Você está na página 1de 12

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

FERNANDO GABRIEL DA COSTA LIMA SIDON

FICHAMENTO POR CITAÇÃO

Recife
2021
É certo ou errado falar assim?

 O erro e preconceito

Quando algumas pessoas, seguindo um hábito tradicional na nossa cultura, se queixam


dos ‘erros’ cometidos por outras no uso da língua, é comum elas apresentarem algumas
supostas explicações para o surgimento dos tais ‘erros’: o descaso das pessoas pela
própria língua, a corrupção moral da juventude, a falta de gosto pela leitura, a
incompetência dos professores, os modismos criados pelos meios de comunicação e
pela publicidade, a invasão das palavras estrangeiras, e por aí vai... (BAGNO, 2009,
p.15)

‘’Essas acusações tradicionais (e quase sempre irracionais) se baseiam numa série de


preconceitos que tentam interpretar os fenômenos sociais e culturais pela ótica exclusiva
do senso comum, sem recorrer a nenhum tipo de explicação científica [...].’’ (BAGNO, 2009,
p.15)

‘’É mesmo engraçado: a suposta "ruína da língua" é um processo que nunca chega
ao fim — o português, por exemplo [...], sempre esteve à beira do colapso, do
desaparecimento puro c simples.’’ (BAGNO, 2009, p.15)

Examinando a história da nossa língua e de muitas outras, a gente descobre


que essa "tradição da queixa" é muito antiga. É mesmo engraçado: a
suposta "ruína da língua" é um processo que nunca chega ao fim — o
português, por exemplo (a julgar pelo que se escreve sobre ele há trezentos
anos!), sempre esteve à beira do colapso, do desaparecimento puro e
simples. Acusações de que as pessoas estão “matando” a lingua aparecem
em texto publicados há seculos, mas a lingua, estranhamente, nunca
termina de morrer. Segundo essa linha de pensamento, o português, desde
que se firmou como língua de um povo soberano, há quase mil anos, é um
idioma permanentemente moribundo... (BAGNO, 2009, p.15-16)

PRECONCEITO LINGUÍSTICO: qualquer crença sem fundamento científico


acerca das línguas e de seus usuár. como, p.ex., a crença de que existem
línguas desenvolvidas e línguas primitivas, de que só a língua das classes
cultas possui gramática, ou de que os povos indígenas da Africa e da
América não possuem línguas, apenas dialetos. Segundo Dicionário
Houaiss da Lingua Portuguesa (apud Bagno, 2009, p.16)

Como fica claro pela definição do dicionário, o preconceito linguístico p ode


assumir várias formas e pode ser dirigido contra grupos sociais ou povos
espete. cos. Até hoje, muita gente acha que o nome língua só pode ser
aplicado às línguas de cultura escrita da Europa e de algumas outras
poucas civilizações milenares (árabe, hebraica, chinesa, japonesa),
enquanto os índios da América, os negros da África e os aborígines da
Oceania usam algum tipo de sistema de comunicação pobre, rudimentar e
tosco, que recebe diversos rótulos pejorativos: gíria, jargão, caçanje, calão,
geringonça, ingresia, charabiá, pretoguês, algaravia entre outros. Pode até
ser um "linguajar", um "falar" ou mesmo (para usar um termo chique) um
"dialeto", mas LINGUA, nem pensar! Afinal, se esses povos (supostamente)
são "primitivos" e "pobres" em todos os aspectos de sua cultura, é "natural"
que eles também se comuniquem de modo "primitivo" e "pobre"... Santa
ignorância! Puro etnocentrismo! (BAGNO, 2009, p.16)

Essas ideias refletem algumas concepções que vigoravam nos séculos XVIII
e XIX, no auge do colonialismo europeu e da exploração dos povos e das
riquezas da África, da América e da Ásia pelas grandes potências
europeias. Era preciso fornecer justificativas “científicas” para a escravidão,
para a tentativa de impor as culturas brancas e cristãs (incluindo suas
linguas) aos povos que praticavam rituais ‘’selvagens’’ e tinham crenças
‘’primitivas’’ e ‘’imorais’’. De fato, a ciência desse período era
assumidamento racista. (BAGNO,2009, p.16)

Mas os grandes movimentos socias e políticos, aliados aos progressos da


ciência, levaram ao questionamento e ao abandono dessas ideias por parte
da maioria dos cientistas. A antropologia moderna não admite mais que se
fale de "culturas primitivas", assim como a linguística moderna rejeita
completamente a noção de "línguas primitivas". As línguas dos povos tidos
como "primitivos" são tão complexas quanto as de qualquer povo tido como
"civilizado" — as quase 180 línguas indígenas ainda faladas no Brasil, por
exemplo, surpreendem seus estudiosos com suas gramáticas específicas,
contendo regras às vezes muito mais complexas do que as do português e
outras línguas europeias. A transformação das concepções científicas, no
entanto, não conseguiu enterrar de uma vez por todas aquelas crenças
infundadas, principalmente no que diz respeito às línguas. (BAGNO, 2009,
p. 16-17)

‘’Embora o termo ‘’dialeto’’ pertença ao vocabulário técnico da linguística, fora dos


meios acadêmicos ele quase sempre é usado, erradamente, com o sentido de algo
inferior, imperfeito ou menos importante do que uma ‘lingua’.’’ (BAGNO, 2009, p.18)
 O ensino do preconceito linguístico

‘’ A escola, durante muito tempo (e, em grande medida, até hoje), além de ensinar
as pessoas a ler e a escrever, também ensinava (ensina) um conjunto de noções
falaciosas sobre língua e linguagem [...].’’ (BAGNO, 2009, p.19)

‘’As pessoas que têm acesso à escolarização formal, à cultura escrita, à literatura
prestigiada também têm acesso a diversos mitos sobre a língua, superstições
linguisticas que circulam na cultura ocidental há muitos séculos.‘’(BAGNO, 2009, p.19)

‘’O poder do preconceito linguístico, hoje no Brasil, se revela principalmente nos


meios de comunicação [...], para a divulgação de noções de certo e errado que só
fazem reproduzir uma série de queixas e lamúrias sobre a "decadência da língua"
[...].’’ (BAGNO, 2009, p.19)

‘’[...] a tradição da queixa é muito antiga e não se restringe ao Brasil. Veja que José
Agostinho de Macedo e Marcos de Castro, com mais de 200 anos de distância,
profetizaram a "morte" da lingua portuguesa... [...].’’ (BAGNO, 2009, p.20)

Você deve ter reparado que misturei citações brasileiras recentes com declarações de
intelectuais portugueses dos séculos XVIII e XIX. Fiz isso de propósito, para mostrar
que a tradição da queixa é muito antiga e não se restringe ao Brasil. Veja que José
Agostinho de Macedo e Marcos de Castro, com mais de 200 anos de distância,
profetizaram a "morte" da lingua portuguesa... língua que teima em permanecer cada
vez mais viva, sendo simplesmente a terceira língua mais falada do Ocidente, depois
do espanhol e do inglês! (BAGNO, 2009, p.20)

 O drama linguístico no Brasil

Em todas as sociedades, existe sempre um grupo de pessoas, uma classe


social ou uma comunidade local específica, que acredita que o seu modo
particular de falar a língua é o mais correto, o mais bonito, o mais elegante
e, por isso, deve ser o modelo que as outras classes e comunidades
precisam imitar. Em geral, são os moradores das regiões economicamente
mais ricas, os habitantes de alto poder aquisitivo dos grandes centros
urbanos, os cidadãos com acesso aos melhores meios de escolarização
[...]. (BAGNO, 2009, p.20-21)
No Brasil, a situação linguística revela um drama parecido, embora a violên-
cia aqui seja exercida no nível do simbólico, mas nem por isso menos
violenta. Os brasileiros urbanos letrados não só discriminam o modo de falar
de seus compatriotas analfabetos, semianalfabetos, pobres e excluídos,
como também discriminam o seu próprio modo de falar, as suas próprias
variedades linguísticas. (BAGNO, 2009, p.21)

Podemos dizer, portanto, que o preconceito linguístico no Brasil se exerce


em duas direções: de dentro da elite para fora dela, contra os que não
pertencem às camadas sociais privilegiadas; e de dentro da elite para ao
redor de si mesma, contra seus próprios membros. (BAGNO, 2009, p.21)

 Eu não sou Português! Eu não falo latim!

O objetivo deste livro é contribuir para que as pessoas comecem a


questionar as noções de certo e de errado que circulam na nossa sociedade
e que são reproduzidas pelos meios de comunicação e pela pedagogia
tradicional (que vem sendo criticada há bastante tempo, inclusive pelas
diretrizes oficiais de educação). (BAGNO, 2009, p.22)

Este livro quer defender o vernáculo brasileiro, isto é, o nosso português, o


português realmente empregado pelos 190 milhões de brasileiros, com tudo
o que a nossa língua tem de rico, de criativo e de inovador — e,
principalmente, dgénder e valorizar as muitas diferenças que existem entre
os usos reais do português brasileiro e as regras tradicionais. (BAGNO,
2009, p.22)

‘’Pode parecer exagero, mas é verdade: tem gente que tenta justificar regras
normativas para o português alegando que era desse jeito que a coisa funcionava .no
latim!’’ (BAGNO, 2009, p.22)

‘’não se pode definir o uso de uma língua, em seu estado atual, com base nos usos
feitos há dois mil anos atrás por falantes de outra língua, no outro lado do mundo.’’
(BAGNO, 2009, p.23)

Recomendar usos portugueses para os brasileiros tem a ver, portanto, com


essa falácia muito difundida e aceita na nossa cultura: a de que o português
de Portugal é o "verdadeiro" e que nós só usamos a língua (e mal, ainda por
cima) por algum tipo de "empréstimo". (BAGNO, 2009, p.24)

Os portugueses não são os "donos da língua". Esse é um pensamento


tosco, subserviente e colonizado. Os donos da língua, de qualquer língua,
são os seus falantes nativos, aqueles que a aprendem no convívio com a
mãe, com o pai, os irmãos, a família, a comunidade, a classe social, com o
povo do qual fazem parte. Se a lingua que falamos até hoje se chama
português é por uma mera questão histórica e não significa, de modo
algum , que só por isso ela pertence exclusivamente aos portuguêses. [...]
(BAGNO, 2009, p.25)

 Certo ou Errado? Tanto faz!!!

Se tantos escritores (e também jornalistas, ensaístas, tradutores, pesqui sa.


dores acadêmicos e outros profissionais da língua escrita) há bem mais de
cern anos já usam sem medo essas formas não normativas, por que
continuar in.. sistindo em dizer que elas estão "erradas", são "feias" ou
revelam um "descaso" dos brasileiros por sua língua materna? (BAGNO,
2009, p.26)

‘’As ciências sociais ensinam que a vida em sociedade é regida por normas, que
surgem na comunidade para regular os comportamentos e manter a coesão social.
Entre essas normas estão as normas linguísticas.’’ (BAGNO, 2009, p.27)

Por isso, para aquela pergunta — ‘É certo ou errado falar assim?’ — este
livro responde: TANTO FAZ!!! Tanto faz dizer ‘tinha uma pedra no caminho’
ou ‘havia uma pedra no caminho’! Tanto faz dizer ‘me chamo João’ ou
‘chamo-me João’! Tanto faz dizer ‘não se faz mais filmes como antigamente’
ou ‘não se fazem mais filmes como antigamente’! Tanto faz!!! (BAGNO, 2009,
p.27)

Obviamente, ninguém é obrigado a adotar as inovações. Qualquer um de


nós pode perfeitamente ser mais conservador em matéria de língua. Mas o
fato de ter uma atitude mais conservadora não lhe dá o direito de condenar
os que usam formas inovadoras, em especial se elas são já correntes entre
os falantes letrados em situações mais monitoradas de fala e escrita. E mais
ainda, se elas já foram acolhidas pelos bons instrumentos normativos. O
falante mais conservador pode perfeitamente aconselhar, sugerir,
recomendar ouso mais clássico. Está no seu direito. Mas, se na norma
culta/comum/standart já circulam outras formas, esses falantes não tem o
direito de condenar os que as usam. Antes cabe maravilhar-se com a beleza
da dinâmica e da riqueza da língua que muda continuamente sem jamais
perder sua plenitude estrutural e seu potencial semiótico. Segundo Carlos
Alberto Faraco (apud BAGNO, 2009, p.27)
Corno se vê facilmente, ninguém está propondo a substituição da norma
tradicional por um outro conjunto de regras [...]. Não queremos praticar um
prescritivismo às avessas! Queremos apenas que o convívio linguístico no
Brasil seja democratizado, que as pes, soas não tenham mais medo de usar
a língua do modo como sempre usaram, como ouvem e icem todos os dias
ao seu redor, em casa, no trabalho, na televisão, no rádio, na rua, no
cinema, nos jornais, nos livros... (BAGNO,2009, p.28)

A multiplicidade linguística do Brasil — um país onde são faladas mais de


duzentas línguas diferentes, além das muitas variedades do português
brasileiro — não pode mais ser vista como um problema, como uma
ameaça: pelo contrário, tem que ser vista como uma riqueza do nosso país,
como um patrimônio do nosso povo. (BAGNO, 2009, p.28)

Se estamos lutando contra a cultura dominante, não é para impor a


ignorância, a falta de conhecimento, o desprezo pelo estudo, mas,
simplesmente (embora não seja tão simples assim) para criar uma nova
cultura, alternativa à cultura excludente, fortemente hierarquizada e
preconceituosa, que é a das nossas elites dominantes. (BAGNO, 2009, p.28-
29)

 A língua não pode servir ara a exclusão social

‘’Dizer em voz alta que as formas não normatizadas TAMBÉM estão corretas é
impedir que o conhecimento da norma tradicional seja usado como um instrumento
de perseguição, de discriminação [...].‘’(BAGNO, 2009, p.29)

Porque o verdadeiro problema, a verdadeira questão social implicada nisso


tudo não tem a ver com o fato de se usar a regra A ou a regra B. Tem a ver,
isso sim, com o uso social perverso que se faz do domínio desse suposto
saber: "Eu sei empregar a passiva sintética, eu sei quando empregar o
acento indicador de crase, eu sei usar os pronomes oblíquos, mas você
não... Por isso eu sou mais inteligente, estou mais preparado para exercer o
comando, pertenço a uma casta superior". (BAGNO, 2009, p.29)

Conhecer a história da língua, a tradição gramatical, a riqueza do nosso vo-


cabulário, a beleza da nossa literatura oral e escrita, o potencial da nossa
linguagem - tudo isso é muito bom, é precioso e deve ser cultivado. Só não
podemos admitir que alguém transforme tudo isso numa arma, num arame
farpado, numa cerca eletrificada ou em qualquer outro tipo de instrumento
autoritário de repressão e de exclusão social. (BAGNO, 2009, p.29)
Quem são os purista?

A qualificação de purista é atribuida aquela pessoas que defende a "pureza"


da língua contra todas as formas inovadoras, que são sempre consideradas
como sinais de "decadência", "corrupção" e "ruína", não só da lingua como
também, muitas vezes, dos valores morais da sociedade. [...]. (BAGNO, 2009,
p.30)

A ideia de que as palavras de uma língua algum dia já tiveram um "contorno


nítido e rigidamente definido do significado" é uma fantasia, uma alucinação.
O natural e saudável é que, com o tempo, as palavras adquiram novos
sentidos e percam outros, ao sabor do uso daqueles a quem elas devem
servir: os falantes da língua. (BAGNO, 2009, p.31)

‘’Os gramáticos e os dicionaristas de verdade reconhecem, [...], as inovações que os


falantes têm introduzido na lingua e dão sua chancela a esses novos usos.’’
(BAGNO, 2009, p.32)

A irracionalidade da atitude purista fica evidente no absoluto desprezo que


eles têm, não só pela linguística científica (o que é bem compreensível,
sendo eles o que são), mas também pelo trabalho sério dos gramáticos e
dicionarlst 5 profissionais. O purista sempre recorre a fórmulas como
‘segundo a tradição„ gramatical’, ‘diz a gramática normativa’, ’os melhores
dicionários registram’ e coisas parecidas. Só que essa alegação de que eles
recorrem aos instrumentos normativos são é pura retórica vázia. (BAGNO,
2009, p.32

Neste livro, que é um manifesto político contra o purismo irracional, vamo s


tentar combater os argumentos baseados exclusivamente na tradição e na
autoridade de uma "norma" esotérica, que nem os gramáticos e os
dicionaristas corroboram — ou seja, argumentos puristas. Para isso, vamos
usar explicações da mudança baseadas em argumentos oferecidos pela
ciência linguística contemporânea e por gramáticos e filólogos mais
sintonizados com o estudo da língua real. (BAGNO, 2009, p.34)

 Os puristas e a mentira do ‘’vale-tudo’’’

Para o cientista da linguagem toda manifestação linguística é um fenômeno


que merece ser estudado, é um objeto digno de pesquisa e teorização, e se
uma forma nova aparece na língua, é preciso buscar as razões dessa
inovação, compreendê-la, explicá-la cientificamente, em vez de deplorá-la e
condenar seu emprego. (BAGNO, 2009, p.34)

É claro que, numa perspectiva exclusivamente linguística, de análise da lín-


gua em seu funcionamento interno, tudo tem o seu valor. Afinal, como nada
na língua é por acaso, então toda e qualquer manifestação linguística está
sujeita a regras e tem sua lógica interna: não há razão para atribuir maior ou
menor valor à forma linguística A ou à forma linguística B. (BAGNO, 2009,
p.34)

Tudo o que desejamos é, repito, que as formas não normativas caracte-


rísticas do português brasileiro e há muito tempo incorporadas na atividade
linguística de todos os brasileiros, inclusive dos mais letrados (inclusive dos
grandes escritores!), sejam consideradas igualmente válidas e aceitáveis,
para que possamos nos comunicar um pouco mais livremente [...]. (BAGNO,
2009, p.34)

‘’A língua é rica, é múltipla, é híbrida, é heterogênea, é variável, é mutante.‘’(BAGNO,


2009, p.37)

 Que fique bem claro.

todos os aprendizes devem ter acesso às variedades linguísticas urbanas


de prestígio, não porque sejam as únicas formas "certas" de falar e de
escrever, mas porque constituem, junto com outros bens sociais, um direito
do cidadão, de modo que ele possa se inserir plenamente na vida urbana
contemporânea, ter acesso aos bens culturais mais valorizados e dispor dos
mesmos recursos de expressão verbal (oral e escrita) dos membros das
elites socioculturais e socioeconômicas; o acesso e a incorporação dessas
variedades urbanas de prestígio se fazem pelas práticas de letra-mento
mencionadas acima, por meio do convívio intenso, sobretudo no ambiente
escolar, com os gêneros textuais mais relevantes para a intera-ção social
nos modos de vida contemporâneos; (BAGNO, 2009, p.38)

a prioridade absoluta, no ensino de língua, deve ser dada às práticas de


letramento, isto é, às práticas que possibilitem ao aprendiz uma plena
inserção na cultura letrada, de modo que ele seja capaz de ler e de escre
ver textos dos mais diferentes gêneros que circulam na sociedadei. Para ler
e escrever, por mais óbvio que pareça, é preciso ler e escrever, e não, como
sempre se acreditou, decorar toda uma nomenclatura gramatical numerosa,
confusa e frequentemente contraditória, nem fazer análise sintática e
morfológica de frases soltas, artificiais, irrelevantes, muitas vezes rídiculas,
práticas que não contribuem em nada com a verdadeira educação
linguística dos cidadões - com isso, o ensino explícito da gramática, como
objeto de reflexão e teorização, deve ser abandonado nas primeiras etapas
da escolarização em favor de uma real inserção dos aprendizes na cultura
letrada em que vivem; (BAGNO, 2009, p. 38)

é passada a hora de se produzir uma nova gramática de referência do


português brasileiro contemporâneo que venha a substituir as gramáticas
normativas que ainda circulam no mercado, eivadas de inconsistências
teóricas e de contradições metodológicas, inspiradas em postulados não
científicos e em preconceitos sociais, cristalizados antes do início da era
cristã; uma nova gramática que descreva e autorize o que já está
pacificamente incorporado à atividade linguística de todos os brasileiros,
inclusive dos qualificados de "cultos"; constitui um atentado aos direitos do
cidadão continuar a prescrever, corno únicas corretas, regras gramaticais
que entram em flagrante conflito com a intuição linguística do falante e que
não correspondem ao estado atual da língua, nem sequer em seus usos
escritos mais formais; (BAGNO, 2009, p.39)

a prática da reflexão linguística é importante para a formação intelectual do


cidadão; com isso, ainda existe lugar, em sala de aula, para o estudo
explícito da gramática, desde que ele não seja visto como um fim em si
mesmo nem como o aprendizado de um conjunto de dogmas, de verdades
absolutas e imutáveis: a reflexão sobre a língua deve ser feita por meio da
investigação de fatos linguísticos reais, em manifestações faladas e escritas
autênticas, e por meio do confronto crítico entre as abordagens tradicionais
e as teorias científicas mais recentes — se a prática da pesquisa, da
reflexão sobre a constituição histórica dos campos de conhecimento, da
contestação e revisão dos postulados científicos ocorre em todas as demais
disciplinas do currículo escolar, não existe justificativa alguma para que ela
não ocorra também nas aulas de língua: se os professores de ciências não
podem mais ensinar que Plutão é um "planeta", por que os professores de
português devem continuar a ensinar que você é mero "pronome de
tratamento", que existe uma "flexão de grau" ou que o verbo preferir não
admite construções comparativas do tipo "prefiro mil vezes cinema do que
teatro"? (BAGNO, 2009, p.39)

a variação linguística tem que ser objeto e objetivo do ensino de língua: uma
educação linguística voltada para a construção da cidadania numa
sociedade verdadeiramente democrática não pode desconsiderar que os
modos de falar dos diferentes grupos sociais constituem elementos fun-
damentais da identidade cultural da comunidade e dos indivíduos par-
ticulares, e que denegrir ou condenar uma variedade linguística equivale a
denegrir e a condenar os seres humanos que afalam, como se fossem inca-
pazes, deficientes ou menos inteligentes — é preciso mostrar, em sala de
aula e fora dela, que a língua varia tanto quanto a sociedade varia, que
existem muitas maneiras de dizer a mesma coisa e que todas
correspondem a usos diferenciados e eficazes dos recursos que o idioma
oferece aos seus falantes; também é preciso evitar a prática distorcida de
apresentar variação como se ela existisse apenas nos meios rurais ou
menos escolarizados, como se também não houvesse variação (e
mudança) linguística entre os falantes urbanos, socialmente prestigiados e
altamente escolarizados, inclusive nos gêneros escritos mais monitorados.
(BAGNO, 2009, p.39-40)
Referências
BAGNO, M. É certo ou errado falar assim?. Não é errado falar assim!. São Paulo:
Parabola, 2009, p.15-29.
BAGNO, M. Quem são os puristas?. Não é errado falar assim!. São Paulo: Parabola,
2009, p. 30-40.

Você também pode gostar