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TEXTO BA SE DESENVOLVIMENTO

E APRENDIZAGEM
NA EDUCAÇÃO
INFANTIL
Prof.ª Dr.ª Ivete Pellegrino Rosa
EQUIPE TÉCNICA EDITORIAL

Gestão da EAD:  Prof. Dr. Elias Estevão Goulart


Professor conteudista:  Prof.ª Dr.ª Ivete Pellegrino Rosa
Revisão:  Marialda Almeida
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DESENVOLVIMENTO
E APRENDIZAGEM
NA EDUCAÇÃO
INFANTIL
Prof.ª Dr.ª Ivete Pellegrino Rosa
UNIDADE 1 - DESENVOLVIMENTO DA UNIDADE 2 - APRENDIZAGEM E AS
CRIANÇA DE 0 A 5 ANOS MÚLTIPLAS LINGUAGENS NA EDUCAÇÃO
INFANTIL
FOCALIZANDO A CRIANÇA COMO UM
SUJEITO.........................................................10 PRIMEIROS TEÓRICOS DA EDUCAÇÃO
Breve histórico da evolução do conceito de Infância ......... 13 INFANTIL........................................................34
ALGUNS ASPECTOS CULTURAIS DA MÚLTIPLAS LINGUAGENS.............................44
INFÂNCIA.......................................................16 O papel do brinquedo no desenvolvimento infantil............ 44
INFÂNCIAS OU INFÂNCIA...............................17 A brincadeira de faz de conta......................................... 45
DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA DE 0 A 5 As brincadeiras e as regras............................................ 46
ANOS.............................................................20 O brincar como um direito da criança................................ 47
Desenvolvimento Físico e Motor........................................ 20 Linguagem das Artes......................................................... 48
Principais etapas do desenvolvimento motor..................... 21 Música............................................................................... 50
Aspectos cognitivos da criança.......................................... 24 Literatura............................................................................ 51
Desenvolvimento da Afetividade........................................ 26 REFERÊNCIAS................................................53
Identidade, Autonomia e Socialização................................ 29
Crianças em situações de risco.......................................... 29
REFERÊNCIAS................................................30
UNIDADE 3 - EDUCAÇÃO INFANTIL UNIDADE 4 - O TRABALHO PEDAGÓGICO NA
EDUCAÇÃO INFANTIL
A LINGUAGEM COMO MARCA DA PRESENÇA
HUMANA........................................................57 ESTUDO SOBRE A ORGANIZAÇÃO DO
O choro.............................................................................. 63 TRABALHO PEDAGÓGICO DA CRECHE E DA
Primeiros gestos e primeiros sons..................................... 65 EDUCAÇÃO INFANTIL....................................82
AS DIMENSÕES DO ATENDIMENTO ÀS Breve ideias sobre a questão do Currículo......................... 84
CRIANÇAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL.............70 O cuidar e o educar no Currículo....................................... 86
Modelo Assistencialista..................................................... 71 ROTINAS E A RELAÇÃO COM O TEMPO E COM
Modelo Médico-Higienista................................................ 72 O ESPAÇO......................................................88
Modelo Substituto Materno............................................... 73 Crianças até três anos........................................................ 91
Modelo Educativo.............................................................. 73 Crianças de quatro a seis anos.......................................... 92
Sobre o cuidar................................................................... 74 Questão do Tempo............................................................. 92
Palavras finais.................................................................... 76 FAMÍLIAS E INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO
REFERÊNCIAS................................................77 INFANTIL........................................................96
REFERÊNCIAS..............................................100
DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA DE 0 A 5 ANOS

FOCALIZANDO A CRIANÇA COMO UM


SUJEITO.........................................................10
Breve histórico da evolução do conceito de Infância ......... 13
ALGUNS ASPECTOS CULTURAIS DA
INFÂNCIA.......................................................16
INFÂNCIAS OU INFÂNCIA...............................17
DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA DE 0 A 5
ANOS.............................................................20
Desenvolvimento Físico e Motor........................................ 20
Principais etapas do desenvolvimento motor..................... 21
Aspectos cognitivos da criança.......................................... 24
Desenvolvimento da Afetividade........................................ 26
Identidade, Autonomia e Socialização................................ 29
Crianças em situações de risco.......................................... 29
REFERÊNCIAS................................................30
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 1

FOCALIZANDO A CRIANÇA COMO UM SUJEITO

[...] a concepção de criança [...] é de um ser em desenvolvi-


mento, [...] em construção de saberes a partir de suas vivên-
cias, com direitos a serem respeitados, com necessidades a
serem satisfeitas, com liberdade de ser criança e de brincar
(OLIVEIRA, 2008, p. 123).

Muitos trabalhos atualmente começam tratando da concepção de


criança. Mas, essa literatura é mais frequente a partir da década de
1980. A criança como sujeito social demorou para ser visível, tendo
sido ignorada durante muito tempo.
Rossetti-Ferreira (2004) é da opinião que a Psicologia do Desen-
volvimento além de empreender o estudo dos fenômenos complexos
da vida da criança em suas múltiplas dimensões, de modo integra-
do e inclusivo, é necessário, igualmente, associar-se à das ciências
que estudem a cultura e sociedade, e que essas também se inte-
ressem em estudar as crianças, uma vez que elas nem sempre são
reconhecidas como sujeitos legítimos de estudo.
O estudioso do social Durkheim (1974, p. 5) estabeleceu uma re-
lação entre processo de socialização e educação, discutindo que a
ação repetida e sucessiva das reações dos adultos sobre as crian-
ças, é “um esforço contínuo para impor às crianças modos de ver,
de sentir e de agir, aos quais elas não chegariam espontaneamen-
te”. Ainda para esse mesmo autor o objetivo da educação é o de
promover habilidades físicas, intelectuais e morais, conforme requer
a sociedade e os meios pelos quais ela vive (DURKHEIM, 1973).
Questões do tipo como a criança se forma ou como adquire suas
competências culturais não são analisadas dentro do pensamento
durkheimiano. Notem que essa posição representa a ideia que se
tem até hoje, em muitas áreas, de que a criança se socializa a partir
do que faz o adulto.
Cohn (2005) nos fala que o aprofundamento em tais questões de-
pendem da compreensão mais atual do que é a cultura. Como pon-

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Desenvolvimento da Criança de 0 a 5 Anos
Unidade 1

to de partida, é necessário que se entenda que valores, crenças,


costumes não existem como uma coisa e que não são inculcados às
crianças. Para a referida autora, nas sociedades, os valores, as
crenças e os costumes são configurados em um sistema simbólico
e que cada sujeito, aqui em nosso caso, cada criança, o aciona com
o objetivo de dar sentido às suas experiências, às suas vivências.

PARA SABER MAIS


Clarice Cohn (2005) fez seu mestrado pela USP, estudou como as diferentes culturas tratam as crianças e o sentimento de infância.
Realizou seu trabalho de campo no Pará entre os Xikrin. Em seu livro “Antropologia da Criança”, editado pela Zahar, ela descreve uma
série de experiências do ser criança, em uma leitura prazerosa.

Figuras 1 e 2 - Fotos de
Índios Xikrin do Katetê
Fonte: <https://www.
google.com.br/search
?q=crian%C3%A7as+
Xikrin,+Par%C3%A1&
biw...>. Acesso em: 7
maio 2015.

Assim, o pensamento do qual a criança é um aprendiz de adulto


tem sido mais refletido e se estuda o ser criança a partir de uma
noção de ser social e de direitos. Que o ser criança contribui na
construção de significados. Sua participação na formação de uma
cultura própria, ou em sua renovação, tem seu espaço nos ideários
dos estudiosos e já se apresentam em estudos e pesquisa, confor-
me ressaltamos nas ideias de Sarmento e Pinto (1997, p. 20):

A consideração das crianças como atores sociais de pleno di-


reito, e não como menores ou como componentes acessórios
ou meios da sociedade dos adultos, implica o reconhecimento
da capacidade de reprodução simbólica por parte das crian-
ças e a constituição das suas representações e crenças em
sistemas organizados, isto é, em cultura.

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Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 1

Essa visão nos permite compreender que a criança não é um pro-


duto da cultura, que ela não é um ser passivo em que as experiên-
cias culturais são depositadas, mas sim, agentes ativos na produ-
ção de um mundo social que lhes é próprio.
Depreende-se que os profissionais que trabalham com crianças
precisam dar voz a elas, entendê-las como sujeitos que criam cul-
tura.
Além disso, é preciso ressaltar que a socialização, dentro desse
prisma, é um processo relacional e dinâmico, em que cada membro
da cultura internaliza as experiências e, em consequência, provoca
mudanças sociais.
Internalizar, aqui, tem o sentido de assimilar as normas, os valores,
provocando um processo interno de transformação do sujeito, per-
mitindo o desenvolvimento e crescimento de uma identidade.
Esse pensamento só foi possível após Ariès (1973) ter realizado
seu interessante trabalho, discutindo a concepção de infância e,
suscitado novas pesquisas.

SABER MAIS
NOTA TÉCNICA DE ESCLARECIMENTO SOBRE A MATRÍCULA DE CRIANÇAS DE 4 ANOS NA EDU-
CAÇÃO INFANTIL E DE 6 ANOS NO ENSINO FUNDAMENTAL DE 9 ANOS (Aprovada por unanimida-
de pela Câmara de Educação Básica, em 5 de junho de 2012)
Veja um trecho do documento:
Em relação às normas constitucionais para a Educação Infantil, de acordo com a Emenda Constitucional no 14/96, que alterou o § 2o
do art. 211 da Constituição Federal, “os Municípios atuarão prioritariamente no Ensino Fundamental e na Educação Infantil”. De acordo
com a Emenda constitucional n.º 53/2006, que alterou o inciso IV do art. 208, é dever do estado brasileiro garantir a “Educação Infantil,
em creche e pré-escola, às crianças até 5 anos de idade”. Finalmente, a Emenda Constitucional no 59/2009, ao alterar o inciso I do
art. 208 da Constituição Federal, define que é dever do estado brasileiro garantir a “Educação Básica obrigatória e gratuita dos 4 aos
17 anos de idade, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria”. Essa nova
redação dada ao art. 208, portanto, ampliou significativamente o âmbito do “direito público subjetivo”, em termos de “acesso ao ensino
obrigatório e gratuito” definido no § 1.º do referido art. 208.
Agrega-se o seguinte trecho
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
Seção que pactua a educação como direito de todos.
CAPÍTULO III
DA EDUCAÇÃO, DA CULTURA E DO DESPORTO
Seção I - DA EDUCAÇÃO
Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.
§ 1.º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá,
em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão
mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios; (Redação
dada pela Emenda Constitucional n.º 14, de 1996)

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Desenvolvimento da Criança de 0 a 5 Anos
Unidade 1

§ 2.º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil. (Redação dada pela Emenda Constitucional
n.º 14, de 1996)
§ 3.º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio. (Incluído pela Emenda Constitucional n.º
14, de 1996)
§ 4.º Na organização de seus sistemas de ensino, os Estados e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a
universalização do ensino obrigatório. (Incluído pela Emenda Constitucional n.º 14, de 1996)
§ 5.º A educação básica pública atenderá prioritariamente ao ensino regular. (Incluído pela Emenda Constitucional n.º 53, de 2006)

Ainda pode ser mais esclarecedor acerca das mudanças legais sobre a Educação Infantil, você pode consultar: Lei n.º 12.796/2013, de
4 de abril de 2013, que altera a LDB n.º 9394/1996, diz que as crianças com 4 anos devem ser matriculadas na Educação Infantil. Esse
documento fez com que a Educação Infantil passasse a fazer parte da Educação Básica.

BREVE HISTÓRICO DA EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE INFÂNCIA

Vamos tomar por base o trabalho de Ariès (1981) que defendeu


a ideia de que o conceito de infância surgiu em um determinado
tempo, além do que ele busca estágios, onde ele vai apontando as
mudanças nas relações entre pais e filhos e a sociedade.

QUADRO 1 – CONCEITO DE CRIANÇA AO LONGO DOS SÉCULOS

Séculos IX, X e XI A criança raramente foi representada

As crianças passam a ser representadas nas obras de artes. São homens


Séculos XII miniaturizados, têm músculos e, às vezes, são deformadas (são crianças
guerreiras).

Permanecem as mesmas características, porém estão nuas – a Igreja surge


Século XIII e faz crítica, como uma tentativa de moralizar.

As representações nas artes aparecem diferenciadas:


como anjos (Fra Angélico e Boticelli – (Período 400);
menino é Menino Jesus;
menina é Nossa Senhora;
Século XIV criança nua, assexuada, envolta em panos, quando fosse Jesus;
criança representando a fecundação e surge como a criação da ‘alma’;
criança representando a ‘morte’ e surge com a ‘partida da alma’.
Notem o poder do cristianismo como forma de concepção de criança.

as crianças ficam longe da família;


Séculos XV e XVI a família ficava muito tempo na rua, fora de casa, nas praças, no campo,
(Fim idade Média nas festas ou em espaços públicos;
e começo do portanto, não podiam se constituir em figuras de representação – como
Renascimento) pais e filhos.

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Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 1

Idade Média, o período medieval é um evento estritamente europeu - muito do que Ariès descreve
são fatos que ocorreram na Europa
Não há interesse pela infância:
não se acreditava que a criança tivesse personalidade;
também não havia o sentimento de perda, tendo em vista a alta taxa de
mortalidade infantil na época. Vamos lembrar das doenças decorrentes da
Século XVII
falta de higiene. Não havia antibiótico nem a puericultura que vai surgir no
século XX.
as crianças, ao nascerem, eram entregues para amas de leite;
as crianças participavam do mundo adulto, isto é, não havia uma diferen-
ciação.

A mulher passa assumir a família, como mãe e esposa, passando a cuidar


dos filhos, combater as doenças.
Século XVIII Elas aparecem em cenas de jogos e brincadeiras, ao colo, ao peito, sendo
amamentadas, na rua, brincando e tendo um nome.

Começo da estruturação da família nuclear.


Desenvolvimento do sentimento de Infância
As crianças passam a ser retiradas do convívio promíscuo do mundo adul-
Século XIX
to.
Criação de espaços destinados aos cuidados e à educação das crianças

Regulamentação da vida social da criança – Estatuto da Criança e do Ado-


lescente.
Investimento em saúde e educação (vacinas, puericultura, creches).
Século XX
A mulher é responsabilizada pela formação dos filhos.
Desenvolvimento da Psicologia e da Pedagogia.
Fonte: Adaptado de Ariès, 1981

Ariès (1981) descreve em sua obra como as crianças foram ga-


nhando espaço no ideário do século XXI. Seu sensível trabalho
mostra que, nos idos dos séculos XIII e XIV, havia uma ausência de
conceito de infância. Para ele é somente no século XX que passa
haver uma percepção de criança na qual os adultos passam a
olhar, a escutar e também se preocupar com ela. Com o advento
da Psicologia como ciência e mudanças de ordem social, no início
do século XX é que haverá uma maior visibilidade e ela passa a ser
considerada um ser que sente e que pensa, notadamente com os
trabalhos que vieram se desenvolver a partir das ideias de Freud, de
Wallon de Piaget, de Vygotsky. Assim, a criança começa a ser vista
como sendo um sujeito que cresce, se desenvolve e aprende,
Sendo assim, os trabalhos mais atuais, que se voltam ao estudo
de crianças, têm buscado superar a visão que se tinha delas, ou

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Desenvolvimento da Criança de 0 a 5 Anos
Unidade 1

seja, como seres incompletos e que os adultos vão prepará-las (e os


adultos são seres completos).
Podemos ver a destreza e a competência das crianças em ma-
nejar bem as novas tecnologias como o IPad, o celular, jogos na
internet.
Ainda temos que levar em consideração que a escola que se tem
atualmente é uma forma de substituir o antigo trabalho ao qual elas
eram submetidas, lembrando que lá pelos idos do final do século
XIX e as primeiras décadas de XX a criança era um ser trabalhador,
uma mão de obra disponível para as primeiras indústrias.
Ainda temos um pouco desses resquícios em nossas ideias, as
crianças que apreendem bem o material que a escola apresenta são
consideradas crianças produtivas, o contrário é verdadeiro, quando
não conseguem são incapazes ou improdutivas. Isso quer dizer que
a sociedade ainda faz aquela divisão que fazia no passado: impro-
dutiva x produtiva, estudo e trabalho (MULLER; HASSEN, 2003).
Ainda no mesmo sentido desse pensamento sociológico, muitos
veem a criança como sendo aquela que onera a família. E o bom de-
sempenho escolar que elas possam apresentam é o reconhecimen-
to legítimo de seu trabalho na escola. (WINTERSBERGER, 2001).
Vamos nos lembrar como os pais acabam cobrando do educador a
pasta de atividades que a criança fez.
Notem vocês que as áreas de estudo do desenvolvimento infantil,
nos campos da psicologia, da sociologia e da educação demandam
muitos estudos, solicitam que tenhamos uma atitude de observar e
compreender essa criança em sua cultura, em sua família, evitando
fazer análises usando as polaridades: capaz x incapaz, produz x
não produz, para que possamos ser educadores infantis que pos-
sam construir e edificar o sujeito, a criança.
Essa forma de ser educador contribui com a atitude de trabalhar
com as crianças, procurando observá-las e compreendê-las. As-
sim, oferece-se um conhecimento ao educador, o que permitirá a ele
trabalhar com elas.
Assim conseguiremos avançar nesse trabalho e deixar para trás
aquele jeito de trabalhar que considera as antigas concepções de
crianças como mini-adultos.

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Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 1

ALGUNS ASPECTOS CULTURAIS DA INFÂNCIA

Marcos Morais Accioly é poeta e membro da Academia Pernam-


bucana de Letras. Nasceu em janeiro de 1943.
É autor de um cordel para menino, composto por 91 poemas e
cinco notas que explicam o surgimento do livro Guriatã, no qual o
autor busca resgatar a infância perdida.
Vejamos um trecho deles:

“SER MENINO
As pessoas ou são crianças ou são adultos. Ser menino é ou-
tra coisa. Menino não é criança nem adulto e, sendo todas as
idades – é sem idade. Por fora se conhece a criança ou o adulto.
Menino é dentro. Contando dez anos em cada dedo, menino às
vezes vive duas mãos. Menino é tempo, tempo para frente e para
trás, eco e assovio, sombra dupla, espelho onde a imagem cres-
ce ou diminui. Menino”

Figura 3 – Capa “Guriatã”


Cecília Benevides de Carvalho Meireles, ou Cecília Meireles,
Fonte: <http://www.
antoniomiranda.com.br/ foi pintora, professora, jornalista e poetisa. Nasceu em 7 de novem-
poesia_infantil/marcus_
bro de 1901 e faleceu em 9 de novembro de 1964. Considerada
accioly.html>. Acesso em: 9
maio 2015. como um dos grandes nomes da literatura brasileira, escreveu mui-
tas poesias dedicas ao público infantil. Muitas crianças têm como
seu primeiro livro “Ou isto ou aquilo”. Vejamos uma poesia dedicada
às meninas:

A Bailarina

Esta menina
Tão pequenina
Quer ser bailarina
Figura 4 - Bailarina
Fonte: <www.ulbra-to.br>.
Acesso em: 29 ago. 2015 Não conhece nem dó nem ré
Mas sabe ficar na ponta do pé.

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Desenvolvimento da Criança de 0 a 5 Anos
Unidade 1

Não conhece nem mi nem fá


Mas inclina o corpo para cá e para lá.

Não conhece nem lá nem si,


Mas fecha os olhos e sorri.

Roda, roda, roda com os bracinhos no ar


E não fica tonta nem sai do lugar.

Põe no cabelo uma estrela e um véu


E diz que caiu do céu.

Esta menina
Tão pequena
Quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danças,


E também quer dormir como as outras crianças.

Muitos autores se dedicam às crianças e esse item é dedicado


a vocês, caros alunos, no sentido de estimular a leitura para que o
trabalho com as crianças seja prazeroso, e como diria Manoel de Figura 5 – Capa “Ou isto
Barros “com certeza, a liberdade e a poesia a gente aprende com ou aquilo”
Fonte: <http://giigke.cin.br/
as crianças. (BARROS, 1999, s/p). www.Pinterest.com>. Acesso
em: 9 maio 2015.

INFÂNCIAS OU INFÂNCIA

Começando a discutir o conceito de criança, chegamos à com-


preensão que a criança, a infância, é uma construção social.
No Brasil houve uma transformação ao longo do tempo da com-
preensão da criança e seu desenvolvimento de saberes sociais e
culturais, vejam que interessante o estudo de Gouvêa (2002, p. 14):

17
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 1

ƒƒ [...] a criança escrava, exercia seu aprendizado para a vida adul-


ta através do trabalho, iniciado já aos seis, sete anos de idade.
O menino branco da elite tinha sua formação nos colégios, onde
adquiria sua instrução intelectual ao mesmo tempo que se prepa-
rava para o exercício do mando. Já as meninas brancas da elite,
tinham um aprendizado mais restrito, voltado para a aquisição de
saberes tidos como femininos. As vivências da infância eram ra-
dicalmente diferenciadas, definidas pela sua inserção social, por
pertencimentos raciais e de gênero. Isso determinava diferentes
processos e conteúdos de aprendizagem em instâncias distintas,
o colégio, no caso da criança de elite, ou o trabalho, no caso da
criança pobre ou escrava.

Notem que o padrão de infância estava relacionado ao contexto


social, as crianças de segmento social mais baixo eram excluídas
da escola. Esses elementos são importantes pontos da evolução do
pensamento educacional, podemos pensar que ainda hoje temos a
postura ou a consideração de diferentes tipos de crianças, ou, dife-
rentes infâncias.
A primeira fase da educação infantil é um direito das crianças de
zero a três anos, assegurado no Estatuto da Criança e do Adoles-
cente (ECA) e registrado também na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação. Nessa primeira etapa de desenvolvimento, compreen-
dendo do zero aos três anos, as crianças são atendidas nas creches.
Tendo em vista essas considerações vamos tomar alguns pontos
do Referencial Curricular Nacional par a Educação Infantil, que bus-
ca dar bases para nortear o trabalho educativo. As frases transcritas
a seguir são extraídas do RCNEI:

ƒƒ A concepção de criança é uma noção historicamente construída


e, consequentemente, vem mudando ao longo dos tempos, não
se apresentando de forma homogênea nem mesmo no interior
de uma mesma sociedade e época. Assim é possível que, por
exemplo, em uma mesma cidade existam diferentes modos de se
considerar as crianças pequenas, dependendo da classe social a
qual pertencem, do grupo étnico do qual fazem parte.

18
Desenvolvimento da Criança de 0 a 5 Anos
Unidade 1

ƒƒ A criança como todo ser humano, é um sujeito social e histórico e


faz parte de uma organização familiar que está inserida em uma
sociedade, com uma determinada cultura, em um determinado
momento histórico.
ƒƒ As crianças possuem uma natureza singular, que as caracteriza
como seres que sentem e pensam o mundo de um jeito muito
próprio.
ƒƒ Nas interações que estabelecem desde cedo com as pessoas
que lhe são próximas e com o meio que as circunda, as crianças
revelam seu esforço para compreender o mundo em que vivem,
as relações contraditórias que presenciam e, por meio das brinca-
deiras, explicitam as condições de vida a que estão submetidas e
seus anseios e desejos.
ƒƒ No processo de construção do conhecimento, as crianças se utili-
zam das mais diferentes linguagens e exercem a capacidade que
possuem de terem ideias e hipóteses originais sobre aquilo que
buscam desvendar.
ƒƒ As crianças constroem o conhecimento a partir das interações
que estabelecem com as outras pessoas e com o meio em que
vivem. O conhecimento não se constitui em cópia da realidade,
mas sim, fruto de um intenso trabalho de criação, significação e
ressignificação.
Texto adaptado do documento “Política nacional de educação in-
fantil” (MEC/SEF/DPE/COEDI, dez/1994, p. 21).

Consideramos essa discussão sobre a concepção de infância e


de criança de suma importância, porque o professor precisa ter cla-
reza que tipo de criança ele está educando, o que ele espera que
seja criança possa ser ao longo de seu crescimento.
Além disso, vale lembrar um importante trabalho de Mello (2001),
que discute que o professor, ao trabalhar com seus alunos, vai de-
senvolvendo suas atividades a partir do conceito de criança que
tem dentro de si, que tem interiorizado.
Pensamos que essas ideias iniciais deste material possam levá-
-los a uma reflexão sobre a criança que cada um tem concebida em

19
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 1

si, e, se há necessidade de uma reciclagem do conceito, uma vez


que irá atuar diretamente com elas.
A seguir apresentaremos os tópicos do desenvolvimento da crian-
ça pequena, aquela considerada como a população de Creches.
Lembrando que, mesmo que elas vivam em seu mundo cultural,
torna-se necessário que saibamos alguns aspectos do desenvolvi-
mento físico e psicológico.

DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA DE 0 A 5 ANOS

DESENVOLVIMENTO FÍSICO E MOTOR

O desenvolvimento inicial das crianças é intenso, uma criança aos


dois anos de idade é quase o dobro do tamanho que tinha quando
nasceu. Crescem os músculos e o esqueleto e a criança nessa ida-
de já consegue ficar ereta e andar.
Quando uma criança nasce passará por um processo de cresci-
mento e desenvolvimento. O sistema nervoso é um órgão incipiente
ao nascer, ele vai crescer durante os seis ou sete primeiros anos de
vida, mas vai desenvolver-se durante toda a vida da pessoa. O de-
senvolvimento do sistema nervoso vai favorecer e dar suporte para
todas as aprendizagens humanas, sendo que o ambiente é a refe-
rência para o desenvolvimento. O ambiente pode contribuir com as
estimulações, que são o alimento básico do cérebro.
Há necessidade que os bebês tenham uma rotina. A primeira
aprendizagem do bebê consiste em estabelecer o ritmo dia-noite do
sono, denominado por ciclo circadiano. O sono é necessário, por-
que além do repouso, o sono tem ligação com o desenvolvimento.
As condutas iniciais de todo ser humano são basicamente as re-
flexas que têm importante papel na estimulação do desenvolvimento
inicial tanto dos músculos como do próprio sistema nervoso central.
A presença dos reflexos na época do nascimento é também uma
forma de se estimar as condições do bebê, a maioria deles desapa-
rece durante os primeiros 6 meses até um ano.

20
Desenvolvimento da Criança de 0 a 5 Anos
Unidade 1

QUADRO 1 - ALGUNS REFLEXOS HUMANOS INICIAIS

Nome Conduta do bebê Provável idade de desaparecimento


Estica pernas, braços e dedos, curva-se
Moro 3 meses
e joga cabeça para trás

Abre os dedos dos pés em leque quando


Babinski 4 meses
estimulado

Vira a cabeça, abre a boca, inicia os mo-


Sucção 9 meses
vimentos de sucção

Faz movimentos semelhantes aos do


Marcha 1 mês
caminhar

Fonte: Papalia, Olds ; Feldman, 2004.

Os bebês crescem muito rapidamente e precisam de espaço para


poder se movimentar e ver o que podem conseguir fazer. Quando
o organismo do bebê está preparado e o ambiente oferece oportu-
nidades, estímulos e uma pessoa que consegue fazer a leitura de
suas necessidades, os bebês surpreenderão as pessoas ao seu re-
dor com a demonstração de suas capacidades.

PRINCIPAIS ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO MOTOR



A maior realização motora humana é poder andar. Os bebês pas-
sarão por processos de desenvolvimento contínuo, possíveis com a
interação entre o bebê e o meio ambiente.

QUADRO 2 - MARCOS DO DESENVOLVIMENTO MOTOR INICIAL

Habilidades 50% dos bebês 90% dos bebês


Revirar-se 3,2 meses 5,4 meses

Pegar um chocalho 3,3 meses 3,9 meses

Sentar-se sem apoio 5,9 meses 6,8 meses

Ficar de pé com apoio 7,2 meses 8,5 meses

Agarrar com polegar e indicador 8,2 meses 10,2 meses

Ficar de pé de modo seguro 11,5 meses 13,7 meses

Caminhar bem 12,3 meses 14,9 meses

21
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 1

Construir torre de dois cubos 14,8 meses 20,6 meses

Subir degraus 16,6 meses 21,6 meses

Pular no mesmo lugar 23,8 meses 2, 4 anos

Copiar um círculo 3,4 anos 4 anos

Fazer uma corrida e parar de repente Entre os 4 e 5 anos

Capaz de saltar de 30 a 60 cm Entre os 4 e 5 anos

Com 4 anos pulam de 4 a 6 passos sobre um dos


Correr e pular obstáculos pés
Com 5 anos saltam com facilidade

Andam de bicicleta de 4 rodas ou triciclos A partir dos três anos

Fonte: Papalia, Olds ; Feldman, 2004.

Esses dados são interessantes aos educadores uma vez que o


trabalho nas creches é pautado por uma ação intencional.
O desenvolvimento físico e motor são fronteiras do desenvolvimen-
to humano. Inclui-se o crescimento cerebral e o desenvolvimento
das diferentes funções que serão cada vez mais elaboradas confor-
me o planejamento de ações, de intervenções pedagógicas, prin-
cipalmente aquelas que vêm de encontro direto às necessidades
infantis, como, por exemplo, aquelas que vão estimular a linguagem,
a locomoção, os controles de mãos e de pernas, principalmente.
Aspectos culturais e a forma que os pais educam seus filhos, tam-
bém denominados por prática educativa, determinam o processo
de crescimento motor. Exemplos bem visíveis dessas diferenças são
citados por Papalia, Olds e Feldman (2004), estão entre crianças
de algumas tribos africanas, como em Uganda, onde os bebês são
bastante estimulados para andar e começam em torno dos 10 me-
ses, diferentemente de bebês brasileiros que começam a andar, em
sua maioria, aos 12 meses.
As creches atualmente fazem parte de um percurso educativo do
sistema brasileiro. E a orientação não é pela apresentação de con-
teúdo educativo formal, mas a de desenvolver atividades em dois
eixos fundamentais: a interação e a brincadeira.

22
Desenvolvimento da Criança de 0 a 5 Anos
Unidade 1

Já as crianças em idade pré-escolar mostram progressos signi-


ficativos em suas habilidades motoras. À medida que elas vão se
integrando aos seus próprios aspectos corporais, aumentam suas
capacidades e gostam de mostrar o que são capazes. Gostam de
pular, de correr. Vai aumentar a coordenação das mãos, poderão
usar o talher para se alimentar sozinhas, bem como usar uma tesou-
ra, lápis, pincéis para suas atividades escolares. Assim, vão exibir a
mão dominante: direita ou esquerda.
As crianças poderão fazer desenhos e, ao longo do tempo, pode-
mos ver com clareza sua evolução gráfica, veja o exemplo a seguir,
retirado do texto de Alexandroff (2010), onde apresenta um interes-
sante estudo sobre o aprendizado da escrita que envolve a apro-
priação de um sistema de representação simbólica, por exemplo, o
desenho como um precursor da escrita.

Fonte:<http://pepsic.
Figura 4 Figura 5 bvsalud.org/scielo.
php?script=sci_ar ttext&pid
=S1415-69542010000200003>.
Acesso em: maio 2015.

Figura 6 Figura 7

23
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 1

ASPECTOS COGNITIVOS DA CRIANÇA


Você sabia ?
No endereço eletrônico apre- Cognição se refere ao trabalho mental, incluindo pensamento, ra-
sentado a seguir pode ser
encontrado o guia com os
ciocínio, memória, ideias, entre outros. Vimos na disciplina de Psico-
Critérios para um Atendimen- logia da Aprendizagem a visão de três autores clássicos da apren-
to em Creches que Respeite
os Direitos Fundamentais das dizagem, Vygotsky, Piaget e Wallon, que se dedicaram em explicar
Crianças como ela ocorre.
http://portal.mec.gov.br/dmdo-
cuments/direitosfundamentais. Acreditamos que a importância da intervenção do trabalho do tra-
pdf
balho pedagógico utilizando os conceitos piagetianos dos estágios
sensório-motor e início do período operatório pode ser útil no desen-
volvimento cognitivo da criança.
Outras teorias existem, que também tentam contribuir na expli-
cação. Temos como exemplo, o caso da teoria comportamental ou
behaviorista, que vimos algumas ideias na disciplina Psicologia da
Educação. Essa teoria trata basicamente dos princípios de condi-
cionamento, como a aprendizagem pode ser estruturada e como os
professores e a família precisam ser orientados para fazerem o traba-
lho em conjunto. Vamos ressaltar o grande crescimento do método
ABA (análise comportamental aplicada) muito utilizado no Canadá e
Estados Unidos, parte de programas públicos para a educação de
crianças com necessidades especiais, como, por exemplo, o Trans-
torno do Espectro Autista. (GREENSPAN; WIEDER; SIMON, 1998).
O desenvolvimento cognitivo da criança pré-operatória é refletido
na sua capacidade representacional. Nesse momento, o pensamen-
to simbólico é acompanhado de crescente compreensão de a) iden-
tidade, b) espaço, c) relações de causa e efeito, d) números.
Como já descrevemos anteriormente, as funções simbólicas são
demonstradas pelo jeito de a criança imitar, e, imitar é aprendiza-
gem básica. Também ocorre nas brincadeiras de faz-de-conta ou
jogos simbólicos, pelo desenho e pela linguagem.
Vejamos alguns detalhes:

a. identidades: as pessoas ou coisas são basicamente as mesmas


mesmo que mudem de tamanho, de forma ou aparência;
b. pensamento espacial: podem compreender as dimensões de um

24
Desenvolvimento da Criança de 0 a 5 Anos
Unidade 1

espaço e já no final do pré-operatório são capazes de fazer ‘um


mapa’ da sua sala, do pátio, por exemplo;
c. relação causa-efeito: no início do pensamento pré-operatório Pia-
get denominava por pensamento transdutivo por não ter a lógica
de pensar em causa-efeito. Mas, nesse período, já da metade
para o final, em decorrência da escolarização, as crianças já con-
seguem ter boa noção de causa-efeito, exemplo é que quando
vão comer lanche, elas vão para o lavatório lavar as mãos. Limpe-
za/Higiene/Saúde na alimentação;
d. Números: desde pequenas as crianças expressam termos que
exprimem quantidade ou comparações: tem mais guaraná no
seu copo, tem pouca bolacha no meu lanche. Com cinco anos
muitas crianças são capazes de fazer operações aritméticas de
um só dígito, como adição ou subtração. A escolarização vai ofe-
recer uma série de materiais e desenvolver projetos que tornarão
essa criança cada vez mais enriquecida em sua cognição.

Associado a esse período tem-se o extenso desenvolvimento da


linguagem. As brincadeiras e as interações que ocorrem no interior
da escola são momentos preciosos de preparação para a constru-
ção da escrita.
É também no período pré-escolar que as crianças podem se tor-
nar boas leitoras (e escritoras). Quando isso ocorre? Quando há mo-
mentos de leituras, quando os livros fazem parte do cotidiano esco-
lar e do lar. Quando os pais valorizam a leitura e também leem livros.
Quando ocorre diálogo sobre a leitura de um livro, na escola e no lar.
De acordo com a teoria sociocultural de Vygotsky, as crianças
constroem cooperativamente memórias autobiográficas ao dialoga-
rem com os pais ou com alguém que elas julguem ser importante,
sobre fatos ocorridos. Esse tipo de interação social é um importan-
te meio, inclusive transgeracional, pois há muitos avós que gostam
de contar fatos que ocorreram com eles para seus netos. Os netos
passam a gostar de ouvir. É uma forma de preservar a memória da
família também.
Notem que a família é citada diversas vezes por ter um espaço de
destaque no processo de desenvolvimento de suas crianças.

25
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 1

Já no âmbito da escola, seu grande papel é o de fornecer oportu-


nidades para que as crianças possam aprender a se relacionar com
as demais, a desenvolver cooperação e autocontrole, principalmen-
te. Desenvolver tarefas que estimulem os sentidos como a música, a
arte, a linguagem, a ginástica, estimular a observar, a falar, a criar e
a resolver problemas. É tornar a criança pesquisadora, fazer coisas
concretamente. É o lugar da socialização, onde cada uma tem seu
espaço, cada coisa tem seu lugar. Cada momento é para determi-
nada coisa, inclusive o momento de fazer silêncio. As crianças pre-
cisam aprender a se concentrar desde pequenas.
Uma grande tarefa da escola é mostrar para a criança que ela, a
escola, é um lugar bom e prazeroso para se crescer.

DESENVOLVIMENTO DA AFETIVIDADE

O processo de desenvolvimento afetivo é bastante complexo e


está relacionado a uma série de eventos que podem colaborar para
o crescimento estável ou não. Entretanto, para que o desenvolvimen-
to afetivo tenha solidez há a necessidade da presença da mãe. Ela
será a pessoa que fará uma relação interativa, compreenderá o que
seu filho necessita, decodificará e, em seguida, intervirá, de acordo
com a criança, esse mecanismo básico (denominado por identifica-
ção projetiva, pela teoria psicanalítica) é um mecanismo necessário
para que a criança pequena (bebê) possa se desenvolver.
Winnicott (1956) inicia dizendo que não há um bebê se não houver
uma mãe. Para ele a mãe precisa ser sensível e ativa às necessida-
de de seu filho, já que as necessidades iniciais de uma criança são
de uma relação de dependência absoluta. A criança não cresce
sem alguém para cuidá-la, alimentá-la ou tomar ao colo, que seja
capaz de perceber o que o bebê exibe, por exemplo, fome, dor,
quer colo... Todas experiências da criança são armazenadas em
seu sistema de memória, o que vai permitir que a criança desenvol-
va uma confiança nas pessoas ou no mundo.
Para Winnicott (1999) o ambiente é fundamental. É preciso que
as condições do ambiente sejam boas para que a relação materna

26
Desenvolvimento da Criança de 0 a 5 Anos
Unidade 1

também o seja. Um bebê de ego frágil será fortalecido e amparado


por uma mãe de ego estruturado, mas a mãe precisa entender a
linguagem de sua criança pequena. Queremos fazer uma espécie
de relação dessa situação com as educadoras de bebês, muitas de-
las têm essa sensibilidade, entendem seus bebês e permitem que
a criança comece a se manifestar e ter suas tendências, porque
apresentam o que o autor denomina de “preocupação materna pri-
mária”.
O desenvolvimento afetivo das crianças passam por três funções
essenciais da maternagem, conforme termos winnicottiano, “mãe
suficientemente boa”.
1) Holding – caracteriza-se pela experiência física e vivência sim-
bólica, trata-se da sustentação com confiança e isso precisa ser uma
característica do ambiente. Quando o bebê é tomado no colo há um
pegar com firmeza, com sustentação, com segurança. O bebê no
colo sente que não vai cair, e, recebe acalento. A repetição desses
cuidados faz com que a criança vá desenvolvendo sua capacidade
de se sentir pessoal e real, de se sentir alguém que tem alguém
que cuida. Esse alguém é a educadora para muitas crianças. Com
permissão particular dessa autora, eu diria que muitas são melho-
res que as próprias mães. No holding há proteção do instável e do
agressivo, isto é, não tem som muito alto, não tem queda ou alguma
falta básica.
2) Handling – é a etapa na qual a criança é cuidada, manipulada.
Quando o banho é dado no bebê ele sente o acalento, é o modo de
como a criança é cuidada, é também o toque corporal.
3) Apresentação dos objetos – aqui a pessoa que cuida, ou a
mãe, apresenta para a criança novos objetos que existem e que po-
derão ser úteis e adequados para seu desenvolvimento.
O desenvolvimento afetivo de qualquer criança, pautado por essas
funções de ‘mãe’, descrito por Winnicott, favorecerá um desenvol-
vimento emocional dentro de parâmetros adaptáveis ou saudáveis.
Além disso, um ambiente afetivamente receptivo entre as crianças
e a professora permite que as aprendizagens fluam mais efetiva-
mente, vejamos o pensamento de Vygotsky (2003, p. 121) a esse
respeito:

27
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 1

As reações emocionais exercem uma influência essencial e


absoluta em todas as formas de nosso comportamento e em
todos os momentos do processo educativo. Se quisermos que
os alunos recordem melhor ou exercitem mais seu pensamen-
to, devemos fazer com que essas atividades sejam ensinadas
e instigadas emocionalmente. A experiência e a pesquisa têm
demonstrado que um fato impregnado de emoção é recordado
de forma mais sólida, firme e prolongada que um feito indife-
rente.

É uma questão muito importante a ligação entre o desenvolvimen-


to cognitivo e a afetividade, vamos nos lembrar das ideias wallonia-
nas, quando ele propôs a compreensão da pessoa como um todo,
isto é, não separar o corpo, a cognição e o afeto.

É contra a natureza tratar a criança fragmentariamente. Em


cada idade, ela constitui um conjunto indissociável e original.
Na sucessão de suas idades, ela é um único e mesmo ser em
curso de metamorfoses. Feita de contrastes e de conflitos, a
sua unidade será por isso ainda mais susceptível de desenvol-
vimento e de novidade. (WALLON, 2007, p. 198)

Queremos deixar registrado que muitas crianças, quando iniciam


sua vida escolar, têm muita dificuldade para ficar na escola, querem
voltar para casa, choram, algumas gritam. Temos, nesse momen-
to, um importante marco emocional na vida infantil. É deixar a casa
para iniciar a vida em outro ambiente. Elas exibem sua angústia
de separação. Do ponto de vista afetivo é como se não estivessem
preparadas para ficar longe da vista de pessoas e ambientes que
conhecem. Esse evento pode ocorrer em diferentes idades, pode
ser aos dois anos de idade, mas também pode ser depois. Vai exigir
um processo de adaptação à escola, já realizado por quase todas
escolas de educação infantil.

28
Desenvolvimento da Criança de 0 a 5 Anos
Unidade 1

IDENTIDADE, AUTONOMIA E SOCIALIZAÇÃO

À medida que as crianças vão experimentando as situações es-


colares, vão também assumindo responsabilidades típicas de seus
momentos. Reconhecer-se no espelho ajuda a criança desenvolver
seu autoconhecimento físico e conhecimento de si, faz com que se
familiarizem com seu corpo e formem seu esquema de corpo. Reco-
nheçam seus detalhes como tipo de cabeça, sua altura, seu rosto.
No senso de identidade reconhecem as ações que não devem fazer.
Começam a ter noção do limite. Mas, também começam a ter sua
forma de enfrentar os nãos e os sins educativos, importantes para
que lute por sua autonomia. A autonomia é desenvolvida, princi-
palmente, pelas ações da escola, porque trata de um processo que
envolve o cognitivo, o social e o emocional.
Advém um importante progresso que é entender que não pode
fazer tudo que deseja nem a hora que deseja, vai assimilando que
a liberdade não é ilimitada. Trata-se de um longo processo de se
tornar social.
Existem na programação escolar e nos Referenciais Curriculares
esses itens, dada a importância do processo de socialização infantil.

CRIANÇAS EM SITUAÇÕES DE RISCO

Trata-se daquelas crianças que não têm seus direitos e, portanto,


não desenvolvem seus potenciais. Geralmente há pobreza associa-
da. Vou apresentar alguns comentários de Abreu (2002), docente
na Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina. Essa autora comenta
que há 130 milhões de crianças no mundo fora da escola, muitas,
por não ter acesso ao básico, alimentação e água, morrem. Embora
haja uma relação do risco com a situação de pobreza, a criança é
discriminada por outros fatores.
No Brasil temos cerca de 100 mil crianças de 7 a 18 anos viven-
do nas ruas. Um milhão delas vivem institucionalizadas, distantes
da família, por diferentes motivos, como abuso, ou violência e ou
negligência. Para cada dez crianças brasileiras, uma trabalha.

29
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 1

Segundo a Organização Internacional do Trabalho, são 866 mil


crianças entre 7 a 14 anos alistadas como trabalhadoras nas piores
modalidades de trabalho infantil, como o escravo ou forçado, tráfico
de crianças, atividades ilícitas (exemplo drogas), trabalhos perigo-
sos à saúde ou à segurança, como, por exemplo, em carvoarias,
corte de cana, fabricação de tijolos, entre outros.
Vale acrescentar que a negligência da família, deixando a crian-
ça pequena sem certos cuidados que são necessários, é um
tipo de agressão.

Para você que está estudando e se preparando para ser professor é imprescindível a leitura do ECA – Estatuto da Criança e do
Adolescente.
O professor também tem um papel frente às questões de excessos, abusos e ou violência das crianças que ele cuida ou trata na Escola
em todos os níveis.
Uma criança pode precisar da ação do professor quando ela vier para a escola e exibir marcas de violência e ou abuso.
Estatuto da Criança e do Adolescente, lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990 - há uma atualização em 02/01/2014.
Pode ser encontrado no endereço a seguir (Acesso em: 06 jun. 2015):
https://www.google.com.br/?gws_rd=ssl#q=estatuto+da+crian%C3%A7a+e+do+adolescente+atualizado

Apresentamos também um material muito interessante para o conhecimento daquele que se prepara para ser professor, disponível em
(Acesso em: 06 jun. 2015):
https://www.google.com.br/?gws_rd=ssl#q=crian%C3%A7as+em+situa%C3%A7%C3%A3o+de+risco
Trata-se do Levantamento Sobre Crianças em Situações de Risco no Brasil, elaborado por Renata Baars, Consultora Legislativa da
Área XXI – Previdência e Direito Previdenciário, 2009.

REFERÊNCIAS

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risco no Brasil. Comentário. Rev. Brasileira de Psiquiatria. v. 24, n.
1. São Paulo, 2002. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S1516-
44462002000100004>. Acesso em: 14 maio 2015.
ALEXANDROFF, Marlene C. Os caminhos paralelos do desenvolvimento
do desenho e da escrita. Construção Psicopedagógica. v. 18. n. 17,
São Paulo, 2010.
ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Rio de
Janeiro: Zahar, 1981.
BARROS, Manoel de. Bordados de Antônia Z. Diniz, Ângela, Marilu,
Martha e Sávia Dumont sobre desenhos de Demóstenes. Exercícios
de ser criança. Rio de Janeiro: Salamandra, 1999.
30
Desenvolvimento da Criança de 0 a 5 Anos
Unidade 1

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COHN, Clarice. Antropologia da Criança. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo:
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Growth. Canada: Merloyd Lawrence Book, 1998.
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cultura. Rio de Janeiro, Nau, 2001. Disponível em: <http://www.brasil.
gov.br/educacao/2012/04/creche>. Acesso em: 14 maio 2015. 31
APRENDIZAGEM E AS MÚLTIPLAS LINGUAGENS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

PRIMEIROS TEÓRICOS DA EDUCAÇÃO


INFANTIL........................................................34
MÚLTIPLAS LINGUAGENS.............................44
O papel do brinquedo no desenvolvimento infantil............ 44
A brincadeira de faz de conta......................................... 45
As brincadeiras e as regras............................................ 46
O brincar como um direito da criança................................ 47
Linguagem das Artes......................................................... 48
Música............................................................................... 50
Literatura............................................................................ 51
REFERÊNCIAS................................................53
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 2

Caros alunos, nesta unidade queremos que vocês tomem contato


com a evolução do pensamento a respeito da aprendizagem no âm-
bito da Educação Infantil.
Não podemos deixar de lado a importante ideia que norteia os
trabalhos acadêmicos nessa área que é a concepção de infância é
um processo histórico. Assim, o trabalho docente, o exercício prá-
tico que vocês vierem ter junto às crianças dessa fase, precisa se
nortear a partir desse princípio de infância.
A partir dessa perspectiva, nossa meta é discorrer sobre os prin-
cipais educadores que deram fundamento ao trabalho educativo na
educação infantil.
Nesta unidade também é nosso objetivo levantar aspectos iniciais
das possibilidades de práticas pedagógicas de qualidade para as
creches e pré-escolas.
Esperamos que vocês, alunos, possam aproveitar do estudo des-
sa unidade, discutindo entre os colegas e promovendo uma trans-
formação em cada um de vocês e que possa torná-los professores
que façam a diferença.

PRIMEIROS TEÓRICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Como já discutimos na unidade anterior a infância é uma constru-


ção histórica.
Vamos considerar que no passado, nos países europeus, quan-
do estavam passando pela revolução industrial e o consequente
desenvolvimento, a educação foi considerada como fundamental
para o desenvolvimento social e para a colocação da criança no
mundo do adulto.
Nessa época, a criança foi reconhecida como um sujeito diferen-
ciado do adulto e isso acabou determinando o discurso peda-
Para pensar
gógico das instituições que promoviam atenção à infância.
“Ensinar é uma tarefa mágica
capaz de mudar a cabeça das
Vários foram os teóricos que trouxeram contribuição
pessoas, bem diferente de apenas dar aula” para a história educacional das crianças.
(Rubem Alves).

34
Aprendizagem e as Múltiplas Linguagens na Educação Infantil
Unidade 2

Numa síntese temos:

a) João Amos Comênio (Jan Amos Komensky) (1592-1670)


É considerado o maior educador do século XVII e em sua obra
“Didática Magna” apresenta uma espécie de programa para a pré-
-escola, sugerindo o que seria útil elas saberem:

ƒƒ ciências físicas;
ƒƒ astronomia, geografia e cronologia;
ƒƒ história;
ƒƒ aritmética, geometria e estatística;
ƒƒ artes;
ƒƒ mecânica;
ƒƒ gramática, retórica, poesia e música;
ƒƒ economia doméstica;
ƒƒ política, moral, religião e piedade.

Comenius foi o criador da Didática Moderna e argumentava sobre


a importância da afetividade do educador e de um ambiente escolar
adequado às crianças.
Ele também é autor da obra “O informador da escola materna” que
ele dedicou para as mães e acentuava que a importância do ‘colo
das mães’ era o início do ensino e que isso deveria ocorrer em casa.

b) Jean Jacques Rousseau (1712-1778)


Considerado um autor bastante influente na educação, um dos
precursores da educação pré-escolar. Para Rousseau o homem é
bom por natureza, mas a influência social pode corrompê-lo.
Para Rousseau a educação do homem se inicia com seu nasci-
mento, é orientada pelos sentidos, em seguida pela fantasia e de-
pois pela razão. Sua concepção sobre educação ressaltava a natu-
reza como ambiente adequado para o desenvolvimento infantil.

35
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 2

Um de suas grandes obras Émile (Emílio ou Da Educação), data-


da de 1762, trata de temas relacionados à relação do homem com a
sociedade que corrompe, que por suas ideias políticas, controverti-
das para a época, foi um livro proibido e queimado em Genebra e
em Paris, porém durante a época da Revolução Francesa serviu de
inspiração ao novo sistema educativo nacional.

Para Saber Mais


Um resumo crítico da obra Émile pode ser encontrado na Revista Portuguesa
de Pedagogia, disponível em: http://iduc.uc.pt/index.php/rppedagogia/
article/view/1339
Foto da edição original de Émile, de 1762

Figura 1 – Capa “Émile”


Fonte: <http://www.iisg.nl/
exhibitions/censorship/f590-
2004.php>. Acesso em: 22
maio 2015.

c) Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827)


Pestalozzi, educador suíço, foi influenciado pelas ideias de Rous-
seau e valorizava, como força vital da educação, a bondade e o amor.
Destacamos os seguintes pontos valorizados por
Pestalozzi na educação:
ƒƒ a escola deve treinar a vontade e desenvolver atitudes morais;
Para pensar ƒƒ trouxe para educação e desenvolvimento dos alunos
atividades de artes, música, aritmética e geografia e ou-
Frases Famosas
tras linguagens, além do contato com a natureza.
De Rousseau (www.frasesfamosas.
com.br/frases-de/jean-jacques-rousseau/,
Acesso em 22 maio 2015.)
d) Friedrich Fröebel (1782-1852)
“O homem nasceu livre e por toda a parte vive
acorrentado”
Educador alemão e criador do ‘Kindergar-
tens’, ou jardins de infância, destinado aos
De Pestalozzi (http://kdfrases.com/autor/johann-heinrich-
menos de oito anos. É dele o pensamen-
pestalozzi, Acesso em 22 maio 2015.) to que as crianças e jovens como semen-
“A arte da educação deve ser cultivada em todos os aspectos, tes pequenas podem crescer como cres-
para se tornar uma ciência construída a partir do conhecimento
profundo da natureza humana”

36
Aprendizagem e as Múltiplas Linguagens na Educação Infantil
Unidade 2

ce a planta em um jardim, e o professor seria o jardineiro. Para


ele o ensino não pode ser considerado uma obrigação, porque o
aprendizado está ligado aos interesses de cada um e isso se dá
por meio da prática.
De acordo com Heiland (2010), Fröebel foi um dos primeiros educa-
dores a considerar a infância como etapa decisiva na formação das
pessoas, ideia que atualmente norteia os estudos em psicologia. As
crianças eram livres para se expressar e perseguir seus interesses
e a educação das crianças é imprescindível. Concebia o ser huma-
no em processo de desenvolvimento nas fases: infância, meninice,
puberdade, mocidade e maturidade, todas igualmente importantes.
Esse autor valorizava que no ensino deveria ter como conteúdo:

ƒƒ estudo da natureza;
ƒƒ as formas geométricas (esferas, cristais, cubo, entre outras);
ƒƒ as formas de vida;
ƒƒ as matemáticas;
ƒƒ a linguagem e os sinais gráficos;
ƒƒ a arte;
ƒƒ a religião e o sentimento religioso;
ƒƒ o cuidado do corpo;
ƒƒ o mundo exterior;
ƒƒ poesias e canções;
ƒƒ trabalhos manuais;
ƒƒ o desenho, a cor;
ƒƒ o jogo;
ƒƒ histórias e contos;
ƒƒ excursões e viagens.

Foi um autor com ideias bastante avançadas para a educação da


época, acreditando no desenvolvimento da autonomia, no ensino
contextualizado.

37
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 2

SAIBA MAIS
Fröebel acreditada que os jogos e os brinquedos ajudam na educação. Veja alguns jogos que desenvolveu:

Figura 2 – Jogos “Fröebel”


Fonte: <http://
froebeleaeducao.blogspot.
com.br/>. Acesso em: 22
maio 2015.

e) Jean-Ovide Decroly (1871-1932)


Com formação médica, contrariamente aos pensadores anterio-
res, destacava a importância de um trabalho com as sensações,
defendia um ensino voltado para o intelecto.
Para Dubreucq (2010) esse autor atribui à escola a função de pre-
venir e intermediar a ação educativa dos pais, preocupado com os
modelos familiares prejudiciais. Para ele, “casos muito frequentes
onde o meio familiar se revela claramente nocivo, a proteção mé-
dico-pedagógica das crianças vale mais do que os hospícios, os
asilos, os reformatórios, as prisões [...]. São os perniciosos cura-
tivos que gangrenam as feridas ao invés de curá-las” (DECROLY,
1904 apud DUBREUCD, 2010, p. 12). A partir desse momento passa
a se engajar na luta pela obrigatoriedade da escola para preparar
eficazmente a criança para “a vida de homem, de trabalhador, de
cidadão” (DECROLY, 1904 apud DUBREUCD, 2010, p. 13).
Defendeu que os conhecimentos deveriam estar relacionados à
personalidade das crianças, seus interesses, suas necessidades e
ligados ao meio natural no qual vivem. Os conteúdos programáticos
devem ser desenvolvidos em torno dos seguintes eixos:

ƒƒ Observação – exercícios de observação para fundamentar a


aprendizagem e fazer a inteligência trabalhar;
ƒƒ Associação – conhecimento desenvolvido a partir da associação
do material obtido pela observação;
ƒƒ Expressões – modo de a criança apresentar sua aprendizagem.
38
Aprendizagem e as Múltiplas Linguagens na Educação Infantil
Unidade 2

Suas ideias foram bastante importantes para a educação da épo-


ca, chegando até nossos tempos. Na Educação Infantil esses eixos
propostos por Decroly são bastante utilizados, já que as crianças
aprendem a técnica de observar e associar, para depois se expres-
sar nas diferentes linguagens, fundamentando o conhecimento.

f) Maria Montessori (1870-1952)


Médica italiana, educadora, começou o trabalho com materiais
apropriados como recursos educacionais, entendia que as coisas
deveriam partir das crianças, por interesses delas.
Alguns princípios que ela se fundamentou:

ƒƒ Puerocentrismo – as coisas giram em torno da criança;


ƒƒ Autoeducação – facilitar a educação da criança para si mesma,
proporcionando material e ambiente adequados;
ƒƒ Individualidade – a criança é um ser único e precisa conquistar
sua autonomia;
ƒƒ Liberdade e disciplina – a criança precisa de liberdade, devendo
estar marcada por alguns limites que permitam que possa se ex-
pressar sem prejudicar outra criança;
ƒƒ Trabalho – os exercícios são um tipo de trabalho;
ƒƒ Ordem – a criança é ordenada por natureza.

Montessori criou instrumentos especialmente elaborados para a


educação motora, ligados, principalmente, à tarefa de cuidado pes-
soal, e para a educação dos sentidos e da inteligência.
Rohrs (2010) desenvolveu a obra Maria Montessori para o projeto
“Pensadores do Ministério da Cultura”, desenvolvendo com cuidado
o pensamento montessoriano e podendo ser consultado no ende-
reço eletrônico: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/
me4679.pdf>.
As ideias de Montessori são básicas para a aprendiza-
gem infantil, constituindo-se também em um modelo útil para
crianças de qualquer nível de aprendizagem, inclusive as
portadoras de necessidades especiais.

39
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 2

SAIBA MAIS
Exemplo de materiais montessorianos

Figura 3 - Materiais montessorianos


Fonte: <www.sihirlibahce.com.tr>. Acesso em: 22 maio 2015.

g) Célestin Freinet (1896-1966)


Reconhecido como um dos grandes educadores do século XX,
Freinet foi professor do ensino primário.
Légrand (2010) é o autor da obra Freinet para o projeto Pensado-
res do MEC, de onde retiramos parte das ideias.
Para Freinet, a educação das crianças deve ser também fora da
sala de aula, para ter contato com o entorno e viver experiências
no meio social. Assim, surgem as aulas-passeio. O aprendizado da
matemática deve ser na medida em que tenha utilidade, como me-
dir os campos, calcular os preços, calcular os juros devidos ou
Para pensar
a cobrar. Isso passou se chamar de cálculo vivo. A classe
Frase de Montessori passou ser compreendida como um meio ‘técnico de
“A tarefa do professor é preparar vida’, oferecendo as bases das atividades.
motivações para atividades culturais, num
ambiente previamente organizado e depois se
É de Freinet a ideia de criar o jornal da escola,
abster de interferir” a correspondência interescolar e as excursões
a lugares mais longes. A correspondência
Interessante vídeo de apresentação da pedagogia de interescolar criava condições de cidadania,
Montessori uma vez que motivava a comunicação de
<http://tvescola.mec.gov.br/tve/video/educadores-maria- uma série de fatos. A cooperativa escolar
montessori>.Acesso em: 22 maio 2015.

40
Aprendizagem e as Múltiplas Linguagens na Educação Infantil
Unidade 2

advém da exigência de um lado de motivar o estudo dos cálculos e


sustentar financeiramente os escritórios da escola. De outro, a co-
operação na reflexão, da elaboração de projetos, de tomadas de
decisões, de contabilidade e avaliação de questões futuras. Além
da consequente atitude de eleição de membros responsáveis do
processo.
Notem que essas propostas são bastante utilizadas em programa-
ções escolares, as excursões de natureza pedagógica, que atual-
mente ocorrem na programação, são consideradas importantes não
apenas pela oportunidade de descoberta como também rica para a
interação humana, seja nos relacionamentos entre os colegas, seja
com o respeito à natureza.
Freinet teve sempre a parceria da esposa Elise, também professo-
ra, e que corroborava nas ideias pedagógicas e ideais educativos.

SAIBA MAIS
Ideias pedagógicas de Freinet
“Ler é procurar o texto de que se tem necessidade, seja para se distrair ou, sobretudo, para agir. A leitura como técnica de vida é, antes
de tudo, como dizia ele, ‘leitura trabalho’, por oposição à leitura ‘haxixe’, que nos aliena da realidade, mergulhando-nos na fantasia”
(LEGRAND, 2010, p. 19)

h) Jean Piaget (1896-1980)


O estudo de Piaget preocupa-se com a gênese do conhecimento.
Suas ideias são denominadas por epistemologia genética e estão
sempre voltadas à construção do conhecimento no campo social,
afetivo biofisiológico e cognitivo.
A teoria do conhecimento desenvolvida por Piaget vai subsidiar
um modelo de ensino, atualmente conhecido como construtivismo.
A criança deve ser encorajada a ter confiança em suas possibi-
lidades de experimentar, descobrir, se expressar, ultrapassar seus
temores, ter iniciativa. Para tanto é essencial ter um clima de expec-
tativas positivas em relação à criança.
As etapas de evolução do pensamento piagetiano oferecem ao
educador uma espécie de parâmetro para o professor conhecer
como o aluno está evoluindo, como esse aluno está construindo sua
aprendizagem.

41
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 2

Como a Educação Infantil trabalha principalmente com os perío-


dos sensório-motor (do 0 aos 2 anos) e pré-operatório (dos 2 aos 7
anos), o(a) educador(a) pode acompanhar a construtividade, a mo-
tivação da criança em buscar seu conhecimento, a disponibilidade
de aprender, elementos básicos para o progresso do aluno, futuro
cidadão.
O trabalho com as crianças na fase sensório motor é eminente-
mente voltado para o movimento e para ação, é também a etapa
que as crianças crescem e se desenvolvem, sendo extremamente
importante a proposta de atividades que exercitem e promovam o
conhecimento e reconhecimento do espaço e dos objetos. A des-
coberta do espaço é de fundamental importância para as crianças,
pois por meio desse conceito as crianças se localizam no mundo.
No período pré-operatório as crianças vão aprender a lidar
com os objetos, vão exercitar seu raciocínio e pensamento, para
cada vez mais sair do egocentrismo, da centração e podendo vis-
lumbrar as pessoas à sua volta, seus colegas, como eles pensam,
como eles fazem as coisas, que pode ter um jeito bom e diferente do
seu. As crianças pré-operatórias também vão aprender sobre a re-
alidade manuseando, observando, comparando e se expressando.
Esse movimento cognitivo é a base do raciocínio dessa etapa, quan-
do exercitado pela ação pedagógica forma uma estrutura importan-
te para o desenvolvimento das etapas posteriores. A criança entrará
para o Ensino Fundamental com uma estrutura de pensamento que
dará segurança para a criança se desenvolver e se envolver em no-
vos desafios da aprendizagem.
Na disciplina de Psicologia da Aprendizagem pudemos nos de-
ter acerca da proposta desse autor, exemplificando os principais
conceitos teóricos, que o educador poderá consultar toda vez que
achar necessário.

42
Aprendizagem e as Múltiplas Linguagens na Educação Infantil
Unidade 2

Para saber mais


Ideias piagetianas aplicadas à educação

A Escola “A chave do Tamanho”, cuja primeira unidade surgiu na década 70, no Rio de Janeiro, foi criada com autorização de Jean
Piaget, sendo a primeira escola piagetiana orientada pedagogicamente pelo professor Lauro de Oliveira Lima.
O auxílio excessivo do adulto tira a iniciativa construtora da criança e o excesso de pressão tira-lhe a originalidade. O adulto deve ficar
entre os dois termos.
As crianças são livres para resolver um dado problema, mas não podem deixar de fazê-lo uma vez que cada situação proposta é
importante ao seu desenvolvimento. Dessa forma, concilia-se o diretivismo pedagógico com a espontaneidade da criança.
LIMA, Lauro de Oliveira, Uma escola piagetiana, Rio de Janeiro, Paidéia, 1981.

i) Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934)


Vygotsky é um dos grandes representantes dos pressupostos só-
cio-históricos ou sociointeracionista. Para ele, a construção do pen-
samento e da subjetividade é um processo cultural.
Conforme pudemos estudar na disciplina de Psicologia da Apren-
dizagem, esse autor destaca as relações e interações sociais para
o desenvolvimento humano, além de apresentar o conceito de zona
de desenvolvimento proximal (ZDP).
No âmbito da educação infantil o educador prestará atenção e
fará sua observação a respeito das necessidades das crianças, po-
derá notar que, por meio das expressões nas diferentes linguagens,
a criança mostrará sua necessidade de se apropriar de um dado
conhecimento. O educador perceberá que a criança estará na ZDP
e fará sua intervenção.
O conceito de zona de desenvolvimento proximal se refere à dis-
tância entre o nível de desenvolvimento atual do indivíduo e a ca-
pacidade de responder, orientado por indicações do educador. No
período da pré-escola, o educador intervirá, proporcionando opor-
tunidades relacionadas à linguagem, à atenção, à memória e à ima-
ginação.
Quando o professor trabalha utilizando as ideias dos autores,
quando ele formula um projeto de trabalho, as questões relativas à
cultura das crianças, do que acontece em seu entorno, a chegada
de um circo, um novo item no parque, uma festa da cidade, podem
ser trazidos pelas educadoras, pelas crianças ou até pelos pais,

43
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 2

para que o trabalho pedagógico seja feito vislumbrando um trabalho


que relacione aprendizagem e realidade, conforme o conjunto de
ideias dos autores mencionados.
O educador proporá uma construção de um conhecimento, de-
safiará a criança a pensar, a interagir e a agir, permitindo que a
criança manifeste seu simbolismo e representações, base cognitiva
a ser desenvolvida e necessária para as etapas de desenvolvimento
cognitivo posterior.
O educador reunirá uma série de elementos descritos nos dife-
rentes precursores teóricos de aprendizagem, fazendo com que a
criança descubra, aja e reinvente a realidade.
As diferentes e variadas linguagens – verbal, corporal, plástica
– artística, musical e o conjunto de meios de comunicação e ex-
pressão são básicos para que as crianças compreendam, compar-
tilhem e se estruturem na cultura e na sociedade. São também os
elementos que formarão seus referenciais de vida, suas plataformas
de construção de cultura e de realidade, conforme pudemos argu-
mentar na primeira apostila, quando nos posicionamos numa defini-
ção de criança como agente formador de cultura.

MÚLTIPLAS LINGUAGENS

O PAPEL DO BRINQUEDO NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL

Os jogos, as brincadeiras e os brinquedos têm um lugar especial


na vida das crianças. Brincar é uma necessidade. Para a criança,
brincar não é um passatempo, mas uma forma dela experimentar e
desenvolver papéis, é uma forma de desenvolver habilidades, é uma
oportunidade para ela se capacitar cada vez mais para se apropriar
dos elementos da vida.
As atividades de natureza lúdica são meios para a criança apren-
der. Algumas são realizadas utilizando os movimentos e o corpo, por
exemplo, as brincadeiras de roda, as danças, correr, saltar, pegar.
Há as brincadeiras que necessitam de um objeto, por exemplo, a
corda, a bola, a peteca, o bambolê, as fitas, o barbante.
44
Aprendizagem e as Múltiplas Linguagens na Educação Infantil
Unidade 2

Para as crianças entre 2 e 3 anos, correr é uma necessidade, as


crianças nesse período gostam de se movimentar, correr vai ser uma
brincadeira para elas. Correr e se movimentar de um lado para outro
são um prazer para essas crianças. Elas estarão se movimentando
e exercitando a corporalidade.

A brincadeira de faz de conta


As crianças pequenas, quando brincam de marchar com um cha-
péu de soldado, balançando uma espécie de espada feita com uma
folha de jornal, estão exercitando a capacidade de simbolizar. Elas
passam a dar significados aos movimentos, aos objetos, aos sons,
às pessoas e para si mesmas, por meio dos papéis que represen-
tam. Estão desenvolvendo uma linguagem corporal, estão também
desenvolvendo a linguagem falada. No momento dessa brincadeira
estará havendo uma integração do desenvolvimento humano infantil.
Para Vygotsky (1984), na perspectiva sóciointeracionista, a brin-
cadeira de faz de conta ocupa boa parte do tempo das crianças,
é quando elas fazem conexão entre a sua forma de enxergar, de
imaginar e a forma como a realidade se apresenta.

O brinquedo simbólico das crianças pode ser entendido como


um sistema muito complexo de ‘fala’ através de gestos que co-
municam e indicam os significados dos objetos usados para
brincar (VYGOTSKY, 1984, p. 123).

A chave para toda a função simbólica da brincadeira infan-


til é, portanto, a utilização pela criança de alguns objetos
como brinquedos e a possibilidade de executar com eles
um gesto representativo. Desse modo, os jogos, assim como
os desenhos infantis, unem os gestos e a linguagem escrita
(VYGOTSKY, 1984, p.122).

Como podemos compreender, a brincadeira está relacionada ao


desenvolvimento das crianças tanto da creche como da pré-escola,
nas situações de interação, seja entre elas ou com os adultos, tor-
nando a Educação Infantil um momento de trabalho pedagógico

45
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 2

muito rico quando as brincadeiras são colocadas com a intenciona-


lidade do desenvolvimento e da aprendizagem.

SAIBA MAIS
A brincadeira de faz de conta

Figura 4 - Brincadeiras de faz de conta


Fonte: <blog.myfave.com.br>. Acesso em: 22 maio 2015

Nas brincadeiras, a criança manipula as imagens e as significa-


ções simbólicas que fazem parte do sistema social, da cultura da
qual está inserida, portanto, tornando essa criança um ser social-
mente construído e culturalmente ativo.

As brincadeiras e as regras
Para Piaget (1968), os jogos de regras são combinações sensório-
-motoras (corridas, bola, entre outros) e os intelectuais (cartas, ludo
com dadinhos, entre outros) marcados por cooperação ou competi-
ções e que têm regras.
De acordo com Brougère (2006), ainda que o brinquedo propor-
cione a brincadeira, o brinquedo também é um portador de muitas
relações em potencial. Assim, temos os jogos que são um tipo de
brinquedo que está relacionado às regras preexistentes. Para usá-lo
nas situações lúdicas há necessidade de certas habilidades para
poder desfrutá-lo. Por exemplo, a amarelinha é um importante jogo
de regras para as crianças da pré-escola, entre 4, 5 e 6 anos.
Alguns jogos:

ƒƒ jogo da amarelinha;
ƒƒ jogo gato e rato;
ƒƒ jogo polícia e ladrão;
ƒƒ jogo de bolinhas de gude.

46
Aprendizagem e as Múltiplas Linguagens na Educação Infantil
Unidade 2

A amarelinha é um jogo bem antigo. É um caminho dividido em


espaços que são chamados de ‘casas’, numerados e riscados no
chão. A criança joga uma pedrinha na casa que se inicia no número
1 e vai assim, sucessivamente, jogando. Mas, a criança tem que
acertar dentro da casa, a pedra não pode ficar em cima do risco,
porque, se ficar em cima do risco, será necessário deixar a vez para
outro jogador. Depois, de acordo com a ‘casa’ a criança vai pulando
em um pé só para apanhar a pedrinha, voltando para jogar no pró-
ximo número. Essa brincadeira exige equilíbrio do corpo, proporcio-
na interação social, desenvolve a linguagem, conceitos básicos da
aritmética. Figura 5 - Jogo da
Para Wajskop e Abramowicz (1999, p. 61) os educadores podem amarelinha do caco
Fonte: <revistaescola.abril.
intervir no brincar, com.br/educacao-infantil/4-
a-6-anos/amarelinha-
ƒƒ diretamente: brincando junto, narrando os acontecimentos, forne- caco-428173.shtml>. Acesso
cendo material e brinquedos adequados, organizando continhas, em: 22 maio 2015.

espaços e garantindo um tempo na rotina;


ƒƒ indiretamente: observando, contando uma história, organizando
passeios, desenvolvendo projetos nas áreas de interesse das
crianças.

O BRINCAR COMO UM DIREITO DA CRIANÇA

Figura 6 - Jogo de
O brincar é um direito da criança que não pode ser violado, os di- Amarelinha
ferentes autores que estudam a área dos brinquedos são unânimes Fonte: <www.fazfacil.com.
br>. Acesso em: 22 maio
sobre a qualidade dos brinquedos na formação cultural e educacio- 2015.
nal das crianças e na importância que eles têm sobre o desenvolvi-
mento infantil.
Está assegurado por legislações:

Constituição Brasileira de 1988


- Em seu artigo 227 descreve que:

Figura 7 - Jogo de
[...] é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar
Amarelinha
à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade,o direi- Fonte: <www.blogdajulieta.
to à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, ade com.br>. Acesso em 22
maio 2015.
2 à profissionalização, à cultura, `dignidade, ao respeito,

47
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 2

à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de


coloca-la a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência,crueldade e opressão (BRASIL, 1988).

Estatuto da Criança e do Adolescente


- Em seu artigo 59 prescreve que “os municípios, com apoio dos
estados e da União, estimulem e facilitem a destinação de recursos
e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer volta-
das para a infância e para a juventude”(BRASIL, 1994).

Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil


Foram elaborados pelo Ministério da Educação e do Desporto, em
1998, explicitam o direito das crianças ao brincar nas instituições de
educação infantil, enfatizando o brincar, os jogos e as brincadeiras
como recursos fundamentais para a construção da identidade, da
autonomia e das diferentes linguagens das crianças (BRASIL, 1998).

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil


- Essas diretrizes ressaltam que dentre os fundamentos que de-
verão nortear as propostas das instituições de educação infantil
está o “princípio estético da sensibilidade, da criatividade, da lu-
dicidade e da diversidade de manifestações artísticas e culturais”
(BRASIL, 1999).

Os autores citados na primeira parte desse material mostram que


a partir de seu modelo de aprendizagem a forma de utilização dos
materiais lúdicos precisa ser programada.

LINGUAGEM DAS ARTES

Na Educação Infantil, os principais objetivos são desenvolver no


aluno a percepção e a sensibilidade quanto às questões sonoras:
timbre, intensidade e duração. No que se refere ao aspecto motor,
desenvolver o ritmo, o controle, uso da voz, falada ou cantada; es-

48
Aprendizagem e as Múltiplas Linguagens na Educação Infantil
Unidade 2

timular a criatividade nas diferentes áreas, desenvolver a percep-


ção tátil, auditiva e visual. São metas também desenvolver memória,
atenção, concentração e raciocínio, presentes em todas as áreas
das artes.
Lembrando que nessa fase da vida as crianças são curiosas e
gostam de fazer experimentações, a arte de construção de brinque-
dos de sucatas pode ser apropriada. Além de evitar o desperdício
de materiais e pela possibilidade de construção, a exploração sen-
sorial, verbal e interativa é bastante estimulada. O educador obser-
vador e atento vai, no momento seguinte da construção, organizar e
oferecer informações aos grupos dos trabalhos realizados.
A atividade das artes plásticas ajuda a enriquecer o mundo visual,
a produzir novas imagens, a fazer releituras. A presença das artes
na escola é fundamental para o desenvolvimento infantil. Figura 8 - Artes visuais na
Educação infantil
Fayga Ostrower (1977) é uma importante autora na área das artes Fonte: <www.youtube.com>.
plásticas. Para ela, todos têm potencial criativo e a realização desse Acesso em: 22 maio 2015.

potencial é a satisfação de uma necessidade. Pois, a arte permite


que haja uma aproximação de si mesmo. Trabalhar com as mãos,
com o corpo e com a voz são possibilidades para a criança exercitar
sua criatividade. Veja a interessante citação:

Ao indivíduo criativo torna-se possível dar forma aos fenôme-


nos, porque ele parte de uma coerência interior que absorve os
múltiplos aspectos da realidade externa e interna, os contém e
os ‘compreende’ coerentemente, e os ordena em novas realida-
des significativas para o indivíduo. (OSTROWER, 1977, p. 132).

Assim, por meio de pinturas, da argila, da massinha; por meio da Figura 9 - Arte com
massinha
dança, das canções folclóricas, da roda de conversa de histórias e
Fonte: <portaldoprofessor.
o reconto a criança pode se expressar de modo global, usando a mec.gov.br>. Acesso em:
22 maio 2015.
voz, o corpo, o raciocínio, a atenção e a concentração.

49
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 2

MÚSICA

“[...] às vezes, a música é o melhor conselho que se pode ou-


vir” (autor anônimo)

A música é inerente ao ser humano e todos têm direito. A música


é um meio de comunicação e expressão artística.
O uso da música, da musicalização na escola, é obrigatório nas
grades curriculares, dada a sua importância ao desenvolvimento da
criança. Essa obrigatoriedade consta na lei federal n.º 11.769 de 18
de agosto de 2008.
Entretanto, em abril de 1931, o grande compositor Heitor Villa-Lo-
bos apresenta um projeto de Educação Musical, que é aprovado
pelo então presidente Getúlio Vargas, e passa fazer parte do ensino.
A música é sempre prazerosa para todas as crianças, indepen-
dentemente de sua condição cultural, é uma oportunidade de todas
adquirirem conhecimentos e desenvolvimento.
O educador pode utilizar a música, despertando as necessidades
e os interesses das crianças, as crianças poderão aprender a ficar
menos dispersas, poderão vivenciar as atividades rítmicas, poderão
também se expressar.
Conforme está descrito nos Parâmetros Curriculares Nacional
(BRASIL, 1997, p. 49):

Toda ação humana envolve a atividade corporal. A criança é


um ser em constante mobilidade e utiliza-se dela para buscar
conhecimento de si mesma e daquilo que a rodeia, relacionan-
do-se com objetos e pessoas. A ação física é necessária para
que a criança harmonize de maneira integradora as potenciali-
dades motoras, afetivas e cognitivas.

Assim, as cantigas de roda permitem que as crianças desenvol-


vam ritmo, sensibilidade musical e elas podem também fazer suas
próprias músicas.

50
Aprendizagem e as Múltiplas Linguagens na Educação Infantil
Unidade 2

Conforme o Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil


(BRASIL, 1998, p. 47):

Ouvir música, aprender uma canção, brincar de roda, realizar


brinquedos rítmicos, jogos de mãos, etc., são atividades que
despertam, estimulam e desenvolvem o gosto pela atividade
musical, além de atenderem a necessidades de expressão que
Atenção
passam pela esfera afetiva, estética e cognitiva. Aprender mú-
sica significa integrar experiências que envolvam a vivencia, a Villa-Lobos & Os Brinque-
dos de Roda
percepção e a reflexão, encaminhando-as para níveis cada vez
Villa-Lobos compôs músicas
mais elaborados. dedicadas às crianças, mui-
tas fazem parte do cancionei-
ro popular e ou folclórico. Não
Além de todo valor que a música desperta no desenvolvimento deve faltar na programação
da Escolas de Educação In-
infantil, a música se transforma em uma memória auditiva, podem fantil

se passar os anos, mas a música, relacionada à situação afeti- Disponível no endereço abai-
xo:
va ficará na memória.
http://www.radio.uol.com.br/#/
album/grupo-de-percussao-
-da-ufmg-e-coral-infantil-

LITERATURA -da-fund-clovis-salgado/
villa-lobos-e-os-brinquedos-
-de-roda/3260 Acesso em: 22
maio 2015.
Nas interações entre o educador e as crianças, por meio das prá-
ticas narrativas, esse educador mediador dos contos, das lendas e
das histórias possibilita a troca de experiências e a ampliação das
capacidades comunicativas mais importantes para as crianças.
Contos de tradição oral, parlendas, trava-línguas, adivinhas, qua-
drinhas, poemas, canções, lendas, mitos e histórias de vida são ex-
perimentados de modo lúdico, interativo, afetivo, criativo e prazeroso.
Os recursos podem ser expressivos, sonoros, visuais e cor-
porais, situando o lugar de contação, da roda, como forma de
prática educativa.
Além disso, segundo Bettelhein (2002), por meio dos contos de
fadas as crianças conseguem enfrentar suas dificuldades humanas
básicas. Notem que as crianças gostam de ouvir a clássica história
dos Três porquinhos, principalmente quando o lobo surge. Há uma
identificação com as personagens, ora a criança é valente como o
lobo, ora é ágil como os porquinhos, e, quantas outras dificuldades
estão por trás da mente de cada criança.

51
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 2

As representações mentais, as fantasias e imaginação fazem par-


te do trabalho mental de todas crianças, elas podem enfrentar seus
medos e expressar os sentimentos por meio das histórias, das re-
contagens de histórias, da expressão artística, como o teatro.
Temos bons autores de livros infantis que podem oferecer uma
gama muito grande de oportunidades de trabalho docente junto às
crianças da Educação Infantil.
Invariavelmente, as crianças gostam de ouvir histórias de casos
que ocorreram na família. A seguir apresentaremos como destaque
uma história de Daniel Munduruku.
Figura 10 – Foto
Fonte: <joaopedrolaktin.
blogspot.com>. Acesso em:
22 maio 2015.

Figura 13 - Quem é esse


Figura 12 - Foto capa de um dos da foto? Você já ouviu
Figura 11 – Foto alguma história dele?
livros de Daniel Munduruku, editado
Fonte: <play.tojsiab.com>.
pela Companhia das Letrinhas, 1996. Fonte: <www.velhosamigos.
Acesso em: 22 maio 2015.
Fonte: <www.buscape.com.br> Acesso com.br>.Acesso em: 22
em: 22 maio 2015. maio 2015.

Daniel Munduruku (danielmunduruku.blogspot.com/p/Daniel


unduruku.html) nasceu em Belém do Pará, no dia 28 de fevereiro
de 1964. É doutor em educação pela USP, graduado em Filosofia,
História e Psicologia. Professor, escritor, dentre outras atribuições.
Costuma escrever para as crianças. Vamos ler um conto dele, a
seguir:

52
Aprendizagem e as Múltiplas Linguagens na Educação Infantil
Unidade 2

Meus Tempos de Criança


Recordo-me sempre dos meus tempos de menino, quando meu
bisavô colocava-me em seu colo para contar as histórias do meu
povo. Embora entendesse pouco da narrativa, ficava deslumbrado
com a intensidade de sua rouca voz maciada pelo tempo. É que
parecia que meu velho avô se transfigurava ao dizer o indizível
retratado nos contos que narrava com tamanha convicção. Era
como se visse o invisível... Contava as histórias que deram origem
ao nosso povo; os mitos primordiais que estruturaram a visão do
universo habitado pela ‘minha gente’.
Ficava sempre impressionado com o caráter atemporal da narrativa:
sentávamos no terreiro em frente às nossas casas e, muitas vezes,
só levantávamos quando o sol se apresentava para nos saudar.
Quantas vezes dormitei nessa vigília mítica! Quantas vezes vaguei
em meio às estrelas, embalado ao som da música que se ouvia
na narração do velho avô. Quantas vezes fui arrebatado para os
confins longínquos do universo por imaginar-me o herói civilizador
do meu povo! Nessa época, tinha pouco mais de cinco anos!
MUNDURUKU, Daniel. História de índio. São Paulo, Companhia
das Letrinhas, 1996.

E você caro aluno, tem uma história contada por algum velho da
família?

REFERÊNCIAS

BETTELHEIN, Bruno. A Psicanálise dos Contos de Fadas. 16. ed. São


Paulo: Paz e Terra, 2002.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do
Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
______. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal n.º 8069,
de 13 de julho de 1990. Índice elaborado por Edson Seda. Curitiba:
Governo do Estado do Paraná, 1994.

53
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 2

______. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação


Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF,
1997a.
______. Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares
Nacional-Artes, Brasília, MEC/SEF, 1997b.
______. Ministério da Educação e do Desporto. Referencial Curricular
Nacional para a Educação Infantil. v. 3, Brasília, MEC/SEF, 1998.
______. Ministério da Educação e Cultura. Conselho Nacional de
Educação. Diretrizes curriculares nacionais para a Educação
Infantil; Resolução n. 1, de 7/4/1999, Brasília: MEC, 1999.
______. Presidência da República. Lei n.º 11.768, de 18 de agosto de
2008. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
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BROUGÈRE, Glles. Brinquedo e Cultura. São Paulo: Cortez, 2006.
DUBREUCQ, Francine. Jean-Ovide Decroly. Coleção Educadores-
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HEILAND, Helmut, Friedrich Fröbel, Coleção Educadores-MEC, Recife,
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LÉGRAND, Louis. Célestin Freinet. Coleção Educadores-MEC. Recife:
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OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. Rio de
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ROHRS, Hermann. Maria Montessori. Coleção Educadores-MEC.
Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Massangana, 2010. Disponível
em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me4679.pdf>.
Acesso em: 22 maio 2015.
VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente. São Paulo: Martins
Fontes, 1984.

54
EDUCAÇÃO INFANTIL

A LINGUAGEM COMO MARCA DA PRESENÇA


HUMANA........................................................57
O choro.............................................................................. 63
Primeiros gestos e primeiros sons..................................... 65
AS DIMENSÕES DO ATENDIMENTO ÀS
CRIANÇAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL.............70
Modelo Assistencialista..................................................... 71
Modelo Médico-Higienista................................................ 72
Modelo Substituto Materno............................................... 73
Modelo Educativo.............................................................. 73
Sobre o cuidar................................................................... 74
Palavras finais.................................................................... 76
REFERÊNCIAS................................................77
Educação Infantil
Unidade 3

Caro aluno,

Na unidade anterior tivemos a oportunidade de ter um panora-


ma geral dos educadores que contribuíram para a compreensão do
trabalho pedagógico junto às crianças. Chamamos a atenção de
vocês para o importante papel das interações das crianças com o
meio sociocultural.
As interações das crianças entre elas, com os adultos e o mundo
à sua volta oferecem oportunidades de construção do conhecimen-
to, do domínio das múltiplas linguagens, que são os meios delas
conquistarem, com propriedade, o desenvolvimento e ter acesso à
cultura.
Nesta unidade queremos discutir a linguagem, considerando o
especial valor que tem nas interações humanas e sua necessária
associação ao pensamento.
Na segunda parte deste material apresentaremos uma breve evo-
lução histórica do pensamento sobre os cuidados das crianças na
Educação Infantil e dos modelos de cuidados até chegar na atuali-
dade.

A LINGUAGEM COMO MARCA DA PRESENÇA


HUMANA

A linguagem é, por excelência, signo na linguagem de Vygotsky,


sendo um sistema de símbolos próprios aos grupos sociais, tem
como objetivo básico a constituição do pensamento.
À medida que a criança interage com o meio e desenvolve suas
experiências, vai também adquirindo a noção da realidade à sua
volta. Torna-se necessário que a criança internalize elementos de
sua experiência, desenvolvendo seu sistema de símbolos, condição
importante para que tenha acesso à cultura, se torne um sujeito so-
cial e promova suas mediações, também transformando a realidade.

57
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 3

[...] o desenvolvimento do pensamento é determinado pela lin-


guagem, isto é, pelos instrumentos linguísticos do pensamento
e pela experiência sociocultural da criança. [...] O crescimento
intelectual da criança depende de seu domínio nos meios so-
ciais do pensamento, isto é, da linguagem (VYGOTSKY, 1987,
p. 44).

Apenas para acentuar ideias, Vygotsky (1987) considerava que to-


das as atividades cognitivas ocorrem segundo a história social que
determina o status histórico-social da sua cultura ou comunidade.
A forma como uma criança vai desenvolver seu pensamento e vai
pensar, a linguagem que ela vai se apropriar, vai se comunicar e ex-
pressar seus pensamentos estão estreitamente ligadas à sociedade
ou comunidade na qual essa criança se desenvolve.
Para não perder de vista algumas diretrizes escolares, vamos to-
mar os objetivos do Referencial Curricular Nacional para Educação
Infantil, principalmente os voltados para a linguagem oral e escrita,
conforme pode ser visto em destaque.

Leitura complementar

REFERENCIAS CURRICULAR EDUCAÇÃO INFANTIL SOBRE A


LINGUAGEM
Crianças de zero a três anos
As instituições e profissionais de educação infantil deverão organizar
sua prática de forma a promover as seguintes capacidades nas crianças:
ƒƒ participar de variadas situações de comunicação oral, para interagir e
expressar desejos, necessidades e sentimentos por meio da linguagem
oral, contando suas vivencias;
ƒƒ interessar-se pela leitura de histórias;
ƒƒ familiarizar-se aos poucos com a escrita por meio da participação em
situações nas quais ela se faz necessária e do contato cotidiano com
livros, revista histórias em quadrinhos, etc.

58
Educação Infantil
Unidade 3

Crianças de quatro a seis anos


Para esta fase, os objetivos estabelecidos para a faixa etária de zero a
três anos deverão ser aprofundados e ampliados, promovendo-se ainda,
as seguintes capacidades nas crianças:
ƒƒ ampliar gradativamente suas possibilidades de comunicação e ex-
pressão, interessando-se por conhecer vários gêneros orais e escritos
e participando de diversas situações de intercâmbio social nas quais
possa contar suas vivencias, ouvir as de outras pessoas, elaborar e res-
ponder perguntas;
ƒƒ se com a escrita por meio do manuseio de livros, revistas e outros por-
tadores de textos e da vivencia de diversas situações nas quais seu uso
se faça necessário;
ƒƒ escutar textos lidos, apreciando a leitura feita pelo professor;
ƒƒ interessar-se por escrever palavras e textos ainda que não de forma
convencional;
ƒƒ reconhecer seu nome escrito, sabendo identifica-lo nas diversas situ-
ações do cotidiano;
ƒƒ escolher os livros para ler e apreciar (RCNEI, 1998, p. 131).

A linguagem é a expressão do pensamento, cada qual tem sua


trajetória no desenvolvimento. O desenvolvimento da fala tem um
primeiro momento que é pré-intelectual. O mesmo se dá no desen-
volvimento do pensamento, tem um estágio que é pré-linguístico.
(VYGOTSKY, 1987).
Podemos sistematizar a apropriação da linguagem nos
seguintes estágios:

1. Estágio primitivo ou inicial quando a fala é pré-intelectual


2. Inteligência prática
3. Operações externas
4. Crescimento interior

59
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 3

Oliveira (1997) apresenta uma síntese sobre a linguagem de acor-


do com as ideias sociointeracionistas. A linguagem tem como função
o intercâmbio social, para se comunicar com os demais. O bebê que
ainda não apresenta linguagem, se comunica por meio de gestos e
expressões, seus estados emocionais e suas necessidades. O bebê
terá um longo caminho para desenvolver a linguagem e compreen-
der o significado das palavras, que tem um padrão em sua cultura.
Ainda se referindo às ideias vygotskyana, o pensamento e a lin-
guagem não se dissociam, porém, tem uma trajetória de constitui-
ção diferente até que ocorra a ligação entre eles.
A criança pequena inicialmente vive uma fase pré-verbal do de-
senvolvimento do pensamento e uma fase pré-intelectual no desen-
volvimento da linguagem. Na fase pré-verbal a inteligência é prática,
porque leva a criança a resolver problemas práticos, utilizar instru-
mentos para conseguir realizar objetivos. Por exemplo, ela pode
puxar uma cadeira (instrumento), subir nela, alcançar uma lata de
biscoitos no armário. Essa ação no ambiente não está mediada pela
linguagem.
Mais tarde, por volta dos dois anos, o pensamento já começa se
encontrar com a linguagem e a fala intelectual inicia-se, utilizando
sua capacidade simbólica e de generalizar. A generalização facili-
ta a comunicação, porque certos conceitos que se desenvolve têm
caráter generalizante, por exemplo, a palavra cachorro pode ser
falada para comunicar algo. O outro que ouve, poderá receber a
mensagem de forma compreensiva, porque tem uma representação
simbólica de cachorro ou de uma ideia geral de cachorro.
Vejam o diagrama apresentado por Oliveira (1997):

1. Fase Pré-linguística do Pensamento


−−inteligência prática
−−utilização de instrumentos
2. Fase Pré-intelectual da Linguagem
−−função social
−−comunicação de estados emocionais
Essas etapas acima (1 e 2) evoluem para etapa a seguir:

60
Educação Infantil
Unidade 3

3. Pensamento Verbal e Linguagem Racional


transformação do biológico no sócio-histórico.

O modo de funcionamento do ser humano passa a ser sofisticado


e mediado pelo sistema simbólico da linguagem nesse terceiro mo-
mento e é quando o sistema nervoso evolui em suas funções.
A fala passa a ser uma função intelectual, ela é a expressão do
pensamento, contém os símbolos da linguagem e os conceitos ge-
neralizantes vão sendo apropriados gradativamente. O pensamento
verbal predomina na ação psicológica tipicamente humana.
Imaginem uma situação no qual pessoas se reúnem e se relacio-
nam, são membros de um mesmo grupo social; com base nessas
interações elas mesmas atribuem interpretações às suas palavras,
podem ser interpretações diferentes. Essa situação é aquela que
ocorre na escola quando as crianças se juntam e começam a for-
mar um grupo de crianças. O papel mediador do educador é o de
intervir, fazendo com que a transformação do significado se dê por
elementos que são referências na cultura. As crianças vão aprender,
por exemplo, que a Lua é um satélite, que é diferente das estrelas,
que a lua gira em torno da Terra. Essa mediação é uma interven-
ção mediante a uma discussão entre as crianças que definem a lua
como uma lâmpada.
O pensamento verbal ajuda a organizar a realidade, e cada palavra
apresenta um componente do pensamento, ela tem seu significado:

O significado de uma palavra representa um amálgama tão es-


treito do pensamento e da linguagem, que fica difícil dizer se
se trata de um fenômeno da fala ou de um fenômeno do pen-
samento. Uma palavra sem significado é um som vazio; o sig-
nificado [...] poderia ser visto como um fenômeno de fala. Mas,
do ponto de vista da psicologia, o significado de cada palavra
é uma generalização ou um conceito. E como as generaliza-
ções e os conceitos são inegavelmente atos de pensamento,
podemos considerar o significado como um fenômeno do pen-
samento (VYGOTSKY, 1987, p. 104).

61
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 3

Os significados (o que uma palavra significa) são construídos ao


longo do tempo pelas pessoas, por meio de suas relações e intera-
ções sociais.
A comunicação se dá entre as crianças e entre as pessoas, pois
elas compartilham os significados das palavras. A fala das crianças
vai coincidir com a dos adultos quando ela alcançar o desenvolvi-
mento capaz de formular seu próprio pensamento e de compreen-
der a fala dos adultos.
Ainda precisamos considerar que as pessoas construirão o senti-
do de suas palavras, que representa o modo particular que ela con-
cebe o significado de uma palavra, geralmente isso é decorrente de
uma experiência ou vivência de natureza afetiva.
Os significados das palavras podem não ser permanentes, podem
ser transformados com o desenvolvimento de uma língua, como é o
caso da palavra “você” que sofreu uma transformação ao longo do
tempo.
Gradativamente, a criança vai se apropriando da linguagem e pas-
sa a ter um “discurso interior”, isto é, falar para si mesma. Trata-se
de uma fala que se interioriza em pensamento e tem uma estrutura
própria e peculiar.
Para Vygotsky (1987) o processo de desenvolvimento da lingua-
gem e do pensamento segue a trajetória das funções mentais, tal
como a memória, a atenção. A criança primeiramente utiliza a fala
socializada, só depois que a utiliza como forma de pensamento e de
adaptação pessoal.
Essa passagem da fala socializada para o discurso interior passa
pelo fenômeno denominado por “fala egocêntrica”. A criança fala
alto e para si própria, independente da pessoa que estiver ao seu
redor. Pode-se ver essa manifestação em crianças que estão brin-
cando. Elas falam sobre o seu brincar, como se estivessem plane-
jando ou programando algo. Essa é a fala egocêntrica, a criança
depois de tomar posse da linguagem, que foi inicialmente usada
como forma e comunicação, será capaz de utilizá-la como um pro-
cesso internalizado, isto é, instrumento psíquico, ou o pensamento.
Vimos até esse momento a importância da linguagem e do pen-
samento para o ser humano se comunicar e se ajustar ao meio em
que vive.
62
Educação Infantil
Unidade 3

Como já pudemos discutir anteriormente, as crianças gostam de


atividades lúdicas, onde elas podem desenvolver diferentes aspec-
tos de seu crescimento e desenvolvimento. Falamos também de al-
gumas linguagens, por exemplo, a música, a contação de histórias,
o brincar de teatro, cantar, correr, pular, entre outras brincadeiras.
Nessas ocasiões, a criança está também desenvolvendo sua lingua-
gem e junto seu pensamento.
Apresentaremos a seguir, alguns elementos analíticos sobre o de-
senvolvimento da linguagem, sob o prisma dos estados afetivos.
Apresentaremos algumas considerações a respeito do desenvolvi-
mento do bebê e as necessidades que ele pode apresentar utilizan-
do gestos, expressões ou choro. Esperamos poder colaborar com o
conhecimento de vocês, alunos, uma vez que a parte afetiva-emo-
cional entre as crianças pequenas é muito importante. É nosso intui-
to colaborar, mesmo que essas ideias estejam um pouco distantes
do modelo sociointeracionista.

O CHORO

Consideramos o desenvolvimento desde os primeiros momentos


da vida humana para falarmos da linguagem, uma vez que o traba-
lho nas escolas de educação infantil inicia-se com os bebês.
A linguagem dos bebês é diferenciada. Ele começa se desenvol-
vendo precisando de outra pessoa, a mãe ou a cuidadora, que pode
estar numa creche.
A relação de dependência inicial é muito constante, e ele precisa
de um meio ambiente facilitador para que possa ir fazendo seus
ajustes de adaptação a esse meio. As crianças pequenas sabem
chorar, os bebês principalmente, sendo uma primeira etapa da lin-
guagem, e que é preciso entendê-la.
A dependência em relação ao meio que cerca um bebê é total,
sendo necessário que a educadora entenda as necessidades que
eles exibem. Rapidamente eles vão deixando essa dependência ab-
soluta, conseguindo gradativamente sua independência.

63
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 3

Os bebês lentamente vão conseguindo desenvolver suas próprias


identidades graças às pessoas que estão nos cuidados e compre-
endendo suas necessidades e sua linguagem. Importantíssimo des-
tacar as palavras de Winnicott (1999, p. 51) “o ego do bebê é forte
se houver um suporte do ego materno (ou do educador ou do cuida-
dor) para fazê-lo forte; do contrário, ele será fraco”.
Precisamos destacar que na vida de qualquer pessoa saudável,
mesmo das crianças, ocorrem os medos e os sentimentos confli-
tivos, dúvidas e frustrações, além das características que são as
positivas. Isso quer dizer que os bebês e as crianças, mostrando
que estão vivendo suas vidas, demonstram seus medos e dúvidas.
Quando o educador consegue decodificar esse tipo de linguagem
das crianças estará dando oportunidade delas emergirem da de-
pendência para sua independência, para poder um dia alcançar a
autonomia. Essa relação de proximidade com as crianças pequenas
tem um significado importante para as crianças poderem crescer.
Muitas vezes, a única linguagem que o bebê expressa é o choro,
precisando ser entendida a mensagem que ele traz. Isso quer dizer
que à medida que o educador entende a comunicação e faz uma
mediação no sentido de satisfazer a necessidade cria possibilidade
de o bebê crescer. Quando ele cresce, ele vai se integrando emo-
cionalmente numa unidade que é seu próprio eu, e isso o faz se
sentir bem e saudável.
A comunicação nesse período não é objetiva, mas ocorre, na sub-
jetividade do sujeito. Os bebês e as crianças pequenas aprendem
a confiar nos adultos, na mãe, na cuidadora, na educadora e, com
isso, a integração fica fortalecida. Mas, quando a criança não de-
senvolve o sentimento de confiança poderá não se integrar, isto é,
desde o início de sua vida vai tendo uma relação doente, uma co-
municação ruim.
O choro, como uma forma de comunicação, pode ser uma expres-
são de necessidade, principalmente porque está chamando aten-
ção. Há uma variedade de tipos de choro, os sons são diferentes
para a dor, a fome, a raiva. E necessário que se aprenda a discri-
minar o tipo de necessidade que a criança pequena está emitindo.

64
Educação Infantil
Unidade 3

PRIMEIROS GESTOS E PRIMEIROS SONS

Paralelamente à capacidade de emitir som pelo choro, temos os


gorgolejos, sons de agitação, sons de satisfação e de prazer. En-
quanto os bebês crescem, vão amadurecendo os músculos do apa-
relho fonador, chegando em um determinado momento o início de
sons vocálicos.
A seguir apresentaremos os sons e as prováveis idades da criança:

ƒƒ 7 ou 8 meses, brinca com os sons, emite uma espécie de sílaba:


‘dadada’;
ƒƒ de 6 até 12 meses – sons repetidos, ‘mamama’, trata-se do balbu-
cio;
ƒƒ próximo aos 9 meses – os sons repetidos são os típicos da lin-
guagem que ouve, são os chamados ‘padrão’ porque repetem os
sons da cultura que vivem;
ƒƒ nesse período de 9 aos 10 meses, os gestos mostram uma forma
de comunicar um pedido, há a combinação de sons e gestos. Por
exemplo, se está vendo um brinquedo fora de seu alcance, com-
bina um gesto das mãos, uma esticada de corpo e um som para
que alguém entenda e traga o brinquedo;
ƒƒ também nesse período surgem gestos bastante admirados, como
bater palmas, acenar um tchau;
ƒƒ a partir dos 10 meses, o balbucio muda para sons distintos pró-
prios da linguagem que ouve dos outros adultos. Nesse período
conseguem entender algumas comunicações dos adultos. E a lin-
guagem receptiva;
ƒƒ aos 13 meses consegue uma linguagem expressiva, consegue
imitar (atitude muito importante a ser exibida pelas crianças), início
da compreensão da linguagem e com gestos e sons, conseguem
suas primeiras comunicações, isto é, a linguagem expressiva;
ƒƒ a partir de um ano a linguagem se torna mais evoluída. Há aquelas
crianças que já falam frases, outras apenas palavras. A criança já
entende que esse é um meio de se comunicar com as pessoas;
ƒƒ conseguem nomear alguns objetos, como bola, o leite, o Tetê;

65
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 3

ƒƒ convém lembrar que, ao mesmo tempo, está começando a andar,


ou ter equilíbrio para os primeiros passos. Quando chegar aos três
anos estará andando e a maioria das crianças conseguiu desen-
volver um conjunto de palavras e conseguem elaborar frases;
ƒƒ o próximo passo é o de entender os sentidos das palavras e a
gramática de seu idioma, sem perder de vista que a comunicação
vai estar estreitamente ligada aos padrões culturais e do sistema
familiar.

Pensamos que a associação de algumas ideias de pensadores


que se preocuparam com os aspectos emocionais, exclusivamente,
como é o caso do autor acima citado, possa contribuir com a forma-
ção do educador ou professor da educação o infantil. São tantas ati-
vidades durante esse período de desenvolvimento que o professor
pode perder de vista o sentido de alguma delas.
À medida que elas vão crescendo surgem novos desafios ao edu-
cador, apresentamos, a seguir, um relato de professoras dessa fase,
dando valorização ao processo que leva a criança à construção de
significados do mundo.

Leitura complementar

“FAZ-DE-CONTA: A CONSTRUÇÃO E COMPARTILHAMENTO DE


SIGNIFICADOS
[...]
A criança, no início de sua vida, não tem habilidade para agir sobre as
coisas que a cercam, e esse período é relativamente prolongado. [...] por
meio do outro a criança garante sua adaptação vital. A relação indiví-
duo/meio é, portanto, mediada pelo grupo.
A brincadeira de faz-de-conta se constitui num exemplo de uma ati-
vidade na qual a criança poderia ser vista como se estivesse num mundo
só seu, um mundo de fantasia. Mas, estudada em detalhes, ela tem re-
velado como as crianças estão engajadas umas com as outras, construin-
do e compartilhando significados. Neste capítulo apresentaremos um
estudo sobre brincadeiras de faz-de-conta de crianças com dois a três

66
Educação Infantil
Unidade 3

anos de idade, com o objetivo de serem seguidas pelos participantes


realçar a importância dessa brin- da brincadeira.
cadeira para o desenvolvimento . Representa animais, assu-
psicológico infantil. mindo com o uso do corpo as carac-
Caracterizando a brincadeira de terísticas do animal representado.
faz-de-conta . Trata objetos inanimados
como animados. Por exemplo,
Ao brincar de faz-de-conta, uma nina ou repreende suas bonecas
criança: pelo ‘comportamento’ delas.
. Transforma os objetos pre- Para realizar essas transforma-
sentes na sala em alguma outra ções, as crianças usam dos meios
coisa que não corresponde ao que de que dispõem. Estes meios são:
aquilo é na realidade. Por exemplo, . Gestos – manuseio de brinque-
uma criança coloca ‘perfume’ em dos e objetos e objetos. Ex. Uma
outras crianças usando uma peça peça de madeira é repetidamente
de encaixe de plástico. passada nos lábios e depois nas
. Transforma recantos do am- bochechas em movimentos circu-
biente físico de acordo com a ativi- lares, o que dá a impressão de que
dade que está desenvolvendo. ‘Sai a criança está se maquiando.
da minha casa!’ uma criança diz . Posturas – uso do próprio cor-
para outra, que mexia nos obje- po para evocar personagens não
tos dispostos na prateleira da sala. presentes. Ex. Pôr-se de quatro
‘Não sai de casa, ô filhinha!, não pés, movimentar a cabeça lateral-
vai pra rua!’ uma criança diz para mente e ranger os dentes como um
a outra quando esta sai de perto do cachorro faz.
colchonete onde elas brincavam. . Som – vocalizações que reme-
Nesses exemplos, as crianças con- tem a animais e/ou coisas. Ex. La-
sideraram uma casa o espaço deli- tir imitando um cachorro, ou fazer
mitado por prateleiras, colchone- ‘Ahram, ram’, imitando um baru-
tes etc. lho de carro.
. Representa personagens . Palavras – algumas vezes ape-
(mãe, filha, neném etc.), desenvol- nas uma palavra é capaz de evocar
vendo um script com regras para situações e/ou coisas. Ex. Dizer:

67
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 3

alô ao pôr uma peça de encaixe no ocorre a brincadeira, os objetos


ouvido explicita uma transforma- presentes, etc.). No faz-de-conta,
ção do objeto, assim como uma a criança substitui um objeto real
proposta de conversar ao telefone por outro objeto, uma ação real por
com a outra criança.. outra ação. Os objetos e ações re-
. Frases – que explicitam papéis, ais são subordinados ao campo do
significados atribuídos a objetos e significado. Mas essas ações ainda
a recantos do ambiente físico. Ex. ocorrem no faz-de-conta como
‘Não sai de casa, ô filhinha!’ ocorrem na realidade. E os obje-
Por meio desses recursos, as tos que substituem outros objetos
criança tanto retomam, no espaço ou coisas são similares aos objetos
da brincadeira, significado já expe- ou coisas reais. A criança em ida-
rienciados no seu dia-a-dia, quan- de pré-escolar ainda necessita de
to constroem significados que fa- um pivô, de um suporte para lidar
zem sentido naquele momento de com o campo do significado. Daí
seu processo interativo. porque os temas mais comuns das
Ao brincar num contexto de brincadeiras de faz-de-conta de
faz-de-conta, a criança subordi- crianças nessa faixa etária são te-
na os objetos e sua própria ação mas vinculados a seu cotidiano: a
ao campo do significado. Segun- criança brinca assumindo os pa-
do Vygotsky (1991), essa possibi- péis de personagens que lhe são
lidade caracteriza um avanço no familiares (mãe, pai, folho, moto-
desenvolvimento infantil. Para rista, etc.); os animais e os objetos
uma criança pequena essa ma- representados fazem parte da rea-
neira de se comportar exige uma lidade que a criança conhece.
transformação radical de sua or- Compartilhando significados
ganização psicológica. Vygotsky experienciados e construindo no-
observa que uma criança peque- vos significados
na age de acordo, apenas, com seu As crianças usam os recursos
campo perceptivo imediato, e, por do próprio corpo (gestos, pos-
conta disso, seu comportamen- turas, vocalizações) associa-
to é restringido pelas situações dos aos recursos do ambiente
ambientais (a situação na qual (sucata, brinquedos, recantos) e

68
Educação Infantil
Unidade 3

trazem para o contexto da brinca- carro; uma pecinha de encaixe, ao


deira: personagens e animais não ser colocada no ouvido, passa a ser
presentes no ambiente; situações/ um telefone; uma prateleira na pa-
atividades já experienciadas por rede passa a delimitar uma casa, tc.
elas ou por outras pessoas de seu Daí porque as crianças necessitam
meio. Elas criam elos entre objetos compartilhar entre si os significa-
e situações, entre expressões do dos que são tecidos por elas, para
próprio corpo (mímicas, vocaliza- que possam brincar juntas.
ções) e personagens e/ou situações Compartilhar algo é tê-lo em co-
já vividas ou apenas observadas mum com outro. Esse algo pode
por elas. ser: ‘um momento de proximida-
Esses elos que são tecidos pelas de, o interesse ou competência em
crianças se apoiam, muitas vezes, uma atividade, [...] um objeto, um
em objetos similares àquilo que conhecimento, um código (como a
elas pretendem representar: por linguagem ou como um ritual)’. O
exemplo, uma boneca representa compartilhamento é criado, cons-
um nenen, um fogão de plástico truído na interação social, portan-
delimita a cozinha. Mas outras si- to, não se refere ao comportamen-
tuações demonstram como esses to de um indivíduo, mas se refere
elos podem ser subjetivos e muitas a uma relação entre indivíduos, a
vezes arbitrários: uma caixa de pa- qual, por sua vez, possibilita que
pelão, quando a criança emite um eles possuam em comum algo que
determinado som, passa a ser um foi construído socialmente [....]”.

Apresentamos parte do artigo das autoras


COELHO, Maria Teresa F.; PEDROSA, Maria Isabel. Faz-de-conta: construção e
compartilhamento de significados, in OLIVEIRA, Zilma de M. Ramos de. (org.) A
Criança e seu Desenvolvimento – perspectivas para se discutir a educação infantil.
3. ed. São Paulo, Cortez, 2000.

Caros alunos, da leitura desse material apresentado, esperamos


que vocês compreendam que a criança, na fase da educação infan-
til, está se transformando e evoluindo. O desenvolvimento decorre
das práticas variadas com as situações, as pessoas, que trabalham
como recursos para que a criança se aproprie de formas culturais

69
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 3

construídas historicamente, seja as de caráter afetivo ou na forma


de pensar, de raciocinar, na forma de expressar-se linguisticamente
e na forma de manipular os materiais e objetos.
Quando o adulto ou os pais agem de forma autoritária não se pode
pensar em adultos facilitadores e construtores da criança em desen-
volvimento. As crianças cujo desenvolvimento ocorre sem direção
não vão saber o caminho que devem percorrer. O ambiente organi-
zado e estruturado contribui para a organização e estruturação das
crianças. É preciso olhar para esse contexto e saber identificar o
valor do papel do educador da fase infantil.

AS DIMENSÕES DO ATENDIMENTO ÀS CRIANÇAS


DA EDUCAÇÃO INFANTIL

As dimensões dos atendimentos e das práticas junto à população


atendida nas escolas de educação infantil estão relacionadas com
o desenvolvimento dos processos políticos sociais, com o processo
de urbanização social, com a reprodução da mão de obra da mulher
e com a crescente desigualdade econômica da sociedade.
No Brasil até aproximadamente 1920, os atendimentos de crian-
ças eram filantrópicos, destinados especialmente às mães viúvas e
solteiras que não tinham condições de cuidarem de suas crianças.
Essas instituições são do tipo asilar com o modelo de atenção assis-
tencialista das crianças e contam a história do abandono infantil já
praticado nessa época. Algumas cidades tinham a Casa dos Expos-
tos, especialmente criadas para as crianças abandonadas. Em São
Paulo, a Roda dos Expostos iniciou em 1825 e ficou até 1950, quan-
do foi desativada. A peça que estava colocada na Santa Casa de
Misericórdia de São Paulo está no Museu dessa mesma Santa Casa.

70
Educação Infantil
Unidade 3

Em algumas cidades as creches vieram substituir a Casa dos Ex- Roda dos expostos do
acervo e Prédio da Irman-
postos, que eram as instituições que atendiam crianças abando- dade (Casa de Misericór-
nadas. Marcílio (1997) é uma grande historiadora brasileira que se dia de São Paulo)
dedicou aos estudos das crianças abandonadas, sendo uma das Fonte: <http://pt.slideshare.
net/nazaretebarros/ix-
autoras que consultamos para elaboração desse texto. congresso-da-historia-
paulista-da-medicina,
As propostas de atendimento da instituição creche estão relacio- acesso em 02 jun. 2015.
nadas com a forma que a criança foi concebida, isto é, a concepção
social de criança que já fizemos um breve histórico na primeira uni-
dade. Os modelos de intervenção eram praticados de acordo com
a dinâmica social.
Até chegar na atualidade, na longa discussão entre o cuidar e o
educar, agora amparados por uma legislação, os modelos de aten-
dimentos foram:

a. Assistencialista; Para pensar


b. Médico-Higienista; Recordando conceitos

c. Substituto Materno; A Infância no Estado Novo


O Estado Novo foi um período autoritário da
d. Modelo Educativo.
nossa história, que durou de 1937 a 1945. Foi
instaurado por um golpe de Estado que garantiu a
continuidade de Getúlio Vargas à frente do governo
MODELO ASSISTENCIALISTA central, tendo a apoiá-lo importantes lideranças políticas
e militares. Para entender como foi possível o golpe,

Nesse período, as políticas voltadas eliminando-se as suas resistências, é preciso retroceder ao


ano de 1936.
para a infância no Estado Novo se confi-
Fonte: <http://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/anos30-37/ev
guram em ações de proteção e de tutela.
_golpe_estado.htm>. Acesso em: 20 fev. 2015.
71
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 3

Várias instituições são criadas para atender crianças de zero a seis


anos.
A criança é apresentada como ‘cidadã do futuro’, devendo rece-
ber cuidados especiais do Estado (KRAMER, 1998).
As creches eram concebidas como espaços de abrigo para crian-
ças pobres e abandonadas. O atendimento a essas crianças era de
caráter beneficente e suas famílias eram pobres e trabalhadoras.
O modelo assistencialista era uma pedagogia oferecida às crian-
ças empobrecidas, um atendimento de baixa qualidade por meio de
uma pedagogia da submissão.

A pedagogia das instituições educacionais para os pobres é


uma pedagogia da submissão, uma educação assistencialista
marcada pela arrogância que humilha, para depois oferecer o
atendimento como dádiva, como favor aos poucos seleciona-
dos para o receber (KUHLMANN JR., 2001, p. 182).

MODELO MÉDICO-HIGIENISTA

Nos meados de 1920 vamos ter um cenário social de crescimen-


to industrial, a formação de uma nova classe, a elite burguesa em
substituição da elite cafeeira. Por outro lado, vamos ter um estado
de pobreza crescente, início do surgimento do operariado e das mu-
lheres que passam a se inserir no trabalho das fábricas.
As creches vão seguir a referência do modelo médico e geralmen-
te, os profissionais eram da área da saúde.
O objetivo era alimentar as crianças, promover a saúde e usar
as normas de higiene, associando a pobreza à incapacidade de
conhecimento de puericultura. Havia no cotidiano das creches uma
preocupação com a higiene, o desenvolvimento físico e psicológico
das crianças.
Até esse período o olhar para a criança não é de um sujeito em
desenvolvimento com direitos sociais.

72
Educação Infantil
Unidade 3

MODELO SUBSTITUTO MATERNO

A partir de 1930 as teorias psicológicas passam a ter forte influ-


ência no trabalho junto às crianças. Autores europeus como René
Spitz e John Bowlby desenvolvem um trabalho que avalia os efeitos
da separação da criança de suas mães. Nessa época, havia um
contingente grande de crianças órfãs da guerra que passaram a
viver internas em asilos.
Esses autores desenvolvem seus estudos culminando na teoria do
apego, tão estudada até a atualidade. Mas, a creche passou a ser
considera um local nocivo para o desenvolvimento da criança que
ficava afastada de sua mãe.
Essas ideias teóricas geraram um sentimento de culpa nas fa-
mílias que deixavam suas crianças nas creches. Muitas mulheres
deixaram de trabalhar para cuidar de seus filhos, o que, indireta-
mente, fazia com que a mão de obra feminina europeia deixasse o
trabalho, colaborando com a escassez dele no período pós-guerra
(ANDRADE, 2010).
Aqui a creche passou a ter o estigma de ‘mal necessário’, que perdu-
rou como referência de trabalho por muito tempo (ANDRADE, 2010).

MODELO EDUCATIVO

Com o desenvolvimento científico, por volta de 1960, as institui-


ções que trabalham com as crianças passam a compreendê-las
como sujeitos em desenvolvimento e que tinham necessidades pró-
prias de sua fase infantil.
Era muito difícil fazer com que as famílias deixassem de ter
Para pensar
sentimento de culpa pela separação da criança que fica
Segundo Merisse (1997), na
na instituição escolar, porém, a criação das creches e
família o higienismo alterou tanto
da escola de educação infantil permanece um bom
o perfil sanitário como sua feição social,
período como sendo o local destinado para as influenciando decisivamente o papel materno da
crianças cujas mães trabalham. mulher, que envolvia a amamentação, o cuidado e a
educação das crianças pequenas. Assim, tanto a família
Com relação a essa questão, vejamos as
como outras instituições de atendimento às crianças, como
seguintes ideias: as creches, passaram a incorporar a pedagogia higienista.

73
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 3

As referências históricas da creche são unânimes em afirmar


Atenção
que ela foi criada para cuidar das crianças pequenas, cujas
Crianças de creche, a partir mães saíam para o trabalho. Está, portanto, historicamente vin-
de 2,5 anos, já podem esco-
lher o que querem comer. Elas
culada ao trabalho extradomiciliar da mulher. Sua origem, na
fazem seu próprio prato e re- sociedade ocidental, está no trinômio mulher-trabalho-criança.
petem quantas vezes quise-
rem. É uma forma de a crian- Até hoje a conexão desses três elementos determina grande
ça entrar em contato com parte da demanda, da organização administrativa e dos servi-
suas necessidades, evitando
desperdício e a refeição se ços da creche (DIDONET, 2001, p. 12).
torna um momento agradável
e estimulante para aprendiza-
gem e convivência social.
SOBRE O CUIDAR

Podemos notar que o aspecto do cuidado às crian-


ças esteve associado ao longo do tempo aos diferen-
tes aspectos de concepção de criança, da situação
social vigente, do modelo de família e das relações
com o trabalho.
A identidade das escolas trouxe como bagagem cul-
tural o assistencialismo, o moralismo, o substituto ma-
terno, em que a escola complementa e compartilha a
educação das crianças. Muitas vezes, implicitamente,
fica no subjetivo o sentimento de escola para os po-
Figura 2 - Sociedade de bres e, consequentemente, uma educação de padrão de pobreza.
Amparo Fraterno Casa Esse cuidar vai diretamente ao intersubjetivo dos educadores, da
do Caminho – Creche e
Núcleo Sócio-Educativo escola, das famílias, precisando passar por um rompimento e fazer
Tiãozinho, na Vila com que a ideia de cuidar tenha outras características.
Clementino em São Paulo.
Fonte: <www.tiaozinho.org. Vai ser em 1988 que a Constituição Brasileira passa a assegurar a
br>. Acesso em 02 jun. 2015. garantia de atendimento em creches e educação infantil de crianças
até seis anos para receberem atendimento educacional e de cuida-
dos, saindo da área assistencialista.
Desse modo, temos como diretriz os Referenciais Curriculares Na-
cional de Educação Infantil (RCNEIs):

[...] valorizar e ajudar a desenvolver capacidades. O cuidado


é um ato em relação ao outro e a si próprio que possui uma
dimensão expressiva e implica em procedimentos específicos

74
Educação Infantil
Unidade 3

[...] Para cuidar é preciso antes de tudo estar comprometido


com o outro, com sua singularidade, ser solidário com suas ne-
cessidades, confiando em suas capacidades. Disso depende
a construção de um vínculo entre quem cuida e quem é cuida-
do (BRASIL, 1998, p. 24).

Entendemos que o cuidar não está isolado do educar, enquanto


a criança passa por suas descobertas é observada pelo educador
que vai observando suas necessidades. Mas, são interessantes as
colocações de Rossetti-Ferreira (2003, p. 11) que afirmam: “quem
educa não se propõe a cuidar e quem cuida não se considera apto
para educar”. Assim, temos uma visão de interação com a criança
de modo dividido enquanto o ideal da ação seria a realização simul-
tânea dos profissionais, pois cuidar e educação são indissociáveis.
Os cuidados envolvem as dimensões afetivas, sentindo a necessi-
dade humana infantil. Também está relacionado com o corpo, como a
alimentação, a higiene e a saúde. Vejamos o que orienta os RCNEIs:

[...] o cuidado precisa considerar, primeiramente, as necessi-


dades das crianças, que quando observadas, ouvidas e res-
peitadas, podem dar pistas importantes sobre a qualidade do
que estão recebendo. Os procedimentos de cuidado também
precisam seguir os princípios de promoção da saúde. Para se
atingir os objetivos dos cuidados com a preservação da vida e
com o desenvolvimento das capacidades humanas, é neces-
sário que as atitudes e procedimentos estejam baseadas em
conhecimentos específicos sobre desenvolvimento biológico,
emocional e intelectual das crianças, levando em conta dife-
rentes realidades socioculturais (BRASIL, 1998, p. 25).

Entende-se que a criança, enquanto sujeito social, também é um


indivíduo em sua singularidade. O exercício de cuidar se pautando
por essa concepção respeita o processo de desenvolvimento huma-
no dessa faixa etária, quando a criança precisa do outro. Esse outro,
que é o educador, que está preparado para compreender e interferir
quando necessário se fizer.

75
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 3

Essa atuação docente e humana não tem valor financeiro, tem um


valor humano na constituição de um ser. Um ser que confia e que
espera do outro uma ação educativa, cuidados dignos para crescer
e desenvolver, cumprindo com as regras de convivência humana
amorosa e edificante.

A forma de cuidar, muitas vezes, é influenciada por crenças e


valores em torno da saúde, da educação e do desenvolvimento
infantil, embora as necessidades humanas básicas sejam co-
muns como, alimentar-se, proteger-se, etc. As formas de identi-
fica-las, valorizá-las e atende-las são construídas socialmente.
As necessidades básicas podem ser modificadas e acresci-
das de outras de acordo com o contexto sociocultural. Pode-se
dizer que, além daquelas que preservam a vida orgânica, as
necessidades afetivas são, também, base para o desenvolvi-
mento infantil (FOREST; WEISS, 2009, p. 4).

O compromisso do educador, de se envolver com as crianças que


se desenvolvem e crescem, está num contexto sociocultural. O pa-
pel de cuidar faz parte do compromisso do professor com as crian-
ças, ele acaba sabendo sua história e conhecendo seu psicológico.

PALAVRAS FINAIS

Queremos deixar destacado que para a educação infantil atingir


suas metas de educar e de cuidar sob a ótica da concepção con-
temporânea de criança, enquanto ser de direitos e sujeito social em
desenvolvimento, é grande a importância da formação docente.
O docente em educação infantil preparado para se envolver com
a ação pedagógica e se comprometer numa relação educativa de
proposição, de desafios, de aprendizagem significativa, que dá ên-
fase às diferentes linguagens, certamente muitas crianças vão apro-
veitar, crescer e não vão esquecer o(a) professor(a) que deixa uma
marca positiva e afetiva na personalidade infantil.

76
Educação Infantil
Unidade 3

[...] as novas funções para a Educação Infantil devem estar


associadas a padrões de qualidade. Essa qualidade advém de
concepções de desenvolvimento que consideram as crianças
nos seus contextos sociais, ambientais, culturais e, mais con-
cretamente, nas interações e práticas sociais que lhes forne-
cem elementos relacionados às mais diversas linguagens e ao
contato com os mais variados conhecimentos para a constru-
ção de uma identidade autônoma (BRASIL, 1998, p. 23).

Em síntese, o trabalho pedagógico é pautado pela junção das


ideias: educar e cuidar.
Na Lei de Diretrizes e Bases n.º 9.394 de 1996, no título VI, art. 62:

A formação de docente para atuar na educação básica far-


-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de gradu-
ação plena, em universidades e institutos superiores de edu-
cação, admitida, como formação mínima para o magistério na
educação infantil e nas quadro primeira séries do ensino fun-
damental, a oferecida em nível médio na modalidade normal
(BRASIL, 1996, p. 22)

Vale ressaltar a necessidade de o profissional da Educação Infantil


estar disposto para procurar se atualizar e se capacitar, valorizando
o acúmulo de conhecimento ao longo do exercício prático, superan-
do o velho pensamento do popular ‘escola pobre para os pobres’
Vamos contribuir na construção de uma escola pública de qualidade.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Lucimary B. P. Educação infantil: discurso, legislação e


práticas institucionais. São Paulo, UNESP-Cultura Acadêmica, 2010.
Disponível em: <hppt://books.scielo.org>. Acesso em: 02 jun. 2015.
BRASIL. Lei n.º 9.394 de 1996 de 20 de dezembro de 1996. Lei de
Diretrizes e Bases da Educação. Brasília: MEC, 1996, p. 22.

77
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 3

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação


Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação
Infantil. Brasília: MEC/SEF, v. 3,1998.
DIDONET, Vital. Creche a que veio... para onde vai... In: DIDONET, Vital
(org.). Em aberto – Educação Infantil: a creche, um bom começo.
Brasília: INEP, v. 18, n. 73, 2001.
MARCILIO, M.L. A roda dos expostos e a criança abandonada no Brasil
colonial: 1726-1950. In: Freitas. M. (Org.). História Social da Infância
no Brasil. São Paulo: Cortez, 1997. 
FOREST, Nilza Aparecida; WEISS, Silvio L. I. Cuidar e Educar –
perspectivas para a prática pedagógica na educação infantil. Santa
Catarina: Instituto Catarinense de Pós-Graduação, 2009. Disponível
em: <http://www.sst.sc.gov.br/arquivos/eca20/seminario1/Cuidar_e_
Educar_Icpg[1].pdf>. Acesso em: 02 jun. 2015.
KRAMER, Sonia. Infância, Estado e Sociedade no Brasil. In:
CONFERÊNCIA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO. Anais da Conferência,
Brasília: MEC, 1998, p. 199.
KUHLMANN JR., Moysés. Infância e educação infantil: uma
abordagem histórica. 2. ed., Porto Alegre: Mediação, 2001.
MERISSE, Antonio. Origens das instituições de atendimento à criança
pequena: o caso das creches. In: MERISSE et al. Lugares da Infância:
reflexões sobre a história da criança na fábrica, creche e orfanato. São
Paulo, Arte & Ciência, 1997, p. 27-50.
OLIVEIRA, Marta K. Vygotsky – Aprendizado e Desenvolvimento. Um
processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1997.
ROSSETTI-FERREIRA, Maria Clotilde. A necessária associação entre
educar e cuidar. Pátio Educação Infantil, ano 1, n. 1, abr/jul, 2003. p.
10-12.
VYGOTSKY, L. Pensamento e Linguagem. 1. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1987.
WINNICOTT, Donald W. Tudo começa em casa. 3. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1999.

78
Educação Infantil
Unidade 3

79
O TRABALHO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

ESTUDO SOBRE A ORGANIZAÇÃO DO


TRABALHO PEDAGÓGICO DA CRECHE E DA
EDUCAÇÃO INFANTIL....................................82
Breve ideias sobre a questão do Currículo......................... 84
O cuidar e o educar no Currículo....................................... 86
ROTINAS E A RELAÇÃO COM O TEMPO E COM
O ESPAÇO......................................................88
Crianças até três anos........................................................ 91
Crianças de quatro a seis anos.......................................... 92
Questão do Tempo............................................................. 92
FAMÍLIAS E INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO
INFANTIL........................................................96
REFERÊNCIAS..............................................100
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 4

Esta é a última apostila da disciplina Desenvolvimento e Aprendi-


zagem na Educação Infantil.
Nas unidades anteriores pudemos estudar o desenvolvimento da
criança pequena em seus diferentes aspectos: biológico, cognitivo,
social e cultural, que ocorrem por meio de um complexo processo
de interação com pessoas e com o meio circundante.
Também estudamos que a criança constrói os significados des-
sas interações, partilhando e compartilhando com os colegas, as
demais pessoas e instrumentos, como os brinquedos, o tipo de am-
biente e com a rotina que a escola de educação infantil estabelece.
Assim, a criança vai crescendo, se constituindo um sujeito, vai se
apropriando da linguagem, vai podendo fazer suas trocas afetivas
e emocionais, de descobertas e aprendizagem, aprendendo ser um
sujeito social e futuro cidadão.
Nesta unidade estaremos vendo o trabalho pedagógico na edu-
cação infantil e como ele se organiza. Faremos algumas colocações
acerca da adaptação da criança à escola e sobre a interação da
família com a escola.
Sendo assim, nossos objetivos são:
ƒƒ conhecer as possibilidades de organização do trabalho pedagó-
gico da creche e da Educação Infantil;
ƒƒ compreender o espaço físico das creches e pré-escolas como
ambiente pedagógico.

ESTUDO SOBRE A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO


PEDAGÓGICO DA CRECHE E DA EDUCAÇÃO
INFANTIL

O atendimento das crianças nas creches e nas escolas de edu-
cação infantil se firma desde a Constituição Brasileira de 1988, por
considerar a educação dessa fase um direito da criança e um dever
do Estado para com a Educação.

82
O Trabalho Pedagócio na Educação Infantil
Unidade 4

Ao longo do tempo, esse campo da educação tem buscado seu


aperfeiçoamento por meio de estudos e pesquisas, com revisões
das concepções sobre a educação das crianças, sobre os espaços
e sobre as práticas pedagógicas que fazem a mediação das cir-
cunstâncias de aprendizagem e do desenvolvimento infantil.
A partir da LDB de 1996, a creche passou a ser inserida na Edu-
cação e, desde então, tem recebido atenção especial, com discus-
sões sobre como orientar o trabalho pedagógico com crianças entre
zero e três anos, que passam pelas creches, além de também dar
continuidade às discussões, estudos e pesquisas do trabalho edu-
cativo das crianças de quatro e cinco anos.
A Resolução n.º 5 de 17 de dezembro de 2009 fixa as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil.

SAIBA MAIS
Vejamos alguns itens das Diretrizes Curriculares:
[...]
2. Definições – para efeito das Diretrizes são adotadas as definições:
2.1. Educação Infantil
Primeira etapa da educação básica, oferecida em creches e pré-escolas, às quais se caracterizam como espaços institucionais não
domésticos que constituem estabelecimentos educacionais públicos ou privados que educam e cuidam de crianças de 0 a 5 anos de
idade no período diurno, em jornada integral ou parcial, regulados e supervisionados por órgão competente do sistema de ensino e
submetidos a controle social.
É dever do Estado garantir a oferta de Educação Infantil pública, gratuita e de qualidade, sem requisito de seleção.
2.2 Criança
Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva,
brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade,
produzindo cultura.
2.3 Currículo
Conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do
patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5
anos de idade.
2.4 Proposta Pedagógica
Proposta pedagógica ou projeto político pedagógico é o plano orientador das ações da instituição e define as metas que se pretende
para a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças que nela são educados e cuidados. É elaborado num processo coletivo, com
a participação da direção, dos professores e da comunidade escolar.
Fonte :Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil / Secretaria de Educação Básica. – Brasília : MEC,

SEB, 2009. p.12-13.

Como se pode perceber, as Diretrizes propõem um currícu-


lo e uma proposta pedagógica construídos de tal forma que a
criança é o foco de interesse, um sujeito de direitos e histórico,

83
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 4

que passará por experiências e saberes que visualize o desenvol-


vimento ao mesmo tempo que ela aprende e é cuidada. A escola
de educação infantil é um trabalho que exige um compromisso do
educador e que ele seja maduro o suficiente para poder lidar com a
complexidade que é esse trabalho.

BREVE IDEIAS SOBRE A QUESTÃO DO CURRÍCULO

A palavra currículo nos conduz a pensar em concepções de tra-


jeto, roteiro de trabalho, e esse tema, até bem pouco tempo, muitos
entendiam ser difícil pensar em roteiro de trabalho com bebês ou
mesmo com crianças de quatro ou cinco anos.
O currículo nessa área de trabalho precisa ser pensado de
modo que abranja ou englobe um conjunto de elementos sig-
nificativos, que permita organizar os conhecimentos, as ex-
periências vividas por essas crianças que estão em franco
processo de desenvolvimento (PEREIRA, 2007).
O currículo é uma composição de saberes e práticas, que inten-
cionalmente visam o desenvolvimento, a aprendizagem e a socia-
lização da criança, porém, ele pode estar organizado de tal forma
que a criança se torne um ser passivo.
Oliveira (2005) é uma estudiosa da educação infantil e, para ela,
a elaboração do currículo e da proposta pedagógica traz subenten-
dida a concepção de educação dos profissionais e a concepção
sobre a creche e a pré-escola.

[...] construir uma proposta pedagógica implica a opção por


uma organização curricular que seja um elemento mediador
fundamental da relação entre a realidade cotidiana da criança
às concepções, os valores, e os desejos, as necessidades e
os conflitos vividos em seu meio próximo e a realidade social
mais ampla, com outros conceitos, valores e visões de mundo
(OLIVEIRA, 2005, p. 169).

84
O Trabalho Pedagócio na Educação Infantil
Unidade 4

De acordo com Andrade (2007), a elaboração de um currículo, em


qualquer momento da educação do ser humano, precisa levar em
conta os seguintes elementos:
ƒƒ estabelecimento de metas e prioridades;
ƒƒ levantamentos de recursos;
ƒƒ definição de etapas;
ƒƒ atividade;
ƒƒ avaliação.

Amorim e Dias (2012) apresentam uma discussão sobre a formula-


ção de currículo para as escolas de educação infantil e as creches,
argumentando que as Diretrizes puseram em questão um trajeto,
que anteriormente era feito sobre uma construção coletiva e partici-
pativa de currículos para cada creche ou pré-escola e que atendia
as expectativas da comunidade e as necessidades das crianças.
Para essas autoras houve um desvio de rota em direção oposta,
quando é apresentado um referencial que passou a ser entendido
como ‘o’ currículo para educação infantil, um referencial elaborado
centralmente e que deveria ser seguido pelas creches e pré-escolas.
Amorim e Dias (2012) defendem:

[...] a necessidade de se pensar na especificidade da educa-


ção infantil e na sistematização das ações através da organi-
zação de um currículo para a creche. Para essa elaboração,
dentre outras referências, faz-se necessário o conhecimento
dos documentos oficiais brasileiros que tratam das questões
curriculares (AMORIM; DIAS, 2012, p. 2).

Já para Oliveira (2005, p. 171), o currículo pode ser entendido


como “trajetória de exploração partilhada de objetos de conheci-
mento de determinada cultura por meio de atividades diversifica-
das, constantemente avaliadas”
Entendemos que o currículo para a Educação Infantil deve estar
voltado para o favorecimento do desenvolvimento humano infantil,
em seus diversos aspectos, de linguagem, cognitivo, de equilíbrio

85
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 4

pessoal e motor, de relacionamento e socialização com as pessoas,


além de proporcionar oportunidades para o aprendizado de deter-
minados saberes culturais que ajudem o conhecimento do mundo
ao seu entorno.
Como podemos entender, há uma grande preocupação em rela-
ção ao currículo da Educação Infantil. Kishimoto (1994) entende que
as crianças, como seres individuais que são, interpretam e vivem as
situações de modo diverso e específico. Assim, podemos subenten-
der que, para essa autora, é quase necessário que seja feito um
currículo para cada criança.

SAIBA MAIS
Tisuko Morchida Kishimoto atua no campo da educação infantil, faz seus estudos ligados às políticas públicas, aos brinquedos, ao
letramento e ao brincar. Em 1994, desenvolveu um texto para o Ministério de Educação e Cultura (MEC) a respeito do currículo na
educação infantil, e retoma a palavra currículo em sua etimologia, que deriva do latim ‘currus’ – carro, carruagem, que significa um lugar
no qual se corre. Para essa autora, o emprego do termo na educação pode expressar a busca de um caminho, uma direção que orienta
o percurso para atingir determinados objetivos.

O CUIDAR E O EDUCAR NO CURRÍCULO

Já pudemos fazer uma discussão sobre o tema cuidar e educar,


definindo e expondo suas dimensões e limites dentro da escola de
educação infantil.

SAIBA MAIS
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil

(Resolução CEB n.º 1 de 7/4/199, artigo 3º, inciso III) dispõe que as propostas pedagógicas de creches e pré-escolas devem promover
“práticas de educação e cuidados que possibilitem a integração entre os aspectos físicos, emocionais, afetivos, cognitivos, linguístico
e sociais da criança, entendendo que ela é um ser completo, total e indivisível”.

Normas para o estabelecimento das Diretrizes Curriculares Nacional para a Educação Infantil (2010) a serem observadas na
organização de propostas pedagógicas na educação infantil.
“2.4 Proposta Pedagógica ou projeto político pedagógico é o plano orientador das ações da instituição e define as metas que se
pretende para a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças que nela são educados e cuidados. É elaborado num processo
coletivo, com a participação da direção, dos professores e da comunidade escolar.”

86
O Trabalho Pedagócio na Educação Infantil
Unidade 4

Como se pode entender o cuidar está no currículo da educação


infantil como uma função, tanto quanto está ligado às aprendiza-
gens. Gostaria de destacar a importância do cuidar, ao longo das
diferentes etapas de aprendizagem do ser humano, uma vez que
é parte do gênero humano os relacionamentos, a socialização e o
respeito mútuo, evitando-se relacionamentos de natureza negativos,
contraproducente que são bases da violência ou do bullying.
Depreende-se que o cuidar se expressa por meio de conhecimen-
tos advindos da psicologia, das contribuições das teorias do de-
senvolvimento infantil, além de valores e crenças partilhados pela
comunidade.
O trabalho pedagógico de cuidar exige um compromisso e afetivi-
dade em relação ao outro, que vai atender as necessidades físicas
e biológicas da criança, por exemplo, limpar nariz, trocar fraldas,
dar banho, alimentar. Também vai dar suporte às necessidades de
segurança, cuidando para não haver acidente, criando espaço de
convivência tranquilo. Também vai estar cuidando das necessida-
des afetivas, como, por exemplo, procurar entender o motivo do
choro, vai pegar nas mãos de uma criança pequena e ensinar bater
palminhas, ocasião de vínculos afetivos próximos, importantes para
a criança se perceber como sujeito e notar sua aceitabilidade pelo
outro, que é o educador.
Nesse espaço, o educador criará oportunidades para a criança
desenvolver suas atividades, bem como ela própria se desenvolve-
rá. A forma como isso se dá está relacionada ao modo como o edu-
cador planeja, organiza e prepara seu trabalho pedagógico. O edu-
cador precisa organizar o tempo e o espaço na rotina das crianças.
Além disso, educar está relacionado com a elaboração de ativida-
des contextualizadas para a criança aprender de modo significativo,
e necessariamente precisam ser intencionais. O trabalho pedagógi-
co assim pensado promove o desenvolvimento, a aprendizagem e
facilita ser avaliado.
Falamos mais uma vez que essa relação afetiva do educador para
com os alunos, lembrando que para muitas crianças é como se fosse
feita uma marca em suas personalidades, marcas que podem nunca
mais serem esquecidas pelas crianças. Esse trabalho do educador
não tem preço!!

87
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 4

Especificamente quanto ao educar, vamos recorrer aos Referen-


ciais Curriculares Nacional para a Educação Infantil:

Educar significa, portanto propiciar situações de cuidados,


brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e
que possam contribuir para o desenvolvimento das capacida-
des infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os ou-
tros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança,
e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da
realidade social e cultural. Neste processo, a educação poderá
auxiliar o desenvolvimento das capacidades de apropriação e
conhecimento das potencialidades corporais, afetivas, emocio-
nais, estéticas e éticas, na perspectiva de contribuir para a for-
mação de crianças felizes e saudáveis (BRASIL, 1998, p. 23).

A atividade educativa deve ser planejada com objetivos e inten-


cionalidade de aprendizagem e desenvolvimento que permita que a
criança possa compreender o mundo à sua volta.

ROTINAS E A RELAÇÃO COM O TEMPO E COM O


ESPAÇO

Neste capítulo, estudaremos como a organização do tempo e do


espaço das crianças das creches e da pré-escola pode contribuir
para a aprendizagem.
Procuraremos também entender como a organização do tempo e
do espaço na elaboração das práticas pedagógicas pode ser trans-
formadora na educação das crianças e no papel do educador.
O planejamento do trabalho pedagógico é importante, precisa
conter objetivos e deixar claras as intenções da aprendizagem. A ro-
tina orienta as ações e permite que as crianças se situem na relação
tempo-espaço e o educador tem uma percepção do que vai ocorrer
no dia a dia, impedindo que a rotina seja repetitiva ou monótona.

88
O Trabalho Pedagócio na Educação Infantil
Unidade 4

Como já argumentamos anteriormente, é dentro de um espaço-


-tempo organizado que as crianças interagem, constroem seu mun-
do de significados e de sentidos, sua subjetividade, compartilham
os sentidos dos instrumentos ao seu redor e das crenças e valores
das pessoas, tudo em um conjunto, para que a criança possa se
desenvolver tornando seu mundo mental integrado.
David e Weinstein (1987) são de opinião que a organização dos
espaços é parte integrante de um bom trabalho pedagógico e isso
significa que os materiais como móveis, brinquedos e mesas preci-
sam estar dispostos em um ambiente físico que favoreça a qualida-
de do trabalho. Esses mesmos autores colocam que os ambientes
destinados à educação das crianças devem promover:

ƒƒ identidade pessoal;
ƒƒ desenvolvimento de competência;
ƒƒ oportunidade para o crescimento;
ƒƒ sensação de segurança e confiança;
ƒƒ oportunidade para contato social e privacidade.

Já para Friedmann (2003), a disposição dos móveis, espelhos,


almofadas, prateleiras, cortinas, higiene, decoração, entre outros,
refletem a proposta educacional e as escolhas das educadoras.
Queremos acentuar que o espaço, os instrumentos contidos nos
espaços, mobílias e equipamentos em geral se compõem em variá-
veis decisivas para o processo de desenvolvimento e de aprendiza-
gem infantil. Lembrando ainda que essa forma de arranjo no espaço
reflete a concepções que o educador tem, tanto de infância, como
de criança e de modelo de aprendizagem.
Temos apresentado a teoria sociointeracionista em diversas ocasi-
ões e, em relação ao espaço físico no favorecimento das interações
sociais, nos comportamentos das crianças, é possível descrever o
seguinte:

Um ambiente é carregado de símbolos que chamam a aten-


ção das crianças para certos aspectos. Por vezes, se vê nas
creches e pré-escolas um espaço físico enfeitado por abece-

89
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 4

dários ou cartazes que tratam de conteúdos escolares. Ou-


tros ambientes têm nas parede figuras de indústria cultural
voltada à infância como os personagens de estudos Disney
(OLIVEIRA, 2005, p. 193).

Miranda (2007) faz parte do Grupo Ambiental Educação (GAE),


composto por profissionais de arquitetura, engenharia, pedagogos
e psicólogos, que tem a preocupação com espaço físico escolar, e
afirma que quando bem planejado, pode interferir de modo positivo
no projeto pedagógico. Essa autora argumenta que:

[...] instalações sanitárias, pias, bebedouros, armários, livros


e brinquedos – tudo deve estar ao alcance das crianças. Uma
providência que vai facilitar a autonomia e torna-las mais in-
dependentes. Esse conceito inclui ainda a construção de
espaço acessível a pessoas com necessidades especiais
(MIRANDA, 2007, p. 25).

Para a referida autora, a organização do espaço precisa levar em


conta um espaço que permita incorporar valores culturais das famí-
lias em suas propostas pedagógicas. “Um espaço que as crianças
possam ressignifica, transformar, propor, recriar, explorar e modifi-
car o que foi planejado” (MIRANDA, 2007, p. 26).

Leitura complementar
“O espaço físico das creches e pré-escolas deve proporcionar:
Acessibilidade – portas e pisos sem obstáculos para a passagem de
cadeiras de rodas e carrinhos de bebê, sanitário adaptados para crianças
e adultos deficientes.
Autonomia – equipamentos na altura das crianças (bebe-
douros, maçanetas, vasos sanitários) para que elas possam agir
independentemente dos adultos.
Ambiente lúdico – paredes coloridas, ambientes alegres
e aconchegantes.

90
O Trabalho Pedagócio na Educação Infantil
Unidade 4

Segurança – disposição dos espaços e dos equipamentos de maneira


a evitar que as crianças estejam expostas a riscos de queda, de ferimento
ou intoxicação.
Higiene – uso de materiais de fácil limpeza, como tinta lavável nas
paredes e piso liso no chão.”

MIRANDA, Angélica. Arquitetura e educação juntas por uma educação infantil melhor.
Revista Criança do Professor de Educação Infantil, n. 43, 2007, p.19-26.
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Educinf/revista43.pdf>.

Figura 1 – Educação Física


Chamamos a atenção para que os espaços, além de seguirem as
para crianças da Creche
exigências técnicas básicas, de normas sanitárias e de segurança, Fonte: <http://
em suas disposições, observe-se que a relação entre o número de centroedraiodesol.blogspot.
com.br/2014/04/aula-
crianças e de adultos e a dimensão do espaço seja adequada, sen- de-educacao-fisica-do-
do evitado o aglomerado de crianças, adultos e materiais, bercario-ii.html>. Acesso em:
22 jun. 2015.
em espaços inadequados.
De acordo com Abramowicz e Wajskop (1999, p. 31) o espaço
físico das instituições de educação infantil pode ser definido como:
“Todo espaço físico é um território cultural: a ser ocupado, constru-
ído, bagunçado, organizado, marcado por experiências, sentimen-
tos e ações das pessoas”.
Essas duas autoras apresentam grande contribuição para as ques-
tões de espaço e tempo. A seguir apresentaremos algumas delas. Figura 2 – Detalhe de um
espaço da Escola Centro
Municipal El Rio de Sol
Fonte: <http://acadente.
CRIANÇAS ATÉ TRÊS ANOS blogspot.com.br/2013/02/
espaco-fisico-da-escola.
html>.Acesso em: 22 jun.
É uma faixa etária na qual as crianças aprendem os movimentos 2015.
com as mãos, a engatinhar e a andar, bem como aprendem a con-
trolar o corpo, como é o caso dos esfíncteres. Aprendem a falar, ex-
pressar seus sentimentos e desejos e consegue se comunicar com
os demais.
São inúmeras as atividades que as crianças desenvolvem e, para
atender suas necessidades, é importante a presença de brinque-
dos, que os berços tenham objetos que desperte interesses, pos-
sibilitando que os bebês gesticulem, olhem balbuciem, escutem,
descubram e imitem.

91
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 4

É conveniente que no espaço haja espelhos favorecendo a cons-


trução da imagem corporal e barras horizontais fixas às paredes na
altura dos bebês para estimular que eles fiquem em pé.
Os cantinhos devem ser arranjados para que, à medida que eles
crescem, possam encontrar novos objetos como carrinhos, objetos
de uma casinha, roupas, elementos que iniciem a estimulação do
faz de conta. Desde essa idade convém ensinar a guardar os obje-
tos e ajeitar a sala.
Nos espaços internos é importante a organização dos locais des-
tinados ao banho, troca de roupas e à alimentação.

CRIANÇAS DE QUATRO A SEIS ANOS

Nessa faixa etária já é possível agrupar as crianças por um perí-


odo, para desenvolver projetos de brincadeira ou iniciar trabalhos
em conjunto. O educador encontra novos desafios na rotina com
essas crianças, geralmente elas são agrupadas por idade, sendo
uma referência importante para as crianças e pode ser complemen-
tada com trabalhos por grupos heterogêneos que se auxiliem nas
aprendizagens.
Os espaços físicos devem dar continuidade ao desenvolvimento
da curiosidade das crianças e de sua autonomia. Podem ser plane-
jadas e organizadas atividades como leitura, desenho, modelagem
etc. As crianças poderão mostrar suas produções, deixando sua
marca num espaço onde haverá seus desenhos, suas fotos etc.
Lembrando sempre que há necessidade que os brinquedos e ob-
jetos estejam sempre acessíveis às crianças e que elas aprendam a
organizá-los e guarda-los após as atividades.

QUESTÃO DO TEMPO

Trata-se realmente de uma questão, pois existem crianças que


permanecem oito ou mais horas em uma instituição. Portanto, é im-
portante que haja uma rotina nas creches e nas pré-escolas, para
que a permanência seja agradável.

92
O Trabalho Pedagócio na Educação Infantil
Unidade 4

O tempo necessita estar planejado de modo a poder atender as


necessidades culturais, psicológicas e fisiológicas. Oliveira et al.
(1992) chamam atenção para que o tempo não seja apenas dedi-
cado às questões de higiene, alimentação e sono, pois há outras
necessidades.

Uma creche, no mês de agosto, mês dos ventos na região,


chamou alguns adolescentes do bairro para confeccionarem
pipas, juntamente com seus irmãozinhos que frequentava a
creche e os colegas destes. O orgulho das crianças de esta-
rem recebendo os visitantes e a alegria da aprendizagem de
algo tão mágico e fascinante envolveram crianças e educado-
res. A atividade realizada levou a um desafio coletivo maior e
marcou um evento diferente, valorizando a aquisição de novos
conhecimentos, assim como os estabelecimentos de novas re-
lações afetivas (OLIVEIRA et al., 1992, p. 81).

Além da riqueza de aprendizagens que podemos perceber na ex-


periência acima citada, chamamos a atenção para a intenção que
conduziu a atividade e as diversas oportunidades de interação.
Para tanto, o papel do educador neste ponto é o de pensar e or-
ganizar o tempo, de forma que seja evitada a ‘espera’ que ficam as
crianças em algumas instituições.

A organização curricular deve criticar o tempo desperdiçado


em atividades sem significado para a criança ou sem coerência
com uma pedagogia transformadora: a fila, o sono, os abaixar
a cabeça na mesa. Também requer avaliar o tempo empregado
em atividades de cuidados: higiene das mãos, escovação dos
dentes, descanso e alimentação (OLIVEIRA, 2005, p. 22).

A organização do cotidiano implicitamente contribui ao desenvol-


vimento infantil, pois a vida mental requer viver em espaços orga-
nizados, principalmente no início da vida. Essa organização tam-
bém objetiva atender tanto as necessidades das crianças como sua
realidade sociocultural.

93
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 4

Oliveira (et al., 1992, p. 89) propõem quatro grupos de atividades


para a organização do tempo das crianças:

A. atividade de organização coletiva: momentos de entrada e saída


da creche, a realização de grandes festas e comemorações, ati-
vidades de arrumação da sala;
B. atividades de cuidado pessoal: alimentação, higiene, descanso
ou sono;
C. atividades dirigidas, coordenadas pelo educador;
D. atividades ‘livres’, ou seja, menos dirigidas pelo educador. São
os momentos das brincadeiras que podem acontecer em turmas
separadas ou em agrupamentos de turnos.

A rotina diária das escolas de educação infantil se caracteriza


pela sequência e organização de atividades que devem atender as
diferentes faixas etárias e suas necessidades correspondentes. Isso
significa que a rotina do berçário tem suas peculiaridades diferentes
das crianças da faixa etária entre 4 e 5 anos.
Abramowicz e Wajskop (1995) oferecem exemplo de rotina. Vejamos:

Leitura complementar
Exemplo de rotina para crianças de zero a três anos
Manhã
ƒƒ chegada das funcionarias e educadoras e preparo das salas;
ƒƒ chegada e recepção das crianças para o início da atividade proposta;
ƒƒ higiene, troca de fraldas para os bebês, se necessário;
ƒƒ mamadeiras e/ou café da manhã;
ƒƒ atividades ao ar livre, com banho de sol; brincar com objetos e brin-
quedos;
ƒƒ banho;
ƒƒ almoço.
Tarde:
ƒƒ sesta: as crianças podem dormir ou descansar, outras podem brincar
em seus berços ou colchonetes;

94
O Trabalho Pedagócio na Educação Infantil
Unidade 4

ƒƒ lanche: mamadeira de leite ou suco;


ƒƒ atividades orientadas.
Final da tarde:
ƒƒ jantar;
ƒƒ leitura de histórias;
ƒƒ troca de roupas das crianças e preparo para a saída;
ƒƒ conversa com os pais e entrega das crianças.

Exemplo de rotina para crianças de quatro a seis anos


Manhã
ƒƒ chegada das funcionarias e educadoras, preparo das salas;
ƒƒ chegada e recepção das crianças;
ƒƒ conversa com o grupo para planejar o dia;
ƒƒ café da manhã;
ƒƒ atividades dirigidas em sala com o grupo de referencia por idade;
ƒƒ almoço.
Tarde
ƒƒ horário livre: as crianças podem descansar, ler, ouvir histórias na bi-
blioteca, brincar ao ar livre ou em salas-ambiente, caso existam na
creche;
ƒƒ atividades orientadas em sala ou ao ar livre, em grupos de diversas
faixas etárias, em função de salas-ambiente ou de projetos específicos.
Final da tarde:
ƒƒ jantar;
ƒƒ conversa com o grupo para rever e avaliar o dia;
ƒƒ leitura de livro ou histórias;
ƒƒ saída.

ABRAMOWICZ, Anete; WAJSKOP, Gisela. Educação Infantil Creches. São Paulo:


Moderna, 1995, p.28 e 29.

Barbosa e Horn (2001) discutem a importância da organização


espaço-temporal, argumentando sobre as possibilidades de apro-
veitamento pelas crianças em suas interações e socialização.

95
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 4

Baseados nessas autoras, fazemos uma síntese e apresentamos


a seguinte proposta de organização das atividades no tempo nas
instituições de educação infantil:
. Atividades diversificadas para livre escolha: não implica a ausência
do adulto, pelo contrário, requer sua observação cuidadosa. Devem
ser oferecidos objetos, brinquedos e espaços às crianças dando-
lhes o direito de escolha. Exemplos: brincadeiras individuais ou em
grupos ou atividades corporais, musicais, dramáticas, plásticas, de
linguagem oral e escrita.
. Atividades opcionais: são realizadas coletivamente mediante o
interesse das crianças por determinado fato ou acontecimento.
Exemplos: visitas, teatros, festas comemorativas etc.
. Atividades coordenadas pelos adultos: geralmente realizadas
coletivamente, tanto nos espaços internos como externos da
escola. Exemplos: jogos, brincadeiras, construção do planejamento
das atividades do dia, projetos, histórias, pesquisas etc.
A organização do tempo e dos espaços na educação infantil revela a
concepção de infância e de educação infantil. O trabalho pedagógico
a ser realizado precisa se fundamentar em pressupostos teóricos,
tornando mais fácil a avaliação.

Em síntese, ressaltamos a importância do papel do educador e


sua ação docente baseada em pressupostos teóricos, em ativida-
des organizadas e planejadas, respeitando a criança como sujeito
em processo de desenvolvimento e aprendizagem.

FAMÍLIAS E INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO


INFANTIL

Até o momento discutimos importantes aspectos das escolas de


educação infantil, currículo, linguagens, modelos teóricos, tempo e
espaço, julgamos importante dedicar uma atenção a respeito da re-
lação com as famílias, como uma forma de compreender a relação
delas com as instituições de educação infantil.

96
O Trabalho Pedagócio na Educação Infantil
Unidade 4

As mudanças que têm ocorrido no plano social, na economia, na


política, na cultura e no mundo do trabalho têm provocado mudan-
ças no segmento família.
A teoria histórico-cultural nos permite entender que a família é uma
instituição que se modifica, conforme muda também a sociedade.
Nas modernas sociedades, o avanço da industrialização e as mu-
danças urbanísticas acabam influenciando as relações familiares,
tornando maior a necessidade de novos arranjos para os cuidados
de suas crianças.
Entretanto, podemos notar que o papel da mãe ainda é muito for-
te na sociedade. As mães trabalhadoras, que deixam seus filhos
em creches ou escolas, experimentam sentimentos de culpa e, às
vezes, de rivalidade por quem acaba exercendo seu papel, que no
caso são as pessoas e educadoras das instituições de educação
infantil, que é formado principalmente por mulheres.
O fato é que as crianças levam para a escola os modelos de víncu-
los que inicia em seus lares. Como afirmam Barbosa e Horn (2001),
o dia a dia da escola de educação infantil é permeado de vínculos
afetivos. Os adultos à sua volta precisam entender o valor de suas
interações, de forma corresponsável família e educadores para que
as crianças possam evoluir e o ensino se torne de qualidade. Essas
mesmas autoras consideram importante a comunicação diária entre
a família, os educadores e as crianças. Citam como exemplo o uso de
agendas, diários ou cadernos como instrumentos de comunicação.
Sabemos que muitas famílias acabam procurando o educador
quando enfrentam problemas, mas a comunicação também pode
ser feita nos momentos de construtividade das crianças.
A família exerce forte influência sobre o desenvolvimento da crian-
ça, há um sistema emocional no seio de cada família e a criança vai
para a escola com esses elementos em sua subjetividade.
Contudo, o educador precisa ser ponderado nas suas análises
das relações entre pais e escola, pois, muitos pais têm conflitos e
dificuldades, oriundos das circunstâncias sociais e muitas vezes até
pela desigualdade social. O papel do educador, nesse ponto, é de
saber mediar situações difíceis ou de conflitos.

97
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 4

A atitude básica deve ser de compreensão dos determinantes


da ação da família, e não de censura a ela. Há que entender que
pesquisas na área têm evidenciado que a carência de oportu-
nidades de convivência social nas cidades leva as famílias a
se fechar e viver modelos interpessoais carregados de emo-
ções negativas. Superar isso exige a criação de um ambiente
coletivo mais aberto nas creches e pré-escolas, o que requer
estreitar as relações entre escola e comunidade e substituir o
paternalismo ou o distanciamento, porventura existentes, pelo
diálogo e o reconhecimento mútuos (OLIVEIRA, 2005, p. 180).

O que essa autora coloca é a necessidade de acolhimento das


famílias e a compreensão de suas dificuldades, sejam elas psicoló-
gicas, culturais ou sociais.

SAIBA MAIS
A LDB n.º 9.394 de 1996, ao reconhecer as creches e pré-escolas como instituições de educação infantil, estabelece novas formas de
relações dessas instituições com as famílias.
A Lei, em seu artigo 29.º, descreve que “A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento
integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família
e da comunidade” (BRASIL, 1996, p. 12).

Depreende-se que a proposta pedagógica das instituições pre-


cisa considerar o relacionamento com as famílias como um aspeto
básico para a qualidade do trabalho educativo.
Assim, a educação das crianças é legalmente estabelecida como
uma corresponsabilidade das famílias e das escolas de educação
infantil e é necessário que seja construída as relações entre ambas.
À medida que os educadores promovem o desenvolvimento de
ações que permitam os cuidados e a educação das crianças, es-
tarão superando antigos procedimentos e não estarão mais traba-
lhando na dimensão assistencialista, de guarda, de proteção ou de
substituição da mãe.
Quando uma criança inicia sua vida escolar é prática das escolas
de educação infantil fazer adaptação das crianças. Assim inicia um
trabalho de parceria com as famílias. O período de adaptação exige

98
O Trabalho Pedagócio na Educação Infantil
Unidade 4

atitudes de compreensão, de acolhimento das famílias e das crian-


Atenção
ças, para que possam sentir segurança no novo ambiente. Nesse
momento a instituição precisa ser flexível em sua rotina. Há muito que se relacionar
com as crianças e suas fa-
É importante estabelecer um canal de comunicação com as famí- mílias. Sendo necessário se

lias, elas poderão falar sobre seus filhos, sobre seu desenvolvimen- aprender a lidar com a diver-
sidade.
to, darão suas impressões. Para que se estabeleça um ambiente
educativo e de trabalho, o qual visa contribuição mútua, são utiliza-
das entrevistas.
As entrevistas com as famílias podem ser dos seguintes tipos:

−−Entrevistas de admissão – ocorrem no momento de entrada da


criança para a escola, é muito importante para se conhecer os
padrões da família, sua realidade e os aspectos significativos do
desenvolvimento e das necessidades da criança.
−−Entrevista de acompanhamento – pode ser solicitada pelos
pais ou pela escola, se refere ao desenvolvimento da criança ou Figura 3 - Família de
sobre um assunto a ser esclarecido, negros tem um bebê louro
Fonte: <http://
−−Entrevistas avaliativas – momento no qual são compartilhados brasiluniversodigital.
aspectos referentes ao desenvolvimento das crianças e do pro- blogspot.com/2011/05/bebe-
louro-nasce-em-familia-de-
jeto pedagógico da escola. negros.html>. Acesso em: 02
jun. 2015.

São também importantes as reuniões com os pais, que podem


ser sobre a discussão do trabalho pedagógico, sobre as crianças e
seu desenvolvimento, e outros assuntos importantes que podem ser
trocados com os pais.
A escola pode manter como prática uma agenda onde o educador
registra os dados e informações sobre a rotina escolar da criança, e
onde os pais passam informações necessárias sobre as crianças e Figura 4 – Criança com
que necessitam de cuidados do educador. Síndrome de Down
Fonte: <www.drauziovarella.
As instituições que têm uma prática colaborativa e democrática com.br>. Acesso em: 02 jun.
2015.
terão a oportunidade de se aproximar mais das famílias de seus
alunos. Assim, as famílias poderão romper os sentimentos de culpa,
deixarão de ser apáticos ou cobradores de atendimentos.
Os trabalhos em parcerias constroem relacionamentos posi-
tivos e isso é um ganho para todos, tornando o clima escolar
prazeroso e saudável.

99
Desenvolvimento e Aprendizagem na Educação Infantil
Unidade 4

REFERÊNCIAS

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100
O Trabalho Pedagócio na Educação Infantil
Unidade 4

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