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Recife
2021
É certo ou errado falar assim?
O erro e preconceito
‘’É mesmo engraçado: a suposta "ruína da língua" é um processo que nunca chega
ao fim — o português, por exemplo [...], sempre esteve à beira do colapso, do
desaparecimento puro c simples.’’ (BAGNO, 2009, p.15)
Essas ideias refletem algumas concepções que vigoravam nos séculos XVIII
e XIX, no auge do colonialismo europeu e da exploração dos povos e das
riquezas da África, da América e da Ásia pelas grandes potências
europeias. Era preciso fornecer justificativas “científicas” para a escravidão,
para a tentativa de impor as culturas brancas e cristãs (incluindo suas
linguas) aos povos que praticavam rituais ‘’selvagens’’ e tinham crenças
‘’primitivas’’ e ‘’imorais’’. De fato, a ciência desse período era
assumidamento racista. (BAGNO,2009, p.16)
‘’ A escola, durante muito tempo (e, em grande medida, até hoje), além de ensinar
as pessoas a ler e a escrever, também ensinava (ensina) um conjunto de noções
falaciosas sobre língua e linguagem [...].’’ (BAGNO, 2009, p.19)
‘’As pessoas que têm acesso à escolarização formal, à cultura escrita, à literatura
prestigiada também têm acesso a diversos mitos sobre a língua, superstições
linguisticas que circulam na cultura ocidental há muitos séculos.‘’(BAGNO, 2009, p.19)
‘’[...] a tradição da queixa é muito antiga e não se restringe ao Brasil. Veja que José
Agostinho de Macedo e Marcos de Castro, com mais de 200 anos de distância,
profetizaram a "morte" da lingua portuguesa... [...].’’ (BAGNO, 2009, p.20)
Você deve ter reparado que misturei citações brasileiras recentes com declarações de
intelectuais portugueses dos séculos XVIII e XIX. Fiz isso de propósito, para mostrar
que a tradição da queixa é muito antiga e não se restringe ao Brasil. Veja que José
Agostinho de Macedo e Marcos de Castro, com mais de 200 anos de distância,
profetizaram a "morte" da lingua portuguesa... língua que teima em permanecer cada
vez mais viva, sendo simplesmente a terceira língua mais falada do Ocidente, depois
do espanhol e do inglês! (BAGNO, 2009, p.20)
‘’Pode parecer exagero, mas é verdade: tem gente que tenta justificar regras
normativas para o português alegando que era desse jeito que a coisa funcionava .no
latim!’’ (BAGNO, 2009, p.22)
‘’não se pode definir o uso de uma língua, em seu estado atual, com base nos usos
feitos há dois mil anos atrás por falantes de outra língua, no outro lado do mundo.’’
(BAGNO, 2009, p.23)
‘’As ciências sociais ensinam que a vida em sociedade é regida por normas, que
surgem na comunidade para regular os comportamentos e manter a coesão social.
Entre essas normas estão as normas linguísticas.’’ (BAGNO, 2009, p.27)
Por isso, para aquela pergunta — ‘É certo ou errado falar assim?’ — este
livro responde: TANTO FAZ!!! Tanto faz dizer ‘tinha uma pedra no caminho’
ou ‘havia uma pedra no caminho’! Tanto faz dizer ‘me chamo João’ ou
‘chamo-me João’! Tanto faz dizer ‘não se faz mais filmes como antigamente’
ou ‘não se fazem mais filmes como antigamente’! Tanto faz!!! (BAGNO, 2009,
p.27)
‘’Dizer em voz alta que as formas não normatizadas TAMBÉM estão corretas é
impedir que o conhecimento da norma tradicional seja usado como um instrumento
de perseguição, de discriminação [...].‘’(BAGNO, 2009, p.29)
a variação linguística tem que ser objeto e objetivo do ensino de língua: uma
educação linguística voltada para a construção da cidadania numa
sociedade verdadeiramente democrática não pode desconsiderar que os
modos de falar dos diferentes grupos sociais constituem elementos fun-
damentais da identidade cultural da comunidade e dos indivíduos par-
ticulares, e que denegrir ou condenar uma variedade linguística equivale a
denegrir e a condenar os seres humanos que afalam, como se fossem inca-
pazes, deficientes ou menos inteligentes — é preciso mostrar, em sala de
aula e fora dela, que a língua varia tanto quanto a sociedade varia, que
existem muitas maneiras de dizer a mesma coisa e que todas
correspondem a usos diferenciados e eficazes dos recursos que o idioma
oferece aos seus falantes; também é preciso evitar a prática distorcida de
apresentar variação como se ela existisse apenas nos meios rurais ou
menos escolarizados, como se também não houvesse variação (e
mudança) linguística entre os falantes urbanos, socialmente prestigiados e
altamente escolarizados, inclusive nos gêneros escritos mais monitorados.
(BAGNO, 2009, p.39-40)
Referências
BAGNO, M. É certo ou errado falar assim?. Não é errado falar assim!. São Paulo:
Parabola, 2009, p.15-29.
BAGNO, M. Quem são os puristas?. Não é errado falar assim!. São Paulo: Parabola,
2009, p. 30-40.