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Fernando Martins
Licenciado em Artes Cênicas (UnB – 2007).
Mestrando do PPG - ARTES na linha de pesquisa Processos Composicionais para
a Cena, com orientação da Prof. Dra. Silvia Davini.
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Do Pressuposto ao Conceito: a personagem.
“Ressoar implica em abrir e multiplicar sentidos e requer, portanto, de um imaginário
em constante expansão nutrido por uma prática conceitual sintonizada
com as temperaturas micropolíticas do desejo...”
Silvia Davini, Brasília, 2008
O que é uma personagem? Uma pergunta simples e mais uma vez, pressupomos
que pode ser respondida, sem maiores dificuldades, por atores, atrizes ou diretores de
um modo geral. No entanto, esta indagação, ao ser explicitamente colocada, provoca
impasses profundos, que raramente são superados. Considerando esta questão como
ponto de partida, este artigo pretende apresentar uma aproximação pragmática ao tema
da abordagem conceitual no campo do teatro.
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ativa, num plano espiritual paralelo à realidade, sem apresentar referências diretas ao
texto teatral.
A linguagem apresentada oferece pistas, aparentes na opção pelo uso dos termos
‘aparelhagem’ e ‘equipamento’, que indicam o conceito de corpo situado como um
instrumento do ator. Esta noção, dominante no campo do teatro contemporâneo,
apresenta limitações conceituais incontestáveis e não só podem, mas devem ser
argumentadas.
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ser humano [...]. Os limites entre corpo e instrumento são os limites entre humano e não
humano” (DAVINI: 2008; p. 74). Assim, o que a autora denomina ‘visão instrumental’
configura-se também, como um sintoma da instabilidade conceitual que atravessa a
área.
Uma vez localizado o corpo como lugar de produção, a voz é definida como
“uma produção do corpo na mesma categoria que o movimento. Porém, por constituir-
se em lugar da palavra, a voz comporta uma capacidade de definição discursiva muito
maior que o movimento” (DAVINI: 2008; p.60). Desta forma é possível apontar que, de
fato, a abordagem proposta por Davini, se propõe a revisar inconsistências conceituais
que limitam qualquer argumentação sobre a atividade teatral, quando por outro lado, o
conceito de corpo como instrumento não permite, por exemplo, a localização da voz e
da palavra. Se o corpo é um equipamento, o que é a voz? O equipamento do
equipamento? Inevitavelmente, estas propostas conceituais perdem possibilidade de
sustentação ao serem confrontadas com tais perguntas. Ainda a respeito do corpo
humano, Sulian Vieira nota que:
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O trecho apresentado é um dos raros momentos em que o autor, apresenta de
forma explícita e direta, uma indicação sobre o que ele pensa ser o trabalho de atuação.
Ainda sim, ao tratar o assunto dessa maneira ele atribui uma grande carga de
passividade a esta atividade. Uma noção recorrente na obra de Stanislavski que reduz o
trabalho do ator à reprodução ao indicar que “quando as condições interiores estiverem
preparadas – e certas -, os sentimentos virão à tona espontaneamente” (STANILAVSKI:
2003; pág. 83). Davini aponta que “uma abordagem introspectiva da atuação, de um
modo aparentemente paradoxal, promove fortes implicações políticas, incidindo
também de forma peculiar sobre o lugar a palavra em performance na cena
contemporânea” (DAVINI: 2007; p. 02). Pensar o trabalho do ator como condutor da
ação cênica implica em interferir nessas dinâmicas consolidadas, que foram mistificadas
e, consequentemente, deslocam o trabalho de atuar para noções explícitas de não
atividade. De fato, como sustentar o trabalho em cena considerando que a personagem
atua sobre o ator e não o contrário?
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cena” (DAVINI: 2008; p. 03). Stanislavski não percebe na superfície do texto a
materialidade da cena e referente à questão declara:
O dramaturgo acaso fornece tudo que os atores têm de saber sobre a peça?
Pode-se, acaso, em cem páginas, relatar inteiramente a vida da lista de
personagens? O autor, por exemplo, fornece pormenores suficientes daquilo
que aconteceu antes do início da peça? E faz-nos, acaso, saber o que
acontecerá depois de terminada ou o que se passa por trás das cenas? O
dramaturgo, freqüentemente, é avaro nos comentários [...] E as falas? Será
bastante decorá-las? Será que os dados fornecidos descrevem o caráter dos
personagens e nos indicam todos os matizes dos seus pensamentos,
sentimentos, impulsos e atos? A tudo isso o ator deve dar maior amplitude e
profundidade. Nesse processo criador a imaginação o conduz
(STANISLAVSKI; 1996; 88 - 89).
Este breve percurso sobre as noções de personagem, corpo e voz, permite uma
aproximação a esta questão crucial, instaurada no campo do teatro contemporâneo.
Analisar a mecânica de pensamento de Stanislavski, provavelmente o autor mais
referenciado na área, pretende também identificar as manobras que fizeram desse
discurso, o material mais difundido internacionalmente ao longo do século XX até hoje.
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densidade conceitual. Em Stanislavski a personagem é considerada primordialmente,
independente do corpo de quem atua, portanto, da voz, da palavra e do movimento que
este corpo produz. No entanto, ao considerar a palavra como ponto de partida para
configuração da personagem, Davini busca diversas referências na história do teatro
ocidental, onde a manifestação teatral esteve calcada na experiência sonora.
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Referências Bibliográficas
_______. O Jogo da Palavra. Humanidades – Teatro. N0 44, pp.37-44, Ed. UnB, Brasília, 1998.
_______. Voz e Palavra – Música e Ato (capítulo). Ao Novo Encontro da Palavra Cantada -
Poesia, Música, Voz. Org. Neiva de Matos, Cláudia; Elizabeth Travassos e Fernanda
Teixeira de Medeiros, Editora Apoio FAPERJ, Rio de Janeiro, 2007.
VIEIRA, Sulian. Do Corpo como Instrumento ao Corpo como Lugar, Anais do V Congresso
da Associação de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas /ABRACE. Belo
Horizonte, 2008.