intenção, que assim se convertem em contratos de constituição dos
consórcios, tem a importante função de transformar as obrigações
firmadas pelos governantes em obrigações legais da unidade federativa
consorciada e, portanto, não mais do prefeito ou do governador, mas
do município e do Estado.

A conversão em lei torna as obrigações pactuadas exigíveis do(s)


e pelo(s) governante(s) em exercício. O novo estatuto do consórcio
público constitui-se, assim, um instrumento bastante estável do
ponto de vista jurídico-institucional, na medida em que tem caráter
contratual e não mais de mero pacto de colaboração como o convênio,
que tem natureza jurídica precária, ou seja, cujas obrigações pactuadas
não são exigíveis, sequer judicialmente.

O consórcio público, em razão da sua complexidade, é um


instrumento capaz de formalizar uma gestão intergovernamental para
assumir diversas finalidades e objetivos comuns, em diversas escalas de
atuação do poder público e com formas diferenciadas de contribuição
dos entes consorciados. É possível constituir um consórcio atendendo
às especificidades de cada serviço público, em busca de uma escala mais
adequada à sua prestação e coerente com o acordo político, próprio de
cada arranjo institucional.

O consórcio público responde, assim, à necessidade de uma maior


institucionalização da cooperação intergovernamental para a gestão
consorciada de atribuições compartilhadas, que permite contribuições
diferenciadas de financiamento e poder de decisão, compartilhado entre
as esferas de governo, consorciadas no âmbito do território, de forma a
levar em consideração as desigualdades na capacidade administrativa e
financeira dos entes federados.

48 - PAULA RAVANELLI LOSADA | BRUNO SADECK -


Bom exemplo de incentivo é o benefício, previsto em lei de
ampliação dos valores referências para as modalidades de licitação, que
são considerados em dobro ou em triplo para os consórcios públicos,
a depender do número de entes consorciados8. E há possibilidade de
redução dos limites mínimos da contrapartida exigida pela Lei de
Responsabilidade Fiscal para as transferências voluntárias da União,
quando os recursos forem destinados a consórcios públicos ou à
execução de ações desenvolvidas por esses consórcios9, entre outros
previstos em lei.

Mesmo assim, há uma grande diversidade de políticas públicas


que podem apresentar melhor resolução e efetividade por meio da
ação intergovernamental no âmbito territorial, podendo produzir
ganhos de escala consideráveis, maior racionalização na utilização de
recursos públicos e fortalecimento dos entes federados na realização
de suas atribuições. Destaca-se entre outras, a questão da recuperação
e proteção ambiental, a gestão de bacias hidrográficas, o tratamento e
a destinação de resíduos sólidos.

A criação de novos arranjos institucionais de articulação e


pactuação entre os entes federados pode pavimentar a implementação
de um projeto nacional de desenvolvimento. Nota-se neste sentido, que
a promoção do desenvolvimento está cada vez mais sendo colocada
como uma tarefa a ser realizada no âmbito regional, onde podem ser
articulados e fortalecidos os fluxos econômicos e sociais, inclusive nas
regiões de Fronteira.

O CASO DO CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL DE FRONTEIRA – CIF

Em busca de soluções para problemas comuns da região de


fronteira, foi constituído, em 2009, o Consórcio Intermunicipal da
Fronteira (CIF) pelos municípios brasileiros de Barracão e Bom Jesus
do Sul, no Paraná, Dionísio Cerqueira em Santa Catarina e o município
de Bernardo de Irigoyen, em Missiones, na Argentina.

8 Art . 17 da Lei n. 11.107, de 2005, que dispõe sobre normas gerais de contratação de
consórcios públicos e dá outras providências.
9 Dispositivo nesse sentido vem sendo repetido nas Leis de Diretrizes Orçamentárias
(LDO) da União anualmente.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 49


Trata-se do primeiro e único consórcio público brasileiro que
reúne municípios de países diferentes. O consórcio é fruto do trabalho
realizado pelos prefeitos da região que, por meio de parceria com o
SEBRAE desenvolveram o Programa LIDER para o Desenvolvimento
Regional. O referido programa possibilitou reunir os setores público,
privado e terceiro setor de 39 municípios da região de fronteira entre
Brasil e Argentina: Sudoeste do Paraná, Extremo Oeste de Santa
Catarina e Extremo Leste de Missiones.

Como resultado desse programa foi elaborada uma proposta de


desenvolvimento para a região, definida por ações integradas nas áreas
de educação, turismo, agroecologia e produtos locais.

Fonte: http://cifronteira.com.br/projetos-e-obras/ Acessado em 22 set. 2014.

50 - PAULA RAVANELLI LOSADA | BRUNO SADECK -


Com base na nova lei de consórcios, o CIF foi criado para
implementar a proposta de desenvolvimento e apoiar os municípios
da região. Como a legislação brasileira não permite a participação de
municípios estrangeiros no consórcio público - que pode se constituir
como pessoa jurídica de direito público ou privado, mas sempre de
direito interno, ou seja, nacional - a solução encontrada foi garantir a
participação do município argentino como compromisso político, mas
sem previsão legal.

Essa solução, no entanto, apresenta diversas limitações, pois não é


possível compartilhar o rateio dos custos do consórcio com o município
estrangeiro, nem contratualizar direitos e obrigações decorrentes da
ação consorciada. Apesar disso, por meio do consórcio tem-se criado
programas e projetos para ajudar os municípios que o compõem,
inclusive o município de Bernardo de Irigoyen, na Argentina.
O CIF tem trabalhado em parceria com os governos estaduais do
Paraná, Santa Catarina e de Missiones (Argentina) e o federal, neste
caso, tanto do Brasil quanto da Argentina, em diversas áreas como
saúde, educação, turismo, desenvolvimento regional, segurança pública,
arquitetura, urbanismo e habitação.

Em cinco anos o CIF conseguiu realizar vários destes programas,


alguns ainda em execução, melhorando o cenário da região e permitindo
o desenvolvimento contínuo e próspero desta faixa de fronteira. Entre
as ações desenvolvidas, destaca-se a elaboração do Plano Pluri Anual
Participativo do Território do Consórcio Intermunicipal da Fronteira
para o próximo quadriênio - PPA 2015-2018.

O CIF é hoje uma referência no país, e no MERCOSUL porque


é uma iniciativa exitosa, um arranjo territorial que tem se mostrado
extremamente eficaz para atração de investimentos públicos e privados,
alcançando suas metas e provando que, unindo forças, é possível
promover o desenvolvimento.

A experiência do CIF tem mostrado que a integração fronteiriça é


o meio de dinamizar o processo de desenvolvimento econômico e social

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 51


dessas regiões de fronteira. O grande desafio apontado é responder
à especificidade dessa região de fronteira, que exige criar políticas
públicas e legislação específica com o propósito de resolver problemas
comuns das cidades gêmeas e demais municípios, localizados na faixa
de fronteira.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As informações apresentadas indicam que o assunto fronteira


é, ainda, pouco explorado de modo abrangente dentro das ações
governamentais. Apesar da existência de algumas iniciativas, o Brasil
possui uma postura com visão realista bem presente nos programas
federais, o que pode esta vinculada ao histórico de proteção e segurança
nacional, presente desde os tempos de colonização.

As possíveis explicações para este fato são os vários séculos em


que o Brasil esteve completamente de “espaldas” para os seus vizinhos
e provavelmente, vice-versa, além da tradição costeira que colocaram
os temas fronteiriços para posições não prioritárias na agenda dos
governos nacionais por diversas gestões.

Observa-se atualmente que há dificuldades de elaboração e


continuidade de programas e projetos que tratam dos assuntos de
fronteira, bem como para obtenção de recursos orçamentários para sua
plena execução nas diversas esferas técnicas do governo, com exceção
da área de defesa e segurança.

Contudo, é importante destacar que existe um esforço em incluir


a fronteira nas atividades desenvolvidas nos âmbitos federal, estadual e
municipal nos últimos anos, o que pode significar uma nova perspectiva
a em longo prazo para aquele espaço geográfico.

O caso do Consórcio Intermunicipal de Fronteira é um bom


exemplo de como a atuação conjunta e articulada envolvendo as
localidades fronteiriças de países diferentes, com o apoio de órgãos

52 - PAULA RAVANELLI LOSADA | BRUNO SADECK -


nacionais e estaduais, pode modificar a realidade e trazer benefícios
para a população que habita nessa região.

A possibilidade de mudança efetiva do espaço fronteiriço está


vinculada a uma política de Estado permanente para essas localidades,
de preferência em cooperação com o país vizinho, permitindo que se
tenham políticas públicas que promovam o desenvolvimento fronteiriço
de forma equilibrada e equânime.

REFERÊNCIAS

BOBBIT, Philip. A guerra e a paz na história moderna: o impacto dos grandes conflitos e da
política na formação das nações. Rio de Janeiro: Campus, 2003.
Constituição Federal de 1988. Brasília. Gráfica Senado Federal. 2010.
KEOHANE, Robert. After Hegemony: cooperation and discord in the world political
economy. Princeton: Princeton University, 1984, pág. 66.
LOSADA P. R., Consórcios públicos: os desafios do fortalecimento de mecanismos de
cooperação e colaboração entre os entes federados. Artigo apresentado no III Congresso
Consad de Gestão Pública, realizado de 15 a 17 de março de 2010, em Brasília, DF.
MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, Brasília. Bases para uma proposta de
Desenvolvimento e Integração da Faixa de Fronteira – Grupo de Trabalho Interfederativo de
Integração Fronteiriça, 2010, pág. 18.
MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL. Programa de Desenvolvimento da Faixa de
Fronteira. Brasília, 2005, pág. 15.
MORGENTHAU, Hans. A política entre as nações. Brasília. Ed. UnB. 2002, pág. 572
NOUR, Soraya. A paz perpétua de Kant: filosofia do direito internacional e relações
internacionais. São Paulo. Martins Fontes. 2004.
WALTZ, Kenneth. Teoria das Relações Internacionais. Lisboa: Gradiva Publicações, 2002.
pág. 43.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 53


Capítulo 3
A COOPERAÇÃO DESCENTRALIZADA E
TRANSFRONTEIRIÇA NO MERCOSUL: a
construção de um regime simbolico*
Henrique Sartori de Almeida Prado**

INTRODUÇÃO

Durante os primeiros anos de existência, o foco de ação do Mercado


Comum do Sul (Mercosul) se concentrava em ações comerciais, uma
pauta voltada às questões alfandegárias e tarifárias, com um espaço
reduzido para a construção de outras agendas. Após alguns anos de
existência, o Mercosul apresenta uma estrutura institucional própria,
em consolidação, e transborda sua agenda para assuntos que vão além
das questões comerciais.

Desde o início da década de 1990, o processo de integração atravessou


algumas fases que foram importantes para sua criação e amadurecimento,
envolvendo momentos de crise e mais recentemente, uma fase de

* Apresentado como comunicação de pesquisa, originalmente com o título “A cooperação


descentralizada como instrumento da política para a fronteira no Mercosul”, durante
o IX Encontro da ABCP, em agosto de 2014 e trabalho similar apresentado durante
o 1.º Congresso brasileiro de geografia política, geopolítica e gestão do território em
outubro de 2014.
** Professor do Curso de Relações Internacionais da Faculdade de Direito e Relações
Internacionais da UFGD. Doutorando em Ciência Política pelo IESP-UERJ. Membro
do Labmundo-Rio

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 55


revitalização. Neste sentido, acompanhando as necessidades crescentes
de todos os atores envolvidos na proposta mercosulina, foi que no ano
de 2002, por decisão do Conselho Mercado Comum (CMC), ocorreu a
criação do Grupo Ad hoc sobre Integração Fronteiriça (GAHIF). Este
grupo nasceu com um objetivo de criar instrumentos de promoção dos
assuntos fronteiriços, visando uma maior integração, fluidez e harmonia
no relacionamento entre as comunidades fronteiriças dos Estados Parte
do Mercosul, essenciais para o processo de integração.

No ano de 2004, nasce o Foro Consultivo de Municípios, Estados


Federados, Províncias e Departamentos do MERCOSUL (FCCR), espaço
este, vinculado ao Grupo Mercado Comum (GMC). Este foro se apresenta
como uma importante ferramenta de articulação política das entidades
subnacionais do Mercosul, possuindo como um de seus eixos de atuação
prioritária, a integração fronteiriça.

Por se orientar pela proposta de uma maior aproximação, via


interesses convergentes entre os Estados Partes, o Mercosul objetiva
construir um espaço de interdependência entre seus membros, não
somente pautado no comércio (ideia inicial e objetivo principal), mas
permitindo relativa participação de outros atores no seu processo
decisório.

Assim, as entidades subnacionais procuram interagir na busca


de oportunidades de investimento, negócios, ações de cooperação,
espaços políticos e em alguns casos, com vistas à construção de um
regime simbólico de identidades e interesses dentro do Mercosul. Para
tanto, como esses governos se inserem no processo decisório do bloco?
Como está sendo discutida a questão fronteiriça no Mercosul? E como
a discussão e a política para a fronteira no Mercosul refletem na política
brasileira para essa região?

Defendemos, aqui, a hipótese de que o envolvimento das entidades


subnacionais situadas em zona de fronteira, fortalece o processo de
integração e as mesmas, agem de forma estratégica no pleito de suas
demandas e na formulação de agendas específicas de políticas públicas

56 - HENRIQUE SARTORI DE ALMEIDA PRADO -


para a região fronteiriça. Por meio dessa ação, tais entidades fortalecem
o conceito de “fronteira-cooperação”. De igual maneira, a proposta de
construção um regime simbólico (um conjunto de posicionamentos
sobre a atuação e prática que aproxima os parceiros na cooperação) de
atuação subnacional fronteiriça, em programas de cooperação, colabora
com este cenário.

Este artigo está organizado em três sessões, além desta


introdução e das considerações finais. A primeira sessão aborda uma
análise conceitual e teórica sobre a paradiplomacia e a cooperação
descentralizada como ferramenta de integração. A segunda sessão é
dedicada a um estudo sobre a construção do espaço subnacional, e a
fronteira no Mercosul, seguido da construção da ideia de um regime
simbólico (MAWDSLEY, 2012a; 2012b) de atuação das entidades
subnacionais situadas na região fronteiriça do Mercosul, e uma breve
explanação sobre o olhar brasileiro para a região. Por fim, a última parte
é dedicada à proposta da construção do regime simbólico da cooperação
transfronteiriça1 no Mercosul.

1. A PARADIPLOMACIA E A COOPERAÇÃO DESCENTRALIZADA

O Estado-nação já não tem mais o mesmo papel exclusivo e


tradicional que costumava ter nas relações internacionais, papel que,
gradualmente, vem sendo ocupado por atores econômicos não-estatais,
movimentos sociais e entidades subnacionais (MILANI; RIBEIRO,
2011), e pela participação desses novos atores, uma nova dinâmica
vem sendo impressa às relações internacionais. Essa relação dinâmica,
produzida pela globalização, deu início a uma nova demanda, a novas
oportunidades e novos desafios que apontam para uma ampliação do
foco de inserção internacional desses novos atores, agindo em diferentes
áreas e em diferentes foros de discussões, com interesses específicos e
articulados, gerando uma nova geografia do poder (SASSEN, 2004).

1 Para atingir a finalidade deste capítulo, entendemos como sinônimos os termos “Coop-
eração fronteiriça” e “Cooperação transfronteiriça”. O termo “cooperação transfron-
teiriça” remete às ações concertadas entre os atores subnacionais que visam atender
assuntos públicos em territórios que transcendem a divisão política estabelecida por
fronteiras entre os Estados nacionais (BARRAGÁN, 2013; BREALEY, 2011).

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 57


Entretanto, apesar da ascensão e da importância de novos atores
nas relações internacionais, não se pode deixar de reconhecer o papel
importante dos Estados nacionais, destacando a conexão entre os atores.
Neste sentido, apontam que “a interdependência refere-se a situações
caracterizadas por efeitos recíprocos entre países ou entre atores em
diferentes países” (KEOHANE; NYE, 1989: 08).

Desta forma, podemos demonstrar, que os movimentos de


integração surgem para que os Estados possam ser auxiliados por
instituições comuns que os conectem e que, ao mesmo tempo, busquem
o atendimento de suas funções, criando, assim, novas formas de
governança político-institucional de caráter regional. Por mais que os
processos de integração regional sejam impulsionados pelos Estados,
decorrentes de decisões de políticas externas desses, à medida que
evoluem, eles geram impactos que vão além dos governos centrais
participantes, influenciando o conjunto da sociedade e especialmente
as entidades governamentais, engendrando de igual maneira uma
economia política particular.

Por sofrerem alterações em suas políticas locais cotidianas devido


às decisões tomadas em esferas superiores que afetam diretamente suas
ações e por não possuírem - em alguns casos - capacidade de influenciar
o processo decisório central, as entidades subnacionais acabam ficando às
margens do processo integrativo, sobretudo no plano político-institucional.
No Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) não é diferente, porém é
cada vez mais perceptível a inserção desses governos em importantes
discussões patrocinadas no âmbito do processo de integração. Desta
forma, as entidades subnacionais têm conquistado papel relevante e ativo
no cenário internacional, buscando instrumentos e oportunidades que
possam responder às suas demandas locais. Por meio de ações externas,
esses atores encontram na paradiplomacia - identificada, segundo
Panayotis Soldatos (1990), com uma atuação externa das unidades
subnacionais - uma forma propositiva de atuação internacional. E buscam
construir ambientes de cooperação para alcançar patamares ainda não
atingidos, sobretudo nos aspectos político, econômico, jurídico e social.

58 - HENRIQUE SARTORI DE ALMEIDA PRADO -


Contudo, o desafio consiste em saber como as entidades subnacionais
podem influenciar, de forma eficiente, o plano externo e, até mesmo,
como pontuam Kugelmas e Branco (2005: 179), “coadunar a crescente
autonomia das unidades subnacionais, sem que seja preciso colocar em
dúvida a legalidade constitucional dessas autonomias.”

Como mencionado, os Estados Nacionais, sozinhos, não


conseguem mais alcançar a capacidade plena da promoção do
desenvolvimento2 , tanto no âmbito nacional como na esfera local,
provocando um fenômeno de certa transferência dessa capacidade para
as entidades subnacionais. Tais entidades possuem em suas esferas de
poder, as mesmas atribuições de um Estado Nacional, principalmente
nos modelos federativos. Possuem diferentes interesses e objetivos, e
com isso, definem suas ações. Nesse sentido, há de ressaltar que atitudes
diretas no campo internacional, por parte das entidades subnacionais,
podem levar a uma desestabilização nas atribuições definidas no plano
constitucional-jurídico, onde cada Estado Nacional, principalmente os
que adotam o sistema federativo, atribui limitações legais e distintas a
esta ação (uma vez que o sistema internacional não proíbe expressamente
a atuação de entidades subnacionais).

Por, por mais crescente e presente que seja a atuação das entidades
subnacionais no plano internacional, essa presença não se confunde
com o conceito tradicional de política externa, domínio exclusivo
dos Estados soberanos (FRY, 1993). Contudo, a fim de conferir uma
identidade à atuação externa dos governos subnacionais é que se cunhou
o termo “paradiplomacia” (DUCHACEK, 1990; SOLDATOS, 1990).

2 O conceito de desenvolvimento pressupõe reconhecer o caráter pluralista, aberto e prag-


mático do termo que supera a dimensão estritamente econômica, e redirecionando o
debate para o elenco de condicionantes da plena realização dos potenciais inerentes a
todos os indivíduos. Desse ponto de vista, o desenvolvimento deve ser visto como um
processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam. Ela contrasta com
visões mais restritas, como as que identificam desenvolvimento com crescimento do
PIB, aumento da renda per capita, industrialização, avanço tecnológico ou moderniza-
ção. Esses cinco elementos são obviamente importantíssimos como meios de expandir
as liberdades. Mas as liberdades são essencialmente determinadas por saúde, educação
e direitos civis. Dessa forma, perceber o desenvolvimento como expansão de liberdades
substantivas, faz com que a atenção seja direcionada para os fins que o tornam impor-
tante e não para os meios. SEN, Amartya. (2000)

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 59


De forma complementar, agregando à definição do que vem a ser
paradiplomacia, Noé Cornago Prieto (2004: 251-252), atribui:

[...] o envolvimento de governos não centrais nas relações internacionais


mediante o estabelecimento de contatos permanentes e ad hoc, com
entidades públicas ou privadas estrangeiras, com o objetivo de promoção
socioeconômica e cultural, bem como de qualquer outra dimensão exterior
nos limites de sua competência constitucional. Embora bastante contestado,
o conceito de paradiplomacia não impossibilita a existência de outras
formas de participação subnacional no processo da política externa, mais
diretamente ligado ao departamento de relações exteriores de governos
centrais, como assim chamada diplomacia federativa, tampouco impede
o papel cada vez maior dos governos subnacionais nas estruturas de
multicamadas para a governança regional ou mundial.

A paradiplomacia é, pois, a terminologia aplicada à atuação


internacional das entidades subnacionais. Essa atuação pode estar
concentrada em motivações políticas, culturais e econômicas. Na ótica
do autor supracitado, isso não atrapalha a existência de outras ações de
inclusão dos entes subnacionais na política externa.

Além do ânimo econômico e das diversas áreas de cooperação


(tecnológica, educacional, científica), a ação externa das entidade
subnacionais pode ter, como característica, uma ação estratégica
política que destoe da política externa central, sobretudo, de aspirações
emancipatórias e secessionistas, como apontada por Lecours (2002).
O presente estudo porém ocupa-se das primeiras formas de atuação,
voltadas para a busca de ganhos econômicos, políticos e sociais por
meio da interação e da cooperação internacional.

Assim, a atuação externa dos atores subnacionais encontra um


importante instrumento (componente) para buscar seu desenvolvimento,
principalmente atrelado aos aspectos trazidos pela difusão de poder e
pela emergência de novos atores no cenário internacional:3 a cooperação

3 “No es hasta los años noventa, tras la caída del bloque soviético y el posterior inicio del
proceso de globalización y la intensificación de los procesos de descentralización políti-
ca y administrativa, cuando la cooperación descentralizada comienza a intensificarse

60 - HENRIQUE SARTORI DE ALMEIDA PRADO -


descentralizada. Essa dimensão da cooperação internacional pode
ser definida como um conjunto de ações, atividades e programas de
intercâmbio e cooperação que são estabelecidos entre atores subnacionais
pertencentes a dois ou mais estados nacionais diferentes (BUENO,
2010). E segundo Gilberto Rodrigues, “trata-se da possibilidade de
entes subnacionais ou não-centrais, como Estados e Municípios,
desenvolverem ações internacionais, no âmbito de suas competências,
sob o amparo de molduras internacionais bilaterais ou multilaterais”
(2011: 6).
Por esta modalidade de cooperação internacional é possível
imprimir uma nova dinâmica nas relações subnacionais internacionais
e consequentemente colocar esses entes em contato direto, exercendo
autonomia e servindo de marco da descentralização do poder estatal.

Desta forma, a cooperação descentralizada entre governos


subnacionais surge como um fenômeno completo e dinâmico, que está
transformando a prática dos agentes locais ao mesmo tempo em que oferece
ao conjunto de relações globais novas perspectivas e modelos inovadores de
gestão compartilhada. (GAMBINÍ, 2008: 12).

A cooperação descentralizada representa um novo conceito


da dinâmica da cooperação internacional para o desenvolvimento
(DESSOTTI, 2009), sendo a União Europeia4 a primeira a inserir esta
modalidade em suas atividades. A cooperação internacional para o
desenvolvimento5, poder ser definida como um sistema que articula a
política entre os Estados e os atores não governamentais em um conjunto
de normas difundidas que visam a promoção do desenvolvimento

y a recibir una creciente atención y reconocimiento en la agenda global de desarrollo.”


(MARTINEZ Y SANAHUJA, 2012).
4 Regulamento (CE) n° 1659/98 do Conselho, de 17 de julho de 1998, relativo à
Cooperação Descentralizada.
5 A concepção “Norte-Sul” se aplica a modalidade de cooperação praticada pelos países
majoritariamente posicionados no hemisfério norte (onde se concentram os países
mais ricos) aos países posicionados geograficamente no hemisfério Sul, onde se en-
contram os Estados relativamente menos desenvolvidos do planeta. Neste sentido, a
Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE) concentra boa
parte dos doadores deste sistema e de igual maneira, sistematiza seu conjunto de regras,
através do mecanismo da Assistência Oficial ao Desenvolvimento (AOD).

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 61


em bases solidárias (MILANI, 2012), envolvidas em uma gama de
intervenções de caráter internacional orientada a troca de experiências
e recursos entre países do hemisfério Norte e Sul (PINO, 2006), que
inicialmente servia como instrumento de ajuda assistencial dos países
desenvolvidos para com os menos desenvolvidos (ROMERO, 2004), em
uma relação verticalizada (Norte-Sul) e de gestão pouco compartilhada
- observa-se que alguns anos depois, este sentido fora reformulado.

A cooperação descentralizada ainda pode ser entendida como


uma política pública, seja pela interação entre Estado Nacional e
subnacional, através de funções coordenadas, almejando resultados e
seguindo regras estabelecidas, seja através de sua própria ação. Pode
também, ser considerada também uma “instituição internacional em
processo de consolidação”, por “aludir um conglomerado que contem
ideias, arranjos institucionais, normas, regras e práticas formalizadas ou
não” (SALOMÓN, 2012: 9).

Ainda neste sentido, vale apontar o espaço que a Cooperação


Descentralizada tem exercido na cooperação horizontal (Sul-Sul), onde
é cada vez maior a participação de entidades subnacionais nas propostas
de cooperação, e pela mudança do pensamento e ação da cooperação
internacional para o desenvolvimento, onde os países do Sul passam
a figurar como doadores ou promotores de cooperação prestada,
conferindo novos espaços de diálogo e parceria para com as entidades
subnacionais.

A cooperação descentralizada é um dos principais componentes


da paradiplomacia (SALÓMON, 2012), que abrange, também, outras
áreas como a promoção econômica comercial e a captação de recursos
de agências públicas. De fato, a cooperação descentralizada representa
apenas uma das formas de exercício da paradiplomacia que, por sua vez, é
mais ampla e envolve também outras modalidades de atuação.

Desta maneira as entidades subnacionais passaram a ter maior


relevância no cenário internacional, pelas ações da paradiplomacia,
utilizando, por exemplo, o componente da cooperação descentralizada,
além de exercer funções de coordenação, articulação, negociação e
indução dos agentes envolvidos nos processos de integração regional.

62 - HENRIQUE SARTORI DE ALMEIDA PRADO -


2. O ESPAÇO SUBNACIONAL E A FRONTEIRA NO MERCOSUL

Em 1991, a América do Sul presenciava o nascimento do Mercado


Comum do Sul, pela integração dos quatro primeiros Estados. Parte,
ao firmarem os compromissos trazidos pelo Tratado de Assunção.
Esta iniciativa inaugurou uma importante fase de aproximação entre
Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, encerrando a cinzenta fase de
desconfiança da diplomacia sul-americana (CERVO, 2001).

Em sua primeira fase, o Mercosul direcionou seu esforço à sua


formação institucional, enfatizando o aspecto comercial do processo
de integração. Durante esta fase, a expansão da relação comercial é
marcante, porém, a opção por uma estrutura intergovernamental,
com a criação de órgãos compostos por representantes dos poderes
executivos dos seus membros, fez com que o bloco assumisse uma
postura verticalizada no processo de tomada de decisão, dependente do
consenso entre as partes e consequentemente, enfrentasse dificuldades
na inserção de outros atores no processo de integração (COUTINHO;
HOFFMANN; KFURI, 2007).

Por mais que, originalmente, o Tratado de Assunção enfatizasse o


sentido integracionista do Cone Sul, e a pauta comercial ocupasse grande
parte da construção desse sentido da integração, outras discussões
começavam a permear as instâncias decisórias do bloco, sobretudo,
a criação de grupos de trabalho e instituição de órgãos distintos para
atender à crescente demanda de diálogo intrabloco nos mais variados
temas6.

6 Grupos de trabalho ad hoc do GMC - Grupo Ad Hoc Setor Açucareiro (GAHAZ);


Grupo Ad Hoc para Examinar a Consistência e Dispersão da Tarifa Externa Comum
(GAHTEC); Grupo Ad Hoc para a Superação das Assimetrias (GAHSA); Grupo Ad
Hoc para os Setores de Bens de Capital e de Bens de Informática e Telecomunicações
(GAH BK/BIT); Grupo Ad Hoc Biocombustíveis (GAHB); Grupo Ad Hoc Domínio
MERCOSUL (GAHDM); Grupo Ad Hoc para a Eliminação da Dupla Cobrança da
Tarifa Externa Comum e Distribuição da Renda Aduaneira (GAHDOC); Grupo Ad
Hoc Fundo MERCOSUL de Apoio às Pequenas e Médias Empresas (GAHFOPYME);
Grupo Ad Hoc de Consulta e Coordenação para Negociações no âmbito da Organiza-
ção Mundial do Comércio (OMC) e do Sistema Global de Preferências Comerciais
entre Países em Desenvolvimento (SGPC)(GAH OMC-SGPC); Grupo Ad Hoc para a

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 63


Nesse propósito, foi instituído no ano de 2002, o Grupo Ad Hoc
sobre Integração Fronteiriça (GAHIF), criado através da Decisão do
CMC n.º 05/02, uma ação inovadora, pois até então, não existia no
Mercosul nenhum instrumento pertinente que facilitasse as relações
entre as populações fronteiriças e questões correlatas. A seguir, o texto
da Decisão:
O grupo de trabalho foi criado com o objetivo de propiciar à
melhoria da qualidade de vida de suas populações, elaborar propostas
de instrumentos normativos destinados a facilitar as relações entras as
comunidades fronteiriças, tanto em aspectos comerciais como em assuntos
ligados à saúde, educação, segurança, migração, trabalho, transporte,
desenvolvimento econômico e outros que pudessem impulsionar a
integração entre comunidades de fronteira.

Apesar de pouco dinamismo inicial, alguns temas relevantes ao


aprofundamento do processo de integração foram debatidos no grupo,
como. Exemplo disso é o Anteprojeto de Acordo sobre Localidades
Fronteiriças Vinculadas, que visa melhorar a qualidade de vida da
população de fronteira em termos econômicos, de trânsito, de regime
de trabalho, de acesso aos serviços públicos e de educação. A proposta
tem por objetivo atender os nacionais de um determinado Estado Parte
do Mercosul que estejam inseridos nas áreas em que o acordo abrange,
podendo estes utilizar os serviços públicos, exercer sua profissão (dentro
das normas estabelecidas e requisitos de formação), ter acesso ao comércio
fronteiriço, dentre outros direitos, mediante porte e apresentação de um
documento expedido pelas autoridades competentes (carteira de trânsito
vicinal fronteiriço)7.

Ainda vigente, o GAHIF tem avançado pouco e de acordo com José


Luis Rhi Sausi e Nahuel Oddone
As poucas reuniões desenvolvidas se deram sem a representação
de populações fronteiriças: somente os governos participaram, em total
ausência de unidade subnacional, tratando a cooperação fronteiriça
segundo uma lógica absolutamente top-down. (2009, 64)

elaboração e implementação da Patente MERCOSUL(GAHPAM); Grupo Ad Hoc de


Regulamentação do Código Aduaneiro do MERCOSUL(GAHRECAM).
7 Ata n.º 01/11 da XI Reunião do GAHIF. Ver Estatuto da Cidadania do Mercosul (Plano
de Ação)/ Dec. CMC n.º 64/10.

64 - HENRIQUE SARTORI DE ALMEIDA PRADO -


Ocorre que as entidades pouco participam desta proposta, uma
vez que, neste ambiente, as deliberações são tomadas em um sentido
vertical e hierarquizado, impossibilitando sua influência nas decisões.
De acordo com informações veiculadas nos sites oficiais do Mercosul
e dos Estados Parte, existia um planejamento de retomada de trabalho
do GAHIF para o ano de 2013 (SAF, 2013; FCCR, 2013), porém, sem
avanços representativos até o momento.

Em 2004 foi criado o Foro Consultivo de Municípios, Estados


Federados, Províncias e Departamentos do Mercosul (FCCR)8, sendo
instalado de fato, três anos mais tarde no Rio de Janeiro9, durante a
Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul.

Mesmo estando vinculado institucionalmente ao GMC, o FCCR


tem uma dinâmica própria de organização, atuação e articulação, sendo
dividido em dois comitês: um, responsável pelos municípios, e outro,
pelos Estados-federados, departamentos e províncias. Sua finalidade é
estimular o diálogo e a cooperação entre as entidades subnacionais dos
Estados Parte e servir de instrumento para a criação de uma agenda
comum, para que suas ações possam ser valorizadas no processo de
integração regional.

O FCCR possui três eixos de atuação: integração produtiva,


cidadania regional e integração fronteiriça. O primeiro eixo é dedicado
a promover a integração das cadeias produtivas e gerar novos negócios.
O eixo dedicado à cidadania regional trata de assuntos relacionados à
cultura, questões sociais, identidade regional e políticas públicas. Já a
terceira frente, é dedicada aos assuntos fronteiriços.

Com o intuito de reforçar essa dinâmica foi que o FCCR criou,


em seu âmbito, o Grupo de Trabalho de Integração Fronteiriça, no

8 Dec. CMC 41/04


9 Carta do Rio de Janeiro de 18 de janeiro de 2007. Los Gobernadores, Intendentes, Prefei-
tos y representantes de gobiernos locales miembros del Foro Consultivo de Municipios,
Estados Federados, Provincias y Departamentos del Mercosur, y representantes de los
gobiernos nacionales, reunidos en la ciudad de Rio de Janeiro, Brasil, el 18 de enero de
2007.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 65


ano de 2008 (GTIF)10. Os objetivos formulados foram os de promover
estudos e seminários sobre o tema além de envolver seus membros na
discussão dos problemas fronteiriços, tendo como ponto de partida as
perspectivas e necessidades das entidades subnacionais.
A criação de grupos de trabalhos e ambientes dedicados à temática
da integração fronteiriça tem sido importante para o crescimento
institucional e uma maior participação das entidades subnacionais
fronteiriças no bloco. A maior articulação entre as entidades
subnacionais, reuniões técnicas especializadas, seminários temáticos
e projetos comuns, em uma primeira vista, demonstram avanços,
principalmente pela construção de instrumentos de cooperação entre
as entidades e pela ênfase nos assuntos e interesses compartilhados em
torno da proposta da integração fronteiriça, promovida pelas entidades
subnacionais do Mercosul.

Destacado como um dos eixos prioritários das ações do foro, a


integração fronteiriça busca promover o desenvolvimento integrado
dos territórios fronteiriços do Mercosul, destinando especial atenção
a uma região repleta de complementariedade de toda ordem, pouco
condicionada às amarras das burocracias estatais, onde a dinâmica
local é movida por necessidades e vontades que, por vezes, fogem do
escopo legal (OLIVEIRA, 2005). Cada região de fronteira possui uma
dinâmica econômica e social diferenciada, bem como à sua capacidade
de inovação e promoção estratégica de transformação social.

Assim, as relações fronteiriças no Mercosul tendem a construir


sua própria dinâmica, onde as cidades, Estados federados, províncias e
departamentos, muitas vezes deslocados da atenção central dos Estados
Parte, constroem laços de proximidade, tentando promover um maior
nível de interdependência com outros espaços sociais e políticos,
apresentando “tendências descentralizadoras, com maiores níveis
de capacidade para a complementaridade e, até, competitividade nos
mercados internacionais (sobretudo os mais próximos)” (OLIVEIRA,
2005: 382).

10 VII FCCR-CN, Ata 01/08.

66 - HENRIQUE SARTORI DE ALMEIDA PRADO -


O conceito clássico e singular de fronteira parte do entendimento
geográfico, fixando-se na delimitação territorial de definição de
espaços que sejam um resultado de convenções bilaterais ou unilaterais
(SIEGER apud BACKHEUSER, 1952) e noção de limites (LYDE, 1915;
HARTSHORNE, 1936). Assim, a fronteira seria uma linha determinando
o início e o fim de um país, estipulando o poder num determinado
território de um Estado (OLIVEIRA, 2005).

Tal conceito encontra-se de certa forma incompleto para o


objetivo deste trabalho e não atende os estudos envolvendo as dinâmicas
econômicas, migratórias, políticas, sociais, culturais, identidade e
organização espacial (RAFFESTIN, 1993). De uma maneira complementar
ao apresentado acima, Lia Osório Machado nos auxilia no esclarecimento
sobre a distinção entre fronteira e limite:

É bastante comum considerar os termos fronteira e limite como


sinônimos. Existem contudo, diferenças essenciais entre eles que escapam
ao senso comum. A palavra fronteira implica, historicamente, naquilo que
sua etimologia sugere o que está na frente (...) Mesmo assim, não tinha a
conotação de uma área ou zona que marcasse o limite definido ou fim de
uma unidade política. Na realidade, o sentido de fronteira era não de fim,
mas do começo do Estado, o lugar para onde ele tendia a se expandir. (...)
As diferenças são essenciais. A fronteira está orientada “para fora” (forças
centrífugas), enquanto os limites estão orientados “para dentro” (forças
centrípetas) (...) enquanto a fronteira pode ser um fator de integração, na
medida em que for uma zona de interpenetração mútua e de constante
manipulação de estruturas sociais, políticas e culturais distintas, o limite
é um fator de separação, pois separa unidades políticas soberanas e
permanece como um obstáculo fixo, não importando a presença de certos
fatores comuns, físico-geográficos ou culturais (1998: 42).

A partir disso, diferentemente da ideia de ser um lugar de passagem


ou um ambiente de “filtro”, podemos compreender a fronteira como um
espaço de integração e não de separação. Assim, as regiões fronteiriças
não devem mais ser vistas como áreas longínquas e isoladas, mas como
áreas capazes de estimular o desenvolvimento, a integração regional e a
cooperação, já que as faixas contíguas dos países fronteiriços possuem

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 67


propósitos comuns e vantagens comparativas que merecem ser mais
exploradas (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO, 2010: 33).

O ambiente fronteiriço que identifica o Mercosul, por exemplo,


é marcado por intensos movimentos culturais, sociais, econômicos
e políticos, não somente caracterizados como lugares de passagens
ou experiências de travessias. É um ambiente que possui espaços de
integração históricos permanentes, e em muitas vezes, de características
pragmáticas, como é o caso das cidades gêmeas, onde a negociação, a
integração e o compartilhamento de infraestrutura e de espaços comuns
são constantes.

De modo geral, a falta de estudos sobre o relacionamento e a


cooperação entre as regiões de fronteira pode ser explicada pela situação
duplamente marginal que as tem caracterizado (STEIMAN; MACHADO,
2012). Por um lado, grande parte dessas regiões de fronteira estão isoladas
dos centros nacionais de seus respectivos Estados, quer pela ausência de
redes de transporte, de comunicação, quer pelos pesos político e econômico
menores que possuem em relação aos grandes centros. Por outro lado,
as regiões de fronteira encontram, no isolamento, uma oportunidade
de aproximação com as regiões lindeiras. Contudo, sem uma estrutura
institucional para auxiliar, a informalidade rege a cooperação entre países
vizinhos em regiões de fronteira, sobretudo a cooperação patrocinada
pelos atores subnacionais que, através de acordos tácitos entre autoridades
imprimem suas próprias agendas e dinâmicas (CNM, 2008; CNM, 2009).

Dado o novo papel conferido às entidades subnacionais, nas


relações internacionais do século XXI, este quadro tende a mudar.
Contudo, ainda esbarra nas dificuldades constitucionais, administrativas
e legais internas de cada Estado. Além do mais, o envolvimento
dessas entidades nos processos de integração regional, como no caso
mercosulino, poderá transformar essas regiões, dada a sua própria
localização geográfica, em zonas de cooperação entre os Estados Parte,
por exemplo.

Com a perda da ênfase na segurança como um componente


estratégico das relações internacionais, parece que as regiões estão se

68 - HENRIQUE SARTORI DE ALMEIDA PRADO -


desvencilhando do controle paternalista do Estado, definindo seus próprios
interesses políticos e, cada vez mais, participando de sua própria forma
de política externa, estabelecendo diálogos de resolução de problema
transfronteiriços. (GANSTER et al., 1997: 7).

A perda do sentido fronteira-separação para uma nova perspectiva


de fronteira-cooperação (CARNEIRO FILHO, 2013) indica uma
modificação da perspectiva do papel do Estado. Desta forma, os interesses
das entidades subnacionais passariam a ter mais relevância na concepção
de políticas públicas, alterando sensivelmente o sentido clássico de limite
e de fronteira (STEIMAN; MACHADO, 2012).

Em relação ao Brasil, é cada vez maior no processo de


reestruturação territorial em curso (RÜCKERT, 2001), a pregação
de uma nova forma de enxergar e promover a fronteira a partir das
necessidades locais e consequentemente não mais ligada somente aos
interesses da geopolítica realista, vinculada ao sentido da segurança
e defesa, mas abrindo novas perspectivas de políticas públicas para
as entidades subnacionais presentes na faixa de fronteira.

Desde o início do século XXI, visíveis no Plano Plurianual (PPA)


de 2000-2003 (Governo Fernando Henrique Cardoso) e do PPA 2004-
2007 (Governo Luís Inácio Lula da Silva), as fronteiras começam a se
destacar como um ambiente de cooperação, integração e profícuo para
as políticas públicas. No entanto com muitos desafios e dificuldades na
relação de um lado e de outro. Seja no campo do desenvolvimento social
da faixa de fronteira, como no primeiro PPA, ou pela criação de um
plano específico para o desenvolvimento da faixa de fronteira brasileira
- PDFF - Plano de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira, no segundo
PPA, ficando esse, a cargo do Ministério da Integração Nacional. Isso
também nos impõe o dever analítico de perceber as relações, nem
sempre amistosas e o conflito de agenda, entre os distintos ministérios
(no caso, o Itamaraty e o Ministério da Integração Nacional).

O diálogo federativo em relação aos assuntos fronteiriços tem


crescido nos últimos anos. Ilustra tal crescimento o papel do Gabinete de
Segurança Institucional da Presidência da República (GSI/PR), que exerce

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 69


atividades permanentes de secretaria executiva do Conselho de Defesa
Nacional. Este estimulou uma série de estudos com o objetivo de promover
o desenvolvimento da Faixa de Fronteira, por meio de suas comissões
especiais (FURTADO, 2012), tendo por reflexo dessa ação política a
formação, no ano de 2008, do Grupo de Trabalho Interfederativo (GTI).
Sob a coordenação do Ministério da Integração Nacional, surgiu com o
escopo de elaborar propostas que contemplassem o desenvolvimento e a
articulação de integração fronteiriça com países vizinhos, sobretudo com
o Mercosul.

Fruto desse trabalho, e a partir de um documento que indica as


bases para o desenvolvimento da fronteira, a Comissão Permanente para
o Desenvolvimento e a Integração da Faixa de Fronteira (CDIF) foi criada
no ano de 2010 com o propósito de contribuir para o aperfeiçoamento
da gestão das políticas públicas para o desenvolvimento da faixa de
fronteira, visando estimular a articulação com os governantes locais, ou
seja, com as entidades subnacionais fronteiriças.

A construção de elos de cooperação com entidades subnacionais,


principalmente visando os assuntos fronteiriços, faz com que a mudança
de visão esteja presente, também, nas ações da Secretaria de Relações
Institucionais da Presidência da República (SRI-PR), pelo do empenho
da Subchefia de Assuntos Federativos (SAF) em promover o diálogo e
o acesso às políticas públicas para os municípios situados em faixa de
fronteira. Tal órgão é responsável por coordenar a assessoria internacional
federativa da Presidência da República e, consequentemente, articular
os editais de cooperação descentralizada propostos em parceria com
a Agência Brasileira de Cooperação (ABC). Além do mais, representa
os interesses brasileiros na coordenação dos assuntos federativos junto
ao Mercosul e suas instituições.

A maior articulação entre as entidades subnacionais e o ambiente


institucional do Mercosul através de reuniões técnicas especializadas,
seminários temáticos e projetos comuns, em uma primeira análise,
demonstram avanços iniciais. A mudança do sentido da fronteira,
rompendo um antigo paradigma preponderante da separação,

70 - HENRIQUE SARTORI DE ALMEIDA PRADO -


caminhando para a construção do sentido da fronteira como um ambiente
de cooperação, também indica avanços significativos para o processo
de integração e refletem na percepção do comportamento do Estado
brasileiro conforme suas ações para essa região. Assim, as entidades
subnacionais situadas na fronteira manifestam a construção de um
regime simbólico, interesses compartilhados e comportamento político
em torno da proposta da integração e cooperação transfronteiriça.

3. A CONSTRUÇÃO DE UM REGIME SIMBÓLICO DA COOPERAÇÃO


TRANSFRONTEIRIÇA NO MERCOSUL

Evidentemente, as relações fronteiriças no Cone Sul das Américas


já existiam antes mesmo da criação do Mercosul. O enlace econômico,
social, político, de trabalho, de amizade e de parentesco, por exemplo,
já estavam presentes, bem como os conflitos e a competição nas regiões
de fronteira. O Mercosul só ofereceu maior visibilidade a essas relações
e aos problemas (RHI SAUSI; ODDONE, 2012), buscando superar
econômica, social, política e culturalmente, as diferenças e os conflitos.

A fronteira se apresenta como um locus propício, um ambiente


profícuo para a interação das entidades subnacionais do Mercosul. No
ambiente fronteiriço do bloco, onde há uma maior vivência do processo
de integração de forma horizontalizada, as entidades subnacionais
fronteiriças e a população que ali vive, criam seus próprios meios de
interlocução social.

Se é crescente o engajamento das entidades subnacionais no


plano internacional por meio da captação de recursos, da promoção
comercial e econômica e da cooperação internacional, esta última
merece destaque e pode ser considerada a principal área da agenda
da paradiplomacia brasileira (SALOMÓN, 2012). Tanto nas
modalidades bilateral e multilateral, as ações de irmanamentos de
cidades, intercâmbios de melhores práticas ou a presença em redes
transnacionais de entidades congêneres são exemplos de atividades
de cooperação internacional que abarcam as cidades, departamentos,
estados-federados, regiões e províncias.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 71


Por mais que as perspectivas em relação à cooperação internacional
para o desenvolvimento não sejam consensuais (MILANI, 2012),
entendemos que a cooperação internacional, sobretudo no ambiente
fronteiriço do Mercosul (contando com o empenho das entidades
subnacionais), pode promover a integração e a prosperidade entre os
parceiros, principalmente se os princípios da Cooperação Sul-Sul forem
observados, onde o respeito às diferenças é ampliado e o espaço para as
condicionalidades é mitigado.

Neste sentido, a utopia ou a mensagem política e simbólica da


Cooperação Sul-Sul (CSS)11 tem sido incorporadas ao Mercosul e
refletem, hoje, em seu ideário institucional, tanto na recém publicada
Decisão do CMC 23/14 (Política de Cooperação Internacional do
MERCOSUL), como na formação de espaços institucionais inseridos
no FCCR, como no Fundo de Convergência Estrutural (FOCEM), onde
a participação das entidades subnacionais e o diálogo fronteiriço são
prementes. Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela buscam
pavimentar através de suas práticas de cooperação, uma via sólida de
relacionamento mútuo e equânime. “A CSS aspira a se tornar, na América
Latina, uma referência para os outros países em desenvolvimento que
buscam mais autonomia e compartilhar soluções em bases horizontais”
(PINO, 2012: 239).

O Brasil, considerado uma potência regional (NOLTE, 2011)


ou potência emergente (KORNEGAY, 2012), é o único país da
região que pratica maior diversificação de sua cooperação, estando
presente na América Latina, no continente africano e no continente
asiático. Contudo, a visão governamental para a região de fronteira
tem modificado a antiga percepção para a região (defesa/segurança),
passando para um estágio de reanimação das políticas públicas em faixa
de fronteira. Visa, assim, o desenvolvimento lato sensu (FURTADO,
2012), refletindo diretamente nos Estados Parte do Mercosul, onde se

11 Conceito amplo e poroso. Seguindo a definição das Nações Unidas (PNUD), CSS é a
integração entre dois ou mais países em desenvolvimento que buscam promover seus
objetivos para o desenvolvimento no plano individual ou coletivo mediante a troca de
experiência, atitude, recursos e conhecimento técnico. (SURASKY, 2009).

72 - HENRIQUE SARTORI DE ALMEIDA PRADO -


nota a presença marcante da responsabilidade brasileira na promoção
de levantamentos e proposições de ações, registrada nos documentos
oficiais do FCCR12 , por exemplo.

Neste sentido, baseado no desenvolvimento dos estudos sobre o


regime simbólico da Cooperação Sul-Sul proposto por Emma Mawdsley
(2012a; 2012b13), tendo como ponto de apoio os insights produzidos pela
teoria da dádiva14 de Marcel Mauss (1974; 1990) e nos estudos de Tomohisa
Hattori (2003), oferecemos uma proposta de construção de um regime
simbólico da cooperação transfronteiriça no Mercosul.

Se a lógica dominante da ajuda externa para os países


ocidentais, ou melhor dizendo, dos membros do Comitê de Ajuda ao
Desenvolvimento da Organização de Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (CAD-OCDE) está calçada na caridade, a ajuda oferecida
pelos países que patrocinam uma visão alternativa (CSS, por exemplo),
está respaldada na solidariedade e no benefício mútuo, apoiada no
princípio da “horizontalidade entre os parceiros” (MAWDSLEY, 2012a:
257). O ato de doar, de redistribuir e de receber, está ligado a um gesto de
reciprocidade, contudo, no modelo horizontal, a proposta é de romper
com a relação de superioridade/inferioridade criada pelo estigma da
cooperação internacional tradicional onde a especulação sobre a dádiva
não reciprocada é presente (MAWDSLEY, 2012b).

12 Plano de Ação do FCCR 2013-2014, aprovado pela Decisão n.º 54/12, sessão integração
fronteiriça. Disponível em: http://fccrmercosur.org/web/plan-de-accion/. Acesso em:
10 MAR. 2014.
13 Na obra “From recipients to donors: emerging powers and the changing development
landscape”, a autora aborda, de maneira ampla, as discussões sobre a atuação dos
chamados parceiros de desenvolvimento emergentes e suas implicações para a gover-
nança da cooperação internacional para o desenvolvimento. Em relação à construção
do gene da cooperação, a autora apresenta cinco drivers históricos, sendo eles: os so-
cialismos, o Movimento dos Países Não Alinhados, a emergência da OPEC, iniciativas
das Nações Unidas associadas a cooperação Sul-Sul, e (re)lançamento de programas de
cooperação por países que passaram a integrar a União Europeia entre os anos 2004 e
2007 (Estados do leste europeu, em sua maioria).
14 Gift Theory

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 73


De acordo com Mawdsley (2012a: 263), dado o posicionamento que
os parceiros do desenvolvimento criam na promoção de um regime de
cooperação horizontal (Sul-Sul), ainda que possuindo diferenças entre
eles e suas instituições, geram princípios que caracterizam um regime
simbólico de atuação e prática. São eles: a) identificação de semelhança
na exploração colonial e desvantagens sofridas no período pós-colonial,
vulnerabilidade diante da globalização promovida pelo consenso de
Washington e uma identificação comum em relação ao seus status de
‘países em desenvolvimento’; b) com base na experiência compartilhada,
a expertise em relação às abordagens sobre tecnologia e desenvolvimento
são mais apropriadas para difusão entre países semelhantes.; c) rejeição
explícita às condições de hierarquia entre os Estados, forte articulação
dos princípios de respeito, soberania e não-interferência; d) insistência
do resultados benéficos para ambos os lados e oportunidades mútuas nas
ações de cooperação Sul-Sul.

Para melhor ilustrar esses preceitos a autora elaborou o seguinte


quadro, ressaltando para a construção heurística da proposta:

TABELA 1
Regime Simbólico da Cooperação Sul-Sul

74 - HENRIQUE SARTORI DE ALMEIDA PRADO -


Esta proposta é divulgada por meio de declarações, discursos,
afirmações e nas performances (práticas e mudanças reais nas regiões)
dos parceiros registrados pela autora nas obras referenciadas acima.
Mawdsley sugere ainda que a teoria da dádiva abre uma possibilidade
de pensar que a questão da reciprocidade é aplicada de igual para
igual, no sentido de criar uma relação social baseada em parceria
mútua, interações benéficas com base em identidade e experiências
compartilhadas.

Podemos ligar esta proposta às relações fronteiriças no Mercosul


onde o nível de reciprocidade das relações de cooperação tende a ser
maior, uma vez que nestes espaços, interesses e necessidades atingem
um nível maior de interdependência. A cooperação transfronteiriça,
ligada ao alvitre da criação de seu regime simbólico de atuação, não
está ligada simplesmente ao ato de doar ou somente retribuir mediante
condições, mas sim, compreender o outro e construir uma estrutura
coletiva (seja material ou imaterial) que sirva ambos os lados da
fronteira. Sustentando um diálogo fronteiriço importante para a
região, as entidades subnacionais do Mercosul acabam por criar um
regime de identidades e interesses compartilhados, mesmo não sendo
atores homogêneos, tanto em suas práticas como em suas estruturas
econômica, política e geográfica.

Deste modo, focamos o pensamento em alguns pontos para a


construção do regime simbólico da cooperação transfronteiriça no
Mercosul, principalmente na cooperação promovida pelas entidades
subnacionais, tendo por base os documentos, declarações e experiências
de cooperação já praticadas e em curso na região.

Assim, elencamos alguns princípios, a saber: a) identificação da


fronteira como zona de cooperação e área de sinergia entre os países
vizinhos; b) reconhecimento da importância cultural, costumes e
relacionamento social de ambos os lados da fronteira; c) ceticismo
com relação aos programas ou políticas públicas que não considerem
os interesses e necessidades locais, que não apresentem a possibilidade
da participação da comunidade fronteiriça ou que não estimulem a
descentralização das decisões; d) possibilidade de compartilhar as
experiências adquiridas ou aplicar, com reciprocidade, os ganhos
advindos da cooperação; e) participação em redes de entidades
congêneres que possibilitem a agenda de cooperação nas áreas de suas
responsabilidades legais e políticas.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 75


TABELA 2
Regime Simbólico da Cooperação Transfronteiriça no Mercosul

Por integrarem um espaço estratégico em seus países, as entidades


subnacionais fronteiriças buscam pela prospecção de programas de
cooperação internacional para o desenvolvimento (em destaque para
a modalidade Sul-Sul), criar uma coesão territorial importante para
o desenvolvimento estratégico de suas regiões. Procuram também,
mitigar o efeito da posição periférica em relação aos centros decisores e
dos policy makers das políticas públicas de seus determinados Estados.

A partir desta perspectiva, as entidades subnacionais enxergam,


na promoção de um regime simbólico de atuação, uma forma de
uniformizar suas ações de cooperação. E por meio aplicação desses
princípios, buscam influenciar os espaços institucionais do Mercosul.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mesmo com o desenho constitucional de competência no que tange


às relações internacionais, obedecendo o aspecto jurídico interno de cada
Estado, a experiência empírica revela outra realidade: iniciativas por
parte das entidades subnacionais são cada vez mais frequentes no âmbito

76 - HENRIQUE SARTORI DE ALMEIDA PRADO -


internacional e essas, por sua vez, se deparam com a oportunidade de
assumir novos papéis e novas responsabilidades. Criam assim estratégias
de inserção internacional, aumentando a necessidade de adaptação
das políticas domésticas à realidade internacional, “fundamentalmente
porque a política externa e suas agendas de cooperação internacional para
o desenvolvimento estão cada vez mais conectadas às demais políticas
públicas.”(MILANI, 2012: 220).

Neste sentido, como instrumento facilitador do processo de


integração regional e de importante inserção política, o Foro Consultivo
de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos do
Mercosul (FCCR) se apresenta na missão de estimular o diálogo e a
cooperação entre as unidades subnacionais dos Estados Parte do bloco.
Através do FCCR, é cada vez maior a inserção das entidades
subnacionais nas ações de cooperação dentro do Mercosul, participando
em ações do FOCEM, programas de cooperação (Programa Mercosul-
AECID) e de ações bilaterais promovidas pelos Estados Parte através de
suas políticas públicas internas que apontam a região de fronteira como
um campo de ação governamental.

Inseridas nessas atividades, as entidades subnacionais têm a


oportunidade de construir mecanismos mais solidamente capacitados
para coordenar de suas atividades de cooperação descentralizada e
sua inserção internacional pode apresentar ganhos efetivos, como
a concretização de parcerias estratégicas para o desenvolvimento
local, novos negócios, projetos de cooperação ou até mesmo, ações
coordenadas nos espaços de fronteira.

Entretanto, ao apontar a necessidade de reativação grupo de trabalho


sobre integração fronteiriça, observando15 o plano de ação do FCCR para

15 Dentro da discussão do FCCR, em seu plano de ação para os anos 2013-2014,


aprovado pela DEC 54/12 do CMC, foram apontados as seguintes diretrizes para a área
da integração fronteiriça: Articular ações de cooperação entre os atores subnacionais
e locais na fronteira; b) apoiar o desenvolvimento de legislação de fronteiras e incenti-
var a sua respectiva implementação; c) reativar o Grupo de Trabalho sobre Integração
Fronteiriça; d) definir agenda estratégica do FOCEM para áreas de fronteira; e) Acom-
panhar e avaliar o projeto em cooperação “Governança Fronteiriça” com a AECID; f)
Criar oportunidades para o desenvolvimento integrado de políticas públicas para as
comunidades tradicionais e afrodescendentes nas áreas de fronteira.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 77


os próximos anos, fica evidente que o tema necessita ser trabalhado
com mais dedicação. Seja no ambiente do foro consultivo ou no GMC, a
necessidade de discussão permanente dos assuntos que envolvem a vida
do processo de integração na fronteira, não pode perder importância na
ordem do dia do processo decisório. Tampouco, o tema fronteira pode
ser vencido pelas dificuldades políticas ou institucionais que o Mercosul
apresentou nos últimos anos.

A proposição lançada neste texto, acerca dos princípios que


orientam a cooperação transfronteiriça no Mercosul, orientam para o
sentido de que a fronteira não possui mais um propósito de separação,
mas de cooperação entre os atores presentes nessa região. As relações
nas fronteiras tendem a construir sua própria dinâmica, onde as cidades,
estados federados, províncias e departamentos, muitas vezes deslocados
da atenção central dos Estados Parte, constroem laços de proximidade,
reciprocidade, promovendo um maior nível de interdependência com
outros espaços sociais e políticos.

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82 - HENRIQUE SARTORI DE ALMEIDA PRADO -


Capítulo 4
Cross-border cooperation In Latin
America*

Nahuel Oddone**
Horacio Rodríguez Vázquez***

INTRODUCTION

Independence from Spain and Portugal and the attempts of the


Latin American countries to forge regional integration, stem from the
same spirit of emancipation. The ideals of the fathers of Independence,
like Simon Bolivar or Jose de San Martín, or even the essays and political

* The authors would like to express their appreciation to Hortensia Altamirano and
Maria Kristina Eisele from the Economic Commission for Latin America and the
Caribbean (ECLAC), Subregional Headquarters in Mexico, who provided valuable
comments. The contribution of Carolina B. Barandiaran and Hortensia Altamirano
with the translation of this article is also acknowledged. The views expressed in this
document are the authors’ sole responsibility and do not necessarily reflect those
of their Organizations.
** Economic Commission for Latin America and the Caribbean (ECLAC), Subre-
gional Headquarters in Mexico. Mail: nahuel.oddone@cepal.org
*** International Maize and Wheat Improvement Center (CIMMYT), Headquarters
in Mexico. Mail: H.Rodriguez@cgiar.org

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 83


projects of the Federal Republic of Central America are clear examples of
the historical and political tenets that justified this need for integration.

The current scenario in Latin America is a true spaghetti bowl 1 in


which many processes of integration and political configurations, new
and old, ancient or recycled, co-exist. In this vast territory there have
been tremendous difficulties to forge processes of stability, as well as
to establish institutions capable of generating tangible and intangible
inputs for development and regional integration. Among these actions,
paradiplomacy 2 and cross-border cooperation are gaining support.

CROSS-BORDER COOPERATION: A STRATEGIC POLICY IN THE


LATIN AMERICAN AGENDA

Nevertheless in recent years many scholars have studied the issue


of border definition of “Northern Latin America” and “Southern Latin
America” as well as the political alignment of the countries within the
continent.

After September 11th, there has been a noticeable division between


Northern Latin America –from Mexico to Panama–, and Southern
Latin America, for each of them poses substantial risks for the security
and for the welfare of the United States. In this division, Colombia

1 Jagdish Bhagwati, who coined the spaghetti bowl term in 1995, discussed that pref-
erential trade agreements proliferation makes trade procedures more complicated by
increasing the number of tariffs and rules of origin.
2 Paradiplomacy can be defined as the participation of non-central international re-
lations, through the establishment of permanent contacts or ad hoc with public and
private foreign entities, with the purpose of promoting diverse socioeconomic and cul-
tural aspects and any other external dimension of their own constitutional competenc-
es (Cornago, 2001). Although quite contested, the concept of paradiplomacy does not
preclude the existence of other forms of subnational participation in foreign policy pro-
cess, more directly subordinated to central governments priorities and objectives, nor
the increasing role of subnational governments in multilayered structures for global or
regional governance (Hocking, 1993). It simply tries to underline, heuristically, self-
assertive as well as hierarchical dimensions existing behind the growing involvement of
constituent units in international affairs (Cornago, 2000).

84 - NAHUEL ODDONE | HORACIO RODRÍGUEZ VÁZQUEZ -


represents the “frontier” between North America and South America
(Maira, 2008) With regards to Colombia, there are two different views
concerning where the frontier between the two Americas should be:
that of former President Alvaro Uribe and that of current President Juan
Manuel Santos. On the one hand, Alvaro Uribe argued that Colombia
was part of North America due to its alignment with the United States
and its confrontation with its neighboring country, Venezuela. On the
other hand, current President, Juan Manuel Santos, considers Colombia
to be a part of South America mainly due to its close relationship with the
government of President Chávez and also due to its membership with
the South American Union (SAU). Brazil has also had a fundamental
role in this reconfiguration since this country has played the role of
regional player, particularly as of the meeting among the Presidents of
South America which took place in Brasilia in 2000.

CBC issues are currently becoming more charged due to a growing


number of policies and instruments, which aim at enhancing CBC in
Latin America.

There are different reasons in Latin America for encouraging


further CBC. In North America, primarily, governments are mostly
concerned with security issues, whereas South American countries are
more concerned with economic development and infrastructure; these
are not two mutually exclusive issues, but priorities fixed in each agenda
show a different concern. To illustrate this argument, borders in Central
America commonly face the issues of weapon and human trafficking,
drug dealing, as well as terrorism. Moreover, the issue of instability/
insecurity is heightened by poverty and the high percentage of gun
ownership, due to past civil wars.

These problems have been addressed ever since the birth of


agreements, such as los Acuerdos de Paz de Esquipulas II. In addition,
the Central American System of Integration - known as SICA for its
initials in Spanish- has also focused its efforts on these issues3 . Borders

3 Within SICA, of particular interest is the Central American Commission of Secu-


rity (CACS) set forth in the Treaty of Democratic Security in Central America (1995)

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 85


can be interesting “labs” for the development of projects on citizenship
security and also for applying new cooperative procedures of security, as
has been proven by some experiences in Latin America.

Within the complex relational scenario of North America, it is


interesting to take a closer look at the immigration policies carried out
at border areas. For instance, Mexico often applies many of the policies
imposed by the United States at the Mexico-US border to its border with
Central America. While the border between Mexico and the US has been
“Americanized”, the border lines between Mexico and Guatemala and
Belize are “Central Americanized”, being the influx of immigrants the
only connection between the two Mexican borders4.

The problems mentioned above emphasize the need to solve


territorial asymmetries existing in the region. Internationalized regions
contrast with others regions that are absolutely close or disconnected.
the pioneers of development theory studied this process in the context
of an international system with marked asymmetries between countries,
regions and territories in terms of technological capacities and the
participation of knowledge-intensive sectors in the production structure
(Prebisch, 1949; Hirschman, 1958; ECLAC, 2012). The asymmetries are
subject to increasing returns and the cumulative forces that reproduce
them and, in some cases, strengthen them over time (ECLAC, 2012).

whose main goal is to assess all projects related to regional security. This institution
also assesses the way in which civil power is carried out, the way in which extreme
poverty is tackled, how measures of sustainable development and policies towards the
protection of the environment are promoted, and the way in which issues like violence,
corruption, terrorism, drug dealing and illegal gun trafficking are being addressed. The
Democratic Unit of Security at SICA has also provided constant support to CSC since
2009, especially in its strategies of security in Central America and Mexico.
4 In his seminal work The Clash of the Civilizations and the Reconfiguration of the World
Order, Samuel Huntington classifies Mexico within the list of “torn countries”. Quoting
Octavio Paz, Huntington says that `torn` has a non-European origin but an Indian one.
Throughout its history, Mexico intends to get closer and be part of the West, particu-
larly from the 1980’s onwards, with the reforms introduced by Carlos Salinas de Gor-
tari. According to some sources “the reforms introduced by Salinas intended to change
Mexico from a Latin American country to a North American one”.

86 - NAHUEL ODDONE | HORACIO RODRÍGUEZ VÁZQUEZ -


Structural asymmetries arise due to different factors such as
economic growth, the geographical aspects, the access to regional
infrastructure, the reliability of the institutions, or their level of
development, and these factors impact on the way in which the economy
of a country may or may not benefit from a more solid integration of
markets.

On the other hand, political asymmetries also arise when


governments implement social policies for the provision of public goods
and services (Giordano et al., 2004). As it has been argued, cross-border
cooperation aims are usually related to territorial planning, regional
economic policy, improving infrastructure, environmental protection,
and/or the promotion of cultural heritage. Its overall objective, however,
is to enhance relations between neighboring local authorities as if the
borderline did not exist (Conde Martínez, 2001).

REGIONAL INFRASTRUCTURE: A KEY ELEMENT IN THE PHENOMENON


OF CROSS-BORDER COOPERATION

Even though there are many bilateral and sub-regional


programmes which aim at regional integration of infrastructure, it is
worth highlighting two “regional” programmes: the Initiative for the
Integration of Regional Infrastructure in South America (IIRSA), and
the Mesoamerican Integration and Development Project (MIDP) in
North and Central America.

IIRSA stems from the 2000 Brasilia Summit, which main goal was
to promote the development of infrastructure in transport, energy and
telecommunications with a vision of regional and physical integration in
the twelve countries of South America. At this Conference all members
attempted to agree on a process of equitable and sustainable territorial
development.

IIRSA studies the natural impediments and causes that have made
integration in South America difficult or impossible. South America
is a subcontinent which has numerous natural barriers such as the

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 87


Andean Chain, the Amazon rainforest, the Amazon River and (…), the
Pantanal (…). These natural barriers generate “isolated spots” such as
the Platform of the Caribbean in the north of South America, formed
by Colombia, Venezuela, Guyana and Surinam; the Andean plateau,
isolated from the heart of the continent because of the Andes; and the
Atlantic Platform, isolated from the north because of the Amazonian
region or the Amazonian Enclave. Consequently, barriers like the ones
mentioned prevent a fluid traffic of goods and people from taking place.
These historical natural barriers have not yet been overcome and a well-
designed strategy is needed to finally achieve physical integration in the
continent (Terrazas, 2009).

IIRSA is the living testimony of the commitment of twelve South-


American governments to encourage the modernization and the
integration of regional infrastructure. These countries receive technical
and financial assistance from three multilateral banks: The CAF –
Development Bank of Latin America, the Inter-American Development
Bank (BID) and the Fondo Financiero para el Desarrollo de la Cuenca
del Plata (FONPLATA, for its acronym in Spanish)5. It has been designed
following the Axes of Integration and Development –AIDs henceforth6-
and the Regional Processes of Integration (RPI)7.

5 IIRSA is currently linked with the structure of the Consejo Suramericano de In-
fraestructura y Planeamiento - South American Council of Infrastructure and Plan-
ning - (COSIPLAN) of UNASUR and its members are setting up a Strategic Plan of
joint Action for 2012-2022.
6 IIRSA defined ten Axes of Integration and Development -or AIDs - which can be
classified under two main axes. This entity defines two structures called the emergent
axis and the consolidated axis, and also establishes their main features and projects.
In addition, it identifies projects called “the chore/s” which are the backbones in each
Project. This means that if the main feature or backbone is not achieved, it is almost
impossible to attain the other Projects or make them work in those AIDs. Among
these AIDs, we underscore the Axis of Integration and Development such as the one
between MERCOSUR-Chile, the Andean one, the Centre- Inter oceanic one, the one
set in the Amazon, the one between Peru-Brazil-Bolivia, The Guyanan Shield, the one
called Capricorn, the one of the South, the Hidro-Highway Paraguay-Paraná and the
one called Andino del Sur (Andean of the South).
7 Among the RPI, we should draw attention to the Programme of First- class Ports, which
aims at improving the conditions of the main ports of South America and at solving

88 - NAHUEL ODDONE | HORACIO RODRÍGUEZ VÁZQUEZ -


Infrastructure that improves or triggers contact among different
regions can lead to economic growth because it shortens distances
between economic areas of production, reduces natural barriers in
commercial exchanges, reduces transport costs and also promotes
market expansion (INTAL-BID, 2012).

MIDP has its roots in the Puebla-Panamá Plan (PPP), a project that
was launched by the presidential administration of Vicente Fox in 2001
and in which the issues of transport, energy, and telecommunications
were prioritized.8 Central American countries, Mexico, the Dominican
Republic9, and Colombia10 are members of MIDP.
MIDP should be understood as a continuous and gradual process,
with a strategic long term vision, which intends to create a regional
Public State. It also intends to assess how resources of neighbouring
countries, non-profit contributions of regional financial entities,
management related problems. The Cross-Border Development and Integration Sup-
port Program (known as PADIF in Spanish) intend to facilitate the transit through bor-
der posts. It also promotes regional development, arguing that it is impossible to solve
any issue linked to border transit without solving the socio-economic problems that
people who live at the border or near those borders face. In its Agenda for the Support
of Infrastructure, CAF has specific funds, known as CBC and Integration Fund (COPIF
in Spanish), and also with economic resources provided by the ProInfa Fund to help
with the development of infrastructure in the region.
8 The document that acknowledges the importance of the MIDP was signed by the Presi-
dents and other Heads of Governments during the Cumbre de Presidentes y Jefes de
Gobierno del Mecanismo de Diálogo y Concertación de Tuxtla Summit of Presidents
and Heads of Government of Dialogue Mechanism and Consultation in Tuxtla on 28th
July 2008. MIDP outlines two axes: the Axis of Physical Interconnection and Integra-
tion, and the Axis of Social Development. The former axis deals with three areas of
work, namely the Mesoamerican Electrical Inter Connection, The Infrastructure Inter-
connection and Integration of the Telecommunications Services; and the Interconnec-
tion of Transport Infrastructure and the Provision of Commerce. The latter axis deals
with Commercial Help and Competition, Health, Environment and Climate Change,
Prevention, Mitigation of Natural Disasters and Shelter.
9 The agreement between SICA and the Dominican Republic was signed in Santo Do-
mingo de Guzmán on 10th December 2003.
10 Colombia has its own peculiar features since it is known as the last country of North
America or the first of South America. In July 2006, the former countries of PPP ac-
cepted the membership of Colombia, which had been an observer before. Only after
the declaration of Guanacaste in 2009 and the Act, which gives credit to the MIDP, will
Colombia become a member of the well-known Dialogue Proceedings of Tuxtla.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 89


technical cooperation of international organisms, public and private
donations, and funds from private and public investment are provided
(Ubeda, 2011).

MIDP has attained a prominent role in the international and Latin-


American agenda as a mechanism which promotes the conceptualization,
financing, and execution of tangible and fundamental strategic
entrepreneurships, aiming at developing the Mesoamerican region,
enhancing competition, strengthening its privileged geographical location
and tackling transnational challenges to cooperation.
MIDP intends to promote territorial articulation by means of
economic and social development in the northern border of Mexico
with the United States; it intends to encourage internal articulation –or
“territorial infrastructure”- or the execution of “structural projects” in
disarticulated interregional contexts.

PARADIPLOMACY FOR THE BORDERS

Regional integration and cross-border governance enhance the


role of paradiplomacy. Specialists resort to the term paradiplomacy
when they need to analyse, theorize and explain the new phenomenon
of international participation of local authorities and other sub-state
entities11. Paradiplomacy can be understood as a kind of democratization
of foreign policy since it identifies the needs and interests at different
levels within the nation states. For this reason, some scholars have
introduced synonyms for this term such as decentralized diplomacy
(Aguirre, 2001), multi-level diplomacy (Hocking, 1993; Keating, 2001),
constitutive diplomacy (Kinkard, 2009), federal diplomacy (Schiavon,
2010), sub-state diplomacy (Criekemans, 2008).

11 Ivo Duchacek and Panayotis Soldatos, who were conscious of the need for new theoret-
ical frameworks/schemes, first used the term paradiplomacy. Duchacek (1986) first in-
troduced the distinction between regional cross-border microdiplomacy, transregional
microdiplomacy and global paradiplomacy, which stand for contacts among centers
of non-centralized frontiers (…), contacts among non-centralized units without com-
mon border/ frontiers, especially when national states share their borders, and political
contacts among State distant units that establish relationships (…), even with different
agencies of national and foreign governments.

90 - NAHUEL ODDONE | HORACIO RODRÍGUEZ VÁZQUEZ -


The paradiplomatic play needs to be understood from “a two-
level diplomacy perspective” more than ever (Putnam, 1996). The
first level of paradiplomacy occurs when the representatives of the
States meet to negotiate whereas the second level materializes when
the representatives of each State promote tangible measures on their
territories, whether to ratify the measures or to generate credibility., a
characteristic that blurs when the subjects involved - government and
non- government agents, can establish strategies of management such
as domestic issues (Cornago, 2010). Some subjects identify two or more
necessary levels to reach consensus. Once again, the receptive capacity
of local governments is placed at the centre of the scene by means of
interpreting decentralization as an on-going hierarchical process.

The Decentralization processes and the emergence of subnational


entities are affecting foreign policy (Cornago, 2010). In this context, it is
necessary to identify and recognize different institutional channels that
could explain this outbreak of recent decentralization. The absence of
a legal framework in this regard can lead to abuse because there are no
simple limits to actions of paradiplomacy. It is necessary for National
States to clearly define where paradiplomacy can be exercised without
harming the prerogatives that any State needs to establish and respect
(Zeraoui, 2009).

Regional integration processes constitute an important mean


of access for paradiplomacy and, in some cases, the only one.
Paradiplomacy takes different forms depending on the nature of the
process of integration as well as the role of subnational entities in the
structure of power within the international system.

Currently, one of the major risks of Central American paradiplomacy


is the difficulty to identify an endogenous way to take advantage of
international cooperation. One must acknowledge that there have been
projects of cooperation, such as cross-border actions, in the past few
years, which have helped institutions and their social actors to attain new
capacities: technical, financial, as well as political12.

12 Experiences like the Trifinio Plan or the joint efforts of the Lempa River Trinational
Border Community.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 91


In the Southern Latin America, regional and political integration
became more tangible after decades of Neoliberalism. This change of
perspective has paved way for “basic agreements”. Moreover, within the
current political environment the continent will be able to focus on how
to solve structural problems and how to increase its autonomy at the
international level more than ever. “When structural change narrows
productivity gaps, diversifies the production structure and adds value
to productivity, the working world benefits in terms of equality because
wage gaps close; contributory social protection coverage expands as
more quality jobs are created; steady growth at higher rates improves
the fiscal position, in turn enhancing redistributive action by the State;
and infrastructure improvements broaden access to services” (ECLAC,
2012). ECLAC proposal is grounded in structural change as the path,
public policy as the instrument, and equality as the core value steering
the course of change.

The spaghetti bowl of regional integration in South America will


remain dormant, probably without considerable improvements or
drawbacks for some more time, but the possibility exists that through
the so-called “reinforced bilateral cooperation” (Rhi Sausi and Oddone,
2012) will bring more tangible prospects for its citizens in the future.

Regarding CBC topics, bilateralism seems to be the most


important strategy chosen by South American countries. Chile has
been a associate member of MERCOSUR since 199613. It is known that
the bilateral arrangement with Argentina14 has been fundamental for
strengthening cross-border relations between the two countries. Another
interesting example is those of Ecuador and Peru. Some examples in
the MERCOSUR area could be the recent Presidential agreements on
cross-border cooperation between Argentina and Brazil15 or between

13 Agreement of Complementary Economic Support Mercosur- Chile, known as ACE


Num. 35.
14 Materialized in the Treaty of Integration and Cooperation in Maipú between the Re-
publics of Argentina and Chile, signed by Presidents Cristina Fernández and Michelle
Bachelet on 30th October 2009.
15 “El Protocolo Adicional al Acuerdo de Creación de las Comisiones de Cooperación
y Desarrollo Fronterizo” The Additional Protocol of the Agreement of the Commis-
sion of Cooperation and Border Development -called CODEFRO in Spanish- signed

92 - NAHUEL ODDONE | HORACIO RODRÍGUEZ VÁZQUEZ -


Argentina and Uruguay16. This also appears to be the guideline in the
Peruvian-Brazilian cross border relations (Rhi Sausi and Oddone, 2012).

Many countries have increased their capacities of negotiation in


terms of international cooperation and have also set aside some of their
needs and priorities towards policies of integration in Latin America. As
a result of the cross-border cooperation based on issues systems such as
how to attain democratic security, environmental sustainability and the
promotion of productive chains, etc., the subnational participation has
been enhanced.

AN INSTITUTIONAL MODEL FOR BORDER MICRO-REGIONS

National borders, which have become a priority in territorial


cooperation and regional integration processes, can be articulated in
terms of their economic relevance (physical connectivity, productive
or commercial routes), political relevance (democratic security),
social relevance (inclusion and social cohesion), cultural relevance
(integration identity) or environmental relevance (the management of
natural resources and shared public goods).

There are borders in which bi or tri-national interaction has


become a priority in the public agenda among the members involved
(national political will) and others in which subnational governments
consider their relationships with their neighbours a priority (local
political will).

In general, there are existing relationships in almost all


frontiers of Latin America: family bonds, autonomous cooperation
in entrepreneurships, social interactions, environmental problems,
shared cultural identities among others, which are components of
an endogenous process. In addition, there are projects of borders
integration that imply different levels of technical set-up abilities.
by Presidents Cristina Fernández and Dilma Rouseff on 31st January in 2011, Buenos
Aires.
16 The Declaración de Buenos Aires Buenos Aires Declaration, Joint Declaration of the
Presidents of Argentina, Cristina Fernández, and Uruguay, José Mujica, 2nd August,
2011.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 93


The creation of operative and efficient border areas should rely on
the basis of functional approaches that should characterize the growing
role of subnational entities in the international sphere17. These features
seem to be a sine qua non condition for territorial and sustainable
cooperation and regional integration.

Border micro-regions imply a governance scheme that involves


various institutional levels. Local economic and social actors also take part
in this multi-level institutional architecture, interacting on the borders
frequently. Thus, the term multilevel governance needs to be understood
both vertically and horizontally. First, we contend that it is vertical
because there is a clear division between the functions and the interactions
exercised among countries in terms of their institutions and capabilities
(all levels of government). Second, there is horizontal governance since
there is participation of different social actors in the territories.

Historical experiences on regional integration show that a frontier


does not rely on new powers, and not even on alternative powers. Cross-
border cooperation between communities and local authorities does not
represent additional power for them but rather a way of exercising their
own power per se. Communities and local authorities usually encourage
cooperation following the principles of their legislation, which in turn,
sets the powers, procedural principles and control of their decisions.
Thus, cross-border cooperation can be understood as an extension of
local policies of planning and development, based on an agreement
between the actors of both sides (Council of Europe, 2006).

This conception of “border communities” is the main foundation


of the Euro-regions in the European Union, for instance, and was led
17 Presently there is a growing tendency to assess whether an actor has international rel-
evance considering its political aspects more than its formal and judicial ones. With re-
gards to these aspects, we can mention: a) its level of autonomy, b) its ability or capacity
to transport resources, to exert influence and reach goals, and; c) the importance and
continuity of the functions performed; all of them fundamental elements which give
functional legitimacy in terms of the way local actor participate in the international
context (Russell, 2010). As a result, a functional point of view is substituting a legal one,
which used to characterize the procedures of local governments in the international
sphere. It seems that the legal perspective –understood as a social science that needs
to adapt to the changes in society and the State-, should be updated and new norms
should be developed to better match the functional reality described before (Oddone
et al., 2012).

94 - NAHUEL ODDONE | HORACIO RODRÍGUEZ VÁZQUEZ -


by CAN in its proposal for the creation of Border Zones of Integration
(ZIF)18. The debate within MERCOSUR also seems to take this direction
with the FCCR body (Rhi Sausi and Oddone, 2009b, 2009c). Following
the document entitled Conceptualization of the Cross-border
Cooperation in the System of Integration in Central America. Ideas and
Proceedings for the conduction of Micro- regions of Integration (Rhi
Sausi et al., 2011), a theoretical framework for cross-border integration
in Central America is proposed. In the figure below, we summarize all
the features that could contribute to the on-going debate about cross-
border cooperation throughout Latin America.

FIGURE 1:
SICA conceptual model of cross-border Integration proposed by CeSPI

Source: Adapted from CeSPI, 2011.

18 Andean Community, Decision 501/2001 on the creation of Border Zones of Integration


(ZIF).

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 95


There are still some pending issues concerning cross-border
integration in Latin America; for instance how subnational border
communities are conceptualized; and above all, how their own local
policies of spatial planning and development, which is to say “their power
could be exercised” in order to expand themselves both sides of the border.
“The most distinctive feature of the various transfrontier co-operation
initiatives is the establishment of co-operation, at the local community
level, between adjacent local public bodies subject to different national
legal systems, on issues of common concern” (Council of Europe, 2006).

CONCLUSIONS

A series of demands for cross-border cooperation and integration


can be identified in Latin America which are closely related to specific
problems that co-exist in the local human settlements; and also, to the
transnational difficulties that different States have not been able to solve
individually.

Subnational entities can be seen as international stakeholders,


who have “come to stay”. From a humbler and bottom-up perspective,
they intend to add their own approaches to the transnational and inter-
Latin American debate on what and how should be interpreted as cross-
border cooperation.

Undoubtedly, each border scenario is unique because of its


territorial specificity and particular presence of strategic actors. In this
vast territory, all of the actors involved in the frontiers in Northern
Latin America have joined their efforts to eradicate drug dealing and
human trafficking, which are the main threats in some of the national
agendas. On the other hand, the border scenario in Southern Latin
America presents other kinds of problems, which are more centred on
economic and international issues. In this part of the world, we can find
vast territories with disarticulated regions and persistent asymmetries.

The lack of economic development and welfare are more evident


in all of Latin America, in both the north and the south, and in all of

96 - NAHUEL ODDONE | HORACIO RODRÍGUEZ VÁZQUEZ -


their frontiers, regardless the level of border control. Success in cross-
border cooperation in Latin America will be tangible when the continent
is able to create frontiers as nodes of functional development for the
attainment of peace, a goal that will only be materialized if, and only if,
strategies of preventive paradiplomacy are followed. Yet, we may already
have a unique self-centrered Latin America, in which mental barriers
have been socially demolished.

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- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 99


Capítulo 5
CIDADES-GÊMEAS E CONURBADAS
DE FRONTEIRA: na vanguarda da
integração regional
Fábio Régio Bento*

INTRODUÇÃO

Fronteiras são espaços físicos, geográficos, de distinção para a


afirmação de identidades coletivas situadas nesses territórios específicos.
Fronteiras são invenções culturais, territoriais, de comunidades antigas,
com territórios e identidades culturais diferentes. Os Estados Modernos
não criaram as fronteiras, mas as sofisticaram, intensificaram a
racionalização de seus territórios com critérios jurídicos internacionais, ou
seja, institucionalizaram burocraticamente as fronteiras. E, nesse processo
de racionalização e significação política de suas fronteiras, podemos
identificar duas fases com dois significados distintos e complementares,
não antagônicos, atribuídos por alguns Estados, entre eles o Brasil, às
suas fronteiras físicas: fronteira como espaço de divisão para a afirmação
de identidade e defesa de ameaças provindas de territórios vizinhos, e
fronteira como espaço para a integração entre as populações lindeiras de
Estados territorialmente vizinhos (BENTO, 2013).

* Doutor em Ciências Sociais pela PUC San Tommaso (Roma, 1996). Professor Adjunto
de Sociologia na Universidade Federal do Pampa (Unipampa), onde leciona Sociologia
das Relações Fronteiriças do Brasil no curso de graduação em Relações Internacionais.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 101


Apesar da visão negativa que, talvez seja, indiretamente propagada
junto à opinião pública internacional, por grupos que se apresentam
como sendo “sem fronteiras”, fronteiras não são defeitos da humanidade,
mas instrumentos de afirmação de identidades e proteção de tais
identidades coletivas (DEBRAY, 2010).

A função política oficial das fronteiras não é definida por estas


fronteiras, mas pelos centros político-administrativos dos Estados. Na
fase de nascimento destes, as fronteiras territoriais cumprem o papel de
distinguir o que é de um Estado do que é do Estado lindeiro. Fronteira,
em tal fase inicial de vida dos Estados, é espaço para a distinção
territorial, espaço de afirmação de identidade nacional. Na fase atual, do
Estado Brasileiro, caracterizada pela busca da integração com os Estados
vizinhos, como forma de defesa de seus interesses nacionais, prioridade
de política externa definida pela Constituição de 1988, a função política da
fronteira não é somente a de afirmação de identidade, distinção. Todavia,
antes mesmo que o Estado Brasileiro definisse a integração regional como
uma sua prioridade de política externa, em algumas cidades brasileiras
de fronteira já havia a compreensão prática da fronteira como espaço de
encontro para a integração entre sujeitos diferentes. Assim, nesse artigo
queremos destacar que as experiências de integração regional não ocorrem
somente entre sujeitos da cúpula de Estados (integração de vértice), mas,
também, por meio de outras possibilidades, como a integração entre as
populações que vivem nas cidades de fronteira (integração de base). Nesse
sentido, sustentaremos que as cidades gêmeas de fronteira cumprem um
papel integrador original e relevante na integração regional, enquanto
sujeitos de integração de base.

O objetivo do artigo é compreender, portanto, a perspectiva


brasileira sobre o papel das cidades-gêmeas de fronteira e, entre elas, as
cidades conurbadas de fronteira como sujeitos coletivos protagonistas
de integração de base no processo de integração regional sul-americana.

Nossa hipótese investigativa será apresentada, ao longo das três


seções desse artigo. A primeira, dedicada à compreensão da fronteira
como espaço de separação ou de integração, conforme a docência

102 - FÁBIO RÉGIO BENTO -


prática das cidades de fronteira caracterizadas pela experiência da
integração de fato; a segunda, voltada para a compreensão das diferenças
e complementaridade da ação dos sujeitos da integração de vértice e
de base; e a terceira, que antecede nossas considerações conclusivas,
visa identificar os sujeitos coletivos fronteiriços que protagonizam os
processos de integração de base.

1. FRONTEIRA COMO ESPAÇO DE SEPARAÇÃO E DE INTEGRAÇÃO

Para o geógrafo Otto Maull, as finalidades principais da fronteira


são “distinguir o meu do teu; proteger o território nacional; isolá-lo,
quando necessário, e facilitar-lhe o intercâmbio, quando conveniente”
(apud MATTOS, 2011, p.112).

O significado institucional das fronteiras não é definido oficialmente


nas fronteiras, mas no miolo político-jurídico-administrativo dos
Estados. Em tais miolos são definidos o significado e a função oficiais
de suas bordas territoriais. Assim, na fase de formação dos Estados,
considera-se como objetivo principal das fronteiras o de proteger a
diversidade de identidade territorial de um Estado sublinhando sua
função de separação, para “distinguir o meu do teu” em relação ao
Estado lindeiro (Ibidem, p.112).

Mesmo se estudos geográficos e antropológicos sobre fronteiras


manifestam que comunidades indígenas possuíam sistemas de
organização de fronteiras, com formas de demarcação e patrulhamento
(STEIMAN; MACHADO, 2002, p.03), a linha reta vertical de Tordesilhas
passou a ser a primeira referência oficial de fronteira no Brasil.

Quando o Tratado de Tordesilhas foi assinado, na cidade espanhola


que lhe emprestou seu nome, em 4 de junho de 1494, Espanha e Portugal
traçaram sua primeira fronteira oficial, uma linha reta, vertical, para terras
americanas descobertas e a serem descobertas (GARCIA, 2010). Criaram
uma fronteira exógena, definida de fora para dentro, por sujeitos externos
ao território habitado por comunidades indígenas locais. De Tordesilhas
até a consolidação das fronteiras brasileiras pela obra diplomática do

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 103


Barão do Rio Branco, houve alternância entre uso da força da diplomacia
e da força militar na resolução dos conflitos territoriais fronteiriços.
Nas disputas de tratados entre Portugal e Espanha, depois da linha reta
vertical de Tordesilhas, passou-se ao arco definido pelo Tratado de Madri,
em 1750, quando Alexandre de Gusmão obteve a legalização da expansão,
de fato, pelo território desenvolvida pelos portugueses, com o recurso do
princípio do uti possidetis, segundo o qual a posse da terra é de quem a
ocupou e colonizou por primeiro (GARCIA, 2010).

Após o arco vertical, definido pelo Tratado de Madri, as disputas


continuaram com o Tratado de El Pardo, de 1761 e com o Tratado de
Santo Ildefonso, de 1777, quando Colônia do Sacramento retornou para
o domínio da Espanha. Ao longo desses anos, os conflitos entre Espanha e
Portugal definiam e redefiniam as fronteiras nas colônias sul-americanas.
Posteriormente, em 1820, a Banda Oriental do Uruguai e foi anexada ao
Brasil colônia. Em seguida, em 1822, com a independência do Brasil, o
Uruguai veio junto como herança territorial, mas por pouco tempo.
Antes disputado entre Espanha e Portugal, depois disputado por Brasil
e Argentina, pelo acordo de 1828, por Rio de Janeiro e Buenos Aires,
ocorreu o reconhecimento da independência da República Oriental do
Uruguai. Pelo exemplo citado acerca da parte sul do Brasil percebe-se
que o processo histórico de criação de fronteiras é complexo, carregado
de conflitos, com seus sujeitos coletivos atuando de forma militar
e diplomática nessa disputa territorial acirrada que está por trás da
construção política e militar das fronteiras brasileiras e sul-americanas.

Tal processo de construção, redefinição e consolidação das


fronteiras territoriais brasileiras, de sul a norte, receberá contribuição
destacada da obra intelectual-geográfica, política e diplomática do Barão
do Rio Branco, no final de 1800 e início de 1900 (JORGE, 1999). Nesse
período, entre o fim da monarquia e o início da república, busca-se
consolidar a distinção territorial nas relações do Brasil com os Estados
vizinhos. Em tal fase, a fronteira territorial serviu para a afirmação
de identidade, distinção de identidade, defesa da identidade nacional
pela separação territorial. Desempenharam papel fundamental, as
comissões de demarcação que materializavam os limites jurídicos com

104 - FÁBIO RÉGIO BENTO -


a edificação de marcos. Além dos marcos, o papel de materialização
da separação territorial foi desempenhado também pela construção de
fortes, fortalezas e fortins pelo interior do Brasil, com a função de defesa
armada, e, também, defesa pela vivificação, povoamento do território
desenvolvido com a atuação destacada dos militares brasileiros que se
deslocavam para tais regiões remotas munidos de equipamentos de
defesa e material para a agricultura (MATTOS, 2011, p.106-113).

Assim, ao longo de séculos, por meio de derrotas e vitórias


militares e diplomáticas, construiu-se e defendeu-se a atual fronteira
terrestre brasileira, que, do Oiapoque ao Chuí, corresponde a 15.719
km de fronteira, mais do que o dobro dos 7.408 quilômetros do litoral
brasileiro, com a distância entre os pontos extremos de leste-oeste de
4.328 km, maior que a distância norte-sul, que é de 4.320 quilômetros.
Tais números territoriais grandiosos, se comparados aos da maioria
dos Estados do mundo, em vez de produzir triunfalismo nacionalista,
revelam o peso da responsabilidade pela gestão sustentável das
fronteiras do Brasil com Uruguai, Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru,
Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname, Guiana Francesa. Esses dados
territoriais revelam as responsabilidades continentais do Brasil na gestão
compartilhada de suas fronteiras.

As fronteiras brasileiras, demarcadas, consolidadas no início de


1900, são espaços geográficos habitados, ou não, que cumpriram e
realizam a função de distinção de identidades nacionais, de separação
entre o que é de um e o que é do outro, em relação aos Estados vizinhos.
Tal função territorial das fronteiras físicas de um Estado é permanente,
junto com a função de defesa em relação ao que entra e sai de um Estado,
pessoas e mercadorias, pelas suas bordas físicas ou pelas fronteiras
jurídicas criadas nos aeroportos internacionais. Porém, as fronteiras
físicas não cumprem apenas a função de defesa-filtro (de pessoas e
mercadorias) e afirmação de identidade nacional. Além dessas funções
permanentes de uma fronteira física, há, também, a possibilidade de
a fronteira física, habitada, ser um espaço de encontro entre sujeitos
nacionais diferentes para a integração de fato entre tais populações
nacionalmente distintas.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 105


Segundo o parágrafo único do Art. 4º da Constituição Federal de
1988, “a República Federativa do Brasil buscará a integração econômica,
política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à
formação de uma comunidade latino-americana de nações”. Para tal
artigo constitucional, a integração latino-americana, mais do que
uma prioridade de política externa de governo, é uma prioridade de
política externa de Estado, definida pela Assembleia Constituinte que
elaborou a Carta Constitucional de 1988. No projeto de “formação de
uma comunidade latino-americana de nações”, está contida a busca da
“integração econômica, política, social e cultural dos povos da América
Latina”; integração de povos (da América Latina) para a formação de
uma comunidade de nações (latino-americanas). De um lado, identifica-
se o objetivo mais estrutural do que conjuntural, a comunidade latino-
americana de nações, e, de outro, o meio para a sua realização, a
integração multifacetária dos povos da América Latina.

Portanto, a integração regional sul e centro americana é um objetivo


explícito contido na Carta Constitucional de 1988, o que interpretamos
como uma prioridade permanente de Estado, prioridade de política
externa de Estado, definida constitucionalmente, independente do
governo que assuma temporariamente o comando conjuntural do
executivo federal. De 1988 até hoje, foram desenvolvidas algumas
iniciativas com a participação do Brasil no sentido de se construir
essa integração multifacetária, “econômica, política, social e cultural
dos povos da América Latina”, com a criação de alguns instrumentos
de integração regional para a formação dessa comunidade de nações
latino-americanas.

Os motivos dos processos de integração regional de Estados são


complexos (HURREL, 1995). Podem ser expressão de maturidade dos
Estados, em sua trajetória de afirmação de identidade nacional, ou
podem ser vias para a construção da maturidade nacional dos Estados
que aderem a tais instrumentos de integração. Não entraremos na
tipologia da integração regional de Estados, porque nosso objetivo é
verificar o papel das cidades de fronteira como sujeitos de integração
de base. E sobre isso, destacamos que antes mesmo da publicação

106 - FÁBIO RÉGIO BENTO -


dos motivos constitucionais citados, e antes das mudanças recentes
pró-integração no cenário internacional, nas cidades integradas de
fronteira já havia integração de fato. A integração regional não é uma
novidade, mas uma experiência “tradicional” nas cidades integradas de
fronteira. Assim, ao significado tradicional (fronteira para a afirmação
da identidade territorial com defesa-filtro do fluxo de pessoas e
mercadorias) é acrescentado o significado integrador: fronteira como
espaço-possibilidade de encontro para a integração entre sujeitos
coletivos diferentes, lindeiros. Tal segundo significado, porém, não
é uma produção original do miolo político-jurídico-administrativo
do Estado, mas uma criação de vanguarda, mesmo se involuntária,
das populações das cidades integradas de fronteira. O que o miolo do
Estado realiza é o reconhecimento oficial, de acordo com seus hodiernos
interesses, dessa docência prática relativamente antiga, integracionista,
das populações integradas das cidades gêmeas e conurbadas de
fronteira. Ou seja, a fronteira como espaço de integração é significado
“antigo” na experiência de base das populações das cidades de fronteira
com integração de fato. A novidade institucional, nessa questão, está no
reconhecimento e reprodução dessa produção de significado também
no âmbito do miolo político-administrativo do Estado.
Com o reconhecimento dessa modalidade de integração de base,
por razões de interesse nacional na integração regional, o que o miolo
do Estado passa a fazer é ecoar o discurso prático integracionista
(integração de fato) produzido pelas populações das cidades integradas
de fronteira. Aumenta-se, assim, o quantitativo de políticas públicas
federais e estaduais para cidades e regiões de fronteira. No Brasil,
recentemente, para citar apenas alguns exemplos, foram criadas
universidades federais especificamente em cidades de fronteira, como
a UNILA, Universidade Federal da Integração Latino-Americana
(2007), a UNIPAMPA, Universidade Federal do Pampa (2008), a
UFFS, Universidade Federal da Fronteira Sul (2009). Outro exemplo
da chegada dessa ampliação do significado de fronteira no miolo do
Estado, foi o reconhecimento federal da cidade gaúcha de Santana do
Livramento, declarada, em 2009, cidade símbolo da integração brasileira
com os países do Mercosul (Lei nº 12.095 de 19 de novembro de 2009).
Antes disso, com a Lei nº 11.161/2005, torna-se obrigatória a oferta, pela

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 107


escola, do ensino de espanhol. Em suma, as ações integradoras informais
desenvolvidas por razões de necessidade nas cidades integradas de
fronteira, passam a receber o reconhecimento institucional no miolo do
Estado. Entendidas, oficialmente, apenas como lugar para a separação
em relação aos Estados lindeiros, as fronteiras habitadas passam a ser
compreendidas institucionalmente pelo miolo do Estado, mesmo se
de forma incipiente, também pelo que já são de fato, ou seja, espaço-
laboratório de integração de base entre as populações fronteiriças.

2. INTEGRAÇÃO DE VÉRTICE E DE BASE

Os sujeitos coletivos, protagonistas dos processos de construção das


experiências de integração regional de Estados, são sujeitos localizados no
vértice institucional de poder dos Estados e na base popular constitutiva
dos mesmos. Porém, enquanto as experiências de integração de vértice
podem ser caracterizadas pela transitoriedade dos eventos institucionais,
e pela assinatura de acordos para a realização de projetos nem sempre
executados, a integração de base é um dado permanente, fático, real, entre
as populações das cidades integradas de fronteira.

Na medida em que o Estado vai adotando a integração regional


como estratégia de defesa dos interesses nacionais com os demais Estados
envolvidos em tais processos de participação articulada no cenário
internacional multipolar, muda-se a compreensão do significado de
fronteira e emerge o reconhecimento oficial do papel integrador fático
das cidades de fronteira.

Antes semiesquecidas pelo miolo do Estado, reduzidas ao papel


tradicional de defesa e afirmação de identidade, são por ele "descobertas"
as cidades de fronteira que já vivem de forma integrada com as cidades
dos Estados lindeiros antes mesmo do reconhecimento oficial da
integração regional como valor político-estatal.

Especificamente, para citar alguns exemplos, nas seis áreas de cidades


gêmeas entre Brasil e Uruguai - Barra do Quaraí e Bella Unión, Quaraí
e Artigas, Santana do Livramento e Rivera, Aceguá e Aceguá, Jaguarão

108 - FÁBIO RÉGIO BENTO -


e Rio Branco, Chuí e Chuy - a integração binacional com as cidades de
Estados vizinhos já era consuetudinária antes mesmo que se falasse em
integração regional entre Estados vizinhos no âmbito do miolo político-
jurídico-administrativo dos Estados da América do Sul (BENTO, 2013).
Ou seja, a integração fática de base, nas fronteiras, precedeu os projetos de
integração de vértice. De qualquer forma, porém, ambas são relevantes e
complementares nos processos de integração regional de Estados dentro
e fora do âmbito de suas fronteiras nacionais e regionais. A integração de
base necessita do reconhecimento do miolo do Estado não para existir,
pois já existe independentemente de tal reconhecimento, mas para a
qualificação da integração de base, nas cidades integradas de fronteira,
do ponto de vista de áreas específicas como saúde, educação, assistência
social, segurança pública, onde a integração fática enfrenta impedimentos
jurídicos derivados de uma legislação voltada para quem vive no miolo
dos Estados e não nas áreas fronteiriças integradas (PUCCI, 2010).

Assim, para os fins integracionistas do Estado, certamente não


são suficientes os meetings de vértice de Estado, com suas atividades de
integração ao redor dos trabalhos de sujeitos dos altos e médios escalões
dos Estados. Junto com a integração de vértice, emerge a constatação
da necessidade do reconhecimento e promoção institucional das
experiências de integração de base, que envolve diretamente e
permanentemente as populações fronteiriças. Tal integração de base
se desenvolve, sobretudo, de duas formas. Em primeiro lugar, pelas
experiências de integração entre as populações (permanentes) das
cidades gêmeas e conurbadas das fronteiras brasileiras com seus vizinhos
sul-americanos. Porém, além dessa modalidade principal de integração
de base, há, também, a que ocorre por meio dos deslocamentos (tour) de
setores das populações sul-americanas pela América do Sul por motivos
de trabalho, eventos profissionais, estágios de estudo, turismo cultural.
Tais eventos, concretamente, podem ser congressos internacionais de
medicina, engenharia, sociologia, relações internacionais, educação
física, enfermagem, psicologia realizados em cidades da América do
Sul, como já ocorre em Santiago, Montevidéu, Brasília, São Paulo, Rio
de Janeiro, Lima, Quito, Buenos Aires.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 109


Integração de vértice, portanto, que se realiza por meio dos
meetings de funcionários dos ministérios da defesa, saúde, educação,
justiça, além dos meetings de chefes de Estado e de governo sul-
americanos, associada à integração de base que se realiza há décadas
entre as populações das cidades-gêmeas e conurbadas de fronteira,
associada também, mais recentemente, à experiência de integração
realizada circunstancialmente por grupos de profissionais, estudantes,
pesquisadores sul-americanos, mais os cidadãos que praticam turismo
cultural e ambiental pelo território sul-americano.

3. CIDADES CONURBADAS DE FRONTEIRA E INTEGRAÇÃO DE BASE

As cidades de fronteira atuam no âmbito da integração regional de


base pela interação permanente entre as populações de cidades vizinhas,
de Estados diferentes, situadas nas regiões de fronteira. Todavia, entre as
cidades de fronteira, há as que interagem internacionalmente de forma
mais ou menos intensa, sobretudo, pela proximidade geográfica em
relação à linha-limite de fronteira. Assim, podem ser identificados três
tipos diferentes de cidades de fronteira, com maior ou menor grau de
interação fronteiriça de base: 1.cidades da faixa de fronteira, 2.cidades
gêmeas de fronteira e 3.cidades conurbadas de fronteira.

As cidades da faixa de fronteira são as 588 cidades que se encontram


na faixa de 150 quilômetros da linha-limite para o interior do território
brasileiro (MI, 2005, p.9-11). A interação internacional, fronteiriça
de tais cidades é de menor intensidade em relação à que ocorre nas
cidades-gêmeas de fronteira, que são as que se situam na linha-limite
de fronteira ou bem próximas a ela, com uma cidade correspondente do
outro lado da linha-limite de fronteira do Brasil com seus vizinhos sul-
americanos (Ibidem, p.152-164). Qual a diferença entre cidades gêmeas
e cidades conurbadas de fronteira? Nem todas as cidades gêmeas são
cidades conurbadas, mas todas as cidades conurbadas são gêmeas. Não é
suficiente afirmar que cidade conurbada de fronteira é a que apresenta a
mesma malha urbana compartilhada com a cidade estrangeira lindeira.
Cidades conurbadas binacionais de fronteira são as que entre elas não
há acidentes geográficos (montanhas, rios) nem controle de pessoas e
mercadorias na linha-limite por elas compartilhada.

110 - FÁBIO RÉGIO BENTO -


Citando como referência o elenco da Portaria n.125, de 21 de
março de 2014, do Ministério da Integração Nacional, publicado em 24
de março de 2014 no Diário Oficial da União e corrigido em 26 de março
de 2014, 30 são as cidades gêmeas brasileiras de fronteira, a saber, desde
o Norte até o Sul do país: 30.Oiapoque (Amapá) com Saint Georges
(Guiana Francesa); 29.Bonfim (Roraima) com Lethem (Guiana);
28.Pacaraima (Roraima) com Santa Elena de Uairén (Venezuela);
27.Tabatinga (Amazonas) com Letícia (Colômbia); 26.Santa Rosa
do Purus (Acre) com Santa Rosa (Peru); 25.Assis Brasil (Acre) com
Bolpebra (Bolívia) e Iñapari (Peru); 24.Epitaciolândia (Acre) com
Cobija (Bolívia); 23.Brasiléia (Acre) com Cobija (Bolívia); 22.Guajará-
Mirim (Rondônia) com Guayaramerín (Bolívia); 21.Corumbá (Mato
Grosso do Sul) com Puerto Suarez (Bolívia); 20.Porto Murtinho (Mato
Grosso do Sul) com Puerto Palma Chica (Paraguai); 19.Bela Vista
(Mato Grosso do Sul) com Bella Vista (Paraguai); 18.Ponta Porã (Mato
Grosso Sul) com Pedro Juan Caballero (Paraguai); 17.Coronel Sapucaia
(Mato Grosso do Sul) com Capitan Bado (Paraguai); 16.Paranhos (Mato
Grosso do Sul) com Ypeju (Paraguai); 15.Mundo Novo (Mato Grosso
do Sul) com Salto de Guayra (Paraguai); 14.Guaíra (Paraná) com Salto
del Guayra (Paraguai); 13.Foz do Iguaçu (Paraná) com Puerto Iguazu
(Argentina) e Ciudad Del Este (Paraguai); 12.Barracão (Paraná) com
Bernardo de Irigoyen (Argentina); 11.Dionísio Cerqueira (Santa
Catarina) com Bernardo de Irigoyen (Argentina); 10.Porto Xavier (Rio
Grande do Sul) com San Javier (Argentina); 9.São Borja (Rio Grande
do Sul) com Santo Tomé (Argentina); 8.Itaqui (Rio Grande do Sul)
com Alvear (Argentina); 7.Uruguaiana (Rio Grande do Sul) com Paso
de Los Libres (Argentina); 6.Barra do Quaraí (Rio Grande do Sul) com
Bella Unión (Uruguai) e Monte Caseros (Argentina); 5.Quaraí (Rio
Grande do Sul) com Artigas (Uruguai); 4.Santana do Livramento (Rio
Grande do Sul) com Rivera (Uruguai); 3.Aceguá (Rio Grande do Sul)
com Aceguá (Uruguai); 2.Jaguarão (Rio Grande do Sul) com Rio Branco
(Uruguai); 1.Chuí (Rio Grande do Sul) com Chuy (Uruguai).

Posteriormente, a Portaria n.320, de 22 de julho de 2014, do


Ministério da Fazenda, eliminou 4 entre as 30 cidades gêmeas da
portaria anterior, destacando que essas 26 poderão ter regulação

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 111


aduaneira peculiar para os objetivos da lei de regulamentação das lojas
francas do lado brasileiro das fronteiras terrestres. As 4 cidades gêmeas
retiradas do elenco anterior, da portaria do Ministério da Integração
Nacional, são: 1.Santa Rosa do Purus (Acre) com Santa Rosa (Peru);
2.Coronel Sapucaia (Mato Grosso do Sul) com Capitan Bado (Paraguai);
3.Paranhos (Mato Grosso do Sul) com Ypeju (Paraguai); 4.Barracão
(Paraná) com Bernardo de Irigoyen (Argentina).

Dentre as 26 cidades gêmeas elencadas, apenas 6 são cidades


conurbadas de fronteira, com a metade delas concentrada no Rio
Grande do Sul, especificamente na fronteira do Brasil com o Uruguai:
6.Tabatinga (Amazonas) com Letícia (Colômbia); 5.Ponta Porã (Mato
Grosso do Sul) com Pedro Juan Caballero (Paraguai); 4.Dionísio
Cerqueira (Santa Catarina) com Bernardo de Irigoyen (Argentina);
3.Santana do Livramento (Rio Grande do Sul) com Rivera (Uruguai);
2.Aceguá (Rio Grande do Sul) com Aceguá (Uruguai); 1.Chuí (Rio
Grande do Sul) com Chuy (Uruguai).

Nas cidades conurbadas de fronteira, assim como nas cidades-


gêmeas que não são conurbadas, também é feito o controle do fluxo
de pessoas e mercadorias, mas ele é deslocado para fora da região
metropolitana binacional conurbada. Pela vista aérea, percebe-se uma
mesma malha urbana, mas, de fato, são duas cidades de dois Estados
diferentes situadas em um mesmo território compartilhado. No caso
das cidades gêmeas brasileiras não conurbadas, pode haver razoável
distância, separadas por rios com ou sem pontes entre as cidades, o que
diminui a intensidade da interação entre elas, dado que se exige, em
muitas situações, a travessia de barco entre uma cidade e outra. Além
disso, nas cidades gêmeas onde há rios e pontes, geralmente o controle
de pessoas e mercadorias ocorre na linha-limite, antes da travessia da
ponte internacional entre as duas cidades-gêmeas, o que representa,
num certo sentido, uma interrupção na interação binacional entre as
populações, diferente da situação das cidades conurbadas binacionais
onde não há interrupção territorial e há fluxo contínuo de pessoas e
mercadorias, interação sem interrupção uma vez que, como destacamos,
o controle de pessoas e mercadorias é deslocado para fora da região
conurbada internacional compartilhada pelas populações dos dois
Estados das duas cidades binacionais lindeiras.

112 - FÁBIO RÉGIO BENTO -


Portanto, o processo de integração binacional de base é favorecido
pela intensidade de interação entre as populações das cidades conurbadas
de fronteira, diferente do que ocorre entre as cidades-gêmeas separadas
por acidentes geográficos e com controles de Estado na linha-limite de
fronteira. Porém, por sua vez, tal processo de integração-interação de
base é mais intenso entre as populações das cidades-gêmeas de fronteira,
não conurbadas, se comparadas às cidades da faixa de fronteira que não
são cidades-gêmeas e podem se encontrar a 150 quilômetros da linha-
limite de fronteira.

CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS

A integração de fato nas cidades integradas da fronteira brasileira


é uma realização das próprias fronteiras, que o fizeram sem a ajuda do
miolo do Estado. Dessa forma, a política externa integracionista do
Estado e o cenário internacional mais favorável à integração regional
serviram apenas para o reconhecimento dessa experiência de integração
de fato que lhes é anterior.

Integração não significa anulação de identidade, uniformização,


mas estado-processo de unidade na diversidade dos sujeitos (BENTO,
2013, p.19-23). Em linhas gerais, pelo que se observa nas cidades
conurbadas de fronteira do estado do Rio Grande do Sul, caracterizadas
pela unidade na diversidade, chega-se à conclusão aberta de que os
motivos da integração de base entre as populações de tais cidades
conurbadas de fronteira são, sobretudo, motivos fáticos, materiais,
ou seja, tal integração não é consequência de projetos (ideais) de
integração, não é consequência de uma metafísica da integração, mas
consequência da ausência de acidentes geográficos. Isso possibilita
fluxo contínuo de pessoas e mercadorias e resultado da necessidade
fática de sobrevivência econômica das populações binacionais
dessas cidades de fronteira, que se encontram distantes dos centros
administrativos de seus respectivos Estados de pertencimento.

No caso de Santana do Livramento (Brasil) e Rivera (Uruguai), além


do fator geográfico e econômico-comercial, a integração de fato entre as
populações das duas cidades é condicionada também pela experiência
dos casamentos binacionais, com a criação ao longo do século passado

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 113


de famílias fronteiriças onde os filhos e netos dessas uniões mistas
binacionais se consideram mais brasileiros ou mais uruguaios, ou seja,
carregam em si (identidade fronteiriça) as duas nacionalidades, mesmo
com a identificação de dosagens diferentes (Ibidem, p.72).

Assim, as cidades integradas de fronteira, mesmo involuntariamente,


são cidades de vanguarda do ponto de vista dos hodiernos interesses
integracionistas do Estado, pelos resultados que produziram ao longo
de décadas em termos de integração de fato. Cabe saber se o miolo
do Estado saberá valorizar e promover concretamente essa produção
sociocultural, política e econômica das cidades integradas da fronteira
brasileira. Porém, com ou sem o apoio institucional do Estado, as
cidades de fronteira continuarão realizando o que já fazem há décadas
sem o apoio do Estado: a prática cotidiana da integração fronteiriça
como instrumento fático de existência, ou mesmo de sobrevivência.

REFERÊNCIAS
ASEFF, Marlon. Retratos do exílio: solidariedade e resistência na fronteira. Santa Cruz do
Sul: Edunisc, 2009.
BENTO, Fábio Régio. Cidades de fronteira e integração sul-americana. Jundiaí: Paco
Editorial, 2013.
DABÈNE, Olivier. A América Latina no século XX. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.
DEBRAY, Régis. Éloge des frontières. Paris: Gallimard, 2010.
GARCIA, Fernando Cacciatore. Fronteira iluminada: história do povoamento, conquista e
limites do Rio Grande do Sul a partir do Tratado de Tordesilhas. Porto Alegre: Sulina, 2010.
HURREL, Andrew. O ressurgimento do regionalismo na política mundial. Contexto
Internacional, Rio de Janeiro, v.17, n.1, jan/jul. 1995, p.23-59.
JORGE, Arthur Guimarães de Araújo. Rio Branco e as fronteiras do Brasil. Brasília: Editorial
do Senado Federal, 1999.
MATTOS, Carlos de Meira. Geopolítica, v. 1. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2011.
MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL (MI). Proposta de reestruturação do
programa de desenvolvimento da faixa de fronteira. Brasília: 2005.
PUCCI, Adriano Silva. O estatuto da fronteira Brasil-Uruguai. Brasília: FUNAG, 2010.
SÁNCHEZ, Andrea Quadrelli. A fronteira inevitável: um estudo sobre as cidades de fronteira de
Rivera (Uruguai) e Santana do Livramento (Brasil). Porto Alegre: UFRGS, 2002 (tese doutoral).
STEIMAN, Rebeca; MACHADO, Lia Osório. Limites e fronteiras internacionais: uma
discussão histórico-geográfica. Rio de Janeiro: Grupo RETIS, 2002. Disponível em:
http://www.retis.igeo.ufrj.br/producao/artigos/limites-e-fronteiras-internacionais-uma-
discuss%c3%a3o-hist%c3%b3rico-geogr%c3%a1fica/#.U-jQiWq5fIU Acesso em: 11 ago. 2014.

114 - FÁBIO RÉGIO BENTO -


Capítulo 6
COOPERAÇÃO EM SAÚDE NAS
FRONTEIRAS:
os entes subnacionais e o
desenvolvimento do SIS-Fronteira
Márcio Augusto Scherma*
Sara Solange Alves Ferraz**

TEORIAS, COOPERAÇÃO E INTEGRAÇÃO

Quando do surgimento do estudo acadêmico das relações


internacionais, o liberalismo foi a primeira corrente de pensamento
a ganhar força. O liberalismo baseou sua visão das relações entre
Estados no pensamento de autores clássicos, tais como Immanuel
Kant e Hugo Grotius.

O pressuposto mais importante, para esta escola, é que o ser


humano é racional e que, a partir desta racionalidade, as relações
sociais seriam transformadas gradualmente em benefício da própria
humanidade, acabando com as mazelas que afligem o mundo, inclusive
com as guerras.

* Professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande


Dourados. Doutor em Relações Internacionais pela UNICAMP.
** Graduada em Relações Internacionais pelo Centro Universitário IESB/DF.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 115


Desta forma, os mecanismos que podem representar o progresso
da sociedade internacional anárquica até uma forma mais regulada
em direção à paz, recebem atenção especial. Como exemplos, temos o
direito internacional e as organizações internacionais.

A partir do pós–Primeira Guerra Mundial, as ideias liberais que


tiveram o presidente americano Woodrow Wilson como principal
expoente, tomam conta do pensamento sobre as relações internacionais,
e chegam a materializar-se, como no caso da Liga das Nações.

A crise dos anos 30 e a Segunda Guerra colocam em xeque o poder


pacificador destas organizações, e a ordem bipolar da Guerra Fria deixa
em segundo plano as tentativas de cooperação entre os países. Nesta
realidade conflituosa, tem grande crédito a visão realista acerca das
relações internacionais.

Assim, dentre as correntes teóricas utilizadas como instrumentos


de análise para as relações internacionais, o realismo torna-se a teoria
preponderante, uma vez que permite compreender as relações de uma
época marcada por grandes conflitos, em que o papel do Estado esteve
centrado na manutenção de poder como forma de garantir a sua própria
sobrevivência

Na discussão sobre garantia desta sobrevivência, a perspectiva


realista considera os Estados como a unidade fundamental de análise,
uma vez que após a Paz de Westphalia, estes são os entes soberanos
responsáveis por exercer a diplomacia, tratar sobre assuntos de guerra,
assim como tratar de impedi-las, fazendo uso principalmente de tratados
firmados entre Estados.

Ao definir o Estado como um ator racional, o realismo defende


que este, por meio de seus formuladores de política, é capaz de definir
objetivos alcançáveis, de maneira a maximizar os resultados positivos
que visem o interesse nacional. Como consequência, “o processo
político era visto como uma luta pelo poder, e a primazia era dada a
assuntos relacionados ao uso da capacidade militar e sua influência
sobre a estruturação da ordem mundial” (CASTRO, 2001, p. 19),

116 - MÁRCIO AUGUSTO SCHERMA | SARA SOLANGE ALVES FERRAZ -


fazendo com que a discussão sobre a política internacional se tornasse
sinônimo de discussão de assuntos de segurança internacional. Atrelada
a essa discussão, esta passa a ser fator determinante do debate teórico
realista, como principal fomentadora da paz e estabilidade da segurança
internacional, tornando-se a questão mais importante no debate
internacional dentro da visão realista.

A visão realista foi bastante eficaz em explicar a realidade durante


a bipolaridade da Guerra Fria, e justamente por isso, a teoria ocupou
o posto central na disciplina de Relações Internacionais durante este
período.

Entretanto, a internacionalização da economia, que vinha já


ocorrendo, tornou possível que considerações outras, privilegiando novos
vetores, adquirissem força explicativa, e ganhassem importância frente
às explicações realistas. Paralelamente, outros atores, além dos Estados
(como as Organizações Não-Governamentais/ONGs, mídia e opinião
pública etc), passaram a desempenhar papel significativo, chocando-se
contra o pressuposto estatocêntrico do realismo.

Assim, as mudanças que emergem com maior força, sobretudo


a partir da década de 1970, levam a uma reestruturação das teorias
liberais nas relações internacionais. Motivada por explicar a cooperação
crescente no mundo, a crítica dos liberais ao realismo inclui, ainda o
fato de que, para os últimos, os Estados (atores racionais) não discutem
a possibilidade de cooperação.

Atrelada ao liberalismo, a Teoria da interdependência destaca a


dependência mútua entre os atores, em situações nas quais ocorrem
efeitos recíprocos entre países ou entre atores em diferentes países, e é
capaz de compreender a atuação de novos atores no processo decisório,
sem excluir a importância e o papel do Estado.

“Interdependence, most simply defined, means mutual dependence.


Interdependence in world politics refers to situations characterized by
reciprocal effects among countries or among actors in different countries.
These effects often result from international transactions - flows of
money, goods, people and messages across international boundaries”
(KEOHANE;NYE, 2001: 07).

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 117


No mundo interdependente, a união de forças para aumentar
poder e competir em escala global também passa a ser um fenômeno
recorrente. O estabelecimento de regimes internacionais e de blocos
econômicos é decorrente dessas novas necessidades. Os países buscariam
parcerias para aumentar seu poder e se prevenir frente às implicações da
interdependência.

Desse modo, para os neoliberais, uma política de poder na era


da interdependência passa pela integração. Seja pelo pertencimento
a blocos econômicos ou a regimes transnacionais, a cooperação pode
ser uma maneira de angariar maior poder de barganha no sistema
internacional.

Nesse contexto, surgem novas perspectivas como a teoria


funcionalista, que busca explicar processos de integração como os que
deram origem à União Europeia. Acompanhando o desenvolvimento
das teorias de integração regional, a base do funcionalismo está em uma
sociedade internacional proporcionada pela criação das organizações
internacionais e sua influência no progresso (Arenal, 2002).

O funcionalismo, então, ganha espaço nessa discussão, uma vez que


questiona o papel do Estado como suficiente para suprir as necessidades da
humanidade, uma vez que como unidade política dominante no cenário
internacional, tem sua jurisdição limitada ao seu território, enquanto que
essas necessidades ultrapassam as fronteiras.

Conforme afirmaram Mariano e Mariano (2002, p. 55), ao


ultrapassar as fronteiras, “tendo como ponto de partida a iniciativa
burocrático-estatal, o processo iria se esparramando (spillover) para a
sociedade, criando uma dinâmica de reações, demandas e respostas,”
de maneira que torna-se fundamental para a tomada de decisões a
atuação de novos atores como grupos de interesses da sociedade e atores
subnacionais. Novamente segundo os autores:

[...]A sociedade não se limita apenas a respeitar os acordos feitos


entre os governos, buscando formas de melhor intervir e participar das

118 - MÁRCIO AUGUSTO SCHERMA | SARA SOLANGE ALVES FERRAZ -


negociações. Esse interesse proporciona ao processo de integração uma
dinâmica própria, tornando-o menos dependente da vontade política dos
governos. O spillover supõe a existência do núcleo funcional com capacidade
autônoma de provocar estímulos integracionistas, incorporando, ao
longo do tempo, novos atores e setores relevantes. Esse fenômeno ocorre
quando políticos e elites percebem que a integração pode produzir mais
benefícios econômicos do que sacrifícios e tentam por isso influenciar suas
instituições centrais. O núcleo funcional atrai apoio e amplia o processo ao
passar para os políticos e para as elites dominantes essa percepção positiva
da cooperação (MARIANO; MARIANO, 2002,p. 55)

Os neofuncionalistas partem do pressuposto de que a integração


regional é impulsionada pelos atores estatais que formariam o núcleo
funcional e, posteriormente, o efeito spillover seria inevitável ao
processo, alcançando a sociedade e criando uma dinâmica própria de
reações, demandas e respostas.

A PARADIPLOMACIA E A COOPERAÇÃO

O efeito de “transbordamento” que afetaria as relações


internacionais, iniciado por um processo de cooperação que pudesse
alcançar a integração de maneira intensa, teria como percurso natural a
descentralização, entendida como a transferência de poder central para os
níveis subnacionais de governo. O termo “paradiplomacia”, que surge em
meados de 1980, passa a abordar então a atuação dos entes subnacionais
no cenário internacional, tendo como base a chamada cooperação
descentralizada, ou, nas palavras de Bueno (2012, p. 6), as “atividades,
ações e programas de intercâmbio e cooperação que se estabeleçam entre
— e sob a iniciativa de — atores subnacionais constituintes de dois ou
mais diferentes estados nacionais”.

Um ente subnacional é uma organização formal com limites


territoriais, população e funções definidas. Conforme apontou Montecinos
(2005, p. 74) “(...) o estado subnacional pode ser visto como um conjunto
de elementos interdependentes, que integram e fazem a alocação de valores
em dada sociedade”. Ao mesmo tempo, o ente subnacional é integrante

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 119


de um sistema mais amplo, o nacional, que o limita e influencia nessa
função. Entendemos que essa esfera estatal está inserida em um sistema
mais abrangente, sendo, portanto, subsistema político que contribui para a
realização dos objetivos daquele.

Ao mesmo tempo em que a esfera subnacional garante o


funcionamento do sistema como um todo servindo à população sob
sua jurisdição, não é reconhecida, entretanto, como um ator válido
no direito internacional, tendo a necessidade de ser representada pelo
Estado ao qual está submetida.

Pensando na integração regional, as regiões de fronteira podem


ser consideradas como o primeiro nível de integração com os países
vizinhos. Nessas regiões, a integração é fenômeno inexorável, pois ali
ocorre em seu cotidiano operacional: no convívio do dia a dia, entre
pessoas, empresas, fluxos financeiros, culturais e simbólicos.

Assim, a cooperação subnacional tem se tornado essencial para


as relações nas fronteiras, uma vez que, pela proximidade terrestre e
facilidade de acesso, alguns assuntos exigem a atuação conjunta dos
representantes subnacionais que vivenciam a realidade fronteiriça. O
poder central, pela distância, e muitas vezes, pela lógica centralizadora
que ainda rege as relações intraestatais no Brasil, restringe a autonomia
desses entes, tornando lento esse processo de cooperação entre
seus vizinhos,. Mas devido ao crescimento de seu papel no processo
decisório, tem fomentado as discussões em busca de soluções para as
relações entre fronteiras, principalmente.

ENTENDENDO AS RELAÇÕES ENTRE FRONTEIRAS DO BRASIL

Para analisarmos o conceito de fronteira, é preciso recorrer à


geopolítica, disciplina que tem trabalhado com maior afinco o tema,
e que, portanto, tem sido a fonte conceitual para muitos acadêmicos e
policy makers.

Em primeiro lugar, é importante não confundir os conceitos de


limites e fronteiras. Quanto ao primeiro, Machado (1998, p.42) destaca que:

120 - MÁRCIO AUGUSTO SCHERMA | SARA SOLANGE ALVES FERRAZ -


A palavra limite, de origem latina, foi criada para designar o fim
daquilo que mantém coesa uma unidade político-territorial, ou seja,
sua ligação interna. Essa conotação política foi reforçada pelo moderno
conceito de Estado, onde a soberania corresponde a um processo absoluto
de territorialização.

O conceito de fronteira - derivado de front - por sua vez, indica


“o que está na frente”. Para Miyamoto (1995, p. 170), “as fronteiras, por
sua vez, não são linhas imóveis; elas são consideradas zonas entre um
e outro país. Os limites estão, portanto, nelas contidos.

O sueco Kjéllen apresenta ponto de vista organicista a respeito


do Estado e das fronteiras. Para o autor, o Estado é como um
“organismo vivo”. Assim, ele compara analogamente as fronteiras do
Estado à epiderme de um corpo vivo - é ela que recebe e transmite em
primeira mão todas as manifestações de poder emitidas ou dirigidas
ao “cérebro” estatal - destinadas ou vindas do exterior.

Como epiderme, a fronteira, ao mesmo tempo em que separa os


ambientes interno e externo, é o locus das trocas entre ambos. A partir
dessa lógica, alguns autores enxergam a existência de uma faixa de
fronteira, ou seja, um espaço territorial de transição, no qual convivem,
ainda, características físicas, políticas e sociais de ambos os lados.

No Brasil, a legislação utiliza o critério de faixa de fronteira.


Miyamoto (1995) apresenta uma evolução do tratamento jurídico que
define a extensão da faixa de fronteira, desde a Constituição de 1891 à
Lei n. 6.634/79, que definiu-a como um território de 150 quilômetros
a partir da linha limítrofe. Mattos também aponta números acerca da
faixa da fronteira:

O Brasil ocupa 8.514.876,599 km² de área, o equivalente a cerca de


47% de todo território sul-americano, sendo o quinto maior país do mundo
em área descontínua. Geograficamente, uma de suas características
principais é a vasta extensão de suas fronteiras, que totalizam 23.086
km, dos quais 15.791 km de fronteira terrestre e 7.367 km de fronteiras
marítimas (MEIRA MATTOS, 1990).

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 121


O país tem fronteiras com nove países sul-americanos e com
a Guiana francesa. Apenas dois países sul-americanos não fazem
fronteira com o Brasil: Equador e Chile. A região conhecida como
“faixa de fronteira” brasileira é uma faixa de 150 km de largura ao longo
dos 15.719 km da nossa fronteira terrestre, abarcando 11 Unidades da
Federação e 588 municípios. Nesta região vivem aproximadamente 10
milhões de habitantes (BRASIL, 2009).

A fronteira brasileira é resultante de um processo histórico que


tem por base a preocupação do Estado com a garantia de sua soberania
e independência nacional desde os tempos da Colônia. Historicamente,
o país tem demonstrado interesse pela região que envolve a fronteira,
ao buscar identificá-la como faixa de fronteira, e como tal, dotada de
complexidade e peculiaridades que a tornam especial em relação ao
restante do país.(BRASIL, 2010a, p. 11)

Ao tornar-se parte da estratégia de segurança e posteriormente


de defesa nacional (Furtado, 2013), como estratégia de controle do
território e devido às causalidades como principal fonte de ações ilegais
devidas ao fácil acesso, o foco estatal para a região passa a trabalhar
principalmente em cima da defesa do território contra as possíveis
ameaças externas e garantia de segurança da população (BRASIL, 2008).

Ao trabalhar com foco na segurança nacional, alguns setores


necessários para garantir a cidadania de uma população, passaram a
funcionar de maneira secundária, como o desenvolvimento econômico
social de toda a região, que tem como principal fonte de desenvolvimento
local, economia baseada na agricultura, no extrativismo, na pecuária e na
silvicultura, além da indústria, dependendo da região (BRASIL, 2009).
Como a densidade econômica varia de acordo com a produção regional,
assim como a suscetibilidade à indústria, a maioria dos municípios de
fronteira esta categorizada em microrregiões de economias estagnadas ou
menor desenvolvimento relativo, tendo sua variação entre as economias
dinâmicas e de baixa renda, raramente estando entre as microrregiões de
alta renda. Relacionado a esse fator econômico, é possível citar um dos
principais problemas da interação fronteiriça que é a estagnação econômica

122 - MÁRCIO AUGUSTO SCHERMA | SARA SOLANGE ALVES FERRAZ -


local acompanhada pela falta de empregos e a baixa qualificação profissional
dos trabalhadores da região.

O reconhecimento da fronteira como locus ímpar, bem como a nova


realidade material - sobretudo a partir da intensificação da integração
regional no cone sul da América com o Mercosul - influenciaram na
formulação de políticas brasileiras para a região de fronteira.

Sinais nesse sentido já aparecem durante o segundo governo do


Presidente Fernando Henrique Cardoso, do qual faziam parte programas
como “Desenvolvimento integrado e sustentável da região da grande
fronteira do Mercosul” e “Desenvolvimento social da faixa de fronteira”.
Estes programas reconhecem que se trata de uma área tradicionalmente
relegada a segundo plano nas políticas nacionais e que, justamente por
isso, apresentava um desenvolvimento socio-econômico mais baixo. No
governo Lula da Silva, essa tendência ganha força, e no PPA 2004-2007
é criado um programa específico para a faixa de fronteira brasileira, o
PDFF (Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira).

O programa (BRASIL, 2009, p. 10) prevê “O fortalecimento das


regiões de fronteira e de seus subespaços, envolvendo a Amazônia, a
região central e o Mercosul configura-se como uma oportunidade
de adquirir a competitividade necessária para o desenvolvimento
sustentável integrado com os países da América do Sul” . As diretrizes
básicas do Programa são:

“Definição de estratégias respeitando a diversidade da região;


associação da soberania com uma perspectiva de desenvolvimento e
integração da América do Sul; fortalecimento das condições de cidadania
para a população local e organização da sociedade civil; articulação do
programa com a nova Política de Desenvolvimento Regional.”

Questão relativas à saúde inserem-se no eixo “fortalecimento das


condições de cidadania para a população local” . Importante salientar
que, em se tratando das fronteiras brasileiras, a saúde ainda é um desafio,
tanto para controle epidemiológico como para o acesso à população

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 123


fronteiriça. Historicamente, as fronteiras brasileiras têm se tornado canal
para a transmissão de doenças das quais temos pouco controle e que
podem impactar, principalmente, a população local, sem excluir o risco
de um impacto nacional.

Quanto ao acesso à saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem se


tornado referência para os países vizinhos pelo seu caráter universal. Ao
alinhar essa universalidade ao aumento do fluxo de pessoas, somado ao fato
de que grande parte dos municípios brasileiros na região são considerados
de maior desenvolvimento relativo, não é difícil encontrar hospitais e
postos de saúde na fronteira sobrecarregados com o atendimento.

FRONTEIRA E SAÚDE NA AMÉRICA DO SUL: O SIS-FRONTEIRA

Nos anos recentes, a utilização dos serviços de saúde brasileiros


por cidadãos dos países vizinhos, tem se tornado uma preocupação cada
vez maior para as autoridades envolvidas, na medida em que o aumento
da demanda pode, potencialmente, contribuir para uma sobrecarga
do já deficiente sistema público de saúde nessas localidades. Segundo
Rodrigues Jr e Saldanha (2013, p. 13)

O fluxo migratório entre os países da América Latina sugere, na


proporção em que se observa cada vez mais aguda a sua participação,
como componente do aparente colapso do setor da saúde pública brasileira,
uma questão de difícil solução: levar a atenção à saúde de maneira a não
vulnerar o sistema de gestão local.

A situação chegou a esse ponto devido às próprias características


da fronteira: ainda que seja uma região que separa dois sistemas
político-jurídico-sociais distintos, a proximidade geográfica acaba por
aproximar aqueles que legalmente estão separados. A princípio, são
movimentos regionais, como os demais - é a especificidade da região de
fronteira que torna a situação mais problemática.

Este problema ocorre sempre que existe um diferencial entre


os serviços dos dois lados da fronteira. É natural que os cidadãos

124 - MÁRCIO AUGUSTO SCHERMA | SARA SOLANGE ALVES FERRAZ -


fronteiriços busquem ser atendidos onde o serviço é melhor, mais barato
(ou gratuito), ou ainda quando não existe oferta do seu lado

Em questão de infraestrutura, o desafio trata-se da desarticulação


entre as cidades fronteiriças, fazendo com que haja duplicidade de
serviços em determinados locais em detrimento de outras regiões com
falta de serviços de saúde, apontando para a necessidade de um sistema
que integre os dois países, além da falta de recursos.

Assim, uma maior articulação entre o Brasil e os países vizinhos


surgiu da necessidade de se desenvolver políticas específicas para a
região. Isso permitiu a criação de um sistema que funcionasse como
complementar ao Serviço Único de Saúde (SUS), que apesar de vigorar
com base na universalidade do acesso à saúde, tratou inicialmente das
fronteiras somente como alvo da vigilância sanitária.

Nesse contexto, o Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras


(SIS-Fronteira) foi criado em 20051 na intenção de possibilitar maior
integração nas ações de saúde e “contribuir para a organização e o
fortalecimento dos sistemas locais de saúde” (BRASIL, 2010b, p. 4) dos
municípios de fronteira.

Essa necessidade foi percebida a partir dos estudos coordenados


pelo Ministério da Integração Nacional, que mostraram a superlotação
como um dos principais problemas da saúde nas fronteiras. Vale lembrar
que os municípios brasileiros recebem repasses financeiros para a área
de saúde de acordo com seu contingente populacional. Na região de
fronteira, muitos estrangeiros acabam sendo atendidos pelo sistema
de saúde brasileiro, e estes não são contabilizados para o repasse de
recursos, que se torna, por conseguinte, insuficiente.

Entendeu-se, então, que o referido problema poderia ser minimizado


pela criação de um sistema que possibilitasse a compreensão plena da saúde
na região fronteiriça, por informações como: número de profissionais nas

1 Mesmo ano em que a Proposta de Reestruturação do Programa de Desenvolvimento


da Faixa de Fronteira é lançado, como uma das estratégias do governo vigente em est-
reitar as relações com os países sul-americanos.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 125


unidades de saúde, áreas de atendimento mais deficitárias, quantidade
de estrangeiros não contabilizados na população (informação essa que
influenciaria diretamente no valor do repasse público ao município),
entre tantas outras informações possíveis. Neste cenário complexo, o
SIS-Fronteira surge na tentativa de aumentar o controle sobre a situação
fronteiriça e possibilitar maior cobertura no atendimento da população
de fronteira.
[...], a implantação do Projeto SIS-Fronteira é um passo inicial
para o fortalecimento e a organização dos sistemas locais de saúde dos
municípios fronteiriços brasileiros, pois poderão racionalizar e melhor
planejar as ações de saúde em sua região, priorizando as áreas que
necessitam de maiores incentivos (BRASIL, 2010b, p. 5).

Assim, o projeto (SIS-Fronteira) tem duas características


principais: tem como alvo os municípios localizados no limite da
fronteira (121 municípios no total); e é necessária a expressa vontade
dos gestores municipais e estaduais para participação no projeto, através
da assinatura a do Termo de Adesão que serviria como garantia dos
repasses financeiros aos pactuados, além da criação de vínculo às etapas
do projeto. A adesão dos municípios é publicada no Diário Oficial da
União (BRASIL, 2010b).

O projeto SIS-Fronteira foi dividido em duas etapas e três fases de


execução, como forma de garantir sua implementação. As fases resumem-
se na divisão de tarefas, planejamento e implantação das ações, de maneira
que possibilite a execução do projeto e a garantia de resultados.

O Projeto compreende três fases de execução a serem realizadas em


cada município fronteiriço:
FASE I – Realização do Diagnóstico Local de Saúde quali-
quantitativo e elaboração do Plano Operacional Ações:[...]
FASE II – Qualificação da Gestão, de serviços e ações, e
implementação da Rede de Saúde nos municípios fronteiriços, conforme
Diagnóstico Local e Plano Operacional.
FASE III – Implantação de serviços e ações nos municípios
fronteiriços, conforme Diagnóstico Local e Plano Operacional.

126 - MÁRCIO AUGUSTO SCHERMA | SARA SOLANGE ALVES FERRAZ -


FIGURA 1
Linha que delimita os municípios participantes do SIS-Fronteira

Fonte: BRASIL, 2010b.

Como forma de monitorar e avaliar as ações, uma das estratégias


utilizadas foi a parceria com universidades por meio de convênios para
garantir a realização da Fase I, quando são elaborados o Diagnóstico
Local e o Plano Operacional a serem executados nas duas próximas fases.
Para as fases seguintes, além de encontros regionais para compartilhar
experiências, foi criado um sistema de informação chamado Sistema

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 127


de Gestão do Programa Nacional de Ações Integradas de Saúde nos
Territórios Diferenciados (Sigest), alimentado pelo gestor municipal
para monitoramento do recurso e alcance das metas.

Alinhados ao sistema, também foram criados, o Comitê


Permanente de Implementação e Acompanhamento das Ações Relativas
ao SIS-Fronteira e a Câmara Técnica de Assessoramento.

Os resultados de desempenho do SIS-Fronteira mostram que


a iniciativa, apesar de recente, está em efetivo progresso. Podem ser
considerados como pontos fortes desse sistema: a articulação além dos
entes subnacionais, a parceria com universidades no desenvolvimento
de pesquisas sobre a região, e a elaboração dos diagnósticos locais e de
planos operacionais, que permitem repasses financeiros baseados na
necessidade local.

Contudo, o sistema e a temática da cooperação em saúde


enfrentam, ainda, inúmeros desafios para avançar em resultados. Apesar
da estrutura criada pelos municípios de fronteira, que permite efetivar
resultados, eles ainda esbarram na autonomia estatal e na maneira como
lidam com as fronteiras.

O grande desafio enfrentado na busca pela América do Sul no que


tange à integração e à efetivação do SIS-Fronteira é a herança histórica
que vê as fronteiras unicamente como local de afirmação da soberania
nacional, que ainda encontra apoio entre policy makers da região. Apesar
dos resultados positivos via a atuação dos entes subnacionais e atores da
sociedade civil como as universidades, a autonomia desses atores ainda
é limitada pelo poder do Estado.

O Estado por sua vez, na busca pela defesa de sua soberania


(demonstrada ainda, pela insegurança e desconfiança frente aos demais), faz
com que, apesar do avanço no cenário regional, ainda exista desconfiança
entre os países sul-americanos. Muitos mostram-se relutantes em contribuir
com um sistema que, além de ser criação brasileira, pode torná-los de alguma
maneira vulneráveis e reduzidos em sua soberania, pelo acesso à informação
que esse sistema possa vir a ter.

128 - MÁRCIO AUGUSTO SCHERMA | SARA SOLANGE ALVES FERRAZ -


O SIS-Fronteira, para avançar em seus resultados, precisa fazer
com que um sistema integrado de informações seja alimentado pelos
Estados e seus municípios, com informações referentes à infraestrutura,
quantidade de atendimentos, medicamentos, serviços, entre outros
aspectos que possibilitem avaliar a situação de saúde local e buscar o
aprimoramento da saúde regional. Assim, através de um tratamento
peculiar, permitirá que as necessidades de cada região fronteiriça sejam
supridas de acordo com suas deficiências.

Para continuar funcionando e avançar em seus objetivos o projeto


encontra, assim, duas importantes dificuldades: a falta de recursos (a
região de fronteira ainda está longe de ser prioritária no direcionamento
de recursos) e a desconfiança dos Estados em alimentar um sistema
nacional de informações, que pode ser visto como uma maneira de ferir
a soberania nacional.

REFERÊNCIAS
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BRASIL. GRUPO DE TRABALHO INTERFEDERATIVO DE INTEGRAÇÃO
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Faixa de Fronteira. Disponível em: http://www.integracao.gov.br/c/document_library/get_
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FURTADO, Renata. Descobrindo a Faixa de Fronteira: A trajetória das elites organizacionais

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 129


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Direito do estrangeiro ao sistema único de saúde: um olhar para as fronteiras do MS. Campo
Grande: Editora da UFMS, 2013.

130 - MÁRCIO AUGUSTO SCHERMA | SARA SOLANGE ALVES FERRAZ -


Capítulo 7

POLÍTICAS PÚBLICAS DE FRONTEIRA:


a educação de base na integração
transfronteiriça em Ponta Porã
Lídia Maria Ribas*
Soraya Saab**

INTRODUÇÃO

Os gastos com as políticas públicas empregados na educação,


há muito têm levantado questionamentos, mormente quando
confrontados com o baixo desempenho nos exames avaliativos. Tal
situação, torna-se ainda mais delicada quando abordamos a educação
em cidades fronteiriças, onde, além dos problemas comuns, há o
enfrentamento da inserção de alunos estrangeiros no sistema de
ensino brasileiro.

* Mestre e Doutora em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica -


PUC de São Paulo. Pós-doutora em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade do
Museo Social da Argentina. Pesquisadora e professora na graduação e pós-graduação
da UNIDERP e da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, em Campo Grande/
MS. Líder do Grupo de Pesquisa CNPq - Direito, Políticas Públicas e Desenvolvimento
Sustentável. E-mail: limaribas@uol.com.br.
** Especialista em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pelo Complexo Educa-
cional Damásio de Jesus de Campo Grande/MS. Mestranda em Meio Ambiente e De-
senvolvimento Regional – Anhanguera, de Campo Grande/MS. Professora na gradu-
ação da FACSUL e da FCG. E-mail: sorayasaab@hotmail.com.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 131


É o que se verifica no município de Ponta Porã, que como é
fartamente sabido, deve desenvolver suas ações voltadas para a educação
visando, além do bom desempenho nos índices escolares, a integração
das crianças de Pedro Juan Caballero, que por força de acordos, oficiais
ou não, vêm estudar em nosso país.

Assim, o estudo busca verificar como a atuação do gestor público


pode melhorar a integração educacional nas cidades fronteiriças e
promover melhorias na educação base ou primária, bem como, as ações
necessárias para agregar definitivamente a realidade de relacionamento
internacional.

Como objetivo geral, foca-se o estudo no papel do Estado e o


fundamento constitucional no dever quanto à educação, contextualizado
com o aspecto de integração internacional, na estrutura organizacional
e na gestão política da região de fronteira. Especificamente, busca-se,
por meio de dados levantados junto ao Tribunal de Contas do Estado
de Mato Grosso do Sul, verificar os gastos públicos e os índices de
desenvolvimento na educação do município de Ponta Porã, e a partir
daí, identificar soluções para o problema apresentado.

A metodologia aplicada foi a bibliográfica exploratória, pautada


no estudo de doutrinas e publicações acerca da matéria, bem como nos
diplomas legais pertinentes ao estudo. A pesquisa de campo levou em
consideração índices oficiais de gastos e desempenho escolares aferidos
pelo Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul, bem como,
com dados levantados junto à Secretaria Municipal de Educação de
Ponta Porã.

A escolha do tema da pesquisa resulta da necessidade de


aperfeiçoamento das ações, para enfim, considerar uma realidade de
integração educacional de cidades fronteiriças, descortinando não
apenas o aspecto legal e social, mas também os reflexos nas ações do
gestor público em direção ao desenvolvimento local sustentável.

132 - LÍDIA MARIA RIBAS | SORAYA SAAB -


A REGIÃO DE FRONTEIRA E A EDUCAÇÃO

A região da Faixa de Fronteira brasileira, definida pela Constituição


Federal1 e a Lei Federal n. 6.634, de 02.05.1979, (Lei da Fronteira),
constitui-se em 150 km adentro, a partir do limite territorial com outros
dez países da América do Sul, ao longo de 15.719 km de extensão de
fronteira terrestre, o que corresponde a 27% do território brasileiro e
abrange 588 municípios de 11 Unidades da Federação (Pará, Amapá,
Roraima, Amazonas, Acre, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do
Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). A população estimada
é de dez milhões de habitantes. Desses, cerca de 84.000 encontram-se
em Ponta Porã (IBGE) e, do lado paraguaio, Pedro Juan Caballero com
aproximadamente 100.000 habitantes.

Cerca de 48% do território do estado de Mato Grosso do Sul


encontra-se nessa faixa de fronteira nacional e é o segundo estado em
número de cidades gêmeas (6)2, perdendo apenas para o Rio Grande
do Sul (10).

Na maior parte da região de fronteira, a divisa se estabelece por via


terrestre. Entre o Brasil e o Paraguai, nos municípios de Ponta Porã e Pedro
Juan Caballero o limite é dessa natureza, impondo-se como uma faixa que
desarmoniza a natureza contínua do território. A linha que divide os dois
países é tão tênue e de escassa demarcação, que facilmente alguém entra e
sai de um para o outro país sem se perceber de sua localização.

Situação diferente se apresenta na fronteira entre o município de


Foz do Iguaçu e Ciudad del Este onde o Rio Paraná separa duas porções
de terras bem delimitadas.

Em Ponta Porã – Pedro Juan Caballero, a população dos dois


países convive proximamente, uma vez que, por uma das diversas ruas
que unem os dois países, o acesso ao outro lado da fronteira não requer
maiores esforços, como se um único território fosse.

1 Art. 20, §2º CF/88.


2 Puerto Suarez/Corumbá, Puerto Palma Chica/Porto Murtinho, Bella Vista/Bela Vista,
Ponta Porã/Pedro Juan Caballero, Paranhos/Ype-Jhu, Capitan Bado/Coronel Sapucaia.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 133


Essa facilidade e o trânsito livre, nessas duas cidades, destituído
de qualquer exigência documental para a entrada e saída de ambos os
países, contribuem para o contato próximo entre paraguaios e brasileiros
e para a intensa relação econômica, financeira, cultural, linguística,
social, e também, educacional.

A linha de fronteira apenas divide territórios fictícios, que


apresentam dois lados de uma mesma realidade. Não é incomum
brasileiros com comércio em Pedro Juan Caballero e em Ponta Porã e vice-
versa. Brasileiros trabalhando em lojas paraguaias e paraguaios abrindo
contas em bancos no Brasil fazem parte da paisagem e do cotidiano. Do
ponto de vista econômico e por conta da oferta de produtos importados
e de “grife”, os preços praticados e o baixo valor de impostos do lado
paraguaio, são fatores que estimulam Pedro Juan Caballero a possuir um
comércio mais intenso, diversificado e convidativo às compras, mas que
sofre oscilações ao sabor da cotação do dólar no câmbio paralelo.

Tanto o Brasil como o Paraguai consideram a educação uma


questão de Estado, e seguem as diretrizes nacionais aplicáveis a qualquer
instituição de ensino do país. No entanto, o Brasil, de dimensões
continentais, sofre muito mais que o Paraguai, com o seu gigantismo e
com a aplicação de uma orientação única para Estados e municípios em
situação tão desuniforme.

Em estudo acerca do tema proposto, Tonetto e Pereira (2008)


concluíram, a partir de Censos Demográficos e Contagem Populacional,
segundo dados do IBGE, que muitos paraguaios buscam pela educação
brasileira, e que o número de estudantes matriculados no Ensino
Fundamental no Município de Ponta Porã é maior que o número de
habitantes que possuem faixa etária correspondente ao ensino de base.
Isso porque não existe controle da matrícula derivada do país vizinho.

Essa situação concretiza-se em um verdadeiro desafio para o


gestor público do Município de Ponta Porã, pois os gastos por aluno
ao ano, levam a uma situação financeira crítica e desanimadora, seja no
quadro atual ou na perspectiva para os próximos anos.

Segundo o Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso do


Sul, o gasto anual por aluno passou de R$ 1.756,44 para R$ 4.335,04,
em apenas 6 (seis) anos (2005-2011), evidenciando a necessidade de
políticas públicas voltadas ao enfrentamento dessa problemática.

134 - LÍDIA MARIA RIBAS | SORAYA SAAB -


Com exceção de Mundo Novo, que atingiu o gasto impressionante
R$ 5.336,12 por aluno em 2009, e de R$ 4.704,00 no ano de 2011,
Ponta Porã é o município que tem o maior gasto anual por aluno, bem
como o que apresentou maior aumento no passar dos anos. (TCE/MS,
2012, p. 99)

Diante dos altos investimentos, as taxas de desempenho da rede


municipal tem demonstrado significativa melhora ao longo dos últimos
anos, sendo que o percentual de abando e de reprovação reduziram,
respectivamente, de 3,5% para 0,5% e de 16,5% para 10,7%, em um
período de 5 (cinco) anos3. (TCE/MS, 2013, p. 132).

Em contrapartida, nesse mesmo período, foi verificado que a taxa


de aprovados da rede municipal subiu de 80,0% para 88,8%.

No que tange ao impacto financeiro foi apurado que, ainda que


os índices demonstrem a expressiva melhora no desempenho escolar e
a redução do índice de reprovação e abandono, os gastos continuam a
aumentar4 (TCE/MS, 2013, p. 133)

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB do


município de Ponta Porã, em pesquisa realizada no ano de 2011, estava
em 9º lugar no ranking do Estado, empatando com Pedro Gomes5.
(TCE/MS, 2012, pp. 31-32).

3 Em avaliação realizada pelo Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso do Sul, a fim
de verificar o insucesso escolar e estabelecer uma abordagem financeira sobre o assun-
to, constatou-se que no período compreendido entre 2007 e 2012 reduziu-se o número
de alunos reprovados ou que abandonaram os estudos, enquanto que o número de
aprovação aumentou, de 6.602 alunos em 2007 para 6.939 alunos em 2012.
4 Segundo os dados levantados pelo Tribunal de Contas, o gasto anual com reprovação e
abandono passou de R$ 3.776.556,23 para R$ 4.557.072,17 e o gasto anual em educação
passou de R$ 24.226.919,61 para R$ 51.185.623,19, isso em apenas 5 anos (período
compreendido entre 2007 e 2012).
5 Consoante pesquisa realizada pelo Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso do
Sul, o município de Ponta Porã estaria atrás somente dos municípios de Costa Rica,
Campo Grande, Vicentina, Naviraí, Nova Andradina, São Grabiel do Oeste, Terenos,
Água Clara, Bandeirantes, Rio Verde de Mato Grosso, Chapadão do Sul, Angélica,
Bataguassu, Maracaju, Itaporã e Paranaíba.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 135


O número de alunos matriculados na rede municipal de ensino de
Ponta Porã é outro fator importante para retratar a realidade do gestor
público e a necessidade de desenvolvimento de políticas públicas capazes
de viabilizar iniciativas para ampliação do desenvolvimento local.

Ponta Porã é o quinto município em número de alunos


matriculados, estando atrás apenas da capital, com aproximadamente
100.000 alunos, Dourados, Corumbá e Três Lagoas. (TCE/MS, 2012,
pp. 32-33).

Em 2013 foi realizada auditoria pelo Tribunal de Contas do Estado,


sob relatoria da Conselheira Marisa Joaquina Monteiro Serrano, com o
fim de examinar, pelo método de amostragem, o FUNDEB – Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização
dos Profissionais da Educação de Ponta Porã–MS, no período de janeiro
a dezembro de 20126.

O FUNDEB foi instituído pela Lei Municipal 3.521/07 e tem por


objetivo a manutenção e desenvolvimento da educação básica, com a
remuneração condigna dos profissionais da educação.

Constatou-se que a receita total do FUNDEB de Ponta Porã atingiu


em 2012 o valor de R$ 27.095.721,15, sendo que de acordo com o art.
22 da Lei Federal nº 11.494/2007, 60% devem, obrigatoriamente ser
destinados à remuneração dos profissionais do magistério da educação
básica em efetivo exercício na rede pública.

De acordo com essa auditoria, o Município de Ponta Porã investiu


aproximadamente 85% da receita do FUNDEB no pagamento dos
professores, e os altos investimentos comprovam, segundo dados fornecidos
pela Secretaria Municipal de Educação de Ponta Porã/MS, que a avaliação
do IDEB do Município, fundamentado em índices de aprovação, reprovação
e abandono escolar, foi positiva nos últimos anos.

6 Inspeção judicial do fundo municipal de manutenção e desenvolvimento da educa-


ção básica e de valorização dos profissionais da educação de Ponta Porã, processo nº.
13565/2013, de relatoria da Conselheira Marisa Joaquina Monteiro Serrano.

136 - LÍDIA MARIA RIBAS | SORAYA SAAB -


No que respeita aos gastos com aluno, apurou-se que no período
examinado (janeiro a dezembro de 2012), o gasto mensal foi de R$ 466,84
e anual de R$ 5.602,09, alcançando o maior índice dos últimos anos.

Os indicadores de proficiência apresentados no Sistema de


Avaliação da Educação da Rede Pública do Mato Grosso do Sul –
SAEMS/2011 demonstram elevada taxa de reprovação e evasão escolar
na faixa de fronteira, baixo nível de escolaridade da população, dentre
outros fatores, que destacam a necessidade de desenvolvimento de
ações e instrumentos pedagógicos, visando prevenir e reduzir a situação
de risco e de vulnerabilidade dos estudantes da faixa de fronteira.
(Secretaria de Estado do Meio Ambiente, do Planejamento, da Ciência
e Tecnologia – SEMAC).

Diante dessa diversidade é que o Brasil precisa de um grande


esforço para compreender as diferentes realidades existentes em seu
território, promovendo políticas públicas nacionais que sejam flexíveis
no seu planejamento, desenvolvimento e execução.

Cada Estado e município necessita levar em consideração a


realidade local, a sua geografia, a sua história, a sua língua, a sua dimensão
política, para que o aluno sinta-se inserido no contexto educacional, e
em harmonia com os demais colegas. No caso de Ponta Porã – Pedro
Juan Caballero, de respeito às diversidades culturais, tanto de brasileiros
quanto de paraguaios.

O multiculturalismo arraigado em Ponta Porã – Pedro Juan


Caballero é trazido à tona pela educação, repercutindo nos alunos para
criar uma identidade, uma visão de mundo onde culturas e hábitos se
confrontam para desenvolver uma própria.

Não são poucos os moradores que relatam que a fronteira é


onde Brasil e Paraguai se unem, mas onde, igualmente se repelem e se
excluem. Esse espaço, delimitado por normas jurídicas distintas, mas
que comungam de costumes distintos da nacional, geram sentimentos e
percepções diferentes para todos os seus habitantes e governantes.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 137


Portanto, harmonizar a diversidade da língua e dos costumes,
sem afrontar as diretrizes nacionais da educação constitui um desafio
permanente aos gestores, para que a integração seja uma realidade
que possa transformar o aprendizado em ferramenta de consolidação
e respeito ao multiculturalismo existente na região de fronteira Ponta
Porã – Pedro Juan Caballero e em mola propulsora do desenvolvimento,
local e regional, sustentável.

O PAPEL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA EDUCAÇÃO BASE OU


PRIMÁRIA

O Estado Democrático de Direito, consubstanciado no artigo


1º da Carta Republicana7, vincula o administrador público à garantia,
dentre muitos outros, do direito fundamental à educação, como
desdobramento de dois fundamentos constitucionais: da cidadania e da
dignidade da pessoa humana8.

Reforçando o compromisso do Estado Brasileiro, o art. 205 da


Constituição Federal preconiza que “a educação, direito de todos e dever
do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração
da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
E ainda, nas relações internacionais do Brasil, constitui-se entre
seus princípios, segundo o art. 4º, inc. IX, na “cooperação entre os
povos para o progresso da humanidade”, além do parágrafo único desse
dispositivo determinar que “A República Federativa do Brasil buscará
a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América
Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de
nações”.
No que diz respeito às relações internacionais, o pacto firmado entre
os países integrantes do Mercosul, possui como diretriz fundamental
a intensificação e a extensão da cooperação na educação básica dos

7 Art; 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados
e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito (...).
8 Incisos II e III do art. 1º da Constituição Federal.

138 - LÍDIA MARIA RIBAS | SORAYA SAAB -


países que compõem o MERCOSUL, fundamentais para o sucesso de
um processo de integração que leve à formação, não só de uma nova
entidade econômica, mas também de uma nova entidade cultural,
dotada de visão regional, que concilie as diferenças e que estimule as
concordâncias (SOUZA).

Neste contexto, não se pode olvidar da Carta do Milênio9 e dos


compromissos sociais, dos quais o Brasil foi signatário. Dos valores10
consubstanciados no texto, importa-nos o chamado Princípio da
Solidariedade, que segundo Ferrer é um “pacto que deve ser presente
diariamente, pois é o único capaz de transformar a natureza da atividade
humana. A solidariedade converte a ação dispersa em ação coletiva, o
privado em público”. (VEIGA JUNIOR, 2011)

Assim, o tratamento diferenciado para as questões educacionais de


fronteira constitui, ao mesmo tempo, fundamento e princípio, cuja inserção
na Constituição Federal torna obrigatória entre as funções do Estado.

A educação é um dos eixos do planejamento de desenvolvimento da


integração de fronteira no Estado do Mato Grosso do Sul. Talvez o mais
importante deles, capaz de expandir e firmar laços de interculturalidade
nas regiões de fronteira, e exercer fundamental papel no intercâmbio e
aproximação cultural e linguística dos países e etnias situadas na faixa
de fronteira.

O artigo 212 da Constituição Federal determina aos Estados e


Municípios a aplicação de, no mínimo, 25% da receita de impostos,
recursos próprios, em educação pública11.

9 A Declaração do Milênio é um documento produzido pela Organização das Nações


Unidas, resultante da Cúpula de Chefes de Estados e Governos dos países membros, de
6 a 8 de setembro de 2000, em Nova York, com a participação, sem precedentes, de 100
Chefes de Estado, 47 chefes de Governo, 3 Príncipes, 5 Vice-presidentes, 3 Primeiros
Ministros, 800 delegados e 5500 jornalistas durante a qual, firmaram compromissos
para serem assumidos no tocante ao desenvolvimento dos povos no respeito aos va-
lores e princípios, e no cumprimento dos objetivos-chave traçados.
10 São considerados valores fundamentais e essenciais às relações internacionais: liber-
dade, igualdade, solidariedade, tolerância, respeito pela natureza, responsabilidades
compartilhadas.
11 Os impostos da esfera municipal que formam a base de cálculo do artigo 212 da Consti-

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 139


As políticas voltadas para a educação sofreram mudanças
substanciais na década de 1990, com destaque à promulgação da
Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (Lei n. 9.394/1996)
- LDB, ampliando-se a obrigatoriedade da educação básica e a maior
responsabilização do Estado pela educação pública.

É certo, porém, que mesmo após 18 anos da promulgação da LDB,


o Brasil ainda não acertou o caminho correto para o sucesso escolar. As
políticas da educação devem ir além do cumprimento constitucional
de aplicação de percentual mínimo, alcançando questões extraescolares
que afetariam os resultados escolares e que devem estar sempre sendo
avaliadas, para que sejam efetivas.

Na região fronteiriça de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, deve-


se ainda ter o alcance das diferenças culturais, econômicas e sociais. É
fato que boa parte das crianças paraguaias deve trabalhar juntamente com
seus pais no comércio que movimenta a economia do país.

Como bem enfatiza a doutora Jacira do Valle Pereira:

No Brasil o tema da fronteira é pouco estudado nas Ciências Sociais


e, em especial, na Educação (FEDATTO, 1995; CITRINOVITZ, 1996;
PEREIRA, 2002; CENTENO, 2006), bem como pouco refletido nas políticas
públicas, em razão talvez da tradição institucional nacional brasileira em
relação às suas fronteiras, sejam elas simbólicas, políticas ou, como em
alguns casos, fruto do entrecruzamento das duas vertentes. É notório que
nos aspectos educativos da área de fronteira, até recentemente, tenham
sido tratadas políticas educacionais nacionais, regionais e locais de forma
unilateral e homogênea, sem considerar a singularidade fronteiriça, que
pressupõe, no mínimo, relações bilaterais. (PEREIRA, 2009, p. 54).

É certo que a integração educacional depende, sobretudo, da


questão cultural e social. Em importante estudo temático sobre Políticas

tuição são: IPTU, IRRF, ITBI, ISS, FPM, ITR, Ouro, ICMS Desoneração, ICMS, IPVA,
IPI Exportação, Multas/Juros de mora IPTU, Multas/Juros de mora ITBI, Multas/Juros
de mora ISS, Multas/Juros Dívida Ativa IPTU, Multas/Juros Dívida Ativa ITBI, Multas/
Juros Dívida Ativa ISS, Dívida Ativa IPTU, Dívida Ativa ITBI e Dívida Ativa ISS.

140 - LÍDIA MARIA RIBAS | SORAYA SAAB -


Públicas em educação, foram destacados elementos de suma importância
para o desenvolvimento educacional:
As dimensões extraescolares que afetariam os processos educativos
e os resultados escolares envolvem dois níveis:
1) a dimensão socioeconômica e cultural dos entes envolvidos –
concerne à influência do acúmulo de capital econômico, social e cultural
das famílias e dos estudantes no processo de ensino-aprendizagem e,
ainda, a necessidade do estabelecimento de políticas públicas e projetos
escolares para o enfrentamento de questões como fome, drogas, violência
etc.;
2) a dimensão dos direitos dos cidadãos e das obrigações do
Estado – que faz referência à ampliação da obrigatoriedade da
educação básica; à definição e garantia de padrões de qualidade,
incluindo a igualdade de condições para o acesso e permanência na
escola; à definição e efetivação de diretrizes nacionais para os diferentes
níveis etc.

No que se refere às dimensões intra-escolares, sua importância


se deve à sua influência direta nos processos de organização e gestão,
nas práticas curriculares, nos processos formativos, dentre outros. Estas
dimensões são apresentadas em quatro níveis: do sistema, da escola, do
professor e do aluno.

1) Nível do sistema: condições de oferta de ensino. Refere-se, dentre


outros aspectos, à garantia de instalações gerais adequadas aos padrões de
qualidade definidos pelo sistema nacional de educação em consonância
com a avaliação positiva dos usuários.

2) Nível da escola: gestão e organização do trabalho escolar. Trata


da estrutura organizacional compatível com a finalidade do trabalho
pedagógico.

3) Nível do professor: formação, profissionalização e ação


pedagógica. Relaciona-se ao perfil docente (titulação/qualificação
adequada ao exercício profissional), às formas de ingresso e condições
de trabalho adequadas e às políticas de formação e valorização do
pessoal docente.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 141


4) Nível do aluno: acesso, permanência e desempenho escolar.
Refere-se ao acesso e às condições de permanência adequadas à
diversidade socioeconômica e cultural, e à garantia de desempenho
satisfatório dos estudantes. (COSTA, 2011, pp 78-79)

Destarte, no desenvolvimento das políticas públicas de base deve


o gestor público observar, além do aspecto de aplicação orçamentária
e obrigatoriedade de prestação, questões afetas ao desempenho escolar
e os problemas sociais que estão por trás do processo educacional. No
caso em estudo, devem ainda, ser objeto de ações governamentais, a
integração cultural e social das crianças paraguaias, em busca da
efetividade e sustentabilidade da educação.

POLÍTICAS PÚBLICAS NA REGIÃO DE FRONTEIRA

Vastos são os conceitos empregados pela doutrina para as políticas


públicas. Emprestemo-las das lições de Norberto Bobbio (1998, p.
782) que as define como a “intervenção do Estado no ordenamento da
sociedade por meio de ações jurídicas, sociais e administrativas”. Nessa
perspectiva, a natureza jurídica seria um conjunto de atos.

Destarte, Políticas Públicas contextualizam a existência de


programas de ação, ou seja, por atividades coordenadas e que, devem
ser implementadas por meio de normas e ações que objetivem a
concretização das necessidades socialmente relevantes (CAVALCANTE
FILHO, 2013, p. 22).

Em nível macro, o Brasil desenvolve um Programa de Promoção


do Desenvolvimento da Faixa de Fronteira – PDFF, pelo Ministério da
Integração Regional, com o expresso reconhecimento da existência
de diferenças nas relações com os 10 (dez) países, em que a atuação
nessa faixa não pode ser unívoca, padronizada. (OBSERVATÓRIO
INTERNACIONAL SEBRAE, 2009)
No plano estadual foi instituído o Núcleo Regional de Integração da
Faixa de Fronteira do Estado do Mato Grosso do Sul - NFMS que busca
coordenar ações e propor medidas que buscam o desenvolvimento e
implementação de políticas públicas prioritárias para a região de fronteira.

142 - LÍDIA MARIA RIBAS | SORAYA SAAB -


Trata-se de plano de metas e ações, mas que ainda muito se
distancia de ser mais preciso e definido sobre os problemas que envolvem
as regiões de fronteira.12

Tem-se clara a necessidade de ações regionalizadas nas áreas de


saúde, meio ambiente, defesa civil, entre outras, onde o programa de
planejamento e sustentabilidade do desenvolvimento extrapola os
limites nacionais e envolve a articulação do Ministério das Relações
Exteriores, responsável pela política externa brasileira.

É nesse contexto que surgem as políticas públicas, que representam,


pois, a coordenação de meios ou conjunto de processos que são colocados
à disposição do Estado para a realização dos objetivos socialmente
relevantes e politicamente determinados (LIBERATTI, 2013, pp 89-90).

A efetivação do processo de escolha das políticas públicas encontra


seu fundamento na lei, cabendo ao legislador o papel de artífice da
fixação das políticas públicas necessárias à comunidade, para, a partir
daí, definir os critérios de preferência nas questões mais urgentes e
relevantes à população.

Insta destacar que a definição das referidas prioridades deverá levar


em consideração o aspecto financeiro, visto que sem o aporte de recursos
necessários, a execução dos serviços públicos fica comprometida.

Vanice Regina Lírio do Valle (2009, pp 142-143) atribuiu às políticas


públicas, importante caráter instrumental, definindo-as como quadros
normativos da atuação estatal, em busca do cumprimento da dimensão
objetiva dos direitos fundamentais, atentando-se sempre aos interesses de
uma coletividade de cidadãos e considerando a universalização do direito
fundamental, que não deve projetar-se na esfera do direito individual de
um cidadão em específico.

12 Decreto n. 13.303, de 22 de novembro de 2011 (NFMS), sob coordenação da Secretaria


de Estado de Meio Ambiente, do Planejamento, da Ciência e Tecnologia (SEMAC) e
da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário, da Produção, da Indústria, do
Comércio e do Turismo (SEPROTUR).

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 143


Com o objetivo de viabilizar a interculturalidade e favorecer as
relações internacionais econômicas bem como o crescimento das
cidades de fronteira, recentemente o Decreto Lei 1.455, de abril de
1976, teve seu texto alterado pela Lei nº 12.723/2012, que dispõe sobre
a autorização de instalação de lojas francas para a venda de mercadoria
nacional ou estrangeira contra pagamento em moeda nacional ou
estrangeira em Municípios caracterizados como cidades gêmeas de
cidades estrangeiras.

Trata-se justamente de política pública evidenciada na “conveniência


e oportunidade”, discricionariamente criada e implantada pelo poder
estatal para proporcionar maior integração transfronteiriça.

No que concerne às políticas públicas voltadas para a educação, deve


haver o enfrentamento de questões delicadas, como a evasão e o baixo
desempenho escolar. Aplicar o percentual mínimo constitucional não é
garantia de oferta de ensino igualitário e eficiente. Na região de fronteira,
menos ainda, pela multiplicação dos problemas culturais e da língua que
envolvem o aprendizado de estrangeiros no país.

Ao abordar o papel das políticas públicas no Estado Democrático


de Direito, Ronaldo Chadid (2013) destaca a importância do
desenvolvimento em consonância com o princípio constitucional da
eficiência:

Já as despesas em seguridade social, educação, saúde, cultura, ciência,


tecnologia, comunicação social, meio ambiente que formam o “núcleo
substancial do regime democrático”, constituem a base do investimento na
consecução da ordem social, e mais que isso, na afirmação dos alicerces para
o desenvolvimento do país. Nesse ponto é que as Políticas Públicas devem ser
exemplarmente geridas e dimensionadas. Bem diagnosticar as demandas e
necessidades, planejar os meios e disponibilizar os recursos adequados são
os objetivos a serem alcançados para o desenvolvimento dos direitos sociais
e para o incremento da efetividade e eficiência do gasto.

Conforme elucida o autor, o gasto público não alcança sua finalidade


se realizado sem o planejamento e o estudo consciente das necessidades

144 - LÍDIA MARIA RIBAS | SORAYA SAAB -


sociais. O sucesso na gestão das políticas públicas de educação dependerá,
pois, de primeiro conhecer as fragilidades existentes, para então pensar
nos programas a serem desenvolvidos. Verifica-se, no caso em apreço,
que o Município de Ponta Porã tem investido em seus alunos e obtido
bons resultados nos exames avaliativos, mas ainda precisa enfrentar os
problemas culturais e sociais para inserção das crianças paraguaias no
nosso sistema de ensino de modo efetivo.

AÇÕES DE INTEGRAÇÃO EDUCACIONAIS: POSSÍVEIS SOLUÇÕES

Em consonância com o estudo desenvolvido, fica evidente a


necessidade de implementação de políticas públicas voltadas para
a integração cultural na região fronteiriça estudada no contexto da
educação. Muitos problemas identificados são desdobramentos de
problemas culturais e éticos. Por outro lado, a pesquisa também
revelou a grande dificuldade que enfrenta o gestor público para o
desenvolvimento da educação do ponto de vista orçamentário.

É certo, portanto, que na gestão das políticas públicas de educação


na região de fronteira, devem ser observadas, além das preocupações
com os gastos e desempenhos escolares, questões atinentes à integração
cultural e social. Segundo Jacira do Valle Pereira, vivemos um período de
transição, que embora lento e burocrático, caminha para a instauração
de novas ações e interpretações na educação em áreas de fronteira, com
conteúdos integracionistas, visando a aproximação dos brasileiros com
seus vizinhos latino-americanos. Nesse contexto, há que se analisar:

a) a superação da visão nacionalista de cada país, quando os


conflitos bélicos são abordados numa perspectiva unilateral;
b) a necessidade de atividades na área de matemática em relação ao
câmbio financeiro entre países;
c) a ineficiência da segurança pública nos lindes brasileiros, que gera
exploração de pessoas e produtos;
d) a indiferença em relação aos conflitos; os estudantes se designam
com estigmas e estereótipos, resultando em preconceitos e discriminações;

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 145


e) a ênfase sobre as diferenças entre os países, ao invés de buscar as
semelhanças; isso acarreta distanciamento entre os países e o atraso na
consolidação da integração sul-americana;
f) a importância da análise dos fluxos, a exemplo dos deslocamentos
por estudantes residentes nos países vizinhos, que atravessam a linha de
fronteira para o lado brasileiro em busca de escolarização na Educação
Básica, bem como do fluxo em sentido inverso, no que tange à educação
superior e à pós-graduação, brasileiros procuram pelo ensino desses níveis
em instituições bolivianas e paraguaias, fugindo das avaliações propostas
pelas instituições de ensino superior do Brasil e, por último,
g) o intercâmbio entre escolas de fronteira (PEREIRA, 2009, p. 55).

Dos quesitos elencados pela autora, merece destaque especial


a questão da língua, um dos grandes desafios a ser superado na área
de fronteira. Acerca dessa questão, encontra-se em andamento no
município de Ponta Porã o Projeto Escola Bilíngue, que consiste em
uma troca semanal de professores, chamada de cruce. Em certo dia da
semana um professor paraguaio vai ao colégio brasileiro dar aula em
espanhol e guarani, enquanto um professor brasileiro vai ao colégio
paraguaio dar aula em português. Desde 2009, dois colégios participam
do programa: o “João Calvoso” (Ponta Porã) e o “Defensores Del Chaco”
(Pedro Juan). (FERRARO JUNIOR)
Merecem ainda, especial atenção por parte do poder público,
questões sociais, como o preconceito13, a exploração sexual, o trabalho
infantil e a violência familiar, descortinando possíveis problemas sociais
que culminam na evasão e no baixo desempenho.

13 Como bem elucidou Jacira do Valle Pereira (2009): “O grande desafio da escola na fron-
teira é investir na superação da discriminação e dar a conhecer a riqueza representada
pela diversidade etnocultural que compõe o patrimônio sociocultural brasileiro, valo-
rizando a trajetória particular dos grupos que compõem a sociedade. Nesse sentido,
a escola como local de diálogo, de convivência, é espaço privilegiado para o recon-
hecimento e respeito aos valores culturais que são valores universais, e as questões da
diversidade cultural ao serem tratadas como ética universal possibilitam um trabalho
ético na educação”.

146 - LÍDIA MARIA RIBAS | SORAYA SAAB -


Neste contexto, há que se considerar também que a sociedade e os
cidadãos, de maneira geral, não são mais apenas receptores das Políticas
Públicas. E muitos dos resultados esperados somente podem ser obtidos
de maneira eficiente com o trabalho conjunto da Administração Pública
e a sociedade, pela sua maior participação na definição das políticas
públicas, como atores envolvidos e empoderados no processo.

Assim, a eficiência no desenvolvimento das políticas públicas


voltadas para a educação na região estudada, dependerá da aplicação
do percentual mínimo da educação, com observância de dimensões
intraescolares, ou seja: instalações gerais adequadas aos padrões de
qualidade definidos pelo sistema nacional de educação em consonância
com a avaliação positiva dos usuários; gestão e organização do
trabalho escolar; formação, profissionalização e ação pedagógica,
consubstanciada na titulação/qualificação adequada ao exercício
profissional, às formas de ingresso e condições de trabalho adequadas
e às políticas de formação e valorização do pessoal docente; acesso,
permanência e desempenho escolar.

Sob o aspecto extraescolar, dependerá da formulação de ações


planejadas, visando à integração das crianças paraguaias no nosso
sistema educacional, em um primeiro momento com a integração
linguística e a solidificação da ética e do respeito com as crianças que
vêm estudar em nosso país.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sem a pretensão de aprofundar o estudo de cada um dos assuntos


que envolvem a questão da educação base na fronteira de Ponta Porã e
Pedro Juan Caballero, o estudo abordou aspectos inerentes à realidade
de fronteira no que condiz aos gastos públicos versus o desempenho
escolar; o papel do Estado e as relações internacionais que tangenciam o
tema; e as dificuldades encontradas para integração.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 147


A par de tais informações discutidas é possível vislumbrar uma
situação de necessário desenvolvimento das políticas públicas no assunto
que lhe é mais primordial: a integração cultural, pois os problemas
sociais que refletem diretamente na questão escolar (preconceito,
trabalho infantil, violência familiar, dentre outros) é um assunto ainda
pouco tratado e sem desenvolvimento de ações específicas por parte do
Poder Público.

Entretanto, em que pese a escassez de Convênios e a


superficialidade dos tratados, verifica-se que um grande número das
crianças matriculadas na rede municipal de ensino de Ponta Porã, são
paraguaias. E os gastos por aluno e o desempenho escolar, apontados
pelo Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul, mostram-se
satisfatórios frente aos demais municípios, mormente quanto àqueles
que não fazem fronteira com outros países.

Isso determina que para construir uma educação de qualidade para


as crianças que residem na área de fronteira brasileira internacional,
é preciso intensificar as relações internacionais, no que tange aos
Convênios e Tratados, e criar ações contundentes para integração
cultural.

Em que pese a ascensão da solidariedade como um princípio


ético/jurídico, como vem debatendo a doutrina e vem sendo perseguido
no Município de Ponta Porã, haja vista o esforço empreendido para
recepção dessas crianças em no ensino local, é extremamente relevante o
planejamento das políticas públicas educacionais a serem desenvolvidas
na região de fronteira, e a formalização das relações pode contribuir
enormemente para o processo.

Nesse particular aspecto, a partir da identificação dos problemas


ainda não solucionados para uma integração efetiva, é que deve haver
o diagnóstico das demandas e necessidades, para então se planejar as
ações educacionais e serem disponibilizados e alocados os recursos
públicos. Dessa forma, garante-se a boa ação do gestor público sob três
perspectivas: a garantia da eficiência das políticas públicas desenvolvidas,
o gasto correto e coerente do dinheiro público, o cumprimento do
papel no Estado na oferta de educação e na harmonia das relações

148 - LÍDIA MARIA RIBAS | SORAYA SAAB -


internacionais de modo efetivo e em favor do desenvolvimento local
sustentável.

REFERÊNCIAS:

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CHADID, Ronaldo. Os Tribunais de Contas e a Eficiências das Políticas Públicas. 2013.
Disponível em: http://www.tce.ms.gov.br/portal/lista_artigos/detalhes/161143. Acesso
em: 28 abr. 2014.
COSTA, Ana Sheila Fernandes e outros. Educação Básica no Brasil: Políticas públicas
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view/711/678. Acesso em: 25 abr. 2013.
FERRARO JUNIOR, Vicente Giaccaglini; BUITONI, Marísia Margarida Santiago. A
integração na fronteira seca: Ponta Porã (Brasil) e Pedro Juan Caballero (Paraguai).
Disponível em: www.pucsp.br/iniciacaocientifica/20encontro/.../vicente_ferraro.pdf.
Acesso em: 28 abr. 2014.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. http://www.
cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=500660. Acesso em 04 julho 2014.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
LIBERATTI, Wilson Donizeti. Políticas públicas no Estado constitucional. São Paulo:
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OBSERVATÓRIO INTERNACIONAL SEBRAE. Programa de Promoção do
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PEREIRA, Jacira do Valle. Diversidade cultural nas escolas de fronteiras internacionais:
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SECRETARIA DE ESTADO DO MEIO AMBIENTE, DO PLANEJAMENTO, DA CIÊNCIA
E TECNOLOGIA – SEMAC; SECRETARIA DE ESTADO DE DESENVOLVIMENTO
AGRÁRIO, DA PRODUÇÃO, DA INDÚSTRIA, DO COMÉRCIO E DO TURISMO -
SEPROTUR. Plano de Desenvolvimento e Integração de Faixa de Fronteira/MS. Disponível

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 149


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SOUZA, Paulo Renato. A educação no Mercosul. Disponível em: http://biblioteca.
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TONETTO, D.D.; PEREIRA, J.H.V. Fluxos e complementariedade nas cidades geminadas de
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Campo Grande: UFMS, 2008.
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VALLE, Vanice Regina Lídio do. Políticas públicas, direitos fundamentais e controle
judicial. Belo Horizonte: Fórum, 2009.
VEIGA JUNIOR, Celso Leal da; SILVA, Ildete Regina Vale. Sustentabilidade e fraternidade:
algumas reflexões a partir da proposta de um Direito Ambiental Planetário. Disponível
em: www.univali.br/direitoepolitica. Acesso 13 ago. 2014.

150 - LÍDIA MARIA RIBAS | SORAYA SAAB -


Capítulo 8

INTEGRACIÓN PRODUCTIVA
PARAGUAY - BRASIL:
Nuevos Pasos en el Relacionamiento
Bilateral

Gustavo Rojas de Cerqueira César*

INTRODUCCIÓN
Debido a su condición de mediterraneidad, el Paraguay resulta
ser un interesante ejemplo para analizar la integración regional y sus
determinantes. El Paraguay ha sido históricamente una economía
notablemente abierta con relación a las demás economías de América
del Sur. No obstante, los actores económicos del país han sido renuentes
en profundizar su integración hacia la región. La ampliación de la
oferta exportable y el avance del proceso de industrialización ha sido
tradicionalmente uno de sus principales escollos.

Este trabajo se propone a discutir el fortalecimiento de la


integración productiva entre Paraguay y Brasil. Inicialmente, son
presentados los antecedentes del modelo económico paraguayo y

* Centro de Análisis y Difusión de la Economía Paraguaya (CADEP)

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 151


sus vinculaciones con el Brasil. En un segundo momento, tras el
fortalecimiento de la democracia en ambos países, son evaluadas
las principales transformaciones institucionales llevadas a cabo por
Paraguay a lo largo de la última década, tanto en el plan interno como a
nivel bilateral y regional.

En la segunda parte de este documento, se busca describir las


motivaciones y características generales del emergente proceso inversor
brasileño en Paraguay y sus reflejos sobre el flujo de comercio bilateral.
Son analizadas con mayor detenimiento las inversiones en el sector
textil, donde Brasil se viene consolidando como importante mercado
para las exportaciones paraguayas. Finalmente, son presentadas las
conclusiones y prospectivas.

EL TRADICIONAL MODELO ECONÓMICO PARAGUAYO Y SUS


RELACIONES CON EL BRASIL

A lo largo de los últimos treinta años, la economía paraguaya se


ha desarrollado alrededor de tres pilares: la exportación de commodities
agrícolas, la venta de energía eléctrica a los países vecinos y el comercio
de reexportación o de triangulación. Las bases de este modelo económico
han sido originadas en los años setenta, concomitantemente con la
profundización de los lazos del régimen dictatorial del General Alfredo
Stroessner con la Dictadura Militar en Brasil. La firma del Tratado de Itaipú
(1973) fue precedida por la construcción del Puente de la Amistad (1959-
1965), promoviendo la apertura de nuevas vías de comunicación internas
hacia el este paraguayo y externa con el Brasil, ampliando la conectividad
del Paraguay con el mundo.

La histórica aproximación entre ambos gobiernos ha tenido una


incidencia crucial en el diseño del modelo de desarrollo paraguayo. En
primer lugar, la expansión de la agricultura empresarial de la soja con
los “brasiguayos” en la zona fronteriza con Brasil ha ampliado la escala
y la productividad de la agricultura conjuntamente con una mayor
especialización del perfil agroexportador de la economía paraguaya.
La aceleración de estos flujos migratorios a partir de los años ochenta
inicia una gradual dislocación de la población rural hacia los centros
urbanos en gestación.

152 - GUSTAVO ROJAS DE CERQUEIRA CÉSAR -


La más alta concentración fundiaria del mundo (Gini 0,93) se ha
constituido en el principal vector de exclusión y de conflictos sociales
de un modelo que tiene la tierra como principal capital generador de
riqueza. Según Galeano (2011), 2% de los propietarios respondieron
por 85% de las tierras agrícolas. Entre 1991 y 2008, las unidades rurales
de hasta 50 hectáreas presentaron una reducción de 28%, mientras que
las mayores de 500 hectáreas tuvieron un alta de 57%. Son 7,7 millones
de hectáreas (32% de las tierras arables y 19% del total del territorio) en
manos de propietarios extranjeros, 60% de los cuales correspondientes
a los sojeros “brasiguayos”. Hace una década, los brasileños residentes
representaban 7% del total de la población paraguaya. Paraguay es
el único destino de la inmigración brasileña en América del Sur en
continuo ascenso (Zambrano 2009).

En segundo lugar, el expresivo aumento de las exportaciones


agrícolas, particularmente de soja y algodón, teniendo a Brasil como
principal mercado de destino, ha sido acompañado por un significativo
incremento de las importaciones paraguayas. La mayor parte de
estas importaciones se constituía de bienes de consumo suntuario
provenientes del Este de Asia y de EEUU. Realizadas con altos índices
de ilegalidad, estas importaciones han tenido como destino final, vía
reexportaciones, los mercados de Brasil y Argentina.

En tercer lugar, la construcción de la Usina Hidroeléctrica


Binacional de Itaipú representando un influjo de capitales sin precedentes
en la historia de la economía paraguaya (Arce y Zárate 2011), pero el
ascenso del proceso de triangulación comercial terminó por inhibir
el crecimiento de las empresas nacidas y desarrolladas durante la
construcción de la usina. Sumado a esto, la construcción de la usina no
fue acompañada de la ampliación de la infraestructura de distribución
de la energía eléctrica, desaprovechando la oportunidad de canalizar
este recurso para la promoción de la industrialización (Masi 2011). Se
ha consolidado la paradoja del Paraguay ser el principal exportador
de energía hidroeléctrica del mundo, contando, al mismo tiempo, con
una matriz energética muy poco sostenible: 48% del total del consumo
interno aún proviene de la biomasa, 37% del petróleo y apenas 15% de
la energía eléctrica (Cerqueira César y Arce 2014).

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 153


La apertura hacia el Brasil fue un proceso planeado por la
dictadura de Stroessner, pero sus resultados no fueron orientados por
una estrategia coherente de desarrollo económico. Las rentas generadas
por la triangulación comercial y la expansión del sector agroexportador
fueron acumuladas por el sistema clientelista monopolístico imperante
en el Paraguay autoritario, sosteniendo la “institucionalización” de un
Estado depredador (Richards 2005; Setrini 2011).

La histórica ausencia de la promoción del proceso de


industrialización entre los objetivos de la política pública ha restringido
los pocos intentos a una incipiente iniciativa privada. Al contrario de
la mayoría de los países latinoamericanos, Paraguay no ha llevado a
cabo un proceso de industrialización por sustitución de importaciones
(ISI). Por un lado, eso ha resultado en un bajo desarrollo de la estructura
productiva. Por otro, le ha permitido disfrutar de relativa estabilidad
macroeconómica y bajo endeudamiento público. Antes que en las
ciudades, los ajustes más profundos del mercado laboral se dieron en
el campo, con la expulsión del campesinado y la profundización del
proceso de concentración de la tierra.

El modelo económico y la porosidad de sus fronteras habían


permitido la integración del Mercosur hacia dentro del Paraguay antes
mismo de la creación del bloque. En términos prácticos, la fundación
del Mercosur representaba la reducción de las barreras de ingresos de
productos nacionales paraguayos a los mercados vecinos. Sin embargo,
la baja densidad de su estructura productiva traía implícito el desafío
de la integración del Paraguay hacia fuera de sus fronteras, basado en
una mayor industrialización y exportación de bienes no tradicionales
(Arce 2010a).

EL SURGIMIENTO DE ENSAYOS DE TRANSFORMACIÓN DEL MODELO


ECONÓMICO

La emergencia de la democracia ha alterado muy lentamente


las características estructurales de la economía paraguaya: (i) bajo
nivel de capital humano e infraestructura; (ii) ausencia de una activa
política industrial; (iii) una de las cargas tributarias más bajas (12%/

154 - GUSTAVO ROJAS DE CERQUEIRA CÉSAR -


PIB) y regresivas del mundo, conjugada con alta evasión fiscal (OCDE/
CEPAL/CIAT 2014); (iv) bajo nivel de formación bruta de capital fijo
(17%/PIB); (v) elevada tasa de subempleo y bajo nivel de protección
social; (vi) concentración del crecimiento económico en el segmento
agroexportador y en la economía informal, demandantes de reducida
mano de obra y con limitados eslabonamientos con el resto de la
estructura productiva (Masi y Ruíz Díaz 2012).

El país se ha consolidado como cuarto mayor exportador


mundial de soja y séptimo de carne. Aún en 2013, 83% del total de las
exportaciones de productos nacionales siguen concentrándose alrededor
de los tradicionales complejos sojero-granero y cárnico, exponiendo la
economía paraguaya a niveles más elevados de crecimiento pero con
una volatilidad histórica.

La concentración fundiaria y la relación directa entre la posesión


de la tierra y el control económico y político son los orígenes de los
conflictos en el campo y de las anomalías sociales también en las
ciudades. El aumento de la dualidad entre la agricultura empresarial
y la agricultura familiar ha sido acompañado de una aceleración de la
migración rural-urbana. Hace apenas una década desde que la mayoría
de la población paraguaya ha pasado a residir en zonas urbanas. El
proceso de urbanización ha sido marcado por la expansión de los
cinturones de pobreza alrededor de las pequeñas ciudades del interior
(Vazquez 2011) y las zonas metropolitanas de Asunción y Ciudad del
Este, llevando millones de paraguayos a la inmigración (UNFPA 2013).

La asunción de Nicanor Duarte Frutos a la Presidencia en 2003


se dio en medio a elecciones inéditamente limpias y la búsqueda de
un gobierno de “concertación política” y compromiso democrático,
superando parcialmente la elevada instabilidad política, característica de
los anteriores gobiernos democráticos colorados. La mayor estabilidad
del ambiente político convergió con la ascensión histórica de los
términos de intercambio del comercio exterior paraguayo, permitiendo
recuperar el equilibrio externo y las cuentas fiscales.

Con relativo atraso con relación a los demás países de la región,


la llegada de un equipo económico con sólidas credenciales técnicas

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 155


destrabó el proceso de implementación de reformas estructurales,
iniciando una serie de reformas fiscales, tributarias y administrativas con
relativo éxito. La nueva administración buscaba implementar una visión
de mediano plazo con eje en el crecimiento con equidad (Borda 2006).
El Estudio sobre Desarrollo Económico Inclusivo en Paraguay (CEPAL
2013), elaborado en cooperación con el gobierno japonés, establece
las bases para la identificación del potencial de desarrollo de la cadena
agroindustrial y sus necesidades de articulación inter e intra-sectorial.

Como detalla Arce (2010a), el redireccionamiento externo del


modelo económico tuvo tres líneas de acción de orden institucional. En
primer lugar, la mejora de la competitividad internacional. La creación,
en 2004, de la Red de Inversiones y Exportaciones (REDIEX) ha abierto
canales para la interacción institucionalizada entre el sector público y
privado por medio de foros de competitividad sectorial, fomentando
la formación de cadenas industriales y clusters. A eso se ha sumado la
creación de la Ventanilla Única de Exportación, simplificando el proceso
de exportación.

En segundo lugar, la diversificación de las exportaciones. El uso


de incentivos fiscales ex ante (Ley 60/90, de Promoción de Inversiones,
la Ley de la Maquila, el Régimen de Materias Primas, el Régimen
Automotor Nacional y la creación de zonas francas) pasó a promover el
nacimiento de empresas exportadoras por medio de la exoneración de
los impuestos internos (renta, IVA entre otros) y de aranceles aduaneros,
pero sin ningún tipo de evaluación de la real eficacia de estos regímenes1.

Por fin, las medidas negociadas en el Mercosur, en su condición


de pequeña economía, han permitido al Paraguay seguir gozando de
una amplia lista de excepciones al Arancel Externo Común (AEC),
exonerando bienes de capital, insumos y materias primas para el sector
industrial. Pero, estas excepciones también han incluido a los bienes parte
de la triangulación comercial por medio del régimen de turismo. De esta
forma, se viene permitiendo la continuidad de la triangulación comercial
en coexistencia con el surgimiento de ensayos de un modelo productivo.

1 La ley 2421/04, de Adecuación Fiscal, redujo el impuesto a la renta sobre las empresas
de 30% a 10 % y mantuvo el nivel máximo del impuesto al valor agregado (IVA) en un
10 % igualmente. A pesar de haberse ampliado la base tributaria a partir de esta ley,
la presión tributaria en el Paraguay continúa siendo una de las más bajas de América
Latina (12% del PIB).

156 - GUSTAVO ROJAS DE CERQUEIRA CÉSAR -


Pese al relativo estancamiento registrado en los últimos años en el
comercio transfronterizo, la triangulación comercial sigue siendo una
variable decisiva en la definición del creciente nivel de importaciones de la
economía paraguaya, la de mayor apertura comercial en América del Sur
(74% del PIB) (Guillén 2012). Las reexportaciones siguen mostrándose
fundamentales para la manutención del superávit paraguayo en su balanza
comercial con el Mercosur.

GRÁFICO 1
Importación según usos: local o para triangulación (1991-2013)

Fuente: elaboración propia con datos del BCP y WEO-FMI.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 157


GRÁFICO 2
Balanza Comercial Real con el MERCOSUR (millones US$)

Fuente: Elaboración propia a partir de datos del BCP y OBEI-CADEP

CAMBIOS POLÍTICOS Y REDEFINICIÓN DE LAS RELACIONES


BILATERALES

La asunción de la administración Lula en Brasil se tradujo en


una revalorización de América del Sur como espacio de actuación de
la política exterior brasileña, rechazando la propuesta estadounidense
del Área de Libre Comercio de las Américas (ALCA) (Codas 2013).
Este movimiento fue acompañado del reconocimiento formal de la
existencia de asimetrías entre los país miembros del MERCOSUR
y de la constitución del Fondo para la Convergencia Estructural del
MERCOSUR (FOCEM), iniciativas propositivas de la diplomacia
paraguaya respaldadas por Brasilia.

Contando con US$ 100 millones anuales en aportes no


reembolsables, integrados en un 70% por Brasil, los recursos del FOCEM
pasaron a financiar obras de infraestructura de significativo impacto en
Paraguay. Estos recursos respondieron por 1/3 del total de los gastos de
capital asignados en la Ley de Presupuesto de 2011 (Cerqueira César y
Arce 2012). También ha inducido interesantes mejorías en la gestión

158 - GUSTAVO ROJAS DE CERQUEIRA CÉSAR -


presupuestaria paraguaya (Arce 2010b). Brasil se ha tornado el principal
prestador de cooperación internacional para el desarrollo del Paraguay
(Desiderá Neto 2014).

Más allá del FOCEM, la administración Duarte Frutos contó


con otras fuentes de financiamiento y cooperación brasileña para
la expansión de la economía paraguaya. En 2004, fue concluida la
construcción de la Ruta 10, uniendo el departamento de Canindeyú,
zona de expansión sojera limítrofe con el Brasil, a la red vial paraguaya,
obra financiada por el Banco Nacional de Desarrollo de Brasil (BNDES)
mediante préstamo de US$ 77 millones. En el año siguiente, ambos
gobiernos alcanzaron un importante entendimiento al elevar, de 4,0
para 5,1, el factor multiplicador del valor pagado por la cesión de la
energía paraguaya de Itaipú al Brasil. También se estableció un nuevo
indexador para la deuda de Itaipú. Estos entendimientos ampliaron la
disponibilidad de recursos del Tesoro paraguayo cuando se encontraba
en una delicada situación fiscal.

Espósito Neto y De Paula (2014) afirman que un nuevo paso se ha


dado en la cooperación bilateral entre 2006 y 2007. Durante este período,
Paraguay y Brasil han firmado decenas de acuerdos de cooperación
técnica para el desarrollo, buscando fortalecer las capacidades
paraguayas en agricultura empresarial y familiar (EMBRAPA),
biocombustibles, educación técnica (SENAI), administración pública
(ENAP) y cuestiones fundiarias (INCRA).

En el campo de la educación, se ha establecido una ampliación de


la cooperación en sus variados niveles, desde la educación básica hasta
posgrado. Paraguay es el país latinoamericano con el mayor número de
becarios de licenciatura beneficiados por el gobierno brasileño (IPEA/
ABC, 2013). La instalación de universidades federales en la zona de
frontera también ha sido parte de este esfuerzo.

Entre los acuerdos alcanzados durante este período también se


encuentra el Memorando de Entendimiento para la Promoción del
Comercio y de las Inversiones entre Paraguay y Brasil, estableciendo
la vigencia bilateral del Programa de Sustitución Competitiva de

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 159


Importaciones (PSCI). El entendimiento establece la difusión de
oportunidades de inversiones en Paraguay entre empresarios brasileños,
así como la identificación de instrumentos financieros que las viabilicen.
Se han realizado estudios de correspondencia de la oferta exportable
paraguaya en relación a la demanda brasileña (FUNCEX y MRE 2007),
identificando potenciales de expansión en confecciones y textiles,
plásticos, químicos, higiene y limpieza y rubros alimenticios.

Los avances en el relacionamiento bilateral fueron potenciados


con la histórica elección de Lugo en 2008, interrumpiendo seis décadas
de hegemonía del Partido Colorado en la Presidencia de la República.
La renegociación del Tratado de Itaipú había sido una de las principales
banderas electorales de Lugo, electo en una alianza entre movimientos
sociales (Alianza Patriótica para el Cambio) y el tradicional Partido
Liberal. Pese al “golpe parlamentario” sufrido en 2012, tras la masacre
de campesinos en Curuguaty, su gobierno representa un hito para el
proceso democrático paraguayo.

La firma de la Declaración Conjunta “Construyendo una Nueva


Etapa en el Relacionamiento Bilateral”, por Lula y Lugo, en julio de
2009, eleva el nivel del relacionamiento bilateral, estableciendo una
serie de decisiones históricas: (i) multiplica por tres el valor del factor
de corrección pagado por el Brasil como compensación por el excedente
de la energía de Itaipú no utilizada por el Paraguay; (ii) determina la
construcción de una línea de transmisión eléctrica de 500kv, la primera
de alta tensión, transportando la energía generada hasta Asunción,
ofreciendo condiciones básicas para el desarrollo industrial; y (iii)
refuerza la directriz de buscar aumentar y diversificar las exportaciones
paraguayas al Brasil, facilitando el acceso de productos con mayor valor
agregado y fomentando las inversiones brasileñas en el Paraguay (Rojas
y Arce 2009; Codas 2011).
El entendimiento eleva, de US$ 120 millones para US$ 360
millones, el valor recibido por la energía cedida al Brasil. Aunque
con serias deficiencias de ejecución, estos recursos extraordinarios
pasaron a ser canalizados a inversiones en infraestructura y capital

160 - GUSTAVO ROJAS DE CERQUEIRA CÉSAR -


humano. También se acordó que la línea de transmisión sería financiada
integralmente por Brasil, por medio de contribuciones obligatorias
unilaterales y voluntarias al FOCEM del orden de US$ 350 millones.

INTERNACIONALIZACIÓN Y COMPETITIVIDAD DE LA INDUSTRIA


BRASILEÑA

Durante la primera década del siglo XXI, Brasil ha asistido un


significativo crecimiento de las inversiones de empresas brasileñas
en el exterior. Se ha elevado la densidad y diversidad del proceso de
internacionalización, ampliando el número de empresas, sectores
y países de destino involucrados en este proceso (CNI 2013). La
internacionalización se ha tornado un inevitable vector de crecimiento
de las empresas brasileñas ante la creciente concurrencia internacional.

América del Sur se ha consolidado como un destino natural para


las inversiones brasileñas directas (IBD). La proximidad geográfica
y cultural y la diversidad de acuerdos comerciales suscriptos con los
países de la región son algunos de los determinantes de estos flujos. El
stock de la IBD en América del Sur ha aumentado significativamente
en los últimos años: de US$ 5,3 mil millones en el 2007 (4,7% del total)
a US$ 15,3 mil millones en el 2013 (5,6%) (BCB 2014), triplicando los
valores en apenas seis años.

La metodología utilizada por el Banco Central de Brasil no permite


identificar el destino final de la inversión, recabando apenas la “empresa
invertida inmediata”. La elevada presencia de paraísos fiscales o de países
que ofrecen beneficios fiscales específicos entre los destinos globales de
la IBD supone una sobreestimación del real proceso inversor brasileño
en la región. Al excluir estos países del cómputo, la participación de
América del Sur entre los destinos del IBD se eleva de 16% para 25% del
total. De acuerdo con FDC (2014), 76% de las multinacionales brasileñas
poseen presencia física en América del Sur, con mayoritaria presencia
del sector industrial. La región es el principal mercado externo de la
industria brasileña (Lima y Duarte 2013).

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 161


Kamiya (2014) destaca que el fortalecimiento de la construcción
de cadenas productivas con los países de la América del Sur ha pasado
a ser uno de los objetivos estratégicos de los recientes planes de política
industrial del Brasil. Desde el inicio de la crisis internacional, en 2008, el
sector industrial brasileño no ha logrado retomar su nivel de actividad
previo. El aumento de la competencia en los mercados internacionales ha
puesto en evidencia la perdida de competitividad del parque industrial
brasileño, recobrando la importancia de la promoción de la integración
productiva.

De Negri y Oliveira (2014) y Canuto et al (2013) apuntan


los siguientes factores entre las principales causas de la pérdida de
competitividad de la industria brasileña: (i) elevada carga y complejidad
del sistema tributario; (ii) reducción de la productividad del trabajador;
(iii) creciente costo de la mano de obra y del cumplimiento de la
regulación laboral; (iv) mal desempeño de los proveedores y elevado
costo de insumos, incluyendo energía; (v) apreciación cambiaria; (vi)
infraestructura deficitaria

Otros autores (Markwald 2014) resaltan los descompases entre


la estructura arancelaria y productiva, bien como el bajo grado de
apertura comercial, el más bajo entre los países del G-20, como factores
adicionales. La baja integración del Brasil a las cadenas globales de valor
(CGV) ha elevado la brecha de competitividad de la industria brasileña
con relación a países con estructuras productivas de similar dimensión.
Mientras las exportaciones brasileñas contienen en promedio apenas
10% de partes importadas, las importaciones de bienes finales poseen
25% de componentes importados (Parisi 2014).

No solo ha pasado a ser declinante la participación de los


manufacturados en la pauta de exportaciones brasileñas sino también
en el propio mercado interno. Ante los desafíos de competitividad
enfrentados por el sector industrial, las políticas de aliento a la demanda
han tenido baja eficacia en la tracción de la oferta local, desaguando
en una ascendente participación de manufacturas importadas en el
consumo doméstico.

162 - GUSTAVO ROJAS DE CERQUEIRA CÉSAR -


GRÁFICO 3
Aumento de los Importados Industriales en el Mercado Brasileño

Fuente: elaboración propia en base a FIESP

Para UNCTAD (1993), el efecto líquido de las inversiones


depende no apenas de cambios en los flujos de comercio, sino también
de la creación de nuevas ventajas competitivas por parte de las empresas
inversoras y países involucrados. La inversión extranjera directa (IED)
ni siempre es una elección y, en las circunstancias de concurrencia de
algunos mercados y productos, se transforma en una necesidad para
muchas firmas domésticas. La no realización de estas inversiones
puede ocasionar la pérdida del nivel de actividad de estas empresas,
resultando en impactos negativos sobre el empleo y la competitividad
de la economía del país emisor.

LAS INVERSIONES BRASILEÑAS DIRECTAS EN PARAGUAY

La atractividad del Paraguay se encuentra en sus reducidos costos de


producción y en el pragmatismo de su ambiente regulatorio. En relación
al Brasil y a la Argentina, presenta bajo costo de energía eléctrica, bajas
tasas impositivas, sistema tributario simplificado, amplia disponibilidad
de mano de obra, flexibilidad del régimen laboral, menor costo salarial,
bien como facilidades para la obtención de licencias y registros.
Su proximidad geográfica de los principales parques industriales y

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 163


mercados de consumo del Brasil tiende a reducir el tiempo y el costo de
transporte. Según la Confederación Nacional de la Industria de Brasil
(CNI), la carga tributaria es 50% más barata que en Brasil y la energía
eléctrica, un 65% menos (Época 2014). Paraguay ocupa la 109ª posición
entre los países con mayor facilidad para la realización de negocios, al
frente de Brasil (116º) y Argentina (126º) (IFC/Banco Mundial 2014).

Según el Banco Central del Paraguay, Brasil es la segunda principal


origen de la IED recibida por el país, con 17% del stock total, apenas por
detrás de los Estados Unidos (43%). El stock de la IBD en Paraguay ha
alcanzado US$ 854 millones en 2013, habiéndose elevado 250% desde
2007. La expansión de las inversiones brasileñas se ha dado en conjunto
con un rápido crecimiento global de los flujos de IED hacia Paraguay. En
apenas seis años, se ha triplicado el stock de IED.

TABLA 1
Stock de IED por Sector (en millones de US$)

IMPACTOS Y ESTRATEGIAS SECTORIALES DE LAS INVERSIONES


BRASILEÑAS DIRECTAS

Mientras las inversiones estadounidenses tienden a concentrarse


en el sector terciario, la IBD tiene un claro perfil secundario. Un reciente
estudio de Trepowski et al. (2014) identifica 32 empresas brasileñas
con inversiones en el sector productivo paraguayo. Casi todas estas
inversiones han sido ejecutadas a partir de 2008. Con excepción de
los frigoríficos y emprendimientos pioneros en curso en cemento y
metalurgia, se tratan de pequeñas y medianas empresas, con inversiones
iniciales del orden de US$ 1 millón a US$ 12 millones, que operan bajo
el régimen de maquila y concentran el envío de sus exportaciones en

164 - GUSTAVO ROJAS DE CERQUEIRA CÉSAR -


São Paulo (43% del total), Paraná y Santa Catarina (ambos con 14%).
En total, estas empresas exportaron US$ 205 millones al Brasil en 2013,
20% del total de las exportaciones paraguayas bilaterales.

GRÁFICO 4
Empresas Brasileñas Instaladas en Paraguay
Exportaciones al Brasil por Sector – 2013 (en millones de US$)

Fuente: Elaboración propia en base a Trepowski et al. (2014)

La IBD ha tenido un rol importante en el impulso de las


exportaciones paraguayas. Mientras 92% de las exportaciones cárnicas
hacia Brasil fueron realizadas por frigoríficos de capital brasileño, las
inversiones en los sectores de bienes no tradicionales respondieron, en
promedio, por 30% del total de estos envíos. Los sectores de calzados
(96%), químicos (36%), textiles y confecciones (33%) y plásticos (30%)
han sido aquellos sectores no tradicionales donde las empresas brasileñas
han tenido mayor peso en la creación de oferta exportable al Brasil.

Más allá del impacto directo de la IBD sobre los flujos comerciales
bilaterales, el dinamismo de la demanda brasileña viene desempeñando
un rol creciente en la consolidación de las exportaciones paraguayas
no tradicionales, más que compensando, incluso, la caída de las
exportaciones de estos sectores al mercado argentino (Cerqueira César
y Masi 2013). Entre 2006 y 2012, las exportaciones globales de productos
no tradicionales se elevaron 135%, de US$ 255 millones a US$ US$ 601
millones. Durante el mismo intervalo, la participación de Brasil como

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 165


mercado de destino se ha incrementado de 27% para 44% del total de
las exportaciones no tradicionales. Los envíos al Brasil se han elevado,
incluso, durante el período más grave de la crisis internacional, en 2009,
desempeñando un importante rol contracíclico para los segmentos no
tradicionales paraguayos.

GRÁFICO 5
Exportaciones Paraguayas No Tradicionales: Mundo vs. Brasil.
(Millones de US$)

Fuente: Elaboración propia a partir de datos del OBEI-CADEP

Bienes no tradicionales: Maquinarias y Equipos, Productos


Alimenticios, Productos del Cuero y Calzados, Productos Químicos,
Cauchos y Plásticos, Textil y Prendas de Vestir

ESTUDIO DE CASO SECTORIAL - EL SECTOR TEXTIL Y


CONFECCIONES2

Históricamente, el sector textil y confecciones ha sido el principal


segmento no tradicional de las exportaciones paraguayas. En 2013,
alcanzaron US$ 120 millones, 16% de las exportaciones no tradicionales,
pero apenas 1,6% de las exportaciones totales.
De acuerdo con el Censo Económico Nacional 2011, el sector está
conformado por 4.442 unidades económicas, correspondientes a 20%

2 Basado en Pena (2014: 1-55) y Trepowski et al. (2014: 1-106)

166 - GUSTAVO ROJAS DE CERQUEIRA CÉSAR -


del universo total de la industria manufacturera. En su conjunto, ocupan
a más de 12 mil personas, 11% de los empleos del sector manufacturero.
Sin embargo, apenas 60 empresas del sector textil y 12 de confecciones
poseen más de 50 empleados.

Entre 2005 y 2012, las exportaciones textiles paraguayas crecieron


de US$ 118 millones para US$ 155 millones. Más allá del valor, se
diversificaron, reduciendo la participación del algodón (de 70% para
30% del total) y ampliando la de las confecciones (NCM 61, 62 y 63),
de 20% para 50%. La alta volatilidad del precio del algodón pagado al
productor y la expansión de la frontera sojera redujeron la producción
algodonera, de 461 mil toneladas (1994/95) para 29 mil toneladas
(2011/12), con significativos impactos sobre el nivel de ocupación de la
agricultura campesina (80% de la producción algodonera se da en fincas
de hasta 10 hectáreas).

En el mismo intervalo, se ha ampliado, de 6% para 33%, la


participación del sector textil-confecciones dentro del total de las
exportaciones realizadas bajo el régimen de maquila3. Este sistema
impositivo-aduanero ha incrementado su participación, de 2% para
30% del total de las exportaciones textiles.

El crecimiento de las importaciones textiles (240%) ha sido


superior al de las exportaciones, elevándose de US$ 99 millones para
US$ 338 millones (3% del total de las importaciones). Al mismo
tiempo, se ha ampliado, de 30% para 45%, la participación de los
productos chinos en el total de las importaciones textiles, reduciendo
el share brasileño, de 40% para 25% del total. Se trata de un desvío de
comercio importante y de impacto directo sobre las posibilidades de
integración productiva bilateral. Entre 2009 y 2011, en promedio, 14%
del comercio sectorial bilateral se dio de forma intra-industrial, nivel
inferior al de la industria plástica y del caucho (38%) y sojera (32%).

3 Sistema impositivo aduanero que permite exención tributaria para la importación de


insumos y bienes de capital para producción local con finalidad de exportación; se paga
apenas una alícuota única de 1% sobre el valor agregado localmente.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 167


La mayor parte de las importaciones está constituida de denim,
tejido no producido en el país y utilizado en la elaboración de prendas de
jeans, principal producto de exportación en confecciones. A excepción
del forro interno de los pantalones, hecho de algodón, todos los demás
insumos del jeans son importados.

Con excepción de la pequeña producción de hilos de acrílico


de Hilopar, filial de la catarinense Fiobras, las otras nueve inversiones
brasileñas en el sector se destinan a confecciones, segmento intensivo
en mano de obra y energía, actuando bajo el régimen de maquila. En
2012, 76% del total de las exportaciones textiles de las maquiladoras se
dirigieron a Brasil, seguido por Argentina y Uruguay (10% cada uno).

Pese al reducido promedio de las inversiones iniciales (US$


1 millón), casi todas han incursionado por greenfield a partir de
2008, cuando la apreciación del real y la sobreoferta china pasaron
a reducir rápidamente sus márgenes de crecimiento en el mercado
brasileño (ver Gráfico 3). La inversión en Paraguay es vista como una
estrategia defensiva, motivada por la búsqueda de la preservación de
su participación en el mercado brasileño ante la creciente concurrencia
externa. Según un estudio realizado por la Federación de Industrias del
Estado de Sao Paulo (FIESP 2013), la confección de pantalones jeans en
Paraguay (US$ 5,7/unidad) posee un costo de producción 35% inferior
al de Brasil (US$ 7,7).

La mayor parte de las confecciones brasileñas son empresas cuyas


matrices son originarias de Santa Catarina, seguido por São Paulo.
Siete de las diez empresas brasileñas del sector se localizan en la región
fronteriza de Ciudad del Este, donde cuentan con gran disponibilidad
de mano de obra, proximidad geográfica, bajas cargas impositivas,
fluida utilización de regímenes aduaneros para insumos y proveimiento
eléctrico barato y continuo. Otra ventaja de la zona para las brasileñas es
la unidad del SENAI en Hernandarias, asistida por el SENAI Paraná, que
ofrece cursos técnicos de confección, informática, electricidad, metal-
mecánica, entre otros. A lo largo de más de una década, ha capacitado a
millares de trabajadores locales para los talleres brasileños.

168 - GUSTAVO ROJAS DE CERQUEIRA CÉSAR -


Apenas entre 2010 y 2012, las exportaciones paraguayas de
confecciones se elevaron 35%, de US$ 47,6 millones para US$ 64,1
millones. Las cinco principales confecciones de capital brasileño
(Cortinerias del Paraguay; Blue Design; IMPAR Paraguay; Quality
Cotton International; Vantex Paraguay) elevaron su participación en
las ventas externas de 42% para 47% del total, empleando directamente
a casi 1.000 personas, 16% del total de los empleos generados por
empresas de capital brasileño.

La paraguaya Manufacturas de Pilar, que responde por un tercio


de las exportaciones nacionales, es la única empresa local a abarcar
todos los segmentos de la cadena (fibras e hilados, manufacturas textiles
y confecciones). Ha fomentado la constitución de un clúster alrededor
de su unidad productiva, localizada en el departamento de Ñeembucú,
al suroeste del país, región de difícil acceso vial.

Al contrario de la mayoría de las confecciones brasileñas instaladas


en el país, que compiten por precio, Manufacturas del Pilar concentra
sus ventas en artículos de alta calidad, de sábanas para la brasileña
Buddemeyer, y de tejidos de alta gama para la confección local Blue
Design, out-sourcing de capitales brasileños integrante de la cadena
global de Zara.

El perfil de la inserción de Manufacturas del Pilar en la cadena de


valor la ha expuesto menos a las variaciones cambiales y más al nivel de
actividad de la economía brasileña. La reducción de la actividad de la
economía brasileña está afectando seriamente el nivel de producción
del principal conglomerado textil paraguayo, presión a la que se
ha sumado la trayectoria de apreciación del guaraní, reduciendo la
competitividad del tipo de cambio real a niveles que han obligado,
incluso a las maquilas, a revisar sus márgenes de ganancia.

Más allá de la importancia de prestar una mayor atención al nivel


de tipo de cambio real bilateral y sus diferentes grados de impacto sobre
maquiladoras y empresas con mayor nivel de integración local, existen
diversos espacios donde la cooperación bilateral público – privada

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 169


podría desempeñar un rol relevante en el desarrollo de la cadena
textil: (i) capacitación en diseño e innovaciones; (ii) acceso al crédito
para pequeños talleres; (iii) desarrollo de suministros locales (denim
y botones como candidatos iniciales); (iv) incursión en la cadena
de distribución brasileña a partir de marcas propias paraguayas; (v)
instalación de lavanderías; (vi) combate conjunto a la triangulación de
productos textiles; (vii) infraestructura vial y eléctrica.

CONCLUSIONES Y PROSPECTIVAS

Pese a su reducida dimensión económica, las elevadas tasas de


crecimiento registradas a lo largo de los últimos años por la economía
paraguaya están ampliando su peso en el comercio exterior industrial
brasileño. Paraguay ya es el cuarto principal destino de las exportaciones
industriales brasileñas (apenas detrás de EEUU, Argentina y Holanda),
constituyendo el más grande superávit comercial bilateral de la industria
brasileña (FIESP 2014). Pese al crecimiento expresivo del comercio
bilateral, desde 2008, China ha pasado a ser el principal origen de las
importaciones paraguayas, desplazando a Brasil.

La pauta de las exportaciones brasileñas aún se encuentra muy


vinculada a los agricultores brasileños. Casi la mitad de las exportaciones
brasileñas al Paraguay están compuestas de diesel, insumos, máquinas y
herramientas agrícolas, destinados a seguir ampliando la frontera sojera
(MDIC 2014). Estas ventas son alentadas por el Estado brasileño, que
las financia por medio del programa BNDES Exim. Al desconsiderar
sus impactos sociales y ambientales, la expansión de la frontera sojera
ha abierto las cicatrices de una sociedad marcada por sus desigualdades.

Diversificar esta pauta implica negociar un nuevo tipo de


asociatividad entre Paraguay y Brasil con mayor equidad. A lo largo
de la última década, al avance del proceso democrático paraguayo se
ha sumado el reconocimiento formal de las asimetrías, la ampliación
de la agenda de cooperación y la renegociación de las condiciones
económicas y administrativas de Itaipú, posibilitando el nacimiento de
una nueva etapa en el relacionamiento bilateral.

170 - GUSTAVO ROJAS DE CERQUEIRA CÉSAR -


Fortalecer las capacidades productivas del Paraguay constituye uno
de los ejes centrales de esta nueva etapa. Presionado por crecientes costos
de producción, el sector fabril brasileño ha pasado a ver al Paraguay
como un atrayente destino inversor. Estas inversiones están forjando un
incipiente proceso de industrialización que tiene a Brasil como principal
mercado. El gradual reemplazo del comercio de reexportación por
cadenas productivas transfronterizas es el objetivo a ser perseguido por
ambos países. Esto también debería ser acompañado de una redefinición
de la relación de los grupos agroempresariales brasileños con su entorno
y de su rol en esta nueva etapa del relacionamiento bilateral.

Ello implica profundizar la agenda de reformas del Estado


paraguayo, fortaleciendo sus capacidades y la progresividad de sus
políticas. En el plan de la política industrial, esto se debería traducir
en una mayor focalización en aquellos sectores con mayor capacidad
de generación de empleos y constitución de proveedores locales,
acompañado de una mayor diferenciación de los regímenes de incentivos
fiscales y de un monitoreo serio de la eficiencia de las exenciones. La
profundización de la cooperación bilateral en áreas como facilitación
del comercio, reconocimiento mutuo de normas técnicas, obras de
infraestructura, cooperación técnica y científica, entre otras, también
serían importantes catalizadores. En suma, la industrialización no solo
debería permitir una mayor competitividad para la industria brasileña
sino también el aumento de la densidad productiva y de la calidad del
empleo en Paraguay.

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174 - GUSTAVO ROJAS DE CERQUEIRA CÉSAR -


Capítulo 9

INICIATIVAS DE CONSERVAÇÃO
TRANSFRONTEIRIÇA NA AMAZÔNIA
BRASILEIRA:
gênese e evolução recente*

Rebeca Steiman**

O crescente interesse pelas áreas protegidas transfronteiriças,


assim como as questões que incidem sobre estas em diversas partes do
mundo são aqui discutidas. Ademais, apresenta-se critérios e tipologias
de tais áreas e um modelo preliminar de sua emergência.

A ABORDAGEM TRANSFRONTEIRIÇA DA GESTÃO DE RECURSOS


NATURAIS

Ao longo da última década, uma gama de organizações tem


ativamente promovido e financiado a criação de áreas protegidas
em zonas de fronteira. Tais áreas são, entusiasticamente, defendidas
como capazes de conservar ecossistemas que se espraiam pela
fronteiras políticas, e como ponto de partida para integrar esforços
mais amplos de cooperação regional entre países. Benefícios
adicionais da gestão integrada de complexos transfronteiriços de
áreas protegidas são igualmente destacados, tais como a possibilidade

* Uma primeira versão deste trabalho foi publicada na revista Para Onde?, v. 5, 2011.
** Professora adjunta do Departamento de Geografia da UFRJ. Pesquisadora e Vice- Líder
do Grupo RETIS/UFRJ

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 175


de conter a perda da biodiversidade, harmonizar práticas de manejo,
proteger rotas migratórias de espécies da fauna, estabelecer projetos
complementares de turismo e promover o intercâmbio de “melhores
práticas” entre países.

A abordagem transfronteiriça da gestão de recursos naturais não


é, todavia, um tema novo. Para países adjacentes, há muito tempo é clara
a necessidade de gestão conjunta de recursos hídricos, assim como de
cooperação no combate a incêndios ou à emissão de gases poluentes. É,
no entanto, mais na possibilidade de enfrentar ameaças transnacionais
que se apoiam as recentes iniciativas regionais de conservação
transfronteiriça.

Fortemente centradas na criação de áreas protegidas, tais


iniciativas partem da premissa de que o atrito entre a continuidade
ambiental e a descontinuidade política, constitui a maior dificuldade
para a conservação da integridade dos ecossistemas que essas áreas se
destinam a proteger. Isolados em “ilhas” protegidas, sujeitos a fortes
assimetrias de gestão, os ecossistemas transfronteiriços estariam
vulneráveis às mudanças climáticas, à degradação ambiental causada
pela implantação de grandes vias de comunicação e obras de infra-
estrutura e ao avanço, real ou potencial, de frentes de exploração de
recursos. Ressalta-se assim a função negativa da fronteira política, em
um raciocínio que explicita seu papel como barreira aos processos
ecológicos, à semelhança de outro raciocínio já consagrado, que destaca
o papel desta como barreira econômica.

Todavia válida, essa abordagem desconsidera que o papel


estratégico atribuído às fronteiras políticas, em muitos casos colaborou
para manter a relativa integridade dos ecossistemas adjacentes a limites
internacionais. Políticas restritivas, dentro de uma concepção defensiva
do território nacional, estabeleceram condições especiais para o uso e a
compra de terras e a realização de atividades econômicas, estabelecendo
graus reduzidos de permeabilidade às relações de troca e corroborando
para um povoamento esparso das regiões de fronteira. Não raro áreas
protegidas foram estabelecidas dentro desta concepção, como zonas-
tampão, na tentativa de assegurar a estabilização da linha de fronteira.

176 - REBECA STEIMAN -


A ênfase na fronteira política como obstáculo, e em sua não
coincidência com as fronteiras da natureza, é invariavelmente o
argumento mais mobilizado em prol do estabelecimento de áreas
protegidas transfronteiriças. Em decorrência, gera-se alguma confusão
entre a necessidade de coordenar a gestão de ecossistemas transpostos
por um limite político internacional e a percepção de erosão da
competência territorial das unidades soberanas envolvidas ou de
ingerência por terceiros países.

Na Amazônia Sul-americana, o rechaço pelo escopo transfronteiriço


de atividades de conservação contribuiu para abortar a implantação da
Iniciativa de Conservação da Bacia Amazônica (ABCI), um projeto
da United States Agency for International Development (USAID) e
organizações parceiras que previa intervenções multi-escalares para
responder a ameaças transnacionais aos ecossistemas fronteiriços.
Igualmente, contribuiu para que o termo “transfronteiriço” fosse
deliberadamente evitado pela Organização do Tratado de Cooperação
Amazônica (OTCA), em recente projeto com o Banco Mundial voltado
à identificação de sítios prioritários para conservação em zonas de
fronteira.

Nomeadamente transfronteiriços ou não, diversos projetos e


iniciativas de conservação em áreas protegidas na zona de fronteira da
Amazônia Sul-americana têm se beneficiado de crescente interesse e
aporte de recursos, quer para o intercâmbio de experiências entre duas
áreas protegidas fronteiriças ou para a implantação de grandes corredores
de biodiversidade. A possibilidade de angariar recursos internacionais
é, aliás, um dos incentivos para o desenvolvimento de iniciativas desse
tipo. Vale citar, por exemplo, o caso dos países da Comunidade Andina,
cuja Estratégia Regional de Biodiversidade assinala prioridade aos
ecossistemas fronteiriços e ao enfoque ecossistêmico na gestão de áreas
protegidas como uma via para se projetarem como um bloco regional
andino-amazônico. Detentor dos ‘maiores valores de biodiversidade do
mundo’, o bloco teria condições de capitalizar seu patrimônio natural, a
fim de alcançar liderança global no tema e obter recursos em magnitudes
correspondentes.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 177


O vigor renovado, com o qual vêm sendo tratadas as áreas
protegidas transfronteiriças, talvez decorra do fato de que sejam
um exemplo emblemático e oportuno de que as questões ambientais
transcendem as fronteiras políticas e fogem do escopo de cada soberania
nacional, reforçando a dimensão compartilhada dos problemas e
responsabilidades.

As áreas protegidas situadas ao longo de limites políticos


internacionais estão na ordem do dia do movimento conservacionista
global. Na última década, figuraram como temas recorrentes em grandes
congressos e em uma gama de pequenos encontros, simpósios e afins,
todos dedicados à discussão de conceitos, tipos e melhores práticas para
sua implementação.

O Congresso Mundial de Parques (World Parks Congress -


WPC ), maior arena internacional do movimento conservacionista,
1

de periodicidade decenal, recebeu em sua quinta edição, em 2003, o


nome de Benefits Beyond Boundaries. O encontro foi realizado na
África do Sul – país onde está em curso uma modalidade particular de
área protegida transfronteiriça, com a finalidade de aliar, aos objetivos
prioritários de conservação da biodiversidade, a promoção da paz e o
exercício de mecanismos de cooperação. Tal modalidade, chamada de
Peace Park, é mormente implantada entre países em situação de conflito
recente ou vigente. Por ocasião do congresso foi lançado um certificado
que concede status de excelência em cooperação a áreas protegidas
transfronteiriças na Europa (Transboundary Parks... following nature`s
design); os critérios básicos de avaliação foram anunciados como
passíveis de interpolação para outras regiões do mundo. Dois anos
antes, a International Association for the Study of the Commons, não
limitada a temas conservacionistas, promoveu nos Estados Unidos
uma conferência dedicada à gestão de tais áreas (Crossing boundaries
in park management: on the ground, in the mind, among disciplines). Em
2006, a prestigiada organização científica norte-americana, a Society
for Conservation Biology, na vigésima edição de sua conferência anual
concedeu grande destaque a essas áreas (Conservation without borders).

1 Desde a última edição em 2003, o evento passou a ser conhecido também como World
Congress on Protected Áreas (WCPA).

178 - REBECA STEIMAN -


Os nomes recebidos por esses fóruns sugerem a relevância e
o interesse que tais áreas têm despertado, com base no aumento do
número de áreas protegidas transfronteiriças, em todos os continentes.
Semelhante crescimento é reportado em listas de áreas protegidas
situadas ao longo do limite político internacional – produzidas desde
1988, a partir de esforços individuais e metodologias distintas. Trata-
se de listas sem status oficial e, apenas indiretamente apoiadas por
organizações como a IUCN e a UNEP, que cederam a pesquisadores o
acesso ao banco de dados mundial (World Database Protected Areas),
à exceção da última divulgada em 2007. O banco de dados mundial
(WDPA) fundamenta a lista mais abrangente de áreas protegidas,
produzida e publicada pela ONU, periodicamente. As listas em questão
padecem, portanto, das mesmas inconsistências de dados e variações
da lista original (tamanho mínimo, reconhecimento pela IUCN, falta
de informação), mas têm por elemento comum o critério básico de
incluir, em suas cinco edições (1988, 1997, 2001, 2005, 2007) duas ou
mais áreas protegidas, instituídas ou propostas, que convergem em um
ou mais limites políticos internacionais. A compilação das cinco edições
é apresentada a seguir.

TABELA 1
evolução e distribuição regional de áreas protegidas
transfronteiriças no mundo

* Inclui apenas parques nacionais.


Fonte: Steiman, 2008.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 179


A tabela 1 indica o fato de que, em cerca de vinte anos as áreas
protegidas transfronteiriças praticamente quadruplicaram em número.
Houve não só implantação de novas áreas protegidas, mas também
efetivação de propostas e fusão de complexos adjacentes, à medida que
muitas das áreas protegidas existentes foram ampliadas em direção ao
limite político internacional. Note-se também que o número de áreas
protegidas integrantes desses complexos aumentou sensivelmente em
poucos anos, não só pela criação de áreas protegidas no entorno das
existentes, mas por critérios mais abrangentes que incorporam áreas
próximas de segunda ordem (adjacentes ou próximas a áreas limítrofes)
em iniciativas de cooperação biorregional transfronteiriça.

Da mesma forma, não é estranho observar que essas áreas sejam


numericamente expressivas na Europa, continente onde predominam
países de pequena extensão relativa, e onde áreas protegidas facilmente
incidem próximas aos limites políticos. A iniciativa de implantar
semelhantes áreas ao longo de toda a antiga cortina de ferro contribuiu
bastante para o seu incremento numérico na região2. O crescimento
mais impressionante, no entanto, é observável na Ásia, na América
Latina e na África, onde de modo geral houve, no período, significativo
esforço para a instituição de áreas protegidas.

GRÁFICO 1
distribuição regional de áreas protegidas
transfronteiriças no mundo - 2007

Elaboração e organização: Rebeca Steiman, 2008.


Fonte: Steiman, 2008.

2 O projeto é denominado “The Green Belt of Europe” (Terry et al, 2006).

180 - REBECA STEIMAN -


No que concerne à extensão das áreas protegidas transfronteiriças,
a participação relativa da América do Norte se destaca especialmente por
envolver apenas três países e duas zonas de fronteira. Em ambas, o número
de áreas protegidas é importante, mas a área total desses conjuntos ao
norte é consideravelmente maior. Tal destaque também se aplica aos
níveis de cooperação, que são ali mais presentes e intensos do que em
outros continentes (Zbicz, 1999).

Não surpreende, no entanto que essas áreas protegidas


predominem em limites políticos compartilhados por dois países, e
raramente se instalem em fronteiras tripartites (13,7%). Ainda que
possam ser implementadas pelos Estados soberanos, por iniciativa
própria e sem qualquer grau de coordenação, é difícil imaginar que
mesmo assim possam prescindir de algum grau de conversação entre
governos e respectivos ministérios da defesa dos países vizinhos. Houve
também no período considerável aumento do número de países que
possuem áreas protegidas participantes de complexos transfronteiriços.

A criação de áreas protegidas transfronteiriças não representa


propriamente uma iniciativa contemporânea, pois as primeiras datam
do início do século XX. O marco histórico dessa tendência é situado pela
maioria dos autores na criação do Waterton-Glacier International Park
for Peace, em 1932, a partir de proposta pioneira endossada pelo Rotary
Club local, atuante em ambos os lados da fronteira entre Canadá e Estados
Unidos. Outros atribuem a primazia ao Albert National Park, primeiro
parque nacional da África, criado em 1925 nas montanhas Virungas,
entre as então colônias belgas de Ruanda-Burundi e Congo (Reyers,
2003). Para Chester (2006), no entanto, a inovação é europeia, uma vez
que a ideia original de uma área internacional dedicada à proteção da
cultura, da vida selvagem, da vegetação e da beleza cênica teria sido
esboçada, em 1924, em protocolo que visava resolver pendências
fronteiriças entre a Polônia e a então Tchecoslováquia (Protocolo
da Cracóvia). A idéia foi concretizada apenas dois meses depois da
designação do parque Waterton-Glacier, com o reconhecimento formal
de uma área protegida internacional entre os dois países, que congregava
o Polish Pieniny National Park e a Slovak National Natural Reserve.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 181


A esses exemplos, seguiram-se apenas alguns raros casos, pouco
tratados na literatura, embora tão recorrentes no momento atual. Em
que medida os Estados modernos, organizações multilaterais e não-
governamentais, desempenham papel indutor nesse crescimento,
não é possível determinar; porém o aumento expressivo de recursos
e projetos destinados a áreas protegidas transfronteiriças constituem
indícios do crescente interesse neste tipo de iniciativa. Três das maiores
organizações não-governamentais dedicadas à conservação da natureza
têm executado diretamente, ou através de parcerias com organizações
não-governamentais locais, inúmeros projetos em áreas protegidas
transfronteiriças ao redor do mundo, a saber: The World Wild Fund
for Nature (WWF), Conservation International (CI) e The Nature
Conservancy (TNC). Além de executarem projetos, essas organizações
canalizam recursos, promovem alianças e redes entre setores, e exercem
pressão para criação de áreas protegidas, que subsidiam via elaboração
dos estudos preliminares necessários para o processo legal de instituição.
Sua capacidade de captar e verter recursos, bem como sua crescente
influência, tem despertado insatisfação por parte de organizações locais
e/ou nacionais – sem condições de competir, como deixa explícito artigo
publicado em edição recente da conceituada revista Science3.

Áreas protegidas sob os auspícios das três organizações citadas –


as maiores entre as atuantes na América do Sul – têm sido chamadas de
áreas vips. Parcela importante das áreas protegidas que recebem apoio
de tais organizações situa-se em zonas de fronteira, especialmente como
integrantes de corredores binacionais de conservação.

Embora não constem do texto original da Convenção da


Diversidade Biológica (1992), as áreas protegidas transfronteiriças
ganharam relativo impulso quando foram incluídas no Programa de
Trabalho de Áreas Protegidas adotado pelas partes da convenção em
2004. A inclusão de provisões específicas no texto do programa é em
parte resultado do trabalho de uma força tarefa da Comissão Mundial
de Áreas Protegidas da IUCN especialmente dedicada à promoção de

3 RODRIGUEZ, J. P. et al. ENVIRONMENT: Globalization of conservation: a view from


the South. Science, v.317, 755-756, 2007.

182 - REBECA STEIMAN -


áreas protegidas transfronteiriças. O programa estabelece a colaboração
das partes com vistas ao estabelecimento e fortalecimento de tais áreas
até o prazo de 2010, para as terrestres, e 2012, para as marinhas.

Organizações multilaterais, acordos bilaterais e fundações privadas


figuram entre as principais fontes de recursos dos projetos acima
mencionados. Seus recursos também são destinados à estruturação e
à manutenção de sistemas nacionais de áreas protegidas na América
do Sul. É emblemático o caso do Peru, onde doações e transferências
externas foram responsáveis por 80% dos recursos utilizados para gerir
o sistema nacional de áreas protegidas, em 2005 (INRENA, 2007).

No caso particular das áreas protegidas transfronteiriças,


considerável apoio técnico e financeiro tem sido provido pelas seguintes
organizações, agências e países: IUCN, Banco Mundial, United Nations
Environmental Programme (UNEP); United Nations Educational;
Scientific and Cultural Organization (UNESCO); Organização Alemã
de Cooperação Técnica (GTZ); Internationale Weiterbildung und
Entwicklung gemeinnützige GmbH (InWent); Peace Parks Foundation;
International Tropical Timber Organization (ITTO); Governo da Itália;
Agência Suíça para o Desenvolvimento e a Cooperação; Europarc
Federation; entre outras.

Na América Latina, está em curso um projeto executado pela


organização não-governamental Pró-Natura, com recursos do Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), sobre oportunidades de
cooperação transfronteiriça. O projeto resultará em dez áreas prioritárias
para investimento, e em uma metodologia de seleção capaz de subsidiar
processos seletivos e investimentos futuros. Em parceria com o
mesmo banco, a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica
(OTCA) igualmente promoveu um levantamento de áreas protegidas
transfronteiriças, destacando cinco sítios prioritários passíveis de receber
apoio técnico e financeiro (Freitas, 2007). O levantamento é uma das
atividades do projeto Fortalecimiento de la Gestión Regional Conjunta
para el Aprovechamiento Sostenible de la Biodiversidad Amazónica. O
projeto tem um custo estimado de US$2.400.000, no qual o componente

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 183


dedicado às iniciativas de conservação transfronteiriça responde por
40% do orçamento.

Cada uma dessas organizações utiliza em suas publicações uma


concepção e um termo diferenciados para se referir às áreas protegidas
transfronteiriças. É interessante observar que estes últimos variam
também ao longo do tempo e de acordo com a região do mundo
a que se referem, mesmo em documentos oficiais de uma mesma
instituição. O mais recorrente é o termo inglês transboundary protected
area, usado sobretudo pela IUCN, a qual adquiriu papel regulador e
normatizador no movimento conservacionista. O termo foi traduzido
por aproximação neste trabalho como “área protegida transfronteiriça”.
Outros apresentam invariavelmente uma combinação dos termos
transboundary, transfrontier, transborder e cross-border com os termos
protected area, conservation area, biodiversity conservation area. As
exceções são raras, como o termo internationally adjoining protected
area e o termo peace parks – este último especificamente criado tanto
para a conservação, quanto para a promoção da paz, embora essa
definição nem sempre seja aplicável às áreas protegidas que levam tal
denominação.

Análise preliminar da literatura mostra que, a variação na


utilização desses termos decorre da opção por escalas geográficas
distintas, da competição entre organizações e agências de fomento, e do
desconhecimento das características geográficas, econômicas, políticas e
culturais próprias às zonas de fronteira. É muito comum que estratégias
de criação de áreas protegidas não contemplem a complexidade
dos arranjos sociais e territoriais com a mesma seriedade dedicada à
complexidade dos ecossistemas (West e Brockington, 2006).

A profusão de termos e concepções de áreas protegidas


transfronteiriças dificulta, por sua vez, a sua operacionalização. Uma
síntese das leituras realizadas aponta alguns critérios básicos, usados
em graus e combinações diversas. Embora apresentados de forma
subjacente, podem ser enumerados em:

a) contiguidade espacial entre áreas protegidas;


b) existência legal das áreas protegidas envolvidas;
c) categorização pela IUCN das áreas protegidas envolvidas;

184 - REBECA STEIMAN -


d) existência de mecanismos de cooperação formais ou informais
entre as áreas.

QUESTÕES EMERGENTES SOBRE A IMPLANTAÇÃO DE ÁREAS


PROTEGIDAS TRANSFRONTEIRIÇAS
Do ponto de vista da conservação, não há estudos específicos
comprobatórios de que as amplas áreas transfronteiriças sejam a
única forma de proteger rotas migratórias de animais, ou representem
necessariamente porções mais raras e vulneráveis da biodiversidade
(Wolmer, 2003). Belinda Reyers (2003) alega que a implantação dessas
áreas como propósito, e não como ferramenta, pode estar contribuindo
para minar os objetivos regionais de conservação da biodiversidade, à
medida que os países atingem a meta de conservação recomendada pela
IUCN (10% de cobertura).

Do ponto de vista político, tampouco há garantias de que as áreas


protegidas transfronteiriças possam funcionar mais como ferramenta
para a promoção da paz do que como nova razão para conflito
(Besançon, s/d), particularmente em situações assimétricas de poder
entre Estados (Wolmer, 2003). Dada a escala regional ampliada em
que são implantadas, essas áreas também podem dar ensejo a conflitos
acerca do acesso e do controle no que se refere ao substancioso aporte
de recursos de que necessitam (Duffy, 2005).

Além disso, as áreas protegidas têm sido promovidas como aliadas


na desmilitarização de zonas de fronteira e na criação de condições para
recuperação de laços históricos entre comunidades antes separadas pelo
limite político (Oviedo, s/d); entretanto, Estados podem não desejar
ceder poder ou território a grupos étnicos que atravessem as suas
fronteiras (Wolmer, 2003).

Ademais, ao privilegiar a não coincidência entre biomas e


ecossistemas com limites políticos internacionais e fenômenos de
transumância e de migração de espécies ocorridos dentro destes
espaços, planejadores relegam a segundo plano o fato de que as áreas
protegidas constituem em si unidades políticas (Wolmer, 2003). Tais
áreas implicam, destarte, a criação de novas instituições de gestão e,
muitas vezes, a instalação de organizações responsáveis pela execução
de projetos. Com o fomento à abertura dessas áreas a processos de co-

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 185


gestão, novos atores sobrepõem-se à já complexa e variada gama de
atores preexistentes nos países limitantes, nas escalas local, regional,
nacional e internacional que interagem na zona de fronteira.

Uma série de resultados inesperados (conflitos e ganhos) pode


potencialmente emergir da articulação territorial e da articulação em
rede desses atores. As bases de apoio a organizações internacionais,
atuantes em ambos os lados da fronteira, podem encontrar animosidade
e suporte em lados diferenciados do limite político, fruto de experiências
diversas, próprias a cada contexto nacional envolvido. A percepção
sobre a sua atuação pode também variar nas escalas local e nacional.
Comunidades locais e/ou grupos indígenas podem perceber que, por
meio de conexões em rede com organizações não-governamentais
internacionais, suas reivindicações obtiveram suporte internacional,
o que propiciou ganhos importantes nas negociações com a esfera
nacional (Machado, 1999; Perreault, 2003; Duffy, 2005). Organizações
não-governamentais de base local podem perceber as organizações não-
governamentais internacionais e suas agendas globais como poderosos
concorrentes em recursos, influência e capacidade técnica (Rodriguez
et al, 2007).

Outros grupos habitantes em centros urbanos de importância


nacional, longe do terreno e particularmente sensíveis ao papel
simbólico da fronteira, podem interpretar a criação de áreas protegidas
em zona de fronteira como perda de território e de recursos naturais
associados, particularmente no que concerne ao patrimônio genético.
Assim, organizações não-governamentais internacionais que atuam
como agentes e promotoras da conservação podem ser percebidas com
animosidade, sob acusação de ingerência externa.

Grupos regionais podem, por sua vez, partilhar da mesma


hostilidade e entender as organizações não-governamentais como
“vilãs” que combatem o desenvolvimento de atividades produtivas
em regiões já carentes de oportunidades. Não só quando apontam os
impactos ambientais causados por grandes obras de infraestrutura, mas
também quando “impedem” a livre utilização do território por meio
de apoio à criação de áreas protegidas. Ou inversamente, os mesmos
grupos poderão corroborar tais iniciativas quando estas se apresentarem

186 - REBECA STEIMAN -


associadas à promoção de turismo e a perspectivas de desenvolvimento
(Bial, 2001).

Estados centrais também tendem a considerar a criação de áreas


protegidas transfronteiriças como perda de soberania nacional, uma
vez que esta criação vai de encontro à autonomia do Estado para tomar
decisões independentes sobre o uso de recursos situados em seu território
– ou seja, o Estado teria de ceder em algum grau o controle de seus recursos
para países vizinhos e novos parceiros da escala internacional (Wolmer,
2003). Estes mesmos parceiros – em especial instituições financeiras,
agências multilaterais e fundações privadas – podem se revelar aliados
de peso contra eventuais interesses de grandes mineradoras e empresas
petroleiras, pelas áreas em jogo.

Ao mesmo tempo, Estados podem usar áreas de proteção


transfronteiriças como zonas-tampão para impedir ou restringir o acesso
de grupos locais ou países vizinhos a vastas áreas na zona de fronteira
(Brasil, 2005), e não necessariamente com objetivos conservacionistas
e/ou de cooperação binacional. Podem também valer-se de recursos,
esforços e apoio internacional para fortalecer sua presença no território
(Duffy, 2005) e ampliar seu controle sobre estratégias transfronteiriças
de sobrevivência, como o tráfico de drogas, o contrabando, e a migração
clandestina de trabalhadores (Wolmer, 2003). Áreas protegidas podem
igualmente afetar outras estratégias de sobrevivência por meio da súbita
criminalização de usos ancestrais dos recursos naturais, como a caça, a
pesca e a coleta, além de rituais sagrados (Schroeder, 1999). Desse ponto
de vista, comunidades locais diretamente afetadas podem perceber
como mero exercício de retórica os instrumentos de gestão conjunta
e planejamento participativo promovidos pela abordagem biorregional
(Wolmer, 2003).

Interações entre Estado, comunidades locais e setor privado também


não representam ponto pacífico. Um aspecto da abordagem biorregional,
muito criticado por ativistas, consiste no incentivo ao envolvimento de
atividades privadas aliadas aos objetivos conservacionistas, de forma
que as áreas protegidas possam se tornar auto-sustentáveis. Na África,
é comum que áreas protegidas transfronteiriças sejam impulsionadas
por grandes empreendimentos ecoturísticos, sob promessa de

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 187


repartição de benefícios com comunidades locais preexistentes. Não só
empreendimentos turísticos demoram a se consolidar e a gerar retorno
financeiro – tempo que as comunidades locais geralmente não podem
esperar –, como não costumam originar acumulação local de capital
(Duffy, 2005). Promessas de oferta de empregos e de lucros tampouco se
consolidam (Wolner, 2003), muito menos em zonas de fronteira, onde
direitos de propriedade muitas vezes não são formalizados por meio de
documentos, ou são especialmente vulneráveis à grilagem.

Em síntese, é possível depreender duas ordens de problemas:


aqueles próprios à implantação de áreas protegidas em zonas de fronteira
e aqueles que ocorrem em áreas protegidas indiscriminadamente, mas
se agravam na zona de fronteira.

Elementos da abordagem biorregional constituem exemplo do


segundo caso, pois têm sido centrais na proposição e implantação de
áreas protegidas transfronteiriças. Sua utilização é ao mesmo tempo
apresentada como responsável por sucessos e fracassos, ora por
planejadores, ora por críticos. Tais avaliações são de qualquer forma
preliminares, pois se dedicam a discutir iniciativas contemporâneas e
de curto e médio prazo. Ademais, falta a densidade de casos empíricos
e de artigos que possibilitem generalizações teóricas mais seguras.
Além de até certo ponto escassa, a produção bibliográfica é em sua
quase totalidade técnica e institucional, realizada em grande parte por
especialistas diretamente ligados às organizações dedicadas a projetos
transfronteiriços de conservação (IUCN, UNESCO, UNEP, para citar
apenas algumas). Assim, as críticas não são incomuns, mas costumam
ser formuladas com caráter instrumental, a fim de tornar a conservação
mais efetiva em áreas protegidas.

A predominância de profissionais e pesquisadores oriundos


das ciências naturais sobre os de formação em ciências humanas é
bastante frequente e tem sido apresentada como problema, tanto para
a compreensão dos processos sociais (e espaciais) que envolvem áreas
protegidas (transfronteiriças ou não), quanto para a efetividade das metas
conservacionistas nestas áreas. A produção de geógrafos em relação às
áreas protegidas (transfronteiriças ou não) é ainda mais rara, muito embora
a relação sociedade/natureza figure como tema clássico e consagrado da

188 - REBECA STEIMAN -


geografia. As áreas protegidas oferecem aos geógrafos a oportunidade de
discutir outros tópicos caros à geografia: escalas geográficas, zoneamento
e relações espaciais (Schroeder, 1999).

TIPOS DE ÁREAS PROTEGIDAS TRANSFRONTEIRIÇAS

As áreas protegidas transfronteiriças são usualmente consideradas


como um subconjunto de práticas de cooperação transfronteiriça.
Com um enfoque mais voltado à promoção da paz, Richard McNeil
(1990) propõe um interessante esquema classificatório de parques
internacionais que também contempla a proteção e gerenciamento
de recursos naturais compartilhados e a proteção de populações que
habitam em zonas de fronteira. Os parques são classificados de acordo
com o controle presumido e a propriedade da área, com a soberania dos
países onde incidem e, de forma secundária, de acordo com a amplitude
do interesse que despertam. O desenho ambicioso da proposta, de difícil
aplicação, não teve desdobramentos posteriores.

As áreas protegidas transfronteiriças também são consideradas uma


modalidade particular de “áreas de gerenciamento transfronteiriço de
recursos naturais” (TBNRM Area), que não implicam necessariamente
a presença de áreas protegidas (Braack et al, 2006). Podem também
receber denominações diversas em função da presença de objetivos
associados à conservação da biodiversidade. Assim, os parques da paz,
cuja implantação pretende corroborar esforços cooperativos entre países
anteriormente em conflito, são usualmente considerados um subtipo de
área protegida transfronteiriça (Sandwith et al, 2001; Braack et al, 2006).
Quando associadas a projetos de desenvolvimento social e econômico,
como é frequente na África, são denominadas transboundary conservation
and development areas (TBCA). O termo transfrontier conservation area
(TFCA) é aplicado de forma análoga em iniciativas situadas no leste
africano, onde a rejeição pelo termo ‘área protegida’ é bastante elevada, por
sua constante associação com práticas de remanejamento e de interdição
de acesso a recursos naturais (Phillips, 1997).

A tipologia mais recente não por acaso representa a abordagem


mais abrangente e inclui largo espectro de possibilidades sob o termo

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 189


“guarda-chuva” de área protegida transfronteiriça. Proposta por
participantes de um workshop organizado na Tailândia conjuntamente
pela IUCN e pela ITTO, em fevereiro de 2003 (Dudley, s/d), essa
tipologia tem o mérito de se fundamentar em casos empíricos. A figura
1 representa graficamente os cinco tipos considerados: a) duas ou mais
áreas protegidas contíguas, ao longo de um limite político internacional;
b) mosaico de duas ou mais áreas protegidas fronteiriças, com uso do
solo favorável à conservação nas áreas intermediárias; c) mosaico de duas
ou mais áreas protegidas fronteiriças, com uso do solo não-favorável à
conservação nas áreas intermediárias; d) duas ou mais áreas protegidas
fronteiriças, incluindo área protegida proposta do lado oposto ao limite
internacional; e) uma ou mais áreas protegidas transfronteiriças em
um lado do limite político internacional, com uso do solo favorável à
conservação do outro lado do limite internacional.

Alguns aspectos da tipologia devem ser ressaltados. Em


primeiro lugar, não há exigência de contiguidade espacial entre áreas
adjacentes ao limite político internacional, nem entre terceiras áreas
adjacentes a estas; tampouco foi definida a distância máxima entre
áreas protegidas não-contíguas. O critério de pertencimento entre
áreas geograficamente separadas é qualitativo, na medida em que estas
devem compartilhar ecologia e problemas comuns, ou apresentar
alguma interação entre espécies. Na África, é bastante frequente que
áreas desse tipo sejam criadas para proteger rotas migratórias de
grandes mamíferos.

Os interstícios que aparecem nos tipos (b) e (c) tanto podem


apresentar uso do solo favorável, quanto uso do solo não-favorável à
conservação da natureza, o que significa algum grau de controle sobre
áreas intermediárias. Nos casos de uso do solo favorável à conservação
(b), são explicitamente citadas áreas que utilizam manejo sustentável
ou zonas de amortecimento. As zonas de amortecimento não
constituem necessariamente áreas protegidas; são criadas geralmente
para minimizar os impactos sofridos pelas áreas protegidas. As terras
indígenas, ainda que não explicitamente mencionadas pelos autores
da proposta, foram incluídas, pois índios têm formado alianças
com movimentos conservacionistas, promovendo baixos índices de
desmatamento em suas terras (Schwartzman e Zimmerman, 2005;

190 - REBECA STEIMAN -


Nepstad et al, 2006). Por extensão, atividades como a agricultura
orgânica e o manejo certificado de florestas poderiam ser consideradas
usos do solo favoráveis à conservação. De forma oposta, como
mencionado pelos autores, o uso de solo não-favorável à conservação
(c) inclui fazendas e – por extrapolação – centros urbanos, ou ainda
áreas produtivas especialmente intensivas em terra, como as frentes
madeireiras, garimpeiras, pecuaristas, e outros.

Também não há exigência de que todas as áreas envolvidas


possuam existência legal, isto é, que tenham sido criadas por atos
normativos do país a que pertencem. Essa tolerância permitiu abrir o
leque para áreas ainda em estudo (d), ou para áreas onde o uso do solo
é favorável à conservação (e), mesmo aquelas que provavelmente não se
qualificam como áreas protegidas, seja pelo tamanho, pela importância
ou pelo grau de alteração da paisagem.

No tocante à existência de mecanismos de cooperação, a tipologia


sugere amplo espectro de situações, que variam desde o reconhecimento
formal das áreas protegidas transfronteiriças, definidas legalmente nos
dois ou mais países onde se localizam e com suporte de seus níveis
políticos mais altos, até um simples e informal arranjo de cooperação,
em que se compartilham informações e recursos diversos.

Os níveis de cooperação entre as instâncias responsáveis por áreas


protegidas transfronteiriças são o objeto de outra tipologia (Zbicz, 1999;
Sandwith et al, 2001) que se fundamenta na frequência, intensidade e
natureza das atividades realizadas para estabelecer uma classificação
gradativa. Uma vez que contempla apenas a existência de instâncias de
participação e de atividades de planejamento e gerenciamento conjunto
entre equipes, essa tipologia apresenta limitada aplicação no contexto
sul-americano onde muitas áreas protegidas não possuem qualquer
infraestrutura de apoio local ou gestores e funcionários alocados,
cujos contatos se pudesse avaliar. Tampouco contempla a existência
de mecanismos de cooperação em outras escalas governamentais
(acordos, eventos, políticas) ou impulsionados por atores distintos,
como povos indígenas, organizações não-governamentais e comitês
fronteiriços locais que são na fronteira, mais a regra do que a exceção.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 191


FIGURA 1
Tipologia de áreas protegidas transfronteiriças, de acordo com IUCN/ITTO
Workshop (2003)

192 - REBECA STEIMAN -


GÊNESE DE ÁREAS PROTEGIDAS TRANSFRONTEIRIÇAS

A análise dos casos empíricos relatados na bibliografia permitiu


elaborar um modelo da gênese de áreas protegidas transfronteiriças.
Quatro processos de formação foram identificados e esquematicamente
representados na figura 2, a seguir.

O processo (a) é o mais frequente e ocorre quando uma área


protegida proposta, adjacente a uma ou mais áreas protegidas instituídas
no país limítrofe, é também reconhecida e legalmente instituída. Por
definição, a área protegida já é transfronteiriça no tempo 1 (tipo d), mas
o tempo 2 representa um estágio mais avançado (tipo a). É o caso da área
protegida transfronteiriça formada pelo Parque Nacional Montanhas do
Tumucumaque, no Brasil, e pelo Parc Amazonien, na Guiana Francesa.
Apesar de consolidado mais recentemente (2007), o Parc Amazonien foi
proposto bem antes (durante a ECO-92).

O segundo processo (b) é mais raro, e foi inspirado no caso já


aqui exemplificado do Albert National Park – criado no lado oeste
das montanhas Virungas, em 1925, e posteriormente expandido para
abranger a totalidade das montanhas situadas nas então colônias belgas
do Congo e Ruanda-Urundi. Com a independência de ambas em 1960,
o parque foi clivado em duas partes, que conformam uma área protegida
do tipo (a).

Um exemplo emblemático do processo (c) poderia ser a Cordillera


del Condor, uma área protegida transfronteiriça implementada em
1998 como parte das negociações de paz entre Peru e Equador. A ideia
de criar um parque da paz na zona de litígio partiu do então ministro
equatoriano do meio ambiente que era na época também o presidente
da IUCN (Sandwith et al, 2001).

O quarto e último processo (d) representa um estágio mais


avançado, no qual é estabelecida uma área protegida transfronteiriça,
em sobreposição às áreas nacionais já existentes, por meio de acordos
bilaterais e multilaterais entre os respectivos governos. O processo

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 193


também ocorre quando essas áreas recebem designações internacionais.
As categorias Reserva da Biosfera4 e Sítio do Patrimônio Natural Mundial5
são atribuídas pela UNESCO a áreas protegidas consideradas de valor
universal. Ambas as categorias não incluíam inicialmente a modalidade
transfronteiriça, que demanda critérios especiais.

As primeiras denominações transfronteiriças foram concedidas


em 1992 a duas reservas da biosfera na zona de fronteira da Polônia,
uma com a República Tcheca e outra com a Eslováquia. A instituição de
áreas semelhantes foi particularmente destacada durante a conferência
internacional que avaliou o programa, o que resultou na recomendação
de que áreas semelhantes fossem estabelecidas como um instrumento
para lidar com a conservação de organismos, ecossistemas e recursos
genéticos que atravessam as fronteiras internacionais (Estratégia de
Sevilha, 1995). As zonas úmidas de relevante importância ambiental
recebem a designação Sítio Ramsar e, quando aplicável, Sítio Ramsar
Transfronteiriço, do Comitê Permanente da Convenção de Zonas
Úmidas de Importância Internacional (1971). Pode também ocorrer
que as duas áreas protegidas adjacentes ao limite político internacional
recebam designações internacionais, de forma independente.

Note-se que as três designações implicam maior status,


possibilidade de aumento da atratividade turística, e em maior ou
menor grau, modalidades de financiamento. Designações internacionais
especificamente dedicadas a áreas protegidas transfronteiriças também
são conferidas nos continentes europeu e africano, onde estas últimas são
mais numerosas. Vale ainda ressaltar que esse processo em particular (d)
envolve mecanismos formais de cooperação, tanto para a elaboração dos
acordos bilaterais e multilaterais, quanto para a candidatura a designações
internacionais – caso em que a presença de processos colaborativos em
gestão, planejamento e conservação da biodiversidade constitui um dos
critérios de avaliação.

4 O Programa o Homem e a Biosfera (MAB) foi criado em 1974; a primeira denomina-


ção foi concedida em 1986.
5 A UNESCO também confere a áreas de excepcional valor cultural e histórico o título
de Sítios do Patrimônio Histórico Mundial, inclusive a áreas transfronteiriças como as
Missões Jesuítas dos Guarani na fronteira entre Brasil e Argentina.

194 - REBECA STEIMAN -


FIGURA 2
Gênese de Áreas Protegidas Transfronteiriças

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 195


Tais processos colaborativos são previstos como forma de tornar
a conservação mais efetiva, e impedir que diferenças nos marcos legais,
nos recursos e nas práticas de conservação de um lado da fronteira
comprometam a integridade do ecossistema transnacional. Todavia, a
discussão dos casos empíricos aponta uma reversão de prioridades, na
qual os objetivos políticos de promoção da cooperação e da paz (peace
parks) têm gradativamente assumido importância por si mesmos. O
risco é que nenhuma das duas metas seja alcançada.

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- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 197


Capítulo 10

FORÇAS ARMADAS, GEOPOLÍTICA


E FRONTEIRA AS RELAÇÕES ENTRE
O PARAGUAI E O BRASIL NO
PERÍODO STROESSNER:
1954-1989
Carlos Eduardo Riberi Lobo*

INTRODUÇÃO

O Paraguai, desde a sua independência, teve que lidar, na sua


política externa com dois países vizinhos maiores e muito mais
poderosos, a Argentina e o Brasil. No século XIX, principalmente
depois da Guerra do Paraguai (1865-1870), ocorreu o predomínio da
Argentina em relação ao Paraguai que, principalmente por motivos
geopolíticos, históricos e culturais, tinha uma atuação determinante via

* Professor Titular do UNIFAI/SP. Professor conferencista de geopolítica e relações in-


ternacionais na Academia da Força Aérea Brasileira – AFA/FAB. Pós-doutor e Doutor
em Ciências Sociais pela PUC/SP. E-mail: edrilo@uol.com.br

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 199


a economia e também na política interna do Paraguai. Isso devido a
geografia, pois a sua ligação com o exterior se deu historicamente por
via marítima, pelo sistema fluvial Paraná – Paraguai, chegando depois
ao Rio da Prata e até o Atlântico.

Somente no século XX, depois do Conflito do Chaco com a


Bolívia (1932-1935), e a partir da década de 1940 em diante, é que
o Brasil passou a exercer mais influência no país vizinho, buscando
contrabalançar a influência argentina. É a partir do primeiro ciclo
Vargas (1930-1945) que ocorre uma maior aproximação entre os países,
inclusive no nível militar entre os Exércitos do Brasil e do Paraguai. O
Brasil passou a ver o Paraguai como um parceiro estratégico.

Essa primeira aproximação, ampliada nas décadas seguintes e


consolidada durante o regime militar no Brasil (1964-1985), irá de
certo modo “flexibilizar” a fronteira entre as duas nações, ainda mais
depois do início da construção da usina hidroelétrica de Itaipu na
década de 1970. Como decorrência, o afluxo de brasileiros e paraguaios
dos dois lados da fronteira, aumentou consideravelmente, incluindo
o desenvolvimento do comércio, legal ou não. Também ocorreu a
dependência econômica, com o aumento da projeção da cultura e da
economia brasileira no Paraguai, nas últimas décadas.

Isso irá levar a uma aproximação mais intensa entre o Paraguai


e o Brasil, e as Forças Armadas dos dois países, tendo como marco
a construção da represa Itaipu binacional, que irá atrelar os destinos
de ambos e tornar a fronteira mais permeável ocorrendo, inclusive
a imigração de brasileiros para o Paraguai, a partir da década de
1970. Portanto a relação entre economia, energia, forças armadas
e geopolítica irá tornar a fronteira dos dois países mais permeável,
aprofundando as questões políticas e econômicas do Paraguai com o
Brasil.

Desse modo, o país vizinho deixa de ser somente mais uma questão
de política externa. Depois de Itaipu, poderia se falar numa “política
interna” - como área de influência brasileira no Cone Sul e nas relações

200 - CARLOS EDUARDO RIBERI LOBO -


estratégicas com o Paraguai. Nesse sentido as relações entre o Brasil e
o Paraguai são fundamentais para os dois países e estão intimamente
interligadas.

O GOVERNO STROESSNER E A APROXIMAÇÃO ENTRE O PARAGUAI


E O BRASIL
A subida ao poder do General Alfredo Stroessner com apoio
do Partido Colorado em 1954, irá resultar numa maior aproximação
diplomática, econômica e militar com o Brasil até a sua queda em 1989.
De fato essa aproximação irá contribuir posteriormente para uma
relação mais profunda através da construção da usina hidroelétrica
de Itaipu, que será consolidada na década de 1980, inclusive com uma
maior influência brasileira em relação às Forças Armadas – FFAA, do
Paraguai.

Esse papel do Brasil em relação ao Paraguai, visava também mudar


a balança de poder no Cone Sul, principalmente em relação à Argentina.
Ou seja, aproximar o Paraguai do Brasil e diminuir a dependência do
país vizinho em relação a Buenos Aires. O Paraguai tornou-se um ator
estratégico para o Brasil no Cone Sul.

Desde o final do século XIX o comércio exterior e as vias de navegação


paraguaias dependiam de uma relação diplomática e econômica próxima
com a Argentina. O Rio Paraguai era “o pulmão” e a sua principal via de
comunicação com o exterior. Desse modo, Buenos Aires, controlava essa
situação em termos geopolíticos. Laços culturais, históricos e econômicos
também explicavam essa dependência devido à colonização espanhola.
Durante a Guerra do Chaco contra a Bolívia, entre 1932 e 1935, as boas
relações com a Argentina auxiliaram a vitória do Paraguai no conflito
(ENGLISH, 1985; BIRCH, 1990; OLIC, 1992).

As diversas revoluções e conflitos internos no Paraguai, entre a


década de 1930 e o princípio da década de 1950, levaram a uma situação
de instabilidade interna. Aproveitando desse quadro político, Stroessner
chega ao poder com o golpe de estado em 1954 levando consigo o

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 201


Partido Colorado, que seria um fator fundamental para a aproximação
com o Brasil nas décadas seguintes, pois, historicamente, o Partido
Colorado esteve mais próximo aos interesses do Brasil no Paraguai, em
oposição ao Partido Liberal, mais afinado com os interesses argentinos.
Entretanto desde a década de 1940, o governo do Paraguai buscava
uma maior aproximação com o Brasil, também como parceiro para
a exportação dos seus produtos via o Oceano Atlântico e o Porto de
Santos, visando minimizar a dependência geopolítica e estratégica em
relação à Argentina (SIMÒN G., 1990; MORA, 1990; BIRCH, 1990).

Após o golpe, Stroessner buscou consolidar seu poder


internamente e diminuir a dependência do Paraguai em relação à
Argentina, principalmente após a queda de Peron em 1955, quando
ocorreu um maior distanciamento diplomático entre os dois países.
Para tanto Stroessner desenvolveu ao longo de 35 anos uma política
externa sofisticada e hábil, garantindo a sua permanência no poder e
aumentando o grau de barganhas politicas e econômicas em relação a
Argentina e ao Brasil. Variando a sua adesão aos grandes países vizinhos
conforme a conveniência, com uma política externa pendular e baseada
no personalismo politico e na repressão dura a oposição interna e
baseada na lealdade das FFAA e do Partido Colorado. (MORA, 1990;
FARINA;PAZ, 2010)

Desse modo, a carreira militar do próprio general Stroessner, que


estudou nas academias do Exército brasileiro na década de 1940, parece
ter tido um papel significativo na sua trajetória politica e também, na
do Partido Colorado. Ao voltar-se para o Brasil buscava ter um outro
pulmão ou outra saída devido à condição do Paraguai, como país
mediterrâneo, não saída para o Mar. A partir da década de 1960 a
cooperação militar entre o Paraguai e o Brasil aumentou, atingindo seu
ápice na década de 1980. (LEWIS,1986; YOPO, 1990).

ITAIPU, “BRASIGUAIOS” E A “FLEXIBILIZAÇÃO DA FRONTEIRA”


ENTRE O PARAGUAI E O BRASIL

A construção da represa de Itaipu possibilitou a partir do final da


década de 1960 e na década de 1970, uma flexibilização da fronteira entre
o Paraguai e o Brasil, ou mesmo uma condição de “permeabilidade” em

202 - CARLOS EDUARDO RIBERI LOBO -


termos políticos, econômicos e culturais, consolidando a influência
brasileira no país vizinho.

Com a construção de Itaipu, os destinos geopolíticos e econômicos


entre Paraguai e Brasil desenvolveram aspectos de permanência, com
uma aproximação definitiva devido à construção da usina hidroelétrica
na fronteira dos dois países. Ou seja, a relativização da soberania nacional
dos dois lados, tendo em vista um objetivo comum – o desenvolvimento
econômico e industrial.

Seria possível refletir se o Paraguai, a partir de então não era mais


um tema de política externa, mas de certo modo de política interna, já
que com Itaipu, um empreendimento binacional, a soberania dos dois
países seria flexibilizada. A construção da usina hidroelétrica atendia
a interesses econômicos e geopolíticos do Brasil e do Paraguai, como
também solucionava disputas históricas de fronteira. (ESPOSITO
NETO, 2012).

Com Itaipu, o Brasil garantiu o abastecimento de energia e


o desenvolvimento industrial das regiões Sul e Sudeste do país,
consumindo a maior parte da energia produzida. O Paraguai também
teve um surto de crescimento econômico, a partir de então, e tinha uma
moeda de troca mais forte com a Argentina, como um modelo para a
construção de usinas na fronteira Argentina, como no caso de Yacireta
(BIRCH, 1990).

Outro fator importante foi a imigração considerável de brasileiros


para o Paraguai, colonizando a região de fronteira entre os dois países e
expandindo a fronteira agrícola do Brasil rumo a Oeste, com a instalação
dos “brasiguaios” na região. Isso foi possível depois da nova lei de terras
estabelecida por Stroessner na década de 1950 prevendo a compra de
terras por estrangeiros, visando desenvolver a agricultura paraguaia para
exportação, o que ocorreu a partir da década de 1970 com a produção
de soja. Esse é um fator importante pois cerca de 300 mil brasileiros na
década de 1980 moravam no Paraguai, fator importante para a relação
cada vez mais complexa entre os dois países. (YOPO, 1990; BIRCH,
1990).

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 203


O APROFUNDAMENTO DAS RELAÇÕES MILITARES ENTRE O
PARAGUAI E O BRASIL

As relações militares e diplomáticas entre o Paraguai e o Brasil


começaram a ganhar força a partir de meados da década de 1940, quando
uma missão militar brasileira foi instalada em Assunção em 1942,
visando contrabalançar a influência militar argentina. Nesse sentido a
formação militar no Brasil do general Stroessner, que realizou curso
de aperfeiçoamento em artilharia e topografia no Exército brasileiro
entre 1940 e 1941, auxiliou a uma maior aproximação com as FFAA
brasileiras, como mudou a relação entre os dois países. (LEWIS,1986).

Entretanto, isso não, significou que as relações geopolíticas e


estratégicas com a Argentina tenham sido postas de lado. Apenas
as relações com o Brasil, principalmente as militares, ganharam em
importância. Um bom exemplo é que, nas décadas de 1940 e 1950 a aviação
militar paraguaia passou a receber aeronaves do Brasil para missões de
treinamento, aeronaves essas em sua maioria norte-americanas, mas
fornecidas pela Força Aérea Brasileira quando adquiriu material mais
moderno. Atuava o Brasil como um intermediário indireto de produtos
militares made in USA, garantindo apoio dos militares paraguaios. Nas
décadas de 1950 e 1960 foi ocorrendo paulatinamente a substituição
da Argentina como principal parceiro militar do Paraguai, por uma
posição mais assertiva do Brasil e das suas FFAA.
Outro fator importante foi o desenvolvimento no Paraguai da
marinha mercante e da aviação civil por meio da companhia aérea
nacional Líneas Aereas Paraguayas, visando diminuir seu isolamento do
exterior e ampliar as ligações com o Brasil. Merece destaque também a
conclusão da Ponte da Amizade entre os dois países em 1965, ampliando
a ligação terrestre do Paraguai com o Brasil via o transporte rodoviário.
(FARINA; PAZ, 1990).

AS FFAA DO PARAGUAI E A APROXIMAÇÃO COM AS FFAA DO


BRASIL
O fato do general Stroessner ter estudado no Exército Brasileiro na
década de 1940, pode ter sido um fator importante para a aproximação
militar entre os dois países ao longo do seu governo, principalmente

204 - CARLOS EDUARDO RIBERI LOBO -


depois da instalação do regime militar no Brasil em 1964. A partir
de então aumentou a colaboração entre as instituições militares dos
dois países, sendo que a influência militar brasileira em certo sentido
suplantou a argentina e a norte-americana, em questões de doutrinas
e o treinamento de um numero cada vez maior de militares paraguaios
no Brasil a partir da década de 1980. Ocorreu inclusive com o aumento
da venda de equipamentos militares brasileiros e a visita dos ministros
do Exército e da Marinha em 1984 a Assunção, visando ampliar e
consolidar as relações militares e a dependência do Paraguai em relação
a indústria bélica brasileira naquele período. (YOPO, 1990; BIRCH,
1990; ENGLISH,1985).

O EXÉRCITO PARAGUAIO
Após a derrota na Guerra do Paraguai em 1870, o Exército
do Paraguai irá buscar modelos de modernização na Europa, além
de buscar uma relação mais equilibrada com as FFAA do Brasil e da
Argentina. Para tanto, buscou modelos de modernização, primeiro na
França, no final do século XIX e depois em outros países europeus,
como Alemanha e Itália no início do século XX. Depois da Primeira
Guerra Mundial ocorreu uma mistura de influências oriundas da
Alemanha, França e em menor grau da Itália (ENGLISH, 1985).
Depois da Guerra do Chaco na década de 1930 e com a Segunda
Guerra Mundial o predomínio militar norte-americano aumentou.
Foi também nesse período que as relações militares entre o Brasil e o
Paraguai aumentaram com a abertura de uma missão militar brasileira
em Assunção, com a presença de militares do Exército Brasileiro. A
Argentina também buscou aumentar a sua influencia no Paraguai,
constituindo uma missão militar naquele país.

A partir da década de 1960 a Argentina e depois o Brasil se


tornaram os principais parceiros militares do Paraguai, com o
Brasil passando à frente da Argentina na década de 1970, tanto no
fornecimento de equipamentos como de doutrinas militares. Na
década de 1980, fase final do governo Stroessner o Exército do Paraguai
era provavelmente a instituição militar na América do Sul que tinha
a maior influência do Exército Brasileiro e da indústria de defesa do
Brasil (ENGLISH, 1985).

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 205


A MARINHA DO PARAGUAI

A influência argentina foi aumentando na primeira metade do


século XX, já que somente pelo sistema Paraguai - Paraná era possível
chegar a Buenos Aires e ao Rio da Prata, visando o contato com o
Atlântico, fonte de exportação principal do Paraguai. Portanto, uma
parte significativa dos navios da marinha era de origem argentina ate a
década de 1960, além de navios de combate fluvial construídos na Itália
na década de 1930. Havia inclusive a formação de membros da Marinha
do Paraguai na Marinha Argentina.

A partir da década de 1960, foram recebidos navios da Argentina


e essa situação perdurou até a década de 1980, quando o Brasil exportou
o primeiro navio de guerra construído no Arsenal de Marinha do Rio
de Janeiro e reequipou a aviação naval com helicópteros fabricados pela
Helibras (ENGLISH, 1990; CATTONI NETO, 1985).

A FORÇA AÉREA PARAGUAIA

A aviação militar no Paraguai tem o seu desenvolvimento a partir


da década de 1920, ganhando importância durante a Guerra do Chaco
entre 1932 e 1935. A partir da década de 1940, tanto a influência norte-
americana como a brasileira ganharam força, principalmente com
relação ao Brasil, a partir da década de 1960. Depois disso, as relações
entre as Forças Aéreas dos dois países se ampliaram, inclusive com
missões de treinamento e compra de equipamentos aeronáuticos da
Embraer, pelo Paraguai.

Da década de 1970 em diante, a presença brasileira aumentou, com


o fornecimento de aeronaves mais modernas, já no final da década e
início dos anos 1980, como os Xavante fabricados sob licença da Itália e
os treinadores Tucano ambos da Embraer, além de helicópteros Esquilo
da Helibras (CATTONI NETO, 1985).

206 - CARLOS EDUARDO RIBERI LOBO -


TRANSFERÊNCIAS DE EQUIPAMENTOS MILITARES CONVENCIONAIS
PARA O PARAGUAI NO GOVERNO STROESSNER (1954-1989)

Entre 1954 e 1989 a transferência de equipamentos militares para o


Paraguai via Argentina, Brasil e EUA, aumentou significativamente. Im-
portante notar que, até a década de 1980 boa parte do equipamento mi-
litar era de origem norte-americana, sendo passado como transferências
de “segunda mão” pela Argentina e o Brasil. Não foram consideradas ar-
mas leves como metralhadoras, fuzis, pistolas, geralmente oriundos dos
EUA, Europa Ocidental, Brasil, Argentina e Israel, bem como veículos
de transporte, equipamentos de comunicação etc. (ENGLISH, 1985).

Na década de 1980, com uma indústria bélica em expansão, o


Brasil ganha importância como fornecedor de equipamentos militares
principalmente da Engesa, Helibras e da Embraer, ultrapassando a
Argentina como o principal país fornecedor depois dos EUA. Desse
modo foi possível favorecer a indústria bélica brasileira criando um
nicho de mercado no Paraguai, como será visto a seguir segundo os
dados da tabela gerada tendo como fonte o Instituto SIPRI – Stockholm
International Peace Research Institute, de Estocolmo na Suécia: Arms
Transfers Database All to Paraguay 1954-1989 in: <http://armstrade.
sipri.org/armstrade/page/trade_register.php> Acesso em 7 set. 2014.

Quando não for citada a origem do equipamento militar é que o


mesmo é de origem norte-americana, a fonte principal dos armamentos
paraguaios fornecidos no período, até meados da década de 1970,
quando o Brasil passa a desempenhar um papel mais relevante.

ARGENTINA PARA O PARAGUAI:


3 aviões de transporte CV-440 recebidas em 1962
3 navios de patrulha da classe Bouchard de origem argentina
recebida entre 1964 e 1968
1 aeronave de transporte leve G-21 Goose recebidos em 1967
1 aeronave DHC-3 Otter de transporte leve recebido em 1972
1 navio de desembarque LSM modernizado na Argentina recebido
em 1972

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 207


10 aeronaves de treinamento T-6 Texan recebidos em 1976
1 aeronave de transporte DC-3/C-47 Skytrain recebida em 1979
3 tanques Firely recebidos em 1980
6 tanques M-4 Sherman recebidos em 1982

BRASIL PARA O PARAGUAI:


5 aeronaves de treinamento PT-19 Cornell recebidas em 1960
14 aeronaves de treinamento T-6 Texan recebidas em 1960
8 aeronaves de treinamento S-11 em 1971
8 aeronaves de treinamento de origem brasileira A-122 Uirapuru
em 1975
5 aeronaves de transporte DC-6/C-188 recebidas em 1975
10 aeronaves de treinamento T-6 Texan recebidas em 1975
10 aeronaves a jato EMB-326GB Xavante de treinamento e
combate de origem brasileira/italiana recebidas entre 1978 e1981
1 navio de patrulha fluvial da classe Roraima de origem brasileira
recebido em 1985, denominado classe Itaipu no Paraguai
2 aeronaves de transporte DC-3/C-47 Skytrain recebidas em 1984
12 blindados EE-11 Urutu de origem brasileira recebidos em 1985
28 blindados EE-9 Cascavel de origem brasileira recebidos entre
1984 e 1985
9 tanques leves M-3 Stuart recebidos em 1984
6 helicópteros AS-350/AS-550 Fennec Esquilo de origem brasileira
recebidos entre 1985-1986
6 aeronaves de treinamento A-122 Uirapuru de origem brasileira
recebidas em 1986
6 aeronaves de treinamento EMB-312 Tucano de origem brasileira
recebidas em 1988

CANADÁ PARA O PARAGUAI:


6 motores PT-6 Turbotrop para os 6 EMB-312 Tucano de origem
brasileira, versão PT-6A-25C

CHILE PARA O PARAGUAI:


4 helicópteros leves Hiller-12/OH-23 Raven para treinamento em
1983

ÁFRICA DO SUL PARA O PARAGUAI:


10 aeronaves de treinamento T-6 Texan recebidas em 1982

208 - CARLOS EDUARDO RIBERI LOBO -


ESPANHA PARA O PARAGUAI:
4 aeronaves de transporte C-212-200 de origem espanhola
recebidas em 1984

REINO UNIDO PARA O PARAGUAI:


10 motores Viper Turbojet para os 10 EMB-326 Xavante de origem
brasileira/italiana, recebidos entre 1978 e 1981
ESTADOS UNIDOS PARA O PARAGUAI:
2 helicópteros leves Bell-47/OH-13 recebidos em 1955
2 aeronaves de transporte DC-4/C-54 recebidos em 1962
10 peças de artilharia M-101A1 105mm recebidos em 1960
9 tanques M-4 Sherman recebidos em 1960
12 blindados meia lagarta M-3/M-5 Half-track recebidos entre
1963 e 1964
3 aeronaves de treinamento BT-13 Valiant em 1962
3 aeronaves leves Cessna-180/185 Skywagon recebidas em 1965
3 aeronaves leves Cessna-337/O-2 recebidas em 1965
6 aeronaves leves Cessna-U206 recebidos entre 1966 e 1968
9 aeronaves de transporte DC-3/C-47 Skytrain recebidos entre
1964 e 1967, sendo 5 via o programa de auxílio “MAP-aid”
12 veículos blindados M-8 Greyhound recebidos em 1966
4 aeronaves leves Cessna-150 recebidas em 1970
24 helicópteros leves Bell-47/OH-13 recebidos entre 1971-1973,
sendo 4 via o programa de auxilio “MAP-aid”
2 aeronaves leves Cessna-210 Centurion em 1975
1 aeronave de transporte CV-440 recebida em 1976
10 aeronaves leves Cessna-172/T41D de treinamento e transporte
recebidas em 1978
3 aeronaves leves Cessna-310 recebidas em 1981
1 aeronave leve Cessna-411/401 recebida em 1981

Interessante notar que boa parte do equipamento veio de segunda


mão, inclusive os oriundos dos EUA. Os mais modernos, comprados
na década de 1980 foram fabricados na sua maioria, no Brasil, o que
demonstra o aumento das relações econômicas e militares entre os
dois países. É possível deduzir que o aumento do fornecimento de

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 209


equipamentos militares brasileiros além de garantir um mercado
comprador e gerar dependência, expressava possivelmente a preocupação
por parte do governo brasileiro com a segurança e reequipamento das
FFAA do Paraguai. O objetivo era a manutenção de Stroessner no
poder ou até a manutenção das FFAA paraguaias pró Brasil, no poder
e no jogo político, depois da saída do velho general, que ocorreu com o
golpe militar que acabou com a ditadura em 1989. Interessante que tudo
isso ocorreu após a volta da democracia no Brasil, em 1985, e durante o
governo Sarney, entre 1985-1990, revelando o pragmatismo da política
externa em relação ao Paraguai.

Paradoxalmente, na fase final do regime Stroessner, na década


de 1980, aumentou a compra de equipamentos militares, como a
dependência com o Brasil na área militar e de defesa. Isso provavelmente
pelo regime se sentir ameaçado internamente e buscando equilibrar os
gastos militares com a Bolívia, devido a histórica rivalidade decorrente
da Guerra do Chaco ocorrida entre 1932 e 1935, resultando na
vitória paraguaia, mas com um custo enorme em termos humanos e
econômicos.

Outro dado interessante é que, desde meados da década de


1970 o Paraguai passou a se aproximar militarmente de países que
eram isolados no cenário internacional, como a África do Sul, Chile,
Taiwan e também Israel, já que os aliados tradicionais, EUA e Europa
Ocidental, passaram a não fornecer armamentos devido às questões do
desrespeito aos direitos humanos no governo Stroessner, como -o uso
do Paraguai como fonte de exportação de drogas para os EUA, Europa
e América do Sul e refúgio de criminosos de guerra nazistas. (YOPO,
1990; BIRCH,1990).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As relações entre o Paraguai e o Brasil, durante o governo Stroessner


entre 1954 a 1989, moldaram um novo arranjo geopolítico e estratégico
no Cone Sul. Durante mais de trinta anos, ocorreu a aproximação
estratégica, econômica, e principalmente, militar entre os dois países,

210 - CARLOS EDUARDO RIBERI LOBO -


visando diminuir a dependência geopolítica histórica do Paraguai em
relação à Argentina.

A construção de Itaipu, a imigração de agricultores brasileiros


para o país vizinho, além de tornar a fronteira mais permeável, também
a tornou mais flexível, aumentando o fluxo de pessoas, comércio,
atividades ilícitas dos dois lados e uma relação estratégica duradoura.
Depois de Itaipu e dos brasiguaios, o Paraguai não é mais um assunto
“externo” da política brasileira, mas cada vez mais um tema importante
do dia a dia da política, geopolítica e economia nacional. Uma crise
política ou econômica no Paraguai passaria a afetar diretamente os
interesses estratégicos do Brasil na região.

Por outro lado, a ascensão do Brasil, como parceiro estratégico,


coincidiu com a perda de poder da Argentina na região, em termos
geopolíticos, econômicos e militares. Todavia, a criação do Mercosul
aproximou o Brasil da Argentina, diluindo a rivalidade dos dois
grandes da América do Sul e ampliando a parceria estratégica entre
ambos. Nesse contexto, o Paraguai soube jogar o jogo estratégico com
perspicácia, ganhando frutos com uma politica pendular em relação aos
dois grandes vizinhos. Para o bem e para o mal essa política pendular foi
iniciada e consolidada durante o governo Stroessner, integrando cada
vez mais o Paraguai à zona de influência direta do Brasil no Cone Sul.

Provavelmente, o fator mais relevante tenha sido o


aprofundamento das relações militares entre o Paraguai e o Brasil.
Desde a década de 1940, essa relação foi sendo construída visando
ampliar a presença militar brasileira no país vizinho para fazer frente
a influência argentina, inclusive militar, no Paraguai por motivos
históricos. A subida de Stroessner ao poder, sua formação militar
no Brasil, como a conexão com militares brasileiros, além do papel
predominante do Partido Colorado, contribuíram para consolidar
o papel do Brasil como parceiro militar, ainda mais depois do golpe
militar no Brasil em 1964, que praticamente selou a aliança militar
entre os dois países.

A partir do final da década de 1970, e na fase final da ditadura, a


indústria bélica brasileira encontrou no Paraguai um mercado seguro
para os seus produtos. Isso como uma decorrência da política externa

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 211


brasileira depois da construção de Itaipu, mas que era resultado de
uma ação de longo prazo iniciada anteriormente e que foi mantida
independente do momento politico no Brasil, democracia ou ditadura. O
Paraguai era prioritário nas relações militares com o Brasil. Nesse sentido
a proximidade com os militares paraguaios passou a ser estratégica para
as FFAA brasileiras.

REFERÊNCIAS
Arms Transfers Database All to Paraguay 1954-1989. In: <http://armstrade.sipri.org/
armstrade/page/trade_register.php> Acesso em: 7 set. 2014.
BIRCH, Melissa H. La política pendular: Política de desarrollo del Paraguay en la post-
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Asunción: Centro Paraguayo de Estudios Sociológicos, 163-217, 1990.
CATTONI NETO, Augusto. Exportação de Armamentos do Brasil. Segurança e Defesa. Rio
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CHALIAND, Gérard; RAGEAU, Jean-Pierre. Atlas Politique du XXe Siècle. Paris, Editions
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ENGLISH, Adrian J. Paraguay. Armed Forces of Latin America. London, Jane´s Publishing
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ESPOSITO NETO, Tomaz. Itaipu e as relações brasileiro-paraguaias, de 1962 a 1979:
fronteira, energia e poder. Doutorado em Ciências Sociais: Linha de Pesquisa em Relações
Internacionais. São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2012.
FARINA, Bernardo Neri; PAZ, Alfredo Boccia. El Paraguay bajo el Stronismo: 1954-1989.
Asunción: El Lector/ABC. El Diario Completo, 2010.
FLECHA, Antonio Salum. La política internacional del Paraguay. Política Exterior y
Relaciones Internacionales del Paraguay Contemporâneo. (Comp.) Asunción, Centro
Paraguayo de Estudios Sociológicos: 219-253, 1990.
LEWIS, Paul. Paraguay bajo Stroessner. Traducción de Maria Teresa Góngora Barba. Mexico:
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MORA, Frank O. Política exterior del Paraguay: a la búsqueda de la independência y el
desarrollo. SIMÒN G., José Luis. 1990. Politica Exterior y Relaciones Internacionales del
Paraguay Contemporaneo. (Comp.) Asunción: Centro Paraguayo de Estudios Sociológicos:
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OLIC, Nelson Bacic. Geopolítica da América Latina. 10ª ed. São Paulo: Moderna, 1992.
SIMÒN G., José Luis. Política Exterior y Relaciones Internacionales del Paraguay Contemporâneo.
(Comp.) Asunción: Centro Paraguayo de Estudios Sociológicos, 1990.
THÉRY, Hérve; MELLO, Neli Aparecida de. Atlas do Brasil: disparidades e dinâmicas do
território. 2 ed. Tradução de Atlas du Brésil. São Paulo: Editora da UNESP, 2009.
YOPO, Mladen. La Política exterior del Paraguay: continuidade y cambio em el aislamento.
SIMÒN G., José Luis, Política Exterior y Relaciones Internacionales del Paraguay Contemporâneo.
(Comp.) Asunción: Centro Paraguayo de Estudios Sociológicos: 121-161, 1990.

212 - CARLOS EDUARDO RIBERI LOBO -


Capítulo 11
SEGURANÇA PÚBLICA NAS
FRONTEIRAS DE MATO GROSSO DO
SUL*

Lisandra Pereira Lamoso**

INTRODUÇÃO

A discussão sobre fronteiras tem recebido especial atenção no


Brasil, em função da necessidade da construção de políticas públicas que
considerem a extensa faixa de contato do Brasil com os países vizinhos.
Tal fato é resultado de uma política de aproximação político-econômica
a título de integração regional.

A formação territorial brasileira apresenta seus pontos nodais de


circulação e concentração populacional na borda leste, com o Oceano
Atlântico, protagonista de nossas relações com os principais parceiros
comerciais. Voltar a atenção para a borda oeste representa, além do
desdobramento de uma estratégia integracionista, uma avaliação
concreta sobre a pouca existência de aparatos institucionais e materiais
a serviço da população fronteiriça.

* Pesquisa com apoio do Ministério da Justiça, CNPq e Fundect.Trabalho de campo re-


alizado no ano de 2013.
** Doutora em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo. Docente na Univer-
sidade Federal da Grande Dourados. Coordenadora da equipe do diagnóstico Enafron
que pesquisou 23 municípios no sul Mato Grosso do Sul.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 213


Os números dão a real dimensão dessa região de fronteira com os
demais países da América do Sul (excluindo Chile e Equador), cuja linha
internacional se desenha ao longo de 16.886 quilômetros, compondo
uma faixa de 150 quilômetros do limite internacional em direção ao
interior do território brasileiro. São 11 unidades da federação, com 588
municípios sendo 122 localizados na faixa de fronteira. Neste conjunto,
há municípios com maior relação de intercâmbio pela proximidade
física, que são as cidades gêmeas. As mesmas são definidas pela Portaria
n° 125, de 21 de março de 2014, do Ministério da Integração Nacional,
da seguinte forma:

Art. 1° Serão considerados cidades gêmeas os municípios cortados


pela linha de fronteira, seja essa seca ou fluvial, articulada ou não por
obra de infraestrutura, que apresentem grande potencial de integração
econômica e cultural, podendo ou não apresentar uma conurbação
ou semi-conurbação com uma localidade do país vizinho, assim
como manifestações “condensadas” dos problemas característicos da
fronteira, que aí adquirem maior densidade, com efeitos diretos sobre o
desenvolvimento regional e a cidadania.

Art. 2° Não serão consideradas cidades gêmeas aquelas que


apresentam, individualmente, população inferior a 2.000 (dois mil)
habitantes.

A Faixa de Fronteira é dividida em três grandes arcos: 1) Arco


Norte (compreendendo a faixa de fronteira dos Estados do Amapá, Pará
e Amazonas, além da totalidade dos Estados de Roraima e Acre; 2) Arco
Central (compreendendo a faixa de fronteira dos Estados de Rondônia,
Mato Grosso e Mato Grosso do Sul; 3) Arco Sul (inclui a faixa de fronteira
dos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul).

Se comparadas às características da borda atlântica, predomina


na faixa de fronteira um desenvolvimento socioeconômico menos
denso, infraestrutura de energia e circulação e telecomunicações mais

214 - CARLOS EDUARDO RIBERI LOBO -


deficientes e uma dinâmica criminal diferenciada, visto a circulação
de bens e pessoas entre os países em áreas de baixo monitoramento,
o que possibilita o chamado crime transfronteiriço1. Para além da
análise jurídica-criminal, há relações sociais permeadas pela carência
de instrumentos e mecanismos que possibilitem um pleno exercício
da cidadania, relativa insegurança, ausência de políticas públicas e
dificuldades impostas pela própria localização geográfica distante dos
centros de poder que dão retorno às demandas sociais, inclusive porque
são municípios de baixa densidade eleitoral e, pelas regras vigentes, com
pouca capacidade de atrair a atenção dos atores que estão nos cargos
políticos executivos e legislativos.

Em um louvável esforço de diagnosticar as particularidades dos


municípios da faixa de fronteira, entre os anos de 2007 e 2011, foram
levantadas algumas informações preliminares sobre segurança pública,
mais especificamente sobre os tipos de crimes mais recorrentes e o
perfil organizacional de instituições de segurança pública na região.
Esse levantamento mostrou que as taxas de homicídios, considerando
localidades de até 50.000 habitantes, são maiores nos municípios
localizados na faixa de fronteira, que naqueles fora dela. O dado revelou
que há questões presentes que merecem o enfrentamento de políticas
públicas específicas ou que, ao menos, atentem para a particularidade dos
espaços em questão. Não apenas por isso, mas por outras informações que
foram recolhidas, houve uma especial atenção à segurança pública nas
fronteiras brasileiras e, disso, derivou o Plano Estratégico de Fronteiras e
do Programa (ENAFRON).

O Plano Estratégico de Fronteira foi formalizado em 2011, e a


adesão dos Estados e o objetivo de realizar ações integradas entre órgãos
de segurança pública e defesa, sob liderança do Ministério da Justiça e do
Ministério da Defesa. A ideia de força desse plano é estreitar cooperação
e integração entre diversos órgãos com atuação importante na faixa
de fronteira, como a Receita Federal, Forças Armadas, instituições
1 Narcotráfico, contrabando e descaminho, tráfico de armas e munições, crime ambiental,
contrabando de veículos, garimpo e imigração ilegal.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 215


dos países com os quais o Brasil tem limites internacionais, além da
participação dos Governos estaduais e municipais.

O ENAFRON tem por objetivo intensificar o controle e a


fiscalização nas fronteiras brasileiras e especialmente, a prevenção,
controle e repressão de delitos transfronteiriços e delitos praticados nas
regiões de fronteiras em parceria com estados e municípios. Por iniciativa
do Ministério da Justiça, foi lançado o Edital n. 12, de março de 2012,
que selecionou 178 municípios, dentre os 588 que se localizam na faixa
e na linha de fronteira, para receberem apoio específico do Governo
Federal. Nesse momento se fez necessário um diagnóstico da situação
atual da segurança pública nesses municípios para que os investimentos
pudessem ser acompanhados e a política implementada fosse passível
de avaliação. Este diagnóstico foi financiado por meio de um termo de
cooperação entre a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Ministério
da Justiça) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) via dois de
seus Grupos de Pesquisa, o Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e
Violência Urbana (NECVU) e o Grupo RETIS2.

A convite da Professora Lia Osório Machado, do Grupo Retis, duas


equipes de pesquisadores se encarregaram de realizar o diagnóstico
solicitado no Mato Grosso do Sul, ficando 21 municípios a cargo da
equipe de pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(UFMS) e outros 23 aos cuidados da equipe da Universidade Federal da
Grande Dourados (UFGD). A equipe da UFGD ficou responsável pelos
seguintes municípios: Caarapó, Deodápolis, Douradina, Dourados,
Eldorado, Fátima do Sul, Glória de Dourados, Iguatemi, Itaporã,
Itaquiraí, Japorã, Jateí, Juti, Laguna Carapã, Mundo Novo, Naviraí,
Novo Horizonte do Sul, Paranhos, Rio Brilhante, Sete Quedas, Tacuru,
Taquarussu e Vicentina (Ver Figura 1).

2 Trabalho do Grupo Retis pode ser acessado em http://www.retis.igeo.ufrj.br/.

216 - CARLOS EDUARDO RIBERI LOBO -


FIGURA 1
Mato Grosso do Sul: municípios abrangidos pela pesquisa

Dois tipos de levantamento foram realizados, quantitativo e


qualitativo. O quantitativo foi aplicado em todos e o levantamento
qualitativo, apenas em 4 municípios: Dourados, Paranhos, Sete Quedas e
Mundo Novo. Foram selecionados pela expressão estratégica, localização
e complexidade na rede urbana da faixa de fronteira. Os levantamentos
quantitativos consistiram em aplicação de questionários na Polícia Civil,
Polícia Militar, Guarda Municipal, Polícia Federal, Polícia Rodoviária
Federal, Unidade das Forças Armadas, Força Nacional, Corpo de
Bombeiros, Unidades Prisionais, Varas Criminais, Juizado da Criança
e do Adolescente e/ou Conselho Tutelar, Ministério Público, Receita
Federal. No levantamento qualitativo, além dos questionários, foram
realizadas entrevistas com representantes da sociedade civil, poder
público, instituições de saúde e educação, membros de movimentos
sociais e outros definidos a partir do trabalho de campo. Também fez

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 217


parte da metodologia, a realização de Grupos Focais3, quando reunimos
um conjunto de pessoas selecionadas para que discutissem questões
colocadas pelos moderadores, emitindo opiniões e gerando debates.

Feita essa introdução, que contextualiza as condições de realização


desta pesquisa, o que apresentaremos neste texto. São descrições de
alguns pontos sobre as condições da segurança pública nos municípios
do Mato Grosso do Sul, com destaque para aqueles cujos limites político-
administrativos fazem contato com o Paraguai. A esses, uma especial
atenção será dedicada com o objetivo de caracterizar algumas de suas
peculiaridades fronteiriças. Não pretendemos estender uma análise
teórica para a interpretação dos fatos descritos pois nossa formação
acadêmica e limitações conceituais prejudicariam a qualidade da análise.
O objetivo é socializar parte da riqueza que foi o contato com agentes da
segurança, com comunidade em geral e com o espaço geográfico que,
em parte, explica as condições socioeconômicas e, concomitantemente,
é resultado desse mesmo processo. Afora isso, dados quantitativos
estão em processo de sistematização para relatório que será entregue à
Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) e as informações
sobre Mato Grosso do Sul sofreram restrição de divulgação, até a presente
data4, por parte da Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública
do Mato Grosso do Sul (SEJUSP). As informações aqui apresentadas
são relatos descritivos, não quantificam os eventos mas trazem, para a
discussão, frações do empírico que se colocam como desafio à nossa
interpretação do que são as condições de segurança pública na fronteira.

A APROXIMAÇÃO COM AGENTES DE SEGURANÇA PÚBLICA

A receptividade tanto na Polícia Militar quanto na Civil foi


muito positiva. Todos se mostraram solícitos ao fornecimento das
informações sobre a estrutura física, equipamentos e relatórios de
ocorrência. A principal observação diz respeito às condições do
trabalho de investigação pois, equipamentos simples como filmadoras
ou máquinas fotográficas não são comuns nas delegacias da polícia civil,

3 Para informações sobre a metodologia, cf. AZEVEDO e CIPRIANO, 2010.


4 15 de setembro de 2014. Foi acordado, com os entrevistados, que não seriam publiciza-
dos nomes ou outra forma que pudesse identificar a fonte da informação.

218 - CARLOS EDUARDO RIBERI LOBO -


principalmente dos municípios menores. Isso dificulta alguns registros
de flagrantes embora por iniciativa pessoal dos policiais, muitos façam
uso de equipamentos particulares. Já os peritos e legistas são em
número insuficiente e isso acarreta atrasos na conclusão de processos
que dependam de seus laudos.

Nos municípios mais próximos da linha internacional, foi detectado


uma redução do número de servidores quando consideradas as escalas de
trabalho e de férias. Em municípios como Paranhos, Sete Quedas e Japorã
as instalações da Polícia Militar são bastante modestas, sem restrição de
acesso ou garagem para viaturas. Há um grau de exposição que nos pareceu
inadequado. Não há dificuldade de acesso ou de, porventura, serem
tomados pelo efeito surpresa. Algumas delegacias têm, inclusive, os vidros
das salas do delegado pintados de preto para que não se possa perceber
a movimentação interna pelo lado de fora do prédio. São estratégias de
improviso enquanto não se reformam e melhoram as condições físicas.
O sistema de registro de ocorrências é interligado com Campo Grande,
que concentra a sistematização das estatísticas mas, invariavelmente, a
velocidade da internet não permite um trabalho eficiente. Muita ligações
são realizadas de forma improvisada, bem como a forma de arquivo da
documentação.

Nos municípios menores como Vicentina, Tacuru, Jatei, Taquarussu


e os acima citados, as entrevistas com pessoas da comunidade revelaram
depoimentos sempre compreensivos com as condições de trabalho e
os limites da atuação dos policiais. Um depoimento afirmou: “do jeito
que é, eles não têm como fazer muita coisa. A gente vê que eles não têm
condições mas fazem o possível”.

Na Polícia Civil, as condições materiais se alteram pouco, mas


chamou a atenção o fato de que as salas dos delegados se diferenciam
das condições gerais das Delegacias pois reúnem um pouco mais de
conforto e mobiliário adequado. Muitos delegados equipam suas salas
com sofás, tapetes, cortinas, cadeiras e escrivaninhas para poderem
trabalhar em um ambiente mais adequado e confortável. Encontramos
algumas delegacias nas quais o próprio aparelho de ar condicionado

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 219


era de propriedade particular, repassada mediante pagamento para o
próximo delegado em exercício, em caso de remoção do atual. Outra
observação diz respeito ao grau de compromisso dos delegados em
equipar suas delegacias se valendo de parcerias com entidades da
comunidade, pedido de doações ao comércio ou órgãos de classe, no
que são prontamente atendidos. Assim se adquire um computador a
mais, uma impressora melhor, alguma reforma necessária.

Além da questão material, esteve presente, no quadro de recursos


humanos dos municípios menores, uma intenção de ser removido para
uma localidade que oferecesse melhores condições não só de trabalho
mas de vida social. Os titulares e suas famílias sentem falta de opções
de lazer, serviços mais diversificados, escolas, aparato de saúde, opções
no comércio. Isso gera uma sensação de transitoriedade, de estar ali de
passagem no aguardo de uma remoção que viria como um prêmio pelo
bom desempenho. Foram citados centros de Dourados, Três Lagoas,
Naviraí e Campo Grande, ou mesmo concursos em outras unidades
da federação, como um “objeto de desejo”. Isso faz com que algumas
delegacias não contem com delegados titulares durante toda a semana.
Alguns optam por residir no município de melhor condição e fazer
expediente nos municípios menores, algumas vezes na semana, quando
há deficiência no quadro de pessoal.

Trabalhar na fronteira, nas condições materiais postas, também é


visto como um risco, pois os relatos quanto à porosidade5 das mesmas é
um discurso unânime, não só pela população como pelas autoridades da
segurança pública. Um dos depoimentos comentou sobre a política do
governo brasileiro em acentuar o processo de integração com os países
vizinhos, acusando a possibilidade de que isso tende a dificultar a ação
dos órgãos de segurança, pois tornariam o ir e vir mais facilitado e com
isso, mais difícil impedir o contrabando e o descaminho. A proposta de
fechamento das fronteiras físicas foi declarada apenas por um delegado,
embora todos apontassem a dificuldade que é trabalhar em condições
de tamanha porosidade.

5 Sobre o termo “porosidade”, cf. MACHADO, 2000.

220 - CARLOS EDUARDO RIBERI LOBO -


A fixação dos recursos humanos é um desafio de especial
importância para a política pública, que se depara com o dilema entre
ter o funcionário por muito tempo na mesma localidade ou promover
um rodízio intencional para que os mesmos não criem laços de amizade.
Servir durante mais tempo representa dominar o meio, conhecer as
pessoas, ter amigos, conhecer redes de poder, influência, saber das trilhas
e malícias. Estar durante um curto período de tempo significa perder
a oportunidade de construir esse conhecimento, embora um pretenso
distanciamento seja enxergado como algo positivo, visto que não criaria
vínculos ou possibilidades de cooptação. Após todo trabalho, esse é
um dilema sobre o qual não temos condições de opinar. São questões
complexas que envolvem o exercício profissional mas também desejos
pessoais numa linha muito tênue entre o que é bom para o órgão de
segurança e o que é desejável pelos servidores.

Nas Polícias Federais e Receita Federal foram encontradas


condições materiais boas, prédios novos ou reformados, estrutura física
e mobiliário, frota de veículos, agentes com visão de conjunto sobre os
desafios que estão postos na condição da fronteira. É muito diferente
das condições materiais encontradas nas Delegacias de Polícias Civil e
Militar.

O ponto que trazemos dessa discussão é a questão da lucratividade.


O lucro obtido, principalmente com a atividade do contrabando
de cigarros e do tráfico de drogas é algo muito sedutor, o que torna
difícil o controle e a repressão, pois são iniciativas que se multiplicam.
As apreensões batem recordes ano após ano, em especial no ano de
2013 quando se estima tenha havido uma super safra de maconha no
Paraguai. O lucro líquido de uma carreta com pacotes de cigarros que
sai do Paraguai com destino a São Paulo é estimada em torno de um
milhão de reais. A oferta de dez mil reais a um motorista pela viagem,
muitas vezes encontra uma pessoa disponível para o trabalho. Tivemos
a oportunidade, durante o trabalho de campo, de presenciar a apreensão
de um veículo de passeio no município de Mundo Novo, pela Polícia
Rodoviária Federal, em uma atividade de rotina. Semanalmente, há
carros sendo apreendidos com drogas nas rodovias de Mato Grosso do

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 221


Sul. As apreensões são transmitidas pela mídia que, dada a banalidade do
fato, busca sempre algo mais espetacular como os valores em toneladas
ou a criatividade no esconderijo da mercadoria.

Uma das estratégias utilizadas pelos traficantes, cotidianamente


relatadas pela imprensa é conhecida como “cavalo louco”. A estratégia
começa com o roubo do veículo em um estado vizinho, normalmente
Goiás ou Paraná, e o veículo vem para a fronteira para ser carregado de
drogas. Quando corre o risco de ser apreendido, ele é abandonado, o
condutor algumas vezes consegue fugir a pé adentrando cercas, correndo
pelo pasto. O carro é dado como perdido, pois quando a operação é bem
sucedida, ela tem condições de ser lucrativa o suficiente para suportar
estas eventuais perdas. Os agentes observam que o veículo carrega um
peso excessivo para o seu porte e no caso do “cavalo louco”, não há
preocupação em camuflar a droga. Os carros são montados abarrotados
de mercadoria. Os modelos Tempra e Vectra são muito visados pela
potência do motor e pelo espaço interno.

As apreensões em flagrante contribuem para a superlotação


dos estabelecimentos penitenciários gerando uma situação de fácil
comprovação: que os estados de passagem das drogas, quando têm
um serviço mais eficiente de apreensão, são onerados pela quantidade
de presos que o sistema tem que suportar sem que a expansão da
capacidade ou a dotação orçamentária seja proporcionalmente
ampliada. No Presídio Harry Amorim Costa, localizado em Dourados-
MS, a capacidade instalada (em outubro de 2013) é para 538 presidiários,
mais um acréscimo de 180 no anexo, totalizando 718 presidiários. No
mês em questão haviam 1.841 presidiários, destes eram 460 em situação
provisória, 70 indígenas e 40 paraguaios. Do total, 30% são originários
de outros estados que são pegos em atividade ilegal em sua passagem
por Mato Grosso do Sul. Na distribuição física, um raio específico
(ala) é destinada aos membros de facção criminosa, com destaque
para o Primeiro Comando da Capital (PCC). Há membros que se auto
denominam Primeiro Comando de Mato Grosso do Sul (PCMS) e
alguns do Primeiro Comando de Dourados (PCD).

222 - CARLOS EDUARDO RIBERI LOBO -


Facções chamam de “soldados” quem está em liberdade ou na
condição de fugitivo, ou quem ainda não foi julgado. Os “soldados”
trabalham para que aqueles que estão presos tenham suas famílias
assistidas, além de realizar as atividades exigidas pelo alto comando. Agem
com crueldade porque isso aumenta seu status na facção. Identificarem-se
como membros de facção é sinal de prestígio no interior dos presídios.
Não têm receio de confrontos com atividade de rotina da polícia e
procuram envolver o máximo possível os familiares. Chegam a investir em
membros da família para que se tornem policiais, custeiam as despesas
com cursos universitários e despesas com concursos públicos para cargos
em órgãos de segurança pública. Têm uma ética mafiosa, armam uma rede
de proteção entre si. Diferem dos “autônomos” que não trabalham em rede
e não gozam de proteção.

Foi observada uma extensão da facção em direção ao Mato Grosso


do Sul e ao Paraguai, o que levou a algumas iniciativas de aproximação
entre as polícias dos dois países. Foi citado, na ocasião do trabalho com
agentes federais, que há uma dificuldade de construir relações e acordos
com agentes da segurança do Paraguai porque há uma rotatividade entre
eles. Leva um tempo para o reconhecimento mútuo, para que ambos
os lados construam uma confiança mútua e num momento seguinte
essa relação é interrompida pela substituição do responsável por outra
pessoa. A base da cooperação, para além dos acordos na esfera federal, é
possível pelo contato pessoal, pela ação e comunicação que pode ocorrer
no cotidiano do exercício profissional. Os acordos de cooperação não
sobrevivem se as relações no local não lhe derem suporte, se tornam
estéreis ou com reduzida eficácia. Os agentes precisam se encontrar, ter
fóruns de discussão e de cooperação, de trocas de experiências. Mas
isso tudo pressupõe uma relação de confiança pessoal e esta se constrói
a partir de relacionamentos concretos.

Lidar com a criminalidade na fronteira coloca em jogo a segurança


pessoal, familiar e patrimonial e, embora os servidores estejam cientes
dos riscos quando assumem o exercício profissional e suas vagas nos
concorridos concursos públicos, em algum momento as condições
reais tornam-se mais extremas. Tivemos a oportunidade de conhecer
um agente da Polícia Rodoviária Federal que teve seu veículo pessoal

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 223


queimado, no estacionamento do Posto de Fiscalização, em uma ação de
retaliação de grupos organizados que tiveram os interesses prejudicados
pela ação da fiscalização. Nesse mesmo ponto da fiscalização, também
presenciamos a reação, por parte do Estado, ao enviar uma operação
especial com helicóptero de patrulha para intensificar a fiscalização na
linha internacional e passar informações ao pessoal em terra. A aeronave
carregava agentes armados, prontos para a abordagem. Ao mesmo
tempo, frente àquela clara demonstração de poder por parte da segurança
do Estado, sabemos que as operações especiais implicam em custos
mais elevados e não são mantidas rotineiramente. Além disso, ao se
intensificarem as ações em determinada área, há um período de “recesso”
do crime organizado aí, até que a operação especial seja encerrada.

Encontramos entre os próprios agentes do Estado, visões opostas


quanto as operações especiais6. De um lado, ganha-se, com o aumento
das apreensões, treinamento em ações complementares que utilizam
mais de uma força, maior reconhecimento do terreno e do modus
operandi. Há uma intensa mobilização por um período definido de
tempo, que também tem custos mais elevados. Por parte da comunidade
há a percepção de que o Estado possui capacidade de enfrentamento
do crime transfronteiriço quando demonstra todo seu aparato material
e expõe seus recursos humanos. As operações também implementam
ações de caráter cívico-social na faixa de fronteira (como atendimentos
médico-odontológicos). O contraponto crítico afirma que as operações
são caras e que seus períodos de tempo definidos fazem com que a
própria ação do crime organizado aguarde pelo seu término para a
retomada das atividades.

O COTIDIANO E SUAS PARTICULARIDADES


Os moradores de municípios considerados como cidades gêmeas,
que compartilham ir e vir, comércio, serviços, laços familiares, eventos
legais e ilegais precisam, quase permanentemente, de um poder regulatório
que seja consensualmente compartilhado por ambos os países. Em vários

6 Exemplo de divulgação da Operação Ágata 8 está disponível no link: http://www.brasil.


gov.br/defesa-e-seguranca/2014/05/comeca-a-operacao-agata-8-na-fronteira-brasilei-
ra

224 - CARLOS EDUARDO RIBERI LOBO -


momentos, as decisões no nível hierárquico do Estado Nacional demora
para chegar ou traz efeitos adversos.

Em Sete Quedas, um caso é ilustrativo da necessidade de


compartilhar o que chamaremos aqui de “regulação do cotidiano
na fronteira”, na falta de um termo melhor. No município havia um
estabelecimento privado de lazer que oferecia shows, espaço para música
e dança, com tradicional consumo de bebida alcoólica e se popularizou
como alternativa para, principalmente, o público adolescente. Este
estabelecimento foi alvo de reclamações de moradores pelo fato de
possibilitar consumo excessivo de bebida alcoólica, aumentar o risco
de acidentes de trânsito, som alto. Valendo-se do pretexto do incêndio
ocorrido na Boate Kiss, na cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul,
que vitimou muitas pessoas e atingiu repercussão nacional em busca
de maior fiscalização, o estabelecimento de Sete Quedas foi fechado.
Encerrou suas atividades em Sete Quedas mas transferiu-se para o
núcleo urbano vizinho de Pindotiporã, no Paraguai, bem próximo da
linha internacional, com amplo e irrestrito acesso.

O que os moradores passaram a relatar é que, se em Sete Quedas a


legislação proibia a entrada de menores de idade e restringia a venda de
bebida alcoólica, além de uma relativa fiscalização que impedia a entrada
com armas ou objetos que pudessem oferecer risco à vida, o mesmo
não ocorre em Pindotiporã, no Paraguai. Lá os frequentadores não são
triados por faixa etária e não há restrição a venda de bebida alcoólica ou
entrada portando qualquer tipo de objeto ou arma. Os frequentadores
passaram a estar mais expostos e as ocorrências negativas em função
dessa forma de lazer se acentuaram, dando trabalho aos assistentes
sociais.

Este caso é bastante ilustrativo do quanto o cotidiano é


compartilhado e da mesma forma as questões que afetam os moradores
exigem uma solução compartilhada, minimamente negociada entre
Brasil-Paraguai, Sete Quedas/Pindotiporã.

A porosidade do ir e vir foi algo destacado como peculiaridade


da fronteira. Houve muitos relatos de que se alguém comete um crime

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 225


e foge para o outro País, “não acontece nada”, muito embora também
tenham tido notícias do registro de que há uma cooperação entre
ambas as polícias para recuperação de fugitivos. Esta questão não está
resolvida, depende de protocolos locais que sejam referendados em
nível federal. Adentrar o país vizinho rompe com as regras da soberania
e afeta relações diplomáticas, seja qual for o motivo.

A facilidade de comprar armas é outro ponto destacado por


moradores e autoridades locais. No Paraguai não há restrição à venda
de armas de fogo ou munição, não há controle. O trabalho de campo
encontrou duas análises. Uma de que é fácil comprar mesmo sem um
objetivo específico. Outra se ampara na questão cultural - as pessoas
da área rural têm necessidade de estar armadas para o enfrentamento
de algum animal selvagem. É uma questão cultural possuir arma de
fogo, não relacionada à intencionalidade de praticar algum crime ou
delito premeditado. Essa facilidade se soma a uma ocorrência cotidiana
que, não necessariamente, possui exclusividade na fronteira, que são
brigas ocorridas em bar motivadas pela embriaguez, casos de violência
doméstica ou conflitos pessoais. Possuir a arma nessas condições pode
levar o conflito ao extremo do homicídio ou de lesão corporal grave.

Qual o maior número de ocorrências atendidas pelos policiais?


Não são crimes transfronteiriços. São brigas de bar, violência doméstica,
perturbação da ordem por utilização de som alto, acidentes de trânsito.
Há um ditado que diz que: “na fronteira não há bala perdida, a bala possui
CPF”. Se morreu, foi resultado de encomenda. Esse imaginário garante ao
cidadão que não está envolvido em redes ilegais, que goze de tranquilidade,
pois acredita que se não se envolver ou mantiver pleno “desconhecimento”
do que ocorre ilegalmente, não tem com o que se preocupar com relação
à chamada “violência na fronteira”. A resposta, quando indagados se há
sensação de insegurança por morar numa cidade de fronteira, foi de que
“a cidade é muito tranquila, se pode dormir de janela aberta”, desde que
o distanciamento e a ignorância sobre a ilegalidade sejam incorporadas.

Ao mesmo tempo, nos debates ocorridos nos grupos focais, quando


questionados se há conhecimento de redes ilegais, a maioria afirma dizer
que sim, isso é um fato naturalizado. Os “ilegais” participam da sociedade,

226 - CARLOS EDUARDO RIBERI LOBO -


possuem negócios legais, são aceitos socialmente e uma sensação de
impunidade e normalidade está presente. Não há um princípio moral de
julgamento, as relações são muito próximas, se convive no dia a dia, na rua,
no supermercado, na escola, todos se conhecem e se reconhecem. O melhor
a fazer é fingir o desconhecimento ou não estreitar o envolvimento social,
quando possível.

Em uma das cidades pesquisadas, foi enfatizada a questão da


prostituição infantil como uma ocorrência possibilitada pelas condições
do meio. A mesma faz parte de uma rota em direção ao país vizinho
(Paraguai), de muito movimento. Também funciona como ponto de
parada e abastecimento, além de possibilidade dos caminhoneiros se
utilizarem do custo menor dos pneus no Paraguai para substituírem
os pneus usados de trucks e carretas. Esse movimento masculino, em
trânsito, foi relatado como um potencial fator de exploração sexual infantil
e também de prostituição adulta. Ainda mais grave, muitas vezes, com o
conhecimento e consentimento familiar. Até então, não tinha chamado
a atenção a quantidade de cartazes e campanhas de conscientização que
vimos nos estabelecimentos públicos, nos fóruns, nos estabelecimentos
do CRAS e CREAS7 que fazem o trabalho de acompanhamento dessas
situações. A rede de Assistentes Sociais, Psicólogos, Pedagogos, membros
dos Conselhos Tutelares, Vara da Infância e promotores públicos
é extremamente importante nessas situações. É fundamental que
existam condições materiais para o pleno exercício das suas respectivas
funções, além da manutenção de uma rede de compartilhamento e
complementaridade na atuação entre os mesmos.

A ilegalidade na fronteira não ocorre apenas nas redes do crime


organizado, mas está nas entranhas do cotidiano, permeadas pelas opções
que são pessoais, mas também podem sofrer da ação das organizações
socioeconômicas do entorno. Alguns debates nos grupos focais, com
a presença de adolescentes, evidenciaram a facilidade que existe em
“entrar para tráfico”. Aqueles que se submetem têm condições materiais
diferenciadas, exemplificadas com a possibilidade de comprar carros que
são objetos de status, não ter rotina de trabalho exaustivo. Os adolescentes
reclamam da falta de oportunidades, principalmente nas cidades

7 Centro de Referência de Assistência Social e Centro de Referência Especializado de


Assistência Social, respectivamente.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 227


menores. Não há opções de lazer, atividades extraclasse, os empregos são
escassos e mal remunerados. O aparato estatal intervém em momentos de
manutenção da ordem, realizando blitz no trânsito, coibindo embriaguez
ao volante e a perturbação do sossego, mas poucos investimentos são
realizados para se criar uma alternativa de inserção social e econômica,
mesmo com alguns esforços bem sucedidos dos programas de assistência
social.

Em um dos depoimentos, um adolescente afirmou ter atropelado


um cidadão paraguaio na cidade vizinha. Ele teria sido preso se não
fosse namorado da filha de um conhecido traficante da região. Com
o “salvo conduto”, alega ter sido liberado pela polícia do Paraguai. A
moral da história é que fazer parte da rede, da forma que for, tem suas
vantagens e pode ser útil.

A proteção em rede é uma das sustentações do Primeiro Comando


da Capital (PCC) que, segundo depoimento de vários agentes de
segurança, tem expandido seu raio de atuação para o Mato Grosso
do Sul e para o Paraguai e há indícios que Mato Grosso do Sul seja o
segundo ponto mais importante de atuação da facção. Há um código de
obediência que exige a realização de qualquer tarefa, desde a participação
no tráfico à eliminação de um inimigo no interior da cadeia ou da
penitenciária. Em contrapartida, quando preso, sua família continua
recebendo auxílio financeiro e manutenção das condições materiais
como alimentação, aluguel, escola dos filhos. É isto que diferencia o
membro da facção do “autônomo”, além das estratégias extremamente
violentas e de um forte aparato econômico que sustenta a estrutura e o
poder de combate bélico.

Em outro depoimento, um delegado relatou críticas recebidas


pelo fato da polícia apreender mercadorias transportadas do Paraguai
para o Brasil por camelôs, trabalhadores informais que possuem
barracas nos conhecidos “Camelódromos”. Em sua defesa, a senhora
alegou que não merecia ser prejudicada com a prisão e apreensão das
mercadorias, pois estava trabalhando, e não roubando ou matando,
e que a polícia tinha que se preocupar com outro tipo de crime. O
delegado relatou que na sua experiência profissional tem sido comum
encontrar pessoas que entram para o tráfico pela porta da mercadoria

228 - CARLOS EDUARDO RIBERI LOBO -


de baixo valor, como ventiladores, brinquedos, eletrônicos. Com o ir
e vir habitual às compras no Paraguai, em determinado momento ela
percebe que o lucro pode ser maior ou é convidada a trazer algo menos
inofensivo, como um pacote de munição, uma arma, um tablete de
droga, aumentando a renda. Aumenta o lucro e aumenta seu padrão
de vida que, para ser mantido, exige em contrapartida, a continuidade
do delito. Essa “ascensão social” muitas vezes é percebida por vizinhos,
pelos familiares. Não se trata de regra, mas de um dos caminhos nos
quais se misturam o legal e o ilegal. Da mesma forma, há traficantes que
são proprietários de estabelecimentos comerciais, empresas e negócios
legais, recolhendo seus impostos e legitimando sua condição material.

FRONTEIRAS E RESERVAS INDÍGENAS

As reservas indígenas, entre todos os pontos abordados no trabalho


de campo, foi o que assumiu maior protagonismo. Elas não estavam nos
roteiros préestabelecidos dos questionários mas foram comparecendo
nas declarações dos juízes, delegados, representantes de associações de
classe, membros da comunidade.

Não é mais possível pensar em políticas de segurança pública


no Mato Grosso do Sul sem considerar a existência e as condições
de vida dos indígenas nas reservas e fora delas. Em municípios como
Caarapó, Iguatemi. Amambai e Dourados, para citar alguns exemplos,
há demandas indígenas para o poder judiciário. Eles têm causas, são
chamados a depor e não há um suporte mínimo para isso quando
eles enfrentam dificuldades com o idioma. É um desafio melhorar a
assistência do judiciário a essas populações.

Em um caso citado em trabalho de campo no município de


Paranhos, houve denúncia de retenção dos cartões emitidos pelo
programa social do Governo Federal que possibilita aos indígenas
efetuarem compra de alimentos em estabelecimentos comerciais.
Após denúncia, as investigações precisam de provas materiais. Nesse
momento, o depoimento do indígena é de que ele próprio pediu para
o comerciante guardar seu cartão porque ele tem muita facilidade de
perdê-lo. Esse depoimento enfraquece as provas contra o comerciante. O
que leva o indígena a protegê-lo é o fato de que a relação de dependência

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 229


está diretamente instalada na relação mercantil, é o comerciante que
tem a mercadoria, ele que pode guardar a senha para facilitar o uso
mensal, às vezes também se responsabiliza pelo transporte das compras
até a moradia na reserva. São relações entendidas como um “favor” sem
o qual a utilização do cartão pode se tornar muito mais difícil.

A população indígena e os recursos dos programas sociais que


entram na economia municipal por meio dos indígenas também
provocam dinamismo no comércio de cidades menores. Essa vida
compartilhada da reserva-cidade-reserva os coloca em contato com
hábitos de consumo que podem ser acessados pela condição aquisitiva
que têm, adquirida por meio do trabalho na área rural (muitas vezes,
em usinas de cana-de-açúcar, outras, pela venda de alguma mercadoria
ou pelo recurso das políticas públicas de assistência social). O acesso à
bebida alcoólica é o mais visível do ponto de vista da influência negativa
que acarreta. O alcoolismo é algo já consolidado entre a população
indígena e motivador de muitas ocorrências de violência que aumentam
as estatísticas dos órgãos de segurança. Há estupros, homicídios, casos se
suicídio e violência doméstica que têm a embriaguez como protagonista,
para homens e para mulheres.

Se o álcool aparentemente não mantém uma relação com o


ambiente da fronteira, o mesmo não se pode afirmar sobre as drogas
como maconha e crack. Tomamos conhecimento de relatos de que os
traficantes se utilizam de adolescentes e crianças para o transporte
e armazenamento de drogas e também do consumo de drogas pelos
mesmos. As reservas são pontos de passagem, quando próximas da
linha internacional ou áreas de armazenamento, quando localizadas
próximas a centros urbanos maiores, como é o caso do município de
Dourados.

Na Reserva Indígena de Dourados, realizamos um Grupo Focal


com lideranças indígenas e alguns membros do conselho de segurança
da reserva. As discussões apontaram para o aumento do consumo de
drogas pelos adolescentes e uma organização dos mesmos, em grupos

230 - CARLOS EDUARDO RIBERI LOBO -


mais violentos, quando sob o efeito das drogas, o que causa temor e
insegurança aos moradores, principalmente quando precisam se
deslocar pela reserva no período noturno.

É outro desafio imenso para a política pública. As ocorrências


são atendidas pela Polícia Civil, que encontra dificuldades inclusive de
localização no interior das reservas. Não há um arruamento clássico,
um sistema de localização que seja de conhecimento do policial militar,
sempre é necessário contar com a ajuda de alguém da comunidade.

A situação crítica fez com que o Governo Federal enviasse, a título


paliativo, policiais da Força Nacional para a atuação nas reservas, na
repressão ao tráfico de drogas e na manutenção da ordem. Esta tarefa
não está no rol de operações tradicionais na rotina desses policiais. É
necessário um conhecimento da cultura dessas comunidades, de sua
forma de pensar e de se expressar, como agir e se comunicar com os
mesmos. Na fala de uma das lideranças, “A justiça branca interfere e
não resolve porque a autoridade branca não tem o mesmo respeito (...).
A Forma Nacional não consegue resolver. Ninguém fala o Guarani na
Forma Nacional. Fica varrendo contra o vento.” Sem isso, a relação
de hierarquia e uso da força prevalecerão como um complicador do
convívio. A princípio, comemorou-se uma relativa tranquilidade e as
apreensões de armas e drogas, mas a longo prazo é preciso um modelo
de segurança pública que seja inclusive discutido com as lideranças.

No Grupo Focal percebemos que há uma dificuldade em entender


as leis do nosso sistema judiciário. Em um dos casos relatados, membros
do Conselho de Segurança Indígena apreenderam um indígena que
havia cometido um delito. Ele foi entregue na Delegacia, o delegado
tomou o depoimento e liberou para que aguardasse o julgamento em
liberdade, como prega o ritual jurídico, pois não houve a prisão em
flagrante. O retorno do indivíduo à convivência com os pares foi motivo
de indignação e incompreensão da comunidade. Eles partem de outro
código de conduta e há um choque entre as duas formas de agir. Os

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 231


membros do Conselho de Segurança foram “desrespeitados”, perderam
a “legitimidade” da ação. Com a autoridade questionada e a ausência de
um aparato alternativo, a situação tende a ficar mais critica.

A sugestão que parte deles, é uma política de treinamento de


lideranças indígenas, pois quem tem o nome indígena é mais respeitado.
Um posto policial no interior da reserva, é uma sugestão antiga que ainda
não encontrou sua forma de viabilidade no emaranhado burocrático
que permeia a autonomia e a subordinação das reservas do Governo
Federal, para que “em vez de ficar pegando quem vende a droga, pegue
o cabeça”, para fechar as bocas de fumo e reduzir o consumo de bebida
alcóolica, além de um veículo que os próprios indígenas possam usar
para levar os apreendidos para a delegacia e não ter que ficar esperando
a chegada da viatura.

A EXPERIÊNCIA DO DEPARTAMENTO DE OPERAÇÕES DE FRONTEIRA


(DOF)8

O DOF é a primeira unidade policial integrada no Brasil,


que reúne ação conjunta de policiais civis e militares e tem obtido
resultados expressivos na apreensão de drogas e no combate aos crimes
transfronteiriços em Mato Grosso do Sul. Atua em 51 municípios, em
1.517 quilômetros de fronteira do Mato Grosso do Sul com Paraguai e
Bolívia.
O Departamento de Operações de Fronteira (DOF) foi criado em
28 de maio de 1987 como Grupo de Operações de Fronteira (GOF) para
combater crimes na fronteira, como roubo de gado, maquinário agrícola,
caminhonetes, tráfico de drogas. Estava sediado na capital Campo
Grande, com rotineiras operações na fronteira próxima a Ponta Porã,
de 1987 a 1989. Com a aceitação de seu trabalho e resultados obtidos,
uma Organização Não Governamental foi organizada para reivindicar
e fornecer estrutura para que o GOF ficasse sediado no município de
Dourados. A ONG foi criada com o nome de SALVE (Sociedade dos
Amigos da Liberdade, Vigilância e Esperança) e angariou recursos
para a construção da sede em Dourados que foi cedida em regime de
8 As informações desse item tiveram por base entrevista realizada com o Coronel Dilson
Osnei Nazaretti Duarte, diretor do DOF, em 30 de agosto de 2013. Registramos que as
interpretações presentes e possíveis equívocos são de nossa inteira responsabilidade.

232 - CARLOS EDUARDO RIBERI LOBO -


comodado. Enquanto o DOF existir, ele pode utilizar das instalações.
Sua participação financeira também abrange o pagamento dos
funcionários civis, despesas como pagamento de “chapas” contratados
para descarregar caminhões com suspeita de carga ilegal e, ainda, as
despesas de rotina com a manutenção do prédio, com água, luz, telefone,
limpeza.

O DOF também recebe recursos da SENASP através de convênios


com o Governo Federal e algum recurso vindo, por exemplo, da Itaipu
Binacional como contrapartida para a operações de fiscalização no
refúgio ecológico da empresa binacional. Em troca, a Itaipu Binacional
cede aeronave para voos regulares com duração em torno de 6 horas.
Esse sobrevoo, em muito, auxilia no mapeamento das rotas e da
movimentação suspeita nas vias terrestres. A informação é passada para
o pessoal da itinerância em terra e aumenta a eficiência das operações.

A origem de sua atuação ficou marcada no imaginário popular pela


violência e pelo temor que impunha aos contrabandistas e ladrões que
atuavam na área rural e mesmo em focos na área urbana. Após críticas e a
necessidade de reestruturação, aproveitando a ocasião da reestruturação
da própria SEJUSP, em 15 de janeiro de 1996, sua denominação foi
alterada de GOF para DOF. Em 2006 foi criada a Delegacia Especializada
de Repressão aos Crimes de Fronteira (DEFRON), formada por policiais
civis e que compartilha as operações com o DOF. O compartilhamento é
feito segundo responsabilidades definidas para cada força. Por exemplo,
quando os policiais militares do DOF apreendem um suspeito de tráfico
este é encaminhado ao DEFRON, que dá prosseguimento ao seu papel
de investigação e providências judiciárias.

Em agosto de 2013, o DOF contava com 113 policiais militares


e 8 civis com uma expectativa para que o quadro aumentasse para
140 policiais militares e 126 civis, para melhor atuação em sua área de
cobertura. Para as atividades desenvolvidas, especificidade da atuação e
características da área de abrangência, as estimativas do DOF eram de
que seriam necessários 350 agentes.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 233


É uma experiência de bom relacionamento, entre civis e
militares, que coleciona resultados no processo de coibição dos crimes
transfronteiriços, funcionando como uma força de elite para os policiais
militares que têm o objetivo de ingressar em suas fileiras. Para atuar no
DOF e DEFRON (um Departamento), o policial precisa se apresentar
como voluntário, não pode ter informações que desabonem sua conduta
conduta, não pode ter condenações criminais ou estar respondendo a
processos administrativos disciplinares criminais sob pena de exclusão
do serviço público, ter no mínimo 3 anos de experiência na polícia,
além do curso de formação na instituição de origem. Quando preenche
esses requisitos, passa por a apreciação do secretário de segurança
pública, que homologa ou não o nome. O comando do DOF é sempre
coordenado por um oficial militar de formação, da patente de Tenente-
Coronel ou Coronel.

O desvio de conduta é uma preocupação permanente porque as


operações implicam em risco de vida em situações de confronto. Para
isso, é estabelecida a estratégia de rodízio de 30% do efetivo, por ano.
Esse quantitativo é remanejado, embora o policial possa retornar. Essa
estratégia procura contemplar participação de um número maior de
policiais, para que outros tenham oportunidade de conhecer como é o
trabalho do Departamento. Esse rodízio se faz entre servidores de diversos
municípios do Estado. Cursos de capacitação específicos para a atuação, são
frequentados conjuntamente por policiais civis e militares.

Está subordinado à Secretaria Estadual de Segurança Pública e em


termos de ganhos salariais, a diferença dos demais membros da Polícia
Militar está em valores adicionais que os membros recebem a título de
diárias que dependem da localidade nas quais precisam pernoitar. Escala
de serviço é de jornadas de 4 dias de serviço por 8 de folga com uma escala
reduzida no mês que é de 4 dias de serviço por 4 dias de descanso. O
serviço de patrulha é itinerante, seus veículos correm a faixa de fronteira
e têm amplo poder de circulação em vicinais pouco transitadas e nas
“cabriteiras”, vias de acesso improvisadas pela rota do tráfico. A itinerância
é uma das forças da sua atuação.

Em 2012 foram feitas 1.614 visitas nas propriedades da faixa

234 - CARLOS EDUARDO RIBERI LOBO -


de fronteira. Essas visitas são em propriedades rurais como sítios,
fazendas, assentamentos, reservas indígenas. Nessas visitas também
é comum, além da ação tradicional, que os policiais sejam solicitados
(e respondem positivamente) a um transporte de pneu, medicamento,
sacolões de mantimentos e cestas básicas, por solicitação das pessoas da
comunidade. Quando se trata de locais de difícil acesso, sem meios de
transporte regular, os veículos do DOF também se prestam a essa função
de auxílio social. Isso constrói uma relação de capilaridade em sua
atuação e a aproximação é um ativo importante para o desenvolvimento
de suas atividades fins.

Por isso, o DOF conta com pontos de apoio na área rural e


também na área urbana, onde a equipe pode realizar seu pernoite e
fazer suas refeições. Há 300 pontos de apoio nos 51 municípios. Oferece
apoio à atividade dos demais órgãos de segurança pública como Polícia
Federal e Polícia Militar. Se há uma ocorrência em uma área distante e
de difícil acesso, o DOF é solicitado a participar com o pessoal que tem
conhecimento da região e veículos próprios para o deslocamento.

Para o DOF, a especificidade da região é a “permeabilidade da


fronteira”, pela extensão da fronteira seca que não oferece muitos
obstáculos à transposição e conta com pouco aparato público de
controle, como postos da receita, postos da polícia rodoviária federal,
apoio do IBAMA, da FUNAI. Essa condição já foi objeto de algumas
iniciativas paradiplomáticas. Seu insucesso é creditado, em parte, à
rotatividade dos servidores que ocupam cargos de comando nas forças
dos países vizinhos. Tanto no Paraguai quanto na Bolívia não há um
período mínimo de permanência dos responsáveis na função, o que
tem prejudicado uma relação de longo prazo pois não há continuidade
do protocolo de intenções que é negociado no momento que outra
autoridade assume o cargo.

Uma relação de desconfiança mútua talvez ainda permeie as relações


entre Paraguai e Brasil. Algo com reflexos de processos históricos, entre
os quais a Guerra do Paraguai, exerce certo protagonismo. São frequentes,
ocorrências de roubos de veículos que são levados para o Paraguai.
No Paraguai, os proprietários relatam terem adquirido veículos de

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 235


proprietários brasileiros que levaram os carros até o Paraguai e venderam
mas, posteriormente, no Brasil, é dada queixa de roubo e envolvem a
compensação por parte das seguradoras. É o conhecido “Golpe do Seguro”.
Do lado brasileiro, a “culpa” é do Paraguai, enquanto que o país vizinho
alega má-fé dos proprietários brasileiros. É possível que isso ocorra, e serve
apenas como um exemplo das questões que permeiam a relação entre os
países e refletem nessa forma de olhar o outro. Quem atua na segurança na
fronteira convive com o olhar do outro diariamente, às vezes dificultando
relações de confiança e compartilhamento de estratégias de segurança.

Roubos de veículo, apreensão de maconha e cocaína, tráfico


de armas e contrabando de cigarros são as atividades mais presentes
na atuação do Departamento. Nos municípios do sul do Estado, à
predomínio da apreensão de maconha e cigarros. Uma carteira de
cigarros pode ser adquirida no Paraguai por valores entre R$0,25 e
R$0,50 centavos. No Brasil, o preço mínimo é de R$3,50, o que explica a
alta lucratividade do contrabando.

Em síntese, a cooperação DOF/DEFRON, no Mato Grosso do


Sul, tem sido alvo de maior atenção dos órgãos de segurança pública,
inclusive com algumas perspectivas de que o modelo possa ser replicado
nos outros estados da faixa de fronteira. Em tese, quando se altera o
espaço geográfico (no sentido mais amplo, formado por características
naturais, socioeconômicas, culturais e políticas) não é automático que
uma iniciativa bem sucedida em um espaço, tenha o mesmo resultado
em outro. Transportar modelos tem suas limitações, mas é possível
apreender e selecionar estratégias bem exitosas, corrigir percursos.
Acumular experiências e aprender com, é um dos desafios postos aos
órgãos de segurança pública.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este texto se baseia em relatos dos trabalhos de campo realizados


pela equipe de Dourados9, como parte do diagnóstico encomendado

9 A equipe de Dourados teve a participação dos Professores Doutores André Luiz Faist-

236 - CARLOS EDUARDO RIBERI LOBO -


pela SENASP à UFRJ (representada pelos Grupos NECVU e RETIS).
São relatos selecionados com o objetivo de registrar informações que
trazem um pouco das particularidades da fronteira pesquisada; são
parciais, resultam de interpretações subjetivas e se colocam como
subsídios a novas agendas de pesquisa.

Na atual conjuntura, estão superadas as análises que restringiam


segurança pública a crimes transfronteiriços. Cada vez mais se coloca
uma visão ampla que aponta para a necessidade de que a política de
segurança pública envolva a universalização do acesso a saúde, educação,
oportunidades de trabalho e renda, possibilidades de exercício pleno
da cidadania, respeito à alteridade. São esforços que prescindem de
cooperação internacional, preferencialmente paradiplomáticas, pois é
no local da vida cotidiana que os problemas são sentidos, que se pode
gestar reflexão e discussão de encaminhamentos efetivos. Na hierarquia
do Governo Federal as ações são morosas, estão por vezes distantes
dos anseios da sociedade local, embora sejam também fundamentais e
relevantes.
No caso do Mato Grosso do Sul, também estamos certos de que
não há como ignorar que a existência da imensa população indígena
requeira medidas específicas de atenção pois partem de especificidades
que ainda estamos longe de compreender. Ouví-los e compartilhar das
decisões de suas instâncias, será proveitoso.

Sobre o sistema repressivo, talvez já tenhamos avançado bastante.


É necessário que a materialidade dê suporte às boas intenções,
aumentando a rede de presença do aparato institucional, efetivando a
modernização técnica do território. A literatura já acumula registros que
descrevem como o mundo se alterou, a título de globalização e como
a porosidade ou permeabilidade não é algo localizado. Os negócios
acontecem em redes mundiais, interconectadas em situações nas quais
se torna impossível separar o legal do ilegal.

A leitura do território também nos permite afirmar que os estados

ing e Jones Dari Goettert, dos auxiliares Ucleber Gomes Costa, Fábio de Lima e Larissa
Sangalli, a quem devo agradecimentos pela valorosa contribuição.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 237


fronteiriços têm demandas diferenciadas. Arcam com um trabalho de
repressão, apreensão e manutenção de estruturas institucionais cuja
efetividade repercute em todo território nacional.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Paulo Roberto; CYPRIANO, Luiz Alberto. O uso de grupos focais como
métodos de levantamento de demandas por políticas sociais regionais. In: Anais II Encuentro
Latinoamericano de Metodologia de las Ciencias Sociales. Hermosillo, Sonora (México), dez.
2010.
MACHADO, Lia Osório. Espaços transversos: tráfico de drogas ilícitas e a geopolítica da
segurança. In: Fundação Alexandre Gusmão. Geopolítica das Drogas (Textos Acadêmicos).
Brasília : FUNAG, 2011.
__________. Limites e fronteiras: da alta diplomacia aos circuitos da ilegalidade. Revista
Território. Rio de Janeiro : IGEO, v. 8, p. 9-29, 2000.

238 - CARLOS EDUARDO RIBERI LOBO -


Capítulo 12

A EVOLUÇÃO DA QUESTÃO DE
LIMITES NAS RELAÇÕES ENTRE
BRASIL E PARAGUAI DE 1822 A 1864:
da independência à guerra

Tomaz Espósito Neto*

INTRODUÇÃO

Ainda nos dias atuais, a Guerra do Paraguai (1864-1870) é um


assunto que suscita polêmica e reaviva antigos ressentimentos. Os
pesquisadores apontam as principais causas da maior guerra na história
da América do Sul: a livre-navegação dos rios da bacia platina, o desejo
paraguaio de ser um protagonista nos assuntos regionais e as questões
de fronteiras.

Curiosamente, a despeito de sua importância, o litígio fronteiriço


entre o Brasil e o Paraguai é considerado como um tema menor pela
historiografia de relações internacionais do Brasil. São pouquíssimos os
pesquisadores que se dedicaram a examinar esse assunto.

* Professor do Curso de Relações Internacionais da UFGD. Doutor em Ciências Sociais


pela PUC-SP. Pesquisador do Observatório da Fronteira da FADIR/UFGD

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 239


O objetivo da presente obra é apresentar os principais momentos
dos desentendimentos sobre a delimitação da fronteira entre Brasil e
Paraguai, de 1822 a 1864. Com isso, busca-se compreender como a
questão de limites contribuiu para a eclosão da Guerra do Paraguai.
Optou-se pelo método histórico-descritivo, e, para tanto, o autor
fez uma revisão bibliográfica sobre o tema e consultou coletâneas de
documentos oficiais sobre as relações entre o Brasil e o Paraguai.

Além da introdução e das considerações finais, o texto está


dividido em 3 (três) partes. A primeira analisa tentativas iniciais
de estabelecimento de relações entre as autoridades paraguaias e
brasileiras, de 1822 a 1844, em especial a Missão Correia da Câmara. A
segunda examina as relações brasileiro-paraguaias, da Missão Pimenta
Bueno (1844) ao final da Guerra contra Rosas (1851-52), e a terceira
parte apresenta a relação Brasil-Paraguai, da Missão Manoel Moreira de
Castro (1852) à eclosão da Guerra do Paraguai (1864).

I. OS DEBATES SOBRE A FRONTEIRA BRASILEIRO-PARAGUAIA: DO


GRITO DO IPIRANGA (1822) AO ENVIO DA MISSÃO PIMENTA BUENO (1844)

Antes de iniciar o exame sobre as discussões em torno da fronteira


brasileiro-paraguaia, é necessário destacar a importância da região do
Prata, e, especialmente, do Paraguai, para a Política Externa Brasileira
no século XIX.

A bacia fluvial do Rio da Prata era muito importante para os cálculos


estratégicos das autoridades portuguesas e, posteriormente, brasileiras,
pois era a principal via de comunicação e comércio entre a capital, Rio
de Janeiro, e o Centro-Oeste brasileiro, em especial a província do Mato
Grosso. Assim, a interrupção do fluxo de embarcações ameaçaria não
apenas o comércio com a região, mas também uma área significativa do
território nacional, que não era muito povoada.
Por essa razão, a diplomacia platina brasileira seguiu as linhas da
política externa do Império português, ou seja, primou por manter a livre-
navegação no Rio da Prata e impedir a consolidação de uma potência
capaz de ameaçar a segurança e os interesses do país na região. Aliás, no

240 - TOMAZ ESPÓSITO NETO -


século XIX, travaram-se ali algumas das maiores guerras da América do
Sul, como a Guerra da Cisplatina (1826-1828), a Guerra contra Rosas
(1850-1852) e a Guerra do Paraguai (1864-1870).

As autoridades imperiais percebiam o Paraguai como uma importante


peça no tabuleiro político da região, em especial para a manutenção do
tênue “equilíbrio de forças”, sendo capaz de contrabalançar as forças de
Buenos Aires. Segundo Cervo & Bueno (2002, p. 45), os estadistas, desde a
época de D. João VI, se dispuseram a auxiliar na sustentação da autonomia
política paraguaia, com o intuito de impedir a preponderância de Buenos
Aires sobre a região platina.

La independencia del Paraguay conto con el apoyo y la simpatia del


Brasil, interesado como estaba este país en oponerse a la reconstrución del
virreinato del Rio de la Plata, política iniciada por Portugal y prosseguida
con éxito por los estadistas del Imperio (RAMOS, 1976, p. 227).

No entanto, isso não significa que as relações brasileiro-paraguaias


foram sempre harmônicas e pacíficas; muito pelo contrário, foram
cercadas de desconfianças, tensões e incidentes, muitos deles provocados
pela questão de limites, a qual remonta às discussões luso-hispânicas do
Tratado de Madri (1750) e de santo Ildefonso (1777)1.

O Paraguai declarou sua independência em 1811. Durante o


período de 1811 até 1840, José Francia, também conhecido como “El
Supremo”, instaurou o “governo pátrio reformado”, ou seja, um processo
de centralização política em torno de sua figura, um regime de terror,
com a brutal perseguição de qualquer voz dissonante, e um processo de
isolamento do país através da restrição dos contatos dos estrangeiros
com os paraguaios, o que gerou profundo estranhamento e desconfiança
dos vizinhos em relação a Francia (ALCALÁ, 2005, p. 52: LYNCH, 2009,
p. 680-681).

Após o Sete de Setembro de 1822, Dom Pedro I enviou o emissário


Antônio Manuel Correia da Câmara aos Estados na região do Prata,
entre eles o Paraguai, com a incumbência de obter o reconhecimento
1 Para maiores informações ver Cortesão (2006) e Goes Filho (1999).

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 241


da independência brasileira. Em relação ao sucesso e a receptividade da
Missão Correia da Câmara em Assunção, existe uma discordância na
bibliografia consultada.

De acordo com Carvalho (1998, p. 57), José Francia, então Chefe


de Estado do Paraguai, não recebeu Correia da Câmara na primeira
viagem. O encontro das autoridades aconteceu em um outro momento,
quando o representante brasileiro foi recebido com frieza e desconfiança
pelo ditador.

[...] Em relação ao Brasil, as suas relações se limitaram aos maus


tratos que o governo do Dr. Francia infligiu, em 1827, ao conselheiro
Correia da Câmara, agente político, cônsul e depois encarregado de
negócios que, por simples cortesia, havia o Governo Imperial enviado
a Assunção. Só mesmo depois da morte de Francia (1840) foi possível
manter as relações diplomáticas com o Paraguai
(CARVALHO, 1998, p. 84-85).

Já Cervo e Bueno (2002, p. 45-46) afirmam que Correia da


Câmara obteve um êxito parcial na sua missão. O emissário brasileiro
é considerado o primeiro representante estrangeiro recebido – ainda
que com certa reserva – por Francia, em 1825. No entanto, em missão
posterior, o mandatário brasileiro não foi recebido, e as relações oficiais
entre os dois países foram suspensas em 1829, mantendo-se apenas os
contatos “oficiosos”.

Francia não desprezava o apoio brasileiro à independência paraguaia,


mas estava descontente com atritos de fronteira, pelos quais responsabilizava
o governo brasileiro. Não endossava o intervencionismo no Prata, porque
sua política externa defendia com firmeza o princípio da autodeterminação
dos Estados. Como a independência do Paraguai não era seriamente
ameaçada, tinha por desnecessárias as alianças externas [...] (CERVO &
BUENO, 2002, p. 46).

Essa também é a opinião de Antônio Ramos (1976, p. 227), pois,


dentro do contexto da ditadura Francia, Antônio Manuel Correia da
Câmara foi:

242 - TOMAZ ESPÓSITO NETO -


[...] el único representante diplomático que tuvo el privilegio de ser
recebido por el Dr. Francia, em 1825, fue posteriormente despedido de
Itapua, em 1829. Desde entoces quedaron interrumpidas las relaciones
oficiales del Paraguay con el Brasil. (RAMOS, 1976, p. 227)

Hélio Vianna (1959, p. 105) sustenta que as relações brasileiro-


paraguaias eram satisfatórias, mas os problemas fronteiriços, entre
outros, ocasionaram a interrupção do relacionamento em 1830
(VIANNA, 1959, p. 127). Esse ponto de vista é compartilhado por
Francisco Doratioto:
[...] De 1824 a 1829, porém, o Brasil manteve um cônsul em
Assunção, Manuel Correia da Câmara, a quem Francia pleiteou um tratado
definindo os limites entre os dois países, baseado no Tratado de Ildefonso,
de 1777, e recusou o critério de limites desejado pelo Rio de Janeiro, do
utis possidetis. Por este caberia a cada país, o território que efetivamente
estivesse ocupando por ocasião da independência, e assim [as terras]
seriam brasileiras, decorrentes do expansionismo colonial português. As
relações brasileiro-paraguaias deterioraram-se rapidamente, a ponto de
Francia expulsar o cônsul brasileiro em 1829 (DORATIOTO, 2002, p. 24).

Os autores consultados, apesar de suas divergências, afirmam


que a demarcação das fronteiras e a liberdade de navegação nos rios
da região foram as principais questões enfrentadas pela Missão Correia
da Câmara. Esses problemas ficaram em aberto até a normalização
das relações, com a morte de Francia (1840) e o reconhecimento da
Independência do Paraguai pelo Brasil (1844).

Entre 1824 e 1843 o Império tentou retomar os contatos políticos


com o Paraguai pelo do envio de alguns emissários, como o capitão
de fragata Augusto Leverger e o bacharel Antônio José Lisboa. As
autoridades guaranis, porém, desconfiadas dos reais interesses do
Estado Brasileiro e fiéis à política isolacionista de Francia, impediriam
a retomada dos contatos oficiais entre os dois países (GUIMARÃES,
2001, p. 22).

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 243


II. OS (DES)ENTENDIMENTOS EM TORNO DA QUESTÃO DE LIMITES
NAS RELAÇÕES BRASILEIRO-PARAGUAIAS DA MISSÃO PIMENTA BUENO
(1844) AO FINAL DA GUERRA CONTRA ROSAS (1851-52)

Com a morte de Francia (1840) e a ascensão de Carlos Antônio


López à chefia do Estado paraguaio, Assunção buscou estabelecer relações
com os Estados vizinhos e, consequentemente, garantir o reconhecimento
da independência paraguaia (RAMOS, 1976, p. 228).

Em 1843, Dom Pedro II nomeou o ministro Pimenta Bueno como


representante oficial do governo imperial brasileiro em Assunção, para
negociar o reconhecimento paraguaio e estreitar as relações entre os
dois países (PARAGUAI, 1843, p.13)2. Segundo Ramos (1976, p. 235),
a missão Pimenta Bueno era considerada de suma importância para o
Estado brasileiro, pois:

La independencia del Paraguay era cuestión fundamental para


la estabilidad del Imperio. Pontes Ribeiro, conocedor profundo de las
relaciones del Brasil con sus vecinos de la cuenca del Rio de la Plata, así
había expresado en un memorial reservado y la Corte de San Cristóbal
compartía ese criterio. Decia el versado diplomático: “De la existencia
del Paraguay como Estado Independente de la Confederación Argentina
depende, si no esencialmente, por lo menos, la conservación del Império
Brasileño. La República del Paraguay es el único baluarte capaz de
contener a las Provincias de Matto Grosso, Rio Grande, u hasta San Pablo
como partes integrantes del Imperio” (Grifo no original) (RAMOS, 1976,
p. 235).

O governo paraguaio recebeu com toda a pompa o representante


brasileiro (RAMOS, 1976, p. 249). Pouco tempo após a chegada
de Pimenta Bueno a Assunção, o Império do Brasil reconheceu a
independência do Paraguai, em 14 de setembro de 1844 (PARAGUAI,

2 PARAGUAI. Del Emperador brasileño Pedro II al Gobierno del Paraguai; comunica la


designación de José Antonio Pimenta Bueno como Encargado de Negocios del Brasil
en el Paraguay. Rio de Janeiro. 20/XI/1843. In: RODRÍGUEZ ALCALÁ, Guido. Para-
guay y Brasil: Documentos sobre las relaciones binacionales 1844-1864. Assunción,
Paraguay: Tiempo de Historia, 2007.

244 - TOMAZ ESPÓSITO NETO -


1844, p. 14-15)3.

Pimenta Bueno, conselheiro brasileiro, e Andrés Gill, secretário


do governo paraguaio, firmaram um tratado de amizade, comércio e
limites em 7 de outubro de 1844. Nos artigos 2º e 3º, o Império do Brasil
se comprometeu a manter, por todas as formas, a soberania paraguaia
e fazer todos os esforços para que os outros Estados reconhecessem sua
independência. Em troca, o Paraguai garantiu, nos artigos 4º e 12º, a
livre-navegação pelos rios da região (PARAGUAI, 1844, p. 18)4.
Já no artigo nº 35, os pactuantes reconheciam, como base das
discussões sobre a delimitação de fronteira, o texto do tratado de Santo
Ildefonso de 1777:

Las Altas Partes Contratantes se comprometen también a nombrar


comisarios que examinen y reconozcan los límites indicados por el
tratado de San Ildefonso de 1º de octubre de 1777 para que se establezcan
los límites definitivos de ambos Estados (Grifo nosso) (PARAGUAI,
1844, p. 23).

Em 23 de junho de 1845 o Tratado de Amizade, Comércio,


Navegação e Limites, entre Brasil e Paraguai, firmado por Pimenta
Bueno em 1844, foi apreciado pelo Conselho de Estado. As autoridades
do Rio de Janeiro não ratificaram o tratado de 1844 devido ao artigo
35º, já que não concordavam com a utilização dos limites indicados por
Santo Ildefonso, pois isso seria contrário aos interesses e à integridade
do território brasileiro:

3 PARAGUAI. Reconocimiento de la independencia y soberania del Paraguay por parte


del Imperio del Brasil. Assunción, 14/IX/1844. In: RODRÍGUEZ ALCALÁ, Guido.
Paraguay y Brasil: Documentos sobre las relaciones binacionales 1844-1864. Assun-
ción, Paraguay: Tiempo de Historia, 2007; PARAGUAI. Decreto del Presidente López;
ordena proclamar por bando el reconocimiento de la independencia del Paraguay por
parte del Brasil. Assunción, 14/IX/1844. In: RODRÍGUEZ ALCALÁ, Guido. Paraguay
y Brasil: Documentos sobre las relaciones binacionales 1844-1864. Assunción, Para-
guay: Tiempo de Historia, 2007.
4 78 PARAGUAI. Tratado de alianza, comercio, navegación, extradición y limites entre
Paraguay y Brasil. Assunción, 7/X/1844. In: RODRÍGUEZ ALCALÁ, Guido. Paraguay
y Brasil: Documentos sobre las relaciones binacionales 1844-1864. Assunción, Para-
guay: Tiempo de Historia, 2007.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 245


[...] Em iguais circunstâncias, porém, não está o art. 35, porque,
se a sua estipulação é inútil para o fim a que é destinada, ameaça ao
Império de gravíssimos prejuízos. É inútil a disposição deste artigo para
fixar fronteiras dos dois Estados; porque, longe de as definir, limita-se a
ressurgir as contestações, que tanto azedaram os ânimos dos governos
português e espanhol, sem se descobrir meio de lhes pôr termos, a não ser
o da guerra [...]
É perigoso conservar no tratado tal artigo, porque se reconhece que
os limites do Tratado de 1777 nos prejudicam em muitos outros pontos do
Império de maneira que, a admiti-los, força será renunciar à Fortaleza
de Tabatinga, Forte de São José sobre o Rio Issa, todo o território austral,
desde Tabatinga até o canal Avateparaná, Vila Bela, Casalvasco, Salinas do
Jauru, Povoação, Missão de Albuquerque, Nova Coimbra, todos os povos
de Missões, Vilas de Alegrete, Bagé, Jaguarão; todos os estabelecimentos
que temos além do Piratini e da Coxilha Grande, entre outros (BRASIL,
1845, p. 349)5 .

Em seu lugar, as autoridades brasileiras preferiam o princípio utis


possidetis, estabelecido no Tratado de Madrid (1750), que era condizente
com a tradição diplomática luso-brasileira.

Após novas negociações, os representantes de ambos os países


chegaram a um acordo sobre o texto final do Tratado de Amizade,
Comércio e Limites. Alguns aspectos se destacam, como os artigos 2º
e 3º, em que as autoridades brasileiras se comprometeram a manter a
independência paraguaia. A liberdade de comércio e navegação entre
os súditos dos dois Estados é garantida pelo artigo nº 4. Contudo, a
delimitação das fronteiras foi postergada, como se pode ver na nova
redação do artigo nº 35: "Artigo 35 As altas partes contratantes se
obrigam a nomear, quanto antes, comissários que procedam a marcar
os limites entre os dois Estados" (BRASIL, 1845, p. 349).6

5 BRASIL. Conselho de Estado. Brasil- Paraguai. Tratado de Amizade, Comércio, Navega-


ção e Limites. Consulta de 23 de junho de 1845. In: REZEK, José Francisco. Consulta da
Seção dos Negócios Estrangeiros. Brasília, Câmara dos Deputados. V.1. 1978.
6 BRASIL. Conselho de Estado. Brasil- Paraguai. Tratado de Amizade, Comércio, Navega-
ção e Limites. Consulta de 23 de junho de 1845. In: REZEK, José Francisco. Consulta da
Seção dos Negócios Estrangeiros. Brasília, Câmara dos Deputados. V.1. 1978.

246 - TOMAZ ESPÓSITO NETO -


O reconhecimento brasileiro da independência paraguaia
repercutiu negativamente na Confederação Argentina. Tomás Guido,
ministro plenipotenciário argentino no Rio de Janeiro, entregou uma
nota de protesto às autoridades brasileiras em 21 de fevereiro de 1845
(PARAGUAI, 1845, p. 31). Seguiu-se, então, uma troca de notas ásperas
entre os governos do Brasil e da Confederação Argentina.

Em 25 de junho de 1845, diante da crescente ameaça de uma


guerra contra a Argentina, o Conselho de Estado sugeriu ao Imperador
a necessidade de iniciar as tratativas de um arranjo político-militar
defensivo entre Brasil e Paraguai, que só foi assinado em 1850:
O que, porém, reputam de vital interesse para o Império é um
tratado de aliança defensiva e parcial, pelo qual os dois Estados se
obriguem a auxiliar-se em qualquer guerra externa entre as repúblicas do
Prata e o Paraguai, e nas províncias de Mato Grosso e Rio Grande do Sul,
pertencentes ao Império. Três são as razões por que resolveram apresentar
a Vossa Majestade Imperial este parecer: primeira, procurar auxílios ao
Império em uma guerra provável entre este e a Confederação Argentina;
segunda, impedir o extraordinário engrandecimento da Confederação
Argentina; terceira, prover para que o Paraguai como Província da
Confederação não nos exclua do mercado do Rio da Prata (BRASIL, 1845,
p. 367)7

Paralelamente, a diplomacia imperial brasileira se incumbiu de


uma série de gestões junto a outros países para que estes reconhecessem a
independência do Paraguai (PARAGUAI, 1847, p. 73- 83)8.
O governo paraguaio enviou D. Juan Andrés Gelly ao Rio de
Janeiro em 1846, com a missão de fortalecer os laços entre Brasil e
Paraguai, por meio da assinatura de tratados: um de amizade, comércio

7 BRASIL. Conselho de Estado. Brasil-Paraguai. Tratado de Aliança Defensiva. Consulta


de 25 de junho de 1845. In: REZEK, José Francisco. Consulta da Seção dos Negócios
Estrangeiros. Brasília, Câmara dos Deputados. V.1. 1978.
8 PARAGUAI. Del Presidente venezolano José Tadeo Monaguas al Presidente López;
comunica el reconocimiento de la independencia paraguaya. Caracas 11/V/1847. In:
RODRÍGUEZ ALCALÁ, Guido. Paraguay y Brasil: Documentos sobre las relaciones
binacionales 1844-1864. Assunción, Paraguay: Tiempo de Historia, 2007.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 247


e navegação; outro de limites, e, por fim, outro de aliança contra Rosas.
Esperava-se, assim:
[...] traerlo al caso de comprometerse a um garantia efectiva de la
independencia perfecta y absoluta de la Republica y de la libre navegación
de los rios, cosas ambas de sumo y vital interes para el Brasil como para
Paraguay (PARAGUAI, s/d, p. 125).9
Pode-se dividir o trabalho do representante paraguaio em três
grandes partes. Na primeira, Gelly fez diversas solicitações de compra
de novas armas e de treinamento das tropas paraguaias por oficiais
brasileiros. Ambos os pedidos foram atendidos pelas autoridades imperiais
brasileiras (GUIMARÃES, 2001, p. 44-49; PARAGUAI, 1846, p. 148)10.

Na segunda parte de seu trabalho, o representante “Don Gelly”


apresentou, em 22 de dezembro de 1846, uma proposta de aliança
militar entre a República do Paraguai e o Império do Brasil contra a
ameaça representada por Rosas aos dois países (PARAGUAI, 1846, p.
135-136)11.

O Conselho de Estado Imperial apreciou uma proposta de


aliança defensiva entre Brasil e Paraguai, reencaminhada pelo emissário
paraguaio Andrés Gelly, em 11 de março de 1847. Essa sugestão, que
propunha ao Imperador aproximar-se do Estado paraguaio em virtude
da crescente ameaça à estabilidade na região representada por Rosas,
voltou a ser analisada pelo mesmo Conselho em 15 de maio de 1847
(BRASIL, 1847, p. 349-351)12 . Os documentos da época apontam uma

9 PARAGUAI. Memorándum con caligrafia de Juan Andrés Gelly, enviado paraguayo a


Rio de Janeiro, sobre los objetivos de su misión. Sin fecha. In: RODRÍGUEZ ALCALÁ,
Guido. Paraguay y Brasil: Documentos sobre las relaciones binacionales 1844-1864.
Assunción, Paraguay: Tiempo de Historia, 2007.
10 PARAGUAI. Memorándum con caligrafia de Juan Andrés Gelly, enviado paraguayo
a Rio de Janeiro, sobre los objetivos de su misión. Sin fechar. In: RODRÍGUEZ AL-
CALÁ, Guido. Paraguay y Brasil: Documentos sobre las relaciones binacionales 1844-
1864. Assunción, Paraguay: Tiempo de Historia, 2007.
11 PARAGUAI. De Juan Andrés Gelly al Presidente López sobre sus actividades como
Encargado de Negocios en Brasil. Rio de Janeiro. 29/XII/1846. In: RODRÍGUEZ AL-
CALÁ, Guido. Paraguay y Brasil: Documentos sobre las relaciones binacionales 1844-
1864. Assunción, Paraguay: Tiempo de Historia, 2007.
12 BRASIL. Conselho de Estado. Brasil- Paraguai. Projeto de Tratado de Aliança. Consulta
de 15 de maio de 1847. In: REZEK, José Francisco. Consulta da Seção dos Negócios

248 - TOMAZ ESPÓSITO NETO -


intensa cooperação militar, técnica e econômica entre Assunção e Rio
de Janeiro, como, por exemplo: a abertura do crédito de 40 mil pesos
do Tesouro brasileiro ao governo paraguaio (PARAGUAI, 1848, p. 154-
155)13, o fornecimento de um grande número de armas (PARAGUAI,
1849, p. 157)14, e o envio de oficiais para treinamento das forças armadas
paraguaias (PARAGUAI, 1852, p. 159)15, entre outras ações.
Finalizando sua participação, o representante paraguaio apresentou
um projeto de tratado de limites, em 1847. No artigo 1º, esse acordo
desconsiderava todas as negociações de limites feitas até então.

1º - S. M. el Emperador del Brasil y S. E. El Señor Presidente de la


República del Paraguay, declaran que consideran como no existentes ni
avenido todos y cualesquieres tratados, conveciones o estipulaciones que
se hubiesen ajustado y celebrado entre las antiguas metrópolis del Brasil y
Paraguay sobre líneas y demarcaciones de límites en esa parte del mundo;
desconocen por consiguinte todo derecho y acción que pudiera deducirse
de los citados tratados, convenciones o estipulaciones, obligándose y
prometiendo tener el presente tratado y en se estipula como única base y
ponto de partida para la decisión de cualquier dificuldad, que sobrevenga
sobre los límites de ambos Estados [...] (Grifo nosso) (PARAGUAI, 1847,
p. 149)16.

Estrangeiros. Brasília, Câmara dos Deputados. v.2. 1978.


13 PARAGUAI. Autorización del Presidente López para que el Encargado de Negocios
Juan Andrés Gelly gestione crédito en Brasil. Villa del Pilar. 15/VIII/1848. In: RODRÍ-
GUEZ ALCALÁ, Guido. Paraguay y Brasil: Documentos sobre las relaciones binacio-
nales 1844-1864. Assunción, Paraguay: Tiempo de Historia, 2007.
14 PARAGUAI. Del Encargado de Negocios paraguayo Manuel Moreira de Casto al Presi-
dente López, sobre compra de armas en Brasil. Rio de Janeiro. 6/XI/1849. In: RODRÍ-
GUEZ ALCALÁ, Guido. Paraguay y Brasil: Documentos sobre las relaciones binacio-
nales 1844-1864. Assunción, Paraguay: Tiempo de Historia, 2007.
15 PARAGUAI. Del Presidente López al Encargado de Negocios paraguayo Manuel
Moreira de Casto, sobre los estudios de Benigno López. Assunción. 20/V/1852. In:
RODRÍGUEZ ALCALÁ, Guido. Paraguay y Brasil: Documentos sobre las relaciones
binacionales 1844-1864. Assunción, Paraguay: Tiempo de Historia, 2007.
16 PARAGUAI. Proyecto de tratado de límites entre Paraguay y Brasil. 15/I/1847. In:
RODRÍGUEZ ALCALÁ, Guido. Paraguay y Brasil: Documentos sobre las relaciones
binacionales 1844-1864. Assunción, Paraguay: Tiempo de Historia, 2007.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 249


Os membros do Império acharam tão descabidas as pretensões da
República vizinha que não se deram o trabalho de responder sobre tais
projetos (BRASIL, 1858, p. 4). As tratativas sobre a questão de limites
foram relegadas a segundo plano (BRASIL, 1847, p. 359-361)17.

Apesar da cooperação bilateral, as relações brasileiro-paraguaias


enfrentaram inúmeros obstáculos, como o incidente Morgenstern
(1849) e o caso de Fecho dos Morros, também denominado de “Pão de
Açúcar” (1850), além da recorrente questão de limites, entre outros. Esses
problemas retardaram as negociações do Tratado de Aliança Defensiva
entre Brasil e Paraguai, que foi proposto em 1845 e reapresentado
por Gelly em 1846, mas que só foi firmado no dia de Natal de 1850, e
ratificado pouco tempo depois.

É por isso que, mesmo cercado de desconfianças, o Tratado


de Aliança entre Brasil e Paraguai de 1850 foi um marco importante
na relação bilateral, pois selava compromissos recíprocos em caso de
guerra contra Buenos Aires. No artigo nº 2 desse tratado, os dois países
obrigavam-se a prestar mútua assistência em caso de guerra contra a
Confederação Argentina; já no artigo nº 3, o acordo garantia a livre-
navegação do Rio Paraná até o Rio da Prata. Por fim, as tratativas sobre
os limites dos dois países foram postergadas:

Art. 15 - Sua Majestade o Imperador do Brasil e o Presidente da


República do Paraguai se obrigam a nomear dentro de três meses contados
da troca das ratificações deste tratado, os seus plenipotenciários a fim de
regularem por outro tratado, o comércio, navegação, e limites entre ambos
os países18 (BRASIL, 1850, p. 59).

17 BRASIL. Conselho de Estado. Brasil-Paraguai. Projeto de Tratado de Aliança Ofensiva


e Defensiva. Consulta de 17 de julho de 1847. In: REZEK, José Francisco. Consulta da
Seção dos Negócios Estrangeiros. Brasília, Câmara dos Deputados. V.2. 1978.
18 Ofício do Ministério das Relações Exteriores ao ministro brasileiro Bellegarde, em
Assunção, RESERVADO, nº 17, 20 de Julho de 1850, in SOUZA, José Antônio Soares. A
Missão Bellegarde no Paraguai (1849 -1852): Documentos. Ed. Ministério das Relações
Exteriores do Brasil. Divisão de Documentos. Rio de Janeiro, 1970.

250 - TOMAZ ESPÓSITO NETO -


Apesar do Tratado de Aliança de 1850 e dos diversos pedidos
formulados pelas autoridades de Entre Rios e Corrientes, do Uruguai
e do Brasil, o Paraguai manteve-se neutro na guerra entre as tropas de
Rosas e as forças do Brasil, do Uruguai, de Entre Rios e Corrientes (1851-
1852). Aos aliados, o governo de Assunção justificou a sua posição,
alegando considerar a aliança ofensiva aos interesses nacionais, pois
não dava garantias do reconhecimento da independência do Paraguai
(PARAGUAI, 1851. p. 225-239)19.

Depois da vitória das forças aliadas contra Rosas, o ministro


brasileiro Paulino José Soares de Sousa enviou uma nota ao governo
paraguaio, afirmando que não era possível ficar esperando respostas de
Assunção sobre a aliança enquanto se desenrolavam os acontecimentos
do conflito. No entanto, o Brasil mantinha as históricas “disposições
amigáveis” para com a República do Paraguai (PARAGUAI, 1852, p.
252)20.

III. A QUESTÃO DE LIMITES E A MARCHA DA INSENSATEZ: AS


RELAÇÕES BRASIL-PARAGUAI DA MISSÃO MANOEL DE CASTRO (1852)
À GUERRA DO PARAGUAI (1864)

Em maio de 1852 o diplomata Manoel Moreira de Castro foi


nomeado ministro plenipotenciário junto ao governo brasileiro. Sua
missão principal era entregar ao Paraguai, naquele mesmo ano, uma

19 PARAGUAI. Del Presidente López al general Justo José de Urquizas; comunica que
Paraguay no entrará en la Alianza contra Juan Manuel de Rosas. Assunción. 04/
VI/1851. In: RODRÍGUEZ ALCALÁ, Guido. Paraguay y Brasil: Documentos sobre las
relaciones binacionales 1844-1864. Assunción, Paraguay: Tiempo de Historia, 2007.;
PARAGUAI. Del Presidente López al Gobierno de Corrientes; comunica que Paraguay
no entrará en la Alianza contra Juan Manuel de Rosas. Assunción. 04/VI/1851. In: RO-
DRÍGUEZ ALCALÁ, Guido. Paraguay y Brasil: Documentos sobre las relaciones bina-
cionales 1844-1864. Assunción, Paraguay: Tiempo de Historia, 2007.
20 PARAGUAI. Del Presidente López al general Justo José de Urquizas; comunica que Par-
aguay no entrará en la Alianza contra Juan Manuel de Rosas. Assunción. 04/VI/1851.
In: RODRÍGUEZ ALCALÁ, Guido. Paraguay y Brasil: Documentos sobre las relacio-
nes binacionales 1844-1864. Assunción, Paraguay: Tiempo de Historia, 2007.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 251


nova proposta de limites, tendo como base a proposta de Gelly de 1847
(PARAGUAI, 1852, p. 164)21, para substituir e ampliar o escopo do
Tratado de Aliança de 1850 (ACCIOLY, 1938, p. 63).

O Conselho de Estado de 1858 fez menção à reação das autoridades


imperiais à proposta de limites feita pelo diplomata paraguaio Manoel
Moreira Castro em 1852, e nesse informe fica patente a irritação dos
negociadores brasileiros: “Em cada proposta que faz, aumenta o Presidente
do Paraguai as suas pretensões e é muito para desejar que as não faça
novas, porque há de vir, por fim, a pedir toda a província de Mato Grosso!”
(BRASIL, 1858, p.5). Uma das consequências da proposta Moreira
Castro de limites foi o esfriamento das relações bilaterais. Entrementes,
o Paraguai e a Confederação Argentina assinaram um tratado de limites,
amizade, comércio e navegação, em 15 de julho de 1852.

Após o estabelecimento de relações diplomáticas entre Assunção


e Buenos Aires, o governo imperial tentou retomar as conversações
sobre a livre-navegação e a questão de limites com as autoridades
paraguaias. Os estadistas brasileiros sugeriram dividir as negociações
sobre a navegação na bacia platina e a questão de limites. Contudo,
a administração paraguaia recusou a proposta brasileira, até que se
iniciassem as negociações sobre os limites de ambos os países, como
fica explícito na nota de 7 de março de 1853:
[...] un tratado de comercio y navegación sobre bases recíprocas
conveniencia y añadio que, aunque por el presente no fuere realizable
el ajuste y conclusión sine qua non la designaciónde limites por el Alto
Paraguai, estaba pronto y dispuesto, como siempre, a entar en el ajuste y
conclusión de aquel tratado [...]
[...]
[...] El Gobierno de la República pide que un tratado de límites
preceda al de comercio y navegación, porque considera eso como medio
eficaz de consultar su seguridad y evitar conflictos [...] (Grifo nosso)
(PARAGUAI, 1853, p. 216-219).22

21 PARAGUAI. Instruciones del Gobierno paraguayo a su ministro plenipotenciario


Manuel Moreira de Castro. Assunción. 20/V/1852. In: RODRÍGUEZ ALCALÁ, Guido.
Paraguay y Brasil: Documentos sobre las relaciones binacionales 1844-1864. Assun-
ción, Paraguay: Tiempo de Historia, 2007.
22 PARAGUAI. Del ministro Benito Varela al Encargado de Negocios Felipe José Pre-

252 - TOMAZ ESPÓSITO NETO -


O representante brasileiro entregou a resposta oficial em 10 de
junho de 1853. O Brasil explicou, novamente, as razões de se separar
as questões, e fez algumas insinuações sobre as “verdadeiras” intenções
paraguaias (PARAGUAI, 1853, p. 222)23. Carlos López, como represália
às negativas brasileiras de negociar nos termos propostos pelo Paraguai
e irritado com a resposta de 7 de março, expulsou, em 29 de novembro
de 1854, o representante brasileiro, Pereira Leal, de Assunção. Além
disso, criou uma série de obstáculos à navegação fluvial no Rio Paraná
para embarcações brasileiras (ACCIOLY, 1938, p. 67-68). O ministro
paraguaio afirmava que era necessário que os dois países resolvessem a
pendência territorial (PARAGUAI, 1854, p. 265-269)24.

Na mesma data, Dom Pedro II, ofendido com a afronta paraguaia


à honra brasileira, nomeou o almirante Pedro Ferreira como novo
representante brasileiro no Paraguai, e colocou sob seu comando
uma esquadra, com o objetivo de protestar contra as ofensas dirigidas
ao Brasil e garantir a franquia e a navegação fluvial para cidadãos
brasileiros, conforme estipulado no tratado de 1850 (PARAGUAI, 1855,
p. 271-272)25.
reira Leal, sobre el rechazo del tratado propuesto por Brasil. Assunción. 7/III/1853. In:
RODRÍGUEZ ALCALÁ, Guido. Paraguay y Brasil: Documentos sobre las relaciones
binacionales 1844-1864. Assunción, Paraguay: Tiempo de Historia, 2007.
23 PARAGUAI. Nota del ministro Benito Varela al Encargado de Negocios Felipe José Pre-
reira Leal, sobre el rechazo del tratado propuesto por Brasil. Assunción. 10/VI/1853. In:
RODRÍGUEZ ALCALÁ, Guido. Paraguay y Brasil: Documentos sobre las relaciones
binacionales 1844-1864. Assunción, Paraguay: Tiempo de Historia, 2007.
24 PARAGUAI. De Antonio Paulino Limpo de Abreu, ministro de Negocios Estranjeros
del Brasil, al ministro paraguayo Benito Varela, sobre el trato dado al Encargado de
Negocios Felipe José Prereira Leal. Rio de Janeiro. 29/XI/1854. In: RODRÍGUEZ AL-
CALÁ, Guido. Paraguay y Brasil: Documentos sobre las relaciones binacionales 1844-
1864. Assunción, Paraguay: Tiempo de Historia, 2007; PARAGUAI. Del Emperador
Pedro II al Presidente López; comunica el nombramiento del comandante Pedro Fer-
reira de Oliveira como ministro plenipotenciário del Brasil em el Paraguay. Rio de Ja-
neiro. 29/XI/1854. In: RODRÍGUEZ ALCALÁ, Guido. Paraguay y Brasil: Documentos
sobre las relaciones binacionales 1844-1864. Assunción, Paraguay: Tiempo de Historia,
2007.
25 PARAGUAI. De Pedro Nolasco Decoud, Cónsul paraguayo en la Confederación Argen-
tina, al ministro de Relaciones Exteriores; informa de la llegada a Paraná de una flota
de guerra brasileña destinada al Paraguay. Paraná. 05/II/1855. In: RODRÍGUEZ AL-

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 253


Ao saber das últimas notícias da frota brasileira, López ordenou, em
21 de fevereiro de 1855, a mobilização total das forças paraguaias contra
a “premente” invasão brasileira: “[...] Soldados, vamos pelear porque nos
obriga a ello um Gobierno que, hablando de paz y amistad, nos trae la
guerra y sus males” (PARAGUAI, 1855, p. 273) .

José Falcon, ministro das Relações Exteriores do Paraguai, entrou


em contato direto com o almirante Pedro Ferreira em 23 de fevereiro de
1855. Conclamou os dois países a retomarem o diálogo sobre questões
pendentes para a manutenção das boas relações, e, para tanto, a esquadra
brasileira deveria fundear-se fora das águas territoriais paraguaias, caso
contrário:
Si por desgracia para ambos Estados, V. E. no quisiese prestarse a
este paso conciliatorio, e insiste en remontar el río Paraguay con su fuerza
naval, V. E. habrá iniciado las hostilidades a la República; cargará con la
responsabilidad de agresor gratuito y no provocado, y habrá puesto a la
República en la indeclinable necessidad de defenderse sin reparar en el
resultado de la lucha, ni detenerse en la superioridad de poder y fuerza de
V. E.. Este terrible y penoso, pero indeclinable deber, le imponen su honor
y su dignidad, como la ha dicho el infra escrito (Grifo nosso) (PARAGUAI,
1855, p. 278).

O almirante Pedro Ferreira de Oliveira aceitou, como ato de boa


fé, ancorar os navios da esquadra fora das águas territoriais paraguaias.
As autoridades de ambos os Estados iniciaram os entendimentos sobre
as questões pendentes entre eles. A missão brasileira assinou duas
convenções com as autoridades paraguaias em Assunção, em 27 de abril
de 1855 (ACCIOLY, 1938, p. 69-72). A primeira refere-se ao tratado de
amizade, comércio e navegação entre Brasil e Paraguai. A liberdade de
navegação foi garantida pelos artigos 2º, 4º e 5º, e os artigos 7º e 8º criaram
um arcabouço legal para o comércio e os investimentos entre os súditos
de ambos os países. No entanto, o artigo 20º estabeleceu o prazo de seis
anos de vigência das estipulações desse tratado.

CALÁ, Guido. Paraguay y Brasil: Documentos sobre las relaciones binacionales 1844-
1864. Assunción, Paraguay: Tiempo de Historia, 2007.

254 - TOMAZ ESPÓSITO NETO -


Artículo 20º
El presente tratado será permanente, en cuanto al principio de
libre navegación de los ríos, pero en sus diferentes estipulaciones sólo
será vigente por seis años, contados del día del canje de las ratificaciones,
en que el presente tratado empezerá a tener pleno e cabal efecto. (Grifo
nosso) (PARAGUAI, 1855, p. 286-287)26

Já a segunda convenção adia as negociações dos limites entre os


dois países pelo período de um ano. O artigo 1º é explícito a respeito da
postergação dessas tratativas:

Artículo 1º
La cuestión de la demarcación de límites entre la República del
Paraguay y el Imperio del Brasil queda aplazada por el término de un
año a contar deste esta fecha, dentro del cual, o antes si fuere posible, se
ajustará y concluirá el mencionado tratado de límites.
(PARAGUAI, 1855, p. 287-288)27
Os artigos 3º e 4º dessa segunda convenção criaram restrições
à fixação de cidadãos na região em disputa por um ano e limitaram
a movimentação de naus brasileiras de guerra em águas territoriais
paraguaias (PARAGUAI 1855, p. 288)28. As autoridades de Assunção
sinalizavam que poderiam aceitar o princípio do utis possidetis como
base das negociações da delimitação das fronteiras.

Apesar dos importantes avanços nas questões sensíveis aos dois


países, o Estado brasileiro não ratificou as duas convenções, o que adiou

26 PARAGUAI. Tratado de amistad, comercio y navegación entre Paraguay y Brasil. Assun-


ción. 27/IV/1855. In: RODRÍGUEZ ALCALÁ, Guido. Paraguay y Brasil: Documentos
sobre las relaciones binacionales 1844-1864. Assunción, Paraguay: Tiempo de Historia,
2007.
27 PARAGUAI. Convencion adicional al tratado de 27 de abril de 1855 entre Paraguay
y Brasil. Assunción. 27/IV/1855. In: RODRÍGUEZ ALCALÁ, Guido. Paraguay y Bra-
sil: Documentos sobre las relaciones binacionales 1844-1864. Assunción, Paraguay:
Tiempo de Historia, 2007.
28 PARAGUAI. Convencion adicional al tratado de 27 de abril de 1855 entre Paraguay y
Brasil. Assunción. 27/IV/1855. In: RODRÍGUEZ ALCALÁ, Guido. Paraguay y Brasil:
Documentos sobre las relaciones binacionales 1844-1864. Assunción, Paraguay: Tiem-
po de Historia, 2007.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 255


as tratativas e irritou as autoridades paraguaias. As razões apresentadas
pelo Conselho de Estado foram:

Por outro lado, o Marquês do Paraná (presidente do Conselho),


em discurso pronunciado na Câmara dos Deputados a 16 de Junho
de 1855, também explicou a razão por que o governo imperial não
ratificara o tratado de navegação e comércio, assignado por Pedro
Ferreira: “Esse tratado poderia ser aceito e ratificado, se não contivesse
uma cláusula em virtude da qual a ratificação ficava dependente do
ajuste de limites. Assim, o direito perfeito, que a convenção de 1850
nos deu, à navegação, tornava-se eventual e condicional. A condição
era o ajuste de limites, e neste ajuste o Paraguai pretende conquistar
uma parte do nosso território” (ACCIOLY, 1938, p. 74).

Irritado com a não ratificação brasileira, o governo de López


avançou na estratégia de criar empecilhos à navegação de navios
brasileiros nos rios da região, sob o pretexto de “combater o contrabando”.
O objetivo dessa estratégia era forçar os representantes brasileiros a
retomarem, à mesa de negociações, a questão dos limites.
O governo paraguaio ligava [essa questão] à de limites, sobre a qual
não queria chegar a nenhum acordo razoável, e, dess’arte, continuava a
procrastinar o reconhecimento do direito do Brasil à livre-navegação dos
rios Paraguay e Paraná (ACCIOLY, 1938, p. 75).

No dia 6 de dezembro de 1855 Carlos López enviou o ministro


plenipotenciário paraguaio, D. José Berges, ao Brasil, com o objetivo
de negociar os assuntos pendentes entre os dois países, em especial as
tratativas da demarcação das fronteiras. Vislumbrava-se o cenário de um
eventual arbitramento, ou mesmo de um conflito entre os dois Estados.

[...] El objetivo primordial y de suma importancia de la misión


es evitar que el Brasil estabelezca su línea divisoria sobre la derecha del
Apa hasta el río Paraguay y la línea correspondiente hasta el Paraná
[...]
[...]
Sí el Gobierno del Brasil no aceptase los medios propuestos de
mediación o arbitramento de alguna o algunas potencias amigas e

256 - TOMAZ ESPÓSITO NETO -


imparciales, el enviado passará una nota al ministro de Negocios
Extranjeros del Brasil, pidiéndole una declaración de si la ruptura de
la negociación, después de haberse agotado por parte de la República
las últimas concessiones posibles y los últimos medios de arribar a un
acuerdo de conciliación, sin desdero de la dignidad de ambos países,
importará un rompimiento de hostilidad a la República por parte del
Imperio (Grifo nosso) (PARAGUAI, 1855, p. 294).29

No ano seguinte, reuniram-se no Rio de Janeiro o ministro


brasileiro de Negócios Estrangeiros, José Maria da Silva Paranhos
(Visconde do Rio Branco) e o ministro plenipotenciário paraguaio, D.
José Berges, para solucionar a questão de fronteiras e da livre-navegação.

Segundo José Maria da Silva Paranhos Júnior (1902, p. 88), as


negociações tomaram como base o acordo firmado por Pedro Ferreira
em 27 de abril de 1855, que serviu de base para o acordo de 6 de abril
de 1856. Entretanto, o Visconde do Rio Branco conseguiu uma vitória
importante: separou a questão da navegação das tratativas sobre os
limites.

[...] Duas questões foram objecto de discussões diplomáticas entre


o Império e o Paraguay: a da navegação fluvial para o Matto Grosso e a
de Limites. Desde 1852, o Brazil se esforçava por chegar a accordo com
o Paraguay sobre a questão da navegação fluvial, que tanto interessava
áquella nossa provincia. O governo paraguayo não queria separar essa
questão da de limites, e como sobre este ponto não nos podíamos nos
entender, estavamos privados do direito ao trânsito fluvial, implícita
e virtualmente estipulado no art. 3º. Do tratado de 25 de Dezembro de
1850. Carlos López enviou em 1856 ao Rio de Janeiro o ministro Berges.
O Sr. Visconde de Rio-Branco, então ministro dos negócios estrangeiros,
foi o negociador brazileiro, e conseguio separar as duas questões, ficando
adiada a de limites e assignando-se o tratado de amizade, navegação e
commercio de 6 de abril [...] (PARANHOS, 1902, p. 88)

29 PARAGUAI. Intrucciones reservadas a José Berges, enviado plenipotenciario del Para-


guay ante al Gobierno de Brasil. Assunción. 24/XII/1855. In: RODRÍGUEZ ALCALÁ,
Guido. Paraguay y Brasil: Documentos sobre las relaciones binacionales 1844-1864.
Assunción, Paraguay: Tiempo de Historia, 2007.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 257


A Convenção de 6 de abril de 1856 tratou, no seu artigo 2º, de
manter abertas as comunicações fluviais entre o Império e a província
do Mato Grosso, além de estabelecer um prazo de alguns anos para
delimitar a linha fronteiriça entre os dois países (Brasil e Paraguai),
conforme o artigo 1º da convenção adicional (ACCIOLY, 1938, p. 81;
PARAGUAI, 1856, p. 305)30.

Artículo Primeiro
S. E. el Señor Presidente de la República del Paraguay y S. M. El
Emperador del Brasil se obligan a nombrar tan luego como las circunstancias
lo permitan y dentro del plazo de seis años contados desde la data de esta
Convención, sus plenipotenciarios, a fin de que examinen de nuevo y ajusten
definitivamente la línea divisoria de los dos países.
Artículo Segundo
Queda entendido que en cuanto no se celebre el acuerdo definitivo
do que trata el artículo antecedente, las dos Altas Partes Contratantes
respetarán y harán respetar recíprocamente su uti possidetis actual
(PARAGUAI, 1856, p. 306).31

No entanto, as relações brasileiro-paraguaias voltaram a sofrer


abalos em fins de 1856 a meados de 1857, quando a República do
Paraguai anulou o tratado de 1856, criando novos obstáculos à livre-
navegação dos navios brasileiros pelos rios internacionais da região,
sob alegação de controle da febre amarela e cólera, procedentes de
embarcações brasileiras (PARAGUAI, 1856, p. 309)32.

30 PARAGUAI. Tratado de amistad, comercio y navegación entre Paraguay y Brasil. Rio


de Janeiro. 06/VI/1856. In: RODRÍGUEZ ALCALÁ, Guido. Paraguay y Brasil: Docu-
mentos sobre las relaciones binacionales 1844-1864. Assunción, Paraguay: Tiempo de
Historia, 2007.
31 PARAGUAI. Tratado de amistad, comercio y navegación entre Paraguay y Brasil. Rio
de Janeiro. 06/VI/1856. In: RODRÍGUEZ ALCALÁ, Guido. Paraguay y Brasil: Docu-
mentos sobre las relaciones binacionales 1844-1864. Assunción, Paraguay: Tiempo de
Historia, 2007.
32 PARAGUAI. Reglamentación de la navegación para embarcaciones brasileñas o proce-
dente del Brasil. Assunción. 10/VIII/1856. In: RODRÍGUEZ ALCALÁ, Guido. Para-

258 - TOMAZ ESPÓSITO NETO -


Com isso Assunção ameaçou as comunicações entre a província
do Mato Grosso e o restante do Império (BRASIL, 1857, p. 491-92;
ACCIOLY, 1938, p. 83)33. Novamente, o governo paraguaio exigia um
desfecho das tratativas sobre os limites para solucionar o conflito da
livre-navegação (BRASIL, 1857, p. 491-492)34.
O Conselho de Estado se pronunciou sobre esse tema em 5 de
fevereiro de 1857, quando defendeu um enrijecimento da posição
brasileira, pois o ato paraguaio “era um insulto, uma ameaça à
navegação, à segurança e aos interesses brasileiros na região” (BRASIL,
1857, p. 508-510)35. Aliás, as tensões aumentaram com o apresamento de
embarcações brasileiras, como o vapor “Paraguassu”, sob o pretexto de
contrabando de armas (PARAGUAI, 1857, p.312)36.

Foi nesse contexto que o governo imperial enviou, em março de


1857, o conselheiro Joaquim do Amaral (futuro Visconde do Cabo Frio)
em missão especial ao Paraguai para tratar das questões pendentes.

Não se chegou a nenhum acordo. Ademais, o representante


brasileiro Joaquim do Amaral e o ministro paraguaio Nicolas Vázquez
trocaram inúmeras farpas publicamente. Assim, Brasil e Paraguai
pareciam caminhar a passos largos para uma guerra iminente.

guay y Brasil: Documentos sobre las relaciones binacionales 1844-1864. Assunción,


Paraguay: Tiempo de Historia, 2007.
33 BRASIL. Conselho de Estado. Brasil- Paraguai. Regulamentos promulgados pelo gov-
erno paraguaio sobre a navegação do rio Paraguai. Consulta de 05 de fevereiro de 1857.
In: REZEK, José Francisco. Consulta da Seção dos Negócios Estrangeiros. Brasília, Câ-
mara dos Deputados. V.4. 1978.
34 BRASIL. Conselho de Estado. Brasil- Paraguai. Regulamentos promulgados pelo gov-
erno paraguaio sobre a navegação do rio Paraguai. Consulta de 05 de fevereiro de 1857.
In: REZEK, José Francisco. Consulta da Seção dos Negócios Estrangeiros. Brasília, Câ-
mara dos Deputados. V.4. 1978.
35 BRASIL. Conselho de Estado. Brasil- Paraguai. Regulamentos promulgados pelo gov-
erno paraguaio sobre a navegação do rio Paraguai. Consulta de 05 de fevereiro de 1857.
In: REZEK, José Francisco. Consulta da Seção dos Negócios Estrangeiros. Brasília, Câ-
mara dos Deputados. v.4. 1978.
36 PARAGUAI. Del ministro Nicolás Vázquez al enviado brasileño José Maria do Ama-
ral, sobre el armamento del vapor brasileño Paraguassu. Assunción. 07/IV/1857. In:
RODRÍGUEZ ALCALÁ, Guido. Paraguay y Brasil: Documentos sobre las relaciones
binacionales 1844-1864. Assunción, Paraguay: Tiempo de Historia, 2007.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 259


Carlos Lopez annulou de fato o tratado de 6 de abril submettendo
a navegação commum a regulamentos, que eram a negação do que havia
estipulado e tornavam impossível o commercio interno com a provincia
de Matto-Grosso. A guerra parecia imminente: o Paraguay e o Brazil se
preparavam para ella. O Visconde de Rio-Branco foi à Assumpção em
missão especial [...] O plenipotenciário da República foi o general Solano
Lopez. Com elle assignou o Visconde do Rio-Branco a convenção de 12 de
Fevereiro de 1858 [...] Da questão de limites não se tratou mais, porque
o prazo fixado no acordo de 1856 expirou pouco antes de sobrevirem os
acontecimentos que trouxeram a guerra [...] (PARANHOS, 1902, p. 88).

Em janeiro de 1858, o governo imperial enviou a Assunção,


em missão especial, o Visconde do Rio Branco, que sugeriu que as
negociações sobre a navegação da bacia fluvial platina prosseguissem,
com base na convenção entre o Brasil e a Confederação Argentina de 20
de novembro de 1857. A proposta brasileira foi prontamente recusada
por Francisco Solano López, pois:

El Gobierno paraguayo entiende que podría verse una ofensa a la


dignidad nacional, y algún menoscabo de sus derechos de soberania, si
subscribiese una Convención en que se legisla respecto de al territorio
fluvial de la República, sin que esta fuese llamada a tomar parte en
tales estipulaciones y ni ao menos consultada a ese respecto.

Además de esta razón capital, otras de naturaleza menos grave,


pero también indeclinables, impeden la adhesión que se solicita de la
República. (PARAGUAI, 1858, p. 343-344).37

Paranhos convenceu as autoridades paraguaias a revogar os


regulamentos que impediam a navegação na bacia fluvial da região. As
autoridades brasileiras e paraguaias assinaram, em 12 de fevereiro de 1858,
uma convenção adicional ao tratado de 1856, que garantia a livre-navegação
nos rios Paraná e Paraguai (PARAGUAI, 1858, p. 348)38.
37 PARAGUAI. Protocolo de las navegaciones fluviales entre los diplomáticos del Paraguay
y del Brasil, Franscisco Solano López y José Maria Paranhos. Assunción. 12/II/1858. In:
RODRÍGUEZ ALCALÁ, Guido. Paraguay y Brasil: Documentos sobre las relaciones bina-
cionales 1844-1864. Assunción, Paraguay: Tiempo de Historia, 2007.
38 PARAGUAI. Convención adicional al tratado del 6 de abril de 1856 entre Paraguay

260 - TOMAZ ESPÓSITO NETO -


Esse acordo ficou conhecido como “Acordo López-Paranhos”.
Nele não se acertou o ajuste definitivo de limites; entretanto, o texto
estabeleceu a área em litígio e reconheceu uma parte do território de
Bahia Negra como propriedade do Paraguai.

Que la razón de esse artículo, que convenía dejar bien explicita, era
que siendo el territorio de la margem isquierda desde el Apa hasta el río
Blanco objeto de la cuéstion de límites entre la República y el Império
y estando desierta esa costa, así como la que le es fronteiriza, no habia
necessidad de policiar parte del río por medio de embarcaciones y de
guardas, quedándole sin embargo libre perseguir allí cualquier invasión
de los salvajes contra su territorio.

El Señor plenipotenciario del Brasil respondió que concordaba


perfectamente con la declaración que acababa de oír. Que nunca hubo
contestación entre el Imperio y la República sobre el território de la margen
derecha del río Paraguay, reconociendo ambos gobiernos la Bahia Negra
como límite de los dos países por ese lado. (Grifo nosso) (PARAGUAI,
1858, p. 357-358)39

O prazo estipulado pela convenção de 1856 para o acerto


definitivo dos limites continuava em vigor (PARANHOS, 1902, p.
100; DORATIOTO, 2002, p. 33; ACCIOLY, 1938, p. 84-85). Segundo
Doratioto (2002, p. 35), Carlos López cedeu na temática do livre trânsito
fluvial com vistas a ganhar tempo e preparar a República para uma
possível guerra contra Brasil ou Argentina.

A suspensão das tratativas sobre a temática de limites venceu em


abril de 1862. As partes voltaram à mesa de negociações. No entanto,

y del Brasil. Assunción. 12/II/1858. In: RODRÍGUEZ ALCALÁ, Guido. Paraguay y


Brasil: Documentos sobre las relaciones binacionales 1844-1864. Assunción, Paraguay:
Tiempo de Historia, 2007.
39 PARAGUAI. Aclaración de la convención adicional al tratado del 6 de abril de 1856
entre Paraguay y del Brasil. Assunción. 12/II/1858. In: RODRÍGUEZ ALCALÁ, Guido.
Paraguay y Brasil: Documentos sobre las relaciones binacionales 1844-1864. Assun-
ción, Paraguay: Tiempo de Historia, 2007.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 261


ambos os litigantes se mantiveram irredutíveis e a troca de farpas,
provocações e mesmo incidentes nas fronteiras acabaram por envenenar
as relações bilaterais (DORATIOTO, 2002, p. 36-37; GUIMARÃES,
2001, p. 105-107). Como destaca Doratioto:

Carvalho Borges foi instruído a não insistir em negociações, caso


visse que a postura paraguaia seria de não atender à reivindicação
brasileira sobre limites. Nesse caso, continuaria a viger a Convenção de
1856, que garantia a livre navegação, que era “da maior importância para
o Império”, e o Brasil se manteria no território até o Apa, respaldado por
títulos de posse “inquestionáveis”. O chanceler brasileiro não acreditava que
o governo paraguaio cometesse a “imprudência” de atacar o Império, e ele
estava convencido de que a controvérsia se resolveria de “forma pacífica” –
o Paraguai cederia – pois aos dois países interessava evitar o rompimento
(DORATIOTO, 2002, p. 37-38).

Ao assumir a presidência do Paraguai em 1862, Francisco Solano


López, filho de Carlos López, pôs em prática uma política externa mais
agressiva, com o objetivo de ter uma participação ativa nos destinos da
região do Prata. Essa medida alterou o perfil das relações entre o país
guarani e os seus vizinhos, e colocou em rota de colisão os interesses de
Assunção com os do Rio de Janeiro, cuja face mais visível era a questão
das fronteiras (DORATIOTO, 2002, p. 44).
Solano López, inclusive, autorizou a incursão de uma expedição
militar bem sucedida, liderada pelo tenente Pereira, por territórios da
zona em litígio e pela província do Mato Grosso para identificar as
posições das forças brasileiras e mapear as rotas da região (GUIMARÃES,
2001, p. 108-109). Prontamente, a diplomacia brasileira protestou:
En el mes de febrero próximo pasado, una fuerza de 60 a 70
paraguayos comandada por el Teniente Pedro Pereira y procedente de
la Villa de Concepción, habiendo atravesado la sierra, avanzó por las
cabeceras del río Dorados hasta la colonia brasilera del mismo nombre y
después de haber hecho intimidaciones al comandante de la colonia para
que desocupase ese territorio, se dirigió la fuerza paraguaya para el lado
del Rio de Miranda y penetró hasta otra pequeña colonia denominada de

262 - TOMAZ ESPÓSITO NETO -


Miranda y situada sobre el mismo río de ese nombre. A esas intimidaciones
y avance se decía Teniente Pereira autorizado por órdenes emanadas del
Gobierno de la República, así como a la declaración de que esos territorios
pretencen al Paraguay [...]

La simple exposición del hecho basta para hacer la irregularidad del


procedimiento del Teniente Pereira que, además de haber podido producir
un conflicto, pondría tener deplorables consecuencias [...](PARAGUAI,
1862, p. 373-374)40

Em sua resposta datada de 10 de abril de 1862, o governo paraguaio


afirmou que a missão do tenente Pereira era de “observar“ acampamentos
ilegais brasileiros em área não demarcada. Conclamou, também, o
governo imperial a voltar à mesa de negociações para solucionar a
questão de limites (PARAGUAI, 1862, p. 376-378).41

Segundo Menezes (2012) e Cervo (1981), o ambiente político era


de pura belicosidade e hostilidade nas relações entre o Brasil e Paraguai.
Conforme relatos da época, as autoridades paraguaias afirmavam que
as forças brasileiras “eram os mais tenazes inimigos de seu país, porém
também os mais covardes” (MENEZES, 2012, p. 16). Cervo (1981)
apresenta as repercussões negativas das tensões brasileiro-paraguaias
no Parlamento brasileiro da época:

Paranhos obtivera, desde 1856, vários tratados com Argentina e


Paraguai: sua visão das relações Brasil-Paraguai, em 1862, difere da que
descrevera em 1858. Naquela época, enfatizara a boa vontade paraguaia
e condenara, por injusta, a animosidade brasileira. Agora já descreve um

40 PARAGUAI. Del diplomático brasileño Antonio Pedro de Carvalho Borges al ministro


de Relaciones Exteriores paraguayo Francisco Sánchez, sobre um incidente en la región
fronteriza de Miranda y Dorados. Assunción. 07/IV/1862. In: RODRÍGUEZ ALCALÁ,
Guido. Paraguay y Brasil: Documentos sobre las relaciones binacionales 1844-1864.
Assunción, Paraguay: Tiempo de Historia, 2007.
41 PARAGUAI. Respuesta del ministro de Relaciones Exteriores paraguayo Francisco Sán-
chez al diplomático brasileño Antonio Pedro de Carvalho Borges sobre assentamientos
clandestinos en la región fronteriza de Miranda y Dorados. Assunción. 07/IV/1862. In:
RODRÍGUEZ ALCALÁ, Guido. Paraguay y Brasil: Documentos sobre las relaciones bina-
cionales 1844-1864. Assunción, Paraguay: Tiempo de Historia, 2007.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 263


Paraguai belicoso: “Quando cheguei à Assunção, Sr. Presidente, todas as
disposições do governo paraguaio eram bélicas”.
[...]

Em suma, os dois adversários políticos, Tavares Bastos e Paranhos,


encontravam-se em quase todos os pontos de análise das relações exteriores:
quanto ao Paraguai ambos alertam a opinião pública , em 1862, para os
perigos de uma guerra iminente.
(Grifo nosso) (CERVO, 1981, p. 96-97)

A situação se complicou em 1863, quando o Uruguai entrou


em plena convulsão política com a disputa entre as forças do Partido
Colorado, lideradas por Venâncio Flores, e os adeptos do Partido
Nacional (Branco), comandados pelo Presidente Bernardo Berro,
aliado de Solano López (BARRIO, 2010). Diante da ameaça de uma
intervenção internacional no Uruguai, capitaneada pelo Brasil ou
pela Argentina, Solano López precipitou os acontecimentos que
desencadeariam a Guerra do Paraguai (1864-1870), o maior conflito da
história da América do Sul.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do texto, apresentamos a evolução dos (des)entendimentos


em torno da questão de limites entre Brasil e Paraguai, desde a Independência
do Brasil até as vésperas da Guerra do Paraguai. Claramente, percebe-se
que as discussões sobre a demarcação das fronteiras estiveram diretamente
relacionadas com a temática da livre-navegação dos rios da Bacia do Prata e
com as disputas pelo poder no Cone Sul.

É possível dividir o litígio fronteiriço em três grandes fases: a


primeira compreende o período da independência do Brasil (1822) até o
envio da Missão Pimenta Bueno (1844); a principal característica dessa
fase foi a falta de diálogo entre as autoridades brasileiras e paraguaias,
em razão da política de “autoisolamento” do Paraguai e da malograda
negociação feita pela Missão Correia Câmara.

264 - TOMAZ ESPÓSITO NETO -


A segunda fase abrange o período da Missão Pimenta Bueno
(1844), até a Guerra contra Rosas (1850). Foi uma época de
desentendimentos e desconfianças mútuas, cujos principais motivos
eram: as crescentes demandas territoriais feitas pelos negociadores
paraguaios, consideradas excessivas pelas autoridades imperiais; a recusa
do Brasil em ratificar acordos de limites previamente negociados pelos
ministros plenipotenciários brasileiros – o que fomentou a percepção,
nos governantes paraguaios, de que as autoridades brasileiras não agiam
de “boa-fé”; e incidentes fronteiriços, como o episódio Morgenstern e o
caso Pão de Açúcar. No entanto, a evolução da questão de limites ficou
subordinada à contenção política expansionista da Argentina no Cone
Sul. Brasil e Paraguai consideravam Rosas uma ameaça, por isso fizeram
o pacto militar de 1850. No entanto, no momento da eclosão da Guerra
do Prata, o Paraguai ficou neutro ao invés de apoiar o Brasil, o que gerou
ressentimentos nas autoridades brasileiras.

A última fase se inicia na Missão Manoel de Castro (1852) e se


encerra às vésperas da Guerra do Paraguai (1864). Pela análise dos
documentos, percebe-se que o imbróglio fronteiriço continuou a gerar
tensões. Em alguns momentos, como durante a Missão Pedro Ferreira
em 1855, Brasil e Paraguai quase tiveram incidentes mais graves. Outra
característica desse período foi a tentativa das autoridades paraguaias
de vincular obrigatoriamente a questão da livre-navegação dos rios da
região à delimitação das fronteiras entre os dois países.

Percebe-se, portanto, que os problemas fronteiriços contribuiriam


de forma inequívoca para a construção do cenário político que propiciou
a eclosão da Guerra do Paraguai.

E, finalmente, a análise dessa temática revela outro fato que


merece ser destacado: a magnitude e complexidade da obra do Barão
do Rio Branco em seu trabalho de negociação, pela via diplomática, das
fronteiras brasileiras.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 265


REFERÊNCIAS
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(Org). História da América Latina: da independência a 1870. São Paulo: Edusp; Brasília:
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266 - TOMAZ ESPÓSITO NETO -


Capítulo 13

IMAGINARIOS DE FRONTERA
EN TORNO A LOS PROYECTOS Y
DEMANDAS DE INTEGRACIÓN FÍSICA
ENTRE TARAPACÁ Y ORURO*

Cristian Ovando Santana**


Sergio González Miranda***

INTRODUCCIÓN

La construcción histórica de múltiples imaginarios geográficos en


torno a la integración física chileno- boliviana, que tiene como epicentro las
regiones de Tarapacá en Chile y Oruro en Bolivia, cuestiona el denominado
nacionalismo metodológico (Morcillo 2011) que ha caracterizado a los
estudios sobre fronteras políticas en América del Sur.

Sostenemos que esta frontera se encuentra determinada por


diversas representaciones del espacio, surgidas desde actores que la

* Resultado de Proyecto Anillos SOC 1109, CONICYT: Relaciones transfronterizas


entre Bolivia y Chile: Paradiplomacia y prácticas sociales 1904-2004
** Académico del Instituto de Estudios internacionales de la Universidad Arturo Prat,
Iquique, Chile
*** Director del Instituto de Estudios internacionales de la Universidad Arturo Prat,
Iquique, Chile

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 267


comparten y desde una convivencia histórica transfronteriza que precede
a la formación de los respectivos Estado-naciones, que la han delimitado.
Por ello, conjeturamos que – como toda franja fronteriza-los habitantes
de la frontera tarapaqueña-orureña negocian una serie de prácticas e
identidades con referencia a lo nacional (Giménez, 2011). Desde esta
perspectiva, intentaremos constar que históricamente convive lo nacional
y lo transfronterizo de forma compleja en torno a la redefinición del
territorio, registrándose prácticas cotidianas marcadas por una mirada
transfronteriza, junto con prácticas nacionales que se mueven a través
de un discurso potenciado por los intereses de las capitales. Planteamos
que un punto de encuentro entre estas prácticas surge de las demandas
regionales tarapaqueñas y orureñas por integración física y la respuesta
estatal de ambos países que, si bien no renuncia al denominado “interés
nacional”, constituye una instancia que recoge en parte los imaginarios
construidos históricamente por los habitantes de Tarapacá y Oruro.

Si bien muchas comunidades ubicadas en la franja fronteriza


se constituyen como zonas de contención de una geopolítica y una
diplomacia en disputa, donde los procesos de bolivianización y
chilenización pueden ser notoriamente identificables tanto en discurso
como en agencias estatales ubicadas en la zona de frontera (desde escuelas
de concentración fronteriza hasta puestos aduaneros), las demandas
por integración física, primero por ferrocarriles, posteriormente por
carreteras y actualmente por corredores bioceánicos, de alguna manera
han morigerado dicho control de la frontera respecto de los habitantes
de estas regiones asociativas y vecinas. Aún más, consideramos que la
culminación de una etapa donde los estados nacionales ejercieron su
predominio por sobre las comunidades fronterizas en forma abierta y
notoria, fenómeno asociado a la creciente e histórica interdependencia
económica entre el Norte de Chile y el Centro Oeste boliviano, ha tendido
a que los imaginarios espaciales regionales y nacionales en torno a la
integración física coincidan en parte.

La ilusión de los ferrocarriles, luego de las carreteras para camiones


de alto tonelaje y hoy de los corredores bioceánicos, constituye un
ideario continuo desde mediados del siglo XIX en torno al desarrollo

268 -CRISTIAN OVANDO SANTANA | SERGIO GONZÁLEZ MIRANDA -


regional y el comercio transfronterizo, por un lado, y de complementación
económica vía acuerdos de liberalización entre países, por otro, que
acercan a los imaginarios nacionales con los regionales.

Los ferrocarriles fueron el ideario de integración física más


temprano desde que se constituyeron ambas repúblicas, en 1864 se puede
ubicar el primer proyecto ferroviario transfronterizo. La idea fue del
empresario minero boliviano José Avelino Aramayo. Según Luís Gómez
Zubieta, el 1 de junio de 1864 Aramayo lograría un empréstito con la
firma inglesa The London County Bankun por un monto de 1.500.000
libras esterlinas. Este gestionaría el proyecto ante el Gobierno de José
María de Achá, primero, y ante Mariano Melgarejo, después (1998:367).

La política ferroviaria seguiría siendo un eje para el desarrollo en


Bolivia bien entrado el siglo veinte. Por ejemplo, el diario La Nación del
30 de noviembre de 1916, señalaba:

“La obra iniciada en el primer periodo presidencial del Excmo.


señor Ismael Montes, en cuanto ha sido y es llevada a cabo paciente y
tesoneramente con voluntad firme al terreno de las realidades.
El Jefe de la Nación ha desenvuelto, en un lapso de tiempo más
o menos breve, una política ferroviaria atinada y verdaderamente
progresista desenvolviendo un vasto plano que vincula al Bolivia por el
Norte con el Perú por Mollendo; al Oeste con Chile por Arica; al sudeste
con el mismo país por Antofagasta, al Sur con la Argentina por la Quiaca
y al extremo Norte le une con el Brasil por el ferrocarril Madera Mamoré”.

Sin embargo, ya se había asumido entonces que la línea férrea entre


Tarapacá y Oruro, por la que tanto se había luchado desde 1864 (Castro
2003, González 2010), había sido descartada, iniciándose una década
después un nuevo imaginario: la integración a través de carreteras para
camiones de alto tonelaje (Harms 1930), que contaría con apoyo tanto
de varios gobiernos chilenos y bolivianos, pero que nunca concretaría,
llevando a orureños y tarapaqueños a iniciar en 1958 varias travesías
de la Cordillera de los Andes de ambas direcciones en caravanas de
vehículos, desde camiones, camionetas, buses hasta motonetas y

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 269


bicicletas, como una llamada de atención a las autoridades centrales
para que realizaran las inversiones, en infraestructura, para habilitar
los caminos con fines comerciales (González 2012). Sobre la base de
esos proyectos frustrados se levantó el último imaginario: los corredores
bioceánicos. Los que, sostenemos, tenían una antecedente en el periodo
de los proyectos ferroviarios con el Ferrocarril Panamericano, por su
pretensión continental, donde Oruro (y Tarapacá) son solo un punto
dentro de un complejo dendrítico de ramales ferroviarios que unirían
a todo el continente, siendo Bolivia el corazón del mismo. Como lo
podemos comprobar en este artículo periodístico de 1919, en el diario
La Prensa del 23 de julio, escrito por “Petronio”, a saber:

Esta gran línea del porvenir se halla próxima a ser una realidad.
El diagrama nos enseña el tronco principal que emana de Buenos Aires
hasta la Quiaca, allí se interrumpe por la construcción del ferrocarril
boliviano de Villazón, Tupiza – Atocha.
Se avanza hacia el norte pasando por Uyuni, Oruro, La Paz,
Guayaquil y navegación en el Titicaca. Se toma el tren de Puno-Juliaca-
Cuzco y medio trazado hasta Huancayo, de allí se interna a la Oroya y se
vuelve hacia Lima.
Falta la conexión con los ferrocarriles del Ecuador, Colombia,
Venezuela para ingresar al Canal de Panamá y seguir viaje a cualquier
punto de Norte América.
Actualmente se viaja en cuatro días y medio de La Paz a Buenos
Aires, con un costo que no excede de trescientos pesos bolivianos conforme
a las tarifas de los ferrocarriles argentinos, bolivianos y auto entre Villazón y
Atocha. El día en que la ferrovía sustituya el recorrido del auto, Bolivia habrá
adquirido toda la importancia internacional y económica con referencia a sus
poblaciones fronterizas e inmensamente ricas.
De esta línea troncal pueden derivarse ramales con dirección a
Tarija, el Chaco cruceño, chuquisaqueño y empalmarse con el ferrocarril
Cochabamba-Santa Cruz. El estado habrá realizado el ideal nacional de
esta zona.
En cambio, qué beneficios recibiría Bolivia permitiendo la
construcción de ferrocarriles argentinos en zonas apartadas del núcleo
de nuestras poblaciones? El capital invertido a quien aprovecharía?,
nada más que a los cartaginenses que conviven en el Plata.

270 -CRISTIAN OVANDO SANTANA | SERGIO GONZÁLEZ MIRANDA -


Se desvaría la línea internacional norteamericana en beneficio
exclusivo de una nación egoísta como dice el benemérito genera e Jofré,
causando perjuicios irreparables a Bolivia
Esta noción elemental que una línea férrea debe ser, netamente,
nacional desde su arranque fronterizo con otra nación.
La experiencia de los pueblos se halla basada en los hechos y ,
son estos hechos que nos inducen a no permitir sino la construcción del
ferrocarril Villazón-Tupiza, Atocha, y Tarija, después.

PETRONIO

El objetivo de este trabajo consiste en describir e interpretar


los imaginarios geográficos en torno a los ferrocarriles, luego de las
carreteras para camiones de alto tonelaje y hoy de los corredores
bioceánicos, que surgen en la integración transfronteriza entre Tarapacá
y Oruro a lo largo del siglo XX, puesto que constituyen idearios en
torno al desarrollo regional y al comercio transfronterizo que acercan a
los imaginarios nacionales con los regionales

ALGUNOS ASPECTOS TEÓRICOS CLAVE

Como hemos esbozado someramente, pretendemos problematizar


la noción de frontera construida desde el nacionalismo metodológico,
arraigada en las ciencias sociales chilenas, confrontándola con la
perspectiva de frontera como un espacio de amplitud variable donde los
actores ponen en juego una serie de sentidos y significados a su habitar
(Giménez, 2009). Tomamos posición por esta última perspectiva,
puesto que se considera que el nacionalismo metodológico consagra “la
tendencia a aceptar al Estado-nación y sus fronteras como un elemento
dado en el análisis social” ( Wimmer & Schiller, 2003: 576). El sustrato
epistemológico que subyace en esta definición concibe a los países como
unidades estancas que equiparan la sociedad al Estado-nación (Tapia,
2013:3). En cambio, cada vez más se considera la mirada desde “abajo
hacia arriba” que recoge las experiencias individuales y las formas en
que las fronteras impactan en las prácticas diarias de las personas que
las habitan (Tapia, 2013:4)

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 271


El nacionalismo metodológico, perpetua la frontera como
compartimiento cerrado, como un espacio escindido por cada Estado
nación, silenciando una serie de procesos y prácticas transfronterizas
presentes en el territorio. No obstante, desde esta perspectiva
fenomenológica, esta naturalización de la frontera no tiene nada
de natural, surge de “artificios simbólicos e imaginarios a través de
los códigos y las normas jurídicas, la cartografía del espacio y de las
representaciones de mapas" (Alburquerque, 2012:186).

LA REPRESENTACIÓN DEL ESPACIO A PARTIR DE LOS IMAGINARIOS


GEOGRÁFICOS

Las fronteras pueden entenderse como espacios transfronterizos


cambiantes donde surgen identidades nuevas y viejas en contacto. Esta
posibilidad de cambio está dada si la concebimos desde un proceso
cognitivo que implica la elaboración de imágenes mentales que otorgan
significación a los lugares en el marco de una red de lugares (Bailly,
1985, citado por Zusman, 2013: 53).

¿Cómo surge esta representación del espacio? Es el resultado de


“acciones, estrategias y dispositivos que colaboran a que la memoria
social se afiance como sujeto que define los imaginarios o, simplemente,
lo real” (Nuñez, et al, 2013:114-115). Así, dichos imaginarios son “el
resultado de prácticas, diplomacias, artes y tácticas que se despliegan en
una historicidad que les otorga sentido” (Nuñez, et al, 2013:114-115).

Estas prácticas y dispositivos dan por resultado una memoria


colectiva que nos permite comprender las distintas actitudes entre
antiguos y nuevos habitantes de un determinado espacio, entre nuevos
actores económicos y los de siempre. Lo relevante es que cada uno de
ellos valoriza de manera distinta o similar, escenarios, recursos y formas
de vida según su experiencia y posición en las relaciones de poder que
surgen en dicha construcción en un momento dado. En este marco,
conjeturamos que las rutas y trazados transfronterizos históricos, que
persisten en la memoria regional, tienen un valor más complejo que el
mero desplazamiento y la utilidad que aportan.

272 -CRISTIAN OVANDO SANTANA | SERGIO GONZÁLEZ MIRANDA -


En suma, el espacio real es resultado de nuestra propia
interpretación colectiva, en la medida que nuestra memoria colectiva
le asigna el estatus de verdaderos a dichos espacios a partir de ciertos
contextos sociales (Nuñez, et al,2013:111). Este proceso de mediación
está sujeto a ciertas convenciones histórico culturales, que en el caso
de los espacios fronterizos nacionales se trata de una representación
monopólica, que busca proyectar los límites del Estado y la distinción
entre nosotros y los otros, los que están fuera y dentro (Nuñez, et
al,2013: 112). Pero dada la movilidad de las imágenes colectivas que
proyectamos, se construyen nuevos territorios que se resisten a ser
aprehendidos por esa memoria oficial.

Para David Harvey, la imaginación geográfica o conciencia espacial


es entendida como la forma de atribuirle un significado particular al
espacio habitado. Nos “permite comprender el papel del espacio (…)
en las “transacciones entre individuos y organizaciones” (Harvey, 1985:
17).

En suma, cada grupo escoge una determinada trayectoria espacial


según la propia construcción de su imaginación geográfica, nutriéndose
ésta de varias dimensiones: objetos, al pasado, lo desconocido, la
idiosincrasia, la posición en las relaciones de poder etc. Es desde estas
trayectorias, que suponen proyectos vitales y que ponen en juego el
bienestar de las personas (Zusman, 2013), donde revelamos el sentido
de las rutas históricas que a continuación desarrollaremos.

LOS FERROCARRILES EN LOS IMAGINARIOS DE FRONTERA


TARAPAQUEÑO – ORUREÑO

Tarapacá y Oruro, al igual que toda zona anexada tardíamente


al territorio nacional, se encontraron subordinadas a sus respectivos
estados en consolidación que, desde una representación espacial oficial,
impusieron y normalizaron un espacio fronterizo, caracterizándolo
como conquistado, vacío y desprovisto de toda sociabilidad que no fuere
promovida por dicha ocupación (Nuñez,et al, 2013). Seguidamente,
a mediados del siglo XX, siguieron a distintas velocidades ancladas

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 273


a sus respectivos estados desarrollistas que no consideraron sus
particularidades territoriales al momento de implementar una serie
de estrategias de desarrollo. En el caso de Tarapacá, toda actividad
distinta al estimulo de la alicaída industria salitrera a partir de 1930
no tuvo un pleno desarrollo, al punto que “en otras áreas los estudios,
exploraciones o desarrollo de infraestructura quedaron limitados a
subvenciones esporádicas, optando más bien por otorgar concesiones
al sector privado” (Donoso 2009: 3). En cuanto a Oruro, una de las
medidas más relevantes de la década de 1950 en Bolivia fue la creación
de la COMIBOL (Corporación Minera de Bolivia) el 2 de agosto de
1952, dentro de una política de nacionalización de la minería. La idea
fundamental no era ser “simplemente una heredera de los Barones del
Estaño, sino un pivote indispensable para la independencia económica
del país” (Torrez 1986:21), donde Oruro fue una de las zonas más
afectadas por esa nueva política gubernamental que, si bien fue pensada
como un polo de desarrollo terminó tomando las mismas características
propias de un enclave minero1 (Conning et al 2009).

Por su parte, Oruro forma parte del núcleo histórico tradicional


de Bolivia, en la Colonia fue parte de Carangas, región minera donde
se beneficiaba plata para la corona. Desde entonces los mineros de
Tarapacá dueños de la rica mina de Huantajaya se relacionaron con
Oruro, como lo afirma Mª Concepción Gavira con claridad:

“si el minero de Tarapacá fundía su plata en la callana de Tacna,


se veía en la precisión de conducirlas a Arequipa a expensas de muchos
costos, careciendo por más tiempo de su valor, mientras que Carangas les
era más cómodo, porque estaba camino hacia Potosí y Oruro. Los oficiales
dicen que una vez que fundían sus barras en Carangas los mineros
llegaban hasta Oruro para proveerse de todo lo necesario y a veces incluso
realizaban los registros de plata en la misma Caja de Oruro. En esta villa
se abastecían de insumos necesarios en la minería como, por ejemplo,
el estaño. En muchas ocasiones todas estas negociaciones se hacían por
medio de comisionados” (1951:2005).

1 José Guillermo Torrez señala que “las empresas de COMIBOL, han ejercido en el ám-
bito rural regional un verdadero colonialismo interno ya que el excedente económico
generado por la actividad extractiva de un recurso natural no renovable no ha sido
reinvertido localmente sino en su magnitud ínfima (1986:31).

274 -CRISTIAN OVANDO SANTANA | SERGIO GONZÁLEZ MIRANDA -


Una vez concluido el ciclo argentífero, Tarapacá y Oruro inician en
paralelo un bueno ciclo minero, salitre y estaño, respectivamente.

Fue con el auge minero de estas economías lo que motivó a la


construcción un ferrocarril entre ambas provincias. No pocas empresas,
de diversos tamaños, algunas de origen británico se instalaron en
Tarapacá y Oruro al mismo tiempo como el The Bank of Tarapacá &
Argentina Ltd., pero sobre todo pequeños comerciantes y talleres de
confección que respondían a la demanda de ambos mercados. Pilar
Mendieta señala que Oruro “a principios de los años veinte ya contaba
con diez hoteles de primera y con varias casas bancarias entre las
cuales se encontraban el Banco Alemán Transatlántico, el Banco Sud
Argentino, The Bank of Tarapacá & Argentina Ltd., etc.” (2010:34).

Las comunidades de ambas provincias comenzaron a observar


la importancia de una integración física para potenciar sus respectivas
economías, especialmente ante el temor de las conocidas crisis mineras.
Lo anterior coincide además con el acercamiento a escala interestatal entre
Bolivia y Chile por un acuerdo sobre sus fronteras, que se transformaría
en el Tratado de Paz y Amistad de 1904. No es extraño, por lo mismo, que
en Tarapacá se observara el Tratado de 1904 como una herramienta que
le consolidará como plataforma de exportación de la minería (y otros
productos) desde Bolivia hacia el mercado internacional, pensando en
un hipotético término del ciclo del salitre. El Comité pro-camino a Oruro
organizado por las principales organizaciones de Tarapacá, desde 1902,
logró plantear un proyecto político regional de desarrollo basado en la
integración física transfronteriza entre Bolivia y Chile, específicamente
entre Oruro y Tarapacá, pero con proyección continental desde Oruro y
hacia ultramar desde Tarapacá.

En un documento fechado 22 de junio de 1902 y titulado “Petición


de los vecinos de Iquique al Supremo Gobierno sobre el ferrocarril a
Bolivia”, se hace una referencia a este proyecto político:

“la obra es muy hacedera. Y según puede verse del croquis que
acompañamos esta solicitud, que ha sido colocado sobre el mapa del Señor
Reck, el trazado de este ingeniero era una línea más o menos recta, que

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 275


partiendo de Iquique se dirigiera al oriente-norte hasta el Lago Poopó;
ahí comenzaría la vía fluvial hasta el otro extremo del lago, donde
se encuentra el río Desaguadero, que comunica ese lago Poopó con el
Titicaca, quedando en fácil comunicación con los centros más productivos,
agrícolas y minerales de la vecina República, las cuales tendrán rápido y
fácil acceso a la costa por quedar los distintos centros o puntos que servirá
este ferrocarril de Iquique, tal vez la mitad más cerca del puerto que
desembarque que lo que están hoy los puntos que sirve el ferrocarril de
Antofagasta a Oruro; de paso, debemos recordar, son distintas regiones y
parajes…” (Sánchez, 2006:22).

La percepción que hacia 1904 había sobre los beneficios de


un Tratado como el firmado en 1904, respondía también a una
concepción regional (en Tarapacá y Oruro) del desarrollo asociado
a la explotación de los recursos naturales y de acceso al mercado
internacional.

El diario El Nacional de Iquique de 7 de diciembre de 1904,


reproduce una entrevista publicada por El Mercurio de Valparaíso el 1°
de diciembre de ese año, al Dr. José Antezana un influyente abogado y
periodista boliviano, en algunas de sus parte el Dr. Antezana señala:

“El país boliviano es uno de los más feroces y más ricos. El ferrocarril
de Arica, eslabonado con el que, en breve, ha de construirse de La Paz á
Yungas y á los ríos navegables del noreste, exportaría de aquella región la
valiosa goma que hoy sale por diferentes vías y con dificilísimos medios de
transporte; la coca, el café, el tabaco, el algodón, el cacao, la quine, el maíz,
el arroz, el cáñamo, la caña, etc., y de sus bosques vírgenes y seculares
extraería madera variada é incorruptibles. Ese mismo ferrocarril,
en conexión con el de Oruro á Cochabamba, el Chimoré, extraería
los productos nombrados y todo género de cereales de aquella región
llamada con justicia “el granero del Perú”, en la época colonial. Además,
el ferrocarril de Arica daría impulsos soberanos á la región minera de
Tres Cruces, ubicada entre La Paz y Oruro, donde numerosas empresas
explotan actualmente metales de estaño de ley superior y que van camino
del desaliento y la agonía por la deficiencia absoluta de transporte…”

276 -CRISTIAN OVANDO SANTANA | SERGIO GONZÁLEZ MIRANDA -


Esta visión optimista de un espacio transfronterizo inédito tuvo
un origen endógeno, a escala local y regional, pero que se desarrolló
o se frustró dependiendo de la escala estatal: si en esta escala las
relaciones diplomáticas eran armónicas, los imaginarios de desarrollo
transfronterizo proliferaban y ampliaban el límite de lo posible, llegando
hasta lo continental.

Uno de los proyectos que rebasó todos los límites regionales y


nacionales fue el Ferrocarril Panamericano. En 1927 Manuel Heras del
Río afirmaba sobre este proyecto:

“Actualmente se halla en explotación y tráfico entre los siguientes


puntos: Buenos Aires – La Paz – Guaqui, puerto boliviano sobre el lago
Titicaca. Falta construir 72 kilómetros al Desaguadero y de allí a Puno,
180 kilómetros por cuenta del gobierno peruano. Juliaca – Puno se dirige
la línea hasta el Cuzco, allí se interrumpe para conectarlo con Huancayo:
faltan 15º kilómetros. Huancayo está unido con la Horoya – Lima. Falta
el enlace con los ferrocarriles de Quito – Bogotá – Panamá: 5.988 kms.”
(Heras, 1927:183).

La pretensión de este ferrocarril era llegar hasta San Francisco


de California o Washington. Resulta sorprendente que este imaginario
ferroviario haya estado vigente hasta tan entrado el siglo veinte. Por ello,
no es extraño que también entre Tarapacá y Oruro, en esas mismas fechas
todavía se pensara en una articulación sino directa al menos indirecta
a través de los ferrocarriles de Antofagasta – Oruro o Arica – La Paz.
Precisamente, el periódico boliviano El Norte, del 22 de febrero de
1919, se refería a supuestas líneas directas entre Arica y Oruro:Tenemos
conocimiento que en breve correrán trenes directos desde el puerto
de Arica hasta la ciudad de Oruro, tanto de pasajeros como de carga,
suprimiéndose de tal manera los trasbordos en la estación de Viacha,
facilitando con este motivo al comercio del interior de la República.

Sin embargo, fueron las frustraciones lo que caracterizó a los


proyectos transfronterizos entre Tarapacá y Oruro (González y Ovando
2011; González 2011), incluyendo el Ferrocarril Panamericano. A

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 277


pesar de las frustraciones, destacamos las coincidencias de visiones a
partir de proyectos de integración propuestos desde distintas escalas.
Posiblemente, las dificultades en concretar esos proyectos de integración
física se debió a reales problemas de financiamiento o a conflictos
diplomáticos.

Lo relevante de estos movimientos sociales en Tarapacá y Oruro


por lograr una integración física, es que obligó a los estados nacionales
a pensar en políticas públicas más allá de sus fronteras, con todo lo que
conlleva - para la época - en cuanto al nuevo sentido que se le da al
espacio habitado, sobre todo cuando el imaginario en construcción
vulnera las barreras nacionales. Son, además, un ejemplo, de lo que
recién de la década de 1980, autores como Bob Jessop logran identificar:
la construcción de las regiones transfronterizas (RTF). Afirma este autor
que se debe a “procesos generales de reescalamiento económico, social
y político”. Procesos que “responden y contribuyen a la relativización
de escala asociada, con el declive, desde inicio de los ´80, de la relativa
coherencia estructurada entre la economía nacional, el Estado nacional
y la sociedad nacional que había caracterizado el apogeo del boom de la
postguerra” (2004:26). Las recurrentes frustraciones de los imaginarios
transfronterizos tarapaqueños u orureños confirman esta apreciación.

CAMIONES, “CARAVANA DE LA AMISTAD” Y CORREDORES BIOCEÁNICOS


EN LOS IMAGINARIOS DE FRONTERA TARAPAQUEÑO – ORUREÑO

La crisis salitrera de 1930 sepultó todo sueño de integración física


entre Oruro y Tarapacá a través de un ferrocarril. Entonces surgió desde
el Comité Pro-Iquique, la idea de un camino para camiones de alto
tonelaje entre Tarapacá y Oruro. Dicho proyecto será conocido como
“el camino de Iquique a Oruro” (Comité Iquique, 1934), que ha sido
el concepto que se arraigó en la mentalidad local, especialmente por el
acicate que significaron las caravanas de la integración de 1958.

El imaginario espacial de esa propuesta se puede observar en las


palabras del principal redactor de este proyecto de integración física,
Carlos Harms Espejo, quien habla de los yacimientos argentíferos de

278 -CRISTIAN OVANDO SANTANA | SERGIO GONZÁLEZ MIRANDA -


Antequera, La Tordilla y la Rescatada, en la zona de Oruro y también
de la mina de Ayopaya, en Cochabamba. Respecto de los minerales
de cobre, “conocidos son los de Challacollo, Cerro Gordo, Copaquire,
Sagasca, Maní, Catigna, Chunciyo, Huaico y Collahuasi, todos de
buena ley (Harms, 1930:237). Nos orienta sobre la existencia de
yacimientos de otros minerales, metálicos como: bismuto, Wolfram,
molibdeno, monacita, uranio, oro, zinc, plomo; y no metálicos como:
yeso, caolín, ónix, sal gema, alumbre, mica, sulfatos varios, etc.
Además se refiere a combustibles fósiles como el petróleo. En todo
ve una oportunidad, como también la ve en la incipiente industria
boliviana, señalando economías que existen y que “se desarrollan en
espléndidas condiciones, como la explotación del caucho, algodón,
café, cacao y otros similares. Las industrias fabriles se reducen a las
destilerías de alcohol de caña de azúcar y de cereales. La fabricación
de cerveza, de calzado, de fósforo, de fideos y galletas” (1930:239). Esa
era supuestamente la solución a la crisis.

Surge así, la idea de construir una ruta internacional a partir de las


caravanas de la amistad. El Tarapacá de Iquique, del viernes 3 de enero
de 1958, titula:

“En Oruro trabajan denodadamente por lograr la construcción del


tramo internacional a Iquique. La unidad para el Progreso de Oruro, entidad
formada recientemente para impulsar tal iniciativa pidió ayer a la Intendencia
se le indique nombres de entidades iquiqueñas interesadas también en la
empresa a objeto de aunar un plan de trabajo”.

Es decir, era Oruro la comunidad que ponía la primera piedra en


la gestión para un camino que surgía en forma endógena. El cónsul de
Bolivia en Iquique, señor Víctor Vargas Olmos, tomó como propia esta
iniciativa transfronteriza, visita Oruro y les cuenta a los iquiqueños:
“Estuve hace poco en Oruro. Existe allí decaimiento comercial al
igual que en Iquique. Se trata de una zona minera y naturalmente su
población depende al igual que ustedes de la industria extractiva. Si se
bajan los costos mediante el menor pago de fletes, será posible aumentar la
producción de minerales y esto favorecerá a los iquiqueños, pues habrá un

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 279


mayor movimiento de naves. Por otra parte esos mismos barcos dejarán
mercaderías en Iquique, para ser transportadas a Bolivia. Si esto se
complementa con un apropiado convenio comercial, creo que el porvenir
de ambas zonas se podrá mirar con optimismo”.

Agregando que “El movimiento promovido por los iquiqueños


a través de su Comité pro Construcción del Camino, por la vía de
Chusmiza, ha tenido un eco favorable en Oruro” (El Tarapacá, sábado
11 de enero de 1958, p. 5).

Estaba ese interés también en el propio pueblo, el diario La Patria


de Oruro, señalaba que: “Veinte mil campesinos bolivianos ofrecieron
al gobierno de su país trabajar en la construcción del camino Iquique
a Oruro” (reproducido en El Tarapacá, miércoles 15 de enero de 1958,
p. 4).

Finalmente Integraron la caravana 800 personas, quienes


representan a todas las principales actividades de Oruro, viajando en 35
vehículos especialmente equipados para la esforzada travesía, ya que la
integraban carros con equipos radiales, de primeros auxilios sanitarios
y religiosos, (ya que inclusive viajó un sacerdote), y mecánicos para caso
de desperfectos.

Sin embargo, a pesar que las palabras se transformaron en acción a


través de este singular proyecto, que no estuvieron ajenas a lo épico debido
al riesgo de cruzar la Cordillera de los Andes sin caminos apropiados
(González y Ovando,2011; Gonzalez,2012), los gobiernos centrales
apoyaban y se alejaban de los proyectos regionales según el péndulo
de la diplomacia boliviana y chilena; oscilación que ha tendido hacia
los intereses regionales producto de las presiones sociales emanadas
desde la misma región. En materia de mejoras de rutas internacionales
(Corredores) ha sido una demanda sistemática hasta la actualidad.2
2 el sábado 1º de diciembre de 2007 el diario La Estrella de Iquique, así lo grafica: “El
largo y tortuoso camino a Colchane”. La nota señala: “este año la lucha de los gremios
y las fuerzas vivas de Iquique provocó la atención de las autoridades de Obras Públicas.
El viernes 8 de junio, el propio ministro Eduardo Bitrán firmó en Iquique el convenio
de programación para terminar la Ruta A - 55. Con 36 mil millones de pesos, aportados

280 -CRISTIAN OVANDO SANTANA | SERGIO GONZÁLEZ MIRANDA -


El péndulo estuvo en una posición cercana a las demandas
transfronterizas a partir de que el movimiento regional comenzó a
elaborar un discurso enfocado en un camino internacional hacia Bolivia
para camiones de alto tonelaje. Con ello, el regionalismo construyó un
discurso cada vez más orientado hacia el problema transfronterizo,
donde los corredores bioceánicos fueron la expresión más notoria.

Se trató de un ejemplo de aprovechamiento de los espacios


diplomáticos intersticiales que permitieron la emergencia de demandas
regionales transfronterizas a uno y otro lado de la frontera, a partir de
las mencionadas Caravanas de la Amistad de 1958 (González 2012),
cuando las elites políticas y sociales de Oruro y Tarapacá, aprovechando
la aproximación entre los gobiernos de Hernán Siles Suazo y de Carlos
Ibáñez del Campo, de Bolivia y Chile respectivamente, decidieron
unir a las dos regiones utilizando los viejos caminos existentes en una
aventura de ida y vuelta, que marcó un hito transfronterizo regional,
para demostrarles a sus respectivos gobiernos la necesidad de esa
conexión vial. Así, las demandas de orureños e iquiqueños, al parecer,
habían sido oídas en los Gobiernos centrales, los cancilleres de ambos
países se reunirían en Iquique en una Conferencia Internacional el 10
de Marzo de 1958. Resolución fundamental de esta conferencia debía
ser la fijación del trazado, las tres soluciones habían sido propuestas por
una comisión de ingenieros chilenos y bolivianos en 1952. Estas eran: 1.
Iquique – Pampa Lirima – Llica – Oruro; 2. Iquique – Chusmiza – Pisiga
– Toledo – Oruro y; 3. Iquique – Alpajere – Chinchillani – Oruro. Dicha
comisión recomendó de preferencia la llamada ruta central, (Chusmiza
– Pisiga), por ser la más corta y la que ofrecía menos dificultades
topográficas.

No obstante, el péndulo varió hacia el centro con el conflicto por


las aguas del río Lauca, clausurando toda posibilidad de realización de lo
imaginado por Harms Espejo tres décadas antes, puesto que los cambios
de gobiernos en ambos países no solo frustraron este proyecto sino que
emergerá en 1962, desde La Paz, lo que se conocerá “el conflicto del
Lauca”.
por el MOP y el Gobierno Regional de Tarapacá, se pavimentarán cuatro tramos de
Huara - Colchane que equivalen a 51,5 kilómetros. El plazo de término de las obras es
junio de 2009. Esta corresponde a un total de 113,5 kilómetros”.

- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 281


En otras palabras, cada vez que las autoridades estatales de ambos
países tendían a coincidir, volvían las demandas regionales en pos de la
complementación económica, empero, esos momentos de acercamiento,
no fueron lo suficientemente sólidos y permanentes en el tiempo como
para alcanzar objetivos concretos,

Así expresó su frustración el diputado por Tarapacá, Juan Checura


Jeria:
Es preciso seguir golpeando la conciencia no solo de nuestros
gobernantes y parlamentarios, sino que también la de nuestros propios
dirigentes locales para evitar que en definitiva quede diferida una obra que
durante muchos años ocupó la atención preferente de los ciudadanos y que
llegó a cristalizarse en una realidad internacional en su etapa inicial y que
por parte de Chile quedó incluso comenzada en sus estudios y construcción,
ya que el camino de Iquique a Oruro logró imponerse después de largos
años de perseverante labor. Lamentablemente este Gobierno, tal como
hizo con la fábrica de cenizas de soda, ha resuelto la paralización de los
trabajos argumentando, entre otras cosas, su “injustificación económica” (El
Tarapacá de Iquique, viernes 2 de septiembre de 1960).

Con todo, las comunidades de Iquique y Oruro, han tenido


muchos proyectos de integración física, que han terminado formando
parte de sus propias identidades a partir de los imaginarios geográficos
que proyectan, donde las caravanas de la integración de 1958 han sido
las que más se han arraigado en la memoria de estas comunidades
(González y Ovando, 2011).
Ya en las últimas tres décadas, un promotor incansable de la
construcción de corredores bioceánicos que conecten el norte de Chile,
el centro oeste de Sudamérica y Brasil - donde Tarapacá y Oruro forman
parte clave - , ha sido el alcalde de Iquique Jorge Soria Quiroga. Se trata
de un caudillo que desde la década del 60’ ha estado presente en los
hechos políticos que vinculan a Tarapacá con Oruro. Se trata de quien
ha liderado los intentos por consolidar propuestas de integración física
entre el extremo norte de Chile y la subregión. Éste ha basado, en parte,
su adhesión popular desde 1990 en un discurso político anticentralista3

3 En efecto, “la lucha contra el centralismo ha sido uno de los caballos de batalla de Soria,

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y de un regionalismo que está presente desde siempre en el discurso
nortino, producto del abandono que ha sufrido históricamente la región
Se nutre, además, de propuestas integracionistas con los países vecinos,
específicamente con Bolivia, incluyendo la proyección al Asia Pacífico;
demostrando así que este problema no le es ajeno al ciudadano común
y corriente. No es exagerado hablar del “factor Soria” en las relaciones
vecinales chileno-bolivianas.

Dentro de sus principales empresas transfronterizas pueden


mencionarse sus innumerables viajes a Bolivia, Paraguay y Brasil para
promover un corredor Bioceánico que cruce los cuatro países y concluya
su ruta pacífica por la ciudad de Iquique. Al respecto, el gobernador de
Oruro, Santos Tito Véliz, en el marco de una mesa de diálogo realizada
en Iquique en julio del presente año (2014) , organizada por la comisión
de integración regional del consejo regional de Tarapacá, y que reunió a
dicha autoridad boliviana con el alcalde Soria, señalo enfáticamente que
se debe“ fortalecer las vías de conectividad que los una con la plataforma
portuaria y comercial, que les ofrece la capital de la Región de Tarapacá”.
La nota de prensa emitida por sitio web de ITI, Puerto de Iquique-
Terminal Internacional4, que recoge las palabras de Santos Veliz enfatiza
además: “A 81 años de crearse el Comité Pro-Camino de Iquique a Oruro,
el gobernador de dicho distrito, Santos Tito Véliz, insiste en fortalecer las
vías de conectividad que los una con la plataforma portuaria y comercial,
que les ofrece la capital de la Región de Tarapacá.”

Prosigue el gobernador orureño destacando las gestiones del


alcalde Soria:

“es importante que los pueblos tengan la voluntad y convicción


de adherirse al proyecto de integración, que difunde por Sudamérica

a pesar de que al contrario de otras ciudades y pueblos del Norte, la ciudad de Iquique
goza de una gran autonomía. En realidad, este discurso es más antiguo que Soria mis-
mo, ya que está muy anclado desde los años treinta en la región. Sin embargo, Soria lo
hizo suyo y sirve perfectamente sus intereses, pues le permite federar a los iquiqueños
en contra de un “otro lejano y opresivo”, culpándolo de las dificultades que enfrenta la
ciudad.” (Barozet, 2004,219)
4 http://www.iti.cl/noticias/2014/Gobernador-de-Oruro-ratifica-a-Iquique-como-su-
puerto-natural-de-exportacion-e-importacion.aspx

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el alcalde Jorge Soria Quiroga (…) Tanto la conectividad vial como el
intercambio comercial entre Oruro e Iquique, son aspectos estratégicos
que se vienen discutiendo desde el 29 de agosto de 1933. En aquella fecha,
según lo establece un libro publicado en febrero de 1934, una asamblea
de vecinos se constituyó para luchar por el resurgimiento de Tarapacá y el
desarrollo del comercio internacional de Bolivia”

Finalmente, recoge dos aspectos que hemos destacado en


esta investigación, primero, la persistencia de la memoria como eje
de la construcción de imaginarios geográficos en torno a las rutas
transfronterizas. Al respecto Veliz sentencia:
“en este trabajo ha sido vital el esfuerzo desplegado por Soria
Quiroga en Sudamérica. Esto, porque durante 50 años no solo ha
proyectado la habilitación de una carretera internacional, sino que
también ha luchado por la edificación de una vía férrea”.

Y, en segundo lugar, se destaca la relevancia actual de los corredores


bioceánicos que integren a Tarapacá y Oruro:

“Para nosotros es una gran alegría que en Oruro podamos contar


con la presencia de una autoridad que ha trabajado por el desarrollo
de su ciudad. Y, al margen que podamos fortalecer nuestros lazos de
amistad entre pueblos vecinos, es importante establecer el desarrollo
integral de los pueblos por donde pasan los corredores bioceánicos” (…)
el Estado Plurinacional de Bolivia trabaja en mejorar y en construir
nuevas carreteras, que unan a Iquique con Oruro, Cochabamba, Santa
Cruz, Puerto Suarez y el poderoso Estado de Mato Grosso Do Sul, en
Brasil”.

CONCLUSIONES

Este artículo analiza en perspectiva histórica la escala regional


y la escala transfronteriza, circunstancialmente la escala nacional
o internacional (estatal) como referencia, en las que se expresan los
distintos imaginarios geográficos en torno a los vínculos entre Tarapacá
y Oruro.

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No desconoce la escala local (franja fronteriza) - la que habitan las
comunidades aymaras - , pero no nos hemos referido a ella por razones
de análisis. Es decir, nuestro análisis se centró en escala regional
transfronteriza, lo que propone Jessop con las regiones transfronterizas
y Boissier con las Regiones Asociativas de Fronteras.

Por otro lado, si bien, como plantea Andrés Núñez (2012), los
imaginarios territoriales basados en escalas monopolizadoras van
en detrimento de una multi-territorialidad basada en la historicidad
particular de regiones periféricas. En este trabajo destacamos ciertos
puntos de encuentro que surgen dentro de estas dos visiones:
regional y estatal, las que han convergido a partir de las demandas
regionales por integración física hacia Oruro en torno a los imaginarios
geográficos construidos históricamente por los habitantes de la frontera
internacional que separa a tarapaqueños y orureños. Destacamos en
este ámbito las redes ferroviarias alternativas que responden a otras
lógicas – distintas a la nacional - y escalas que orientan los intercambios
transfronterizos, como fue el caso del ferrocarril continental. En el caso
de los caminos terrestres, la ruta que surgiría de las caravanas de la
amistad de 1958 apuntaron a la misma lógica, pese a su frustración. A
su vez, las propuestas de Jorge Soria y sus pares orureños en cuanto a
concretar el ansiado corredor también van en la misma dirección.

Todas estas iniciativas tendientes a lograr una mayor integración


física, han obligado a los respectivos estados nacionales a pensar
en políticas públicas más allá de sus fronteras, con todo lo que
conlleva en cuanto al nuevo sentido que se le da al espacio habitado
y transitado, sobre todo cuando el imaginario en construcción vulnera
las barreras nacionales. En este sentido, estas propuestas de desarrollo
transfronterizo pioneras, inspiradas en movimientos sociales pro-
integración física Tarapacá-Oruro, podrían considerarse un antecedente
de lo que actualmente son los territorios que expresan la denominada
governanza multinivel.

Finalmente, destacamos uno de los elementos clave en la


construcción de los imaginarios geográficos: el uso de la memoria

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y los objetos del pasado como nutrientes que nos revelan el sentido
de las rutas y trazados históricos y presentes más allá de su utilidad.
Para nuestro caso estudio, la apelación por parte de autoridades y otros
actores interesados en concretar estos proyectos – hasta en la actualidad
- al “Comité de Iquique pro-camino de Iquique a Oruro, que data de
1934, es una clara muestra.

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Fuente: Adaptado por Mario Vergara en 2010, a partir de Mapa N° 3875 Rev. 3
United Nation, 2004.

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- FRONTEIRAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - 291

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