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Resolução de situações-problema: estratégias leitoras e habilidades

matemáticas

Geisa Mara Batista1


Lívia Linhares dos Santos2
(Colégio Instituto Coração de Jesus)

Resumo

Este artigo apresenta os resultados parciais de um estudo de teorias acerca da linguagem


específica da Matemática e da língua materna, com o objetivo de explicitar a relação
existente entre elas, partindo da resolução de situações-problema. A pesquisa, focada nos
quatro passos de resolução de problemas definidos por George Polya, nas estratégias
leitoras da linguista Ângela Kleiman e em um pressuposto epistemológico referente à
organização do pensamento proposto por Vygotsky, confirma a hipótese e as conclusões
sugerem que a resolução de situações-problema consideradas matemáticas ultrapassa o
domínio dos conteúdos envolvidos na disciplina, ou seja, a resolução de um problema
matemático deve considerar as estratégias cognitivas leitoras. Para tanto, através de uma
pesquisa bibliográfica e documental se observou a aproximação teórica entre Polya e
Kleiman.

Palavras - chave: Linguagem materna; habilidades matemáticas; estratégias leitoras;


situações-problema.

Resumen

Este artículo presenta los resultados parciales de un estudio de las teorías sobre el
lenguaje específico de las Matemáticas y al lengua materna, con el objetivo de explicar la
relación existente entre ellas, partiendo la resolucíon de situaciones problemáticas. La
investigacíon, forcada en los cuatro pasos de resolución de problemas definidos por George
Polya, en las estrategias lectoras de la linguista Ângela Kleiman y en un presupuesto
epistemológico referente a la organización del pensamiento propuesto por Vygotsky,
confirma la hipótesis y las conclusiones sugieren que la resolución de situaciones
problemáticas consideradas matemáticas, ultrapasa el dominio de los contenidos de esa
disciplina, o sea, la resolución de un problema matemático debe considerar las estratégias
cognitivas lectoras. Para tanto a través de uma literatura y documentos se ha observado la
proximidad teórica entre Polya e Kleiman.

Palabras - llave: Lengua materna; habilidades cognitivas matemáticas; estrategias


cognitivas lectora; situaciones-problema.

1
Graduada em Filosofia e Letras pela UFMG e Mestra em Filosofia pela UFMG.
2
Graduada em Matemática pela UEMG e Especialista em Educação Matemática pela PUC-MG.
Anais do V Colóquio Internacional Letramento e Cultura Escrita
Belo Horizonte 12 a 14 de agosto de 2014
ISBN 978‐85‐8007‐076‐7
Introdução

É possível estabelecer uma relação entre a linguagem matemática e a


língua materna, focando não apenas na interpretação de um texto matemático em
situações-problema, como também em sua resolução, partindo da relação entre
habilidades cognitivas matemáticas e estratégias cognitivas leitoras? Motivado por
essa questão, este artigo apresenta os resultados parciais de uma investigação que
toma como hipótese que a resolução de situações-problema matematicamente
contextualizadas não envolve apenas habilidades matemáticas, mas, também,
estratégias que são compartilhadas com a língua materna, especificamente as
exigidas na leitura. Ë relevante definir que quando se fala em estratégias da leitura
não se refere apenas a certas habilidades de interpretação e, sim, a um conjunto de
estratégias cognitivas utilizadas e desenvolvidas durante o exercício de leitura, a
saber: levantamento de hipóteses, identificação de dados relevantes, relação e
comparação de informações, memória, confirmação de hipóteses, entre outras.
Desta forma, o objetivo geral desse estudo é estabelecer a relação
existente entre a linguagem matemática e a língua materna para o desenvolvimento
de um raciocínio lógico. Para tanto, também se investigará as possibilidades de
aproximação entre dois dos principais teóricos da leitura e da resolução de
problemas, respectivamente, Kleiman e Polya.
A relevância de estudos e pesquisas em áreas estruturais do
conhecimento é quase autoevidente. Contudo, o contexto nacional em que este
estudo se insere não nos permite desconsiderar que existe uma necessidade
macrossocial em desenvolver tais pesquisas. O Brasil não tem apresentado
desempenho satisfatório em exames nacionais e internacionais. O exame
internacional que mede a capacidade de leitura, conhecimentos em matemática e
em ciências de nossos alunos de até 15 anos, o PISA (Programa Internacional de
Avaliação de Alunos) da OECD (Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico), avaliando o desempenho estudantil com índices de 0 a 800, é aplicado
a cada 3 anos e, apesar da discreta melhora no último exame, em 2012, o Brasil
continuou ocupando as últimas colocações com média de 410 em leitura e 391 em
matemática. Os resultados indicam que a grande maioria dos estudantes brasileiros

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não ultrapassam o nível básico da compreensão, sendo este o de identificação de
dados explícitos em textos, tendo dificuldade de ir além de problemas básicos e
aplicar conceitos (BRASIL, 2014). Como esses jovens são as futuras força
intelectual e de trabalho do país, os resultados do Brasil nesse exame, por suas
implicações pedagógicas e sociais, possuem consequência econômicas e políticas,
pois o exame tem indicado que entre 10 ou 15 anos esses estudantes, por não
serem letrados, podem não ter as capacidades e habilidades exigidas pelo mercado
de trabalho.
A fim de buscar os objetivos e comprovar a hipótese de que a leitura e a
interpretação de textos em linguagem matemática e materna possuem estratégias
cognitivas comuns, realizou-se, como primeira etapa de qualquer investigação
científica, uma pesquisa bibliográfica e documental, propondo a análise e
associação dos estudos de Polya, Kleiman e Vygotisky, bem como, por uma
abordagem qualitativa, a reflexão sobre a realidade nacional, tomando como
situações-problema matematicamente contextualizadas as apresentadas pelo
Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e o que a seu respeito dispõe os
Parâmetros Curriculares.

Situações-problema matematicamente contextualizadas e sua resolução

Primeiramente é importante evidenciar que entendemos situações-


problema matematicamente contextualizas como assim o faz Exame Nacional do
Ensino Médio (ENEM), dentro da proposta do caderno especificado como
Matemática e suas tecnologias por esse sistema de avaliação, contudo,
ressaltamos que o ENEM não é o foco de nosso estudo.
Por se tratar de situações-problema, referenciamos o matemático George
Polya, que deixou grandes contribuições para o estudo da Matemática, em especial
os seus quatro passos para a resolução de situações-problema, a saber, primeiro:
compreender o problema; segundo: traçar o plano; terceiro: colocar o plano em
prática; quarto: comprovar os resultados (POLYA, 1978). No primeiro passo
mencionado, verificamos que é necessária uma leitura em linguagem materna e em
linguagem específica, para que o estudante seja capaz de extrair do problema os

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dados importantes para a resolução, já que de acordo com Rosa e Orey (2010), a
linguagem, também, tem a importância de auxiliar na organização do raciocínio
lógico, sendo que na matemática, as definições, os procedimentos e conceitos, são
influenciados pela língua materna. Segundo Silveira (2001), essa etapa,
compreensão o problema, Polya (1957) propõe que se deve entender qual é a
incógnita, quais são os dados e as condições relevantes apresentadas pela
situação-problema, para estabelecer a melhor maneira de resolução, que é o
segundo passo citado, ou seja, elaborar um plano de ação, estabelecendo uma
relação entre os dados, condições e a incógnita do problema. De acordo com
Silveira (2001), o terceiro passo é considerado o mais fácil, pois exige apenas a
execução do plano estabelecido no passo anterior, todavia é nesse momento que
ocorrem fracassos, tendo em vista que vários educandos tendem a solucionar o
problema sem antes compreender e criar uma estratégia de resolução. Por fim, o
quarto passo, definido como revisão, possibilita examinar a solução, verificar o
resultado e argumentar. Esse passo sugere rever os passos anteriores verificando a
eficácia da solução obtida, ou seja, verificando se a incógnita e os dados definidos
no primeiro passo foram planejados e executados com eficiência no segundo e no
terceiro passo, comprovando ou refutando a hipótese.
É válido ressaltar que na perspectiva de Polya (1957) esses quatro
passos para resolução de um problema diferem substancialmente de um algoritmo
que se resolve passo a passo, pois pretendem orientar o educando no
desenvolvimento cognitivo voltado à construção do raciocínio lógico para a
resolução do problema, por isso os chamamos de estratégias. Assim, torna-se
possível ao educando, estrategicamente, voltar atrás na organização e execução da
resolução do problema em qualquer momento, não sendo obrigatório um único
planejamento e uma única execução, permitindo ao estudante diferentes formas de
resolver o problema, através de sua bagagem de conhecimentos, especificamente
matemáticos ou de mundo. O que no algoritmo não é permitido, pois existe uma
sequência de passos que devem ser mantidas, como, por exemplo, o algoritmo
algébrico da divisão, resolução de uma equação e expressões algébricas. Aqui
entendemos já um indicativo de que um indivíduo letrado, não apenas

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matematicamente, possui mais recursos para resolver situações-problema
matemáticas.

Resolução de situações-problema e estratégias cognitivas leitoras

Resolver um problema contextualizado é uma atividade que envolve


compreensão e, portanto, leitura e interpretação. A linguista Ângela Kleiman (1997,
p. 9) explica que a compreensão de textos envolve um conjunto complexo de
componentes mentais, ditos pela própria autora como “conjunto de processos,
atividades, recursos e estratégias mentais”. Optamos pela denominação estratégias
para se referir a esse conjunto. Assim, segundo a autora, a leitura é um processo
interativo que envolve estratégias cognitivas, processos cognitivos múltiplos e
distintos:
 Conhecimentos prévios: é o conhecimento adquirido ao longo
da vida e utilizado pelo leitor no momento em que lê.

É mediante a interação de diversos níveis de conhecimento, como o


conhecimento linguístico, o textual, o conhecimento de mundo, que
o leitor consegue construir o sentido do texto (...) e pode-se dizer
com segurança que sem o engajamento do conhecimento prévio do
leitor não haverá compreensão (KLEIMAN, 1997, p. 13).

É importante notar que os conhecimentos prévios podem ser linguísticos


ou extralinguísticos, exteriores ao texto e referentes aos saberes enciclopédicos dos
indivíduos. Os saberes matemáticos que se espera de um estudante que lê e
resolve um problema em uma avaliação, nessa acepção, são tipos de
conhecimentos prévios de mundo. Ao tratarmos do termo compreensão, parece
estarmos nos aproximando do primeiro passo de Polya, posto que para
compreender o problema são necessários, assim como para a compreensão de
qualquer texto, conhecimentos prévios linguísticos e extralinguísticos, a bagagem
de conhecimentos do educando referida anteriormente. Contudo, não se deve
deixar de notar a abrangência que se pode tomar os conhecimentos prévios,
considerando-se o conhecimento enciclopédico que possui o estudante.

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 Estabelecimento de objetivo: de acordo com Kleiman (1997) o
estabelecimento de objetivos e propósitos claros, além da mobilização de
conhecimentos prévios, ajuda o indivíduo na busca de coerência nas várias
atividades humanas. A explicitação do objetivo possibilita a compreensão. A
autora alerta que somos capazes de nos lembrar muito mais claramente
daqueles elementos que estão associados ao objetivo. Os objetivos ainda serão
importantes para a próxima estratégia cognitiva de leitura indispensável para a
compreensão, o levantamento de hipóteses.
 Levantamento de hipóteses: de acordo com Kleiman (1997, p.
36), um leitor ativo “elabora hipóteses e as testa à medida que vai lendo o texto”,
assim, fortemente determinado por seus objetivos e expectativas, o leitor formula
hipóteses, o que, por sua vez, “faz com que certos aspectos essenciais a
compreensão se tornem possíveis”: reconhecimento global e instantâneo de
itens relacionados, inferências, relacionamento de informações, seleção de
dados, entre outras atividades envolvidas que o levarão a confirmação ou
refutação da hipótese.
Conforme o primeiro passo definido por Polya e as colocações de
Kleiman (1997), a leitura ocorre a partir dos conhecimentos prévios do leitor em
suas duas perspectivas (linguísticas ou extralinguísticas) e esses conhecimentos se
fazem importantes, pois darão sentido ao texto proporcionando uma compreensão
eficaz, o que influencia na resolução de uma situação-problema. Neste momento
recorremos à etnomatemática, por ser “uma proposta da teoria do conhecimento,
que também aborda o relacionamento entre a cognição e a cultura” (ROSA e
OREY, 2003, p. 1). Assim, o enunciado de uma situação-problema pode ser
interpretado de acordo com a cultura do indivíduo, dos conhecimentos linguísticos e
matemáticos trazidos por ele de acordo com o grupo cultural em que está inserido,
pois “a matemática é espontânea, própria do individuo” (D’AMBRÓSIO, 2007, p.
15). Nesse sentido, Braga (2002) argumenta que existe a necessidade de que a
matemática seja concebida como uma linguagem, pois se revela como uma
possibilidade de leitura dos contextos natural, social e cultural pelos alunos de
acordo com a perspectiva proposta por D´Ambrosio (1990).

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Neste sentido, ressaltamos a contribuição de Vygotsky, expressas pelas
palavras de Garcia (2002) quanto à importância em considerar os conhecimentos
prévios do individuo no processo de linguagem e pensamento:

Portanto, as habilidades cognitivas e as formas de estruturar o


pensamento do indivíduo não são determinadas por fatores
congênitos. São, isto sim, resultado das atividades praticadas de
acordo com os hábitos sociais da cultura em que o indivíduo se
desenvolve. Consequentemente, a história da sociedade na qual a
criança se desenvolve e a história pessoal desta criança são fatores
cruciais que vão determinar sua forma de pensar. Neste processo
de desenvolvimento cognitivo, a linguagem tem papel crucial na
determinação de como a criança vai aprender a pensar, uma vez
que formas avançadas de pensamento são transmitidas à criança
através de palavras (GARCIA, 2002, p. 2)

Acrescendo às ideias de Vygotsky, Bello (2000) afirma que existe a


necessidade de associarmos a etnomatemática e a língua materna com a
consequente produção de significados matemáticos com questões de tipo histórico.
Nessa perspectiva, a língua materna é uma importante ferramenta que auxilia na
construção da história cultural, designando o tratamento que distintas maneiras de
explicar, entender, conhecer e compreender têm nos processos de geração,
institucionalização e difusão do conhecimento matemático (D’ AMBRÓSIO, 1990).
Como explorar os conhecimentos prévios faz diferença no processo de
ensino-aprendizagem dos educandos, não podemos extinguir os conhecimentos,
vivências e o contexto social dos estudantes em sala de aula, antes de chegarem
às escolas ainda crianças, eles sofrem influências culturais, o que interfere na
aprendizagem matemática e linguística, pois:

(...) quando o aluno chega na escola ele traz experiências de casa,


traz o conhecimento de jogos, de brincadeiras, pois já viveu sete
anos produtivos e criativos. Aprendeu a falar, andar, brincar. Isso
não é aproveitado pelo sistema escolar (D’AMBRÓSIO, 2003, p. 3).

Como exposto, as habilidades cognitivas e as formas de estruturar o


pensamento são cultural e socialmente construídas, tendo a linguagem como
mediadora, não podendo, assim, ser negligenciada a bagagem trazida pelo aluno,

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ou seja, os constituintes de seus conhecimentos prévios, os quais interferirão
diretamente em sua capacidade de compreensão.
Dando continuidade à aproximação entre os teóricos da resolução de
problemas e da leitura, é possível notar as semelhanças entre o levantamento de
hipótese proposto por Kleiman (1997) e os passos dois (planejamento) e três
(execução) de Polya (1957). Percebe-se no ato de planejar que está contido o
levantamento de hipóteses, assim como, no de executar, está contida as demais
atividades que nos levarão a confirmação ou refutação da hipótese. Tais
semelhanças nos permitiram estabelecer concretamente uma aproximação entre as
duas teorias e relacionar as estratégias leitoras e às especificamente matemáticas,
bem como observar que os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
– PCN (BRASIL, 2002) também sugerem tal relação:

Tanto isso é verdade que sabemos do fracasso dos alunos quando


propomos a análise de situações onde devem ser relacionados
dados ou fatos diversos ou quando é necessária a tomada de
decisão entre diferentes e possíveis caminhos de resolução. Nesse
caso, percebemos que, mesmo quando possuem informações e
conceitos, os alunos não os mobilizam, não os combinam
eficientemente, desanimam, esperam a explicação do professor, não
se permitem tentar, errar, não confiam em suas próprias formas de
pensar (BRASIL, 2002, p. 114).

A investigação, ao estabelecer a relação entre estratégias cognitivas


leitoras e específicas da matemática na resolução de problemas, espera trazer
elementos que contribuam com o desenvolvimento da competência dos educandos,
apontando caminhos que os permitam alcançar a solução eficiente de problemas
promovendo a confiança necessária à construção de seu pensamento dedutivo.
É possível também estabelecer uma relação entre as estratégias
cognitivas leitoras defendidas por Kleiman, os passos de Polya e a resolução de
situações-problema na visão da etnomatemática por D’Ambrósio (2001) e
explicitada por Rosa e Orey (2009):

Nesse tipo de aprendizagem a atividade intelectual do aluno deve,


quando possível, aproximar-se da atividade desenvolvida pelos
matemáticos e cientistas, ao longo da história, isto é, a partir de uma
situação-problema, o aluno deve levantar hipótese, testá-la, corrigi-

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la, inferir, transferir, transcender e generalizar (ROSA e OREY,
2009, p. 23).

Percebemos que a ideia etnomatemática vai ao encontro dos passos 1, 2


e 3 propostos por Polya relacionados à abrangência das estratégias de
conhecimentos prévios, levantamento de hipóteses e estabelecimentos de objetivos
defendidas por Kleiman, já que propõe um método de resolução que entende por
levantamento de hipóteses, a partir da definição de objetivos, as formas de
resolução de acordo com os conhecimentos prévios do indivíduo, buscando-se a
resolução que melhor atende a situação-problema para que se transforme a
realidade, ou seja, uma resolução significativa para o indivíduo.
Em outras palavras, a busca pela resolução se faz no sentindo de testar
uma ideia, poder corrigi-la utilizando e transcendendo para o problema os
conhecimentos prévios relacionados ao levantamento de hipóteses, para assim
analisar a solução e verificar o sentido da mesma, chegando ao quarto passo de
Polya. Neste ponto nossa investigação nos aponta para um interessante
questionamento: a relação entre estratégias leitoras e habilidades matemáticas, até
aqui demostrada, pode revelar não apenas semelhança, mas continuidade cognitiva
entre os processos? Pelo desenvolvimento de estratégias leitoras poder-se-ia
promover o desenvolvimento de habilidades matemáticas e um consequente ganho
de desempenho do estudante? Ao analisarmos especialmente a abrangência e
papel das estratégias de mobilização dos conhecimentos prévios e levantamento de
hipótese, apresentada por Kleiman, podemos afirmar que os estudos até o
momento sugerem uma resposta afirmativa.
Ao papel do conhecimento prévio e a busca por uma solução significativa
também associamos a etnomatemática, fundamentada pelo ciclo elaborado por
D’Ambrósio (1990) “Realidade-Individuo-Ação-Realidade”, onde o individuo parte
dos seus próprios conhecimentos de mundo, elabora um plano de ação, executa o
plano e age novamente na realidade, transformando-a e validando a solução.
Ao que tange ao ato de pensar, para fins de análise, tomamos como
pressuposto epistemológico as relevantes contribuições psicolingüísticas presentes
nos estudos de Vygotsky (1998), pois “o pensamento não é simplesmente expresso
em palavras; é por meio delas que ele passa a existir” (p. 156-57) e, nesse sentido
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a linguagem auxilia na organização do pensamento. Para esse autor, a linguagem é
constitutiva do pensamento, não só em sua expressão, pois ela permeia a
estruturação dos processos cognitivos. Complementamos com os dizeres de Garcia
(2002) sobre o pensamento do psicólogo, estabelecendo que:

Para Vygotsky, um claro entendimento das relações entre


pensamento e língua é necessário para que se entenda o processo
de desenvolvimento intelectual. Linguagem não é apenas uma
expressão do conhecimento adquirido pela criança. Existe uma
inter-relação fundamental entre pensamento e linguagem, um
proporcionando recursos ao outro. Desta forma a linguagem tem um
papel essencial na formação do pensamento e do caráter do
indivíduo (GARCIA, 2002, p. 2-3).

Assim, as ideias de Vygotsky vão ao encontro do objetivo principal dessa


pesquisa, buscar a relação existente entre estratégias cognitivas leitoras e
estratégias matemáticas, entre linguagem materna e matemática, considerando que
para uma resolução eficaz de uma situação-problema contextualizada
matematicamente são necessárias estratégias cognitivas proporcionadas não só
pelos raciocínios lógicos especificamente matemáticos, como, também, pelas
estratégias cognitivas leitoras no que concerne ao uso proficiente da linguagem.

Conclusão

A Pesquisa bibliográfica e documental nos conduz para a existência de


uma relação entre estratégias cognitivas matemáticas e estratégias cognitivas
leitoras. Estratégias essas necessárias não só para a interpretação de uma
situação-problema considerando a leitura em língua materna e em linguagem
matemática, como também para o desenvolvimento do raciocínio lógico e da
organização do pensamento. Partimos das estratégias relacionadas à compreensão
de um texto, ao planejamento para resolver uma situação-problema, e à execução e
à verificação de um resultado. Assim, foi possível a associação teórica não somente
entre os passos de Polya e as estratégias de Kleiman, como também, com o auxílio
da etnomatemática, entender melhor o papel dos conhecimentos prévios

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extralinguísticos e, com Vygotsky, os linguísticos na estruturação do raciocínio e
pensamento.
As leituras sugerem que a resolução de situações-problema
consideradas matemáticas ultrapassa o domínio dos conteúdos envolvidos na
disciplina, ou seja, a resolução de um problema matemático deve considerar as
estratégias cognitivas pertencentes ao leitor interativo, proficiente no uso da
linguagem, letrado. Por fim, que as estratégias leitoras, ao contribuírem para a
resolução de problemas, podem contribuir para o desenvolvimento das habilidades
matemáticas.
Como passo futuro da pesquisa indicamos a conclusão de uma pesquisa
de campo, a qual conta com a participação de um grupo de alunos do Ensino
Médio, de um Colégio da rede particular de Belo Horizonte, composto por dois
subgrupos: um de alunos participantes de um clube da leitura e outro de não-
participantes. Ao grupo misto foi proposto a resolução de situações-problema
matematicamente contextualizadas extraídas do ENEM. Dos resultados da
resolução espera-se examinar comparativamente o desempenho dos dois
subgrupos de estudantes.

Referências

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