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Conceitos Científicos em Destaque

Processos Endotérmicos e Exotérmicos:


Uma Visão Atômico-Molecular

Haroldo Lúcio de Castro Barros


Neste artigo, são analisadas, sob a perspectiva atômico-molecular, absorção e liberação de energia, na forma
de calor, em processos físico-químicos. Para isso, entre outros aspectos, foram discutidos: as definições de
sistema e vizinhança; os conceitos macroscópico e microscópico de temperatura; a percepção de calor como
um processo de transferência de energia, resultante de uma diferença de temperatura; o equilíbrio térmico entre
sistema e vizinhança em experimentos realizados em condições diatérmicas; os conceitos de energia interna de
um sistema e de suas constituintes; a variação de temperatura de um sistema e a de energia cinética média das
partículas; e variações de energia potencial associadas à ruptura e à formação de ligações químicas e/ou de
interações intermoleculares. Com a discussão desses tópicos, muitas dificuldades dos estudantes, no estudo
da termoquímica, poderão ser mais facilmente superadas ou, mesmo, evitadas.

absorção/liberação de energia; energia interna; formação/ruptura de ligações

241
Recebido em 03/10/08, aceito em 01/08/09

N
o estudo de Termoquímica, é não possível a troca de calor entre gelo fundente e a água líquida, têm
comum os estudantes apre- eles – e, em caso afirmativo, dúvidas a mesma temperatura, as partículas
sentarem dificuldades recor- quanto às consequências do restabe- que os constituem têm a mesma
rentes como aquelas relacionadas lecimento do equilíbrio térmico. energia cinética média.
às variações de temperatura em pro- Considerando o nível microscópi- Este trabalho procura, por meio
cessos endotérmicos e exotérmicos co, nota-se que os estudantes nem de considerações teóricas e da dis-
ou outras ligadas às energias cinéti- sempre têm uma boa compreensão cussão de alguns processos simples,
ca e potencial das partículas – esta do significado da energia interna de contribuir para a elucidação das difi-
particularmente misteriosa! –, pois, um sistema nem de suas constituintes culdades mencionadas.
por exemplo, é frequente a seguinte – a energia cinética e a energia po-
pergunta: Por que, em processos tencial das partículas que o formam. Temperatura e energia interna
endotérmicos, como na dissolução Ainda nesse nível, existem as dú- Nossas discussões devem ser
de determinado composto, nota- vidas quanto à associação de ruptura iniciadas com uma abordagem su-
se uma diminuição na temperatura e formação de ligações (ou de intera- cinta dos conceitos macroscópico e
da solução? Afinal, se há absorção ções intermoleculares) com absorção microscópico de temperatura. Em se-
de energia, a temperatura deveria e liberação de energia, como também guida, analisaremos a energia interna
aumentar! quanto à identifica- e suas componentes
ção desses fenôme- para, então, conside-
Aspectos macroscópicos e microscópicos nos com alterações A interpretação atômico- rarmos alguns pro-
A interpretação atômico-molecular na energia potencial molecular de processos cessos.
de processos endotérmicos e exo- das partículas envol- endotérmicos e Quando dois cor-
térmicos exige clareza quanto aos vidas. Deve, ainda, exotérmicos exige clareza pos são colocados
aspectos macroscópicos dos ex- ser mencionada a quanto aos aspectos em contato, a tem-
perimentos. Há muitas dificuldades relutância para ad- macroscópicos dos peratura é um parâ-
com as definições de sistema e de mitir-se que, se dois experimentos. metro que determina
vizinhança e com o fato de ser ou sistemas, como o se haverá ou não
transferência de energia, na forma de
A seção “Conceitos científicos em destaque” tem por objetivo abordar, de maneira crítica e/ou inovadora, conceitos calor, entre esses corpos e em que
científicos de interesse dos professores de Química. direção se dará essa transferência,

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caso ela ocorra. Nessa definição, líquido a uma temperatura mais translação e/ou a velocidade de ro-
supõe-se contato diatérmico, ou elevada, fornece um interesasante tação e/ou a frequência de vibração
seja, é possível a troca de calor entre elo entre os conceitos macroscópi- das partículas.
os corpos. Ademais, supõe-se que co e microscópico de temperatura. A percepção da energia potencial
não possa haver troca de energia en- Os choques entre as partículas do é mais difícil do que a da cinética.
tre eles, na forma de trabalho, ou de líquido, em constante movimento No nível molecular, como exposto
irradiação. Se não térmico, com o bul- acima, a energia potencial de um
houver transferência bo de vidro do ter- sistema está associada às interações
de energia, na forma Considerando o nível mômetro, transferem entre núcleos e elétrons e relaciona-
de calor, diz-se que microscópico, nota-se que energia para o vidro, se à posição das partículas. Ela só se
existe equilíbrio tér- os estudantes nem sempre aquecendo-o2. Este, mostra evidente quando se transfor-
mico entre os corpos têm uma boa compreensão por sua vez, trans- ma em trabalho ou em outras formas
e que eles têm a do significado da energia fere energia para o de energia como mostraremos mais
mesma temperatu- interna de um sistema nem mercúrio, provocan- adiante.
ra. Caso contrário, de suas constituintes – a do a sua dilatação. A energia interna de um sistema
a transferência de energia cinética e a energia Quanto mais intenso pode ser aumentada pela execução
energia ocorrerá na potencial das partículas o movimento das de trabalho sobre ele – como, por
direção da maior que o formam. partículas do líquido, exemplo, a compressão do ar pela
temperatura para a tanto mais energia é aplicação de uma pressão externa.
menor. Deve ser notado que o ter- transferida e tanto maior a dilatação No processo inverso, o ar compri-
mo calor é mais apropriadamente do mercúrio, ou seja, tanto maior mido pode realizar trabalho sobre a
empregado como um processo de a temperatura. Assim, em última vizinhança, como (por meio de uma
transferência de energia do que análise, pode-se dizer que o termô- máquina própria) desparafusar a
como uma forma de energia (Beatie metro mede a quantidade média do roda de um automóvel.
apud Castellan, 1986). movimento das partículas que estão A energia interna de um sistema
242 Sob o ponto de vista microscó- em contato com ele. pode também ser aumentada pela
pico, a temperatura de um sistema A energia interna3 de um siste- absorção de calor. Transferência de
é um parâmetro que se relaciona ma é a soma de todas as formas energia na forma de calor e execu-
diretamente com a energia cinética de energia que o sistema possui. ção de trabalho são modos equiva-
média das partículas que o consti- Para a maioria dos propósitos da lentes de se alterar a energia interna
tuem1. Assim, pode-se afirmar que, química – que são diferentes, diga- de um sistema. Calor e trabalho só
se em determinada situação, gelo e mos, daqueles da física nuclear –, aparecem durante a transferência
água líquida estão na temperatura de os componentes significativos da de energia. Portanto, um sistema
0oC, então as suas partículas cons- energia interna são aqueles que não possui calor ou trabalho – ele
tituintes possuem a mesma energia podem alterar-se no possui uma energia
cinética média. Vale lembrar que decurso de uma rea- interna (Beatie apud
partículas podem ser átomos, mo- ção química – quais Sob o ponto de Castellan, 1986).
léculas, íons ou agregados dessas sejam: (I) as ener- vista microscópico, a Consideremos
espécies. Assim, na água líquida, em gias associadas à temperatura de um sistema exemplos de varia-
vez de moléculas, deve-se referir a translação, rotação é um parâmetro que se ção de energia po-
agregados moleculares (unidos por e vibração das par- relaciona diretamente tencial em alguns
ligações de hidrogênio), que podem tículas (ou de outras com a energia cinética processos como a
ter um número variável de moléculas. unidades estruturais média das partículas que o sublimação de um
Por outro lado, em se tratando de capazes desses mo- constituem. cristal de cloreto de
sólidos cristalinos, devem também vimentos); e (II) a sódio. A energia de
ser consideradas as vibrações da energia eletrônica, que é a energia interação entre os íons sódio e clo-
rede. Esses fatos têm implicações na associada às várias interações, in- reto, que possuem cargas opostas,
energia cinética média dos sistemas tramoleculares e intermoleculares, é basicamente energia potencial ele-
e explicam porque tanto as partículas que existem entre núcleos e elétrons trostática5 e tem um valor negativo.
constituintes do gelo fundente quan- (Dasent, 1982) . A soma dos compo-
4
Transferindo-se energia ao sistema
to as da água líquida, a 0oC, têm a nentes agrupados em (I) correspon- como calor, os íons podem ser se-
mesma energia cinética média – por de à energia cinética das partículas parados até o infinito, situação em
mais estranho que, à primeira vista, constituintes do sistema, e a soma que a sua energia potencial torna-se
isso possa parecer. dos componentes agrupados em (II), igual a zero. Portanto, para romper as
A transferência de energia, que à sua energia potencial. ligações iônicas no cloreto de sódio,
ocorre quando, por exemplo, um Energia cinética é a energia asso- há aumento na energia potencial do
termômetro de mercúrio, à tempe- ciada ao movimento. Quanto maior sistema, a qual passa de um valor
ratura ambiente, é inserido em um ela for, tanto maior a velocidade de negativo a zero. Na verdade, na

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ruptura de qualquer ligação química nética e potencial de suas partículas havia sido absorvida na vaporização
ou de interação intermolecular, o sis- constituintes. e utilizada para romper as ligações
tema absorve energia e há aumento A água líquida absorve energia, de hidrogênio e que estava na forma
de sua energia potencial6. na forma de calor, do bico de gás de energia potencial, é devolvida à
Processo análogo ao que aca- para transformar-se em água gasosa vizinhança como calor ou na execução
bamos de descrever, envolvendo e, assim, a vaporização é um proces- de trabalho ao restabelecerem-se as
basicamente energia potencial ele- so endotérmico. Exatamente porque, ligações de hidrogênio.
trostática, ocorre quando um elétron na vaporização, há absorção de Um exemplo prático é o de uma
é removido de um átomo gasoso, energia, a água gasosa tem energia máquina térmica, em que a energia
levando à formação de um íon posi- interna maior do que a água líquida8. do vapor de água, gerado pela
tivo. Nesse processo de ionização, Nesse experimento, a água lí- queima de um combustível, aciona
há aumento da energia potencial do quida e a gasosa mantêm-se à os pistões, realizando um trabalho
sistema. mesma temperatura. Uma pergunta e condensando-se nesse processo.
Por outro lado, a energia poten- usual é: por que não Outros exemplos
cial de um sistema, constituído por há aumento na tem- são as queimadu-
moléculas de água gasosa, dimi- peratura, já que há A energia potencial, em ras da mão de uma
nui quando, ao condensarem-se, absorção de calor? qualquer sistema, não é pessoa por vapor de
formando água líquida, aumenta o O motivo é que a facilmente perceptível, água ou por água
número de ligações de hidrogênio energia, fornecida exceto quando ela se fervente. Conside-
entre essas moléculas7. Na formação pelo bico de gás, transforma em outra forma remos que tanto o
de qualquer ligação química ou de transforma-se inte- de energia ou quando há vapor quanto a água
interação intermolecular, o sistema gralmente em ener- execução de trabalho. líquida estejam a
libera energia e há diminuição de sua gia potencial das 100oC. Em qualquer
energia potencial. moléculas da água, não havendo dos dois casos, há liberação de ener-
Em outros sistemas, como o alteração em sua energia cinética gia, na forma de calor, para a mão,
da água represada em uma região média. Mantendo-se constante a cuja temperatura é muito menor. En- 243
elevada, a energia potencial gravi- energia cinética média, não há va- tretanto, deve ser lembrado que, no
tacional da água transforma-se em riação da temperatura. O aumento caso do vapor, a energia liberada é
energia cinética quando ela cai. Em da energia potencial das moléculas maior (e a queimadura, mais grave!),
uma usina hidroelétrica, essa energia da água gasosa faz com que estas uma vez que o vapor se condensa
cinética é aproveitada para a gera- tenham energia interna maior do que sobre a mão, e a transformação
ção de eletricidade. a das moléculas na fase líquida. A H2O(g) → H2O(l) libera energia adi-
Feitas essas considerações, dis- energia absorvida é utilizada para cional àquela devido à diferença de
cutiremos, inicialmente, as variações romper a maior parte das ligações de temperatura.
de energia interna em dois pares de hidrogênio, principais responsáveis
experimentos em que não ocorrem por manter a água na fase líquida9. Dissolução endotérmica e dissolução
reações químicas. Em cada par, um Como a energia potencial se exotérmica
processo é exotérmico e o outro, manifesta na água gasosa? A ener- Consideremos, agora, outro ex-
endotérmico. Finalizaremos com um gia potencial, em qualquer sistema, perimento – dissolução de sulfato
exemplo de reação química. não é facilmente perceptível, exceto de potássio em um béquer contendo
quando ela se transforma em outra água –, realizado em condições dia-
Vaporização e condensação da água forma de energia ou quando há exe- térmicas, ou seja, em que é possível
Consideremos um experimen- cução de trabalho. a troca de calor entre sistema e vizi-
to em que a água, Assim, para exa- nhança. O sistema, no início, é cons-
contida em um balão minarmos a energia tituído pela água pura, H2O(l), e pelo
colocado sobre a No nível molecular, a potencial da água ga- sulfato de potássio, K2SO4(s), ambos
chama de um bico energia potencial de um sosa, consideremos à temperatura ambiente. Depois da
de gás, entre em sistema está associada às um segundo experi- rápida dissolução do sal, o sistema
ebulição. Suponha- interações entre núcleos mento, em que ocor- passa a ser a solução resultante de
mos que tanto a e elétrons e relaciona-se à re a condensação do sulfato de potássio.
água líquida quan- posição das partículas. vapor de água, ge- Nota-se, nos instantes iniciais
to o vapor formado rado no experimento do experimento (em que não houve
(que em conjunto anterior. A temperatu- tempo hábil para a troca de calor
constituem o sistema) estejam na ra é mantida constante e igual a 100oC. com a vizinhança), uma diminuição
temperatura de 100 oC. Deseja-se Sendo o primeiro experimento o con- da temperatura do sistema, que deve
discutir, nessa mudança de fase, trário do segundo, neste as ligações ser atribuída a uma diminuição da
as variações da energia interna do de hidrogênio são restabelecidas e há energia cinética média de suas par-
sistema em termos das energias ci- liberação de energia. A energia, que tículas constituintes. Como a energia

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total deve ser conservada, pode-se íon-dipolo. Entretanto, na dissolução Nessa reação, representada pela
afirmar que há aumento da energia do hidróxido de sódio, a soma das Equação 1, são rompidas as 4 liga-
potencial do sistema10. variações de energia potencial deve ções simples C–H no metano, bem
A variação da energia potencial indicar que a energia potencial total como as ligações duplas O=O nas
pode ser entendida analisando-se diminui, já que o aumento inicial da 2 moléculas de oxigênio e, para que
as mudanças nas ligações químicas temperatura evidencia aumento da isso ocorra, há absorção de energia.
e interações intermoleculares no energia cinética. Assim, pode-se Paralelamente, formam-se 2 ligações
sistema. A dissolução envolve dois concluir que, nessa dissolução, parte duplas C=O no dióxido de carbono
processos endotérmicos e um exo- da energia potencial transforma-se e 4 ligações simples O–H nas 2
térmico. Os dois endotérmicos são as em energia cinética. moléculas de água, processos em
rupturas, pelo menos parciais, das li- Com o tempo, o sistema perde que há liberação de energia. Nesse
gações iônicas no sulfato de potássio energia, como calor, para a vizi- caso, pode-se afirmar, com segu-
sólido e das ligações de hidrogênio nhança. A temperatura do sistema rança, que, em módulo, a energia
na água líquida. O processo exotérmi- diminui e, eventualmente, o equilíbrio liberada é maior do que a absorvida,
co é a formação das interações íon- térmico é restabelecido. O balanço pois todas as combustões são exo-
dipolo no sulfato de potássio aquoso, energético no final do experimento térmicas. A energia liberada nessas
uma vez que tanto os mostra uma libera- reações pode ser aproveitada para
íons potássio – K+ – ção de energia, na aquecimento ou para a realização
quanto os íons sulfato Não obstante a maioria forma de calor, pelo de trabalho como, por exemplo,
– SO42– – interagem das leis e dos princípios sistema. A dissolu- movimentar um veículo13.
com as moléculas po- da Termodinâmica ter ção do hidróxido de Nas reações químicas endotérmi-
lares da água, sendo sido formulada antes ou sódio é, portanto, cas, em módulo, a energia absorvida
solvatados por elas. de forma independente exotérmica. para a ruptura de ligações é maior do
Originam-se espé- da teoria atômica, uma Se esses experi- que a liberada na formação de outras
cies hidratadas, que explicação molecular dos mentos de dissolu- ligações. Em quaisquer casos, como
244 podem ser represen- fenômenos enriquece a ção fossem condu- explicado anteriormente, variações
tadas, respectiva- compreensão destes e zidos em condições permanentes na temperatura do
mente, por K+(aq) e muito contribui para ela. adiabáticas, como sistema dependem das condições
por SO42–(aq)11. Como em uma garrafa tér- em que as reações são efetuadas
indicado no parágrafo anterior, resulta mica, ou seja, sem que houvesse – se em recipientes com paredes
que a soma das variações de energia troca de calor entre o sistema e a diatérmicas ou adiabáticas.
potencial desses três processos deve vizinhança, as variações de tempe-
mostrar que a energia potencial total ratura seriam permanentes. Pode-se, Conclusão
do sistema aumenta, uma vez que a portanto, afirmar que, em condições Não obstante a maioria das leis
diminuição da temperatura só pode adiabáticas, aqueles processos, e dos princípios da Termodinâmica
ser atribuída a uma diminuição da que realizados diatermicamente são ter sido formulada antes ou de forma
energia cinética média das partículas. endotérmicos, resultam em dimi- independente da teoria atômica, uma
Com o decorrer do tempo, a vi- nuição da temperatura do sistema, explicação molecular dos fenômenos
zinhança cede energia, na forma de enquanto os exotérmicos resultam enriquece a compreensão destes e
calor, para o sistema, aumentando a em aumento12 (Lima e cols., 2008). muito contribui para ela. Em espe-
temperatura deste, até que o equilí- cial, a discussão dos aspectos mi-
brio térmico com o meio ambiente Uma reação química exotérmica croscópicos permite abordar a dinâ-
seja restabelecido. Assim, pode-se A interpretação atômico-mole- mica dos processos de transferência
concluir que o balanço energético cular da variação da energia interna de energia e possibilita a introdução
no final do experimento mostra uma em transformações químicas não é do fator tempo nesses processos.
absorção de energia, na forma de diferente daquela apresentada nos De fato, nossa experiência em sala
calor, pelo sistema e a dissolução exemplos anteriores, exceto pelo de aula tem mostrado que, com a
do sal é dita endotérmica. fato de que, nas reações químicas, discussão dos tópicos abordados
Abordaremos, de modo mais ao formarem-se novas substâncias, neste trabalho, muitas dificuldades
resumido, um quarto experimento, há sempre ruptura e/ou formação de tradicionais dos estudantes, no es-
também realizado em condições ligações químicas e não apenas de tudo da termoquímica, têm sido mais
diatérmicas – a dissolução, em água, interações intermoleculares. facilmente solucionadas.
do hidróxido de sódio, NaOH(s), Consideremos, como exemplo, a
em que a temperatura do sistema combustão do metano: Notas
aumenta inicialmente. Como no 1. Deve ser lembrado que o
exemplo anterior, há rupturas de CH4(g) + 2 O2(g) → número de partículas envolvidas,
ligações iônicas e de ligações de CO2(g) + 2 H2O(g) (Eq. 1) mesmo em um sistema minúsculo,
hidrogênio e formação de interações é extremamente elevado – em ape-

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nas 2 colheres (de sopa) de água, obviamente, não há qualquer tipo 11. Refere-se a rupturas parciais
há cerca de 6,02 x 1023 moléculas! de interação entre as suas molé- das ligações iônicas porque, em
Assim, para a descrição das pro- culas. Entretanto, na água gasosa solução, existem pares iônicos e
priedades dos sistemas, não é pos- real, há agregados outros agregados.
sível analisar-se o comportamento moleculares forma- Simultaneamente,
individual das partículas, mas se dos por ligações de A discussão dos aspectos deve haver ruptura
deve recorrer a valores médios de hidrogênio. Na água microscópicos permite de parte das liga-
suas propriedades. Por essa razão, líquida, o número abordar a dinâmica dos ções de hidrogênio
a temperatura é associada ao valor dessas ligações é processos de transferência entre as moléculas
médio da energia cinética das par- muito maior. de energia e possibilita a de água para que
tículas – as partículas individuais 8. Deve ser nota- introdução do fator tempo ocorra a solvatação
têm energias cinéticas diferentes do que, nesse pro- nesses processos. dos íons.
e que não se mantêm constantes cesso de vaporiza- 12. Em um ex-
com o tempo. ção, a pressão é mantida constante perimento feito em condições adia-
2. Movimento térmico é o movi- e, portanto, o calor absorvido é igual báticas – que não são comuns em
mento molecular, aleatório e caótico, à entalpia de vaporização. É comum, nosso dia a dia –, a interpretação
que é tanto mais energético quanto na bibliografia de Ensinos Funda- da variação da temperatura do sis-
maior for a temperatura. mental e Médio, referir-se ao calor tema é mais simples, não só porque
3. O conceito de energia interna é de vaporização como calor latente essa variação é permanente após
fundamental em nossas discussões. de vaporização. Essa denominação é ter sido atingido o equilíbrio interno
Expressões como conteúdo de calor incorreta e não deve ser usada, pois, do sistema, mas também porque o
e calor de um sistema são equivo- como observado anteriormente, um experimento não envolve troca de
cadas e obsoletas e não devem ser sistema não possui calor. calor com o meio ambiente.
usadas (Silva, 2005). 9. Parte da energia absorvida é 13. No Brasil, o gás natural veicu-
4. Na medida em que os elétrons utilizada para romper as interações lar, GNV, tem sido bastante utilizado
se movimentam em torno dos núcle- dipolo-dipolo entre as moléculas da como combustível para veículos. 245
os, a componente eletrônica da ener- água líquida, aumentando a distân- Ele é constituído, basicamente, por
gia interna inclui a energia cinética cia entre elas – na fase gasosa, as metano.
dos elétrons, além das energias de distâncias entre as moléculas são
atração elétron-núcleo e de repulsão muito maiores.
elétron-elétron. As repulsões não são 10. A energia total deve ser
Haroldo Lúcio de Castro Barros (haroldo@coltec.
apenas coulombianas, mas também conservada porque, nos instantes ufmg.br), bacharel em Engenharia Química pela
são devidas ao princípio de exclusão iniciais, não há tempo para a troca de Escola de Engenharia da Universidade Federal de
de Pauli. calor entre o sistema e a vizinhança. Minas Gerais (UFMG), mestre em Química pela
5. Além da componente cou- Além disso, está implícito que não Purdue University (EUA), doutor em Química pela
Tulane University (EUA), pós-doutor pela Universi-
lombiana, responsável por cerca de há troca de matéria e é desprezado dade de Londres (Inglaterra), é professor associado
90% da energia de interação entre eventual trabalho de expansão ou de do Colégio Técnico da Escola de Educação Básica
os íons, há também repulsões não compressão. e Profissional da UFMG (Coltec/UFMG).
coulombianas entre eles, ligadas
ao princípio de Pauli, e ainda outras Referências na Escola, n. 22, p. 22-25, 2005.
contribuições menos importantes.
CASTELLAN, G. Fundamentos de Para saber mais
Esses refinamentos, entretanto, não
físico-química. Trad. C.M.P. Santos e R.B.
afetam a validade da discussão Faria. Rio de Janeiro: LTC, 1986. ATKINS, P.W. Concepts in physical
apresentada. DASENT, W.E. Inorganic energetics. 2 chemistry. Oxford: Oxford, 1995.
6. Também nas rupturas no mun- ed. Cambridge: Cambridge University BARROS, H.L.C. Química inorgânica
do macroscópico, como na quebra Press, 1982. – uma introdução. Belo Horizonte, 2002.
de um cabo de vassoura, ligações LIMA, M.E.C.C.; DAVID, M.A. e MA- MORTIMER E.F. e AMARAL, L.O.F.
químicas e/ou interações intermole- GALHÃES, W.F. Ensinar ciências por Quanto mais quente melhor: calor e tem-
culares são rompidas e, para que isso investigação: um desafio para os forma- peratura no ensino de termoquímica. Quí-
dores. Química Nova na Escola, n. 29, p. mica Nova na Escola, n. 7, p. 30-34, 1998.
ocorra, o sistema – no caso, o cabo
24-29. 2008. OLIVEIRA, M.J. e SANTOS, J.M. A
de vassoura – deve absorver energia.
SILVA, J.L.P.B. Por que não estudar energia e a Química. Química Nova na
7. Se se supõe comportamento entalpia no Ensino Médio. Química Nova Escola, n. 8, p. 19-22, 1998.
de gás ideal para a água gasosa,
Abstract: Endothermic and exothermic processes: a molecular viewpoint. Absorption and liberation of energy, as heat, are analyzed, under a molecular viewpoint in this report. For this purpose,
among other aspects, we discussed: definitions of system and surroundings; macroscopic and microscopic concepts of temperature; the perception of heat as a process of energy transfer, result-
ing from a temperature difference; thermal equilibrium between system and surroundings, in experiments carried out under diathermic conditions; the concepts of internal energy of a system and of
its components; change in the temperature of a system and change in the average kinetic energy of its particles; changes in potential energy associated to the breakage and formation of chemical
bonds and/or of intermolecular interactions.The discussion of such topics will help students to overcome or even to avoid many difficulties that they usually encounter in the study of thermochemistry.
Keywords: absorption/liberation of energy; internal energy; breakage/formation of bonds.

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Processos Endotérmicos e Exotérmicos Vol. 31, N° 4 , NOVEMBRO 2009

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