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CAPı́TULO 3

Deformação do sólido

3.1. O campo de deslocamentos de um sólido


Considere um sólido inicialmente não deformado. Nele são definidas duas
partı́culas, P e Q. O segmento material P Q, denotado por d~r e formado pelas
partı́culas dispostos ao longo dele, será denominado segmento material infinitesi-
mal. Seu comprimento na configuração não deformada será denotado por dr.

Figura 3.1. Segmento material infinitesimal não deformado (d~r)


e deformado (d~r0 ).

Quando o sólido é deformado e deslocado, todas as suas partı́culas se deslocam


relativamente à sua posição na configuração não deformada. Na Fig. 3.1, por
exemplo, a partı́cula em P se desloca de ~u, atingindo a posição P 0 . Do mesmo
modo, a partı́cula em Q, na vizinhança da que está em P na configuração não
deformada, se desloca de ~u + d~u, atingindo o ponto Q0 . Pode-se, portanto, associar
a cada ponto do sólido na configuração não deformada um vetor deslocamento como
os das partı́culas em P e Q da figura citada. Tem-se assim um campo vetorial de
deslocamentos na região do espaço R3 ocupada pelo sólido quando não deformado.
Convém lembrar que d~u, a variação do campo de deslocamento do ponto P ao
ponto Q, é igual a ∇~u d~r.
Retornando ao segmento material infinitesimal da Fig. 3.1, observe que ele ad-
quiriu um novo comprimento e orientação espacial na configuração deformada. Com
o auxı́lio da figura, vê-se que o vetor d~r0 representa esse segmento na configuração
deformada qualquer e pode ser expresso como:
d~r0 = d~r + (~u + d~u) − ~u = d~r + (~u + (∇~u) d~r) − ~u
= d~r + (∇~u) d~r = (I + ∇~u) d~r (3.1)
Denominaremos de tensor gradiente de deformação ou simplesmente gradiente de
deformação ao tensor F = I + ∇~u, ilustrado na Fig. 3.2, de modo que o segmento
material infinitesimal deformado d~r0 seja expresso como:
d~r0 = F d~r (3.2)

1
2 3. DEFORMAÇÃO DO SÓLIDO

Figura 3.2. O gradiente de deformação aplicado ao segmento não


deformado d~r dá o segmento deformado d~r0 .

O gradiente de deformação F é um campo tensorial e define a orientação e o com-


primento do segmento material infinitesimal d~r que emana do ponto P numa de-
terminada configuração deformada do sólido. Suas componentes na base {~ei } são1
δij + ui,j . Observe nesta última equação que F está associado ao ponto P do espaço
e, portanto, deve ser calculado aı́, ou seja, no ponto de onde emana o vetor d~r.
A variação do campo de deslocamentos do ponto P para o Q, d~u, é igual à
diferença entre o segmentos materiais infinitesimais deformado e não deformado,
conforme a Fig. 3.2, ou seja:
d~u = (∇~u) d~r = d~r0 − d~r
Esta última equação permite dar uma outro significado fı́sico para o vetor d~u. Ele
representa a variação do segmento material infinitesimal d~r que emana do ponto P .

3.2. O tensor de deformação infinitesimal


A condição de deformação infinitesimal estabelece que a magnitude das com-
ponentes ui,j do gradiente de deslocamento são muito pequenas2: ui,j  1. Essa
condição é observada no comportamento de grande parte das peças empregadas em
engenharia. De aqui em diante será assumido que os sólidos estão sob a condição de
deformação infinitesimal. A seguir será vista a consequência desta condição sobre
a razão entre a magnitude de d~u e d~r.
O quadrado do comprimento do segmento material infinitesimal é:
dr2 = d~r · d~r
E o quadrado da magnitude da variação de deslocamento é:
du2 = d~u · d~u
= ((∇~u) d~r) · ((∇~u) d~r) = d~r · (∇~u)T ((∇~u) d~r)
Denotando d~r por µi dr ~ei , onde µi são as componentes do vetor unitário na direção
d~r, e substituindo nesta última expressão:
du2 = µi ~ei · (∇~u)T ((∇~u) µj ~ej ) dr2
= µi µj ~ei · ((∇~u)T (∇~u)) ~ej dr2
= µi µj uk,i uk,j dr2
Passando dr2 para o primeiro membro e tirando a raiz quadrada em ambos os
membros obtém-se:

1A notação vı́rgula é empregada para simplificar a escrita de uma derivada parcial. Por
∂ ∂ ∂
exemplo: ui,j = ui e ui,jk = ui .
∂xj ∂xj ∂xk
2A notação  significa muito menor que.
3.3. DEFORMAÇÃO NORMAL 3

du √
= µi µj uk,i uk,j  1
dr
pois ui,j  1 e µi ≤ 1. Ou seja, a magnitude de d~u é bem menor que a de d~r. A
consequência disto é que a variação do comprimento do elemento material infinite-
simal d~r com a deformação do sólido é bem menor que o seu próprio comprimento,
tı́pico comportamento da maioria das peças de engenharia.
Define-se a seguir o tensor deformação infinitesimal E, utilizado nos sólidos
submetidos à condição de deformação infinitesimal e, portanto, na maioria das
peças de engenharia.
O tensor E é por definição o simétrico do gradiente de deslocamento de um
sólido sob condição de deformação infinitesimal:
1
E = (∇~u + (∇~u)T )
2
Suas componentes na base {~ei } são:
1
Eij = (ui,j + uj,i )
2
Matricialmente, o tensor de deformação infinitesimal é:
 
E11 E12 E13
[E] = E12 E22 E23 
E13 E23 E33
1 1
 
u1,1 2 (u1,2 + u2,1 ) 2 (u1,3 + u3,1 )
=  12 (u1,2 + u2,1 ) u2,2 1
2 (u2,3 + u3,2 )

1 1
2 (u1,3 + u3,1 ) 2 (u2,3 + u3,2 ) u3,3

3.3. Deformação normal

Figura 3.3. Elemento material infinitesimal emanando do ponto


P : configurações não deformada e deformada.

Veremos como obter a deformação normal de um segmento material infinitesi-


mal d~r que emana de um ponto P qualquer na configuração não deformada, Fig.
3.3. Para tanto, vamos escrever o vetor d~r como:
~
d~r = dr m
onde dr é o comprimento desse segmento material infinitesimal e m ~ é o vetor
unitário na sua direção, ambos na configuração não deformada. O vetor m ~ tem
componentes mi na base {~ei }. O quadrado do comprimento deste segmento mate-
rial infinitesimal na configuração deformada é o produto escalar do vetor d~r0 com
ele mesmo. Da Eq. 3.1 podemos escrever:
4 3. DEFORMAÇÃO DO SÓLIDO

dr02 = d~r0 · d~r0


= (I + ∇~u) d~r · (I + ∇~u) d~r
= d~r · (I + ∇~u)T (I + ∇~u) d~r
= d~r · (I + (∇~u)T ) (I + ∇~u) d~r
= d~r · (I + ∇~u + (∇~u)T + (∇~u)T ∇~u) d~r
= d~r · (I + 2 E + (∇~u)T ∇~u) d~r
= dr2 m
~ · (I + 2 E + (∇~u)T ∇~u) m
~
= dr2 (m
~ · Im ~ · Em
~ + 2m ~ · (∇~u)T ∇~u m)
~ +m ~ (3.3)
Analisemos com mais detalhe cada uma das parcelas na última linha da equação
acima:
~ · Im
m ~ ·m
~ =m ~ =1

~ · Em
2m ~ = 2 mi ~ei · E mj ~ej
= 2 mi mj ~ei · E ~ej
= mi (ui,j + uj,i ) mj
~ · (∇~u)T ∇~u m
m ~ = mi ~ei · (∇~u)T ∇~u mj ~ej
= mi mj ~ei · (∇~u)T ∇~u ~ej
= mi uk,i uk,j mj
Como mi ≤ 1 e, pela condição de deformação infinitesimal, ui,j  1, podemos
~ · (∇~u)T ∇~u m
concluir que mi uk,i uk,j mj  mi (ui,j + uj,i ) mj , ou m ~  2m
~ · E m.
~
T
~
Logo, m·(∇~ u) ∇~u m ~ pode ser desprezado na última linha da Eq. 3.3. Resultando,
portanto:
dr02 = dr2 (1 + 2 m
~ · E m)
~
Os termos desta última equação podem ser rearranjados de modo a isolar 2 m ~ ·E m
~
no primeiro membro:
dr02 − dr2 (dr0 + dr) (dr0 − dr)
2m~ · Em~ = =
dr2 dr2
A condição de deformação infinitesimal permite concluir que du  dr. Logo,
dr0 ≈ dr, pela Fig. 3.3. Levando este resultado à equação anterior resulta após
simplificação:
(dr0 − dr)
~ · Em
m ~ =
dr
Podemos assim concluir que m ~ · Em~ é igual à razão entre a variação do compri-
mento do segmento material infinitesimal que emana do ponto segundo a direção
~ e o comprimento não deformado desse mesmo segmento. Esta razão também é
m
conhecida como a deformação normal na direção m ~ no referido ponto.
Do ponto de vista prático, a deformação normal3 Emm = m ~ ·Em ~ é dada pelo
produto matricial:
  
E11 E12 E13 m1 
Emm = {m}T [E] {m} = m1 m2 m3 E21 E22 E23  m2

E31 E32 E33 m3
 

3A notação indicial não se aplica a E


mm .
3.4. DEFORMAÇÃO CISALHANTE 5

3.4. Deformação cisalhante


Vamos agora obter a deformação cisalhante entre dois segmentos materiais
infinitesimais que emanam de um ponto qualquer P em duas direções ortogonais
m~ e ~n. Como sabemos, a deformação cisalhante é a variação do ângulo reto entre
esses dois segmentos da configuração não deformada para a deformada do sólido,
conforme ilustra a Fig. 3.4.

Figura 3.4. Elementos materiais infinitesimais emanando do


ponto P segundo direções ortogonais: configurações não deformada
e deformada.

Sejam os dois segmentos materiais denotados por d~rm e d~rn , respectivamente


~ e ~n. O primeiro tem magnitude drm e o segundo drn . Esses
nas direções m
segmentos quando deformados são dados respectivamente pelos vetores d~r0m e d~r0n ,
que, pela Eq. 3.1, podem ser escritos como:
d~r0m = (I + ∇~u) d~rm
e:
d~r0n = (I + ∇~u) d~rn
Tomando o produto interno entre d~r0n e d~r0m tem-se:
d~r0n · d~r0m = drm
0
drn0 cos(θmn ) (3.4)
onde θmn é o ângulo entre os dois segmentos materiais na configuração deformada.
Alternativamente e por procedimento análogo ao da Eq. 3.3, o produto interno
entre ambos pode ser escrito como:
d~r0n · d~r0m = (I + ∇~u) d~rn · (I + ∇~u) d~rm
~ · I ~n + 2 m
= drm drn (m ~ · (∇~u)T ∇~u ~n)
~ · E ~n + m
Nesta última equação, m ~ · (∇~u)T ∇~u ~n  2 m
~ · I ~n é zero, e m ~ · E ~n, pelas mesmas
razões apontadas anteriormente.
Assim:
d~r0n · d~r0m = 2 drm drn m
~ · E ~n (3.5)
Comparando as Eqs. 3.4 e 3.5, podemos escrever:
0
drm drn0 cos(θmn ) = 2 drm drn Emn (3.6)
0
Como drm = (1 + Emm ) drm ≈ drm e drn0 = (1 + Enn ) drn ≈ drn , pela condição de
deformação infinitesimal, a Eq. 3.6 fica, após simplificação:
cos(θmn ) = 2 Emn
π
Rescrevendo cos(θmn ) como sen ( − θmn ) e observando que este é muito pe-
2
queno, pois Emn  1, pela condição de deformação infinitesimal, conclui-se que:
6 3. DEFORMAÇÃO DO SÓLIDO

1 π 1 π
Emn = sen ( − θmn ) ≈ ( − θmn ) (3.7)
2 2 2 2
π
Porém, ( − θmn ) é a variação do ângulo entre os dois segmentos materiais infini-
2
tesimais da configuração não deformada para a deformada, usualmente denotada
por γmn . Logo, concluı́mos da Eq. 3.7 que:
γmn = 2 Emn
A deformação cisalhante, isto é, a variação do ângulo entre os dois segmentos
materiais infinitesimais da configuração não deformada para a deformada, é nume-
ricamente igual a 2 m~ · E ~n.
Para obter Emn pode-se recorrer à sua expressão matricial:
  
E11 E12 E13 n1 
Emn = {m}T [E] {n} = m1 m2 m3 E21 E22 E23  n2

E31 E32 E33 n3
 

Exemplo 3.1. Dada a matriz do tensor de deformação infinitesimal num


ponto na base {~ei }:
 
1,0 2,0 −2,0
[E] = 10−3  2,0 3,0 1,0
−2,0 1,0 4,0

2
~ =
Obtenha as deformações normal e cisalhante segundo as direções m (~e1 +
√ 2
2
~e2 ) e ~n = (−~e1 + ~e2 ).
2
Solução. ~
Deformação normal segundo m:
εm = Emm = m~ · Em~
√ −2,0 √ 1
   
1,0 2,0
2  −3 2
= 1 1 0 10  2,0 3,0 1,0 1
2 2  
−2,0 1,0 4,0 0
= 4,0 · 10−3
Deformação normal segundo ~n:
εn = Enn = ~n · E ~n
√ −2,0 √ −1
   
1,0 2,0
2 2
−1 1 0 10−3  2,0 3,0

= 1,0 1
2 2  
−2,0 1,0 4,0 0
=0
~ e ~n:
Deformação cisalhante segundo m
~ · E ~n
γmn = 2 Emn = 2 m
√ −2,0 √ −1
   
1,0 2,0
2  −3 2
=2 1 1 0 10  2,0 3,0 1,0 1
2 2  
−2,0 1,0 4,0 0
= 2,0 · 10−3
3.5. SIGNIFICADO FÍSICO DAS COMPONENTES DO TENSOR DE DEFORMAÇÃO INFINITESIMAL
7

3.5. Significado fı́sico das componentes do tensor de deformação


infinitesimal
Vejamos agora o significado fı́sico das componentes do tensor de deformação
infinitesimal na base {~ei }. Isto é fácil agora que conhecemos o significado fı́sico de
m~ · Em~ e 2m ~ · E ~n.
Se, por exemplo, fizermos m ~ = ~e1 e ~n = ~e2 , teremos:
~e1 · E ~e1 = E11 = εx1
e:
2 ~e1 · E ~e2 = 2 E12 = γx1 x2
isto é, E11 é a deformação normal na direção x1 e 2 E12 é a deformação cisalhante
entre as direções x1 e x2 , no ponto onde se conhece o tensor E.
Analogamente, chegamos que E22 e E33 são as deformações normais nas direções
x2 e x3 , respectivamente; 2 E13 é a deformação cisalhante entre as direções x1 e x3 ;
e 2 E23 é a deformação cisalhante entre as direções x2 e x3 . Resumindo:
E11 = εx1
E22 = εx2
E33 = εx3
e:
2 E12 = γx1 x2
2 E13 = γx1 x3
2 E23 = γx2 x3

Exemplo 3.2. Dada a matriz do tensor de deformação infinitesimal num


ponto na base {~ei }:
 
E11 E12 0
[E] = E12 E22 0 
0 0 E33
Determine as suas componentes na base {~e0i } obtida a partir de {~ei } mediante
a rotação de um ângulo θ no sentido anti-horário em torno do elemento ~e3 da
base original e interprete o significado fı́sico dessas novas componentes.

Solução. Primeiramente vamos determinar a matriz de transformação do


sistema {~ei } para o {~e0i }. Para tanto, observemos que:
8 3. DEFORMAÇÃO DO SÓLIDO

~e01 = cos θ ~e1 + sen θ ~e2


~e02 = − sen θ ~e1 + cos θ ~e2
~e03 = ~e3
Logo, a matriz de transformação é:
 
cos θ sen θ 0
[Q] = − sen θ cos θ 0
0 0 1
O tensor deformação infinitesimal na nova base é, portanto:
[E]0 = [Q]T [E] [Q]
    
cos θ − sen θ 0 E11 E12 0 cos θ sen θ 0
=  sen θ cos θ 0 E12 E22 0  − sen θ cos θ 0
0 0 1 0 0 E33 0 0 1
Realizando os produtos matriciais acima obtemos as componentes na base {~e0i }:
0 E11 + E22 E11 − E22
E11 = + cos 2 θ + E12 sen 2 θ
2 2
0 0 E11 − E22
E12 = E21 =− sen 2 θ + E12 cos 2 θ
2
0 E11 + E22 E11 − E22
E22 = − cos 2 θ − E12 sen 2 θ
2 2
0
E33 = E33
0 0
E13 = E23 =0
0
A componente E11 é a deformação normal na direção x01 , E22
0
é a de-
formação normal na direção x2 e E33 é a deformação normal na direção x03 . A
0 0
0
componente E12 é a deformação cisalhante segundo as direções x01 e x02 , E13
0
0 0 0
é a deformação cisalhante segundo as direções x1 e x3 e E23 é a deformação
cisalhante segundo as direções x02 e x03 . Não há variação do ângulo reto entre
as direções x01 e x02 e x01 e x03 .

3.6. Deformações principais


Por definição o tensor de deformação infinitesimal é simétrico. Seus auto-valores
e auto-vetores são as deformações principais e as respectivas direções principais.
Como visto anteriormente, as deformações principais ε1 , ε2 e ε3 são as raı́zes
da equação caracterı́stica:
|[E] − ε [I]| = ε3 − I1 ε2 + I2 ε − I3 = 0
onde os invariantes são:
I1 = tr E = Eii
= E11 + E22 + E33 = ε1 + ε2 + ε3
1 1
I2 = [(tr E)2 − tr E2 ] = (Eii Ejj − Eij Eij )
2 2
E11 E12 E11 E13 E22 E23
= + + = ε1 ε2 + ε1 ε3 + ε2 ε3
E12 E22 E13 E33 E23 E33

E11 E12 E13

I3 = E12 E22 E23 = ε1 ε2 ε3
E13 E23 E33
3.6. DEFORMAÇÕES PRINCIPAIS 9

O primeiro invariante é a dilatação volumétrica, cujo significado fı́sico o próprio


nome diz, é a variação do volume da partı́cula entre a configuração deformada e a
não deformada dividido pelo volume não deformado.
A matriz do tensor deformação infinitesimal na sua auto-base fica:
 
ε1 0 0
[E]{~ni } =  0 ε2 0 
0 0 ε3
As deformações principais são as deformações normais segundo as direções prin-
cipais. Os segmentos materiais infinitesimais orientados segundo as direções prin-
cipais de deformação permanecem ortogonais entre si na configuração deformada.
Isto se justifica analisando os coeficientes fora da diagonal da matriz do tensor de-
formação infinitesimal na auto-base. Todos eles são nulos, e, portanto, a deformação
cisalhante segundo duas direções principais quaisquer é nula.
Seja εmáx = máximo {ε1 , ε2 , ε3 } e εmı́n = mı́nimo {ε1 , ε2 , ε3 }, então, como men-
cionado no Capı́tulo 1, qualquer deformação normal no ponto, εm = Emm , deve
estar compreendida necessariamente entre εmı́n e εmáx , ou seja:
εmı́n ≤ εm ≤ εmáx
Logo, εmı́n e εmáx são respectivamente a mı́nima e a máxima deformação normal
no ponto.

Exemplo 3.3. O estado de deformação uniaxial é aquele cujo tensor de-


formação principal na sua auto-base é dado por:
 
ε 0 0
[E]{~ni } = 0 0 0
0 0 0
Interprete fisicamente esse estado de deformação.

Solução. Os auto-valores do tensor de deformação uniaxial são facilmente


obtidos neste caso:
ε1 = ε
ε2 = ε3 = 0
Seja ~n1 o auto-vetor de ε1 e m
~ um vetor unitário qualquer de componentes
mi na auto-base {~ni }. Então a deformação normal na direção m
~ é:
~ · Em
εm = m ~
  
 ε 0 0 m1 
= m1 m2 m3 0 0 0 m2
0 0 0 m3
 

= m21 ε = (m
~ · ~n1 )2 ε = cos2 (m,
~ ~n1 ) ε
A deformação normal em qualquer direção é proporcional ao quadrado do
cosseno diretor da direção em relação a ~n1 . A deformação normal em qualquer
direção ortogonal a ~n1 é nula.
Seja ~n um vetor unitário ortogonal a m ~ de componentes ni na auto-base
{~ni }. Então a deformação cisalhante entre as direções m
~ e ~n é:
10 3. DEFORMAÇÃO DO SÓLIDO

~ · E ~n
γmn = 2 m
  
 ε 0 0 n 1 
= 2 m1 m2 m3 0 0 0 n2
0 0 0 n3
 

~ · ~n1 ) (~n · ~n1 ) ε = 2 cos(m,


= 2 m1 n1 ε = 2 (m ~ ~n1 ) cos(~n, ~n1 ) ε
A deformação cisalhante em qualquer par de direções ortogonais entre si
é proporcional a cada um dos cossenos diretores das duas direções em relação
a ~n1 . A deformação cisalhante em qualquer par de direções ortogonais entre
si e ortogonais a ~n1 é nula.
Conclui-se que não deformação nenhuma no plano ortogonal a ~n1 .

Exemplo 3.4. Mostre que a dilatação volumétrica num ponto de um sólido


submetido à condição de deformação infinitesimal é igual ao traço do tensor
deformação infinitesimal.

Solução.

Vamos considerar uma vizinhança de volume ∆V e área de superfı́cie ex-


terna ∆S em torno da partı́cula na configuração não deformada. A variação de
volume dessa vizinhança com a deformação é a integral da variação de volume
d(∆V ) em cada elemento de superfı́cie externa dS. Esta variação volumétrica
(vide o detalhe na figura) é o produto da área da base do paralelepı́pedo, dS,
pela altura, ou seja, pelo produto interno entre o deslocamento da partı́cula
no centro da base e a normal a esta:
d(∆V ) = ~u · ~n dS
Podemos observar nesta última expressão que, se o vetor deslocamento aponta
da superfı́cie externa para o exterior da região (~u ·~n > 0), há nesse elemento de
área uma expansão volumétrica, e se ele aponta no sentido contrário (~u ·~n < 0),
há uma contração volumétrica.
Desta forma a variação de volume da região é:
Z
∆(∆V ) = ~u · ~n dS
∆S
E a dilatação volumétrica da partı́cula é o limite:
R
∆(∆V ) ~u · ~n dS
lim = lim ∆S
∆V →0 ∆V ∆V →0 ∆V
3.7. OS TENSORES DE DEFORMAÇÃO INFINITESIMAL ESFÉRICO E DESVIADOR 11

que nada mais é do que o divergente do campo de deslocamentos ~u no ponto


onde está a partı́cula na configuração não deformada. Logo:
∆(∆V )
lim = ∇ · ~u = tr ∇~u = ui,i
∆V →0 ∆V
Se considerarmos a condição de deformação infinitesimal: Eii = ui,i . E
assim concluı́mos que a dilatação volumétrica é o traço do tensor deformação
infinitesimal, ou seu primeiro invariante:
∆(∆V )
lim = tr E = I1
∆V →0 ∆V

3.7. Os tensores de deformação infinitesimal esférico e desviador


O tensor de deformação infinitesimal pode ser decomposto em duas parcelas,
uma é denominada esférica e a outra desviadora. A parcela desviadora é utilizada
para obter a densidade de energia de distorção num ponto, importante na análise
de falha do material.
O tensor de deformação infinitesimal esférico Ẽ é definido como:
1
Ẽ = (tr E) I
3
cujas componentes na base {~ei } são:
1
Ẽij = Ekk δij
3
ou
1
Ẽij = I1 δij
3
Matricialmente:
 
1 0 0
E11 + E22 + E33 
[Ẽ] = 0 1 0
3
0 0 1
Vejamos a deformação normal devida ao tensor de deformação esférico segundo
uma direção m ~ qualquer:
1 1
ε̃m = m ~ · Ẽ m
~ =m ~ · (tr E) I m ~ = (tr E)
3 3
Como ε̃m independe das componentes de m, ~ ela é a mesma para qualquer direção
no ponto.
A deformação cisalhante entre duas direções quaisquer ortogonais entre si, m ~
e ~n, devida ao tensor de deformação esférico é:
1
γ̃mn = 2 m~ · Ẽ ~n = 2 m ~ · (tr E) I ~n = 0
3
Como se observa por este último resultado, o tensor de deformação infinitesimal
esférico não causa absolutamente deformação cisalhante no ponto. Além disso, a
dilatação volumétrica devida ao tensor de deformação esférico é tr E, ou seja, a
mesma do tensor de deformação infinitesimal.

Exemplo 3.5. Qual o efeito do tensor de deformação infinitesimal esférico na


deformação de uma partı́cula esférica?
12 3. DEFORMAÇÃO DO SÓLIDO

Solução. Seja uma partı́cula esférica de raio dr na configuração não defor-


mada e d~r um elemento material infinitesimal radial qualquer de comprimento
igual ao raio da esfera:
~
d~r = dr m
onde m~ é um vetor unitário numa direção qualquer. O comprimento desse
segmento na configuração deformada é:
1
dr0 = (1 + m ~ · Ẽ m)
~ dr = (1 + (tr E)) dr
3
Além disso, em quaisquer duas direções ortogonais entre si, a deformação cisa-
lhante é nula. Concluı́mos assim que a partı́cula mantém a sua forma esférica
na configuração deformada, porém tem o seu raio alterado. Se o traço tr E for
positivo, ocorre dilatação da partı́cula e, se for negativo, ocorre contração.

O tensor de deformação infinitesimal desviador Ê é definido como a diferença


entre o tensor de deformação infinitesimal e o seu esférico:
1
Ê = E − Ẽ = E − (tr E) I
3
cujas componentes na base {~ei } são:
1
Êij = Eij − Ekk δij
3
ou
1
Êij = Eij − I1 δij
3
Matricialmente:
1
 
E11 − E kk E 12 E 13
 3 
 1 
[Ê] = 
 E12 E22 − Ekk E23 
3 
 1 
E13 E23 E33 − Ekk
3
Vejamos a deformação normal devida ao tensor de deformação infinitesimal
~ qualquer:
desviador segundo a direção m
~ · Ê m
ε̂m = m ~ · (E − Ẽ) m
~ =m ~
~ · Em
=m ~ −m
~ · Ẽ m
~
= εm − ε̃m
A deformação normal devida ao tensor desviador Ê na direção m ~ é a devida ao
tensor E nessa mesma direção menos a devida ao tensor esférico Ẽ.
~
A deformação cisalhante entre duas direções quaisquer ortogonais entre si, m
e ~n, devida ao tensor de deformação infinitesimal desviador é:
3.7. OS TENSORES DE DEFORMAÇÃO INFINITESIMAL ESFÉRICO E DESVIADOR 13

~ · Ê ~n = 2 m
γ̂mn = 2 m ~ · (E − Ẽ) ~n
~ · E ~n − 2 m
= 2m ~ · Ẽ ~n = 2 m
~ · E ~n
= γmn
Concluı́mos que o tensor Ê preserva as deformações cisalhantes do tensor E.
O traço do tensor de deformação infinitesimal desviador é:
1
tr Ê = tr E − tr E tr I = 0
3
Logo, a dilatação volumétrica da partı́cula devida ao tensor de deformação infini-
tesimal desviador é nula.

Figura 3.5. Corte transversal de uma partı́cula esférica subme-


tida ao tensor de deformação infinitesimal desviador.

O tensor de deformação infinitesimal desviador conserva o volume da partı́cula,


porém altera a sua forma. Por exemplo, uma partı́cula esférica submetida ao ten-
sor desviador transforma-se num elipsoide de mesmo volume cujos eixos principais
coincidem com as direções principais do tensor desviador, Fig. 3.5.
Resumindo, a parcela do tensor de deformação infinitesimal esférica altera ape-
nas o volume da partı́cula preservando a sua forma, e a parcela desviadora altera a
sua forma preservando o seu volume.

Exemplo 3.6. Obtenha as deformações e direções principais do tensor de


deformação infinitesimal esférico.

Solução. O problema de auto-valor é:


Ẽ ~n = ε̃ ~n
sua equação caracterı́stica é:
1

tr E − ε̃

3 0 0

1 = ( 1 tr E − ε̃)3 = 0

0 tr E − ε̃ 0
3 3
1
0 0 tr E − ε̃

3

Portanto, só há um único auto-valor:
1
ε̃ = tr E
3
14 3. DEFORMAÇÃO DO SÓLIDO

Como visto, neste caso qualquer vetor é direção principal do tensor de de-
formação infinitesimal.

Exemplo 3.7. Compare os auto-valores e auto-vetores dos tensores E e Ê.

Solução. Sejam os problemas de auto-valor do tensor E:


E ~n = ε ~n
e do tensor Ê:
~ = ε̂ m
Ê m ~ (3.8)
onde (ε, ~n) é o par auto-valor-auto-vetor do primeiro e (ε̂, m)
~ o do segundo
problema.
Desenvolvendo Ê ~n:
Ê ~n = (E − Ẽ) ~n = E ~n − Ẽ ~n = E ~n − ε̃I ~n = ε ~n − ε̃ ~n
ou :
Ê ~n = (ε − ε̃) ~n (3.9)
Comparando as equações 3.8 e 3.9, concluı́mos que o auto-valor de Ê é:
1
ε̂ = ε − ε̃ = ε − tr E (3.10)
3
e o seu auto-vetor é o mesmo do de E:
~ = ~n
m
ou seja, Ê preserva as direções principais de E.
Concluı́mos que os auto-valores de ambos os tensores se relacionam por
meio da expressão dada pela Eq. 3.10 e compartilham as mesmas direções
principais.

Exemplo 3.8. Dado o tensor de deformação infinitesimal num ponto na base


{~ei }:
164 · 10−5 48 · 10−5
 
0
[E] =  48 · 10−5 136 · 10−5 0 
−5
0 0 −100 · 10
Determine as deformações e direções principais dos tensores E, Ẽ e Ê

Solução. Equação caracterı́stica de E:


164 · 10−5 − ε 48 · 10−5

0
48 · 10−5 136 · 10−5 − ε

0 =0
−5

0 0 −100 · 10 − ε
ou:
(ε + 1 · 10−3 ) (ε2 − 3 · 10−3 ε + 2 · 10−3 ) = 0
3.8. CONDIÇÕES DE COMPATIBILIDADE DO TENSOR DE DEFORMAÇÃO INFINITESIMAL
15

Resolvendo a equação caracterı́stica, obtemos as deformações principais:


ε1 = +2 · 10−3
ε2 = +1 · 10−3
ε3 = −1 · 10−3
cujos respectivos auto-vetores são:
4 3
~n1 = ~e1 + ~e2
5 5
3 4
~n2 = − ~e1 + ~e2
5 5
~n3 = ~e3
Auto-valor de Ẽ:
1 1
ε̃ = tr E = (2 · 10−3 + 1 · 10−3 − 1 · 10−3 ) = 6,7 · 10−4
3 3
Auto-valores de Ê:
ε̂1 = ε1 − ε̃ = 2 · 10−3 − 6,7 · 10−4 = +1,3 · 10−3
ε̂2 = ε2 − ε̃ = 1 · 10−3 − 6,7 · 10−4 = +0,33 · 10−3
ε̂3 = ε3 − ε̃ = −1 · 10−3 − 6,7 · 10−4 = −1,7 · 10−3
Suas correspondentes direções principais são as mesmas que de E.

3.8. Condições de compatibilidade do tensor de deformação


infinitesimal
Satisfeitas as condições de deformação infinitesimal, a todo campo de desloca-
mentos ~u corresponde um campo de tensores de deformação infinitesimal E. Porém,
a recı́proca é verdadeira sob determinadas condições denominadas condições de
compatibilidade ou de integrabilidade. O diagrama da Fig. 3.6 ilustra o problema.

Figura 3.6. Todo campo tensorial E (azul) no diagrama corres-


ponde a um campo de deslocamento ~u, porém todo campo tensorial
T (vermelho) não.

Para se saber se um campo de tensores é compatı́vel com um campo de des-


locamentos, a primeira condição é que a região ou o sólido onde esse campo é
definido seja simplesmente conexa, isto é, se qualquer superfı́cie fechada no interior
do sólido pode ser colapsada ao redor de um ponto dele sem cruzar a sua fronteira.
16 3. DEFORMAÇÃO DO SÓLIDO

A Fig. 3.7 ilustra uma região simplesmente conexa e outra multiplamente conexa.
A segunda condição é que o candidato a campo tensorial E verifique as seguintes
relações diferenciais:
Eij,kl + Ekl,ij = Eik,jl + Ejl,ik
Embora sejam 81 equações, muitas delas identidades na qual o primeiro membro
se repete no segundo, apenas 6 delas, listadas abaixo, são significativas:
E11,22 + E22,11 = 2 E12,12
E11,33 + E33,11 = 2 E13,13
E22,33 + E33,22 = 2 E23,23
E11,23 = E12,13 + E13,12 − E23,11
E22,13 = E12,23 + E23,12 − E13,22
E33,12 = E13,23 + E23,13 − E12,33

Figura 3.7. Regiões simples e multiplamente conexas.

Se ambas as condições são verificadas, pode-se afirmar que o campo tensorial


é compatı́vel com um campo de deformação infinitesimal E e existe um campo de
deslocamentos ~u que lhe corresponde, ou seja, o campo tensorial pode ser integrado
para obter o campo de deslocamentos.

3.9. Exercı́cios propostos


Resolva os exercı́cios indicados abaixo que estão no arquivo ”Deformações.pdf”:
3.20 a 3.23, 3.25 a 3.29, 3.31, 3.32, 3.34 a 3.36.

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