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28/02/22, 21:33 Pra não dizer que não falamos de ‘Metaverso’ na saúde
Esqueça um pouco Mark Zuckerberg e sua “...fantástica fábrica de chocolate”. Metaverso ainda não
existe, ou se existe está ancorado no universo do entretenimento (games) e de algumas aplicações em
edtechs. Mas quando for real, comercial e natural não será um “novo petróleo”, mas um “novo
urânio”. Metaverso é uma rede de ambientes virtuais ativos em que as pessoas podem interagir umas
com as outras, ou com objetos digitais, enquanto operam representações virtuais de si mesmas
(avatares). Tecnicamente é uma combinação de (1) ‘realidade extendida imersiva’, com (2) RPG
multiplayer online (gênero de game onde os jogadores assumem o papel de personagens
imaginários) e (3) várias outras tecnologias inteligentes embaladas e propelidas pela web de alta
performance. As pessoas poderão fazer nos ‘ambientes-metaversos’ aquilo que já fazem na vida
físico-presencial, mas o farão em modo virtual. Poderão socializar, participar de eventos, fazer
compras, trabalhar, estudar, etc. Naturalmente, poderão também utilizar essa combinação
t ló i id i lh d úd
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tecnológica para cuidar mais e melhor de sua saúde.
O neologismo ‘metaverse’ emergiu nos últimos meses não porque o Facebook precisa de um novo
gadget para chamar de seu, mas por três variáveis dos nossos tempos: (1) a chegada do 5G; (2) os
novos hábitos de uma sociedade que precisou viver meses em clausura (Covid-19), se obrigando a
trabalhar (home-office) e estudar à distância; e pela (3) explosão descomunal das tecnologias de
gamificação, que saíram dos milhões de usuários para bilhões na última década. Depois de anos de
promessas, Realidade Virtual (RA), Realidade Aumentada (RA) e Realidade Estendida (XR) passam
a ter uma “segunda chance”, visto que até agora só alcançaram espaço expressivo no entretenimento
e não num mundo real abarrotado de demandas na educação, saúde e ciência política (sim, a
tecnologia digital ainda precisa reinventar os sistemas de participação popular antes que a
democracia vire poeira). Assim, fora os games a ‘realidade comercial’ mostra que a realidade virtual
ainda não decolou.
Metaverso é um conceito arremessado ao mundo real pela ficção científica, tendo, portanto, uma
atmosfera repleta de fantasia e caricatura. Mas não é inteligente desconsiderar o science-fiction-
power. Em 1993, o smartphone só era usado por James Bond; a videoconferência móvel só existia
nos episódios de Big Bang Theory (2007); e um ‘carro que se autodirige sem motorista’ era tão
somente uma cena de Will Smith no filme Eu, robô (2004). Na ficção futurista médica, então, só nos
era permitido supor um “diagnóstico médico instantâneo e à distância” num instrumento
(tricorder) usado por Leonard McCoy, o médico da nave Enterprise, núcleo da franquia Star Trek
(1968). Portanto, não é muito sábio reduzir a ciência ficcional somente aos ‘efeitos especiais’ do
cinema. Metaverso pode ser um dos mais revolucionários elementos sociodigitais deste século, já
tendo uma dezena de grandes players investindo bilhões no seu desenvolvimento.
Mas é no segmento da Saúde que as novas aplicações devem avançar com mais agilidade. Menos por
ser inovação e mais por ser a solução para um colossal portfólio de problemas que a pandemia deixa
de herança. A ‘convergência’ das aplicações de RV, RA e XR, que o mercado gosta de chamar
Metaverso, é uma oportunidade de ganhos efetivos na qualidade e produtividade dos sistemas de
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Um exemplo é o PAI (Photoacoustic Imaging), uma tecnologia híbrida que combina laser com
equipamentos de ultrassonografia, permitindo o “mapeamento profundo e não invasivo dos vasos
sanguíneos e da saturação do oxigênio no sangue”. PAI tem amplas aplicações potenciais na
oncologia (especialmente na detecção de câncer de mama) e nas orientações cirúrgicas. O IPASC
(International Photoacoustics Standardisation Consortium), por exemplo, é um grupo de trabalho
com uma centena de especialistas da academia, indústria e governo, incluindo o FDA, que estudam o
desenvolvimento tecnológico em PAI e as regulações necessárias. Que tal um cirurgião iniciar o
procedimento com toda área corporal do paciente em visão personalizada, dinâmica e holográfica
horas antes da cirurgia?
Outra peça-chave no metaverso médico são os smartglasses. Pesados, grandes, confusos e de baixa
resolutividade, os óculos-rv foram inovadores há uma década, mas depois se tornaram devices de
pouca atratividade para os usuários, principalmente se eles precisassem utilizá-los por várias horas.
N últi t t i l i t li t t ti
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Nos últimos quatro anos tornaram-se mais leves, inteligentes e atrativos, como, por exemplo, o
HoloLens 2 (Microsoft). Passaram a ser mais compatíveis com as exigências médicas, ainda que falte
muito para serem utilities, como um óculos-comum. Em termos de funcionalidades, essas
ferramentas já podem se conectar remotamente a especialistas, sobrepor em holografia dados
personalizados do paciente, consultar imagens 3D em videotecas e combinar Estudos de Casos
clínicos com alta resolução e fácil rastreamento ocular. A Case Western Reserve University e a
Cleveland Clinic, por exemplo, desenvolveram junto com a Microsoft o HoloAnatomy, um aplicativo
que permite ao médico (ou pré-médico) ver todos os aspectos do corpo humano, dos músculos às
veias, em 3D e dentro de um modelo holográfico dinâmico. O Facebook e seu Oculus Quest 2 VR
(wireless) ganha mercado e segue para patamares mais ousados nas disciplinas médicas, lutando
para se tornar algo perto de um ‘padrão-mundial’. Amazon e Intel também estão ganhando espaço
na infraestrutura médica-metaversa, assim como chinesa Nreal que desenvolve tecnologia de
realidade mista em 5G, oferecendo um smartglass que compartilha as mesmas especificações da
visão humana (Nreal Light). A Brainlab lança um visualizador de realidade mista (Mixed Reality
Viewer), cujo software e hardware aprimoram cirurgias críticas, tornando os procedimentos menos
sujeitos a improvisações. A Accuvein, por outro lado, usa RA em um dispositivo manual que ilumina
as veias periféricas da pele objetivando melhorar a punção venosa.
Vários procedimentos cirúrgicos já podem utilizar a robótica médica, mas as cirurgias mais
complicadas estão sendo configuradas para usar realidade aumentada (RA), seja para remoção de
tumores, ou para reparações invasivas na coluna. Em junho de 2020, neurocirurgiões da Johns
Hopkins realizaram as primeiras cirurgias com realidade aumentada. Os médicos inseriram seis
parafusos na coluna vertebral do paciente, usando um VR-headset com visor transparente que
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projetava as imagens da anatomia interna do paciente (ossos e outros tecidos) com base em
tomografias. “Usar a realidade aumentada na sala de cirurgia é como ter um navegador GPS na frente
dos olhos, de modo a não precisarmos olhar para uma tela separada para ver a tomografia
computadorizada do paciente”, diz Timothy Witham, diretor do Laboratório de Fusão Espinhal e
professor de neurocirurgia na Johns Hopkins University School of Medicine. O trabalho foi publicado
em 2019 no Journal of Neurosurgery Spine (“Augmented reality–assisted pedicle screw insertion: a
cadaveric proof-of-concept study”). O que falta para esse Case ser considerado metaverso? Muita
coisa. Um dia, antes da cirurgia, toda a equipe poderá fazer uma simulação do procedimento,
remotamente, propondo eventuais acidentes de percurso, com cronometragem e acompanhando de
sinais vitais personalizados (Virtual Surgical Planning), algo parecido como já faz a plataforma
EchoPixel. Mais do que isso: robôs e avatares participarão tanto da simulação quanto da cirurgia real
controlando dezenas de parâmetros que só máquinas inteligentes conseguem fazer, como, por
exemplo, aferir sinais vitais de cada um dos membros da equipe cirúrgica (a quantidade de
desconfortos físicos e mentais dentro de um centro cirúrgico cresceu muito nas últimas décadas).
Já existe cerca de 60 milhões de usuários regulares de RV e 91 milhões de RA nos EUA, sendo que
milhares de startups hoje trabalham unicamente em projetos de XR. O estudo “Extended Reality for
Enhanced Telehealth During and Beyond COVID-19: Viewpoint”, publicado em julho de 2021, mostra
os avanços e as perspectivas das ferramentas de metaverso (RV, RA, RM e XR) no pós-Covid-19. “A
hiper-presença em XR pode permitir contextos terapêuticos que os cuidados pessoais e virtuais
[telehealth] não podem. Tratamentos tradicionais voltados a saúde mental, por exemplo, invocam
estímulos internos (estados emocionais ou alucinações auditivas) que são fortalecidos por elementos
de imaginação-guiada, que podem ser visualizados e envolvidos diretamente no XR. Além disso, a
hiper-presença contrafactual pode tornar os cuidados de saúde mais acessíveis para os tímidos ou em
terapias que podem ser socialmente inadequadas”, explica o estudo.
A empresa XRHealth, por exemplo, permite que pacientes realizem terapias autoadministradas com
base em RV, que são supervisionadas remotamente por médicos. Ao envolver a conexão entre o
córtex visual e outras partes do corpo, os aplicativos em RV ajudam a tratar uma série de condições de
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A Realidade Estendida e todos os seus subsets cresceu na seara instrucional (treinamento), explodiu
nos games, fez alguma marola nas aplicações médicas (terapias mentais), mas não foi além disso. O
paciente ainda está fora da “xr-chain”. Todavia, a covid virou as demandas de cabeça para baixo, e o
5G está fazendo o mesmo com as ofertas, notadamente no metaverso-202X. Um dos centros mais
importantes de pesquisa em medical XR applications é o Oxford Medical Xr Facility, da Oxford
University, responsável pelo desenvolvimento e implementação de novas formas de analisar, integrar
e visualizar grandes conjuntos de dados biomédicos. Seu projeto BabelVR, por exemplo, é uma
aplicação que carrega imagens 3D de uma variedade de dispositivos médicos (microscópios,
ultrassom, tomografia, scanners de ressonância, etc.) para que possam ser visualizadas e interagidas
em um ambiente de realidade virtual (acompanhe no vídeo). O aplicativo demonstra a eficácia da
RV em casos biológicos complexos. Outro projeto do centro, o BreathlessVR, é mais sofisticado: cria
um ambiente de “mundo-real” enquanto mantêm parâmetros experimentais cuidadosamente
controlados. A plataforma objetiva capitalizar o poder do cérebro para moldar nossa percepção de
realidade, criando um ‘mundo virtual imersivo e multissensorial’. A proposta é examinar como o
cérebro pondera e combina diferentes entradas sensoriais que criam a sensação de “falta de ar”.
Utilizando elementos de RV, é possível descobrir, projetar e testar novos tratamentos personalizados
para essa insuficiência. Mas é o projeto CSynth a joia da coroa do ‘orford-vr’. Trata-se de uma
plataforma de ‘visualização interativa em 3D de moléculas biológicas’. Ela é projetada para
fornecer maneiras de explorar e compreender a estrutura complexa do genoma, integrando dados de
sequenciamento e modelagem (3D). Iniciado em agosto de 2020, a CSynth já está disponível para
pesquisadores, que podem utilizar a plataforma usando seus próprios dados de pesquisas e
experimentos.
Devido ao alvoroço causado pela ‘renomeação’ da holding do Facebook (“META”), inúmeras empresas
com projetos em metaverso (ou algo parecido), passaram a receber maior interesse comercial, como a
Augmedics XVision, que fornece um sistema em RA para orientações cirúrgicas, possibilitando que
médicos possam ver uma representação 3D da anatomia do paciente (por baixo da superfície da
pele), garantindo que conduzam cada procedimento com maior precisão. Ou a Dorothy, uma
assistente em RA para pessoas com doenças que deterioram a memória (ajuda também os cuidadores
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28/02/22, 21:33 Pra não dizer que não falamos de ‘Metaverso’ na saúde
a monitorar o paciente). O artigo “This Company Is Making Digital Humans To Serve The Metaverse”,
publicado em outubro último (The Verge), relata uma ‘criatura humana digital’ desenvolvida pela
empresa de tecnologia Soul Machines (Nova Zelândia). ‘Sam’, a dita criatura, foi projetada para ter
uma breve conversa sobre si mesma com os visitantes. Ela opera em um “cérebro digital” proprietário
e estuda as nossas expressões via webcam. A certa altura, Sam pede para que o visitante sorria e
pergunta se ele sabe o que é “animação autônoma”. Diante da negativa do usuário, ela explica:
significa que sua fala [de Sam] e suas ações não são pré-gravadas e ela pode responder a cada
momento numa interação natural. “Seres digitais”, rodando o software Humans OS 2.0 da Soul
Machines, só podem hoje usar as mãos, mas logo serão capazes de ter movimentos do corpo inteiro
(acompanhe no vídeo). Por enquanto, a Soul Machines produz somente ‘pessoas digitais’ para
atendimento ao cliente, mas em breve suas criaturas virtuais estarão por toda parte, incluindo na
cadeia de saúde. Delicie-se com a ideia de que já temos “seres digitais” trabalhando com “cérebros
eletrônicos ensináveis”, objetivando apoiar as pessoas normais a tomar decisões baseadas em
estruturas confiáveis (veja aqui uma ‘pessoa digital’ criada para dar suporte a um paciente).
Metaverso não é um robô, ou inteligência artificial, ou uma estação de realidade estendida. Nem é
uma nova criptomoeda, ou outra expansão da ciência de dados, ou mesmo uma nova Internet. É tudo
junto e sem aviso prévio. Como certa vez explicou Eric Schmidt (ex-CEO Google): “a Internet é a
primeira coisa que a humanidade construiu e que ela não entende; é o maior experimento de
anarquia que já tivemos, com todos os dias improvisando avanços”.
Guilherme S. Hummel
TAG: TI E INOVAÇÃO
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